Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:288/22.6BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:04/03/2025
Relator:ANA CRISTINA CARVALHO
Descritores:NULIDADE
GASTOS
INDISPENSABILIDADE
ÓNUS DA PROVA
TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA
CATEGORIA E O TIPO DE VEÍCULO LIGEIRO DE PASSAGEIROS
CERTIFICADO DE MATRÍCULA
Sumário:I - A omissão de pronúncia sobre documentos não integra o vício de nulidade da sentença previsto no artigo 125.º do CPPT;
II - Quando os gastos deduzidos não têm clara e evidente relação com o objecto social da sociedade, e questionando a AT a sua relação impõe-se ao contribuinte esclarecer de que forma tais custos preenchem o conceito normativo de indispensabilidade previsto no artigo 23.º do CIRC, uma vez que é quem tem o conhecimento directo da sua actividade;
III – Não estando em causa a veracidade das operações, mas a dedutibilidade dos gastos, cabe ao contribuinte o ónus da prova de que os gastos em causa reúnem os pressupostos necessários à sua dedutibilidade, porquanto decorre do preceituado no artigo 75.º, n.º 1 da LGT que a presunção de veracidade dos dados e apuramentos inscritos na contabilidade ali estatuída vigora, desde que a contabilidade seja organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal e, «sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.»;
IV – A fundamentação de liquidação subsequente a acção de inspecção é a que consta do respectivo relatório final;
V – O acto tributário está fundamentado quando permite ao contribuinte aperceber-se das razões concretas em que se basearam as correcções em causa e permitiu-lhe contrapor a sua versão dos factos e do direito sem dificuldade;
VI – A tributação autónoma incide sobre os gastos ou despesas deduzidas pela sociedade, que traduzem de alguma forma de vantagens indirectas dos respectivos destinatários – no sentido de corresponderem a gastos que os beneficiavam e em que estes evitavam incorrer – impunha-se alguma forma de reflexo fiscal dessa capacidade contributiva. (…) e que mais não traduziam do que vantagens indiretas auferidas pelos beneficiários de tais despesas;
VII - O certificado de matrícula ou Documento Único Automóvel constitui o documento de identificação de um veículo destinando-se a identificar, além de outros elementos, a categoria e o tipo de veículo que pode circular legalmente, sujeito a fiscalização, sendo qualquer alteração em desconformidade com o certificado determinante da emissão de novo certificado ou o averbamento da alteração, conforme os casos, pelo que, é pelos elementos identificativos do veículo que constam do certificado de matrícula, ou documento único automóvel que se definem as características dos veículos.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

A Impugnante G… - Trabalho Temporário, Unipessoal Lda., inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou improcedente a impugnação judicial por si intentada, em virtude do indeferimento de reclamação graciosa que apresentara contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º 20218310003531, referente ao exercício de 2019, no valor global de € 59 618,61, dela veio interpor recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

«I. A decisão do Tribunal a quo de julgar a impugnação improcedente, e em consequência manter o despacho de indeferimento da reclamação graciosa referente à liquidação de IRC e juros compensatórios viola a lei em vigor e máxime o artigo 20° da Constituição da República Portuguesa, como também os princípios da legalidade e da justiça material, previstos no artigo 5°, n° 2 da LGT, uma vez que

II. A Recorrente não pode conformar-se com o entendimento perfilhado na Sentença recorrida, na exacta medida em que manteve na ordem jurídica os actos tributários impugnados, devendo a Sentença ser revogada e substituída por outra conforme com as normas e princípios jurídicos aplicáveis.

III. Assim, como resulta das presentes Alegações, a Sentença recorrida padece, designadamente, de erro de julgamento e falta de fundamentação, razão pela qual deverá ser revogada por este douto Tribunal, sobre os pressupostos de direito, por erro na interpretação e aplicação do n.° 1 do art.° 23.° e art.° 88.° ambos do CIRC.

IV. Os critérios adoptados perderam a objectividade e abstracção que os deveria caracterizar deixando assim de haver independência em relação à situação concreta o que viola o princípio da imparcialidade consagrado no artigo 266° n.° 2 da Constituição da República portuguesa, ferindo a sentença do vício de violação de lei por aplicação de métodos indirecto e conclusões sem fundamento factual, documental ou legal.

V. Neste contexto, não podemos deixar de concluir que o acto sindicado padece do invocado vício de falta de fundamentação, sendo por isso ilegal (arts. 70°, n° 1, 99°, al. c) do CPPT e 77°, n° 1 da LGT), o que determina a sua anulabilidade, pelo que a sentença, recorrida, que assim não entendeu, deverá ser revogada.

VI. Por tal motivo, não e por não ter havido pronuncia sobre questoes que o mme juiz a quo deveria ter-se pronunciado, ou factos de que deveria ter conhecido, pois não se pronuncia sobre os documentos apresentados pela Impugnante, pois a douta sentença não analisou o facto dos veículos terem sido considerados mistos pela própria administração tributária, e por conseguinte isentos da tributação autónoma no acto da aquisição, e que agora querem liquidar.”. [cfr. fls. 983 dos autos] .

VII. Por outro lado, a douta sentença não invocou razões de facto ou de direito para indeferir a impugnação judicial interposta pela agora Recorrente, tendo-se simplesmente concordado com os fundamentos do anterior parecer e proposta da AT, e tirando conclusões sem qualquer suporte factual ou documental.

VIII. E sendo certo que a fundamentação era obrigatória nos termos dos artigos 268.°, n.° 3 da Constituição da República Portuguesa, termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente por provado e, por via disso, anulado o acto de liquidação oficiosa de IRC, em virtude de o mesmo estar ferido do vício de violação de lei, por violar o disposto dos artigos 266.°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa.

IX. Em conclusão, era à AT que compete o ónus da prova para a determinação da matéria tributável por métodos indirectos, não permitindo o n.° 3 do art. 74.° da LGT que se faça recair esse ónus sobre o contribuinte.

X. Deste modo, para além de enfermar de erro nos pressupostos de facto, na medida em que procedeu à aplicação de correcções meramente técnicas, enferma a liquidação objecto da presente acção arbitral, na parte ora em apreço, de vício de procedimento e erro nos pressupostos de direito, ao aplicar um método conclusivo, sem qualquer suporte físico.

XI. Salvo o devido respeito, considera a AT que a douta sentença, neste segmento, incorre em erro de julgamento que resulta não só da incorreta valoração da factualidade assente, como também da errónea interpretação e violação da lei.

XII. Assim como violou o princípio da segurança jurídica demonstrando nos presentes autos que as empresas não "mandam” no seu negócio nem podem tomar decisões de gestão, pois existe uma mão que sanciona todas as decisões de gestão, e além de tributar por ex. com IVA os itens enunciados, tributa depois em sede de IRC os mesmos itens sem justificação!

XIII. Sendo um verdadeiro atentado à constitucionalidade por violação dos princípios da legalidade e da capacidade contributiva.

XIV. Não podendo entender-se como válida a interpretação seguida pela Administração Tributária, à luz das regras de hermenêutica jurídica, o pedido da impugnação mostra-se ser procedente nesta parte.

XV. Quanto às ofertas, o gasto de oferta (relógio) no valor de €8.960,00 para um cliente responsável pelo aumento da faturação da Impugnante (sendo atualmente responsável por cerca de 2 milhões de euros de faturação) não pode ser desconsiderado como gasto elegível em sede de IRC de 2019.

XVI. No que concerne à correção relativa ao imóvel, sito em Albufeira, arrendado durante o período de Janeiro de 2019 a 2020, conclui a Impugnante que os encargos financeiros subjacentes ao arrendamento devem concorrer para a determinação da matéria coletável da Impugnante, uma vez que foram contraídos no âmbito do exercício da sua atividade e de acordo com o seu interesse próprio e individual, estando assim preenchidos os pressupostos do n° 1 e n.° 2 alínea d) do artigo 23.° do CIRC.

XVII. Já quanto à_Tributação autónoma - viaturas, defende a Impugnante que apenas estão sujeitas a tributação autónoma prevista no n.° 3 do art.° 88.° do CIRC as viaturas ligeiras de mercadorias que, para efeitos de imposto sobre veículos, sejam tributadas as taxas normais deste imposto, ou seja, as previstas na tabela A constante do n.° 1 do art.° 7.° do Código do Imposto sobre Veículos, o que não é o caso das viaturas da Impugnante.

XVIII. Por fim não se poderá a recorrente conformar com o facto do Processo Administrativo. [cfr. fls. 173 e 178 a 239 (PA) dos autos (numeração Sitaf, bem como todas as referências feitas doravante)] ... somente lhe ter sido comunicado já na fase final do presente processo, tendo nas suas alegações reiterado "quanto expendido desde o início do processo administrativo, e judicial, que NUNCA foi notificada de quaisquer documentos, a não ser o relatório de inspeção Tributária na génese dos atos de liquidação impugnados, sem quaisquer documentos anexos, conforme constava no artigo 10° da sua petição inicial da impugnação judicial.

XIX. De facto, a douta sentença, salvo melhor opinião, não poderia ter considerado como provados, os factos acima impugnados.

XX. As despesas apresentadas pela agora recorrente podem e devem ser caracterizadas como gastos para efeitos fiscais à luz do disposto no artigo 23.° do Código do IRC.

XXI. No preenchimento do conceito indeterminado de indispensabilidade, a que se refere esse dispositivo, a doutrina e a jurisprudência firmaram um entendimento no sentido de considerar que da "noção legal de custo fornecida pelo artigo 23.° do Código de IRC não resulta que a Administração Tributária possa pôr em causa o princípio da liberdade de gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram diretamente proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa”.

XXII. Deve entender-se que a atividade empresarial que gere custos dedutíveis há de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito (e não um obrigatório nexo de causalidade imediata) de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento. Nesse sentido, a atividade produtiva não deverá ser entendida em sentido restritivo, mas sim em sentido amplo, significando atividade relacionada com uma fonte produtora de rendimento da entidade que suporta os gastos. Ao buscar-se o sentido do conceito de atividade das empresas, ele não pode circunscrever-se a meras ou simples operações de produção de bens ou serviços, mas pressupõe uma relação com as operações económicas globais de exploração ou com as operações ou atos de gestão que se insiram no interesse próprio da entidade que assume os custos (cfr. neste sentido, o acórdão arbitral proferido no Processo n.° 480/2016).

XXIII. A Administração Fiscal, e o Tribunal a Quo, com a decisão proferida violaram claramente a garantia de proteção jurisdicional efetiva dos direitos e interesses legítimos dos administrados, no artigo 20° da Constituição da República Portuguesa, bem como os princípios da legalidade e justiça tributária, previstos no n° 2 do artigo 5° da LGT.

XXIV. Como tal, deve o presente RECURSO SER CONSIDERADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA declarar nulo, por falta de fundamentação, que é notoriamente insuficiente, nos termos do disposto no artigo 99°, alínea c), do CPPT, o despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, revogando-se a sentença proferida ou OU, EM ALTERNATIVA, CASO NÃO SE ENTENDA FUNDAMENTO PARA A EXCEÇÃO INVOCADA, SER O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA Revogar o Despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa por vícios materiais e de forma e, em consequência:

A) Ser anulada a decisão de considerar, para efeitos da liquidação oficiosa, o lucro tributável e matéria coletável de IRC de 2019, no montante de 59.618,61 € (cinquenta e nove mil, seiscentos e dezoito euros e sessenta e um cêntimos);

B) Ser ordenada à Autoridade competente desencadear os procedimentos com vista ao ressarcimento dos juros compensatório peticionados.

NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSA EXCELÊNCIA, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DETERMINANDO-SE A REVOGAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA NOS TERMOS SUPRA MELHOR EXPLANADOS E A SUBSTITUIÇÃO POR OUTRA QUE APRECIE E JULGUE PROCEDENTE OS ARGUMENTOS INVOCADOS PELA AQUI RECORRENTE, DETERMINANDO-SE, EM CONSEQUÊNCIA, A ANULAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO DE IRC OBJECTO DOS PRESENTES AUTOS, REFERENTE AO EXERCÍCIO DE 2019, NO VALOR DE € 59.618,61 € (CINQUENTA E NOVE MIL, SEISCENTOS E DEZOITO EUROS E SESSENTA E UM CÊNTIMOS), POR VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS E NORMAS LEGAIS ENUMERADAS, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS DAÍ DECORRENTES.


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A Recorrida fazenda pública não apresentou contra-alegações.

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O Ministério Público, junto deste Tribunal Central, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pela recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Importa assim, decidir as seguintes questões:

i) Se a sentença é nula por omissão de pronúncia sobre os documentos de fls. fls. 983;

ii) Se se verificou irregularidade processual com reflexos na sentença por junção do processo administrativo tributário pela AT com a contestação sem os anexos que o compõem, cuja junção veio a ser efectuada na sequência de determinação do Tribunal para o efeito;

iii) Se a sentença incorreu em errado julgamento quanto à decisão relativa à matéria de facto;

iv) Se ocorreu erro de julgamento quanto à verificação dos pressupostos da dedutibilidade dos custos corrigidos objecto de recurso, por violação do artigo 23.º do CIRC;

v) se a sentença recorrida errou no julgamento da questão da fundamentação do acto impugnado;

vi) se a sentença recorrida padece de erro de julgamento relativamente à tributação autónoma incidente sobre encargos com viaturas;

vii) se a sentença recorrida efectuou errado julgamento em violação dos princípios da legalidade, da justiça material, da tutela jurisdicional efectiva, da segurança jurídica, da capacidade contributiva e da imparcialidade.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

III – 1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

«A) A Impugnante é uma sociedade que exerce “a atividade de cedência de trabalho temporário para ocupação por utilizadores, podendo ainda desenvolver atividades de seleção, orientação e formação profissional, consultoria (na qual se exclui a consultoria jurídica) e gestão de recursos humanos”. [cfr. Certidão Permanente a fls. 370 dos autos];

B) Em sede de IRC o sujeito passivo G… encontra-se enquadrado no regime geral de tributação desde o seu início de atividade até à data. [cfr. RIT a fls. 78 do PA de fls. 241 e ss. dos autos];

C) Ao abrigo das Ordens de Serviço n.ºs OI202000704 (para o período de 2020/01 e 2020/02) e OI202000705 (para o período de 2019), foi efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Setúbal uma ação inspetiva com de âmbito geral para o ano de 2019 (IRC e IVA) e Parcial (IVA) para os períodos de imposto de 2020/01 e 2020/02. [cfr. RIT a fls. 76 do PA de fls. 241 e ss. dos autos];

D) Na sequência da notificação do projeto do Relatório de Inspeção Tributária (RIT) a Impugnante exerceu o direito de audição prévia através do requerimento de 22 de Julho de 2021. [cfr. doc. não numerado da pi];

E) Em 21 de Agosto de 2021, foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária (RIT) no âmbito do qual foram efetuadas correções em sede de IRC e IVA, no qual se concluiu, em sede de IRC (2019), o seguinte:

“(…) III.1 – IRC – Correções Técnicas – Período de 2019

III.1.1 – Gastos Não Aceites Fiscalmente (art.º 23.º do CIRC)

(…)

· Ofertas

Com referência ao período de 2019, o sujeito passivo procedeu ao registo dos seguintes gastos relativos a ofertas efetuadas no âmbito da sua atividade, conforme contas SNS abaixo indicadas:




Analisando a documentação Justificativa destes registos contabilísticos, constata-se que a mesma é constituída apenas pelas faturas emitidas pelos fornecedores da G…, inexistindo qualquer elemento adicional emitido pelo sujeito passivo.

Sobre este assunto, convém notar que o art.º 23.º do CIRC não afasta a possibilidade de uma empresa efetuar ofertas às entidades com as quais mantém relações comerciais, no âmbito da atividade exercida, reconhecendo-se que as ofertas comerciais constituem uma prática enraizada e socialmente aceite que é suscetível de concorrer para o cômputo do lucro tributável.

Contado, o referido articulado impõe, como requisito para sua dedutibilidade fiscal, que os gastos incorridos visem obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC.

Ora, examinada a documentação existente na contabilidade da G…, verifica-se que nela não consta a identificação dos beneficiários a quem foram transmitidas as ofertas, as quais consistem em artigos e atividades facilmente percecionáveis como gastos do foro pessoal, motivo pelo qual não é possível aferir uma eventual relação de causa/efeito entre os gastos supramencionados e os rendimentos daí decorrentes.

Tendo-se inquirido a sociedade, através de notificação efetuada em 2021/04/16 (Anexo 6, fls. 1 a 4), para justificar a finalidade do gasto com uma atividade turística de €640,00, suportado em 2019/07/20 junto da Varzeamar, esclareceu o sujeito passivo que a mesma respeitou "a uma oferta ao cliente P…" sem, no entanto, enquadrar ou detalhar as circunstâncias em que tal oferta ocorreu, uma vez que se trata de um cliente sedeado em França que teria de se deslocar propositadamente até ao Algarve para usufruir da mesma (Anexo 7, fl. 2).

Note-se que os extratos das contas SNC 623112 - Artigos de Oferta e 626712 - Limpeza, Higiene e Segurança, constituem, respetivamente, o Anexo 10 e o Anexo 9, fl. 9.

Deste modo, não sendo possível aferir se os gastos em apreço, suportados pelo sujeito passivo a título de ofertas, visaram obter ou garantir rendimentos no âmbito da atividade exercida, será efetuada uma correção de €9.928,16 ao seu resultado tributável de 2019, nos termos do art.º 23.º, n.º 1 do CIRC:




· Arrendamento de imóvel

Com referência ao período de 2019, o sujeito passivo procedeu ao registo dos seguintes gastos relativos ao arrendamento de um imóvel, conforme contas SNC abaixo indicadas:




Note-se que o extrato da conta SNC 6261251 – Renda do Condomínio das Instalações, constitui o Anexo 12.

Por análise à documentação do sujeito passivo, constata-se que estes gastos respeitam ao arrendamento do prédio urbano sito na Rua …, n.º …., Quinta d…, 8…-0… Albufeira, inscrito sob a matriz predial urbana n.º 7… da freguesia de Albufeira e Olhos de Água, conforme contrato rubricado em 2019/01/01 entre a G… e a sociedade E… Solutions Services, Lda., NIF 5… (ver Anexo 13, fls. 1 a 3).

São proprietários deste imóvel V…, gerente da G…, e A…, NIF 1…, esposa daquele e sócio-gerente da E… Solutions Services, Lda. à data da celebração do contrato (Anexo 14, fls. 1 a 8), após terem adquirido o mesmo por €975.000,00, segundo consta na escritura de compra e venda rubricada em 2016/12/16 (Anexo 15).

O imóvel afeto a habitação trata-se de uma moradia com 210 m2, implantada num terreno com área total de 2,772 m2, a qual e composta, no 1.° piso, por 3 quartos, 2 casas de banho, pátio e logradouro com piscina e, no 2.° piso, por quarto, sala comum, 2 casas de banho, cozinha e terraço (Anexo 16, fls. 1 e 2).

Note-se que, a data do contrato, a E… Solutions Services, Lda. era detida em 70% por A… (esposa do gerente da G…, V…) e em 30% por J…, NIF 2… (filho do gerente da G… e também titular de uma participação de 26% no capital social da G… – (…).

Tendo-se notificado a sociedade em 2021/04/16 para justificar a finalidade deste arrendamento (Anexo 6, fls. 1 a 4), cujo gasto total ascendeu a €141.000,00 em 2019, esclareceu o sujeito passivo que o imóvel em questão é usado como "ponto estratégico para o recrutamento de pessoal, para ações de formação executadas pela empresa e dormitório dos colaboradores antes da partida para o estrangeiro" (Anexo 7, fl. 2).

Ora, atendendo às características do imóvel, constata-se que a documentação presente na contabilidade da G... evidencia uma utilização residual da moradia sita na Quinta … para aqueles propósitos pela sociedade, dado que:

- quanto ao recrutamento de pessoal, não se detetou a presença de quaisquer evidências na contabilidade de práticas desta natureza ocorridas na referida moradia;

- quanto as ações de formação executadas pela empresa, além do imóvel não apresentar as características mais adequadas para tal prática, não se detetou na contabilidade a existência de gastos associados a ações de formação prestadas internamente (por exemplo, ajudas de custo e/ou compensação pela deslocação em viatura própria pagas a trabalhadores/formadores), e, no caso de ações prestadas externamente, apenas se detetou a ocorrência de uma ação na moradia em questão, a qual decorreu durante um período de dois dias e com a presença de apenas cinco formandos. Conforme esclarecimento prestado pela sociedade C… & G…, Lda., NIF 5…, a qual emitiu uma fatura no montante total de €5.000,00 relativa à formação prestada (Anexo 17, fls. 1 a 7). É ainda de referir que as faturas registadas na conta SNC 63820 - Formação respeitam, essencialmente, a formações prestadas no estrangeiro por entidades aí sedeadas;

- quanto ao uso da moradia como dormitório dos colaboradores antes da partida para o estrangeiro, não se detetou, nem foram detalhadas e comprovadas pelo sujeito passivo as circunstâncias em que tal prática ocorreu, inexistindo na contabilidade qualquer evidência dessa alegada ocorrência. De facto, atendendo à localização do imóvel em questão (zona de Albufeira), não se compreende por que motivo pernoitariam os colaboradores naquele local antes de rumarem ao estrangeiro (nomeadamente França, principal local de prestação de serviços por parte do sujeito passivo), quando, sendo sobretudo residentes na região de Setúbal e Grande Lisboa, poderiam fazê-lo a partir da sede da G..., na Moita.

Assim, atendendo à escassa evidência de utilização do imóvel para os fins indicados pela G… e, em virtude disso, à elevada suscetibilidade de ter sido usado pelos seus proprietários (V... e esposa) para fins pessoais e/ou alheios à atividade desenvolvida pelo sujeito passivo, apenas se aceitará como gasto fiscal a renda respeitante à semana em que decorreu a ação de formação prestada pela C… & G…, Lda.

Tendo essa ação formativa decorrido em 2019/09/26 e 2019/09/27, com a presença de apenas cinco formandos (quando a sociedade teve um número médio de funcionários de 106 durante o período de 2019, segundo inscreveu na sua IES), aceitar-se-á como gasto, nos termos do art.º 23.°, n.º 1 do CIRC, a renda suportada no período de 23 a 29 de setembro de 2019, atendendo ao eventual tempo de preparação do espaço para a realização da referida ação.

Deste modo, tendo a E…. Lda. cobrado um valor de renda de €13.500,00 para o mês de setembro de 2019, aceitar-se-á, para efeitos de cálculo do lucro tributável, o montante de €3.150,00 (= 613.500,00 / 30 x 7), relativo ao hiato temporal em que a G..., efetivamente, utilizou a moradia no âmbito da sua atividade.

Deste modo, sem que se percecione de que forma os gastos em apreço visaram obter ou garantir rendimentos no âmbito da atividade exercida, com exceção da ação de formação supra relatada, far-se-á uma correção de €137.850,00 (= €141.000,00 - €3.150,00) ao resultado tributável de 2019, nos termos do art.º 23.º, n.º 1 do CIRC:




(…)

 A Síntese das Correções Efetuadas (Art.º 23.º CIRC) – Período de 2019



(…)

III.1.4 – Tributação Autónoma

(…)

No âmbito do presente procedimento inspetivo, verificou-se que, para o exercício de 2019, a G... sujeitou a tributação autónoma, nos termos do art.º 88.º do CIRC, os seguintes gastos inscritos na sua contabilidade, conforme consta na declaração Modelo 22 de IRC e em mapa de apuramento apresentado pela sociedade (Anexo 30, fls. 1 a 12):




Contudo, no decurso da análise efetuada à contabilidade da G..., detetou-se existirem gastos suportados pela sociedade, relativos a viaturas ligeiras de passageiros, que não foram incluídos nos cálculos da tributação autónoma supra indicados.

Estes encargos respeitam sobretudo a viaturas de 9 lugares (condutor incluído) cujos modelos, segundo consta na base de dados do IMT - Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P, estão homologados na categoria de veículo ligeiros de passageiros, sem que a G... tenha sujeito a tributação autónoma os gastos suportados com os mesmos, nos termos do art.º 88.º, n.º 3 do CIRC, alegando que as suas características são similares aos veículos ligeiros de mercadorias.

Note-se que, destinando-se estes veículos ao transporte dos colaboradores da G..., os encargos decorrentes da sua utilização não são enquadráveis na exclusão prevista no art.º 88.º. n.° 6 do CIRC, a qual apenas salvaguarda de tributação autónoma a atividade de transporte de clientes.

Assim, atendendo à homologação como veículos ligeiros de passageiros as viaturas cujas matrículas se identificam no quadro abaixo (vide Anexo 31, fls 1 a 15) sintetizam-se de seguida os gastos suportados pela G... com as mesmas, os quais constituem o Anexe 32. fls 1 a 108, encontrando-se os valores discriminados em detalhe no Anexo 33, fls. 1 a 3.


«Imagem em texto no original»


Os encargos expressos no quadro anterior foram contabilizados pelo sujeito passivo nas contas SNC 6226112, 6226113, 6226121, 6226221, 626121, 6263131. 64242 68124. 6911306 6911307, 6911308 e 6911309, as quais constituem o Anexo 34, fls. 1 a 12.

É de notar que, para determinação do custo de aquisição das viaturas supra identificadas, o qual é relevante para efeitos de enquadramento nas taxas de tributação autónoma previstas no art.º 88.°, n.° 3 do CIRC, recorreu-se ao mapa de depreciações e amortizações da G... (Anexo 31, fl. 1), bem como à informação prestada pela firma S… – S… Viaturas de Aluguer. Lda (Anexo 35, fls. 1 e 2), em virtude do sujeito passivo ter utilizado os seus serviços, alugando-lhe veículos ligeiros de passageiros durante o ano de 2019.

Registe-se ainda que, nos cálculos efetuados pelo sujeito passivo, este sujeitou a tributação autónoma os encargos suportados com a viatura de matricula …-…-…S, a qual foi excluída do apuramento acima, dado tratar-se de um veículo ligeiro de mercadorias não abrangido pelo art.º 88.º, n.º 3 do CIRC.

Assim, apresenta-se seguidamente o valor de tributação autónoma, apurado no âmbito do presente procedimento inspetivo, com referência ao período de 2019:




Deste modo, atendendo a que o sujeito passivo não sujeitou a tributação a totalidade dos encargos previstos no art.º 88.º, n.º 3 do CIRC, conforme se relatou anteriormente. far-se-á a seguinte correção ao nível de tributações autónomas:



(…)”

[cfr. RIT a fls. 65 do PA de fls. 241 e ss. dos autos];

F) Em 22 de Setembro de 2021, na sequência das correções descritas na alínea antecedente foi emitida em nome da Impugnante, a liquidação de IRC n.º 2021 8310003531 e respetivos Juros compensatórios, referente ao ano de 2019, no valor total de €96.234,71. [cfr. doc. não numerado da pi];

G) Em 24 de Setembro de 2021, foi emitida em nome da Impugnante, a Demonstração de Liquidação de Juros n.º 2021 00020981424 referente à liquidação de IRC descrita em F) de 2019, no valor total de €3.720,83. [cfr. doc. não numerado da pi];

H) Em 10 de Novembro de 2021, a Impugnante procedeu ao pagamento de €37.259,49 correspondente ao “Pagamento parcial aceite de IRC de 2019”. [cfr. doc. não numerado da pi];

I) A Impugnante apresentou RECLAMAÇÃO GRACIOSA da liquidação de IRC de 2019, descrita em F) e G) em 11 de Novembro de 2021. [cfr. a fls. 7 e ss. do PA de fls. 241 e ss. dos autos];

J) Em 27 de Dezembro de 2021 foi emitida a Citação Pessoal no âmbito do PEF n.º 2186202101184229 instaurado com vista à cobrança coerciva da dívida de IRC de 2019 no valor total de €59.382,95. [cfr. doc. da pi];

K) Em 25 de Janeiro de 2022 a Impugnante procedeu ao pagamento de €59.618,61 correspondente ao “Pagamento do processo n.º 2186202101184229 – IRC 2019.” [cfr. doc. da pi];

L) Em 19 de Janeiro de 2022 foi proferido despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa com fundamento na informação que se reproduz:

“(…) A reclamante veio exercer o direito alegando, em resumo, que: quer os gastos com artigos para oferta quer os gastos com o arrendamento se encontram devidamente documentados e que foram realizados no interesse coletivo da empresa as viaturas cujos gastos foram objeto de tributação autónoma, com exceção da viatura com matricula …-…-…2, são viaturas ligeiras de mercadorias, tendo sido alteradas com a colocação de uma antepara, um equipamento que divide os lugares de passageiros das mercadorias, transformando-os em mistos de mercadorias.

Sobre a matéria em questão refere-se:

Nunca a Autoridade Tributária questionou que os gastos com ofertas ou com as despesas de arrendamento, não estivessem documentadas, e não foi essa a razão que levou à sua não dedução para efeitos fiscais, mas o facto de não existir qualquer documento mesmo que extra contabilidade que estabeleça qualquer conexão entre esses gastos e o rendimento obtido como exige o n.º 1 do art.º 23º do CIRC.

O facto de haver documentos que provem que a reclamante teve trabalhadores deslocados fora do território nacional, não constitui prova de que a vivenda arrendada no Algarve tenha sido utilizada por estes trabalhadores, para aí lhes ser dada formação e pernoitarem antes de saírem do país. Se de facto essa formação foi ministrada, seria normal que os formandos tivessem sido informados do plano de formação dias e local onde a formação iria decorrer, n° de horas de formação, matérias ministras e que a empresa tivesse na sua posse numero e identificação dos formandos presentes, pois o que normalmente ocorre numa ação de formação é os formandos assinarem uma folha de presença.

Ao procedimento não foi junto qualquer documento que justificasse a utilização da vivenda em causa, para as alegadas ações de formação.

Quanto à tributação autónoma das viaturas refere-se:

Não obstante a antepara colocada que divide os lugares de passageiros do local das mercadorias não é por esse facto que deixam de ser ligeiros de passageiros, para tal deveria ter sido solicitada, após a transformação, nova homologação por parte do IMTT e esta classificaria as viaturas de acordo com as características apresentadas após a transformação.

As viaturas em causa estão homologadas pela entidade competente (IMTT) como viaturas ligeiras de passageiros.

A informação vinculativa de 17 de 4 abril de 2015 proferida pela Autoridade Tributária no processo 750/2015, apenas versa sobre veículos ligeiros de mercadorias e não sobre viaturas ligeiras de passageiro, pelo que não tem aplicação na situação em apreço, uma vez que se está na presença de viaturas ligeiras de passageiros. (…)

Face ao exposto indefere-se o pedido, com forme proposto no projeto de decisão.”

[cfr. a fls. 143 e ss. do PA de fls. 241 e ss dos autos];

M) A presente Impugnação deu entrada, neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, via Sitaf, em 15 de Abril de 2022. [cfr. a fls. 1 dos autos];

Mais resulta provado,

· Ofertas – artigo de relojoaria

N) Em 12 de Dezembro de 2019 foi emitida, pela O… Avenida, a fatura n.º 1985A0000836 com o descritivo “O… ST-NYL CPPUCCINO” no valor de €8.960,00. [cfr. Anexo 8 do RIT de fls. 22/22];

O) Na mesma data foi efetuado o pagamento da fatura descrita na alínea antecedente, através de multibanco com a identificação “B. S…/G…”. [cfr. Anexo 8 do RIT de fls. 21/22 do PA];

· Arrendamento – imóvel Albufeira

P) Em 1 de Janeiro de 2019 foi outorgado o documento “Contrato de Arrendamento urbano” entre a sociedade “E… Solutions Services, Lda.”, representada pela gerente A… e a sociedade “G... – Trabalho temporário, Unipessoal, Lda.” representada pelo gerente V… com referência ao imóvel “prédio urbano a que corresponde a casa n.º … sita na Quinta …, Albufeira, Algarve”, pelo período de 6 meses, renovando-se por iguais períodos sucessivos e com uma renda mensal de €1.000,00. [cfr. doc. não numerado da pi];

Q) Em 1 de Janeiro de 2019, o “prédio urbano a que corresponde a casa n.º … sita na Quinta …., Albufeira, Algarve” objeto do “Contrato de Arrendamento urbano” descrito na alínea anterior era propriedade de V…. [cfr. Anexo 16 do RIT de fls. 121 do PA];

R) A sociedade “E… Solutions Services, Lda.”, em 1 de Janeiro de 2019, tinha como sócia gerente A…, que renunciou ao cargo de gerente em 1 de Outubro de 2019. [cfr. certidão permanente de fls. 972 dos autos];

· Tributações autónomas - viaturas

S) Todos os veículos com as matrículas descritas no quadro infra mostram-se inscritos na categoria de ligeiro e tipo passageiros:


«Imagem em texto no original»


[cfr. doc. de fls. 155 a 158 dos autos e Anexo 31 do RIT fls. 263 a 278];

T) O cálculo do ISV dos veículos com as matrículas …-…-…8, …-…-…2, …-…-…3 e …-…-…0 foi efetuado pela tabela B do n.º 2 do art.º 7.º do Código do Imposto sobre Veículos. [cfr. doc. de fls. 155 a 158 dos autos];

*
A título de factualidade não provada exarou-se na decisão recorrida que:
· «Ofertas – artigo de relojoaria
1. Não está provado que foi efetuada uma transcrição “na parte de trás da factura [descrita em N)] da data e pessoa a quem foi entregue, um representante da cliente P”. [cfr. Anexo 8 do RIT de fls. 21/22];
2. Não resulta provado que na sequência da entrega do relógio descrito em N) ao “representante da cliente P aumentou a facturação [da impugnante], sendo actualmente responsável por cerca de 2 Milhões de euros de facturação e continuou a aumentar a mesma, mesmo em 2022”.

3. Não está provado que as ofertas, no qual se inclui o relógio [descrito em N)] “se destinam a fidelizar e enraizar as relações de confiança com os representantes dos seus clientes que nos anos seguintes acabou por adjudicar mais obras”.
4. Não resultou provado que todas despesas, incluindo a despesa referida em N) [relógio] “foram realizadas no âmbito de uma acção de consolidação das relações contratuais existentes já com clientes da empresa, nomeadamente da Precioso, sendo tudo objectos que normalmente são ofertas nestes casos, tais como camisolas do Benfica, artigos de perfumaria, marcas de roupa e este relógio”.
5. Não resultou provado que a oferta do relógio [melhor identificado em N)] foi efetuada “no âmbito de reuniões realizadas e contactos com as entidades e pessoas com vista a formalizar e consolidar relações negociais já existentes e, por isso, no interesse coletivo da empresa, sendo que esses gastos tiveram como resultado a consolidação das relações negociais com o seu cliente precioso e posteriormente outros clientes depois consolidados em 2020 e 2021 e que ainda em 2022 mantêm a relação contractual com a empresa”.
[Dos elementos juntos aos autos não existe prova do alegado no ponto 22 a 27 da PI. Não obstante, não se mostrar suficiente, só por si, a inscrição da data e da pessoa a quem foi entregue uma determinada “oferta”, neste caso um relógio, refira-se que da análise do documento fatura descrito em N) do probatório, constante do Anexo 8 do RIT, não consta qualquer menção ou inscrição no mesmo.
Acresce, outrossim, que do teor do requerimento de 22 de Julho de 2021, junto com a petição inicial e que foi enviado à AT com vista ao exercício do direito de Audição sobre o projeto de Relatório da Inspeção Tributária [descrito em D)], resulta, com interesse para a questão das “ofertas” o seguinte: “No que diz respeito aos gastos com ofertas os mesmos são permitidos pelo artigo 23.º do CIRC (…) logo não foi possível indicar o nome do cliente na fatura recebida da Boutique O.... Assim a única solução seria escrever o nome do cliente à mão na própria fatura que no nosso entender não prevalece sobre a nossa palavra.” (…) “é notório que se trata de um presente (…) e pode ser apresentada uma declaração do cliente nesse sentido.”
Ora, para além de nada constar na fatura, como se refere no mencionado requerimento da Impugnante, ao contrário do alegado no ponto 22 da petição inicial, também não foi junto nenhum documento com respeito ao ponto “ofertas”, sendo que a Impugnante prescindiu da prova testemunhal arrolada na petição inicial.
Ademais, dos autos não consta, ao contrário do alegado, a demonstração de que a faturação de 2019 a 2022 aumentou em face das relações comerciais com o cliente “P”.
Assim, dada a ausência total de prova, não foi possível ao Tribunal dar como provado os factos acima descritos.]
· Arrendamento – imóvel Albufeira
6. Não resultou provado que o imóvel de Albufeira [melhor identificado em P)] “foi arrendado no âmbito da atividade da empresa.”
7. Não resultou provado que o imóvel de Albufeira [melhor identificado em P)] arrendado pela Impugnante era “um bem apto a gerar rendimentos no futuro, em função dos planos e estratégias empresariais que a Impugnante quisesse delinear e prosseguir, tendo-se mesmo chegado a equacionar a sua compra, este imóvel de Albufeira acabou por ser objeto de um contrato de arrendamento e que somente não subsistiu devido à pandemia Covid 19 e à inerente redução da actividade da Impugnante.”
8. Não resultou provado que a despesa com o imóvel de Albufeira [melhor identificado em P)] “decorreu de um acto de gestão da empresa, no desenvolvimento da sua atividade.”
9. Não ficou demonstrado que o imóvel localizado em Albufeira [melhor identificado em P)] “era dormitório dos colaboradores da Impugnante antes da partida para o estrangeiro”.
[Da leitura e análise da prova documental junta com a petição inicial, no que diz respeito aos “gastos com o arrendamento de um imóvel em Albufeira”, designadamente, i. o “Contrato de arrendamento”, ii. a declaração Modelo 22 de IRC da empresa ESolutions Services, Lda. e iii. o requerimento de 22 de Julho de 2021, enviado à AT com vista ao exercício do direito de Audição sobre o projeto de Relatório da Inspeção Tributária, não é possível ao Tribunal dar como provado os factos supra descritos.
No ponto 34 da petição inicial, a Impugnante remete para “as respostas anteriores à AT” para comprovar o alegado quanto aos gastos com o imóvel descrito em P). Todavia da leitura dos documentos, nomeadamente, do requerimento de 22 de Julho de 2021, não resulta provado os factos descritos infra. A impugnante, com aquele requerimento, não juntou qualquer prova documental comprovativa do ali alegado, designadamente:
“Antes da saída de Portugal todos os novos trabalhadores cumpriam dois dias de preparação e formação, com fornecimento dos equipamentos e materiais segurança, formações muitas vezes ministradas pelo pelo Sr. O responsável por esta área na empresa, tanto na Moita como tantas vezes já em Albufeira, com os grupos de trabalhadores reunidos, pelo que não se entende que elementos contabilísticos seriam necessários a comprovar este facto e esta gestão da empresa.
Numa empresa com a média mensal de 106 trabalhadores em França em cada mês de 2019, não se compreende como poderá a AT não considerar tal despesa como resultante da actividade da empresa G....
(…) Tal imóvel foi arrendado no âmbito da atividade da empresa e desenvolvida com sucesso pela Requerente, sendo um bem apto a gerar rendimentos no futuro, em função dos planos e estratégias empresariais que a Requerente quisesse delinear e prosseguir, tendo-se mesmo chegado a equacionar a sua compra, este imóvel de Albufeira acabou por ser objeto de um contrato de arrendamento e que somente não subsistiu devido à pandemia Covid 19 e à inerente redução da actividade da requerente.
Ora, mais uma vez, verificando-se que não foi junta prova documental e que a impugnante prescindiu da prova testemunhal, não foi possível ao Tribunal dar como provados os factos acima descritos, porquanto os documentos juntos com a petição inicial não se mostram suficientes para comprovar o alegado.
Acresce, outrossim, que o “mapa do Google maps”, constante do requerimento de 22 de Julho de 2021, desacompanhado de demais prova, documental ou testemunhal, não é prova bastante para comprovar que o imóvel localizado em Albufeira era “era dormitório dos colaboradores antes da partida para o estrangeiro”, nomeadamente para França.
Ressalva-se, ainda, a incoerência dos factos alegados quanto à faturação da empresa G.... Pois, se por um lado, a Impugnante alega que a oferta do relógio descrito em N) possibilitou o aumento da faturação da Impugnante por cerca de 2 milhões de euros … Alega também, que “o arrendamento do imóvel durante o ano de 2020 só não subsistiu devido à inerente redução da atividade da Impugnante”.]
· Tributações autónomas - viaturas
10. Não resultou provado que a impugnante colocou uma antepara nos veículos com as matrículas --8, --2, --3 e --0, todas descritas no quadro constante em S). [Não obstante a Impugnante ter junto, nos pontos 96 a 97, fotos das viaturas Ford, em nenhuma das fotos é possível ver a matrícula de cada viatura de forma a confirmar que corresponde às matrículas indicadas pela Impugnante. O mesmo sucede no, já citado, requerimento de 22 de Julho de 2021, para o qual a petição inicial. Acresce, outrossim, que o documento (não numerado) da petição inicial da “F – Go Futher” respeitante a um veículo Transit Kombi, trata-se de um “orçamento” referente a 1 carro apenas, sendo que, da análise do mesmo, desacompanhado de mais prova, por exemplo uma fatura, apenas se pode inferir que a Impugnante solicitou um orçamento e não que efetuou a colocação da antepara.];.»

Em sede de fundamentação da matéria de facto consignou-se que:
«A decisão da matéria de facto efetuou-se com base na posição assumida pelas partes nos articulados, no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos – que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do Tribunal em conjugação com a livre apreciação da prova, como se foi fazendo referência em cada uma das alíneas do probatório.
A demais matéria alegada não foi aqui considerada por ser conclusiva, de direito ou não relevar para a decisão da causa.
Quanto à motivação dos factos não provados o Tribunal remete para a motivação nela constante, sendo que, em conformidade com a regra do ónus da prova, ínsita no artigo 342.º do Código Civil, segundo a qual, àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, pelo que forçoso será concluir que não foi produzida prova suficiente para evidenciar os factos ali identificados.»

*

III – 2. De Direito

Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, como referimos antes, é pelas conclusões com que o recorrente extrai das suas alegações, que se determina objecto do recurso e o âmbito de intervenção deste tribunal, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Nas conclusões deve o recorrente indicar, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida, conforme resulta do disposto no artigo 639.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho).

Antes de mais, para melhor percebermos o alcance das conclusões do recurso jurisdicional que nos vem dirigido, importa começar por enquadrar o circunstancialismo subjacente aos autos.

A recorrente foi objecto de uma acção de inspecção externa, no âmbito da qual foram efectuadas diversas correcções em sede de IRC relativamente ao exercício de 2019. Conformou-se com algumas correcções, tendo deduzido impugnação relativamente às correcções respeitantes aos gastos com a oferta de um relógio e a arrendamento, bem como a tributação autónoma sobre gastos referentes a veículos, à excepção da tributação autónoma incidente sobre € 5 218,09, referente à viatura com a matrícula …-…-…2.

Vejamos, então.

Na conclusão VI, alega a recorrente que não houve «pronúncia sobre questões que o juiz a quo deveria ter-se pronunciado, ou factos de que deveria ter conhecido, pois não se pronuncia sobre os documentos apresentados pela Impugnante, pois a douta sentença não analisou o facto dos veículos terem sido considerados mistos pela própria administração tributária, e por conseguinte isentos da tributação autónoma no acto da aquisição, e que agora querem liquidar. [cfr. fls. 983 dos autos].»

Conforme decorre do disposto no artigo 125.º, n.º 1 do CPPT, com relevância para o caso dos autos, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar constitui causa de nulidade da sentença. Esta norma tem paralelismo com o disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, nos termos do qual é nula a sentença quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar.

O regime da nulidade está correlacionado com o estatuído no artigo 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável por força do artigo 2.º, alínea e) do CPC, nos termos do qual «[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».

Conforme jurisprudência reiterada e uniforme, a nulidade por omissão de pronúncia apenas ocorre quando a sentença não aprecia as questões relevantes que deva conhecer, que não se considerem prejudicadas pela solução dada a outras, o que não se confunde com considerações, argumentos, factos ou razões invocados pela parte, ou documentos.

Neste sentido, v.g. o Acórdão do STA proferido em 20/04/2020, no processo n.º 02145/12.5BEPRT 01190/17, no qual se sumaria «Nos termos do preceituado no citado art. 615, n.º 1, al. d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões (que não as meras “razões” ou “argumentos”) que devesse apreciar (seja porque foram alegadas pelas partes, seja porque são de conhecimento oficioso, nos termos da lei)».

A recorrente não especifica sobre que documentos por si juntos foi omitida pronúncia, no entanto, infere-se do contexto da alegação de recurso que se refere às Declarações Aduaneiras de Veículo (DAV) juntas a fls. 155 a 162 dos SITAF.

Senão vejamos.

A fls. 983 está em causa um requerimento apresentado pela recorrente em 03/07/2023, na sequência da notificação para se pronunciar sobre a junção dos anexos ao relatório de inspecção tributária, no qual refere o seguinte: «(…) reitera quanto expendido desde o início do processo administrativo, e judicial, que NUNCA foi notificada de quaisquer documentos, a não ser o relatório de inspecção Tributária na génese dos atos de liquidação impugnados, sem quaisquer documentos anexos.

Mais se diga que dos anexos resulta claro como água que os veículos são considerados mistos pela própria administração tributária, e por conseguinte isentos da tributação autónoma que agora querem liquidar.»

Conforme se depreende do requerimento de fls. 983, estavam em causa os anexos ao relatório. Com esse requerimento não foram juntos documentos, pelo que, embora remeta para tais folhas dos autos, cremos que o que a recorrente pretende alegar é que não foi emitida pronúncia sobre os documentos que juntou a fls. 155 a 162 dos SITAF relativos à qualificação dos veículos, sendo essa a única conclusão lógica que se alcança da expressão «(…) sobre os documentos apresentados pela Impugnante, pois a douta sentença não analisou o facto dos veículos terem sido considerados mistos pela própria administração tributária».

Nesse pressuposto, vejamos o que se nos oferece dizer sobre o assunto.

A nulidade por omissão de pronúncia refere-se a questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.

Questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, que não sejam declaradas prejudicadas pela solução de mérito dado à causa.

Não existe o dever de pronúncia específica sobre o teor dos documentos juntos com os articulados, a não ser que se suscitem questões sobre a sua força probatória, já que dos documentos serão extraídos factos, sendo a sua relevância aferida em função do pedido e da causa de pedir. Questão diversa é o dever de o Tribunal se pronunciar sobre a admissibilidade da apresentação de documentos cuja junção deveria ter ocorrido com a petição inicial que não vem invocada. Trata-se, nesse caso de uma nulidade secundária do processo e não da sentença, a não ser que as consequências da nulidade secundária se projectem na sentença por influírem no exame e na decisão da causa.

A relevância probatória dos documentos é aferida pela capacidade de os mesmos demonstrarem a ocorrência de um facto alegado que a partir deles se extrai. Os documentos constituem os suportes donde se extraem os factos que constarão do probatório como factos provados e/ou não provados que sejam relevantes para a decisão da causa.

A omissão de pronúncia sobre documentos não integra o vício de nulidade da sentença previsto no artigo 125.º do CPPT.

Quando muito constituirá um erro de julgamento de facto na medida em que o Tribunal não dá como provado um facto, para cuja prova foram juntos documentos que o suportam, ou deu como provado um facto em desconformidade com o teor do documento.

Com efeito, saber se os documentos provam que os veículos em causa constituem veículos ligeiros de passageiros ou se pelo contrário, deles se retira que são mistos para efeitos de verificação da legalidade das tributações autónomas, integra a actividade judicial consubstanciada no julgamento da matéria de facto, cuja desconformidade pode constituir erro de julgamento sobre a decisão da matéria de facto e não uma nulidade por omissão de pronúncia.

Acresce que, na dúvida sobre o sentido da conclusão VI, sempre se dirá que o Tribunal se pronunciou sobre o requerimento de fls. 983, identificando a questão do seguinte modo: «No que concerne ao alegado vício de falta de notificação dos anexos do Relatório de Inspeção Tributária exposto no requerimento de 3 de Julho de 2023, desde já se adianta, que o Tribunal dele não irá conhecer, como passaremos a expor.» Fundamentando a decisão no facto de a questão relativa à falta de notificação dos anexos ao relatório de inspecção não ter sido suscitada na petição inicial, pois sendo o facto conhecido à data da apresentação da petição inicial, era nesta que deveria ter sido suscitada, não sendo admissível a formulação de novos vícios após a apresentação da petição, decidindo assim, não tomar conhecimento do vício.

Tal decisão pode estar errada, no entanto, tal releva no domínio da apreciação do erro de julgamento e não da nulidade por omissão de pronúncia, pelo que, improcede a conclusão VI.


*

Antes de prosseguirmos com a apreciação do recurso impõe-se umas notas prévias.

A primeira para referir que a conclusão XVIII contém em si duas realidades distintas: «Por fim não se poderá a recorrente conformar com o facto do Processo Administrativo. [cfr. fls. 173 e 178 a 239 (PA) dos autos (numeração Sitaf, bem como todas as referências feitas doravante)] ... somente lhe ter sido comunicado já na fase final do presente processo, tendo nas suas alegações reiterado "quanto expendido desde o início do processo administrativo, e judicial, que NUNCA foi notificada de quaisquer documentos, a não ser o relatório de inspeção Tributária na génese dos atos de liquidação impugnados, sem quaisquer documentos anexos, conforme constava no artigo 10° da sua petição inicial da impugnação judicial.»

Por um lado, temos o processo administrativo tributário (PAT – cf. fls. 178 a 239), apresentado pela AT com a contestação (cfr. fls. 173) que foi objecto de notificação à ora recorrente, precisamente com a notificação da contestação emitida em 4/10/2022, constando de fls. 328 do SITAF, nos termos do artigo 110.º n.º 4 do CPPT.

Sublinha-se que o processo administrativo é organizado e remetido ao representante da Fazenda Pública, no prazo de 30 dias após o pedido formulado por este, o qual só tem lugar no prazo de contestação e é instruído pelo órgão periférico local com os elementos previstos no artigo 111.º, n.º 2 do CPPT. Assim sendo, o que decorre da lei é que o processo administrativo não é formalmente pré-constituído. O que resulta das normas suprarreferidas é que o mesmo é organizado e instruído no contexto da organização da defesa.

Por outro lado, temos a alegação de que «NUNCA foi notificada de quaisquer documentos, a não ser o relatório de inspeção Tributária na génese dos atos de liquidação impugnados, sem quaisquer documentos anexos».

No entanto, impõe-se referir que a notificação do projecto de relatório, para o efeito da sua audição prévia, já aludia expressamente ao facto de ser remetido o projecto composto por 410 páginas (cf. notificação de 2/7/2021 a fls. 113 do SITAF), o mesmo sucedendo com a notificação do relatório.

Tendo presente que o projecto de relatório de inspecção era composto por 36 folhas (7 páginas de pareceres e tabelas de enquadramento da ordem de serviços e 29 páginas de projecto de relatório), sendo o relatório composto por 39 páginas, é forçoso ter-se por adquirido que foram remetidos à ora recorrente os anexos.

Acresce que, compulsada a reclamação graciosa, ao contrário do que afirma a recorrente, nada é referido a propósito da falta de remessa dos aludidos anexos, o que se compreende em face do que antes deixámos dito.

Importa ainda sublinhar que no relatório de inspecção, tal como já sucedia com o projecto de relatório notificado à recorrente, eram referenciados expressamente os anexos, pelo que caso estes não tivessem sido enviados teria desencadeado uma reacção escrita da recorrente. A não ser que não se tivessem suscitado dúvidas na interpretação do relatório, uma vez que os anexos constituíam elementos recolhidos na contabilidade da recorrente, ou solicitados pelos serviços de inspecção e notificações dirigidas à recorrente no âmbito da acção inspectiva.

A este propósito, cita-se a título de exemplo a página 11 do RIT (por directamente relacionada com as questões a decidir), a referência seguinte: «Note-se que o extrato da conta SNC 6261251 - Rendas de Condomínio das Instalações, constituem o Anexo 12. Por análise à documentação do sujeito passivo, constata-se que estes gastos respeitam ao arrendamento do prédio urbano sito na Rua n.º Quinta (…) conforme contrato rubricado (…) entre a G... e a sociedade E, Solutions Services, Lda ver Anexo 13, fls. 1 a 3). (…)» (cf. resulta do ponto E) dos factos provados).

Refira-se, por fim, ainda sobre a conclusão XVIII, que não corresponde à verdade o que a recorrente alega no seguinte segmento: «NUNCA foi notificada de quaisquer documentos, a não ser o relatório de inspeção Tributária na génese dos atos de liquidação impugnados, sem quaisquer documentos anexos, conforme constava no artigo 10° da sua petição inicial da impugnação judicial(sublinhado nosso).

O que a recorrente afirma no artigo 10º da PI, no seu contexto é o seguinte:

«9. Foi já em 21/12/2021 que o reclamante foi notificado em sede de audição previa sobre a decisão do projeto de decisão sub judice sobre a reclamação graciosa que elaborou,

10. E onde consta unicamente que conforme o relatório de folhas 47 a 68 (que nem sequer lhe foi então notificado) a reclamante “deduziu gastos que não foram aceites fiscalmente atendendo ao disposto nos artigos 18.º 23.º e 28.º B do CIRC” pelo que acresceram ao lucro tributável declarado 312.407,75 € “resultando no apuramento do lucro tributável corrigido de 358.223,97 €, fundado-se na remissão para os artigos 23.º e 23.º A do CIRC, e na falta de “documento que indicasse” que o arrendamento e oferta do relógio “se destinou a garantir rendimentos sujeitos a IRC” … não existindo nexo provado …?».

Como decorre do excerto transcrito, o que a recorrente alegou na petição inicial é que no âmbito da reclamação graciosa, o projecto de decisão aludia aos factos constantes do relatório, sem que o mesmo lhe tenha sido remetido com o projecto de decisão da reclamação graciosa («que nem sequer lhe foi então notificado») e não, como afirma em sede de recurso, que já na petição alegara que não lhe foram notificados os anexos.

De resto a recorrente não extrai quaisquer consequências da alegada irregularidade, na medida em que, não lhe imputa quaisquer prejuízos no exercício do seu direito de defesa.

Também não vale o argumento de que nas alegações reiterou tudo quanto havia expendido desde o processo administrativo, na medida em que não estamos em presença de um facto subjetivamente superveniente, que permitisse a sua invocação em momento diverso da petição inicial, em violação do disposto no artigo 108.º, n.º 1 do CPPT.

Em qualquer caso, o que importa é que a Impugnante, ora recorrente foi notificada dos anexos juntos aos autos pela Fazenda Pública, na sequência de despacho determinando a sua junção, para sobre eles se pronunciar.

Assim sendo, antes de ser proferida a decisão a recorrente teve a possibilidade, que exerceu, de controlar os elementos que a ATA forneceu ao Tribunal e sobre eles tomar posição no processo, verificando-se, deste modo, que foi cumprido o princípio do contraditório consagrado no artigo 3.º do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 2.º, alínea e) do CPPT, bem como o princípio da igualdade de armas previsto no artigo 98.º da LGT.

A segunda nota, reporta-se às conclusões IV, IX e X, para referir que se tratará de eventual lapso, por não se relacionar com os presentes autos.

Com efeito, na conclusão IV alega a recorrente que «Os critérios adoptados perderam a objectividade e abstracção que os deveria caracterizar deixando assim de haver independência em relação à situação concreta o que viola o princípio da imparcialidade consagrado no artigo 266° n.° 2 da Constituição da República portuguesa, ferindo a sentença do vício de violação de lei por aplicação de métodos indirecto e conclusões sem fundamento factual, documental ou legal.»

Na conclusão IX alega a recorrente o seguinte: «IX. Em conclusão, era à AT que compete o ónus da prova para a determinação da matéria tributável por métodos indirectos, não permitindo o n.° 3 do art. 74.° da LGT que se faça recair esse ónus sobre o contribuinte».

A recorrente reitera a alegação de que a sentença padece de vício de violação de lei no que se refere à aplicação de métodos indirectos, no entanto, não foi aplicado tal método avaliativo, nem poderia sê-lo, na medida em que a AT desconsiderou a dedução dos custos com oferta e arrendamento, fazendo acrescer tais custos à matéria tributável, o que configura claramente um método directo da sua determinação.

O mesmo sucede com a tributação autónoma de veículos.

Resulta expressamente do relatório de inspecção que foram efectuadas correcções técnicas à matéria tributável, conforme ponto III.1.1 do relatório quanto a gastos não aceites fiscalmente e calculado imposto em falta, no que se refere a tributações autónomas, conforme ponto III 1.4 (cf. ponto E) da matéria de facto provada).

Não obstante o lapso na referência a acção arbitral, como sendo o objecto do recurso, a própria recorrente reconhece que estão em causa correcções técnicas, como decorre da conclusão X: «Deste modo, para além de enfermar de erro nos pressupostos de facto, na medida em que procedeu à aplicação de correcções meramente técnicas, enferma a liquidação objecto da presente acção arbitral, na parte ora em apreço, de vício de procedimento e erro nos pressupostos de direito, ao aplicar um método conclusivo, sem qualquer suporte físico.»

Do exposto resulta a improcedência das conclusões de recurso referidas.


*


No que se refere à impugnação da matéria de facto, alega a recorrente na conclusão XIX: «De facto, a douta sentença, salvo melhor opinião, não poderia ter considerado como provados, os factos acima impugnados» sem que se mostrem identificados quais.

No corpo da sua alegação de recurso percebe-se que está em causa o ponto E) da matéria de facto provada.

Antes de mais, importa ter presente que o tribunal de recurso pode e deve proceder à alteração da decisão relativa à matéria de facto se os factos assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, conforme preceitua o artigo 662º do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 281.º do CPPT.

Para além dos casos referidos, a modificabilidade da matéria de facto, na sequência da impugnação da decisão está condicionada pelo cumprimento escrupuloso do ónus previsto no artigo 640.º do CPC, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa.

Impõe o aludido preceito que o recorrente especifique, nas alegações de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão diversa da adoptada pela decisão recorrida, indicando a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas determinando o não cumprimento do referido ónus, o insucesso do recurso dirigido à decisão sobre a matéria de facto.

No entanto, no caso dos autos, estando em causa a fundamentação do acto, porquanto na petição inicial de impugnação a recorrente invocou a falta de fundamentação da liquidação impugnada, era imperioso que da decisão sobre a matéria de facto constassem os factos em que a ATA fundou as correcções por constituírem, como se sabe, a fundamentação da liquidação impugnada, pelo que, era incontornável a necessidade de constar do probatório a fundamentação em que se suportaram as correcções constantes do relatório.

Está assim em causa, no ponto E), a prova de que, no âmbito da acção inspectiva foi elaborado um relatório cujo teor é ali reproduzido, sendo certo que a recorrente não põe em causa esse teor.

Na verdade, aquilo que a recorrente pretende atacar é a validade das conclusões extraídas pela AT, no âmbito da acção inspectiva e que se encontram materializadas no aludido relatório, pondo em causa a validade dos seus pressupostos. No entanto, tal releva do domínio da apreciação do erro de julgamento quanto à legalidade dos pressupostos das correcções impugnadas e não nesta sede.

Vejamos agora a impugnação, no que se refere aos factos não provados nos pontos 1, 8 e 10.

O ponto 1 é do seguinte teor:

«1. Não está provado que foi efetuada uma transcrição “na parte de trás da factura [descrita em N)] da data e pessoa a quem foi entregue, um representante da cliente P”. [cfr. Anexo 8 do RIT de fls. 21/22];»

A recorrente não indica os concretos meios probatórios em que sustenta a impugnação.

Além de que a recorrente sustenta a sua alegação no entendimento de que o ónus da prova era da AT, nos termos do disposto no artigo 74.º da LGT, escudando-se nesse argumento para fundamentar a impugnação da decisão quanto à matéria de facto, no entanto, não lhe assiste razão.

Atento o princípio da aquisição processual, qualquer das partes pode carrear para os autos elementos de prova.

No caso, o facto alegado pela recorrente foi julgado não provado com base na factura, ou melhor dizendo, com base na ausência de prova de que no verso da factura foi efectuada a transcrição invocada pela recorrente, pelo que, cabia à recorrente realizar a prova positiva do facto que alegara, com recurso aos meios gerais de prova admitidos, uma vez que invocou tal facto, prova que não logrou levar a cabo.

Com efeito, da interpretação do artigo 23.º do CIRC decorre o entendimento sufragado pela doutrina e pela jurisprudência de que o requisito da indispensabilidade não se refere à necessidade nem à conveniência do custo, sob pena de intromissão da administração tributária na autonomia e na liberdade de gestão da empresa, exigindo-se apenas uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa visando directa ou indirectamente a obtenção de proveitos.

Sendo certo que em relação a muitos tipos de gastos, a sua indispensabilidade é clara e evidente, quase auto explicativa, atento o objecto social da sociedade, facilitando o ónus probatório do contribuinte, no entanto, existem casos em que não é evidente a correlação com o escopo societário.

Não se revelando pelos documentos tal relação impõe-se ao contribuinte esclarecer de que forma tais custos preenchem o conceito normativo de indispensabilidade previsto no artigo 23.º do CIRC, uma vez que é quem tem o conhecimento directo da sua actividade.

Assim sendo, exige-se ao contribuinte, por ser quem se encontra em melhor posição de esclarecer as dúvidas que se suscitem à AT, fornecendo uma explicação acerca da relação do gasto com a sua actividade económica, demonstrando a indispensabilidade do gasto.

Concretamente, sobre as regras do ónus da prova em que a recorrente sustenta a sua impugnação, importa ter presente, conforme alega a recorrente, que a contabilidade organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal, goza da presunção de veracidade conforme resulta do disposto no artigo 75.º, n.º 1 da LGT, pelo que, cabe à AT o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros.

No entanto, a questão central aqui em causa não é a da veracidade dos factos contabilizados, mas antes a de saber se os gastos em causa reúnem os pressupostos necessários à sua dedutibilidade, e assim sendo, no domínio da qualificação dos montantes contabilizados como gastos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para garantir os rendimentos, se a Fazenda Pública questionar essa indispensabilidade, demonstrando a legitimidade da sua atuação correctiva, conforme decorre do disposto nos artigos 74.º, n.º 1, e 75.º, n.º 1, da LGT.

Com efeito, preceitua o artigo 75.º, n.º 1 da LGT que a presunção de veracidade dos dados e apuramentos inscritos na contabilidade ali estatuída vigora, desde que a contabilidade seja organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal e, sublinha-se, «sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.» (sublinhado nosso).

Se a AT coloca em causa a verificação dos pressupostos de que depende a dedutibilidade, como sucede com a relação do gasto com a actividade desenvolvida ou com a indispensabilidade, por força do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, cabe ao contribuinte que invoca o direito à sua dedução, o ónus da prova de que os mesmos se verificaram.

Neste sentido, v.g. o Acórdão deste TCA Sul, proferido no processo n.º 9/17.9BCLSB, de 28/03/2019, cujo sumário se transcreve parcialmente:

«B-Um custo indispensável não tem de ser um custo que directamente implique a obtenção de proveitos. Há vários custos que só mediatamente cumprem essa função e que nem por isso deixam de ser considerados indispensáveis, nos termos do artº.23, do C.I.R.C.;

C-A questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cfr.artº.75, nº.1, da L.G.T.) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado artº.23, do C.I.R.C.

7. A prova do custo pode ser efectuada através de documento interno (emitido pelo próprio sujeito passivo), desde que coadjuvado por qualquer outro meio de prova (testemunhas, documentos auxiliares, explanação da sua contabilidade), competindo ao Tribunal aquilatar sobre o preenchimento do respectivo ónus probatório. Deste modo, um custo não documentado externamente, pode assumir relevo fiscal se o contribuinte provar, por quaisquer meios ao seu dispor, a efectividade da operação e o montante do gasto. Por outras palavras, um documento de origem interna pode substituir um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele reflectidos.

8. É que se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à A. Fiscal o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a Fazenda Pública questionar essa indispensabilidade (cfr.artºs.74, nº.1, e 75, nº.1, da L.G.T.)»

Importa referir que, ao contrário do que pretende fazer crer a recorrente, o Acórdão proferido pelo TCA Norte no processo n.º 00264/10.1BECBR de 25/05/2016, citado pela recorrida no corpo da sua alegação, não coloca em causa este entendimento, como se pode ver pelo seguinte segmento «Nenhum reparo há a fazer à sentença recorrida a qual considerou que “(..) Daí, pois, que se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à AT o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar essa indispensabilidade.

É que em tal desiderato, o encargo da prova deve recair sobre quem, alegando o facto correspondente, com mais facilidade, pode documentar e esclarecer as operações e a sua conexão com os proveitos (cfr. Ac. do TCA, de 26/6/2001, Rec. nº 4736/01)(…).”

A Recorrente entende que a prova que competia à Administração não se encontra efetuada, pois a mesma limitou-se a descrever as situações analisadas e limita-se afirmar que não se considera que os custos sejam comprovadamente indispensáveis à realização dos proveitos ou à manutenção da fonte produtora sendo tal discurso conclusivo e não justificador do que quer que seja.

A sentença recorrida entendeu que a Administração se desembaraçou do seu ónus e teremos de concordar, pois a Administração no relatório de inspeção no ponto III.3 faz um análise aos custos contabilizados nos anos de 2004 a 2008, e analisa cada um por si, identificando os documentos que a suportam e explicando exaustivamente os motivos pelos quais as desconsidera.

E não se entende que mais pretende a Recorrente, a Administração Fiscal demonstrou a legitimidade da sua atuação, ou seja, a legitimidade da desconsideração dos custos em causa pelo que nada mais lhe era exigível

Feito este enquadramento, recuperando a questão da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, importa aqui reitera o que se deixou dito supra relativamente à impugnação da decisão respeitante aos demais factos não provados.

Não basta alegar os factos, e afirmar, como faz a recorrente que demonstrou pelos documentos juntos aos autos a materialidade das operações inserida no desenvolvimento da sua actividade, ou que o ónus da prova competia à AT.

A recorrente socorre-se de afirmações genéricas que não concretizam, de todo, a que documentos especificamente se refere. Sendo certo que na impugnação da decisão sobre a matéria de facto, lhe incumbia o ónus de identificar os meios probatórios em que sustenta a sua alegação, o que manifestamente não conseguiu.

A decisão em causa julgou não provados os factos alegados pela recorrente, conforme decorre de 1 a 10, precisamente por ausência de prova, sem que a recorrente concretize com base em que prova documental (já que prescindiu da prova testemunhal) pretende alicerçar o invocado erro de julgamento, sem o que não é possível concluir, com base nos elementos constantes dos autos, que se deveria alcançar decisão diversa, antes pelo contrário.

Senão vejamos.

Embora a formulação do ponto 8 seja conclusiva, ela deve ser lida em conjugação com o n.º 9. Deu-se por não provado que «a despesa com o imóvel de Albufeira [melhor identificado em P)] “decorreu de um acto de gestão da empresa, no desenvolvimento da sua atividade» que complementado com a falta de demonstração de que «o imóvel localizado em Albufeira [melhor identificado em P)] “era dormitório dos colaboradores da Impugnante antes da partida para o estrangeiro» e tendo ainda presente que não foi produzida prova positiva como profusamente fundamentado na motivação da decisão, não se verifica o imputado erro de julgamento.

Recorda-se que a referida motivação é a seguinte: «Da leitura e análise da prova documental junta com a petição inicial, no que diz respeito aos “gastos com o arrendamento de um imóvel em Albufeira”, designadamente, i. o “Contrato de arrendamento”, ii. a declaração Modelo 22 de IRC da empresa ESolutions Services, Lda. e iii. o requerimento de 22 de Julho de 2021, enviado à AT com vista ao exercício do direito de Audição sobre o projeto de Relatório da Inspeção Tributária, não é possível ao Tribunal dar como provado os factos supra descritos.
No ponto 34 da petição inicial, a Impugnante remete para “as respostas anteriores à AT” para comprovar o alegado quanto aos gastos com o imóvel descrito em P). Todavia da leitura dos documentos, nomeadamente, do requerimento de 22 de Julho de 2021, não resulta provado os factos descritos infra. A impugnante, com aquele requerimento, não juntou qualquer prova documental comprovativa do ali alegado, designadamente:
“Antes da saída de Portugal todos os novos trabalhadores cumpriam dois dias de preparação e formação, com fornecimento dos equipamentos e materiais segurança, formações muitas vezes ministradas pelo pelo Sr. O responsável por esta área na empresa, tanto na Moita como tantas vezes já em Albufeira, com os grupos de trabalhadores reunidos, pelo que não se entende que elementos contabilísticos seriam necessários a comprovar este facto e esta gestão da empresa.
Numa empresa com a média mensal de 106 trabalhadores em França em cada mês de 2019, não se compreende como poderá a AT não considerar tal despesa como resultante da actividade da empresa G....
(…) Tal imóvel foi arrendado no âmbito da atividade da empresa e desenvolvida com sucesso pela Requerente, sendo um bem apto a gerar rendimentos no futuro, em função dos planos e estratégias empresariais que a Requerente quisesse delinear e prosseguir, tendo-se mesmo chegado a equacionar a sua compra, este imóvel de Albufeira acabou por ser objeto de um contrato de arrendamento e que somente não subsistiu devido à pandemia Covid 19 e à inerente redução da actividade da requerente.
Ora, mais uma vez, verificando-se que não foi junta prova documental e que a impugnante prescindiu da prova testemunhal, não foi possível ao Tribunal dar como provados os factos acima descritos, porquanto os documentos juntos com a petição inicial não se mostram suficientes para comprovar o alegado.
Acresce, outrossim, que o “mapa do Google maps”, constante do requerimento de 22 de Julho de 2021, desacompanhado de demais prova, documental ou testemunhal, não é prova bastante para comprovar que o imóvel localizado em Albufeira era “era dormitório dos colaboradores antes da partida para o estrangeiro”, nomeadamente para França.
Ressalva-se, ainda, a incoerência dos factos alegados quanto à faturação da empresa G.... Pois, se por um lado, a Impugnante alega que a oferta do relógio descrito em N) possibilitou o aumento da faturação da Impugnante por cerca de 2 milhões de euros … Alega também, que “o arrendamento do imóvel durante o ano de 2020 só não subsistiu devido à inerente redução da atividade da Impugnante”.]»

O mesmo sucede em relação à falta de prova da colocação de anteparas nos veículos identificados no ponto 10.

A motivação para julgar o facto como não provado é a seguinte:
· «Tributações autónomas - viaturas
10. Não resultou provado que a impugnante colocou uma antepara nos veículos com as matrículas --8, --2, --3 e --0, todas descritas no quadro constante em S). [Não obstante a Impugnante ter junto, nos pontos 96 a 97, fotos das viaturas Ford, em nenhuma das fotos é possível ver a matrícula de cada viatura de forma a confirmar que corresponde às matrículas indicadas pela Impugnante. O mesmo sucede no, já citado, requerimento de 22 de Julho de 2021, para o qual a petição inicial. Acresce, outrossim, que o documento (não numerado) da petição inicial da “F – Go Futher” respeitante a um veículo Transit Kombi, trata-se de um “orçamento” referente a 1 carro apenas, sendo que, da análise do mesmo, desacompanhado de mais prova, por exemplo uma fatura, apenas se pode inferir que a Impugnante solicitou um orçamento e não que efetuou a colocação da antepara.»

Em face da fundamentação aduzida pelo Tribunal recorrido para julgar o facto não provado, nada mais há a acrescentar, uma vez que a mesma é clara e está em sintonia com os elementos de prova apreciados, não sendo possível concluir no sentido pretendido pela recorrente.

Assim sendo, por falta de indicação dos meios de prova que a recorrente considera determinantes de solução diversa, como lhe competia, não resta outra solução, senão a de julgar improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.


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Na conclusão XI, alega a recorrente que «Salvo o devido respeito, considera a AT que a douta sentença, neste segmento, incorre em erro de julgamento que resulta não só da incorreta valoração da factualidade assente, como também da errónea interpretação e violação da lei

Além do lapso em que incorre na sua identificação enquanto recorrente, compulsada a alegação de recurso, logo verificamos que a conclusão constitui a reprodução integral do n.º 12, depreendendo-se dos n.ºs seguintes que não está em causa a incorrecta valoração da factualidade assente, antes, pretendendo a recorrente alegar que se verificou um erro de julgamento quanto à verificação dos pressupostos da dedutibilidade dos custos corrigidos, pelo que será nessa sede que se apreciará a questão.


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Na conclusão III, a recorrente alega o seguinte: «Assim, como resulta das presentes Alegações, a Sentença recorrida padece, designadamente, de erro de julgamento e falta de fundamentação, razão pela qual deverá ser revogada por este douto Tribunal, sobre os pressupostos de direito, por erro na interpretação e aplicação do n.° 1 do art.° 23.° e art.° 88.° ambos do CIRC.»

Alega, assim, a recorrente que a sentença incorreu em erro de julgamento e falta de fundamentação.

Comecemos pela imputação de erro de julgamento.

Conforme se deu nota na sentença, não obstante a correcção relativa a ofertas ter sido efectuada no montante de € 9 928,16, a Impugnante apenas contestou a correcção da dedução do valor do relógio (€ 8 960,00) aceitando a correcção no valor de € 968,15, conforme expressamente refere no artigo 107 da petição inicial, pelo que, consolidou-se a correcção relativa à diferença. Apesar disso, no ponto 27 da sua alegação de recurso, volta a pugnar pela ilegalidade da correcção relativa a gastos com ofertas na sua totalidade. No entanto, por força da sua inimpugnabilidade, ela não pode ser apreciada na parte em que se consolidou.

A fundamentação do acto, na parte impugnada respeitante ao custo com a oferta de um relógio no valor de € 8 960,00 consta do ponto E) do probatório e é a seguinte:

«Ofertas (…) Analisando a documentação Justificativa destes registos contabilísticos, constata-se que a mesma é constituída apenas pelas faturas emitidas pelos fornecedores da G..., inexistindo qualquer elemento adicional emitido pelo sujeito passivo.

Sobre este assunto, convém notar que o art.º 23.º do CIRC não afasta a possibilidade de uma empresa efetuar ofertas às entidades com as quais mantém relações comerciais, no âmbito da atividade exercida, reconhecendo-se que as ofertas comerciais constituem uma prática enraizada e socialmente aceite que é suscetível de concorrer para o cômputo do lucro tributável.

Contado, o referido articulado impõe, como requisito para sua dedutibilidade fiscal, que os gastos incorridos visem obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC.

Ora, examinada a documentação existente na contabilidade da G..., verifica-se que nela não consta a identificação dos beneficiários a quem foram transmitidas as ofertas, as quais consistem em artigos e atividades facilmente percecionáveis como gastos do foro pessoal, motivo pelo qual não é possível aferir uma eventual relação de causa/efeito entre os gastos supramencionados e os rendimentos daí decorrentes.

Tendo-se inquirido a sociedade, através de notificação efetuada em 2021/04/16 (Anexo 6, fls. 1 a 4), para justificar a finalidade do gasto com uma atividade turística de €640,00, suportado em 2019/07/20 junto da Varzeamar, esclareceu o sujeito passivo que a mesma respeitou "a uma oferta ao cliente P" sem, no entanto, enquadrar ou detalhar as circunstâncias em que tal oferta ocorreu, uma vez que se trata de um cliente sedeado em França que teria de se deslocar propositadamente até ao Algarve para usufruir da mesma (Anexo 7, fl. 2).

Note-se que os extratos das contas SNC 623112 - Artigos de Oferta e 626712 - Limpeza, Higiene e Segurança, constituem, respetivamente, o Anexo 10 e o Anexo 9, fl. 9.

Deste modo, não sendo possível aferir se os gastos em apreço, suportados pelo sujeito passivo a título de ofertas, visaram obter ou garantir rendimentos no âmbito da atividade exercida, será efetuada uma correção de €9.928,16 ao seu resultado tributável de 2019, nos termos do art.º 23.º, n.º 1 do CIRC (…)».

A correcção relativa à dedução de custos com rendas, respeitantes a parte do mês de Setembro e aos meses de Novembro e Dezembro de 2019, no valor de € 141 000,00, suportou-se na seguinte fundamentação:

«(…) Por análise à documentação do sujeito passivo, constata-se que estes gastos respeitam ao arrendamento do prédio urbano sito na Rua …, n.º …, Quinta …, 8…-…1 Albufeira, inscrito sob a matriz predial urbana n.º 7… da freguesia de Albufeira e Olhos de Água, conforme contrato rubricado em 2019/01/01 entre a G... e a sociedade E… Solutions Services, Lda., NIF 5… (ver Anexo 13, fls. 1 a 3).

São proprietários deste imóvel V…, gerente da G..., e A…, NIF 1…, esposa daquele e sócio-gerente da E… Solutions Services, Lda. à data da celebração do contrato (Anexo 14, fls. 1 a 8), após terem adquirido o mesmo por €975.000,00, segundo consta na escritura de compra e venda rubricada em 2016/12/16 (Anexo 15).

O imóvel afeto a habitação trata-se de uma moradia com 210 m2, implantada num terreno com área total de 2,772 m2, a qual e composta, no 1.° piso, por 3 quartos, 2 casas de banho, pátio e logradouro com piscina e, no 2.° piso, por quarto, sala comum, 2 casas de banho, cozinha e terraço (Anexo 16, fls. 1 e 2).

Note-se que, a data do contrato, a E… Solutions Services, Lda. era detida em 70% por A… (esposa do gerente da G..., V…) e em 30% por J…, NIF 2… (filho do gerente da G... e também titular de uma participação de 26% no capital social da G… – (…).

Tendo-se notificado a sociedade em 2021/04/16 para justificar a finalidade deste arrendamento (Anexo 6, fls. 1 a 4), cujo gasto total ascendeu a €141.000,00 em 2019, esclareceu o sujeito passivo que o imóvel em questão é usado como "ponto estratégico para o recrutamento de pessoal, para ações de formação executadas pela empresa e dormitório dos colaboradores antes da partida para o estrangeiro" (Anexo 7, fl. 2).

Ora, atendendo às características do imóvel, constata-se que a documentação presente na contabilidade da G... evidencia uma utilização residual da moradia sita na Quinta … para aqueles propósitos pela sociedade, dado que:

- quanto ao recrutamento de pessoal, não se detetou a presença de quaisquer evidências na contabilidade de práticas desta natureza ocorridas na referida moradia;

- quanto as ações de formação executadas pela empresa, além do imóvel não apresentar as características mais adequadas para tal prática, não se detetou na contabilidade a existência de gastos associados a ações de formação prestadas internamente (por exemplo, ajudas de custo e/ou compensação pela deslocação em viatura própria pagas a trabalhadores/formadores), e, no caso de ações prestadas externamente, apenas se detetou a ocorrência de uma ação na moradia em questão, a qual decorreu durante um período de dois dias e com a presença de apenas cinco formandos. Conforme esclarecimento prestado pela sociedade C… & G…, Lda., NIF 5…, a qual emitiu uma fatura no montante total de €5.000,00 relativa à formação prestada (Anexo 17, fls. 1 a 7). É ainda de referir que as faturas registadas na conta SNC 63820 - Formação respeitam, essencialmente, a formações prestadas no estrangeiro por entidades aí sedeadas;

- quanto ao uso da moradia como dormitório dos colaboradores antes da partida para o estrangeiro, não se detetou, nem foram detalhadas e comprovadas pelo sujeito passivo as circunstâncias em que tal prática ocorreu, inexistindo na contabilidade qualquer evidência dessa alegada ocorrência. De facto, atendendo à localização do imóvel em questão (zona de Albufeira), não se compreende por que motivo pernoitariam os colaboradores naquele local antes de rumarem ao estrangeiro (nomeadamente França, principal local de prestação de serviços por parte do sujeito passivo), quando, sendo sobretudo residentes na região de Setúbal e Grande Lisboa, poderiam fazê-lo a partir da sede da G..., na Moita.

Assim, atendendo à escassa evidência de utilização do imóvel para os fins indicados pela G… e, em virtude disso, à elevada suscetibilidade de ter sido usado pelos seus proprietários (V… e esposa) para fins pessoais e/ou alheios à atividade desenvolvida pelo sujeito passivo, apenas se aceitará como gasto fiscal a renda respeitante à semana em que decorreu a ação de formação prestada pela C… & G…, Lda.

Tendo essa ação formativa decorrido em 2019/09/26 e 2019/09/27, com a presença de apenas cinco formandos (quando a sociedade teve um número médio de funcionários de 106 durante o período de 2019, segundo inscreveu na sua IES), aceitar-se-á como gasto, nos termos do art.º 23.°, n.º 1 do CIRC, a renda suportada no período de 23 a 29 de setembro de 2019, atendendo ao eventual tempo de preparação do espaço para a realização da referida ação.

Deste modo, tendo a E…. Lda. cobrado um valor de renda de €13.500,00 para o mês de setembro de 2019, aceitar-se-á, para efeitos de cálculo do lucro tributável, o montante de €3.150,00 (= €13.500,00 / 30 x 7), relativo ao hiato temporal em que a G..., efetivamente, utilizou a moradia no âmbito da sua atividade.

Deste modo, sem que se percecione de que forma os gastos em apreço visaram obter ou garantir rendimentos no âmbito da atividade exercida, com exceção da ação de formação supra relatada, far-se-á uma correção de €137.850,00 (= €141.000,00 - €3.150,00) ao resultado tributável de 2019, nos termos do art.º 23.º, n.º 1 do CIRC (…)»

A dedução dos gastos ou perdas, para a determinação do lucro tributável, está prevista no artigo 23.º do CIRC, estatuindo que são dedutíveis todos os gastos e perdas que incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

Nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 23.º do CIRC, são dedutíveis os gastos «de natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas (…);

Os gastos dedutíveis devem estar comprovados documentalmente, conforme resulta do disposto no n.º 3 do citado preceito legal.

Decorrendo do n.º 4 do artigo 23.º do CIRC, que no caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com aquisição de bens ou serviços o documento comprovativo a que se refere o n.º 3, deve conter pelo menos os seguintes elementos:

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;

b) Número de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se trate de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;

d) Valor da contraprestação designadamente o preço;

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.

Como bem se refere na sentença, com tal regime, o legislador teve em vista «impedir os contribuintes de usarem uma determinada conduta para obterem uma vantagem fiscal, a não ser que o sujeito passivo prove que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e, ainda que reais, não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.» E que tenham ligação com a actividade societária, acrescentamos nós.

«Nas palavras do professor Gustavo Courinha, em comentário à atual redação do art.º 23.º do CIRC refere que “fica essencialmente excluído um grande conjunto de despesas: aquelas cuja efetivação não se pode imputar aos interesses societários, mas aos interesses pessoais dos sócios ou de terceiros. E isso implica que, quanto a um conjunto muito vasto de despesas, onde se dá a interseção entre a esfera pessoal e societária ou entre diversas esferas societárias, se deva concluir que, em regra, não existem interesse coletivo da empresa. Esta linha permite, inclusivamente, a adoção de juízos de não dedutibilidade assentes em critérios comuns de experiência, capazes de formar verdadeiras presunções judiciais. [nota de rodapé 30: É, por exemplo, o que acontece com o pagamento de estadias em hotéis em zonas de lazer em período de Verão ou Festivos; é o que sucede com o pagamento de rendas (ou amortização) de imóveis localizados em zonas turísticas e sem ligação evidente à atividade social;”]. [cf. GUSTAVO LOPES COURINHA, “Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas”, Almedina, 2019, pp. 115]».

Vista a fundamentação da correcção e o regime aplicável, vejamos se a decisão incorreu em erro de julgamento.

O Tribunal recorrido julgou improcedente a impugnação das aludidas correcções com base no seguinte discurso fundamentador:

«(…) resultou provado a efetividade das operações na origem dos gastos incorridos pela Impugnante, designadamente, a compra do relógio “OST-NYL CPPUCCINO” no valor de €8.960,00 e outorga do “Contrato de Arrendamento urbano” entre a sociedade “ESolutions Services, Lda.” e a impugnante com referência ao “prédio urbano a que corresponde a casa n.º 50 sita na Quinta , Albufeira, Algarve”. [cfr. al. N) e P)]

Não obstante, da prova carreada nos autos, não foi possível ao Tribunal inferir em que momento o relógio “OST-NYL CPPUCCINO” foi oferecido, a quem, e se a compra do relógio e a respetiva oferta foi efetuada no âmbito de uma ação de consolidação de relações contratuais com um cliente da impugnante, neste casu, a sociedade “P”.

Também não resultou provado se na sequência da oferta do mencionado relógio “OST-NYL CPPUCCINO, a faturação da impugnante aumentou cerca de 2 milhões de euros. [cfr. factos não provados 1. a 5.]

Acresce, outrossim, que a Impugnante no âmbito das suas funções exerce “a atividade de cedência de trabalho temporário para ocupação por utilizadores, podendo ainda desenvolver atividades de seleção, orientação e formação profissional, consultoria (na qual se exclui a consultoria jurídica) e gestão de recursos humanos”. [cfr. alínea A)]

Em face do exposto, não resultando demonstrado que aquele gasto com a compra do relógio foi suportado pela Impugnante com vista à obtenção de rendimentos sujeitos a IRC e não resultando que tais operações se subsumem no escopo ou propósito da atividade empresarial, não são os mesmos dedutíveis ao lucro tributável, nos termos do art.º 23.º do CIRC.»

Quanto à correcção relativa ao gasto com a oferta de um relógio no montante de € 8 960,00, a recorrente limita-se a reiterar em sede de recurso que se trata de oferta a um cliente responsável pelo aumento da facturação da impugnante, actualmente responsável por cerca de 2 milhões de euros de facturação e que não pode ser desconsiderado.

Sustenta a sua alegação na afirmação de que ficou provado em sede de inspecção que os referidos gastos visam obter rendimentos no âmbito da actividade exercida, e que era à AT que cabia a prova em contrário.

No entanto, não lhe assiste qualquer razão.

Por um lado, face ao desfecho de improcedência da impugnação da matéria de facto, não pode a recorrente afirmar que resultou provado que o gasto em causa visa obter rendimentos no âmbito da actividade desenvolvida ou que foi feita no verso da factura, a transcrição da data e pessoa a quem foi entregue porquanto tal asserção não foi demonstrada.

Por outro, a recorrente parte do pressuposto errado de que cabia à AT o ónus da prova, o que como supra se deixou dito, não corresponde de todo ao regime da repartição do ónus da prova no caso sub judice, como se salienta na sentença recorrida, tanto bastaria para julgar improcedente a conclusão de recurso.

No entanto, acresce dizer que a decisão do Tribunal recorrido quanto à correcção em causa, não se mostra errada, pois baseia-se na apreciação da fundamentação da correcção e na ausência de prova pela recorrente, como decorre da afirmação «não resultando demonstrado que aquele gasto com a compra do relógio foi suportado pela Impugnante com vista à obtenção de rendimentos sujeitos a IRC e não resultando que tais operações se subsumem no escopo ou propósito da atividade empresarial, não são os mesmos dedutíveis ao lucro tributável, nos termos do art.º 23.º do CIRC», em estrita aplicação da lei.

O mesmo sucede quanto à correcção relativa a duas rendas no valor de 141 000,00.

O Tribunal recorrido julgou improcedente a impugnação no entendimento seguinte: «Igualmente, dos autos, não resultou provado, para além da parte já considerada pela AT e atinente à formação dos trabalhadores da empresa, que durante o ano de 2019 os gastos incorridos com as rendas do imóvel sito em Albufeira foram suportados para obter rendimentos ou garantir a atividade da fonte de produção da impugnante.

Não obstante o alegado pela Impugnante, nenhuma prova foi junta aos autos, para além do contrato de arrendamento, demonstrativa de que o imóvel sito em Albufeira era utilizado como local de recrutamento de pessoal, bem como, local onde eram realizadas ações de formação executadas pela empresa.

Também o mapa, junto com o requerimento de 22 de Julho de 2021 com vista ao exercício do direito de audição prévia, para o qual a petição inicial remete, não se mostrou suficiente para comprovar que o imóvel localizado em Albufeira era “era dormitório dos colaboradores antes da partida para o estrangeiro”, nomeadamente para França. [cfr. factos não provados 6. a 9]

Em face do exposto, o Tribunal não olvida a atividade da Impugnante “cedência de trabalho temporário para ocupação por utilizadores, podendo ainda desenvolver atividades de seleção, orientação e formação profissional, consultoria (na qual se exclui a consultoria jurídica) e gestão de recursos humanos”, todavia, com exceção, como já referido, da ação formativa que decorreu nos dias 26 e 27 de Setembro de 2019, não resultou provado dos autos que o imóvel sito em Albufeira e arrendado pela Impugnante à empresa E Lda. foi utilizado no âmbito da atividade da Impugnante.

Deste modo, não se provando que os gastos incorridos com as rendas do mencionado imóvel foram suportados no contexto da atividade ou interesse da empresa G, aqui Impugnante, não são os mesmos dedutíveis em harmonia com o disposto no n.º 1 e alínea d) do n.º 2 ambos do art.º 23.º do CIRC

A recorrente limita a sua alegação afirmando que «mantém a justificação “o sujeito passivo que o imóvel em questão é usado como "ponto estratégico para o recrutamento de pessoal, para ações de formação executadas pela empresa e dormitório dos colaboradores antes da partida para o estrangeiro" (Anexo 7, fl. 2)», que o ónus da prova cabia à AT, donde parte para a conclusão de que tal «permite inferir que os gastos efectuados foram os adequados, necessários e indispensáveis à obtenção dos proveitos e não podem ser desconsiderados para efeitos fiscais.»

No entanto, não basta invocar justificações. Além do ónus da alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir, concretizando-os, nos termos do artigo 5.º, n.º 1 do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 2.º, alínea e) do CPPT, importa também a prova desses factos. Sem prova não se pode inferir que um facto é verdadeiro, ademais quando invocado de forma genérica.

Pelo exposto, terá de improceder a pretensão recursória da recorrente nesta parte.


*


Quanto à alegação relativa à falta de fundamentação (conclusões III), V, VII) e VIII).

A recorrente ora alega que o acto impugnado padece de falta de fundamentação, ora atribui tal vício à sentença. Tendo em conta que o objecto do recurso é a sentença, embora a recorrente não o refira, estamos em presença da imputação de um erro de julgamento na medida em que implicitamente a recorrente considera que o julgamento que decorre da sentença recorrida relativamente à fundamentação do acto impugnado está errado.

Com efeito, e tal como resulta do disposto no n.º 5 do artigo 5.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, não obstante caber às partes a alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir, como antes o dissemos, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, resultando da referida norma o princípio expresso através do brocardo latino iura novit curia, nos termos do qual o juiz conhece (todo) o direito, ainda que o mesmo não seja invocado, ou o seja incorretamente.

Vejamos, então.

Sustentou o Tribunal a improcedência do vício de falta de fundamentação no entendimento seguinte: «(…) as liquidações em crise fundamentam-se no teor do Relatório de Inspeção Tributária, reproduzido, na parte que importa aos autos, nos factos provados. Da leitura fundamentação constante do relatório e da resposta ao direito de audição exercido pela Impugnante, concluímos que não padece do alegado vício de forma por falta de fundamentação, estando a mesma alicerçada nos motivos que conduziram às correções efetuadas, designadamente as concernentes à desconsideração dos gastos suportados pela Impugnante, bem como os gastos suportados pela sociedade, relativos a viaturas ligeiras de passageiros, que não foram incluídos nos cálculos da tributação autónoma como ali indicados.

Do teor do RIT, resulta de forma explícita, o iter cognoscitivo, de facto e de direito, percorrido pelos serviços de inspeção tributária da AT. Assim, considerando que a fundamentação antecedeu a emissão da liquidação adicional de IRC e respetivos JC, se mostra clara, suficiente e congruente, respeitando, o disposto no art.º 77.º da LGT, permitindo à Impugnante apresentar a sua defesa, pelo que improcede o alegado quanto à falta de fundamentação da decisão de correção dos elementos declarados pela empresa.

Pelo exposto, improcede o vício por falta de fundamentação invocado

Tal julgamento sucedeu à apreciação do vício de erro sobre os pressupostos de direito, razão que explica o facto de a sua apreciação ser sumária.

Compaginando a fundamentação do acto que consta do ponto E) da matéria de facto provada, com a decisão recorrida sobre a questão, impõe-se concluir que o acto está fundamentado, tal como julgou o Tribunal recorrido, porquanto permitiu à recorrente aperceber-se das razões concretas em que se basearam as correcções em causa. E tanto assim é, que a recorrente exerceu o direito de audição quanto ao projecto de decisão que constituiu o relatório, e teve oportunidade de contrapor a sua versão dos factos e do direito, o mesmo sucedendo quanto à decisão que converteu o projecto em decisão final.

Conforme resulta dos excertos supra transcritos, os fundamentos do acto são claros, tanto que a impugnante não teve dificuldade em impugná-la, o mesmo sucedendo com a sentença.

Relativamente à correcção do gasto com a compra do relógio, a AT considerou que se encontrava demonstrada a efectividade do custo, no entanto, colocou em causa a existência de uma relação entre o custo e a obtenção ou garantia de rendimento sujeitos a IRC, por não resultar que tais operações se subsumam no escopo ou propósito da atividade empresarial, concluindo assim, que os mesmos não são dedutíveis ao lucro tributável, nos termos do artigo 23.º do CIRC.

Tal constitui uma fundamentação que é perceptível e suficiente a permitir que um destinatário normal fique a conhecer a valoração dos factos e do itinerário cognoscitivo percorrido pela AT para concluir como concluiu: atento o objecto da actividade da recorrente não foi provada a relação do custo com oferta com o escopo da sociedade.

No que se refere aos custos com arrendamento, fundou-se a correcção no seguinte: «atendendo à escassa evidência de utilização do imóvel para os fins indicados pela Ge, em virtude disso, à elevada suscetibilidade de ter sido usado pelos seus proprietários (Ve esposa) para fins pessoais e/ou alheios à atividade desenvolvida pelo sujeito passivo». Tal fundamentação é clara e perceptível para um destinatário normal.

A discordância com o sentido da decisão não se confunde com a sua falta de fundamentação.

A recorrente demonstra claramente ter percebido a fundamentação de facto e de direito em que se sustentou o acto, como se decidiu na sentença, resultando do relatório de inspecção o raciocínio lógico dedutivo percorrido pela AT para levar a cabo as aludidas correcções.

Nos termos expostos, importa concluir que a sentença que assim decidiu, não merece a censura que lhe vem dirigida, não padecendo de erro de julgamento no que se refere à falta de fundamentação do acto.


*


No que se refere à decisão relativamente à tributação autónoma incidente sobre encargos com viaturas, alega a recorrente na conclusão XVII que a sentença padece «do vício de falta de fundamentação e ilegalidade da decisão» (cf. n.º 55 do corpo da alegação de recurso).

A correcção relativa a tributação autónoma dos veículos em causa fundamentou-se no seguinte:

«(…) da análise efetuada à contabilidade da G..., detetou-se existirem gastos suportados pela sociedade, relativos a viaturas ligeiras de passageiros, que não foram incluídos nos cálculos da tributação autónoma supra indicados.

Estes encargos respeitam sobretudo a viaturas de 9 lugares (condutor incluído) cujos modelos, segundo consta na base de dados do IMT - Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P, estão homologados na categoria de veículo ligeiros de passageiros, sem que a G... tenha sujeito a tributação autónoma os gastos suportados com os mesmos, nos termos do art.º 88.º, n.º 3 do CIRC, alegando que as suas características são similares aos veículos ligeiros de mercadorias.

Note-se que, destinando-se estes veículos ao transporte dos colaboradores da G..., os encargos decorrentes da sua utilização não são enquadráveis na exclusão prevista no art.º 88.º. n.° 6 do CIRC, a qual apenas salvaguarda de tributação autónoma a atividade de transporte de clientes.

Assim, atendendo à homologação como veículos ligeiros de passageiros as viaturas cujas matrículas se identificam no quadro abaixo (vide Anexo 31, fls 1 a 15) sintetizam-se de seguida os gastos suportados pela G... com as mesmas, os quais constituem o Anexo 32. fls 1 a 108, encontrando-se os valores discriminados em detalhe no Anexo 33, fls. 1 a 3.

(…) atendendo a que o sujeito passivo não sujeitou a tributação a totalidade dos encargos previstos no art.º 88.º, n.º 3 do CIRC, conforme se relatou anteriormente. far-se-á a seguinte correção ao nível de tributações autónomas (…)».

O Tribunal recorrido manteve a correcção, sustentando a sua decisão no seguinte:

«(…) a Impugnante aceita a correção relativa à viatura com a matrícula --2, no valor de €5.218,09, por se tratar de um ligeiro de passageiros. [cfr. alegado no ponto 90. da petição inicial]

Vejamos então, as correções respeitantes aos veículos com as matrículas --8, --2, --3 e --0.

Dos autos resulta que os veículos com as matrículas --8, --2, --3 e --0são veículos ligeiros e do tipo de passageiros. E que o cálculo do ISV foi efetuado pela tabela B do n.º 2 do art.º 7.º do Código do Imposto sobre Veículos [cfr. al. S) e T)]

Também os veículos com as matrículas …-…-…8, …-…-…5, …-…-…S, …-…-…T, …-…-…9, …-…-…9, …-…-…2, …-…-…7, …-…-…3, …-…-…1 estão homologados como viaturas ligeiras de passageiros. [cfr. al. S)]

Por outro lado, não resultou provado que a impugnante colocou uma antepara nos veículos com as matrículas --8, --2, --3 e --0 e que os veículos foram transformados em “misto de mercadorias”. [cfr. facto não provado 10.]

Assim, verificando-se que os veículos com as matrículas --8, --2, --3 e --0 estão homologadas pela entidade competente como viaturas ligeiras de passageiros, não tendo a Impugnante logrado demonstrar que, como alega, se tratam de veículos ligeiros de mercadorias, em face das transformações efetuadas que os tornou “misto de mercadorias”, não assiste razão à Impugnante, permanecendo válidas as razões que levam à sua tributação autónoma.

In fine, quanto à informação vinculativa de Abril de 2015 proferida pela Autoridade Tributária no processo 750/2015, e junta aos autos, cumpre referir que a mesma versa sobre veículos ligeiros de mercadorias e não sobre viaturas ligeiras de passageiro, pelo que não tem aplicação na situação em apreço, uma vez que se está na presença de viaturas ligeiras de passageiros

Contra o decidido, alega a recorrente que ficou demonstrado nos autos a isenção de impostos na aquisição das viaturas, exactamente por serem ligeiros mistos e não de passageiros, não podendo ser imputável à recorrente o registo errado no IMT, conforme documentos juntos ao processo. Aduzindo, mais uma vez, a alegação de que cabia à AT o ónus da prova.

Por fim argumenta que apenas estão sujeitas a tributação autónoma prevista no n.º 3 do art.º 88.º do CIRC as viaturas ligeiras de mercadorias que, para efeitos de imposto sobre veículos, sejam tributadas às taxas normais deste imposto, ou seja, as previstas na tabela A constante do n.º 1 do art.º 7.º do CISV.

Acrescenta que as viaturas com as matrículas --8, --2, --3 e --0 foram alteradas através da colocação de uma antepara, um equipamento que divide os lugares de passageiros das mercadorias, transformando-o em mistos de mercadorias.

Vejamos, então.

O regime legal das taxas de tributações autónomas consta no artigo 88.º CIRC, o qual na parte que releva e na sua versão em vigor à data dos factos, estatui o seguinte:

«3 — São tributados autonomamente os encargos efetuados ou suportados por sujeitos passivos que não beneficiem de isenções subjetivas e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, viaturas ligeiras de mercadorias referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos, motos ou motociclos, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia elétrica, às seguintes taxas: (cf. redacção dada pela Lei n.º 82-C/2014, de 31 de Dezembro, aplicável aos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de Janeiro de 2015)

a) 10 % no caso de viaturas com um custo de aquisição inferior a (euro) 25 000; (cf. redacção dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro)

b) 27,5 % no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a (euro) 25 000 e inferior a (euro) 35 000; (cf. redacção dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro)

c) 35 % no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a (euro) 35 000. (cf. redacção dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro)

(…)

5 — Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.

6 — Excluem-se do disposto no n.º 3 os encargos relacionados com:

a) Viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, afetos à exploração de serviço público de transportes, destinados a serem alugados no exercício da atividade normal do sujeito passivo; e

b) Viaturas automóveis relativamente às quais tenha sido celebrado o acordo previsto no n.º 9) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS

Dispõe o n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos, cuja epígrafe é «taxas normais – automóveis»:

«1 - A tabela A, a seguir indicada, estabelece as taxas de imposto, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, e é aplicável aos seguintes veículos:

a) Aos automóveis de passageiros;

b) Aos automóveis ligeiros de utilização mista e aos automóveis ligeiros de mercadorias, que não sejam tributados pelas taxas reduzidas nem pela taxa intermédia.

(…)»

Como bem se observa na sentença recorrida, a lógica subjacente à tributação autónoma é a de que «tratando-se de despesas deduzidas pela sociedade, mas que traduziam de alguma forma de vantagem para os respectivos destinatários – no sentido de corresponderem a gastos que os beneficiavam e em que estes evitavam incorrer – impunha-se alguma forma de reflexo fiscal dessa capacidade contributiva. (…) e que mais não traduziam do que vantagens indiretas auferidas pelos beneficiários de tais despesas e que, por via, eram sujeitos a tributação. [cf. GUSTAVO LOPES COURINHA, “Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas”, Almedina, 2019, pp. 181]».

A este propósito v.g. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 197/2016 «a tributação autónoma tem ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, e é explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal

Está em causa saber se estão reunidos os pressupostos previstos na norma de incidência da tributação autónoma, importando apreciar e decidir se ao manter a qualificação dos veículos em causa, operada pela AT, como veículos de passageiros a sentença incorreu em erro de julgamento, por, ao invés, estar em causa a sua qualificação como veículos de utilização mista como defende a recorrente, não sujeitos a tributação autónoma.

Entre outros e para além dos pressupostos subjectivos, que aqui não estão em causa, o artigo 88.º, n.º 3 do CIRC prevê a tributação autónoma de encargos relacionados com:

i) viaturas ligeiras de passageiros;

ii) viaturas ligeiras de mercadorias que não sejam tributados pelas taxas reduzidas nem pela taxa intermédia referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos, motos ou motociclos.

A recorrente defende que os veículos em causa nos autos são de utilização mista, não sujeitos a tributação autónoma, facto que invoca ter sido reconhecido pela própria AT.

Concretiza a sua alegação no seguinte:

«58. Estes veículos são afectos ao transporte dos colaboradores da G... mas também dos materiais necessários às obras,

59. Assim, não se poderá concordar com a douta sentença quanto “atendendo à homologação como veículos ligeiros de passageiros as viaturas cujas matrículas se identificam no quadro abaixo (vide Anexo 31, fls 1 a 15) (…)

60. Já que no próprio anexo 31 consta a viatura Ducato como ligeira “MISTO”!

61. E no anexo 32 a viatura …_…-…8 é classificada como ligeira mista “transit combi misto” e as viaturas alugadas à AVIS são igualmente mistas.

62. Nem com a tributação autónoma corrigida de 22.222,14 € constante do anexo 33, que uma vez mais se impugna para todos os efeitos legais.

63. Pois mal andou a douta sentença quanto no seu ponto 10. “Não resultou provado que a impugnante colocou uma antepara nos veículos com as matrículas --8, --2, --3 e --0, todas descritas no quadro constante em S).»

Vejamos.

Todos os veículos constantes do quadro a que se refere o ponto S) da matéria de facto provada foram homologados pelo IMT – Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP, na categoria de ligeiros, do tipo passageiros, de 9 lugares, excepto os veículos com a matrícula …-…-…5, …-…-…T e …-…-…9 que têm 5 lugares cada.

No que se refere aos veículos com as matrículas --8, --2, --3 e --0, a questão da colocação de anteparas e que «foram transformados em “misto de mercadorias» não releva para a sua qualificação, na medida em que a impugnação da matéria de facto foi julgada improcedente pelo que, se mantém tal facto julgado como não provado.

Os veículos com a matrícula --8, --2, --3 e --0 e …-…-…2 constam da base de dados da AT como veículos ligeiros de passageiros, conforme resulta do Anexo 31 fls. 5 a 9, 13 a 20 que consta a fls. 781 do SITAF.

Quanto às Declarações Aduaneiras de Veículos (DAV), contata-se que, no campo dedicado às características do veículo fez-se menção de que se trata de veículos ligeiros, constando do campo 32, relativa ao «tipo de veículo IMT», a indicação de que se trata de veículo de passageiros, de nove lugares, enquanto no campo 33 o «tipo veículo fiscal» é referido como misto, com peso bruto superior 23000 kg Fiat 250 (DAV n.°: 2017/0…), o mesmo sucedendo com as restantes DAV (apenas diferindo quanto ao modelo e peso bruto) conforme decorre do Anexo 31 fls. 10.

A DAV destina-se à introdução no consumo dos veículos tributáveis (quer seja por importação, quer por admissão) titulando a liquidação dos impostos devidos, pelos operadores registados, os operadores reconhecidos e pelos particulares (cf. artigos 3.º, n.º 1, 17.º, n.º 1 do CISV).

Por seu turno, o Certificado de Matrícula ou Documento Único Automóvel é o documento que reúne as características identificadoras do veículo, bem como os elementos referentes à sua propriedade, constituindo o documento de identificação de um veículo, para efeitos de circulação (cf. artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 178-A/2005 de 28/10/2005).

No caso dos autos, no território continental, o IMT, I. P., é o serviço competente em matéria de transportes terrestres, incumbindo-lhe a emissão do Certificado de Matrícula ou Documento Único Automóvel.

Enquanto a DAV se destina à introdução no consumo dos veículos tributáveis, que podem ser sujeitos a alterações posteriores, já o certificado de matrícula, constituindo o documento de identificação de um veículo, destina-se a identificar, além de outros elementos, a categoria e o tipo de veículo que pode circular legalmente, sujeito a fiscalização. Qualquer alteração em desconformidade com o certificado determina a emissão de novo certificado ou o averbamento da alteração, conforme os casos, pelo que, é pelos elementos identificativos do veículo que constam do certificado de matrícula, ou documento único automóvel que se definem as características dos veículos. Sem prejuízo da possibilidade de prova das alterações, por qualquer meio de prova, desde que tenha sido requerida a emissão de novo certificado.

Os certificados de matrícula juntos aos autos pela recorrente, relativos aos veículos com a matrícula --8, --2, --3 e --0, revelam que os mesmos constituem veículos ligeiros de passageiros (cf. documentos n.º 7.4, 7.5 e 7.6 e 11 juntos com apetição inicial a fls. 64 a 66 e 108 do SITAF).

Sendo de salientar que os veículos com a matrícula --8, --2, --3 e --0, bem como …-…-…8 e …-…-…T figuram no mapa de depreciações e amortizações apresentado pela recorrente relativo ao exercício de 2019, como elementos do activo descritos pela própria recorrente como equipamentos de transporte ligeiro de passageiros.

Ora, compaginando a prova adquirida nos autos com a fundamentação da correcção: « Estes encargos respeitam sobretudo a viaturas de 9 lugares (condutor incluído) cujos modelos, segundo consta na base de dados do IMT - Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P, estão homologados na categoria de veículo ligeiros de passageiros, sem que a G... tenha sujeito a tributação autónoma os gastos suportados com os mesmos, nos termos do art.º 88.º, n.º 3 do CIRC, alegando que as suas características são similares aos veículos ligeiros de mercadorias (…)» logo se impõe concluir que a AT comprovou que estavam em causa veículos ligeiros de passageiros sendo certo, como se expendeu supra, que a recorrente não efectuou a prova de que tais veículos tinham tal categoria, pelo que ao assim decidir, a sentença recorrida não enferma de erro de julgamento, pelo que improcedem as conclusões de recurso.


*


A recorrente alega ainda a violação de vários princípios, deixando, no entanto, por concretizar em que tal violação se opera, sendo certo que a invocação dos princípios impunha que a recorrente procedesse à alegação densificando em que consubstancia o incorrecto julgamento efectuado.

Senão vejamos.

Na conclusão I, a recorrente alega que: «A decisão do Tribunal a quo de julgar a impugnação improcedente, e em consequência manter o despacho de indeferimento da reclamação graciosa referente à liquidação de IRC e juros compensatórios viola a lei em vigor e máxime o artigo 20° da Constituição da República Portuguesa, como também os princípios da legalidade e da justiça material, previstos no artigo 5°, n° 2 da LGT, uma vez que

II. A Recorrente não pode conformar-se com o entendimento perfilhado na Sentença recorrida, na exacta medida em que manteve na ordem jurídica os actos tributários impugnados, devendo a Sentença ser revogada e substituída por outra conforme com as normas e princípios jurídicos aplicáveis.»

A conclusão I, nem sequer é aflorada no corpo da alegação e a conclusão II é a reprodução do n.º 1 da mesma alegação de recurso, sem que tenha sido desenvolvido o raciocínio contido naquela asserção.

Tal alegação é retomada na conclusão XXIII, no entanto, sempre se dirá que não é pelo facto de a recorrente não concordar com a decisão recorrida, ou com ela não se conformar que está em causa a violação da lei em vigor, maxime o artigo 20.º da CRP, bem como os princípios da legalidade e da justiça material previsto no artigo 5.º, n.º 2 da LGT.

Não foi negado o acesso ao direito ou postergada a tutela jurisdicional efectiva, porquanto a recorrente teve acesso a exercer os seus direitos através de um processo equitativo, no qual não logrou alcançar a sua pretensão de ver anulados os actos impugnados. O acesso ao direito e a tutela jurisdicional efectiva não significa que a pretensão de quem recorre aos serviços de justiça tenha de ser julgada favoravelmente por força do disposto no artigo 20.º da CRP. O acesso ao direito e aos Tribunais constitui uma garantia que é independente do mérito da pretensão que o cidadão pretenda fazer valer.

Também não se mostram violados os restantes princípios que a recorrente invoca.

Senão, vejamos.

Por força do princípio da legalidade aplicado ao Direito Fiscal, que se traduz no brocardo nullum tributum sine lege, enquanto garantia individual (cfr. artigo 18.º da CRP), impõe-se a proibição de pagamento de impostos que não tenham sido estatuídos de acordo com a Constituição, o que não vem alegado, nem sucede no caso dos autos. Quando muito, estará em causa a errada aplicação das normas ao caso concreto, que é questão diversa.

No que se refere ao princípio da justiça material dispõe o artigo 5.º, n.º 2 da LGT, a tributação respeita os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material. Por força do aludido princípio, impõe-se ao Tribunal que conclua pelo afastamento da tributação, ainda que legalmente conforme, se dessa tributação resultar uma situação profundamente injusta. Neste sentido v.g. Acórdão do TCA Sul, Acórdão de 19/05/16 proferido no processo n.º 9259/16.

Em suma, por uma questão de imperativo de justiça, se o resultado concretamente alcançado na decisão conduzir a uma situação de injustiça, o juiz deve afastar a aplicação da lei, uma vez que, por força das suas características de abstração e generalidade, nem sempre a norma atende à justiça do caso concreto, demandando a intervenção do juiz.

No caso concreto, o que estás em causa é a falta de prova dos factos alegados, e não uma situação de injustiça material.

No que se refere ao princípio da segurança jurídica, quando muito estaria em causa o corolário do princípio da confiança, no entanto, nada permite concluir que a recorrente não pudesse contar com o desfecho da acção, em face das provas constantes dos autos.

Também não se mostra postergado o princípio da capacidade contributiva com a decisão recorrida, na medida em que se concluiu julgando que as correcções estavam fundamentadas na falta de prova do nexo com a actividade desenvolvida pela recorrente. Se os gastos não têm relação com a actividade, não está posto em causa a capacidade contributiva, antes, pelo contrário, as correcções visaram repor a tributação de acordo com a capacidade contributiva revelada.

Quanto à tributação autónoma, visando tributar a despesa, que em si é reveladora de capacidade contributiva, nessa medida, também não se mostra violado.

Invoca ainda a violação do princípio da imparcialidade, sem concretizar em que substancia tal violação. No entanto, impõe-se referir que dos autos não resulta um tratamento diferenciado da recorrente relativamente aos sujeitos passivos que no âmbito do procedimento inspectivo não cumprem o ónus da prova nos termos supra referidos, e muito menos relativamente aos que cumprem.

Assim sendo, improcedem as também as indicadas conclusões.


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IV – CONCLUSÕES


I - A omissão de pronúncia sobre documentos não integra o vício de nulidade da sentença previsto no artigo 125.º do CPPT;

II - Quando os gastos deduzidos não têm clara e evidente relação com o objecto social da sociedade, e questionando a AT a sua relação impõe-se ao contribuinte esclarecer de que forma tais custos preenchem o conceito normativo de indispensabilidade previsto no artigo 23.º do CIRC, uma vez que é quem tem o conhecimento directo da sua actividade;

III – Não estando em causa a veracidade das operações, mas a dedutibilidade dos gastos, cabe ao contribuinte o ónus da prova de que os gastos em causa reúnem os pressupostos necessários à sua dedutibilidade, porquanto decorre do preceituado no artigo 75.º, n.º 1 da LGT que a presunção de veracidade dos dados e apuramentos inscritos na contabilidade ali estatuída vigora, desde que a contabilidade seja organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal e, «sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.»;

IV – A fundamentação de liquidação subsequente a acção de inspecção é a que consta do respectivo relatório final;

V – O acto tributário está fundamentado quando permite ao contribuinte aperceber-se das razões concretas em que se basearam as correcções em causa e permitiu-lhe contrapor a sua versão dos factos e do direito sem dificuldade;

VI – A tributação autónoma incide sobre os gastos ou despesas deduzidas pela sociedade, que traduzem de alguma forma de vantagens indirectas dos respectivos destinatários – no sentido de corresponderem a gastos que os beneficiavam e em que estes evitavam incorrer – impunha-se alguma forma de reflexo fiscal dessa capacidade contributiva. (…) e que mais não traduziam do que vantagens indiretas auferidas pelos beneficiários de tais despesas;

VII - O certificado de matrícula ou Documento Único Automóvel constitui o documento de identificação de um veículo destinando-se a identificar, além de outros elementos, a categoria e o tipo de veículo que pode circular legalmente, sujeito a fiscalização, sendo qualquer alteração em desconformidade com o certificado determinante da emissão de novo certificado ou o averbamento da alteração, conforme os casos, pelo que, é pelos elementos identificativos do veículo que constam do certificado de matrícula, ou documento único automóvel que se definem as características dos veículos.

V – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes que compõem a Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Oportunamente, dê conhecimento da decisão ao processo de Inquérito n.º 231/21.0IDSTB a correr termos no Ministério Público - Procuradoria da República da Comarca de Lisboa - DIAP - 3.ª Secção da Moita, nos termos e para os efeitos do art.º 47.º do RGIT.

Lisboa, 3 de Abril de 2025.

Ana Cristina Carvalho – Relatora, Patrícia Manuel Pires – 1.ª Adjunta e Rui A. S. Ferreira – 2.º Adjunto.