| Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 904/13.0BELRA | 
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| Secção: | CA | 
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| Data do Acordão: | 10/09/2025 | 
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| Relator: | ALDA NUNES | 
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| Descritores: | CONTRATO DE CONCESSÃO COMUNICAÇÕES ELETRÓNICAS ARTIGO 13º, Nº 4 E 5 DO DL Nº 123/2009, DE 21.5 | 
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| Sumário: |  | 
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| Votação: | UNANIMIDADE | 
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| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Comum | 
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| Aditamento: |  | 
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Comum do Tribunal Central Administrativo Sul: Relatório A VVVV., atualmente ZZZZ (por incorporação, por fusão) instaurou ação administrativa comum contra o Município de Ourém e RRRR, pedindo a anulação do contrato de concessão da gestão, exploração e manutenção de infraestruturas aptas ao alojamento de redes de telecomunicações celebrado entre os réus, com fundamento em violação do disposto nos arts 13º, nº 4 e 34º do DL nº 123/2009, de 21.5, alterado e republicado pelo DL nº 258/2009, de 25.9, porquanto o contrato tem por objeto o exercício pela RRRR da atividade de gestão, exploração e manutenção das infraestruturas concessionadas mediante a fixação de um preço a pagar pela utilização por parte dos operadores de comunicações eletrónicas que a elas recorram. O tribunal a quo julgou totalmente procedente a presente ação, com todas as consequências legais, mormente a anulação do contrato celebrado entre os Réus Município de Ourém e RRRR A ré RRRR não se conformou com a sentença proferida pelo TAF de Leiria, interpôs recurso de apelação e concluiu as alegações do modo seguinte: 1. A ZZZZ ora apelada instaurou uma ação administrativa comum contra o Município de Ourém e contra a sociedade RRRR, pedindo que fosse anulado o contrato que estes celebraram datado de 30 de janeiro de 2013, contrato esse designado de “Contrato de Concessão da Gestão, Exploração e Manutenção de Infraestruturas Aptas ao Alojamento de Redes de Telecomunicações. 2. O Venerando tribunal “ a quo” julgou a ação totalmente procedente ordenando a anulação do referido contrato por violação do disposto nos artigos 13.º, n.º 4 e 34.º do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de maio, em conjugação com o artigo 106.º da Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro. 3. Essencialmente, o venerando tribunal “ a quo” entendeu que a cláusula do contrato por remissão para o caderno de encargos que com o n.º 21.º dispunha, sob a epígrafe de “Remuneração do concessionário” que: “O concessionário é remunerado através das receitas auferidas em virtude da exploração dos bens afetos à concessão, as quais resultam de uma renda permitida e de acordo com a lei, que equivalha aos custos de construção (incluindo os de construções, diretos e indiretos, suportados pelo concedente), manutenção, desenvolvimento e gestão das infraestruturas” violava o n.º 4 do artigo 13.º Decreto lei 123/2009 de 21 de maio, na medida em que este artigo determinava à data da celebração do contrato que [e cita-se] “4 - Pela utilização de infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas que pertençam ao domínio público ou privativo das autarquias locais é devida a taxa a que se refere o artigo 106.º da Lei das Comunicações Eletrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro, não sendo, neste caso, cobrada qualquer outra taxa, encargo, preço ou remuneração.” 4. Mais, considerou o venerando tribunal “ a quo” que, não obstante a ora apelante haver alegado a existência de inconstitucionalidade da norma a que se refere o n.º 4 do artigo 13º do Decreto Lei 123/2009 de 21 de Maio, por violação do princípio da igualdade e da proporcionalidade, esta não procedia, porque,” não bastaria alegar de forma teórica inconstitucionalidades, sem que se alegassem em concreto factos e se procedesse à subsunção jurídica na norma ou princípio constitucional que se considerava violado, o que a apelante não lograra fazer; 5. Referindo ainda além do mais, nesta parte, que a diferença da natureza jurídica das entidades em causa, sector público e ou municípios e setor privado e ou empresas, era suficiente para justificar a diferença de regimes legais, paralisando assim a teórica violação do princípio constitucional da igualdade, por inexistir uma situação de tratamento desigual de uma situação idêntica. 6.	Ora, entende a apelante que, o venerando tribunal “ a quo” procedeu a diversas incorreções padecendo assim a sentença de violação de lei, a saber: a. Em primeiro lugar, interpretou e aplicou de forma incorreta as normas em causa, isto é, quer o n.º 4 do artigo 13º do decreto lei 123/2009 de 21 de Maio, quer o artigo 21º do caderno de encargos do procedimento e consequentemente as disposições de forma conjugada; b. Em segundo lugar, não teve em conta o disposto no artigo 285 n.º1 do CCP, desconsiderando o facto da Autora não ter alegado e provado que o contrato não teria sido celebrado sem a parte viciada, o que levaria a que a ação tivesse de ser julgada improcedente. c. Em Terceiro lugar, não teve em conta o disposto do n.º 3 do artigo 285.º do CCP que lhe impunha a necessidade de ponderar da possibilidade do contrato ser reduzido e ou convertido, expurgando-se assim a parte inválida, o que significaria salvar o contrato. d. Em quarto lugar, quando viesse a entender que não era possível a redução ou a conversão do contrato, deveria ter considerado que o efeito anulatório se revelava contrário à boa-fé, devendo assim ser afastado, ponderados os interesses público e privados em presença bem como a gravidade do vício do contrato em causa. e. Em quinto lugar, não procedeu corretamente ao omitir a apreciação constitucional do artigo 13/4 do decreto lei 123/2009 de 21 de maio e ou errou ao considerar que a aludida diferença de natureza jurídica justificaria sempre a apontada desigualdade, pelo que “in extremis” não lograria existir a apontada inconstitucionalidade. 7. Quanto ao primeiro ponto verifica-se que o n.º 4 do artigo 13º do decreto lei 123/2009 de 21 de maio, ao dispor que “Pela utilização de infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas que pertençam ao domínio público ou privativo das autarquias locais é devida a taxa a que se refere o artigo 106.º da Lei das Comunicações Eletrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro”, mais não faz do que permitir a possibilidade de ser auferida uma remuneração, pela exploração das referidas infraestruturas, afinal a remuneração, que há-de resultar da aplicação das regras tendentes a proceder-se à liquidação da taxa municipal de direitos de passagem, tudo isto, não obstante, poder considerar-se que outra qualquer remuneração não é possível, o que contraria a interpretação que o venerando tribunal “a quo” fez da dita norma. 8.	Quanto ao segundo ponto, o artigo 21º do caderno de encargos ao determinar que a remuneração do concessionário é [cita-se] “remunerado através das receitas auferidas em virtude da exploração dos bens afetos à concessão, as quais resultam de uma renda permitida e de acordo com a lei, mais não é do que uma cláusula aberta que as partes no contrato aceitaram subscrever, remetendo, afinal, para a remuneração que a lei houver de permitir em determinado momento, podendo esta ser a que resulta das regras de funcionamento da TMDP, ou de outras quaisquer normas que em dado momento estiverem em vigor, durante todo o período de duração do contrato de concessão. a. Não é o contrato, nem são as partes do contrato - concedente e concessionário – que definiram, na prática, qual a remuneração que vai caber ao concessionário, como que se substituindo à lei [como refere a apelada e o venerando tribunal “ a quo” parece que propendeu a considerar] - longe disso - mas outrossim e sempre apenas o que a lei, a lei que estiver em vigor, ao longo do período de concessão ditar. 9. Se o concessionário lançar mão de cobrar uma remuneração não permitida por lei, o destinatário terá ao seu dispor todos os meios de reação competentes, sem que o contrato possa por isso estar em causa. 10. O que poderia estar em causa era uma forma de execução do contrato e não o valor intrínseco do contrato. 11. Esta é a interpretação das aludidas disposições conjugadas – legal e contratual - que as partes entenderam como corretas no contexto do contrato que livremente quiseram celebrar, sabendo de antemão que poderiam inclusive existir momentos sem remuneração ao longo do período do contrato, mas conformando-se com isso. 12. E não sendo a apelada parte no contrato, nem sequer tendo sido oponente ao concurso, não pode agora pretender fazer prevalecer outro qualquer sentido interpretativo. 13. Por outro lado, não sendo este sentido interpretativo desconforme com o direito, não existe fundamento legal para não poder ser aceite, atendendo a que é a interpretação que as partes entenderam dar ao contrato que subscreveram, é a interpretação que viabiliza o contrato e obedece ao princípio do aproveitamento dos atos que, por extensão, se aplica ao regime dos contratos públicos da jaez do celebrado. 14. Relativamente ao terceiro ponto, atendendo a que cabe à autora apelada fazer a demonstração de que o contrato não seria viável sem a parte que supostamente considera ilícita, e que o mesmo não é passível de ser reduzido e ou convertido, dado que nada alegou a este propósito, a ação sempre teria de ser votada ao insucesso e julgada improcedente. 15. Quanto ao quarto ponto, caso o tribunal entendesse que aquele alegado sentido interpretativo das normas contratuais não era possível, deveria ter procedido à redução ou conversão do contrato, considerando então que nos termos das disposições conjugadas dos artigo 13/4 do D/L 123/2009 de 21 de Maio e 20.º e 21.º do Caderno de Encargos, se pode determinar que o contrato é viável, desde que o concessionário apenas possa exigir remunerações pela exploração dos bens que estão afetos à concessão, desde que se verifique a sua conformidade com a lei, o que sói dizer-se, apenas a partir do momento em que a mesma for alterada, ao ponto de o vir a permitir, mantendo-se válido nas suas restantes partes, isto é, nos restantes direitos e obrigações que as partes contratantes aceitaram subscrever, sendo que, neste caso se se vier a entender que para tal é necessário ordenar a produção de prova, que os autos baixem à primeira instância para tanto. 16. Quanto ao quinto ponto, deveria ter considerado o tribunal “ a quo” que, não sendo viável operar uma redução ou conversão do contrato nos termos do n.º 3 do artigo 285.º do CCP, dever-se-ia ter lançado mão do n.º 4 da mesma disposição legal e atendendo a que se verifica a alegação de que a apelada aufere remunerações pela exploração das infraestruturas aptas ao alojamento das redes de comunicações pertença do município ora réu, seria sempre violador da boa fé, na vertente do “venire contra factum proprium” anular um contrato em que, a autora pretende obter a anulação de uma dada situação de facto para a qual ela própria concorre, o que significa, “in extremis” que o principio da boa fé impunha que “in casu” não devessem ser produzidos os efeitos anulatórios da própria sentença, inclusive, porque à data da prolação da sentença, a legislação se alterou de forma a que a situação que se divisou como não querida pelo direito, é atualmente diametralmente oposta, tendo passado a ser a situação que o direito sanciona como válida, isto é, a situação dos municípios poderem cobrar remunerações pelas suas infraestruturas aptas ao alojamento das redes de comunicações, como faz qualquer outro titular de idênticos ativos, podendo também neste caso, não obstante, ser necessário fazer baixar o processo para a apreciação da situação ora referida. 17. Por fim, e quando assim não se entendesse, sempre se haveria e haverá de considerar que o n.º 4 do artigo 13.º do decreto lei 123/2009 de 21 de Maio na redação existente à data da celebração do contrato em crise, é inconstitucional, na medida em que, a limitação legal ao direito dos municípios e “in casu” da apelante, em auferir uma outra qualquer remuneração que não a TMDP, esta permitida por referência para o artigo 106.º da Lei 5/2004 de 10 de Fevereiro, viola o princípio da igualdade e da proporcionalidade previstos nos artigos 13/2 e 266/2 da constituição da República portuguesa, o que foi devidamente suscitado por parte da apelante e em consequência, desaplicar a aludida norma, validando o contrato em crise. 18. E quando se entenda que, para apreciar a questão da inconstitucionalidade, deveriam ser angariados para os autos outros factos para além dos que se encontram elencados na matéria de facto dada como provada, desde já se refere que devem então os autos baixar à primeira instância para ampliação da matéria de facto, e em especial para apreciação dos factos alegados nos artigos 49.º (parte a ser definido em sede instrutória) 50.º, 51.º, 52.º 55.º 56.º 58.º 64.º 65.º a 82.º da contestação. 19.	Por fim, deve, pois, ser alterado o decidido por uma outra decisão que vá no sentido de julgar a ação totalmente improcedente por não provada, ou quando se entenda que terá de se ponderar a redução e ou conversão ou a paralisação dos efeitos anulatórios da sentença – sendo que para tanto existem factos que terão de ser apreciados - deverá ser ordenada remessa à primeira instância para a sua instrução e julgamento. A recorrida contra-alegou o recurso e formulou as conclusões que seguem: A. Através da Sentença recorrida, datada de 26.02.2021, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria julgou procedente a ação apresentada pela Recorrida, tendo, em consequência, determinado a anulação do Contrato celebrado entre os Réus, por violação do disposto nos artigos 13.º/4 e 34.º do DL 123/2009, em conjugação com o artigo 106.º da LCE; B. Inconformada com essa Sentença, a Recorrida interpôs o Recurso jurisdicional a que ora se responde, tendo invocado três fundamentos de suposta ilegalidade da decisão de primeira instância, a saber: (i) erro de Direito na interpretação dos artigos 13.º/4 do DL 123/2009 e 21.º do CE, (ii) violação do artigo 285.º/1, 3 e 4 do CCP e (iii) erro de Direito na apreciação da inconstitucionalidade do artigo 13.º/4 do DL 123/2009; C. Quanto ao primeiro alegado vício, a Recorrente sustenta, no fundo, que a lei permite que a utilização de infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas seja remunerada, deixando margem aos municípios para estabelecer essa remuneração, que pode ser aquela que em cada momento se entenda, nomeadamente a que seja fixada num contrato de concessão como o Contrato impugnado nos autos; D. No entanto, o artigo 13.º/4 do DL 123/2009 é claro ao prever que a utilização de infraestruturas de alojamento de redes de comunicações eletrónicas que pertençam ao domínio público ou privado municipal – como é o caso das infraestruturas integradas no objeto da concessão – não pode ser objeto de qualquer tipo de preço ou encargo (seja qual for o nomen iuris que lhe seja atribuído), apenas podendo ser cobrada a TMDP; E. As mesmas regras são aplicáveis às ITUR públicas, por força do disposto no artigo 34.º do DL 123/2009, que estabelece que pela instalação de cablagem e pela ocupação das ITUR públicas é apenas devida a TMDP; F. O Contrato impugnado, celebrado entre o Município de Ourém e a RRRR, prevê que a remuneração da Concessionária (e, em parte, do próprio Concedente) pela gestão, exploração e manutenção das infraestruturas concessionadas é efetuada mediante a cobrança de um preço pela sua utilização aos operadores de comunicações eletrónicas que a elas recorram, sendo esta remuneração calculada nos termos previstos na proposta apresentada a concurso e que “pesava” 75% no critério de adjudicação; G. Neste sentido, o Contrato impugnado é claramente ilegal, como foi bem decidido pelo douto Tribunal a quo, quando declarou que “a cláusula do caderno de encargos transportada para o clausulado do contrato celebrado entre os Réus, ao prever que a Ré RRRR será remunerada pela exploração das infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações, através de preços cobrados pela concessionária aos operadores de comunicações eletrónicas pelo acesso e utilização de condutas e postes propriedade do Réu Município de Ourém viola o disposto nos artigos 13.º, n.º 4 e 34.º do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de maio” (cf. Sentença recorrida, p. 26, 3.º §); H. A Recorrente invoca também que a douta Sentença teria alegadamente violado o disposto no artigo 285.º/1, 3 e 4 do CCP, por ter desconsiderado o regime da invalidade aí previsto, o qual ditava que o Contrato fosse reduzido ou convertido ou, no caso de essas opções não se revelarem viáveis, que a anulação não produzisse os efeitos anulatórios, por um lado, por imposição do princípio da boa fé e, por outro, em função da solução legal prevista nos dias de hoje; I. A questão de saber se o Contrato era suscetível de redução ou conversão, assim como a saber se deveria ou não produzir-se o efeito anulatório, constituem questões novas que em momento algum foram invocadas pela Recorrente em primeira instância, pelo que o seu conhecimento se encontra vedado a este douto Tribunal ad quem; J.	Independentemente disso, tais questões são totalmente improcedentes, porquanto o Tribunal a quo ponderou a manutenção do Contrato sem a cláusula inválida, tendo – acertadamente – concluído que a sua redução ou conversão, ou a não produção do efeito anulatório, seriam impossíveis; 62. Assim, com base na matéria de facto dada como provada (designadamente nos pontos n.º 3 e n.º 4), o Tribunal a quo ponderou a manutenção do Contrato sem a previsão de uma remuneração, tendo concluído que “a remuneração da concessionária assume uma especial relevância, constituindo, aliás a única contrapartida devida pela execução do contrato de concessão, traduzindo-se num elemento essencial da sua subsistência e sem o qual não subsistiria qualquer relação sinalagmática e equivalente entre as partes” (cf. Sentença recorrida, pp. 19, 3.º § e 20); K. Ainda que assim não fosse, nunca o Contrato seria suscetível de ser reduzido ou mesmo convertido, porquanto a redução ou conversão não se mostra compatível com a natureza essencial que a cláusula da remuneração assume num contrato oneroso (sendo esta a única retribuição auferida pela Concessionária), nem com o objeto social da Recorrente que, sendo uma sociedade comercial, prossegue o lucro e não fins altruísticos, nem mesmo com o princípio da concorrência e da prossecução do interesse público que estiveram na génese do concurso de que resultou o Contrato; L. Por outro lado, também não foi violado o artigo 285.º/4 do CCP, porquanto a Recorrida só aufere remunerações pela exploração das infraestruturas aptas ao alojamento das redes de comunicações de que é proprietária (ou cuja gestão lhe esteja cometida) e a boa fé a que se refere aquele preceito é a dos Réus, enquanto partes no Contrato, sendo certo que estes não tinham e não têm qualquer expectativa legítima e fundada que possa determinar a manutenção do Contrato mesmo quando este é insanavelmente ilegal. M. Do mesmo modo, a alteração legislativa do artigo 13.º/4 do DL 123/2009, posterior à celebração do Contrato, não tem qualquer aplicação ao caso dos autos, sendo a validade do Contrato impugnado aferida à luz das disposições legais vigentes à data da sua celebração (tempus regit actum) e não tendo ocorrido qualquer “convalidação” ou “sanação”, sendo impossível a sua subsistência; N. Subsidiariamente, a Recorrente invoca ainda a alegada inconstitucionalidade do artigo 13.º/4 do DL 123/2009, por suposta violação do princípio da igualdade e da proporcionalidade, peticionando, em consequência, a desaplicação da norma em causa; O. Quanto ao princípio da igualdade, a sua alegada violação resultaria de uma pretensa discrepância de tratamento entre os municípios (que estariam impedidos de cobrar algum valor pela utilização das infraestruturas municipais, ainda que orientada para os custos) e as demais entidades detentoras de infraestruturas semelhantes (que poderiam cobrar tal valor); P. Todavia, não é verdade que os municípios não possam cobrar pela utilização das suas infraestruturas aptas a alojar redes de comunicações eletrónicas, uma vez que estes podem cobrar a TMDP, que visa precisamente compensar os municípios pela utilização do domínio municipal por parte de entidades privadas; Q. Por outro lado, existe uma justificação de interesse público, legislativamente afirmada, para que os municípios apenas possam cobrar a TMDP e estejam impedidos de cobrar qualquer outra “taxa, encargo, preço ou remuneração” – e que se prende com a proibição de dupla tributação e com o objetivo de promoção das Redes de Nova Geração, conforme decorre do próprio preâmbulo do DL 123/2009; R. A própria Recorrente, aliás, reconhece os motivos de interesse público subjacentes à opção legislativa contra a qual se insurge, não podendo os processos judiciais administrativos, porém, servir para invocar quaisquer discordâncias das partes sobre o mérito ou bondade das soluções adotadas pelo legislador democraticamente legitimado; S. Quanto à alegada violação do princípio da proporcionalidade, diga-se que não está aqui em causa a cobrança da TMDP ou de qualquer outra taxa por outros municípios (o que sempre seria irrelevante) ou pelo próprio Município de Ourém, mas sim saber se os Réus poderiam ou não ter celebrado, como fizeram, um Contrato pelo qual o primeiro concede ao segundo a faculdade de cobrar pela utilização das infraestruturas municipais, em violação dos artigos 13.º/4 e 5 e 34.º do DL 123/2009; T.	É assim forçoso concluir que as normas em causa não ferem, de forma alguma, os princípios da igualdade ou da proporcionalidade, improcedendo em absoluto a alegação da Recorrente também nesta parte. Nestes termos, e nos demais de Direito, deve o recurso jurisdicional interposto pela Recorrente ser julgado absolutamente improcedente, mantendo-se na íntegra a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, com as legais consequências. O Ministério Público junto deste TCAS, notificado nos termos e para efeitos do art 146º, nº 1 do CTA, não emitiu parecer. Com dispensa dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à conferência para julgamento. Objeto do recurso: Atentas as conclusões das alegações de recurso, que delimitam o seu objeto, dado inexistir questão de apreciação oficiosa, as questões a decidir, tal como as identifica a recorrente, passam, por determinar se a sentença recorrida padece de violação de lei, por: a. erro na interpretação e aplicação do art 13º, nº 4 do DL nº 123/2009 e do art 21º do Caderno de Encargos; b. não ter em conta o disposto no art 285º, nº 1, 3 e 4 do Código dos Contratos Públicos; c.	erro na apreciação da questão da inconstitucionalidade do art 13º, nº 4 do DL nº 123/2009. Fundamentação De facto. Na sentença recorrida foi fixada a seguinte matéria de facto provada: 1.	«Em 13 de setembro de 2012 foi elaborado pelo Município de Ourém o Programa de Procedimento relativo ao “Concurso Público para a Concessão da Gestão, Exploração e Manutenção de Infraestruturas Aptas ao Alojamento de Redes de Telecomunicações” do qual consta, nomeadamente o seguinte: “(…) 1.2. O presente procedimento tem por objeto a concessão da gestão, exploração e manutenção das infraestruturas aptas ao alojamento de redes de telecomunicações, canal técnico municipal, rede de tubagens, postes, condutas, caixas, câmara de visita, armários ou edifícios, respetivos acessórios e quaisquer infraestruturas associadas, do domínio público e privado municipal, que já existam ou que venham a existir durante a vigência desta concessão, que sejam passíveis de ser utilizadas, ou co-utilizadas, para o alojamento ou manutenção de cabos de comunicações eletrónicas, equipamentos ou quaisquer recursos de redes de comunicações, bem como dispositivos de derivação, juntas ou outros equipamentos necessários à transmissão de comunicações eletrónicas naquelas redes. 3.	A entidade contratante é o Município de Ourém (…) (…) 7. Conteúdo da proposta e seus documentos (…)7.1.2.1. Valor da contrapartida financeira a pagar ao Município de Ourém, a título de renda, em percentagem sobre a receita que o concessionário venha a auferir pela exploração da concessão. O valor mínimo da renda a pagar são 10% sobre a receita que o concessionário venha a auferir. (…).” – (Cfr. programa do procedimento junto à petição inicial, sob documento n.º 3); 2.	Em 25 de setembro de 2012 foi elaborado pelo Município de Ourém o Caderno de Encargos relativo ao “Concurso Público para a Concessão da Gestão, Exploração e Manutenção de Infraestruturas Aptas ao Alojamento de Redes de Telecomunicações” do qual consta, nomeadamente o seguinte: “(…) Artigo 5.º Objeto e natureza da concessão 1 – O presente procedimento tem por objeto a concessão da gestão, exploração e manutenção das infraestruturas aptas ao alojamento de redes de telecomunicações, canal técnico municipal, rede de tubagens, postes, condutas, caixas, câmara de visita, armários ou edifícios, respetivos acessórios e quaisquer infraestruturas associadas, do domínio público e privado municipal, que já existam ou que venham a existir durante a vigência desta concessão, que sejam passíveis de ser utilizadas, ou co-utilizadas, para o alojamento ou manutenção de cabos de comunicações eletrónicas, equipamentos ou quaisquer recursos de redes de comunicações, bem como dispositivos de derivação, juntas ou outros equipamentos necessários à transmissão de comunicações eletrónicas naquelas redes. (…) Artigo 6.º Estabelecimento da concessão 1 – O estabelecimento da concessão é composto pelos bens móveis e imóveis afetos àquela e pelos direitos e obrigações destinados à realização do interesse público subjacente à celebração do contrato. 2 – Para efeitos do disposto no ponto anterior consideram-se afetos, i.e., a pertencer à concessão todos os bens existentes e identificados à data da celebração do contrato, que já integrem ou venham a integrar o domínio privado e público municipal, em particular os resultantes do levantamento e cadastro e os bens a criar, construir, adquirir ou instalar pelo concessionário em cumprimento do mesmo, que sejam indispensáveis para o adequado desenvolvimento das atividades concedidas, independentemente de o direito de propriedade pertencer ao concedente, ao concessionário ou a terceiros. Consideram-se também todos os meios que venham a ser integrados no domínio municipal, resultantes de investimento municipal ou de terceiros, nos termos do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21/5, na sua atual redação. 3 – Estão afetos à concessão, designadamente: a. Todos os bens referidos no número 1 do artigo anterior; b. As obras, equipamentos e outros bens que venham a ser adquiridos, realizados e implantados no âmbito e decorrentes deste procedimento e que deverão reverter no final da concessão para o concedente; c. Tudo o que resultar das operações de levantamento e cadastro, o cadastro, projetos e documentação, incluindo a propriedade intelectual, que foram afetos à concessão ou que esta deles necessite para o seu correto funcionamento. (…). REMUNERAÇÃO DO CONCESSIONÁRIO Artigo 20.º Renda da concessão 1. O montante da renda a pagar trimestralmente ao concedente pela exploração da concessão corresponderá à percentagem da receita indicada na proposta que for adjudicada. 2. O concessionário pagará as rendas até ao trigésimo dia do trimestre seguinte àquele a que diz respeito a renda, entendendo-se que se o último dia do prazo for sábado, domingo ou feriado, este terminará no dia útil imediato. (…) Artigo 21.º Remuneração do concessionário O concessionário é remunerado através das receitas auferidas em virtude da exploração dos bens afetos à concessão, as quais resultam de uma renda permitida e de acordo com a lei, que equivalha aos custos de construção (incluindo os de construções, diretos e indiretos, suportados pelo concedente), manutenção, desenvolvimento e gestão das infraestruturas. (…) Artigo 36.º Obrigações do Concessionário 1. Levantamento e cadastro: a – Elaboração, tendo como base a geodatabase a fornecer pelo concedente, de um cadastro, passível de integração total com o Sistema de Informação Geográfica (SIG) do Município de Ourém, do qual conste informação desenhada, descritiva e georreferenciada das infraestruturas aptas ao alojamento de redes de telecomunicações objeto da concessão, nomeadamente, postes, tubagens e condutas, caixas e câmaras de visita, nos termos da legislação em vigor e das orientações do regulador; (…) Gestão, manutenção e exploração de toda a concessão, devendo assegurar às empresas de comunicações eletrónicas o acesso às infraestruturas aptas ao alojamento das suas redes de telecomunicações, objeto da concessão, em condições de igualdade, transferência e não discriminação, mediante condições remuneratórias para os custos (incluindo os de construção, diretos e indiretos, suportados pelo concedente), em qualquer das circunstâncias sempre nos termos da lei em vigor. 3. Manutenção e atualização do cadastro e de todos os registos e licenciamentos, decorrente das operações descritas no número anterior. 4. Auxiliar o concedente a planear, em conjunto ou por sugestão a este, a expansão dos meios de apoio e alojamento do domínio municipal, bem como na análise de viabilidade dos pedidos de construção de novos meios de apoio e alojamento aptos ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas que venham a dar entrada nos respetivos serviços municipais. 5. Garantir sem custos para o concedente, o alojamento de cabos de telecomunicações, juntas e outros meios que este detenha ou venha a deter (que sejam da sua propriedade e estejam sob sua gestão) nas infraestruturas afetas à concessão. 6. Efetuar os pedidos de acesso a condutas de terceiros que o concedente venha a necessitar de utilizar. 7. Garantir o acesso à informação detalhada que contribua para o apuramento da percentagem da receita a entregar ao concedente, de acordo com o artigo seguinte. 8. Suportar todos os custos inerentes às suas obrigações.” – (Cfr. caderno de encargos junto à petição inicial, sob documento n.º 4); 3. Em 21 de dezembro de 2012 a Ré RRRR remeteu à Autora comunicação sob o assunto “Concessão de gestão de infraestruturas de telecomunicações no Concelho de Ourém” e com o seguinte teor: “A RRRR, empresa autorizada pela ANACOM enquanto Prestador de Serviços de Operador de Rede Pública de Comunicações, vem comunicar de acordo com o ponto 7.6. da sua Oferta de Referência para Acesso a Infraestruturas de Telecomunicações (SSSS) que é beneficiária desde o passado dia 11 de dezembro de 2012, de uma concessão atribuída pelo município de Ourém para a gestão, exploração e manutenção do conjunto de infraestruturas aptas ao alojamento de redes de telecomunicações existentes neste concelho. Esta concessão, com um prazo de duração de quinze anos, abrange as infraestruturas consubstanciadas em postes de madeira, postes de betão, redes de tubagens, canal técnico municipal, condutas, câmaras de visita, caixas, armários e edifícios, respetivos acessórios e quaisquer infraestruturas associadas do domínio público e privado municipal que existam ou venham a existir durante o período de vigência desta concessão, suscetíveis de alojar cabos ou equipamentos de comunicações eletrónicas. A RRRR passará, assim, a gerir todas as infraestruturas do Concelho de Ourém com base na sua Oferta de Referência para Acesso a Infraestruturas de Telecomunicações (SSSS), cuja cópia vos foi endereçada oportunamente e é já do vosso conhecimento. Assim sendo, informamos que, a partir desta data, qualquer acesso às Infraestruturas existentes no Concelho de Ourém deverá ser feito nos termos constantes da Oferta atrás mencionada, pelo que solicitamos a V. Exas. o envio do cadastro atualizado das redes de cabos e equipamentos por vós instalados nas infraestruturas existentes neste concelho. (…)” – (Cfr. comunicação, junta à p.i. sob documento n.º 2); 4. A “Oferta de Referência para o Acesso a Infraestruturas de Telecomunicações” (SSSS) elaborado pela Ré RRRR integra nomeadamente informação acerca dos preços dos serviços, bem como um anexo designado “regras de faturação” a qual abrangerá “todas as mensalidades recorrentes, referentes a cabos e equipamentos instalados nas infraestruturas, bem como serviços prestados de forma recorrente; todos os serviços prestados de forma não recorrente, efetuados no decorrer do mês anterior” – (Cfr. SSSS, junta à p.i. sob documento n.º 5); 5. Em 30 de janeiro de 2013 a Ré RRRR e o Réu Município de Ourém celebraram o “Contrato de Concessão da Gestão, Exploração e Manutenção de Infraestruturas Aptas ao Alojamento de Redes de Telecomunicações” cujas cláusulas remetem para o constante, nomeadamente do caderno de encargos referido no ponto 2 – (Cfr. contrato, junto pelo Réu Município de Ourém com o requerimento, a fls. 827 do Sitaf); 6.	A presente ação foi remetida a este Tribunal via correio registado no dia 24 de junho de 2013 – (Cfr. guia de transporte CTT Expresso, a fls. finais da petição inicial)». O Direito Erro na interpretação e aplicação do art 13º, nº 4 do DL nº 123/2009 e do art 21º do Caderno de Encargos. A recorrente discorda da interpretação que a sentença recorrida fez do art 13º, nº 4 do DL nº 123/2009, de 21.5, e defende que a norma – ao prever que pela utilização de infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas que pertençam ao domínio público ou privativo das autarquias locais é devida a taxa a que se refere o artigo 106.º da Lei das Comunicações Eletrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro – mais não faz do que permitir a possibilidade de ser auferida uma remuneração, pela exploração das infraestruturas objeto do contrato de concessão, que há-de resultar da aplicação das regras tendentes a proceder-se à liquidação da taxa municipal de direitos de passagem, tudo isto, não obstante, poder considerar-se que outra qualquer remuneração não é possível. Já o artigo 21º do caderno de encargos ao determinar que o concessionário é remunerado através das receitas auferidas em virtude da exploração dos bens afetos à concessão, as quais resultam de uma renda permitida e de acordo com a lei, mais não é do que uma cláusula aberta que as partes no contrato aceitaram subscrever, remetendo, afinal, para a remuneração que a lei houver de permitir em determinado momento, podendo esta ser a que resulta das regras de funcionamento da TMDP, ou de outras quaisquer normas que em dado momento estiverem em vigor, durante todo o período de duração do contrato de concessão. Vejamos. A autora pediu nos autos a anulação do contrato de concessão da Gestão, Exploração e Manutenção de Infraestruturas aptas ao Alojamento de Redes de Telecomunicações celebrado entre os réus, em 30.1.2013. O fundamento do pedido consistiu na imputação de vício de violação de lei ao contrato celebrado, por violação do disposto no artigo 13º, nº 4 do DL nº 123/2009, de 21.5, uma vez que a remuneração nele prevista, suportada pelos operadores de telecomunicações pelo acesso e utilização das infraestruturas aptas ao alojamento das redes de comunicações concessionadas que pertençam ao domínio público ou privativo do Município de Ourém, deve ser orientada para os custos e a taxa a que se refere o artigo 106º da Lei nº 5/2004, de 10.2 é a taxa municipal dos direitos de passagem. O tribunal a quo decidiu, bem, que a apreciação da validade do contrato que vem impugnado deverá fazer-se por recurso à lei vigente ao tempo da respetiva celebração, segundo o princípio tempus regit actum, nos termos do artigo 12º do Código Civil. O mesmo é dizer que em 30.1.2013 o artigo 13º do DL nº 123/2009, de 21.5, vigorava com a redação que lhe foi dada pelo DL nº 258/2009, de 25.9. A alteração introduzida no preceito, pelo artigo 183º da Lei 82-B/2014, de 31.12 (Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2015), nada tendo sido dito pelo legislador, relativamente à aplicação das alterações legislativas a situações do passado, teve aplicação apenas para o futuro, sem afetar o contrato já celebrado. Assim, a 30.1.2013, o artigo 13º do DL nº 123/2009, de 21.5, vigorava com a redação que lhe foi dada pelo DL nº 258/2009, de 25.9 (diploma que estabelece o regime jurídico da construção, do acesso e da instalação de redes e infraestruturas de comunicações eletrónicas em edifícios, loteamentos e urbanizações), sob a epígrafe Direito de acesso a infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas, tinha a seguinte redação: 1 - As entidades referidas no artigo 2.º estão obrigadas a assegurar às empresas de comunicações eletrónicas o acesso às infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas, que detenham ou cuja gestão lhes incumba. 2 - O acesso referido no número anterior deve ser assegurado em condições de igualdade, transparência e não discriminação, mediante condições remuneratórias orientadas para os custos, nos termos do artigo 19.º 3 – (…) 4 - Pela utilização de infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas que pertençam ao domínio público ou privativo das autarquias locais é devida a taxa a que se refere o artigo 106º do Lei das Comunicações Eletrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, não sendo, neste caso, cobrada qualquer outra taxa, encargo, preço ou remuneração. 5 - Aos casos referidos no número anterior não é aplicável o disposto no artigo 19.º do presente decreto-lei. O artigo 19º do DL nº 123/2009, de 21.5, com a redação aplicável ao caso, dada pelo DL nº 258/2009, de 25.9, com a epígrafe Remuneração do acesso às infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas, dispunha, no nº 1, que a remuneração pelo acesso e utilização das infraestruturas detidas pelas entidades referidas no artigo 2.º deve ser orientada para os custos, atendendo aos custos decorrentes da construção, manutenção, reparação e melhoramento das infraestruturas em questão. Relevam para a análise do preceito cuja interpretação vem posta em causa, maxime os nº 4 e 5 do art 13º, algumas definições dadas pelo artigo 3º do DL nº 123/2009, de 21.5. A saber: 1 - Para os efeitos do disposto no presente decreto-lei, entende-se por: a) «Acesso» a disponibilização de infraestruturas físicas, incluindo edifícios, condutas, postes, caixas, câmaras de visita, armários e instalações para alojamento, instalação e remoção de sistemas de transmissão, equipamentos ou recursos de redes de comunicações eletrónicas, bem como para a realização de intervenções corretivas e desobstruções; e) «Direito de passagem» a faculdade de aceder e utilizar bens do domínio público para construção, instalação, alteração e reparação de infraestrutura apta ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas ou para reparação de cabos, sistemas, equipamentos ou quaisquer outros recursos ou elementos de redes de comunicações eletrónicas; x) «Remuneração do acesso» o valor a pagar pelas empresas de comunicações eletrónicas acessíveis ao público pela utilização das infraestruturas aptas, para efeitos de instalação, alojamento, reparação, manutenção preventiva e remoção de cabos. Esclarecendo ainda o preâmbulo do DL nº 123/2009 que, no que respeita às taxas devidas pelos direitos de passagem nos bens do domínio público e privado municipal, o presente decreto-lei remete para a Lei das Comunicações Eletrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, a qual prevê a taxa municipal de direito de passagem (TMDP). Porém, e em cumprimento dos princípios constitucionais aplicáveis, é clarificado que neste âmbito não podem ser exigidas outras taxas, encargos ou remunerações pelos direitos de passagem, evitando-se, assim, a duplicação de taxas relativas ao mesmo facto. Já o acesso a infraestruturas consagrado neste capítulo [capítulo III - relativo ao acesso a infraestruturas – arts 13º a 23º] deve ser assegurado em condições de igualdade, transparência e não discriminação e mediante condições remuneratórias orientadas para os custos. Neste quadro legal é assertiva a decisão recorrida quando interpreta o artigo 13º, nº 4 do DL nº 123/2009, como estipulando a contrapartida pelo acesso e utilização das infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas do domínio público ou privado da autarquia de Ourém como correspondendo à taxa devida pelos direitos de passagem nos bens do domínio público e privado municipal. Pelo acesso e utilização das infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas do domínio público ou privado da autarquia de Ourém não podem ser exigidas outras taxas, encargos ou remunerações, nomeadamente as orientadas para os custos nos termos do artigo 19º do DL nº 123/2009 (cfr art 13º, nº 5). A aludida taxa municipal pelos direitos de passagem encontra-se prevista no referido artigo 106º da Lei nº 5/2004, de 10.2, nos seguintes termos: 1 - As taxas pelos direitos de passagem devem refletir a necessidade de garantir a utilização ótima dos recursos e ser objetivamente justificadas, transparentes, não discriminatórias e proporcionadas relativamente ao fim a que se destinam, devendo, ainda, ter em conta os objetivos de regulação fixados no artigo 5.º 2 - Os direitos e encargos relativos à implantação, passagem e atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, em local fixo, dos domínios público e privado municipal podem dar origem ao estabelecimento de uma taxa municipal de direitos de passagem (TMDP), a qual obedece aos seguintes princípios: a) A TMDP é determinada com base na aplicação de um percentual sobre cada fatura emitida pelas empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, em local fixo, para todos os clientes finais do correspondente município; b) O percentual referido na alínea anterior é aprovado anualmente por cada município até ao fim do mês de Dezembro do ano anterior a que se destina a sua vigência e não pode ultrapassar os 0,25 %. A lei permite (não obriga) que o município cobre uma taxa pelos direitos de passagem nos bens do domínio público e privado municipal. Mas, ao contrário do que alega a recorrente, a lei não deixa na disponibilidade do município ou do concessionário a possibilidade de estabelecer outras taxas, encargos ou remunerações pelo acesso e utilização das infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas do domínio público ou privado, no caso, da autarquia de Ourém, ainda que por aplicação das regras do artigo 106º, nº 2 da Lei nº 5/2004, de 10.2 (cfr conclusão nº 7 do recurso). Efetivamente, como vem decidido (a fls 20 e 21 da sentença) e sufragado pela recorrida (conclusão D) das contra-alegações), o disposto nos artigos 13.º, n.º 4 e 34.º Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de maio é bastante claro, no sentido de que quando estejam em causa infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas que pertençam ao domínio público ou privado municipal apenas poderá ser cobrada a taxa prevista no artigo 106.º da Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro (TMDP), não sendo, por tal motivo aplicável o artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de maio que regula a remuneração do acesso às infraestruturas nos demais casos. Sucede que o Contrato de Concessão da Gestão, Exploração e Manutenção de Infraestruturas Aptas ao Alojamento de Redes de Telecomunicações celebrado entre o Município de Ourém e a recorrente, na cláusula 2ª, dispõe que o adjudicatário, ora recorrente, obriga-se a cumprir o disposto no caderno de encargos, que faz parte integrante do contrato, para todos os efeitos legais. O mesmo é dizer que o Contrato prevê que a remuneração da concessionária, pela gestão, exploração e manutenção das infraestruturas concessionadas, pertença do domínio público e privado do Município de Ourém, é a estabelecida, no artigo 21º do Caderno de Encargos, através das receitas que resultam da renda permitida e de acordo com a lei cobrada aos operadores de comunicações eletrónicas que utilizem os bens afetos à concessão, que equivalha aos custos de construção (incluindo os de construções, diretos e indiretos, suportados pelo concedente), manutenção e gestão das infraestruturas. O que significa que, nos termos do artigo 21º do Caderno de Encargos, transposto para a cláusula 2ª do Contrato de Concessão, a remuneração devida pelo acesso e utilização das infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas do domínio público e privado do Município de Ourém é orientada para os custos, atendendo aos custos decorrentes da construção, manutenção, reparação e melhoramento das infraestruturas em questão, como estatui o artigo 19º do DL nº 123/2009. Ora, o disposto no artigo 21º do Caderno de Encargos, que faz parte integrante do Contrato, manifestamente viola o disposto no artigo 13º, nº 4 e nº 5 do DL nº 123/2009 na redação aplicável ao caso, que, lembre-se, proíbe que pela utilização de infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas que pertençam ao domínio público ou privativo das autarquias locais seja cobrada uma remuneração orientada para os custos, apenas podendo ser cobrada a taxa municipal pelos direitos de passagem a que se refere o artigo 106º do Lei das Comunicações Eletrónicas. Deste modo, a remuneração fixada no Contrato de Concessão em causa nos autos, celebrado a 30.1.2013, quando vigorava a redação do DL nº 123/2009, de 21.5, dada pelo DL nº 258/2009, de 25.9, portanto sem a alteração introduzida no diploma pelo artigo 183º da Lei 82-B/2014, de 31.12, viola o disposto no artigo 13º, nº 4 e nº 5 do DL nº 123/2009, de 21.5, com a redação do DL nº 258/2009, de 25.9. É verdade, que com a alteração introduzida no DL nº 123/2009, de 21.5, pelo artigo 183º da Lei 82-B/2014, de 31.12, o artigo 13º, nº 4 passou a dispor: Pela utilização de infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas que pertençam ao domínio público ou privado das autarquias locais é devida a remuneração a que se reporta o artigo 19.º, e o nº 5 foi revogado. Consequentemente, a interpretação preconizada pela recorrente, do artigo 21º do Caderno de Encargos, de que a remuneração permitida e de acordo com a lei, pela utilização de infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas que pertençam ao domínio público ou privado das autarquias locais, é aquela que a lei, a lei que estiver em vigor ao longo do período de concessão ditar, não tem suporte legal e é violadora do direito. Com efeito, a interpretação do artigo 21º do Caderno de Encargos feita pela recorrente, no sentido de que a remuneração permitida é aquela que a lei que estiver em vigor ao longo do período de concessão ditar, viola, desde logo, o disposto no art 12º do Código Civil e admite padecer o contrato administrativo de concessão celebrado em 30.1.2013 claramente de ilegalidade, por fixar, na cláusula 2ª do Contrato e no artigo 21º do Caderno de Encargos, remuneração não permitida pelo artigo 13º, nº 4 e 5 do DL nº 123/2009, de 21.5, com a redação do DL nº 258/2009, de 25.9, em vigor à data da celebração do contrato de concessão. Assim sendo, pelas razões expostas, improcede o erro de direito imputado à sentença, de interpretação do art 13º, nº 4 do DL nº 123/2009 e do art 21º do Caderno de Encargos. Violação do art 285º, nº 3 e 4 do Código dos Contratos Públicos. De seguida, a recorrente imputa à sentença vício de violação de lei, por violação do artigo 285º, nº 3 e 4 do Código dos Contratos Públicos, por a autora ter pedido a anulação do contrato e não ter alegado e provado que sem a cláusula inválida este não seria celebrado e que o mesmo não era passível de ser reduzido e ou convertido, do mesmo modo o tribunal não lançou mão do princípio do aproveitamento dos atos jurídicos. Entende a recorrente que, mesmo que considerasse que a remuneração era legalmente inadmissível, o tribunal deveria ter procedido à redução ou conversão do contrato ou, caso essas opções não fossem viáveis, ao afastamento do efeito anulatório, por imposição do princípio da boa fé e porque à data da prolação da sentença, em 26.2.2021, a solução legal permitia que fosse cobrada a remuneração orientada para os custos. As questões de saber se o Contrato de Concessão dos autos era suscetível de redução, conversão ou de não produzir o efeito anulatório, como bem refere a recorrida na conclusão I) das contra-alegações, consubstanciam questões novas somente alegadas nesta instância pela recorrente. Nenhuma das questões postas no recurso, identificadas como terceiro, quarto e quinto ponto, foi invocada na contestação ou em qualquer outro articulado ou requerimento apresentado na ação pela ré, ora recorrente, a quem efetivamente cabia alegar e demonstrar que seria possível a redução ou conversão do contrato. Sem prejuízo de se tratar de questões que a recorrente apenas suscitou em sede de recurso, o certo é que a autora alegou na petição inicial, designadamente, o seguinte: 40º Por todos estes serviços prestados ao abrigo do Contrato, a RRRR é remunerada nos termos do artigo 21.° do Caderno de Encargos (…). 41.° Esta remuneração é a única fonte contratual de receita da RRRR. 42.° Tendo por base a remuneração em questão, a RRRR paga uma renda ao Município de Ourém, correspondente a uma percentagem da receita por si obtida (cfr. artigo 20.° do Caderno de Encargos). 43.° Ou seja, a RRRR procede à gestão, manutenção e exploração das infraestruturas municipais aptas ao alojamento de redes de telecomunicações, 44° auferindo em contrapartida, única e exclusivamente, as receitas resultantes dos preços praticados aos operadores de comunicações eletrónicas pelo acesso e utilização dessas infraestruturas para instalação das suas redes, 45.° não lhe sendo pago qualquer montante pelo Município. 46.° Pelo contrário, é a RRRR que, nos termos contratuais, paga uma renda trimestral ao Município de Ourém, correspondente a uma percentagem das receitas resultantes dos pagamentos efetuados pelos operadores de comunicações eletrónicas. 47.° Assim, os valores exigidos pela RRRR a esses operadores pelo acesso e utilização das infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas concessionadas constituem um elemento fundamental e imprescindível do Contrato celebrado. 48.° Isto porque, por um lado, o que o Contrato visa é, para o que ora interessa, garantir o acesso e utilização das infraestruturas concessionadas pelos operadores de comunicações eletrónicas, pagando estes, em contrapartida, uma remuneração à RRRR, da qual é posteriormente retirada uma percentagem a favor do Município. 49.° Por outro lado, porque essa remuneração auferida pela RRRR é um elemento necessário para o equilíbrio das prestações contratuais, já que constitui a única fonte de receita da Concessionária pelos serviços prestados ao abrigo do Contrato. 50.° E foi ao abrigo das regras contratuais acabadas de enunciar que a RRRR, através da SSSS, veio apresentar à VVVV os vários serviços por si prestados relativamente às infraestruturas concessionadas, e respetivos preços, solicitando que lhe fosse enviado o cadastro atualizado das redes de cabos e equipamentos instalados pela Autora nas infraestruturas existentes no concelho. 51.° De acordo com a SSSS, a RRRR disponibiliza, entre outros, o serviço de análise de disponibilidade, que consiste na avaliação da "existência de condições de acesso, instalação, e ocupação de espaço em Condutas, Poste e restante infraestrutura associada, em conformidade com o espaço livre e mediante uma solicitação de instalação de cabos e equipamentos por parte dos Operadores", e de acesso e instalação de cabos nas infraestruturas concessionadas (cfr. Ponto 4 da SSSS, que se juntou como doc. n.º 3). 52.° No Ponto 6 da SSSS estabelecem-se os preços para esses vários serviços, designadamente para os serviços de disponibilização de cadastros, de análise de disponibilidade, de acesso e instalação, pela ocupação de espaço em Conduta e Postes de Infraestruturas Concessionadas ("valores mensais por cabo ou equipamento"), de adequação das infraestruturas, intervenção em cabos e equipamentos, remoção de cabos e equipamentos, desobstrução de condutas e acompanhamento e supervisão dos trabalhos (cfr. doc. n.° 3). 53.° Neste contexto, verifica-se que é o direito de cobrar aos operadores de comunicações eletrónicas pela utilização das infraestruturas concessionadas contratualmente atribuído à RRRR que viabiliza o Contrato, a sua execução e o modelo de negócio a ele subjacente, 54.° constituindo por isso um elemento impreterível do objeto contratual e sem o qual o negócio jurídico celebrado e a concessão outorgada não têm viabilidade [negrito nosso]. Esta alegação da autora foi apreciada e decidida na sentença recorrida, que a propósito concluiu: Desta feita, resulta claro que a remuneração da concessionária assume uma especial relevância, constituindo, aliás a única contrapartida devida pela execução do contrato de concessão, traduzindo-se num elemento essencial da sua subsistência e sem o qual não subsistiria qualquer relação sinalagmática e equivalente entre as partes. E assim é de facto e de direito. O vício do contrato de concessão traduzido na ilegalidade (julgada procedente) da cláusula do contrato que dispõe sobre a remuneração do concessionário, única contrapartida (preço, remuneração) devida pela execução do contrato, não permite que a parte sã do contrato seja aproveitada. Isto porque o contrato de concessão é um contrato a título oneroso, mediante o qual, neste caso, o Município de Ourém confiou a gestão, a exploração e manutenção das infraestruturas aptas ao alojamento de redes de telecomunicações do domínio público e privado do município à sociedade RRRR, cuja contrapartida consiste unicamente nas receitas auferidas em virtude da exploração dos bens afetos à concessão, as quais resultam de uma renda que equivalha aos custos da construção, manutenção, desenvolvimento e gestão de infraestruturas. Ora, o artigo 285º, nº 3 do CCP, na redação original aqui aplicável, dada pelo DL nº 18/2008, de 29.1, permite, independentemente do desvalor jurídico do contrato, a redução e conversão do contrato, nos termos dos arts 292º e 293º do CC, mas como nota Licínio Lopes Martins, em «Revisão do CCP: Nótulas sobre alguns aspetos da relação com o ETAF, o CPTA e o CPA», EM Estudos em Homenagem a Mário Esteves de Oliveira, Coimbra, 2017, págs 680 e 681, a possibilidade de conversão e de redução dos contratos públicos deve ser controlada à luz do princípio da concorrência, já que provavelmente se trata de uma modificação objetiva do contrato. In casu, no entanto, a redução e a conversão do contrato não é possível, porque sem o pagamento da remuneração pelos operadores de comunicações eletrónicas que utilizem as infraestruturas concessionadas a sociedade comercial RRRR não sobrevive, sem rendas, remunerações ou preços pela utilização das infraestruturas concessionadas. A única fonte de receita auferida pela RRRR, pelos serviços prestados em execução do Contrato, é a remuneração estipulada pelo artigo 21º do Caderno de Encargos e acolhida pela cláusula 2ª do Contrato. Por conseguinte, a remuneração ali prevista é, como afirma a autora na petição inicial e decidiu o tribunal recorrido, um elemento essencial, necessário para o equilíbrio das prestações contratuais, que viabiliza o Contrato, a sua execução e o modelo de negócio a ele subjacente. Nestas circunstâncias, não sendo possível a redução ou a conversão do contrato, o artigo 285º, nº 4 do CCP, na redação dada pelo DL nº 111-B/2017, de 31/8, equaciona a possibilidade da declaração de invalidade ser desproporcionada ou contrária à boa fé, permitindo nesse caso o afastamento judicial do efeito anulatório do contrato. Como dissemos em cima, a redação do artigo 285º do Código dos Contratos Públicos que aqui se aplica é a original, dada pelo DL nº 18/2008, de 29.1 (cfr 12º do DL nº 111-B/2017, de 31/8). Esta versão do preceito não tinha o nº 4. Ainda assim, à luz do princípio do aproveitamento dos atos jurídicos, podemos aferir da viabilidade deste fundamento do recurso. A recorrente sustenta o «salvamento» do contrato com a seguinte alegação: Por um lado, atendendo a que se verifica a alegação de que a apelada aufere remunerações pela exploração das infraestruturas aptas ao alojamento das redes de comunicações pertença do município ora réu, seria sempre violador da boa fé, na vertente do “venire contra factum proprium” anular um contrato em que, a autora pretende obter a anulação de uma dada situação de facto para a qual ela própria concorre. Por outro lado, à data da prolação da sentença, a legislação alterou-se de forma a que a situação que se divisou como não querida pelo direito, é atualmente diametralmente oposta, tendo passado a ser a situação que o direito sanciona como válida, isto é, a situação dos municípios poderem cobrar remunerações pelas suas infraestruturas aptas ao alojamento das redes de comunicações, como faz qualquer outro titular de idênticos ativos. A alegação da recorrente não colhe. Como ponto prévio importa deixar estabelecido que a decisão sobre a matéria de facto não vem impugnada no recurso, não dirigindo a recorrente qualquer erro de facto à sentença recorrida, pelo que, o objeto do recurso terá de assentar na concreta factualidade apurada pelo Tribunal a quo. Ora, no elenco dos factos provados com relevo para a decisão da causa não consta fixado que a apelada aufere remunerações pela exploração das infraestruturas aptas ao alojamento das redes de comunicações pertença do município ora réu. Pelo que tal matéria de facto não pode motivar o afastamento da invalidade do contrato por violação da boa-fé por parte da autora/ recorrida. De todo o modo, a boa fé que pode justificar o afastamento do efeito anulatório do contrato é a das partes outorgantes do mesmo e a confiança que depositaram na respetiva execução, mas padecendo o contrato de vício de violação de lei, por a cláusula de remuneração da concessionária violar o disposto no artigo 13º, nº 4 e nº 5 do DL nº 123/2009, não pode o mesmo manter-se. Não há aqui qualquer boa fé que deva ser tutelada e que pudesse obstar à anulação do contrato. Acresce que a interpretação que a recorrente faz do artigo 21º do Caderno de Encargos e da aplicação da lei no tempo, in casu, do artigo 13º, nº 4 do DL nº 123/2009, não foi a perfilhada pela sentença recorrida e mantida por este tribunal de recurso. Na verdade, a validade do contrato de concessão é aferida pela lei vigente à data da sua celebração, isto é, em 30.1.2013 e que sabemos ser o artigo 13º, nº 4 do DL nº 123/2009, de 21.5, na redação do DL nº 258/2009, de 25.9. Portanto, não obstante à data da prolação da sentença (em 26.2.2021) o contrato de concessão ainda estar em execução (pois foi celebrado com o prazo de duração 15 (quinze) anos a contar da data da assinatura) e o artigo 13º, nº 4 do DL nº 123/2009 ter então uma redação conforme à cláusula da remuneração do concessionário - artigo 21º do CE - a legalidade desta norma/ cláusula é aferida pelo regime em vigor à data da celebração do contrato. Pelo que, o facto do artigo 13º, nº 4 do DL nº 123/2009 ter sido alterado, indo de encontro da remuneração acordada pelos réus, ao contrário do que alega a recorrente, não acarreta a sanação da invalidade do contrato. Pelo exposto, a sentença recorrida não violou o disposto no artigo 285º, nº 3 e nº 4 do Código dos Contratos Públicos. Erro na apreciação da questão da inconstitucionalidade do art 13º, nº 4 do DL nº 123/2009. Por fim, a recorrente alega ainda que a sentença recorrida não procedeu corretamente ao omitir a apreciação constitucional do artigo 13/4 do DL nº 123/2009, de 21.5 e ou errou ao considerar que a aludida diferença de natureza jurídica justificaria sempre a apontada desigualdade, pelo que não lograria existir a inconstitucionalidade da norma. Não assiste razão à recorrente. A questão da inconstitucionalidade do disposto no artigo 13º, nº 4 do DL nº 123/2009 na redação existente à data da celebração do contrato em crise foi conhecida e julgada improcedente pelo tribunal a quo por duas ordens de razão, a saber: … resulta da alegação [da autora] a inexistência de factos concretos que permitam aferir em que medida se encontra violado o princípio constitucional da igualdade, bastando-se com alegações genéricas e conclusivas acerca de outros casos em Portugal em que alegadamente são cobradas remunerações sobre a utilização de infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações. De todo o modo, sempre se diga que o alegado pela Ré padece, desde logo, de um vício na sua premissa, porquanto pretende tratar de forma idêntica situações distintas, pois as entidades que refere que detêm infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações e que alegadamente cobram remunerações pela sua utilização [como a autora] são essencialmente de cariz empresarial, direcionadas ao lucro, não integrando as respetivas receitas qualquer tributo, o que não sucede com as autarquias locais, pelo que não basta referir que pelo facto de as primeiras entidades cobrarem tais montantes os municípios também têm de poder fazê-lo, não se vislumbrando qualquer arbitrariedade resultante das normas em análise. O legislador do artigo 13º, nº 4 do DL nº 123/2009, na redação existente à data da celebração do contrato, portanto, na redação anterior à que lhe foi introduzida pelo artigo 183º da Lei nº 82-B/2014, de 31.12, explica, no preâmbulo, por que motivo a contrapartida devida pelos direitos de passagem nos bens do domínio público e privado municipal é a taxa municipal de direito de passagem, prevista no artigo 106º da Lei das Comunicações Eletrónicas. A norma do artigo 13º, nº 4 do DL nº 123/2009 não concede qualquer margem para a cobrança de qualquer outra remuneração pela utilização dessas infraestruturas, incluindo a «remuneração do acesso» a que alude o artigo 19º do mesmo DL nº 123/2009 (cfr nº 5 do art 13º), para além da taxa municipal de direito de passagem, para evitar a duplicação de taxas relativas ao mesmo facto e para fomento da construção, instalação e acesso a infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas de nova geração em bens detidos por entidades da área pública, em condições de igualdade, transparência, não discriminação e proporcionais relativamente ao fim a que se destinam. Em suma, são motivos de interesse público que justificam a opção do legislador de 2009 e que impediam os municípios e respetivos concessionários de cobrar às empresas de comunicações eletrónicas qualquer remuneração pela utilização de infraestruturas aptas ao alojamento de redes pertencentes ao domínio público ou privativo das autarquias locais, para além da taxa a que se referia então o artigo 106º da Lei das Comunicações Eletrónicas. Situação diversa consiste nas remunerações cobradas por entidades privadas, como sejam as remunerações orientadas para os custos (de construção, manutenção, gestão), pela utilização das suas infraestruturas, por estarem vocacionadas para atuar no mercado e com fim lucrativo. Assim, existe fundamento, de interesse público, para a estatuição da norma do artigo 13º, nº 4 do DL nº 123/2009 na redação vigente à data da celebração do de concessão, que afasta quer a violação do princípio constitucional da igualdade, consagrado no artigo 13º da CRP, quer a alegada violação do princípio da proporcionalidade, previsto no art 266º, nº 2 da CRP. Pelo que, como corretamente decidiu o tribunal a quo, não colhe a invocada inconstitucionalidade do disposto nos artigos 13º, nº 4 do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21.5. Decisão Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo – Subsecção Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida. Custas pela recorrente. Notifique. Dê conhecimento do presente acórdão ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa - processos nº 1331/15.0..., nº 977/15.1..., nº 2079/14.9..., nº 735/16.6..., e ao Tribunal Tributário de Lisboa - processo nº 2797/15.4... * Lisboa, 2025-10-09, Alda Nunes Lina Costa Mara de Magalhães Silveira. |