Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:393/25.7BEALM
Secção:CA
Data do Acordão:10/23/2025
Relator:JOANA COSTA E NORA
Descritores:PRORROGAÇÃO DE PRAZO
CONTAGEM
TERMO DO PRAZO
Sumário:I - A prorrogação de um prazo é o prolongamento desse prazo, e não um “outro” que se lhe soma, pelo que, havendo prorrogação de prazo, há um só prazo – o prazo prorrogado - cuja duração inclui o prolongamento do mesmo.
II - O termo do prazo ocorre antes de se iniciarem os três dias úteis a que se reporta o n.º 5 do artigo 139.º do CPC – nos quais é possível praticar o acto mediante o pagamento de multa -, pois que tais dias são “subsequentes ao termo do prazo”, independentes do prazo e posteriores ao mesmo.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

C… GESTÃO DE RESÍDUOS, LDA, instaurou processo cautelar contra Município de Setúbal, pedindo a intimação do Presidente da Câmara Municipal de Setúbal a proceder ao imediato restabelecimento do fornecimento de água e electricidade às instalações da requerente e a abster-se de qualquer conduta que conduza ao encerramento da sua actividade por meios que não os que legalmente existam para esse efeito.
Pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada foi proferido despacho em 14.07.2025 a determinar o desentranhamento da oposição apresentada pela entidade requerida por extemporaneidade.
A entidade requerida interpôs o presente recurso de apelação, tendo por objecto o referido despacho, concluindo do seguinte modo a sua alegação:
“1º - O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao julgar extemporânea a oposição, determinando o seu desentranhamento dos autos.
2º - A Entidade Requerida foi citada no dia 4 de junho, pelo que, o prazo de 10 dias para a oposição terminava no dia 16 de junho (uma vez que o dia 14 é dia não útil, transferindo-se este para o dia útil seguinte).
3º - Considerando que este prazo foi prorrogado, por igual período, o prazo final para a oposição foi estendido até ao dia 26 de junho, ao qual acrescem três dias úteis de multa, que terminavam apenas no dia 1 de julho, donde se retira que o oferecimento da oposição é perfeitamente legal e tempestivo.
4º - A jurisprudência vem apontando, ainda que não especificamente sobre esta questão, para a existência de dois prazos, um prazo inicial e um prorrogado, e para o facto de este último se contar a partir do “termo inicialmente fixado” ou desde o “termo final do prazo normal para a contestação”.
5º - Este termo a que a jurisprudência faz referência tem de ser obrigatoriamente um dia útil por reporte ao disposto no artigo 138.º do CPC, porque é o termo legal admissível para oferecimento da defesa.
6º - Caso contrário, como é sufragado no despacho recorrido, através da soma de prazos, o que estaremos a fazer é a retroagir o prazo inicial a um termo que não era o seu termo legal, isto é, a um dia não útil, o que além de não ter respaldo na lei, constitui uma restrição não admissível do direito de defesa.
7º - Tal também não é compreensível se tivermos em consideração que o pedido de prorrogação de prazo pode ser feito até ao último dia útil do prazo, não fazendo, por isso, sentido que, em caso de deferimento da prorrogação, se possa desconsiderar o termo do prazo inicial fixado.
8º - Mais se diga que a tese sufragada pelo Tribunal cede face ao regime inscrito na lei quanto aos prazos perentórios e dilatórios, pois que, só no caso de prazo perentório seguido de prazo dilatório, a lei admite o chamado prazo único, como resulta do artigo 142.º do CPC (Quando um prazo perentório se seguir a um prazo dilatório, os dois prazos contam-se como um só).
9º - Com efeito, considerando que estamos perante dois prazos (prazo inicial e prorrogado) que são ambos perentórios, não era admissível proceder à soma dos dois e contá-los como um único como faz o Tribunal a quo
10º - Face ao exposto, conclui-se que o Despacho recorrido padece de erro de julgamento, por restrição ilegal do princípio do contraditório, ínsito no artigo 3.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, o qual tem assento constitucional e é considerado um direito fundamental nos termos da Convenção Europeia dos Direitos Humanos como elemento do processo equitativo.”
Notificada da alegação apresentada, a requerente veio responder à mesma, pugnando pela improcedência do recurso.
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pugnou pela improcedência do recurso, nos termos do despacho recorrido.
Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), importa apreciar e decidir.


II – QUESTÕES A DECIDIR

Face às conclusões das alegações de recurso – que delimitam o respectivo objecto, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC -, a questão que ao Tribunal cumpre solucionar é a de saber se o despacho recorrido padece de erro de julgamento de direito.


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

De acordo com a decisão recorrida, “As ocorrências processuais relevantes para decisão são as seguintes:
A – Em 2025-06-04 foi assinado o aviso de receção que acompanhou o ofício de citação da Entidade Requerida (cfr. fls. 147 SITAF).
B – Em 2025-06-05 foi requerida a prorrogação do prazo por 10 (dez) dias (cfr. fls. 108- 110 SITAF).
C – Em 2025-06-06 foi proferido despacho que deferiu o requerimento de prorrogação de prazo por 10 dias que foi notificado eletronicamente via SITAF no mesmo dia (cfr. fls. 117-120 SITAF).
D – Em 2025-07-01 o Município de Setúbal veio apresentar oposição tendo junto documento comprovativo do pagamento de multa (cfr. fls. 149-191 SITAF).”


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O despacho recorrido determinou o desentranhamento da oposição apresentada pela entidade requerida por extemporaneidade, considerando que o prazo de 10 dias para a apresentação de oposição, prorrogado por 10 dias, atenta a regra da continuidade dos prazos (artigo 138.º, n.º 1 do CPC), terminou a 25 de Junho (dado que 24 de Junho foi feriado municipal em Almada), tendo ocorrido em 30 de Junho de 2025 o terceiro dia para o acto ser praticado com multa, pelo que em 01 de Julho de 2025, quando foi apresentada a oposição, o acto já não podia ser praticado, nem mesmo com multa.
Insurge-se o recorrente contra o assim decidido, alegando que foi citado em 04 de Junho, pelo que, o prazo de 10 dias para deduzir oposição – que terminaria em 16 de junho (dia útil seguinte ao dia 14) -, prorrogado por igual período, se estendeu até 26 de Junho, ao qual acrescem três dias úteis para praticar o acto com pagamento de multa, que terminaram apenas em 01 de Julho, sendo tempestivo o oferecimento da oposição neste dia. Defende a existência de dois prazos, o inicial e o prorrogado, contando-se este – que pode ser pedido até ao último dia útil do prazo - do termo do prazo inicial, correspondente a dia útil, sob pena de violação do disposto no artigo 138.º do CPC e de restrição inadmissível do direito de defesa (princípio do contraditório), além de que, nos termos do artigo 142.º do CPC, só no caso de prazo peremptório seguido de prazo dilatório se admite o prazo único, estando em causa dois prazos peremptórios.

Vejamos.
Sob a epígrafe “Modalidades do prazo”, dispõe ao artigo 139.º do CPC, nos seus n.ºs 1, 2, 3 e 5, com relevância para a decisão da questão em apreço, o seguinte: “1 - O prazo é dilatório ou perentório. 2 - O prazo dilatório difere para certo momento a possibilidade de realização de um ato ou o início da contagem de um outro prazo. 3 - O decurso do prazo perentório extingue o direito de praticar o ato. (…) 5 - Independentemente de justo impedimento, pode o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa (…).”
O prazo para deduzir oposição em processo cautelar (artigo 11.º, n.º 1, do CPTA), de 10 dias, é um prazo peremptório, pois que o seu decurso extingue o direito de deduzir oposição. No entanto, tal prazo pode ser prorrogado.
A prorrogação de um prazo é o prolongamento desse prazo, e não um “outro” que se lhe soma. Assim, havendo prorrogação de prazo, há um só prazo – o prazo prorrogado - cuja duração inclui o prolongamento do mesmo.
Visando prolongar um prazo, a prorrogação pressupõe que o prazo se encontre em curso, pelo que tem de ser requerida antes do termo do prazo. O termo do prazo ocorre antes de se iniciarem os três dias úteis a que se reporta o n.º 5 do artigo 139.º do CPC – nos quais é possível praticar o acto mediante o pagamento de multa -, pois que tais dias são “subsequentes ao termo do prazo”, independentes do prazo e posteriores ao mesmo. Após o termo do prazo prorrogado, pode ainda o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes, nos termos do n.º 5 do artigo 139.º do CPC.

O Tribunal a quo considerou assente que, em 04.06.2025, foi assinado o aviso de recepção do ofício de citação da entidade requerida, a qual requereu, em 05.06.2025, a prorrogação do prazo para deduzir oposição por 10 dias, requerimento que foi deferido em 06.06.2025, tendo a entidade requerida apresentado oposição em 01.07.2025.
Considerando a citação da entidade requerida em 04.06.2025, o termo do prazo de que a mesma dispunha para deduzir oposição, caso não ocorresse a sua prorrogação, ocorreria em 14.06.2025, mas tratando-se de um sábado, por aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 138.º do CPC, transferir-se-ia para o dia útil seguinte, ou seja o dia 16.06.2025. Todavia, tendo sido requerida e deferida a prorrogação de tal prazo por dez dias, ao período de dez dias do prazo acrescem dez dias, passando a ser o prazo para deduzir oposição de vinte dias. Assim, tendo-se iniciado o prazo em 05.06.2025, o seu termo ocorreu em 24.06.2025, podendo ainda ser deduzida oposição dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes mediante o pagamento de multa, nos termos do n.º 5 do artigo 139.º do CPC, ou seja, até 27.06.2025.
E é aqui que labora em erro o recorrente, ao pretender que a prorrogação do prazo se inicia no dia útil seguinte ao termo do prazo sem prorrogação, nos termos do n.º 2 do artigo 138.º do CPC. Na verdade, como acima já referido, não sendo a prorrogação do prazo um novo prazo, mas um prolongamento do prazo, tal prolongamento inicia a sua contagem no dia imediato ao do termo do prazo, seja ou não seja dia útil, não fazendo sentido aplicar aqui a referida norma, consequentemente não se podendo concluir pela respectiva violação.
Alega ainda o recorrente que a não consideração de dois prazos (o inicial e o prorrogado) constitui restrição inadmissível do direito de defesa (princípio do contraditório), sem concretizar – e sem que se vislumbre - em que medida tal direito fica em causa.
Também não tem cabimento convocar para a situação em apreço o disposto no artigo 142.º do CPC, precisamente porque não estão em causa dois prazos que se seguem, pressuposto de aplicação da norma. Diferentemente, como se explicou acima, a prorrogação de um prazo corresponde a um único prazo prolongado.
Tendo a oposição sido apresentada em 01.07.2025, em tal data já estava extinto o direito de deduzir oposição por força do decurso do prazo peremptório para o efeito – ocorrido em 24.06.2025 -, sendo a oposição extemporânea, como se entendeu na decisão recorrida.
Termos em que improcede o recurso.
*
Vencido, é o recorrente responsável pelo pagamento das custas, nos termos dos artigos 527.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.


V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 23 de Outubro de 2025

Joana Costa e Nora (Relatora)
Marcelo Mendonça
Mara de Magalhães Silveira