Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:6980/24.3BELSB-A
Secção:CA
Data do Acordão:06/18/2025
Relator:MARIA HELENA FILIPE
Descritores:ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO
LEI Nº 38-A/2023, DE 2 DE AGOSTO (LEI DA AMNISTIA)
SANÇÃO DISCIPLINAR DE SUSPENSÃO
AMNISTIA PRÓPRIA E IMPRÓPRIA
IDADE DO ARGUIDO
CONDENAÇÃO EM SEDE PENAL E DISCIPLINAR
CÓDIGO PENAL
Sumário:I. Perfilando-se a Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, que veio estabelecer
Perdão de Penas e Amnistia de Infracções assentando a sua
ratio legis na realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude com a presença de Sua Santidade o Papa Francisco, sendo que vigora relativamente a um determinado período temporal, abrangendo sanções expressamente tipificadas, aplica-se ao caso concreto, antepondo-se a uma apreciação do mérito da causa.
II. A amnistia respeita às infracções abstractamente consideradas, ‘apagando’ a natureza criminal do facto.
III. Prevê o nº 2 do artº 128º do Código Penal que “a amnistia extingue o procedimento criminal e, no caso de ter havido condenação, faz cessar a execução tanto da pena e dos seus efeitos como da medida de segurança” sendo que o nº 3 estatui que “o perdão genérico extingue a pena, no todo ou em parte”.
IV. A amnistia caracteriza-se, pois, como um pressuposto negativo da punição na medida em que obsta a que o arguido sofra a sanção que, ou lhe vai ser aplicada ou que, entretanto, já o foi.
V. A partir do momento em que o perdão genérico passou a ser contemplado no ordenamento jurídico, deixou de ter lugar a distinção entre amnistia própria e imprópria.
VI. A aplicação da amnistia às infracções disciplinares estatuídas na alínea b) do nº 2 do artº 2º concatenado com o artº 6º, não estão dependentes da idade, sendo apenas excluídas deste regime as infracções disciplinares cuja factualidade tenha também sido fundamento para condenação em sede penal pelos crimes excepcionalmente tipificados no artº 7º, todos da Lei da Amnistia, e no qual não se enquadra o crime pelo qual foi condenado o Recorrido.
VII. A sanção disciplinar de suspensão de 70 (setenta) dias por se encontrar amnistiada, implica necessariamente a cessação da sua execução, fosse qual fosse o resultado da causa, tendo sido acertado o julgamento realizado pela decisão recorrida.
Votação:c/ declaração de voto
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Social
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. Relatório

Ministério da Administração Interna, vem recorrer da sentença proferida em 26 de Março de 2025, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que declarou amnistiada a infracção disciplinar, graduada em 70 (setenta) dias de suspensão e, em consequência, julgou extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide relativamente à acção administrativa que J...... havia intentado, impugnando a aplicação daquela pena disciplinar pelo despacho de 28 de Janeiro de 2024 do Comandante do Quartel, bem como do despacho de 16 de Maio de 2024 do Comandante-Geral da GNR, que a manteve em resultado da interposição de recurso hierárquico.
Para tal, apresentou as respectivas alegações especificando nas conclusões que “1. O Autor não pode beneficiar da amnistia prevista no artigo 4.º, nem do perdão de pena previsto no artigo 3.º da Lei da Amnistia, uma vez que, à data da prática dos factos, tinha 51 anos de idade e tal circunstância, nos termos do critério etário consagrado no artigo 2.º, n.º 1, exclui-o de forma inequívoca do âmbito subjetivo de aplicação da lei.
2. Os ilícitos penais que não beneficiam da amnistia por força do critério etário devem ser considerados, para efeitos do disposto no art.º 6.º da referida Lei, como “ilícitos penais não amnistiados pela presente lei”, determinando, por essa via, a exclusão da infração disciplinar correspondente do benefício da amnistia.
3. Quando a infração disciplinar não corresponde a um ilícito penal, a amnistia aplica-se sem reservas (excluindo qualquer limite de idade);
4. Quando, porém, a infração disciplinar constitui também ilícito penal, só beneficia da amnistia se o ilícito penal for igualmente amnistiado, nos termos da Lei da Amnistia.
5. Assim, sendo o crime praticado pelo Autor não amnistiado por via do critério etário, o mesmo deve ser considerado, para efeitos do artigo 6.º, como “ilícito penal não amnistiado pela presente lei”.
6. Não há qualquer razão lógica, sistemática ou teleológica que justifique tratar de forma diferenciada os ilícitos penais excluídos da amnistia com base no tipo legal ou em determinadas circunstâncias qualificativas, como a reincidência, nos termos do artigo 7.º, ou ainda com fundamento na medida da pena aplicável, nos termos do artigo 4.º, relativamente àqueles que o sejam com base no critério etário previsto no artigo 2.º, n.º 1, da Lei da Amnistia.
7. Acresce que admitir que uma infração disciplinar possa beneficiar de amnistia quando, relativamente ao crime praticado pelos mesmos factos, tal não é possível, colide frontalmente com dois princípios fundamentais do nosso ordenamento jurídico penal: a fragmentariedade e a subsidiariedade do Direito Penal.
8. O legislador, no artigo 6.º da Lei da Amnistia, assim violado pela decisão recorrida, plasmou um critério claro de coerência sistemática: apenas podem ser amnistiadas infrações disciplinares que constituam simultaneamente ilícito penal se este também for amnistiado nos termos da lei.
9. Enquanto o n.º 1 do artigo 2.° refere os ilícitos penais e limita subjetivamente o âmbito de aplicação da Lei, restringindo a pessoas singulares entre os 16 e os 30 anos de idade à prática do facto, o n.º 2, nada dispondo sobre tal âmbito subjetivo, visa, apenas alargar o âmbito de infrações a que a Lei se pode aplicar: contraordenacionais e infrações disciplinares.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e revogada a decisão recorrida, que deve ser substituída por outa que declare não beneficiar o Autor da amnistia da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, e julgue a ação improcedente, assim se fazendo a melhor JUSTIÇA!”.

O Recorrido, nas contra-alegações deduziu as conclusões seguintes:
“A. O Recorrido não tem o ónus de formular conclusões, conforme determina o art.º 639. °, n.ºs 1, 2 e 3, desde logo pela razão constante do artigo 635. °, n.º 4, ambos do CPC ex vi art.º 1.° do CPTA.
B. Não obstante, sempre se concluíra que a douta sentença recorrida não padece de qualquer vício, sobretudo de direito, designadamente daquele que lhe é assacado pelo Recorrente.
C. Não obstante, sempre se dirá que o presente recurso jurisdicional não deverá proceder por não provado e por erro de aplicação do direito.
D. Efetivamente, bem andou, portanto, o Tribunal a quo quando declarou a inutilidade superveniente da lide nos termos do art.º 277.º, al. e) do CPC ex vi art.º 1.º do CPTA por se aplicar o regime da Lei da Amnistia ao Recorrido.
Nomeadamente, porque,
E. resulta, de facto, através de uma leitura atenta ao estatuído no art.º 2.º, n.º 1 da Lei da Amnistia uma referência expressa quanto à suscetibilidade de ser aplicado o regime de amnistia atendendo ao limite de idade do agente no âmbito de uma sanção penal, para além do limite temporal.
F. Por sua vez, já o art.º 2.º, n.º 2.º, al. b) do mesmo diploma refere-se expressamente à aplicabilidade do regime de amnistia às sanções resultantes de infrações disciplinares, desta vez sem qualquer menção expressa à idade do agente, tornando, evidente, a sua aplicação independentemente de qualquer critério etário, limitando-a, apenas, quanto à data da prática do facto, ou seja, até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023.
G. Tendo, assim, o legislador o cuidado de limitar expressamente a aplicabilidade do critério de idade do agente em sede penal e nunca em sede disciplinar, conforme pressupostos e fins de ambos os regimes sancionatórios, já amplamente reconhecidos jurisprudencialmente.
H. No caso em apreço, e pese embora o Recorrido tenha sido condenado em sede penal pela prática de 1 (um) crime de incumprimento dos deveres de serviço, p.p. pelo art.º 67.º, n.º 1 al. d) do Código de Justiça Militar, na pena de três meses de prisão, o mesmo não implica o afastamento em sede disciplinar por via do art.º 6.º da Lei da Amnistia, conforme alegado pelo Recorrente.
I. De facto, e tendo em conta o suprarreferido, o art.º 6.º da Lei da Amnistia dispõe que “[S]ão amnistiadas as infrações disciplinares e as infrações disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar.” (sublinhado nosso).
J. Daqui resulta, de forma evidente, parece-nos, que para se aplicar o regime da amnistia às infrações disciplinares concorrentes com as sanções penais, há que, antes de mais, articular o art.º 6.º da Lei da Amnistia com os critérios de exclusão tipificados no art.º 7.º que lhe sucede sistematicamente e elenca expressamente os tipos de crime que, pela sua natureza e gravidade, justificam a sua exclusão.
K. Não sendo, assim, admissível condicionar o requisito etário no âmbito disciplinar ao regime penal previsto no art.º 2.º, n.º 1 da Lei da Amnistia face à interpretação que deverá recair sobre os ilícitos penais referido no art.º 6.º e enumerados no art.º 7.º do mesmo diploma.
L. E tal se compreende, pois, conforme a ideação expressa no Acórdão do Colendo Tribunal superior citado na Douta sentença recorrida deixou bem claro, ver Ac. STA, Proc.º n.º 0164/23.5BCLSB, de 12/09/2024.
M. Tal posição vem claramente fundamentada na comparação entre a redação final da Lei da Amnistia face e a que constava do texto original constante da Proposta de Lei 97/XV/1.
N. Ou seja, o legislador entendeu, a final, não condicionar a aplicação da amnistia no contexto de uma infração disciplinar conforme ao art.º 2.º, n.º 2 al. b) da Lei da Amnistia em função da idade do eventual infrator quando articulado com o art.º 6.º, ficando apenas excluídas deste regime as infrações disciplinares cuja factualidade tenha igualmente sido fundamento para condenação em sede penal pelos crimes excecionalmente tipificados no art.º 7.º da Lei da Amnistia, e no qual não se enquadra o crime pelo qual foi condenado o Recorrido.
O. Caso contrário, e conforme ficou claramente explanado no Colendo Acórdão suprarreferido, a interpretação errónea em que o Recorrente tenta fundamentar as suas alegações esvaziaria de conteúdo o fim visado no art.º 2., n.º 2 al. b). da Lei da Amnistia, ao alargar o âmbito da limitação de idade às infrações disciplinares, em clara contradição com o espírito do legislador.
P. Assim, perante esta conceção, vertida no espírito do legislador, bem como na fundamentação jurisprudencial suprarreferida, soçobram, em absoluto, as alegações do Recorrente, não obstante o esforço em procurar aplicar uma interpretação extensiva que, em bom rigor, se manifesta numa interpretação ab-rogante e diametralmente oposta ao espírito do legislador expressamente consagrado na Lei da Amnistia.
Q. Ora, onde a lei não distingue, também o intérprete não deve distinguir, tanto mais que as medidas de graça, entre as quais se inclui a amnistia, são de carácter excecional e, neste âmbito, as normas que as concedem devem ser interpretadas e aplicadas nos seus precisos termos, sem ampliações nem restrições expressa, e muito menos no caso concreto quando não é feita qualquer menção a limites de idade no âmbito de infração disciplinar.
R. Destarte, revisitando a Douta sentença ora recorrida, a qual acompanhamos in totum, verifica-se que a mesma não padece de qualquer censura e muito menos do vício alegado pelo Recorrente, tendo feito uma correta aplicação do direito ao caso sub judice e de acordo com o espírito do legislador e a jurisprudência do Tribunal superior.
S. Por quanto se disse, fica, assim, provada a improcedência do vício alegado pelo Recorrente, devendo o presente recurso ser julgado improcedente por não provado e, ao invés, ser julgada procedente a decisão proferida pelo Tribunal a quo e, consequentemente, declarada a inutilidade superveniente da lide nos termos do art.º 277.º, al. e) do CPC ex vi art.º 1.º do CPTA por aplicação da Lei da Amnistia ao Recorrido.
T. Improcede, assim, todo o alegado pelo Recorrente no presente recurso jurisdicional.
Nestes Termos, sempre o mui Douto suprimento deste Venerando Tribunal Central, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, por não provado e, consequentemente, deve ser confirmada a Douta Sentença recorrida, com todos os efeitos legais, fazendo-se, assim, a costumada JUSTIÇA!”.
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O recurso foi admitido pelo despacho de 22 de Abril de 2025.
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O Digno Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal foi notificado para os efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, e emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Sem submissão a vistos legais, mas previamente com envio do projecto aos Senhores Juizes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência desta Subsecção Administrativa Social da Secção do Contencioso Administrativo para julgamento.
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II. Objecto do recurso:

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, em harmonia com o disposto no artº 5º, no artº 608º, no nº 4 do artº 635º e nos nºs 1, 2 e 3 do artº 639º, todos do CPC ex vi do nº 1 do artº 140º do CPTA, não sendo lícito a este TCA Sul conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
Na sentença recorrida foi apreciada a aplicação da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, que veio estabelecer Perdão de Penas e Amnistia de Infracções e que vigora relativamente a um determinado período temporal, abrangendo sanções expressamente tipificadas, pelo que a questão objecto do presente recurso, prende-se em saber se aquela é aplicável in casu, como decretou a decisão recorrida, ao que o Recorrente assaca o erro de julgamento de direito.
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III. Factos

Na decisão recorrida deram-se como assentes os seguintes factos:
“A) Em 13/11/2021, foi lavrado o auto de notícia NUIPC 05/21.8GRLSB, relativamente a «tipo de ilícito crime estritamente militar (excesso de álcool durante o exercício de funções» (cf. pág. 9 a 10 do PA1 a fls. 247 a 553 dos autos);
B) Naquela data, o Autor foi constituído como arguido (cf. pág. 13 do PA a fls. 247 a 553 dos autos);
C) Em 15/11/2021, foi elaborada participação relativamente ao comportamento do Autor durante a missão de patrulha na Feira da Golegã (cf. pág. 4 a 7 do PA a fls. 247 a 553 dos autos);
D) Em 22/11/2021, foi instaurado processo disciplinar contra o Autor (cf. pág. 2 do PA a fls. 247 a 553 dos autos);
E) Em 19/04/2022, foi proferido despacho de acusação no processo de inquérito n.º 5/21.8GRLSB, que correu termos no DIAP – 10ª Secção de Lisboa, do qual resulta que «cometeu, assim, J...... em autoria material, e na forma consumada um crime de INCUMPRIMENTO DOS DEVERES DE SERVIÇO, previsto e punível pelo artigo 67º, nº 1, alínea d) do Código de Justiça Militar, aprovado pela Lei n.º 100/2003, de 15 de novembro» (cf. pág. 38 a 42 do PA a fls. 247 a 553 dos autos);
F) Em 27/10/2022, o Tribunal Coletivo Militar de Lisboa proferiu acórdão no processo n.º 5/21.8GRLSB no qual condenou o Autor pela prática, no dia 13/11/2021, de um crime de incumprimento dos deveres de serviço, previsto e punido pelo artigo 67.º, n.º 1, alínea d) do Código de Justiça Militar, na pena de três meses de prisão, substituída por 90 dias de multa à taxa diária de seis euros, perfazendo o montante de € 540,00 (cf. doc. 15 junto com a PI a fls. 212 a 223 dos autos e pág. 70 a 81 do PA a fls. 247 a 553 dos autos);
G) Em 28/11/2022, o acórdão melhor identificado na alínea anterior transitou em julgado (cf. pág. 110 do PA a fls. 247 a 553 dos autos);
H) Em 17/03/2023, foi proferida acusação no âmbito do processo disciplinar n.º 758/21USHE, do qual consta, nomeadamente, o seguinte:
«(…)
Por considerar que a prova recolhida indicia de forma suficiente a prática de infração disciplinar, nos termos do art.° 97.°, n.° 3, do RDGNR, aprovado pela Lei n.° 145/99, de 01 SET, alterada pela Lei n.° 66/2014, de 28AGO, acusa-se o arguido:
Cabo-Chefe n.° 1950764 - J......, a prestar serviço no 3Esq/GHE/USHE, nascido a 02 novembro de 1970.
1.º
O arguido é militar da Guarda Nacional Republicana desde 160UT95, foi promovido ao posto de Cabo-Chefe em 30NOV 15 e pertence ao efetivo do 3Esq/GHE/USHE desde 16NOV96 (fls. 64 e 66).
2.°
O arguido exercia à data dos factos funções no 3Es q/GHE/USHE, no âmbito da Operação “Feira Nacional do Cavalo 2021”, como Comandante de uma Esquadra a Cavalo (fls. 3, 6, 85 e 86).
3.°
Na data dos factos, o Cabo-Chefe Santos, com a missão de patrulhar no horário 23h-05h, estando o mesmo escalado como Comandante de uma Esquadra a Cavalo, não informou o escalão superior do início da patrulha, tendo informado com 15 minutos de atraso a pedido do Comandante do Efetivo a Cavalo (fls. 03 e 06).
4. °
A Esquadra comandada pelo Cabo-Chefe não se encontrava uniforme no que diz respeito à pelagem dos solípedes, tendo sido dada ordem que fosse formada uma Esquadra só com cavalos ruços (fls. 03 e 06).
5.°
Em 130130NOV21 Cabo-Chefe foi abordado pelo Alferes R......, tendo sido percetível que o mesmo apresentava um hábito desagradável, dificuldade a falar e desconhecedor das pelagens dos cavalos que compunham a Esquadra (fls. 03 e 06).
6.º
Perante a situação, o mesmo foi ordenado a efetuar um teste de despistagem de álcool, após inicialmente recusar-se a tirar a máscara, recusar-se a efetuar o teste c questionar a necessidade do mesmo (fls. 03 e 06).
7.°
O teste qualitativo resultou num resultado positivo de 1,19g/L (fls. 03 e 06).
8.°
O teste quantitativo ao álcool, realizado junto da patrulha do Destacamento de Trânsito mais próxima, resultou numa TAS de, aproximadamente, l,28g/L, correspondente à TAS de 1,216g/L (fls. 03 e 06).
9.°
O arguido pretendeu a realização de contraprova, sendo esta realizada no mesmo local, resultando numa TAS de aproximadamente 1,22g/L, correspondente à TAS de 1,264g/L, o que resultou na sua detenção, desarmamento c comunicação junto da Exma. Delegada do Ministério Público da Décima Secção do DC1AP de Lisboa e a PJM (fls. 03, 06 L 07).
10.º
O arguido foi libertado por indicação da Exma. Procuradora do MP, para que este fosse descansar, sendo necessário empenhar decorrente da sua falta, um militar que se encontrava de reserva para atuação em 3º NEOP e a designação de um novo Comandante de Esquadra (fls. 03,04, 06 e 07).
11.º
O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que estes comportamentos eram proibidos e punidos por lei.
12.°
O arguido sabia que, estando nomeado para o serviço como Comandante de Esquadra devia abster-se de ingerir bebidas alcoólicas de modo a manter-se apto físico e mentalmente para o exercício das suas funções de prevenção, fiscalização e repressão criminal, bem como de proteção de pessoas e bens, tanto mais que se encontrava armado e montava a cavalo conforme determinado.
13.°
Em 270UT22, o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, no âmbito do Processo NUIPC N.° 5/21.8GRLSBN, decidiu condenar o arguido pela prática de um crime de incumprimento dos deveres de serviço, na pena de três meses de prisão, substituída por pena de noventa dias de multa à taxa diária de seis euros (fls 55 a 61).
14.°
O acórdão proferido em relação ao Processo NUIPC N.° 05/21.8GRLSB, transitou em julgado em 28/11/2022 (fls. 82 e 83).
15.°
O arguido quando interrogado em auto de interrogatório de arguido não prestou declarações (fls. 69).
16.°
O arguido encontra-se colocado na 1.ª Classe de Comportamento desde 01JAN21 (fls. 67).
17.°
O arguido foi punido por despacho de 1 1NOV16, com a pena de repreensão escrita agravada, por ter infringido o n.° 1 e a alínea b) do n.° 2 do art.° 17.°, do Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana. A pena foi anulada por bom comportamento nos termos do n.° 5 da Circular 4760 de 090UT06 (fls. 68)
18.°
O arguido foi agraciado com a medalha de Assiduidade de Segurança Pública, uma estrela e duas estrelas, respetivamente, em 27JUN06 e 24MAR16, bem como, com as medalhas de Comportamento Exemplar, grau cobre e prata, respetivamente, em 01OUT98 e 17SET10 (fls. 64).
19.°
O arguido foi louvado pelo Coronel de Cavalaria Comandante do Regimento de Cavalaria da GNR em 21 NOV00 (fls. 64 e 67).
20.°
O arguido foi louvado pelo Coronel de Cavalaria Comandante do Regimento de Cavalaria da GNR em 22NOV05 (íls. 64 e 68).
21.°
A informação do superior hierárquico refere que o arguido se rege por uma conduta não isenta de censura e é parcamente cumpridor dos seus deveres militares, pautando a sua conduta pela pouca correção com os seus superiores hierárquicos. Desde a data da infração até ao momento da informação do superior hierárquico, o arguido esforçou-se em adotar uma conduta mais correta. Não obstante o esforço em adotar uma conduta mais correta, a sua conduta até à data da infração foi pouco exemplar, não sendo a informação do superior hierárquico abonatória a seu favor (fls. 63).
II. Direito aplicável
Com a conduta descrita em I.9., o arguido violou a título doloso, o dever de aprumo, previsto no art.° 17.°, n.° 1, do RDGNR, por referência ao seu n.° 2, al. a) e b). consubstanciado com o previsto na al. i) do art.° 13.° do EMGNR, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 30/2017 de 22 de Março, que se reporta a Deveres especiais, porquanto colocou-se, voluntariamente, em estado de embriaguez durante um ato de serviço, colocando-se na impossibilidade de cumprir a sua missão e não se comportando em conformidade com a dignidade da sua função.
Com a conduta descrita em I.9., o arguido violou a título doloso, o dever de autoridade, previsto no art.° 17.°-A, n.° 1, do RDGNR, por referência ao seu n.° 2, al. a), consubstanciado com o previsto na al. j) do art.° 13.° do EMGNR, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 30/2017 de 22 de Março, que se reporta a Deveres especiais, porquanto as suas ações resultaram num mau exemplo de conduta para os militares sob o seu comando, consumindo bebidas alcoólicas de uma forma excessiva, impossibilitando-o de cumprir com cautela, prudência, disciplina e zelo a sua missão.
III. Qualificação das infrações
De acordo com o art.° 20.° do RDGNR, a infração disciplinar por violação aos deveres de aprumo e autoridade consubstanciam uma infração grave, pois o comportamento foi doloso e pôs em causa o prestígio e o bom nome da instituição.
IV. Circunstâncias dirimentes, atenuantes e agravantes Não existem circunstâncias dirimentes.
Constituem atenuantes: o bom comportamento anterior, cf. art.° 38.°, n. os 1, al. b), e 2, do RDGNR; e o facto de ter louvores e outras recompensas, cf. art.° 38.°, n.° 1, al. h), do RDGNR. Constitui agravante: o facto de a infração ter sido cometida em ato de serviço na presença de outros em público, cf. art.° 40.°, n.° 1, al. e), do RDGNR.
V. Penas aplicáveis
Às infrações graves, nos termos do art.° 41.°, nº 2, al. b), do RDGNR, são aplicáveis as penas de suspensão ou suspensão agravada.
Nos termos do art.° 42.°, n.° 3, do RDGNR, quando um militar da Guarda tiver praticado várias infrações disciplinares, a sanção única a aplicar tem como limite mínimo a sanção prevista para a infração mais grave.
Consequentemente, pela violação das infrações individualizadas, ao arguido são aplicáveis a título de pena disciplinar principal, as penas de suspensão ou de suspensão agravada, cujos efeitos se encontram descritos, respetivamente, nos art.os 30.° e 3 1,° do RDGNR.
Nessa medida, poderá vir a ser afastado por completo do serviço pelo período que for fixado, entre 5 a 120 dias ou 121 a 240 dias, mantendo unicamente direito a um terço do vencimento auferido à data da execução, a perda de igual tempo de serviço efetivo, a perda de suplementos e subsídios, a impossibilidade de ser promovido durante o período de execução da pena e durante o ano imediatamente subsequente.
Nos termos do art.° 35.°, n.° 1, do RDGNR, pode ainda ser-lhe aplicada a pena transferência compulsiva, a qual consiste na sua colocação compulsiva noutro órgão, unidade, subunidade, serviço ou estabelecimento de ensino, diferente daquela ou daquele em que se encontra colocado, pelo período de um a quatro anos, sem prejuízo de terceiros.
Proceda-se à notificação do arguido (pessoal) e do seu advogado (correio registado) (caso se encontre constituído nos autos), juntando-se cópia do presente despacho e indicando que:
1. O arguido dispõe de 20 (vinte) dias úteis, contados da notificação da acusação, para apresentar defesa, por escrito, na qual devem constar as razões, de facto e de direito, de discordância relativamente à acusação, cf. art.os 99.°, n.° 1, e 100, n.° 1, do RDGNR;
2. Com a defesa, deve apresentar o rol de testemunhas, juntar documentos e requerer quaisquer diligências que pretenda que sejam realizadas, cf. art.° 100.°, n.° 2, do RDGNR;
3. O número de testemunhas é ilimitado, não podendo, porém, ser indicadas mais de três por cada facto, cf. 100.°, n.° 3, do RDGNR;
4. Deve especificar os factos sobre os quais a testemunhas vão depor;
5. A falta de resposta dentro do prazo vale como efetiva audiência do arguido para todos os efeitos legais, cf. art.° 100.°, n.° 4, do RDGNR; (…)» (cf. pág. 115 a 123 do PA a fls. 247 a 553 dos autos);
I) Em 12/05/2023, o Autor apresentou a respetiva defesa, tendo arrolado testemunhas (cf. pág. 129 a 141 do PA a fls. 247 a 553 dos autos);
J) Em 15/05/2023, o instrutor proferiu despacho pelo qual deferiu a realização das diligências requeridas e, ainda, que «as questões invocadas na defesa escrita serão tratadas no relatório final» (cf. pág. 144 do PA de fls. 247 a 553 dos autos); K) Em 17/11/2023, foi elaborado o relatório final, do qual se extrai, nomeadamente, o seguinte:
«(…)
II. Factos suficientemente indicados
1.°
O arguido é militar da Guarda Nacional Republicana desde 160UT95. foi promovido ao posto de Cabo-Chefe cm 30NOV1 5 e pertence ao efetivo do 3Esq/GHE/USHE desde 16NOV96 (fls. 64 e 66).
2.º
O arguido exercia à data dos factos funções no 3Esq/GHE/USHE, no âmbito da Operação “Feira Nacional do Cavalo 2021", como Comandante de uma Esquadra a Cavalo (fls. 3, 6, 85 e 86).
3.º
A Esquadra comandada pelo Cabo-Chefe não se encontrava uniforme no que diz respeito à pelagem dos solípedes. tendo sido dada ordem que fosse formada uma Esquadra só com cavalos ruços (fls. 03., 06, 158 e 187).
4.º
Em 130130NOV21 o Cabo-Chefe foi abordado pelo Alferes R......, tendo sido percetível que o mesmo apresentava odor a álcool (fls. 03, 06 e 1 87).
5.º
Perante a situação, o mesmo foi ordenado a efetuar um teste de despistagem de álcool (fls. 03, 06 e 187).
6.°
O teste qualitativo resultou num resultado positivo de 1.19g/L (fls. 03, 06 e 56).
7.º
O teste quantitativo ao álcool, realizado junto da patrulha do Destacamento de Trânsito de Santarém, resultou numa TAS de aproximadamente 1.28g/L. correspondente à TAS de 1.216g/l, (fls. 03, 06 e 57).
8.º
O arguido pretendeu a realização de contraprova, sendo esta realizada no mesmo local, resultando numa TAS de aproximadamente 1.33g/L. correspondente à TAS de 1.264g/L. o que resultou na sua detenção, desarmamento e comunicação junto da Exma. Delegada do Ministério Público da Décima Secção do DCIAP de Lisboa e a P.IM (fls. 03, 06, 07, 57 e 188).
9.º
O arguido foi libertado por indicação da Exma. Procuradora do MP. para que este fosse descansar, sendo necessário empenhar decorrente da sua falta, um militar que se encontrava de reserva para atuação em 3º NLOP e a designação de um novo Comandante de Esquadra (fls. 03, 04, 06, 07 e 181).
10.°
O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que estes comportamentos eram proibidos e punidos por lei.
11.°
O arguido sabia que estando nomeado para o serviço como Comandante de Esquadra devia abster-se de ingerir bebidas alcoólicas de modo a manter-se apto físico e mentalmente para o exercício das suas funções de prevenção, fiscalização e repressão criminal, bem como de proteção de pessoas e bens. tanto mais que se encontrava armado e montava a cavalo conforme determinado.
12.º
Em 270UT22, o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, no âmbito do Processo NIJIPC N.° 5/21.8GRLSBN. decidiu condenar o arguido pela prática de um crime de incumprimento dos deveres de serviço, na pena de três meses de prisão, substituída por pena de noventa dias de multa à taxa diária de seis euros (fls. 55 a 61 ).
13.º
O acórdão proferido em relação ao Processo NIJIPC N.° 05/21.8GRPSB. transitou em julgado em 28/11/2022 (fls. 82 e 83).
14.º
O arguido quando interrogado em auto de interrogatório de arguido não prestou declarações (fls. 69).
15.º
O arguido encontra-se colocado na 1ª Classe de Comportamento desde 01.JAN21 (fls. 67).
16.º
O arguido foi punido por despacho de 1 1NOV16, com a pena de repreensão escrita agravada, por ter infringido o n.° 1 e a alínea b) do n.° 2 do art.° 17.º do Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana. A pena foi anulada por bom comportamento nos termos do n.° 5 da Circular 4760 de 090UT06 (fls. 68)
17.º
O arguido foi agraciado com a medalha de Assiduidade de Segurança Pública, uma estrela e duas estrelas, respetivamente, em 27JUN06 e 24MAR16, bem como, com as medalhas de Comportamento Exemplar, grau cobre e prata, respetivamente, em 01OUT98 e 17SET10 (fls. 64).
18.º
O arguido foi louvado pelo Coronel de Cavalaria Comandante do Regimento de Cavalaria da GNR em 21NOV00 (fls. 64 e 67).
19.º
O arguido foi louvado pelo Coronel de Cavalaria Comandante do Regimento de Cavalaria da GNR em 22NOV05 (fls. 64 e 68).
20.º
A informação de superior hierárquico do Comandante de Esquadrão em suplência refere que o arguido se rege por uma conduta não isenta de censura e é parcamente cumpridor dos seus deveres militares, pautando a sua conduta pela pouca correção com os seus superiores hierárquicos. Desde a data da infração até ao momento da informação do superior hierárquico, o arguido esforçou-se em adotar uma conduta mais correta. Não obstante o esforço em adotar uma conduta mais correta, a sua conduta até à data da infração foi pouco exemplar, não sendo a informação do superior hierárquico abonatória a seu favor (fls. 63).
21.º
A informação de superior hierárquico do Comandante do Esquadrão de Comando e Serviços foi neutra em relação ao arguido foi positivai em relação ao arguido, referindo que foi um militar cumpridor, embora demonstrando alguma falta de iniciativa (lis. 163).
22.°
A informação de superior hierárquico do Comandante do Grupo de Honras de listado é positiva em relação ao arguido, tendo o mesmo consideração e estima profissional pelo mesmo (fls. 180).
III. Direito aplicável
Com a conduta descrita em 11.8., o arguido violou a título doloso, o dever de aprumo, previsto no art.° 17.°. n.° 1. do RDGNR, por referência ao seu n.° 2. al. a) e b). consubstanciado com o previsto na al. i) do art.° 13.° do EMGNR, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 30/2017 de 22 de Março, que se reporta a Deveres especiais, porquanto colocou-se. voluntariamente, em estado de embriaguez durante um ato de serviço, colocando-se na impossibilidade de cumprir a sua missão c não se comportando em conformidade com a dignidade da sua função. Com a conduta descrita em 11.8., o arguido violou a título doloso, o devei' de autoridade, previsto no art.° 17.°-A. n.° 1. do RDGNR. por referência ao seu n.° 2. al. a), consubstanciado com o previsto na al. j) do art.° 13.° do LMGNR. aprovado pelo Decreto-Lei n.° 30/2017 de 22 de Março, que se reporta a Deveres especiais, porquanto as suas ações resultaram num mau exemplo de conduta para os militares sob o seu comando, consumindo bebidas alcoólicas de uma forma excessiva, impossibilitando-o de cumprir com cautela, prudência, disciplina e zelo a sua missão.
IV. Qualificação da infração disciplinar
De acordo com o art.° 20.° do RDGNR, a infração disciplinar por violação aos deveres de aprumo e autoridade consubstanciam uma infração grave, pois o comportamento foi doloso e pôs em causa o prestígio e o bom nome da instituição.
V. Circunstâncias dirimentes, atenuantes e agravantes
Não existem circunstâncias dirimentes.
Constituem atenuantes: o bom comportamento anterior, cf. art.° 38.º, n. os 1, al. b), e 2. do RDGNR; o lacto de ter louvores e outras recompensas, cf. art.° 38.°, n.° 1, al. h), do RDGNR: a boa informação de serviço do superior imediato de que depende, cf. art.° 38.°, n.º 1, al. i), do RDGNR. Constitui agravante: o facto de a infração ter sido cometida em ato de serviço na presença de outros em público, cf. art.º 40.°, n.° 1, al. e), do RDGNR.
VI. Penas aplicáveis
- As infrações graves, nos termos do art.º 41.º, n.° 2, al. b), do RDGNR, são aplicáveis as penas de suspensão ou suspensão agravada.
- Não existe qualquer circunstância que diminua substancialmente a culpa do arguido e, nessa medida, possibilite a aplicação de pena de escalão inferior.
- Consequentemente, pela violação das infrações individualizada, ao arguido são aplicáveis a título de pena disciplinar principal, as penas de suspensão ou de suspensão agravada.
- Nos termos do art.º 35°, n.º 1, do RDGNR. pode ainda ser aplicada a pena acessória de transferência compulsiva, a qual consiste na colocação compulsiva noutro órgão, unidade, subunidade. serviço ou estabelecimento de ensino, diferente daquela ou daquele em que se encontra colocado, pelo período de 1 (um) a 4 (quatro anos), sem prejuízo de terceiros.
- A pena de suspensão traduz-se no afastamento completo do serviço pelo período que for fixado, entre 5 e 120 dias. mantendo o militar unicamente direito a um terço do vencimento auferido à data da execução, cf. art.º 30.°. n.° 1, do RDGNR.
- A pena de suspensão agravada consiste no afastamento completo do serviço pelo período fixado, entre 121 e 240 dias. mantendo o militar unicamente direito a um terço do vencimento auferido à data da execução, cf. art.° 31.º, n.° 1, do RDGNR.
- Refere o art.° 41.°, n.º 1, do RDGNR, que, na aplicação das penas disciplinares, atende-se à natureza do serviço, à categoria, posto e condições pessoais do infrator, aos resultados perturbadores da disciplina, ao grau da ilicitude do facto, à intensidade do dolo ou da negligência e, em geral, a todas as circunstâncias agravantes e atenuantes.
- Não se verificam fundamentos que sustentem a pena acessória de transferência compulsiva.
VII. Parecer
- Em face do exposto, alentas as necessidades de prevenção geral e especial, os critérios da adequação, necessidade e proporcionalidade subjacente à aplicação dosimétrica das penas, o grau culpa, bem como as circunstâncias agravantes e atenuantes, e demais critérios presentes no artigo 41.°, n.° 1, do RDGNR, sou de parecer que o arguido deve ser punido com a pena disciplinar de 70 (setenta) dias de suspensão.
Considerando o exposto na Lei n.° 38-A/2023, de 2 de agosto, nos art.os 2.°, n.° 2, al. b), e 6.°, assim como no RDGNR, no art.° 45.°. al. e), extingue-se a responsabilidade disciplinar do arguido, pelo que se propõe que o processo disciplinar seja arquivado.» (cf. pág. 243 a 252 do PA a fls. 247 a 553 dos autos);
L) Em 10/10/2023, foi proferido despacho de arquivamento do processo por aplicação da Lei da Amnistia (cf. pág. 254 do PA a fls. 247 a 553 dos autos);
M) Em 31/10/2023, o Diretor de Justiça e Disciplina elaborou o ofício com a referência 7136, dirigido à Unidade de Segurança e Honras de Estado (Secção de Justiça), do qual consta o seguinte teor:
«(…)
1. Em 05SET23, no âmbito do processo disciplinar n.° PD758/21USHE, no qual é arguido o cabo-chefe (1…….) J……, o instrutor propôs o arquivamento do processo disciplinar com fundamento na Lei n.° 38-A/2023, de 2 de agosto (Lei da Amnistia).
2. No relatório final elaborado pelo instrutor é mencionado que o militar, em 01NOV21, durante o exercício de funções no âmbito da Operação “Feira Nacional do Cavalo 2021”, enquanto comandante de uma esquadra a Cavalo, pelas 01H30, apresentava uma TAS de 1,216 g/1, tendo sido detido e desarmado. 3. Pelos mesmos factos que constituíram o objeto do processo disciplinar, correu termos o processo crime n.° 005/21.8GRLSBN, no qual o militar foi condenado pela prática de um crime de «incumprimento dos deveres de serviço», p. p., pelo art.° 67.°, n.° 1, al. d), do CJM, na pena de 3 meses de prisão, substituída por 90 dias de multa, à taxa diária de €6,00.
4. O militar nasceu em 02NOV70, pelo que, à data dos factos, tinha 51 anos.
5. O militar nasceu em 02NOV70, pelo que, à data dos factos, tinha 51 anos. Em 16OUT23, o Exmo. Comandante de Unidade concluiu que “o infração que constitui o objeto do processo disciplinar foi praticada em data anterior, não constitui ilícito penal e não se encontra abrangida por qualquer das exceções plasmadas no art. ° 7 da Lei da Amnistia'' (cf. ponto 6), razão pela qual determinou o arquivamento do processo disciplinar.
6. Conforme resulta do confronto do ponto 3. e 5. da presente nota, existe uma clara contradição entre a matéria de facto e o direito aplicável, pois, de acordo com os factos suficientemente indiciados, o comportamento do militar constitui ilícito penal, em concreto da prática do crime de «incumprimento dos deveres de serviço», com moldura penal de pena de prisão de 1 mês a 1 ano.
7. Ora, de acordo com o art.° 6.° da Lei da Amnistia, “são amnistiadas as infrações disciplinares e as infrações disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar”.
8. Por sua vez, decorre do art.° 2.°, n.° 1, que “estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.0 e 4.
9. Mais dispondo o art.° 4.° que “são amnistiadas as infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa”.
10. Com efeito, atendendo às disposições legais indicadas, a infração disciplinar não pode beneficiar de amnistia, pois constitui simultaneamente ilícito penal não amnistiado em razão da idade do militar.
11. Face ao exposto, incumbe-me o Exmo. Comandante Geral de informar o Exmo. Comandante de Unidade que, oficiosamente, deve promover a anulação do despacho acima referenciado, por vício de violação de lei (erro nos pressupostos de direito), nos termos dos art.os 163.°, n.° 1, e 168.°, n.os 1 e 2, e 169.°, n.os 1, 2 e 3, do CPA.
12. Para o efeito, deve o militar ser ouvido previamente à tomada de decisão. Posteriormente, deve ser remetido cópia a esta direção do despacho que for proferido para conhecimento.» (cf. pág. 256 e 257 do PA a fls. 247 a 553 dos autos);
13. Para o efeito, deve o militar ser ouvido previamente à tomada de decisão. Posteriormente, deve ser remetido cópia a esta direção do despacho que for proferido para conhecimento.» (cf. pág. 256 e 257 do PA a fls. 247 a 553 dos autos);
N) Em 17/11/2023, o Comandante de Quartel proferiu proferido despacho de anulação da decisão de arquivamento, do qual consta, nomeadamente, o seguinte teor:
«(…)
DA ANÁLISE
1. Ora de acordo com o art.° 6.° da Lei da Amnistia, “são amnistiadas as infrações disciplinares e as infrações disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos pencas não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar”.-\
2. Por sua vez decorre do art.° 2., n.° 1, que “estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00.00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.°”. -\
3. Mais dispondo o art.° 4.° da lei da amnistia “são amnistiadas as infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa”.
4. Com efeito, atendendo às disposições legais indicadas, a infração disciplinar não pode beneficiar de amnistia, pois constitui simultaneamente um ilícito penal não amnistiado em razão da idade do militar. -\
DA ANULAÇÃO OFICIOSA (ADMISSIBILIDADE)
1. A luz do art.° 163.°, n.° 1, do CPA, “são anuláveis os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou outras normas jurídicas aplicáveis, para cuja violação se não preveja outra sanção”. -\
2. Nos termos do n.° 2 do mesmo normativo, “o ato anulável produz efeitos jurídicos, que podem ser destruídos com eficácia retroativa se o ato vier a ser anulado por decisão proferida pelos tribunais administrativos ou pela própria Administração”, mais prevendo o n.° 4 que “os atos anuláveis podem ser anulados pela Administração nos prazos legalmente estabelecidos.
3. Quanto aos prazos para esse efeito, o art.° 168.°, n.° 1, consagra que “os atos administrativos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de seis meses, a contar da data do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade”, todavia, “os atos constitutivos de direitos só podem ser objeto de anulação administrativa dentro do prazo de um ano, a contar da data da respetiva emissão», conforme resulta do n.° 2 do mesmo preceito legal. -\
4. Relativamente à competência para esse efeito, o art.° 169.°, n.° 1, do CPA, prescreve que “os atos administrativos podem ser objeto de anulação administrativas por iniciativa dos órgãos competentes”, podendo os mesmos nos termos do n.° 2, “ser objeto de revogação anulação administrativa pelo órgão que os praticou e pelo respetivo superior hierárquico”. -\
5. Consequentemente, a decisão que determinou o arquivamento do presente Processo Disciplinar PD758/21USHE é anulável, nos termos do art.° 163.°, n.° 1, do CPA, sendo que possuo competência para proceder à respetiva anulação. -\
DESPACHO
1. Notificar e arguido do meu despacho datado de 16 de outubro de 2023. -\
2. Nos termos do art.° 121.° e seguintes do CPA, determinar a audiência do arguido por escrito, uma vez que a decisão de anulação do meu despacho de arquivamento, com fundamento na extinção da responsabilidade disciplinar do arguido, por força do disposto na lei n.° 38-A/2023, de 2 de agosto (Lei da Amnistia), datado de 16 de outubro de 2023, por vício de violação de lei (erro nos pressupostos de direito), implicará a continuação do presente Processo.
3. Para o efeito, concede-se o prazo de 10 (dez) dias úteis ao arguido para dizer o que se lhe oferecer» (cf. pág. 259 a 261 do PA a fls. 247 a 553 dos autos);
O) Em 11/12/2023, o Autor tomou conhecimento do despacho que antecede (cf. pág. 262 a fls. 247 a 553 dos autos);
P) Em 26/01/2024, o Autor exerceu a audiência prévia (cf. pág. 267 a 273 do PA a fls. 247 a 553 dos autos);
Q) Em 28/01/2024, o Comandante do Quartel proferiu despacho pelo qual conclui que «a infração disciplinar não pode beneficiar da amnistia, pois constitui simultaneamente um ilícito penal não amnistiado em razão da idade do militar» (cf. pág. 274 e 275 do PA a fls. 247 a 553 dos autos);
R) Em 28/01/2024, o Comandante do Quartel proferiu despacho de aplicação da pena de suspensão, graduada em 70 dias, sendo colocado na 3.ª classe de comportamento (cf. pág. 276 e 277 do PA a fls. 247 a 553 dos autos);
S) Em 10/04/2024, o Autor interpôs recurso hierárquico da decisão de aplicação de sanção (cf. pág. 283 a 294 do PA a fls. 247 a 553 dos autos);
T) Em 14/05/2024, a Direção de Justiça e Disciplina proferiu parecer do qual se extrai o seguinte teor:
«(…)
II. DO RECURSO HIERÁRQUICO
1. Questões prévias
O ato é recorrível, o órgão é competente, o recorrente tem legitimidade e o requerimento foi interposto em tempo, pelo que não existem questões que prejudiquem a sua apreciação.
2. Causa de pedir e pedido
2.1. Como fundamento do recurso o recorrente alega, em síntese, o seguinte: 2.1.1. Violação do art.° 124.°, n.° 1, do RDGNR, porquanto o despacho punitivo foi “publicado”, sem que o referido despacho tivesse transitado em julgado; 2.1.2. Deveria a infração ter sido amnistiada ao abrigo da Lei n.° 38-A/2023, de 02AGO, uma vez que o critério da idade não é aplicável às meras infrações disciplinares, outrossim o tipo de crime pelo qual o recorrente foi condenado não se encontra excecionado pelo art.° 7.° da referida Lei.
2.2. Pelo que requer a revogação da decisão punitiva e a aplicação da Lei da amnistia.
III. ANÁLISE
1. Da violação do art.° 124.°, n.º 1, do RDGNR
1.1. Alega o recorrente que o art.° 124.°, n.° 1, do RDGNR, foi violado porquanto o despacho punitivo foi “publicado”, sem que o referido despacho tivesse transitado em julgado.
1.2. Em primeiro lugar, os despachos punitivos (atos administrativos) não transitam ou deixam de transitar em julgado, pois não consubstanciam decisões judicias.
1.3. Em segundo lugar, não houve qualquer violação do art.° 124.°, n.° 1, do RDGNR, pois a publicação das penas é obrigatória após a sua prolação, por força do art.° 106.°, n.° 4, e art.° 36.°, n.° 1, ambos do RDGNR, sendo alias, critério da sua eficácia (art.os 158.° a 160.°, do CPA).
1.4. Se dúvidas houvesse quanto a esta asserção, a leitura do art.° 36.°, n.° 2, do RDGNR as dissiparia, uma vez que esta norma impõe a publicação da decisão do recurso no sítio onde foi publicado o despacho punitivo.
2. Da amnistia
2.1. Alega o recorrente que a infração deveria ter sido amnistiada ao abrigo da Lei n.° 38- A/2023, de 02AGO, uma vez que o critério da idade não é aplicável às meras infrações disciplinares, outrossim o tipo de crime pelo qual o recorrente foi condenado não se encontra excecionado pelo art.° 7.° da referida Lei.
2.2. O recorrente foi condenado criminalmente por um crime que não pode beneficiar de amnistia em razão da sua idade (51 anos).
2.3. Logo, ao não poder beneficiar de amnistia em sede penal em razão da idade, também não poderá beneficiar da mencionada graça pela concomitante infração disciplinar, o que resulta da leitura do art.° 2.°, n.° 1, e art.° 6.°, ambos da Lei nº 38-A/2023, de 02AGO.
2.4. Sobre este tema já esta Direção produziu a nota n.° 7136, 310UT23, a fls. 199 e 199v, cujo conteúdo, no essencial, foi notificado ao recorrente (fls. 200, 201 a 202 e 204).
2.5. Um caso similar ao aqui curado já foi tratado pelo acórdão do TCAS, de 11ABR24, processo n.° 164/23.5BCLSB, cujo raciocínio jurídico ali desenvolvido é exatamente igual ao nosso.
IV. DA PROPOSTA
Termos em que, caso o Excelentíssimo Comandante-Geral se digne concordar com o presente parecer, poderá decidir:
1. Negar provimento ao presente recurso hierárquico e confirmar a decisão recorrida, nos termos do art.° 197.°, n.° 1, do CPA, aplicável ex vi dos art.os 7.° e 117.° do RDGNR.
2. Determinar à Unidade que proceda à realização das respetivas operações materiais com vista ao cumprimento da pena aplicada pelo Exmo. Comandante da Unidade.
3. Determinar à Unidade que proceda à notificação do recorrente e da sua ilustre advogada, do despacho que for proferido sobre o presente parecer, bem como de que a pena será de imediato executada, sem prejuízo da possibilidade de interposição de recurso hierárquico facultativo para Sua Excelência o Ministro da Administração Interna, no prazo indicado no art.° 193.°, n.° 2, do CPA (in fine) e com os efeitos jurídicos previstos no art.° 190.°, n.° 3, do CPA e art.° 59.°, n.° 4, do CPTA» (cf. pág. 298 a 301 do PA a fls. 247 a 553 dos autos);
U) Em 15/05/2024, o Diretor de Justiça e Disciplina proferiu despacho de concordância com o teor do parecer referido na alínea anterior (cf. pág. 298 a fls. 247 a 553 dos autos);
V) Em 16/05/2024, o Comandante-Geral da GNR proferiu despacho de indeferimento do recurso hierárquico e confirmou a decisão de aplicação da pena de suspensão graduada em 70 dias, com perda de 2/3 do seu vencimento, com os fundamentos contantes do parecer que antecedeu (cf. pág. 298 do PA a fls. 247 a 553 dos autos);
W) Com data de 29/05/2024, a Entidade Demandada dirigiu à Ilustre mandatária do Autor o ofício com a referência NºS052120-202405-USHE, pelo qual comunica o despacho de indeferimento do recurso hierárquico (cf. pág. 303 do PA a fls. 247 a 553 dos autos).
*

IV. De Direito

A Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, veio estabelecer
Perdão de Penas e Amnistia de Infracções
.
Importa que ao Recorrido foi aplicada pelo despacho de 28 de Janeiro de 2024 do Comandante do Quartel, mantida pelo despacho de 16 de Maio de 2024 do Comandante-Geral da GNR, no âmbito da interposição de recurso hierárquico, a pena disciplinar de 70 (setenta) dias de suspensão, sendo que o Recorrente não se conforma com a decisão recorrida que a amnistiou e decretou a impossibilidade superveniente da lide.
Para tal, defende, em suma, que a referida decisão padece do erro de julgamento de direito, invocando que como a infracção disciplinar constitui também ilícito penal, apenas poderia beneficiar da amnistia se o ilícito penal fosse igualmente amnistiado, mais expressando que a idade do Recorrido como é superior a 30 anos impede que lhe seja aplicada a Lei da Amnistia.
Analisando.
A palavra grega amnestia, assim transcrita em latim­, derivou para o português ‘amnistia’ e significava originaria­mente esquecimento.
Donde, a amnistia respeita às infracções abstractamente consideradas, ‘apagando’ a natureza criminal do facto.
Prevê o nº 2 do artº 128º do Código Penal que “a amnistia extingue o procedimento criminal e, no caso de ter havido condenação, faz cessar a execução tanto da pena e dos seus efeitos como da medida de segurança” sendo que o nº 3 estipula que “o perdão genérico extingue a pena, no todo ou em parte”.
Em abono de se qualificar a sua intrínseca vocação, traz-se à colação que Figueiredo Dias in Direito Penal Português, Parte Geral, II, Coimbra,
1993, pp 689 – 692, convoca que atrás da distinção constitucional entre o perdão genérico e a amnistia
“está ainda a concepção tradicional da distinção entre medidas de graça relativas ao facto ou ao agente por uma parte, e relativas à consequência jurídica por outra”.
A amnistia caracteriza-se, pois, como um pressuposto negativo da punição na medida em que obsta a que o arguido sofra a sanção que, ou lhe vai ser aplicada ou que, entretanto, já o foi.
Significa, assim, que não constitui um pressuposto negativo da punibili­dade, ou seja, não está relacionada com a falta de dignidade punitiva do facto.
A ratio legis da Lei da Amnistia assenta na realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude com a presença de Sua Santidade o Papa Francisco e visa abranger um número de pessoas, vigora relativamente a um determinado período temporal e abrange sanções expressamente tipificadas, tornando-se essencial, no caso presente, se destrinçar o regime de perdão de penas do da amnistia de infracções instituídas.
Tal vale por dizer que, concretamente, cabe analisar o impacto e os efeitos da aplicação da amnistia às infracções disciplinares.
A doutrina, há tempo, ou seja, quando foram publicadas leis de amnistia, atentando no que dispunham nessa altura, os artºs 127º e 128º do Código Penal e, também, a jurisprudência dimanada então, diferenciava a amnistia em sentido próprio e em sentido impróprio, definindo-se as mesmas nestes termos:
i) amnistia em sentido próprio – a que ocorre antes da condenação, referente ao próprio crime, logo fazendo extinguir o procedimento criminal;
ii) amnistia em sentido impróprio – a que ocorre depois da condenação e que impede ou limita o cumprimento da pena aplicada, fazendo cessar ou restringindo a execução da pena principal e das penas acessórias.
A amnistia encontra-se regulada no artº 127º do Código Penal como uma das causas de extinção da responsabilidade criminal e, quanto aos efeitos jurídicos, dita o nº 2 do artº 128º do mesmo diploma que “A amnistia extingue o procedimento criminal e, no caso de ter havido condenação, faz cessar a execução tanto da pena e dos seus efeitos como da medida de segurança”.
É, portanto, uma providência que “apaga” o crime, o que implica uma abolição retroactiva do crime, no sentido em que a amnistia, operando ex tunc, incide não só sobre a própria pena, como também sobre o acto criminoso passado, que cai em “esquecimento”, e é tido como não praticado.
Diferentemente, o perdão genérico é uma figura próxima da amnistia, caracterizado como uma providência de carácter geral, que se dirige a uma generalidade de delinquentes, e que “extingue a pena, no todo ou em parte”vide nº 3 do artº 128º do Código Penal – contudo, tão-só tem efeitos para o passado, nunca extingue o procedimento criminal e é aplicável em função da pena, ao invés do instituído para o regime da amnistia.
Este breve enquadramento tem em vista sinalizar que no âmbito das diferentes leis de amnistia que em tempos idos foram publicadas, a diferenciação entre a amnistia própria e a amnistia imprópria, era então coligida, sendo que nessa altura não existia a figura do perdão de genérico.
Com efeito, a partir do momento em que o perdão genérico passou a ser contemplado no ordenamento jurídico, em decorrência, deixou de ter lugar a distinção entre as duas amnistias supracitadas.
Convoca-se, pois, face aos artºs 127º e 128º do Código Penal, com a introdução do perdão genérico, que o conceito de amnistia imprópria foi absorvida pelo primeiro.
Ora, tal repercutiu que a amnistia se encontra contida no artº 127º, e os respectivos efeitos consignados no nº 2 do artº 128º, ambos daquele diploma legal.
A Lei da Amnistia que nos ocupa, implementou que a amnistia se aplica à infracções disciplinares – cfr artº 9º do Código Civil – aos trabalhadores que desempenham funções públicas e instaurados por entidades empregadoras públicas.
Preceitua o nº 1 do artº 2 º e o artº 4º deste diploma que a amnistia é concedida às infracções penais, praticadas até às 00h00 horas de 19 de Junho de 2023, por jovens, que tenham entre 16 e 30 anos de idade, à data da prática do facto, e cuja pena não seja superior a um ano de prisão ou a 120 dias de pena de multa.
Por sua vez, a alínea a) do nº 2 do referido artº 2º, à luz do disposto no artº 5º, no regime da amnistia estão abrangidas as sanções acessórias, relativas a contra-ordenações praticadas até às 00h00 horas de 19 de Junho de 2023, e cujo limite máximo de coima aplicável não exceda os 1000€.
Ademais, atenta a alínea b) do nº 2 do artº 2º e o artº 6º, sempre da Lei da Amnistia, as infracções disciplinares e as infracções disciplinares militares, praticadas até às 00h00 horas de 19 de Junho de 2023, que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei, e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar, são também amnistiadas, cabendo realçar que não se aplica a restrição relativa à idade.
Concretizando o que imediatamente antecede, tomando em consideração que a infracção disciplinar em causa ocorreu em momento anterior a 19 de Junho de 2023, em ordem ao previsto na alínea b) do nº 2 do artº 2º, não sendo, assim, superior a suspensão ou prisão disciplinar, como dita o artº 6º, ambos da Lei da Amnistia, face ao consignado nas alíneas F) e G) do Probatório da decisão recorrida, há que se apurar a resposta à seguinte quaestio:
O Recorrido foi condenado na pena de 3 meses de prisão, substituída por 90 dias de multa, à taxa diária de 6,00€, pela prática do crime de incumprimento dos deveres de serviço, pelo que a infracção disciplinar que lhe foi aplicada é ou não amnistiável, ex vi do que dispõe a Lei da Amnistia.
A resposta é positiva.
Com efeito e nos termos já supra aludidos, a aplicação da amnistia às infracções disciplinares estatuídas na alínea b) do nº 2 do supracitado artº 2º concatenado com aquele artº 6º não estão dependentes da idade, apenas sendo excluídas deste regime as infracções disciplinares cuja factualidade tenha igualmente sido fundamento para condenação em sede penal pelos crimes excepcionalmente tipificados no artº 7º, sempre da Lei da Amnistia, e no qual não se enquadra o crime pelo qual foi condenado o Recorrido – cfr Acórdão do STA, Processo nº 0164/23.5BCLSB, de 12 de Setembro de 2024, in www.dgsi.pt.
Salientamos que a Lei da Amnistia, prevê providências de excepção e que, por isso, não comportam aplicação analógica, tal como estabelecido no artº 11º do Código Civil, nem tão pouco admitem interpretação extensiva ou restritiva.
Assim sendo, devem ser interpretadas nos exactos termos em que estão redigidas, com respeito pelo preceituado no artº 9º do Código Civil – cfr Boletim do Ministério da Justiça, nº 258, de 30 de Junho de 1976, p 138.
Note-se que a Lei da Amnistia não faz distinção entre infracções disciplinares executadas ou não executadas, nem entre procedimentos disciplinares findos ou não findos, suspensos ou activos, pelo que se não concebe essa diferenciação, também a não deve fazer o intérprete e aplicador do Direito.
Logo, aquela Lei harmoniza-se com os efeitos ex tunc da amnistia, determinados no nº 2 do artº 128º do Código Penal.
Traz-se, ainda, à colação que sufragamos in totum, o sumariado no Acórdão do STA, Processo nº 0262/12.0BELSB, de 16 de Novembro de 2023, in www.dgsi.pt “A amnistia faz cessar a responsabilidade disciplinar do arguido, pelo que, salvo disposição legal em contrário, tem eficácia ex-tunc, e faz desaparecer o objeto da ação que visa a anulação ou declaração de nulidade do ato que aplicou a pena disciplinar, determinando a inutilidade da respetiva lide”.
Com efeito, neste aresto escreveu-se que “é entendimento dominante na jurisprudência e na doutrina que a amnistia faz cessar a responsabilidade disciplinar do arguido, pelo que, salvo disposição legal em contrário, determina o «esquecimento» da infração, extinguindo os respetivos efeitos com eficácia ex-tunc.
Daqui decorre, necessariamente, que a amnistia faz desaparecer também – retroativamente - o objeto da ação que visa a anulação ou declaração de nulidade do ato que aplicou a correspondente pena disciplinar”
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Segue idêntico entendimento o Acórdão do STA, Processo nº 0699/23.0BELSB, de 20 de Dezembro de 2023, in www.dgsi.pt.
Releva que Mariana Canotilho e Ana Luísa Pinto in As Medidas de Clemência na Ordem Jurídica Portuguesa, Estudos em Memória do Conselheiro Luís Nunes de Almeida, Coimbra, Coimbra Editora, 2007 pp 336 e 337, definem que “A amnistia serve para libertar o agente de um processo penal ainda em curso ou do cumprimento de uma pena, devida à prática de determinado crime.
Significa isto que alguns bens jurídicos, protegidos pela legislação penal, são considerados menos importantes, em determinados contextos (por exemplo, em caso de necessidade de pacificação social), razão pela qual a sua protecção pode ser sacrificada reotractivamente”.
Assim, anuímos, a final, ao discorrido na sentença recorrida de que a sanção disciplinar do Recorrido é amnistiável, transcrevendo, a propósito, os seguintes termos: “(…) compreende-se que a exclusão da amnistia de infrações disciplinares que constituam simultaneamente ilícitos penais apenas em função do critério etário previsto no artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, tal como realizada no acórdão recorrido, corresponde a um erro de julgamento que não pode manter-se.
(…)
A circularidade deste raciocínio resulta evidente e deve-se à circunstância de não se atentar que a remissão contida no artigo 2.º, n.º 2, alínea b), da Lei da Amnistia para o respetivo artigo 6.º já exclui a possibilidade de considerar a restrição etária prevista no n.º 1 do mesmo artigo 2.º. De outro modo, a limitação da exclusão da amnistia por razões conexas com a idade do infrator apenas às infrações penais – objetivo ativamente prosseguido pelas diversas alterações propostas em relação ao texto originário da Proposta de Lei n.º 97/XV/1.ª ficaria comprometida e veria o seu âmbito de aplicação alargado às infrações disciplinares. Mas, como analisado no número anterior, não foi essa a intenção do legislador; este, ao autonomizar o âmbito de aplicação subjetivo da amnistia das sanções acessórias relativas a contraordenações e aos ilícitos disciplinares, e remeter a densificação dos respetivos regimes para os artigos 5.º e 6.º, visou, justamente, tais sanções acessórias e os referidos ilícitos disciplinares, sem prejuízo de outras limitações, nomeadamente as relacionadas com critérios objetivos de gravidade, sejam amnistiados com independência de qualquer critério etário. Por outras palavras, os artigos 5.º e 6.º da Lei da Amnistia só podem ser lidos em função do âmbito definido, respetivamente, nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 2.º; e não, também, do n.º 1 do mesmo preceito.
Ora, a interpretação do artigo 6.º da Lei n.º 38-A/2023 realizada no acórdão recorrido, pressupõe a respetiva articulação com o n.º 1 do artigo 2.º do mesmo diploma, ignorando, desse modo, a separação de âmbitos subjetivos e a autonomização de regimes dos diferentes ilícitos introduzida pelo n.º 2 daquele artigo.
(…)
Assim, mostrando-se preenchidos os requisitos legais para o efeito, aplica-se ao Autor o regime de amnistia previsto nos artigos 2.º, n.º 2, alínea b) e 6.º da Lei da Amnistia, o que tem como consequência o esquecimento da infração e a extinção do procedimento disciplinar e, no caso de ter havido já condenação [como sucede na situação dos autos], faz cessar a execução tanto da sanção e dos efeitos que subsistam (cf. o mencionado artigo 128.°, n.º 2 do Código Penal), mormente a eliminação do registo disciplinar do Autor.
Reitere-se, portanto, que não obsta à aplicação da amnistia o facto de a sanção disciplinar ter sido executada, posto que existem efeitos que subsistem e que serão agora “apagados” (sobre o poder-dever de que impende sobre os tribunais de aplicarem a lei da amnistia aos casos que reúnam os pressupostos para a sua aplicação veja-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no processo n.º 0269/17.1BEMDL, de 18/12/2024).
(…)
Termos pelos quais cumpre declarar amnistiada a infração disciplinar em causa nos autos e, em consequência, declarar extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide decorrente da falta de objeto, no que respeita ao pedido de anulação do ato administrativo que aplicou ao Autor a sanção disciplinar de 70 dias de suspensão”.

Donde, em conclusão, encontra-se amnistiada a infracção disciplinar sancionada pelo despacho de 28 de Janeiro de 2024 e o despacho que a manteve datado de 16 de Maio de 2024, ambos do Recorrente, pelo que a decisão recorrida não enferma do erro de julgamento de direito.
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V. Decisão

Nestes termos, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção Administrativa Social da Secção de Contencioso Administrativo do TCA Sul, em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida que declarou amnistiada a pena disciplinar de suspensão, graduada em 70 (setenta) dias, aplicada ao Recorrido pelo despacho de 28 de Janeiro de 2024 mantida pelo despacho de 16 de Maio de 2024, tendo julgado extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide.

Custas pelo Recorrente e pelo Recorrido em partes iguais – cfr nº 1 e alínea c) do nº 2, ambos do artº 536º do CPC.
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Lisboa, 18 de Junho de 2025

(Maria Helena Filipe – Relatora)
(Rui Belfo Pereira – 1º Adjunto)
(Ilda Coco – 2ª Adjunta)

Declaração de Voto

Embora não acompanhe integralmente os seus fundamentos, voto o sentido da decisão por considerar que a infracção em causa nos autos se encontra amnistiada, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, e 6.º da Lei n.º38-A/2023, de 2 de Agosto, e, assim, que a sentença recorrida não padece do erro de julgamento que lhe é imputado pelo recorrente.
(Ilda Coco)