Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:138/25.1BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:08/21/2025
Relator:MARA DE MAGALHÃES SILVEIRA
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DE ATO DE REPOSIÇÃO DE LEGALIDADE URBANÍSTICA
DESNECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA
PERICULUM IN MORA
Sumário:I - Não se encontra prevista, na tramitação das providências cautelares, a convocação e realização de audiência prévia ao abrigo do artigo 87.º-A do CPTA, nem tão pouco a possibilidade de apresentação de alegações escritas, nos termos do artigo 91.º-A do CPTA, cuja omissão fosse determinante de nulidade processual nos termos do artigo 195.º, n.º 1 do CPC;
II - Atenta a celeridade e eficiência que devem pautar o processo cautelar, a produção de prova só tem lugar quando o juiz a considere necessária, devendo ler-se o n.º 1 do art.º 118.º do CPTA em conjugação com os seus n.ºs 3 e 5;
III - Cabe ao requerente da providência cautelar o ónus de alegação dos factos concretos que demonstrem o preenchimento dos requisitos de que depende a procedência da pretensão cautelar, devendo deles fazer prova sumária;
IV - Na hipótese de se verificar, considerando as soluções plausíveis de direito, que a alegação das partes não é apta à demonstração do preenchimento de um dos requisitos de procedência das providências cautelares, mostra-se desnecessária, consubstanciando um ato inútil e por isso proibido por lei, a realização de diligências de prova que se destinem (apenas) à demonstração dos restantes requisitos;
V - A fundamentação de facto não constitui, para os efeitos de a sua inexistência consubstanciar omissão de pronúncia determinante da nulidade da sentença ao abrigo da al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, uma questão a decidir, antes correspondendo aos pressupostos/requisitos de que depende a decisão e, concretamente, a sua fundamentação ao nível do acervo fáctico necessário à sua prolação;
VI - Estando em causa um vício da própria decisão, o incumprimento do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC acarreta a nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º, n.º 1 al. b) do CPC, quando ocorre a falta absoluta de fundamentação, mas não consubstancia nulidade processual (secundária);
VII - A circunstância de poderem existir outros factos que, tendo sido alegados, mostrando-se controvertidos e sendo necessários à decisão, não constam do elenco factual constante da sentença ou de os factos considerados provados por acordo não se encontrarem admitidos pelas partes, corresponde a erro de julgamento de facto e não a nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto [artigo 615.º, n.º 1 al. b) do CPC];
VIII - Não se mostra preenchido o requisito do periculum in mora, na dimensão de facto consumado, quando se constata que o ato (apenas) impõe, ao abrigo do artigo 102.º-A do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, a reposição da legalidade urbanística, a qual, apenas em ultima ratio – quando não seja possível a regularização do edificado -, se traduzirá na demolição, sem que o Recorrente alegue ou demonstre que a legalização apenas possa ser realizada por essa via da demolição (ou da execução de obras de alteração/correção irreversíveis);
IX - Não tendo sido alegada qualquer factualidade, designadamente respeitante à valia do edificado para a esfera do requerente, e resultando das alegações deste que a estrutura em causa é precária e amovível, daí decorrendo que nada obstará a que a mesma seja retirada ou até desmontada durante a pendência da ação principal, não é possível realizar, em sede de prognose, um juízo de que a execução do ato lhe acarretará prejuízos de difícil reparação.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. Relatório

M… (doravante A., Requerente, Recorrente), instaurou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, providência cautelar contra o Município de Vila Real de Santo António (doravante R., Entidade Demandada ou Recorrido), peticionando a suspensão de eficácia do despacho datado de 18.02.2025, proferido pelo Sr. Vereador do Pelouro do Urbanismo, que o notificou para proceder à regularização de todas as edificações existentes, nomeadamente o armazém e construções conexas, nomeadamente construções precárias/arrecadações e muro (o qual coincide parcialmente com zona agrícola), através de processo de demolição integral ou legalização nos termos do artigo 102.º-A do DL n.º 555/99 de 16 de Dezembro.

Em 30 de abril de 2025, o referido o referido Tribunal prolatou despacho indeferindo a produção de prova testemunhal requerida e, na mesma data, proferiu sentença no sentido do indeferimento da providência cautelar requerida.

Inconformado, o Requerente interpôs recurso jurisdicional dessas decisões para este Tribunal Central Administrativo, concluindo nos seguintes termos:

“1. Por despacho datado de 30-04-2025 o tribunal “a quo” indeferiu, por desnecessária, a requerida produção de prova.
2. E por sentença datada de 30-04-2025 indeferiu a providência cautelar requerida.
3. O Requerente ora Recorrente não se conforma com o despacho e com a sentença de que ora se recorre.
4. Andou mal o tribunal “a quo” ao não produzir a prova testemunhal indicada, pois afigura-se essencial para o apuramento da verdade e para a boa decisão da causa a audição das partes e bem assim das testemunhas arroladas.
5. Os factos carreados para os autos carecem de produção de prova, não se encontrando os presentes autos em condições para serem decididos sem que seja produzida qualquer diligência probatória.
6. Sem prescindir, a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de convocação e de realização da audiência prévia prevista no artigo 87°-A do CPTA.
7. Ao que acresce que da sentença recorrida consta apenas os factos provados A) a H) e a convicção do tribunal “a quo” fundamentou-se na prova documental junta aos autos e da posição assumida pelas partes nos articulados.
8. Relativamente aos factos dados como não provados considerou o tribunal “a quo” que inexistem factos não provados com relevância para a decisão.
9. Sendo certo que não foi produzida nenhuma prova nos presentes autos e que existem fatos controvertidos.
10. Evidentemente, a omissão de tal formalidade legal tem manifesta influência no exame e decisão da causa, quer para efeitos de impugnação, quer do seu julgamento, que in casu não se realizou.
11. Deste modo, com a omissão das formalidades referidas, previstas no art. 607.°, n.° 4, do CPC, cometeu-se uma nulidade processual prevista no art. 195.°, n.1, do CPC.
12. Termos em que deverá a sentença recorrida ser revogada nos termos do disposto no artigo 615.°, n.° 1, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil.
13. O tribunal “a quo” não fundamentou individualmente a matéria de facto dada como provada, uma vez que os factos dados como provados foram impugnados e não se encontram admitidos por acordo.
14. Da sentença recorrida não consta qualquer referência ou menção à fundamentação da matéria de facto.
15. Sendo a sentença recorrida totalmente omissa no que respeita à fundamentação da matéria de facto dada como provada e dada como não provada.
16. Por outro lado, o tribunal “a quo” decidiu julgar não verificado o requisito do periculum in mora.
17. Sucede que procedimentos cautelares são meios de tutela jurisdicional expeditos, destinados a contornar a morosidade do processo onde se discute o conflito de interesses, cujo formalismo e o uso que dele é feito tendem a protelar no tempo o momento da decisão.
18. Estando assim verificados todos os pressupostos para o decretamento da presente providência cautelar, nomeadamente o requerente ora Recorrente é titular de um direito.
19. O direito/interesse digno de tutela jurídica (expectativa juridicamente tutelada) que carece de ser acautelado é o direito de propriedade.
20. A que acresce que o Requerente ora Recorrente tem um fundado receio de que a decisão da Entidade Requerida possa causar uma lesão grave e sem qualquer tipo de possibilidade de recuperação.
21. Isto é, sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providencia, conservatória ou antecipatória, concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado, podendo o interesse do requerente fundar-se em direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor.
22. Dos presentes autos resulta a probabilidade de verificação dos vícios alegados, pelo que deve ter-se por verificado o fumus boni iuris, por ser provável, com este fundamento, a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal.
23. A sentença de que ora se recorre viola assim o disposto no artigo 120.°, n.° 1 do CPTA.
24. Termos em que e face ao supra exposto deverá a sentença recorrida ser revogada por violação do supra mencionado preceito legal.
25. Mais se invoca a inconstitucionalidade da sentença recorrida.
26. A interpretação dada pelo tribunal “a quo” ao artigo 120.°, n.°1 do CPTA é manifestamente inconstitucional, o que se invoca desde já para efeitos de eventual e futuro recurso para o Tribunal Constitucional.
Nestes termos e nos melhores de direito, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e ser o despacho recorrido e a douta sentença recorrida declarados nulos e consequentemente deverão ser revogados, ordenando-se que os presentes autos sigam os seus ulteriores termos, assim se fazendo justiça!”

O Recorrido, apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“1. Em 18/02/2025, foi proferido um despacho pelo Sr. Vereador do Pelouro do Urbanismo para o ora recorrente proceder à regularização de todas as edificações existentes, nomeadamente o armazém e construções anexas, nomeadamente construções precárias, arrecadações e muro (o qual coincide parcialmente com zona agrícola), através do processo de demolição integral ou legalização nos termos do artigo 120º-A do DL 555/99 de 16 de Dezembro, na sua atual redacção, concedendo-se um prazo máximo de 15 dias (úteis) a contar da data da recepção do ofício;
2. Este despacho fora precedido de despachos anteriores no mesmo sentido, nomeadamente de 24/03/2023 e 27/09/2024;
3. Pelo que instaurou o presente procedimento cautelar nos termos dos artigos 112º e seguintes do CPTA, pela suspensão da eficácia do acto, em primeiro lugar invocando a nulidade do acto por falta de consentimento do proprietário, por parte da fiscalização e em segundo lugar porque sendo as construções amovíveis, as mesmas não são sujeitas a licenciamento;
4. Mais alega que o acto praticado, isto é, a ordem de legalização ou demolição, afecta o direito de propriedade do recorrente e lhe causará enorme prejuízo de difícil reparação;
5. Na sua oposição, o Município, ora recorrido, apresentou como matéria de factos os vários despachos já anteriormente notificados ao recorrente, invocando a falta de pressupostos para que fosse concedido provimento à providência cautelar por falta de requisitos essenciais nos termos do artigo 120º;
6. Bem andou o Tribunal "a quo" ao decidir indeferir a providência cautelar com fundamento no facto de o recorrente não ter alegado qualquer facto que indiciasse a iminência de lesão grave e dificilmente reparável;
7. Assim como não assiste qualquer razão ao recorrente nos fundamentos que apresenta no presente recurso;
Porquanto,
8. Não se verificou qualquer violação do disposto dos artigos 118º nº 1 e 5 e 119º nº 1 do CPTA, uma vez que resultas destas normas que a produção de prova só terá lugar quando o juíz a considere necessária;
9. Também não se verificou qualquer nulidade da sentença por preterição da realização da audiência prévia prevista no artigo 87º-A do CPTA, uma vez que sendo o presente processo um procedimento cautelar, não se encontra prevista na sua tramitação a realização de audiência prévia;
10. Também não se verifica a nulidade de sentença por omissão de pronúncia, uma vez que foram apreciados todos os factos alegados por ambas as partes, tendo sido discriminada a matéria de facto considerada relevante, não se verificando qualquer violação do disposto do artigo 615º alínea d) do CPC;
11. Também não se verifica qualquer falta de fundamentação na sentença que foi proferida, tendo o Tribunal analisado todos os documentos que consubstanciaram a prova dos factos alegados pelo recorrente, assim como os que consubstanciaram os factos constantes da oposição, sendo da responsabilidade do recorrente a alegação de factos indicadores dos requisitos que constam do artigo 120º nºs 1 e 2 do CPTA, para que seja decretada a providência, o que não fez;
12. Por último, não se verifica qualquer inconstitucionalidade na interpretação que o Tribunal "a quo" fez sobre a verificação dos pressupostos necessários para se decretar a requerida providência cautelar.
Nestes termos e nos melhores de direito, requer a Vossas Excelências, que se negue provimento ao recurso e em consequência seja mantida a sentença recorrida, assim se fazendo a vossa costumada Justiça.”

No despacho que admitiu o recurso com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre as nulidades de sentença arguidas pelo Recorrente, por omissão da convocação da audiência prévia, por nulidade processual decorrente da dispensa da produção da prova testemunhal requerida nos autos e por omissão de pronúncia, concluindo pela improcedência das mesmas.

O Ministério Público junto deste TCA Sul, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Notificadas do aludido parecer, as partes nada disseram.

Prescindindo-se dos vistos legais, atento o carácter urgente do processo, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos (em turno), foi o processo submetido à conferência para julgamento.

2. Delimitação do objeto do recurso

Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA).
Tendo em conta o exposto, a este Tribunal cumpre apreciar se,
a. Foi cometida nulidade (processual) por omissão de convocação e realização de audiência prévia e por incumprimento das formalidades de fundamentação previstas no artigo 607.º, n.º 4 do CPC;
b. O despacho de indeferimento da produção de prova incorreu em erro de julgamento de direito;
c. A sentença proferida,
c.1. Padece de nulidade por omissão de pronúncia e falta de fundamentação de facto;
c.2. Incorreu em erro de julgamento quanto a julgar não verificado o preenchimento dos pressupostos para adoção da medida cautelar, interpretando de forma inconstitucional o disposto no artigo 120.º, n.º 1 do CPTA.

3. Fundamentação de facto

3.1. Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos:

A) No dia 02-05-2022 foi apresentada pela sociedade O… Imobiliária, Ldª, uma reclamação sobre a existência de várias construções abarracadas, junto a um armazém situado na Avenida … (antiga E…), A…, Vila Real de Santo António - facto não controvertido (cfr. artigo 2.º do requerimento inicial e artigo 2.º da oposição);
B) Na sequência da referida reclamação, os serviços de fiscalização municipal deslocaram-se ao local, tendo verificado a “existência de duas construções precárias com estrutura em material ferroso, cobertura e laterais em chapas metálicas assim como a colocação de um gradeamento tipo janela sobre o muro divisório ambas coincidentes com o limite de propriedade da empresa reclamante O… Imobiliária Lda.” – cfr. documento n.º 1 junto com a oposição;
C) Por ofício datado de 19-10-2022, foi o Requerente notificado para “proceder à regularização de todas as edificações existentes, nomeadamente o armazém e arrecadações/construções precárias, através de um processo de demolição integral ou legalização ao abrigo do artigo 102°-A do RJUE em vigor”, tendo-lhe sido concedido um prazo máximo de 20 dias para se pronunciar – cfr. documento n.º 2 junto com a oposição;
D) Em 24-03-2023, foi proferido um despacho com ordem de demolição das construções referidas na alínea antecedente – cfr. documento n.º 3 junto com a oposição;
E) No seguimento dessa notificação, em 29-06-2023, o Autor, por intermédio da sua mandatária apresentou um requerimento, no qual invocou a nulidade do referido despacho – cfr. documento n.º 4 junto com a oposição;
F) Subsequentemente, foi emitido ofício n.º 2078, datado de 30-09-2024, sob o assunto “Requerimento de nulidade do despacho onde é ordenada a demolição Local: Avenida …”, dirigido ao ora Requerente, onde conta, designadamente o seguinte:
“Conforme despacho datado de 27/09/2024 do Sr. Vereador do Pelouro do Urbanismo, R…, no seguimento do requerimento de nulidade do despacho onde é ordenada a demolição e face ao teor da Apreciação Técnica datada de 26/09/2024-"VM" que abaixo se transcreve, serve o presente para notificar V.Ex. para proceder à regularização de todas as edificações existentes, nomeadamente o armazém e construções conexas, nomeadamente construções precárias/ arrecadações e muro (o qual coincide parcialmente com zona agrícola), através de processo de demolição integral ou legalização nos termos do art. 102º- A do DL nº 555/99 de 16 de dezembro, na sua atual redação, concedendo-se um prazo máximo de 20 dias (úteis) a contar da data de receção do presente oficio para pronúncia e audiência do interessado. Findo o prazo sem pronúncia ou reposição da legalidade urbanística, proceder-se-á automaticamente à instauração da queixa crime, conforme preceitua o art.º 100º do DI nº 555/99 de 16 de dezembro.
(…)
- cfr. documento n.º 4 junto com a oposição;
G) Em 31-10-2024, o Requerente pronunciou-se ao abrigo do direito de audiência prévia– cfr. documento n.º 5 junto com a oposição;
H) Por ofício datado de 18-02-2025, sob o assunto “Audiência de interessados, pedido de nulidade do auto de notícia. Local: Avenida …”, foi o Requerente notificado do seguinte:
“Conforme despacho datado de 18/02/2025 do Sr. Vereador do Pelouro do Urbanismo, R…, nos termos da Apreciação Técnica datada de 07/02/2025-"VM" que abaixo se transcreve, serve o presente para notificar V.Ex. para proceder à regularização de todas as edificações existentes, nomeadamente o armazém e construções conexas, nomeadamente construções precárias/ arrecadações e muro (o qual coincide parcialmente com zona agrícola), através de processo de demolição integral ou legalização nos termos do art.º 102º- A do DL nº 555/99 de 16 de dezembro, na sua atual redação, concedendo-se um prazo máximo de 15 dias (úteis) a contar da data de receção do presente oficio.
(…)”
- cfr. documento junto com o requerimento inicial.”


3.2. Consignou-se na sentença a respeito dos factos não provados,

“Inexistem factos não provados com relevância para a decisão.”


3.3. E em sede de motivação de facto consta da sentença,

“A matéria dada como provada resulta da análise dos documentos constantes dos presentes autos e bem assim das posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados, expressamente indicados em cada um dos pontos do probatório.”


4. Fundamentação de direito

4.1. Das nulidades processuais

Sustenta o Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em nulidade processual em virtude de não ter convocado e realizado audiência prévia, com vista à realização das finalidades previstas no artigo 87.º-A do CPTA, incluindo a discussão de facto e de direito, não se mostrando verificados os pressupostos de que dependeria a sua dispensa. Mais aduz que a sentença é omissa quanto à declaração dos factos provados e não provados e à sua motivação, indicando os meios de provas e realizando a sua apreciação crítica, o que, em seu entender, corresponde à omissão de formalidade legal com influência na causa, cometendo-se nulidade processual nos termos do artigo 195.º, n.º 1 do CPC.
Dispõe-se no artigo 195.º, n.º 1 do CPC que “[…] a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
Como se infere deste dispositivo a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, recordando-se que “[o] legislador em parte alguma esclarece quando é que se deve entender que a irregularidade cometida influiu no exame ou na decisão da causa, pelo que “só caso por caso a prudência e a ponderação dos juízes poderão resolver”– vide Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Volume III, Almedina, 1982, pág. 109” (Ac. do TCA Norte, P. 00545/08.4BEBRG, de 30 de novembro de 2011).
Cumpre dar nota que os presentes autos correspondem a uma providência cautelar, considerado um processo urgente [art.º 36.º, n.º 1 al. f) do CPTA], cuja tramitação se encontra especificamente regulada nos artigos 112.º e ss. do CPTA.
Ora, como emerge dos artigos 114.º e ss. do CPTA as providências cautelares são solicitadas por requerimento próprio, previamente, juntamente ou na pendência do processo principal. Após a distribuição do processo cautelar este é concluso ao juiz para despacho liminar, podendo haver lugar ao indeferimento liminar ou, sendo o requerimento admitido, será ordenada a citação da entidade requerida e dos contrainteressados (artigo 116.º, n.º 1 do CPTA).
Realizada a citação e juntas as oposições, dispõe-se no artigo 118.º do CPTA que “o processo é concluso ao juiz, podendo haver lugar a produção de prova, quando este a considere necessária” (n.º 1), podendo ainda o juiz ordenar as diligências de prova que considere necessárias (n.º 3) ou, mediante despacho fundamentado, recusar a utilização dos meios de prova requeridos (n.º 5).
Prescrevendo-se no artigo 119.º, n.º 1 do CPTA que, no prazo de 5 dias contado da apresentação da última oposição (ou do decurso do respetivo prazo) ou finda a produção de prova, quando esta tenha tido lugar, é proferida decisão (artigo 119.º do CPTA).
Como emerge dos normativos expostos, opostamente ao que sucede no âmbito das ações administrativas às quais é aplicável a marcha do processo prevista nos artigos 78.º a 91.º-A do CPTA, não se encontra prevista na tramitação das providências cautelares, a convocação e realização de audiência prévia ao abrigo do artigo 87.º-A do CPTA, designadamente com vista a facultar às partes a discussão de facto e de direito, a proferir despacho destinado a identificar o objeto do litígio e enunciar os temas de prova ou a programar a audiência final [n.º 1 als. b), f) e g)]. Nem tão pouco se mostra prevista a possibilidade de apresentação de alegações escritas, nos termos do artigo 91.º-A do CPTA quando sejam realizadas diligências de prova sem que haja lugar à realização de audiência final.
O que se compreende por a realização de tais trâmites se mostrar contrária à celeridade inerente à natureza urgente do processo e à tutela provisória a que a forma processual respeita.
Mostrando-se expressamente regulada a tramitação das providências cautelares não há lugar à aplicação, sequer subsidiariamente, do disposto nos artigos 87.º-A e 91.º-A do CPTA, pelo que a lei não prescreve, no âmbito das ações cautelares, como ato ou formalidade a convocação e realização de audiência prévia, nem tão pouco a notificação das partes para alegações escritas, cuja omissão fosse determinante de nulidade processual nos termos do art.º 195.º n.º 1 do CPC.
Daí que nenhuma razão assiste ao Recorrente quando pugna pela verificação de nulidade processual, nos termos do artigo 195.º, n.º 1 do CPC, a tal respeito.
E quanto à alegada preterição das formalidades respeitantes à fundamentação de facto previstas no artigo 607.º, n.º 4 do CPC, o erro do Recorrente consiste em subsumir o incumprimento do dever de fundamentação da decisão proferida em sede de matéria de facto – imposto pelo n.º 4 do art.º 607.º CPC – ao regime das nulidades secundárias.
Com efeito, é que o incumprimento do artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil (CPC), que estabelece a obrigação de a sentença discriminar os factos considerados provados e não provados, de analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos decisivos da decisão, na realidade, acarreta a nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º, n.º 1 al. b) do CPC, por estar em causa um vício da própria decisão, uma deficiência da estrutura da sentença, resultante da violação in casu das exigências do n.º 4 do artigo 607.º do CPC pelo juiz aquando da prolação da decisão.
Ocorrendo tal nulidade da sentença quando existe falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, todavia, os vícios da decisão não consubstanciam a omissão de ato ou formalidade que a lei prescreva determinante de nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame e decisão da causa.
O que importará aferir é se, como (também) alega o Recorrente, a sentença é nula nos termos do artigo 615.º, n.º 1 al. b) do CPC, questão que infra se abordará. Contudo, onde não lhe assiste razão é na sua subsunção ao regime das nulidades secundárias, motivo pelo qual, também, nesta dimensão não foi cometida qualquer nulidade processual (secundária).

4.2. Do erro de julgamento quanto ao despacho de indeferimento de produção de prova

O Recorrente imputa erro de julgamento ao despacho de 30.4.2025 que indeferiu a prova testemunhal por si requerida, aduzindo, em suma, que os factos carreados para os autos carecem de prova, não se encontrando os autos em condições de serem decididos sem a realização das diligências probatórias.
É inegável que o direito à prova é parte essencial do direito fundamental de acesso ao direito (artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa1), na vertente do direito a um processo equitativo, constituindo-se como peça fundamental para a realização efetiva do direito de ação judicial. Assim, “o direito fundamental à prova implica que as partes tenham liberdade para demonstrar quaisquer factos, mesmo que não possuam o respetivo ónus da prova, desde que entendam que a sua comprovação diminuirá os seus riscos processuais” (Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 23.5.2019, proferido no proc. 1345/18.9T8CHV-A.G1).
No entanto, como qualquer direito, o direito à prova não é um direito absoluto na sua essência, isto é, não é um direito ilimitado. De tal forma que pode comportar restrições, designadamente colocadas em função de interesses atinentes à lógica e à finalidade do processo.
Em conformidade, refira-se que, no âmbito das providências cautelares, dispõe-se nos n.ºs 1, 3 e 5 do art.º 118.º do CPTA que,
1 - Juntas as oposições ou decorrido o respetivo prazo, o processo é concluso ao juiz, podendo haver lugar a produção de prova, quando este a considere necessária.
3 - O juiz pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias, não sendo admissível a prova pericial.
5 - Mediante despacho fundamentado, o juiz pode recusar a utilização de meios de prova quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios.
Como resulta deste normativo, atenta a celeridade e eficiência que devem pautar o processo cautelar, a produção de prova – e, portanto, o direito a esta - só tem lugar quando o juiz a considere necessária, devendo ler-se o n.º 1 do art.º 118.º do CPTA em conjugação com os seus n.ºs 3 e 5.
O n.º 3 deste normativo concretiza o princípio do inquisitório “na dimensão de que o juiz não tem de satisfazer-se com as provas carreadas pelas partes, podendo ordenar oficiosamente a produção de outros meios de prova (cfr. artigo 367.º, n.º 1 do CPC) e promover diligências que não lhe tenham sido requeridas, mas que considere necessárias. (…) [C]abendo ao juiz determinar, em função do caso concreto, quais devem ser utlizadas para se obter o adequado esclarecimento das questões colocadas. Cumpre, em todo o caso, ter presente que este esclarecimento deve ser o estritamente necessário, atendendo ao caráter sumário da apreciação que, em sede cautelar, cumpre realizar, atenta a celeridade exigida na resolução do processo, devendo ser evitada a promoção oficiosa da produção de prova inútil ou, em todo o caso, excessiva.” (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª edição, Almedina, pp. 1009-1010).
Por sua vez, o n.º 5 do art.º 118.º do CPTA “explicita, entretanto, que, tal como em processo civil, o juiz não está limitado à possibilidade de ordenar a produção dos meios de prova requeridos pelas partes, mas pode, pelo contrário, recusar diligências que lhe tenham sido requeridas, quando “considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios” (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª edição, Almedina, pp. 1009-1010).
Cumprindo ao julgador, no âmbito das providências cautelares, ponderar se a produção de prova é ou não necessária para o apuramento da matéria de facto pertinente, há que ter em conta que, por um lado, a prova é sumária [art.º 114.º, n.º 2 al. g) do CPTA], feita com base perfunctória e indiciária, e, por outro, que incidindo a prova sobre factos concretos que permitam dar como verificados os requisitos de que depende o decretamento da providência, ela excluirá conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos.
Por outro lado, refira-se que o juiz está sempre limitado pela proibição de prática de atos inúteis prevista no art.º 130.º do CPC.
Para o efeito importa considerar que as condições de procedência das providências cautelares definidas no art.º 120.º, n.º 1 e n.º 2 do CPTA – (i) periculum in mora, (ii) fumus boni iuris e (iii) ponderação de interesses - são de verificação cumulativa, em termos tais que basta a não verificação de qualquer delas para que a providência seja julgada improcedente. E daqui resulta que na hipótese de se verificar, considerando as soluções plausíveis de direito, que a alegação das partes não é apta à demonstração do preenchimento de um dos requisitos, mostra-se desnecessária, consubstanciando um ato inútil e por isso proibido por lei, a realização de diligências de prova que se destinem (apenas) à demonstração dos restantes requisitos.
Ora, entende-se que o periculum in mora se encontra preenchido sempre que exista fundado receio que, quando o processo principal termine e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal às situações jurídicas e pretensão objeto de litígio, ou seja, quando se verifique que a não adoção da providência cautelar determinará uma situação de impossibilidade total de reintegração da situação jurídica conforme ao Direito. Verificar-se-á, ainda, preenchido tal pressuposto quando os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de “prejuízos de difícil reparação” no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspetiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente.
Reitera-se que, como emerge do art.º 114.º, n.º 3 al. g) do CPTA, cabe ao requerente da providência cautelar o ónus de alegação dos factos concretos que demonstrem o preenchimento dos requisitos de que depende a procedência da pretensão cautelar, devendo deles fazer prova sumária.
Isto posto, importa, desde logo, dar conta que o Recorrente não invoca, para o efeito de consubstanciar o erro de julgamento, qualquer factualidade, por si alegada, que, com vista à decisão da causa e à luz das soluções plausíveis de direito, fosse objeto de prova. Isto é, desconhece-se, porque o Recorrente em momento algum concretiza, quais seriam “os factos carreados para os autos” (conclusão 5) sobre os quais se impunha a produção da prova testemunhal por si arrolada.
Sem prejuízo, analisado o requerimento inicial constata-se que, com relevância ao periculum in mora, o Requerente limita-se a sustentar que o ato afetaria o seu direito de propriedade, tendo um fundado receio que o Requerido proceda à demolição da estrutura e/ou que dela tome posse administrativa o que “causará um enorme prejuízo” e “de difícil reparação” (pontos 33 a 35).
Ora, o assim alegado é meramente conclusivo. E os juízos conclusivos que formula de que as alegadas tomada de posse e demolição da estrutura lhe causarão prejuízos de difícil reparação, realizado que seja o juízo de prognose inerente à verificação do preenchimento do requisito do periculum in mora, não se encontram sustentados em qualquer facto concreto que por si tenha sido alegado. Estaria em causa, designadamente, a alegação da factualidade que denunciasse, por um lado, os concretos efeitos do ato suspendendo e, por outro, a valia da estrutura em causa e a sua relevância para a esfera (pessoal ou profissional) do Recorrente e que possibilitasse, demonstrada tal factualidade, asseverar que, como alega, haveria lugar à perda da sua posse ou demolição e destas lhe resultariam danos e a dimensão destes.
Importa, é certo, considerar que os atos que determinam a demolição detêm aptidão para, em abstrato, configurar “uma situação de facto consumado, na perspectiva de que, ocorrida antes da decisão da acção principal de impugnação do acto administrativo que a determina, torna a sentença de procedência materialmente inútil” (vd. neste sentido, o Ac. deste TCA Sul de 7.6.2023, proferido no processo 132/23.7BELLE). De tal forma que, ainda que à míngua de consubstanciação dos factos que permitissem sustentar os alegados prejuízos de difícil reparação, estando em causa um ato determinante da demolição, seria de ponderar se o requisito do periculum in mora se mostraria (em abstrato) preenchido na dimensão do facto consumado. A exigir, portanto, a averiguação da necessidade de produção de prova agora sobre os factos (que tenham sido alegados) referentes ao fumus boni iuris.
Sucede que na apreciação da necessidade de produção de prova o juiz não pode deixar de considerar aquele que é, efetivamente, o conteúdo do ato suspendendo.
Ora, o ato suspendendo, datado de 18.2.2025 do Vereador do Pelouro do Urbanismo, que foi notificado pelo oficio referido no ponto H) dos factos provados, determina ao Recorrente que proceda “à regularização de todas as edificações existentes, nomeadamente o armazém e construções conexas, nomeadamente construções precárias/ arrecadações e muro (o qual coincide parcialmente com zona agrícola), através de processo de demolição integral ou legalização nos termos do art.º 102º- A do DL nº 555/99 de 16 de dezembro, na sua atual redação, concedendo-se um prazo máximo de 15 dias (úteis) a contar da data de receção do presente oficio”.
Ou seja, este ato não tem como efeito determinar nem a posse administrativa (artigo 107.º do RJUE), nem (pelo menos, não necessariamente) impor a demolição (artigo 106.º do RJUE), apenas, tendo sido proferido nos termos do artigo 102.º-A do RJUE, o de ordenar ao Recorrente a legalização das operações urbanísticas, o que apenas passará pela demolição (voluntária) caso a legalização não seja possível por outra via (designadamente, pela realização de obras de correção). Só na hipótese de o Recorrente, voluntariamente, não proceder à legalização das operações urbanísticas realizadas é que, verificados que sejam os pressupostos legais, poderá ser determinada coercivamente a tomada de posse e a demolição.
Ou seja, o ato suspendendo não tem – e o Recorrente nada alega ou demonstra de onde emirja o contrário - necessariamente como efeito a alegada demolição, o que significa, portanto, a inexistência de probabilidade de consumação de uma situação fáctica irreversível relevante ao requisito do periculum in mora, que impusesse agora a necessidade de produção de prova sobre os factos alegados relativos ao fumus boni iuris para o efeito de julgar errónea a decisão de dispensa de prova.
Daí que, em face da ausência de consubstanciação fáctica pelo Recorrente dos factos que possibilitariam demonstrar o preenchimento do requisito do periculum in mora – nas suas dimensões de facto consumado ou produção de prejuízos de difícil reparação -, e não se estando perante uma situação em que a sua verificação é, per si e em abstrato, concebível -, ainda que tenham sido alegados factos concretos relevantes ao fumus boni iuris e estes, sendo controvertidos, carecessem de prova, por estarem em causa no n.º 1 do artigo 120.º do CPTA requisitos de verificação cumulativa, a realização da prova testemunhal sobre os mesmos representaria um ato inútil proibido por lei (artigo 130.º do CPC).
Neste sentido, tal como entendeu o Tribunal a quo a realização da prova testemunhal arrolada pelo Recorrente mostrava-se desnecessária nos termos do artigo 118.º, n.º 1 e 5 do CPTA, sem que o Recorrente tenha logrado infirmar tal juízo.
Refira-se, ainda, a este propósito – e em face do carácter dúbio das conclusões 9. e 10. – que, consequentemente, a circunstância de nos autos não ter havido lugar à produção da prova requerida pelo Recorrente não consubstancia nulidade processual nos termos do artigo 195.º, n.º 1 do CPC por preterição de formalidade que a lei impusesse.
É que, como vimos, nos termos do artigo 118.º n.º 1 do CPTA, apenas estaríamos perante a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreva na hipótese de as diligências de prova se mostrarem necessárias, o que in casu não sucede. Donde, não tendo sido cometida qualquer irregularidade, não há que ponderar os seus efeitos sobre o exame ou decisão da causa, para o efeito de fulminar a omissão como nulidade.
Assim, impõe-se concluir que não se verifica o apontado erro de julgamento de direito imputado ao despacho de 30.4.2025 que rejeitou a produção de prova testemunhal requerida pelo Recorrente, nem tão pouco foi cometida a tal propósito qualquer nulidade processual (secundária).

4.3 Das nulidades da sentença

O Recorrente imputa nulidade à sentença, sustentando, em suma, que dela não consta qualquer referência ou menção à fundamentação da matéria de facto, limitando-se a enumerar os factos provados e os não provados, sem esclarecer as razões determinantes da decisão, especificando os meios de prova que suportaram a formação da sua convicção. Convoca o disposto nas als. b) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, por considerar que o tribunal deixou de decidir a questão da fundamentação da matéria de facto e que não fundamentou de facto a decisão.
Sem razão, porém.
As nulidades da sentença são vícios da própria decisão, deficiências da estrutura da sentença e encontram-se previstas no artigo 615.º, n.º 1 do CPC, no qual se prescreve que é nula a sentença se, além do mais, não especificar os fundamentos, de facto e de direito, que justificam a decisão [al. b)] e quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões que não devia conhecer” [al. d)].
O art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, sanciona o incumprimento do disposto no artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPTA, em termos similares ao artigo 607.º, n.º 2 e 3 do CPC, aplicáveis à decisão a proferir no âmbito das providências cautelares.
Refira-se que de tais normativos emerge que na elaboração da sentença, e após a identificação das partes e do objeto do litígio, deve o juiz deduzir a fundamentação do julgado, expondo os fundamentos de facto e de direito, ou seja, “discriminando os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas, e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes”.
Como se deu nota no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 2.11.2017, proferido no processo 42/14.9TBMDB.G1, consultável em www.dgsi.pt, “não basta que o juiz decida a questão posta; é indispensável, do ponto de vista do convencimento das partes, do exercício fundado do seu direito ao recurso sobre a mesma decisão (de facto e de direito) e do ponto de vista do tribunal superior a quem compete a reapreciação da decisão proferida e do seu mérito, conhecerem-se das razões de facto e de direito que apoiam o veredicto do juiz.
Neste sentido, a fundamentação da decisão deve ser expressa, clara, suficiente e congruente, permitindo, por um lado, que o destinatário perceba as razões de facto e de direito que lhe subjazem, em função de critérios lógicos, objetivos e racionais, proscrevendo, pois, a resolução arbitrária ou caprichosa, e por outro, que seja possível o seu controle pelos Tribunais que a têm de apreciar, em função do recurso interposto.”
A respeito da nulidade tipificada no art.º 615.º, n.º 1 al. b) do CPC tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência que só a falta absoluta de fundamentação que torne de todo incompreensível a decisão é que releva para efeitos da sobredita nulidade, não abrangendo as eventuais deficiências dessa fundamentação.
Por sua vez, a nulidade da sentença a que se refere a al. d) do artigo 615.º, n.º 1 do CPC verifica-se quando ocorre o incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito nos artigos 95.º, n.ºs 1 e 3 do CPTA e 608, n.º 2 do CPC, e que se traduz em decidir todas as questões submetidas à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.
Esclarece-se que, como é jurisprudência pacífica, a causa de pedir, ou melhor, as questões a decidir, não se confundem com as razões ou argumentos de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. Pelo que apenas integra a nulidade prevista no citado normativo, a omissão de conhecimento das “questões”, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.
Ora, como é bom de ver a alegação do Recorrente não se reconduz à nulidade da sentença por omissão de pronúncia, porquanto não está em causa o Tribunal a quo ter deixado de conhecer uma questão que por si tenha sido suscitada, designadamente no âmbito do requerimento inicial.
Na realidade o que o Recorrente invoca consubstancia a omissão da fundamentação da matéria de facto que seria exigível, seja ao nível do elenco dos factos provados e não provados, seja da explanação da motivação que subjaz à decisão que tomou a tal respeito, para que pudesse apreciar, aí sim, as questões que pelo Requerente foram colocadas ao conhecimento do juiz, concretamente o preenchimento das condições necessárias ao provimento da pretensão cautelar que deduziu.
A fundamentação de facto não constitui, para os efeitos de a sua inexistência consubstanciar omissão de pronúncia determinante da nulidade da sentença ao abrigo da al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, uma questão a decidir, antes correspondendo aos pressupostos/requisitos de que depende a decisão e, concretamente, a sua fundamentação ao nível do acervo fáctico necessário à sua prolação.
Não se verificando a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, a decisão recorrida também não padece da falta de fundamentação que o Recorrente lhe imputa.
Efetivamente, opostamente ao alegado, esta consta do ponto III – Fundamentação de facto da sentença. Aí se elencam os factos provados (ponto III.1) e, por inexistirem factos não provados com relevo à decisão disso se dá conta em III.3.
Refira-se que a circunstância de poderem existir outros factos que, no entender do Recorrente, tendo sido alegados, mostrando-se controvertidos e sendo necessários à decisão, não constarem do elenco factual constante da sentença, não determina a nulidade desta ao abrigo da al. b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, antes corresponderia, a verificar-se, ao erro de julgamento de facto. De igual modo a circunstância de os factos dados como provados terem, na realidade, sido impugnados e não se encontrarem admitidos por acordo, traduziria um erro de julgamento e não um vício da fundamentação como alega o Recorrente (conclusão 13). Sendo certo que o Recorrente em momento algum impugna a matéria de facto, cumprindo com os ónus que sobre si recairiam nos termos do artigo 640.º, n.º 1 do CPC, para o efeito de haver lugar à sua apreciação.
Acrescente-se que, de igual modo, da decisão consta a motivação da matéria de facto provada que o Tribunal a quo considerou essencial à tomada de decisão, apenas não constando tal motivação quanto aos factos não provados, exatamente porque o Tribunal considerou que os mesmos inexistiam.
Com efeito, é que sendo a prova que esteve subjacente à demonstração dos factos B) a H) de natureza documental, em cada um desses pontos do probatório o Tribunal indicou o correspondente documento – e disso deu conta em III.2.
E no facto H) referiu estar em causa um facto não controvertido face “às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados”, concretamente nos artigos 2.º do requerimento inicial e da oposição. Ou seja, considerou o facto provado por acordo nos termos do artigo 574.º, n.º 2 do CPC.
Tal fundamentação, embora sucinta, é suficiente para que se compreendam as razões pelas quais o Tribunal a quo considerou os factos em causa provados, não se exigindo que o tribunal motive a razão pela qual não considerou necessários à decisão da causa outros factos para além daqueles.
Ora, a falta de fundamentação de facto apenas ocorre quando, na sentença, se omite ou é, de todo, inintelegível o quadro factual em que era suposto assentar, o que in casu é patente não suceder.
Face ao exposto, ter-se-á que considerar que a sentença não padece das nulidades que lhe são apontadas.

4.4. Do erro de julgamento

A sentença recorrida julgou improcedente a pretensão cautelar deduzida pelo Recorrente de suspensão de eficácia do despacho, datado de 18.2.2025 do Vereador do Pelouro do Urbanismo que, notificado pelo oficio referido no ponto H) dos factos provados, lhe determinou que proceda “à regularização de todas as edificações existentes, nomeadamente o armazém e construções conexas, nomeadamente construções precárias/ arrecadações e muro (o qual coincide parcialmente com zona agrícola), através de processo de demolição integral ou legalização nos termos do art.º 102º- A do DL nº 555/99 de 16 de dezembro, na sua atual redação, concedendo-se um prazo máximo de 15 dias (úteis) a contar da data de receção do presente oficio”, por julgar não verificado o requisito do periculum in mora. Fundamentou nos seguintes moldes,
“Sucede que o ato de 18-02-2025, cuja suspensão de eficácia o Requerente visa alcançar, determina ao Requerente que proceda à regularização de todas as edificações existentes, através de processo de demolição integral ou legalização nos termos do art.º 102º-A do RJUE, tendo-lhe sido concedido um prazo de 15 dias úteis para o efeito.
Verifica-se, pois, que, através do referido ato, é concedida ao Requerente a oportunidade para proceder à legalização das operações urbanísticas em causa, não sendo iminente a demolição das construções.
Ora, a situação de perigo que releva, para efeitos do preenchimento do requisito do periculum in mora de que depende o decretamento da tutela cautelar, deverá ser atual e iminente.
E o Requerente não alegou qualquer facto que indicie a iminência da lesão.
Face ao que antecede, não decorrendo da alegação do Requerente a existência de factos que configurem a existência de lesão grave e dificilmente reparável, não pode a providência requerida ser decretada.”
O Recorrente insurge-se contra o decidido sustentando estarem verificados os pressupostos para o decretamento da providência cautelar por ser titular de um direito de propriedade que carece de ser acautelado, sendo provável a procedência da ação principal, e que tem um fundado receio de que a decisão da Entidade Requerida possa causar uma lesão grave e sem possibilidade de reparação.
Aduz ainda que o Tribunal teria interpretado de forma inconstitucional o artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, violando os artigos 266.º e 268.º da CRP, o principio da legalidade (artigo 103.º, n.º 2 da CRP), o direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável (artigo 20.º, n.º 4 da CRP), e os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança e legitimas expetativas dos administrados, porquanto “julgou que o requisito do fumus boni iuris não está preenchido, pois que do alegado não existem factos que configurem a existência de lesão grave e dificilmente reparável” e que “sem ter sido produzida qualquer prova o tribunal a quo não está em condições de considerar se se revela provável ou não que a ação venha a ser julgada procedente”.
Importa dar conta que do art.º 120.º do CPTA, que enuncia os critérios de que a lei faz depender a possibilidade de concessão de providências cautelares, decorre que são pressupostos, de preenchimento cumulativo, para a adoção de medida cautelar (i) a verificação de fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora), (ii) a probabilidade de que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente (fumus boni iuris) e (iii) caso se verifiquem estes dois requisitos, o tribunal terá ainda de proceder ao juízo relativo à ponderação dos interesses públicos e privados em presença, que poderá determinar a recusa da providência quando, num juízo de proporcionalidade, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.
Da circunstância de as condições de procedência das providências cautelares definidas no art.º 120.º, n.º 1 e n.º 2 do CPTA serem de verificação cumulativa, resulta que basta a não verificação de qualquer delas para que a providência seja julgada improcedente, a significar que fica prejudicada a apreciação dos demais requisitos (cf. art. 608.º, n.º 2 do CPC).
No caso dos autos foi o que sucedeu. Isto é, o Tribunal a quo considerou não se mostrar preenchido o requisito do periculum in mora, por entender inexistir uma situação de perigo atual e iminente e por considerar não terem sido alegados factos suscetíveis de consubstanciar a verificação de fundado receio de produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que visam assegurar no processo principal. Daí que, por reputar prejudicada a apreciação dos demais pressupostos, e opostamente ao que vem alegado pelo Recorrente, não conheceu do fumus boni iuris nos termos que resultam da segunda parte do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA (e, igualmente, não procedeu à ponderação de interesses a que se reporta o n.º 2 do artigo 120.º do CPTA).
Assim, o que há que apurar, em primeiro lugar, é se, quanto ao juízo realizado a respeito do não preenchimento do requisito do periculum in mora, o Tribunal a quo errou. E, só em caso afirmativo, mostrados preenchidos os requisitos para o conhecimento em substituição (artigo 149.º, n.º 2 do CPTA), haveria que apreciar o preenchimento dos demais requisitos, incluindo se, como alega o Recorrente, se mostra provável a procedência da ação principal (fumus boni iuris).
Como deu nota o Tribunal a quo, o periculum in mora mostra-se consagrado no artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, enquanto critério de cuja verificação depende a adoção de medidas cautelares, quando aí se fala da existência de um “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação”.
Entende-se que o requisito do periculum in mora se encontra preenchido sempre que exista fundado receio que, quando o processo principal termine e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal às situações jurídicas e pretensão objeto de litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.
Tem-se considerado que se está perante uma situação de facto consumado sempre que da não adoção da providência cautelar ocorra uma situação de impossibilidade total de reintegração da situação jurídica conforme ao Direito. Assim, haverá uma situação de facto consumado quando, na pendência de qualquer ação principal, a situação de facto se altere de modo a que a decisão que nela venha a ser proferida, sendo favorável ao requerente, perca toda a sua eficácia (Ac. do TCA Norte de 5.4.2024, proferido no processo 00419/23.9BEPRT).
A providência também deve ser concedida quando os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de “prejuízos de difícil reparação” no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspetiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente.
Refira-se que para aferir da verificação do requisito do periculum in mora, o juiz “deve fazer um juízo de prognose colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há ou não razão para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica. Neste juízo, o fundado receio há-de corresponder a uma prova, em princípio a cargo do Requerente, de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar ‘compreensível ou justificada’ a cautela que é solicitada. Como decorre da universalidade das providências admitidas, tanto releva actualmente o periculum in mora de infrutuosidade, que exigirá, em regra, uma providência conservatória, de modo a manter a situação existente, como o periculum in mora de retardamento, que postulará a adopção de uma providência antecipatória, que antecipe parcial ou mesmo totalmente, ainda que sempre em termos provisórios, a solução pretendida ou regule interinamente a situação” [Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 14ª edição, Coimbra, Almedina, 2015, p. 293].
Determina a lei que o receio deve ser fundado, ou seja, “apoiado em factos que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo”, não bastando “simples dúvidas, conjecturas ou receios meramente subjectivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade, embora, de acordo com as circunstâncias, nada obste a que a providência seja decretada quando se esteja face a simples ameaças advindas do requerido, ainda não materializadas, mas que permitam razoavelmente supor a sua evolução para efetivas lesões” (Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, Volume III, Almedina, 2ª edição, pág. 87).
O periculum in mora “pressupõe, assim, um juízo qualificado ou um temor racional, isto é, deve assentar em factos concretos e consistentes que permitam afirmar, com objetividade e distanciamento, a seriedade e a atualidade da ameaça, bem como a necessidade de serem adotadas medidas urgentes, que permitam evitar o prejuízo. O mesmo é dizer que só a presença de um prejuízo atual, concreto e real, reconhecido como efetivamente grave, iminente e irreparável, resultante da demora da sentença definitiva de mérito, pode justificar o acolhimento do pedido apresentado pela via da urgência. Exige-se, no fundo, um juízo de probabilidade “forte e convincente”, a ser valorado pelo julgador segundo um critério objetivo”, de tal forma que uma providência cautelar “será injustificada se o periculum in mora nela invocado se fundar num juízo hipotético, genérico, abstrato, futuro ou incerto, ou num receio subjetivo, sustentado em meras conjeturas” (Marco Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares, 2015, Almedina, pp. 206-213).
Feito este enquadramento bem se vê que a sentença não incorreu em qualquer erro no julgamento que faz quanto à não verificação do periculum in mora.
Com efeito, como já abordamos no ponto 4.2 do presente Acórdão, no requerimento inicial o Recorrente limitou-se a sustentar que o ato suspendendo afetaria o seu direito de propriedade, tendo um fundado receio que o Requerido proceda à demolição da estrutura e/ou que dela tome posse administrativa o que “causará um enorme prejuízo” e “de difícil reparação” (pontos 33 a 35). E neste recurso, de forma manifestamente conclusiva, limita-se a afirmar que tem um fundado receio de que a decisão da Entidade Requerida possa causar uma lesão grave e sem possibilidade de reparação.
Sucede que, tal como corretamente analisou a sentença, o que se constata é que o que o ato suspendendo, datado de 18.2.2025 do Vereador do Pelouro do Urbanismo, determina é que o Recorrente proceda “à regularização de todas as edificações existentes, nomeadamente o armazém e construções conexas, nomeadamente construções precárias/ arrecadações e muro (o qual coincide parcialmente com zona agrícola), através de processo de demolição integral ou legalização nos termos do art.º 102º- A do DL nº 555/99 de 16 de dezembro, na sua atual redação, concedendo-se um prazo máximo de 15 dias (úteis) a contar da data de receção do presente oficio”.
Ou seja, impõe-lhe que, ao abrigo do artigo 102.º-A do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, proceda à reposição da legalidade urbanística, a qual poderá passar pela obtenção do título urbanístico, pela realização de obras de alteração ou correção e, apenas em ultima ratio – quando não seja possível a regularização do edificado -, pela demolição. Demolição essa que apenas ocorrerá coercivamente, em caso de incumprimento voluntário pelo Recorrente da obrigação de legalização do edificado.
Ou seja, este ato não tem como efeitos, como parece entender o Recorrente, determinar nem a posse administrativa (artigo 107.º do RJUE), nem impor a demolição coerciva (artigo 106.º do RJUE).
E o que sucede é que o que o Recorrente não alegou, nem demonstrou, é que a regularização da operação urbanística que lhe foi imposta apenas possa ser realizada por via da demolição, ainda que voluntária, ou da execução de obras de alteração/correção que, de alguma forma, pudessem determinar uma alteração da situação fáctica em termos irreversíveis.
Isto é, não existem elementos nos autos, nem o Recorrente os alegou ou demonstrou que permitam ao Tribunal concluir, realizado um juízo de prognose, que, na hipótese de não haver lugar à suspensão de eficácia do despacho em causa, se constituirá uma situação de facto consumado, designadamente porque terá que inevitavelmente proceder à demolição do edificado ou à realização de obras de alteração/correção que não possam, aquando do trânsito em julgado da decisão a proferir no processo principal que lhe viesse a ser favorável, ser revertidas.
E este juízo vale também para a produção de prejuízos de difícil reparação.
Com efeito, é que, como dissemos, desconhece-se em que termos operará a obrigação de legalização imposta pelo ato suspendendo, para o efeito de se assumir, como faz o Recorrente, que este impõe a demolição do edificado – sendo esta coerciva, implicando a tomada de posse - ou, no mínimo, obras de correção/alteração. E, como tal, também não é possível concluir que o ato suspendendo venha sequer a causar-lhe qualquer prejuízo.
Note-se que não basta alegar que o ato afeta o seu direito de propriedade, antes se exigindo a concretização de factualidade que evidencie que da sua execução resultarão danos de difícil reparação ou uma situação de facto consumado. O que o Recorrente nunca fez.
De facto, não se sabe de todo qual é a valia do edificado – designadamente em termos da sua utilização pelo Recorrente e valor monetário -, para o efeito de se poder aferir que, havendo lugar à sua demolição ou à realização de obras de alteração/correção, se constituiriam na esfera do Recorrente danos dificilmente reparáveis.
Acrescente-se que a própria alegação do Recorrente no requerimento inicial quanto às caraterísticas da estrutura em causa – “construção precária”, amovível, sem carácter de permanência, sem ligações ao solo, nem esgotos, água e eletricidade, que não consubstancia edificação –, são de molde a evidenciar precisamente o contrário da posição assumida por este a respeito do periculum in mora, qual seja a de que havendo lugar à demolição ou à realização de obras de alteração/correção se consubstanciaria uma situação de facto consumado ou prejuízos de difícil reparação. É que se a estrutura em causa é precária e amovível, então nada obsta a que a mesma seja retirada ou até desmontada durante a pendência da ação principal, sendo possível a sua rápida e fácil reconstituição caso o Recorrente venha a ter sucesso na sua pretensão. Portanto, sem que a execução do ato suspendendo seja apta a constituir uma situação de facto incompatível com a sentença ou a produzir prejuízos de difícil reparação.
Em face do exposto, há que corroborar o juízo do Tribunal a quo quanto ao não preenchimento do requisito do periculum in mora e, consequentemente, dado o caráter cumulativo dos requisitos de adoção de providência cautelar tipificados no artigo 120.º, n.º 1 e 2 do CPTA, mostra-se desnecessário apreciar, em substituição, a verificação dos requisitos do fumus boni iuris e da ponderação de interesses.
Refira-se que a tal respeito não incorreu o Tribunal a quo em qualquer interpretação inconstitucional do artigo 120.º, n.º 1 do CPTA que, note-se, mais uma vez o Recorrente afirma de forma não consubstanciada.
Com efeito, limitou-se o Tribunal a interpretar e aplicar tal normativo em consonância com o que do mesmo emerge, em adequação, portanto, ao princípio da legalidade. Sendo que o que o Recorrente parece esquecer é que sobre si recaía o ónus de alegação (artigo 5.º, n.º 1 do CPC) – e, subsequentemente, de prova (artigo 342.º, n.º 1 do CC) - dos factos que se revelavam necessários à demonstração do preenchimento não de um, mas sim de todos os pressupostos que a lei estabeleceu com vista à procedência das providências cautelares. Ónus esse que, não tendo cumprido, votaram a sua pretensão ao insucesso.
À míngua de alegação da factualidade necessária ao preenchimento de um dos requisitos, naturalmente estava, como resultou do ponto 4.2. deste Acórdão, o Tribunal dotado das condições necessárias a julgar a causa. Não havendo que produzir, por inútil, prova sobre os factos respeitantes aos demais requisitos, incluindo sobre a probabilidade de procedência da ação principal (fumus boni iuris).
E não se vislumbra, nem o Recorrente verdadeiramente o sustenta de forma consubstanciada, em que medida a interpretação do artigo 120.º, n.º 1 do CPTA realizada pelo tribunal a quo contenda com os princípios de atuação da Administração Pública ou os direitos e garantias dos administrados ou sequer com o direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável (artigo 20.º, n.º 4 da CRP), quando não está em causa nos autos a necessidade de assegurar que o processo seja resolvido em tempo útil.
Importa recordar o Recorrente que o direito à tutela jurisdicional efetiva garante o acesso à justiça e a obtenção de uma decisão justa e tempestiva, mas não assegura a procedência de todas as pretensões, nem impede a aplicação das regras processuais e substantivas.
Cumpre, assim, negar provimento ao recurso e manter integralmente a sentença recorrida.

4.5. Das custas

Vencido, é o Recorrente condenado nas custas (cfr. artigo 527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil ex vi artigo 1.º do CPTA, artigos 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2 do CPTA).


5. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes desembargadores deste Tribunal Central Administrativo Sul, em,
a. Negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida;
b. Condenar o Recorrente nas custas.

Mara de Magalhães Silveira
Sara Diegas Loureiro (em turno)
Teresa Costa Alemão (em turno)