Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1471/10.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/16/2025
Relator:VITAL LOPES
Descritores:TRIBUTAÇÃO DO PATRIMÓNIO IMOBILIÁRIO
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
REGIME TRANSITÓRIO DOS IMÓVEIS ARRENDADOS
Sumário:i) Estabelece o n.º 2 do art.º 17.º do D.L. n.º 287/2003, de 12 de Novembro, na redacção da Lei 6/2006 que «Quando se proceder à avaliação de prédio arrendado, o IMI incidirá sobre o valor patrimonial tributário apurado nos termos do artigo 38.º do CIMI, ou, caso haja lugar a aumento da renda de forma faseada, nos termos do artigo 38.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, que aprova o Novo Regime do Arrendamento Urbano, sobre a parte desse valor correspondente a uma percentagem igual à da renda actualizada prevista nos artigos 39.º, 40.º, 41.º e 53.º da referida lei sobre o montante máximo da nova renda.

ii) Trata-se de disposição transitória, cuja excepção ao regime geral de avaliação na determinação do valor patrimonial tributável prevista na 2.ª parte, também se aplica a novos proprietários, que tenham adquirido já na vigência do CIMI, as fracções arrendadas sujeitas ao regime de renda faseada.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

A Autoridade Tributária e Aduaneira, recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade “I…., S.A.”, contra o ato de liquidação de IMI nº ………….003, referente ao ano de 2009, no montante global de €13.788,14 e respeitante às frações C, I e U do artigo matricial n.° …… da freguesia de …… …, concelho de Lisboa e à fração AL do artigo matricial n° .da freguesia de ….., concelho de Lisboa.

Com o requerimento de recurso, a Recorrente juntou alegações, que termina com as seguintes: «
3-CONCLUSÕES

A) visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial interposta pela sociedade …… Z, S.A., com o NIPC ………..deduzida contra o ato de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) n.°…………..003, relativa ao ano de 2009.

B) O Tribunal a quo decidiu que “(...) a liquidação impugnada padece de vício de violação de lei, pelo que deve ser anulada, procedendo os fundamentos vertidos pela impugnante (…)”

C) A douta Sentença a quo concluiu que “(...) Demonstrado nos autos que as frações em causa foram objeto de primeira avaliação, nos termos do art.° 38.° CIMI em 2006 e que para as mesmas existiam referidos processos de aumento das respetivas rendas na modalidade faseada acima referida, a liquidação de IMI, relativa ao ano de 2009, deveria ter observado o disposto na lei, nomeadamente ter incidido apenas sobre a parte do valor correspondente a uma percentagem igual à da renda atualizada prevista nos artigos 39.°, 40.° e 53.° da referida lei sobre o montante máximo da nova renda, tendo em conta o lapso temporal de faseamento aplicado a cada uma (...)”.

D) Porém, não pode a Representação da Fazenda Pública, com o devido respeito, conformar-se com a douta Sentença, aqui recorrida, face ao entendimento de que a mesma procede a um desacertado julgamento da matéria de facto, incorrendo em consequente erro de julgamento de direito, pois a situação em análise não tem enquadramento na previsão do n.° 2 do artigo 17.° do Decreto-Lei n.° 287/2003, de 12 de novembro [Decreto-Lei que procedeu à reforma da tributação do património], na redação que lhe foi conferida pela Lei n.° 6/2006 que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU).

E) Constitui objeto imediato das presentes alegações o reconhecimento no caso em apreço do faseamento da atualização das rendas das frações autónomas identificadas, em conformidade com o estabelecido na parte final do n.°2 do artigo 17.° do CIMI, na redação dada pelo n.° 2 do artigo 6.° do NRAU, e que considerou como valor tributário para efeitos de apuramento do IMI, o que resultou da nova renda obtida através do procedimento de atualização desencadeado através do mecanismo previsto no NRAU e não o valor matricial que resultou da avaliação efetuada de acordo com as regras do CIMI.

F) E porque relevante se invoca a posição assumida pelo ilustre Magistrado do Mistério Público, proferido no âmbito dos presentes autos, que se pronuncia pela improcedência da impugnação, referindo em síntese o seguinte:
“(...) que a situação em apreço não tem enquadramento na previsão no n.° 2 do artigo 17.° do DL 287/2003 na redação que lhe foi dada pela Lei n.° 6/2006 que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), alterou a redação do citado art.° 12, n.° 2, e tendo o valor apurado de IMI constate das liquidações sindicadas com base tributável o valor que resultou s avaliação efetuada nos termos do art.° 38.° do CIMI (...)”.

G) Conforme resulta dos autos, a Fazenda Pública veio assumir como fundamentos da sua Contestação, os invocados na informação elaborada pela Divisão de Justiça Contenciosa da Direção de Finanças de Lisboa.

H) O valor tributável dos prédios é segundo o artigo 7.° do CIMI, o seu valor patrimonial tributário determinado nos termos, ou seja, de harmonia com a fórmula de avaliação enunciada no seu artigo 38.° do CIMI.

I) O efeito de estabilização do valor patrimonial tributário na ordem jurídica não significa a sua imutabilidade ou cristalização definitiva.

J) Por forma a permitir a adaptação do valor tributário às múltiplas vicissitudes que nele podem influir, o CIMI contempla a possibilidade de o valor patrimonial tributário resultante de avaliação direta ser objeto de alteração com fundamento na sua desatualização decorridos três anos sobre a data de encerramento da matriz em que tenha sido inscrito o resultado daquela avaliação (ver artigo 130.°, n.° 3, alínea a) e n.° 4 do CIMI).

K) Ora, o regime anteriormente descrito, também é aplicável a prédios urbano arrendados no caso de primeira transmissão após a entrada em vigor do Código do IMI.

L) Não obstante, o diploma que aprovou o CIMI institui um regime especial transitório para os prédios urbanos arrendados, estatuindo o n.° 2 do seu artigo 17.°, que:
“(...) Quando se proceder à avaliação de prédio arrendado, o IMI incidirá sobre o valor patrimonial tributário apurado nos termos do artigo 38.° do CIMI, ou, caso haja lugar a aumento da renda de forma faseada, nos termos do artigo 38.° da Lei n.° 6/2006, de 27 de fevereiro, que aprova o Novo Regime do Arrendamento Urbano, sobre a parte desse valor correspondente a uma percentagem igual à da renda atualizada prevista nos artigos 39.°, 40.°, 41.° e 53.° da referida lei sobre o montante máximo da nova renda”.

M) O processo de atualização das rendas previstos no NRAU consta dos artigos 30.° e seguintes da Lei n.° 6/2006, de 27 de fevereiro, e encontra-se regulamentado na Portaria n.° 1192- A/2006, de 3 de novembro, que aprova um modelo único simplificado congregador de todos os pedidos e comunicações legalmente previstas, incluindo a solicitação da avaliação fiscal do locado nos termos do CIMI.

N) Este regime especial aplica-se independentemente de ter ocorrido a (primeira) transmissão do prédio urbano arrendado, sendo, no entanto, requisito dessa aplicação que seja iniciado ou esteja em curso um procedimento de avaliação de prédio arrendado ao abrigo do CIMI.

O) Com efeito, a locução “quando se proceder à avaliação de prédio arrendado” remete de forma expressa e inequívoca, salvo melhor entendimento, a aplicação do regime especial para um momento em que o prédio arrendado esteja (e possa estar) a ser avaliado para efeitos de IMI (avaliação que pode ser despoletada unicamente com fundamento na atualização de renda).

P) Se a base de incidência do imposto pode ficar sujeita a este regime especial, proporcional e gradual (pro rata temporis) quando haja lugar a aumento de renda de forma faseada nos termos do NRAU, tal não significa que o procedimento de avaliação fiscal no qual a mesma é enquadrável não continue a ter de observar as regras gerais supra mencionadas.

Q) Com efeito, mantêm-se os pressupostos que, de acordo com as regras do CIMI, têm de estar reunidos para que possam ter lugar as operações de avaliação.

R) Dito de outro modo, a avaliação fiscal do locado tem de ser admissível à luz das regras que regulam o procedimento e as operações de avaliação direta previstos no CIMI.

S) Assim, se ainda não tiverem decorridos três anos sobre um procedimento de avaliação relativo ao mesmo prédio urbano arrendado, não pode ser dado início a um novo procedimento de avaliação, tendo de adequar-se o decurso desse prazo mínimo de estabilização do valor fiscal do imóvel.

T) A arquitetura da disciplina do citado n.° 2 do artigo 17.° do diploma que aprovação do CIMI, que reveste caracter transitório, tem subjacente de forma implícita, em primeira linha, as situações em que se verifica a primeira avaliação na vigência do IMI, em que a sua aplicação é relativamente linear. Ora, in casu, a impugnante já tinha avaliado os prédios ao abrigo do IMI, no decurso do ano de 2006, pelo que não se trata de uma atualização de renda inserida num processo de primeira avaliação fiscal “pós -IMI".

U) Porém, não consideramos que a norma restrinja o seu campo de aplicação aos casos de primeira avaliação, uma vez que se refere genericamente à avaliação do prédio.

V) Dos autos resulta que as frações adquiridas por cisão foram objeto de avaliação para efeitos de determinação do seu valor patrimonial tributário nos termos do artigo 38.° do CIMI, no decurso do ano de 2006.

W) Este facto provocou uma avaliação de acordo com as regras previstas no artigo 38.° do CIMI, por força do disposto no artigo 15.° do Decreto- Lei n.° 287/2003 (reforma da tributação do património). De facto, o artigo 17.° do citado Decreto-Lei protege os proprietários que tenham imóveis arrendados com rendas sujeitas a congelamento por isso desatualizadas.

X) Essa proteção dos proprietários de imóveis arrendados cessa, no entanto com a transmissão dos imóveis. Com efeito, quando a alienação seja onerosa, na determinação do preço ter-se- á certamente tido em contra o facto de os imóveis se encontrarem ou não arrendados, bem como a respetiva renda. Não podia a impugnante ignorar que a aquisição dos imóveis será seguida de uma avaliação dos mesmos de acordo com as regras do CIMI.

Y) Conforme resulta dos autos, a impugnante despoletou a avaliação direta das referidas frações através da entrega das correspondentes Declarações Modelo 1 de IMI.

Z) É de referir que nos anos subsequentes, ou seja 2007 e 2008, o IMI foi liquidado com base no valor patrimonial que resultou a avaliação das frações, sendo que só em 2009 é que ficam concluídos os Processo de NRAU., tendo tal facto sido comunicado ao Serviço de Finanças.

AA) Nesse momento, já se havia consolidado o procedimento de (primeira) avaliação relativo às mesmas frações, impulsionado pela Impugnante que a ela deu lugar sem qualquer pedido de enquadramento no regimente especial de atualização de rendas ao abrigo do NRAU, o qual, à data nem sequer tinha sido iniciado.

BB) Nestas circunstâncias, encontrando-se legalmente vedada a (nova) avaliação dos prédios arrendados no referido quadro temporal de três anos, a situação da Impugnante não é passível de enquadramento especial transitória prevista no n.° 2 do artigo 17.° do Decreto-Lei 287/2003, de 12 de novembro.

Porém, com melhor entendimento,
V. Exas., decidindo, farão a costumada justiça»

A Sociedade Recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pelo improvimento do recurso e pela manutenção do julgado sem, no entanto, formular conclusões.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, emitiu mui douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cf. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões da alegação do recurso, a questão a resolver reconduz-se a saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir que o regime transitório estabelecido na parte final do n.º 2 do art.º 17.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro (aprova o CIMI), se aplica a imóveis, com arrendamentos pretéritos, adquiridos pelo proprietário já no domínio de vigência do CIMI.

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS

Em 1ª instância, deixou-se consignado em sede factual: «

A)
Em 24.02.2010, a AT efetuou uma liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) com o número ………003 referente ao ano de 2009, no montante total de €13.788,14, relativa aos prédios urbanos da impugnante, correspondentes ao artigo …………..da freguesia de Alvalade, artigos ……., ……… e ……. da freguesia de São João de Deus;
(cf. doc. 1 e 2, juntos com a PI)
B)
Em 29.04.2010 a impugnante procedeu ao pagamento da 1ª prestação da liquidação no montante de €6.894,07;
(cf. doc. 3, junto com a PI)
C)
Em 10.05.2010 a impugnante deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa-1 de Reclamação Graciosa da liquidação acima identificada, cujo teor se dá por reproduzido;
(cf. doc. 4, junto com a PI)
D)
Para atualização das rendas referentes aos imóveis correspondentes às frações “C”, “I” e “U” do artigo …… da freguesia de ……………. e fração “AL” do artigo ……… da freguesia de …….., a impugnante deu início ao procedimento previsto no Regime do Novo Arrendamento Urbano (NRAU), junto da Comissão Arbitral de Lisboa;
(Não contestado)
E)
Relativamente à fração “C” o processo NRAU teve o n.°…….. - faseamento de 10 anos, fração “I” o processo NRAU teve o n.° …….-faseamento de 2 anos, fração “U” o processo NRAU teve o n.° …….. - faseamento de 10 anos e fração “AL” processo NRAU teve o n.° ……… - faseamento de 10 anos;
(cf. doc. 9 a 17 junto com a PI)
F)
A impugnante adquiriu as frações em causa nos autos, por via de cisão, tendo celebrado a respetiva escritura publica no Notário de Maria …………. em 06.06.2006;
(cf. fls. 94 a 107 do PA apenso aos autos)
G)
As frações “C”, “I”, e “U” correspondentes ao artigo ………. da freguesia de São João de Deus foram avaliadas para efeitos de determinação do seu valor patrimonial tributário, nos termos do art.° 38 do CIMI em 04.10.2006 e a fração “AL” da freguesia de Alvalade foi avaliada para efeitos de determinação do seu valor patrimonial tributário, nos termos do art.° 38 do CIMI, em 28.11.2006;
(cf. doc. 5 a 8 junto com a PI)
H)
Após a conclusão dos processos NRAU a impugnante registou no Portal da Habitação e registou no Serviço de Finanças de Lisboa-1 os novos Modelos únicos NRAU em 2009;
(cf. doc. 9 a 18 junto com a PI)
I)
A presente impugnação deu entrada no Tribunal Tributário de Lisboa em 08.06.2010, onde foi registada com o n.° 135093, cf. fls., 3 dos autos;

III.I - Factos não Provados.
Não se provaram outros factos, com relevância para a presente decisão.

Motivação.
A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base na análise crítica dos documentos, não impugnados, que constam dos autos, referenciados em cada uma das alíneas do probatório e na posição assumida pelas partes nos articulados.».

B.DE DIREITO

Mostram os autos que a impugnante, ora recorrida, veio impugnar a liquidação de IMI, do ano de 2009, relativa a três fracções autónomas, adquiridas em 06/06/2006 por via de cisão (cf. pontos F) e G) do probatório), pedindo a anulação parcial da liquidação, alegando que: na nota de liquidação impugnada não foi tido em conta o faseamento da actualização da renda das fracções autónomas, em conformidade com o estabelecido na parte final do n.º 2 do art.º 17.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, na redacção dada pelo n.º 2 do art.º 6.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU); o valor tributário a considerar para efeitos de apuramento do IMI é o que resultou da nova renda obtida através do procedimento de actualização desencadeado através do mecanismo previso no NRAU e não o valor matricial que resultou da avaliação efectuada de acordo com as regras do Código do IMI.

A sentença, já se vê, deu razão à pretensão anulatória da impugnante, com o que se não conforma a ora recorrente, sustentando, em suma, a inaplicabilidade do regime transitório do n.º 2 do art.º 17.º, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, à situação dos autos. Vejamos.

A Reforma do Património Imobiliário de 2003, como se sabe, aumentou significativamente a tributação sobre o património imobiliário já construído.

Como referem no Parecer de Direito junto aos autos, Saldanha Sanches e Taborda da Gama, “Foi sobretudo este agravamento da carga fiscal…que levou a que o legislador criasse regimes transitórios aplicáveis a situações diferentes. Não se trata, como noutros casos, de fasear as alterações por questões ligadas à gestão do tributo, mas apenas de evitar agravamentos bruscos (e sempre impopulares) da carga fiscal.
(…)
O legislador criou um regime transitório para se encontrar o valor tributável dos prédios arrendados. Tendo em conta a falta de flexibilidade do regime do arrendamento urbano, o legislador preocupou-se em criar um sistema que não gerasse resultados desproporcionais. Para alcançar este objectivo, embora o princípio fosse já o da sujeição dos imóveis arrendados ao novo sistema de avaliação, os valores a ter em conta para efeitos de IMI…, seriam sempre limitados a máximos encontrados através de uma capitalização das rendas. No fundo, o legislador reconheceu que, em determinadas circunstâncias e tendo em conta os vários regimes de arrendamento das últimas décadas, o valor real dos imóveis arrendados não corresponderia ao valor apurado de acordo com o artigo 38.º do Código do IMI”.

Como refere Baptista Machado, “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, Coimbra, 1983, pp. 229-231, «os problemas de sucessão de leis no tempo suscitados pela entrada em vigor de uma lei nova podem, pelo menos em parte, ser directamente resolvidos por esta mesma lei, mediante disposições adrede formuladas, chamadas "disposições transitórias"».

«Estas disposições transitórias podem ter carácter formal ou material. Dizem-se de direito transitório formal aquelas disposições que se limitam a determinar qual das leis, a lei antiga ou a lei nova, é aplicável a determinadas situações. São de direito transitório material aquelas que estabelecem uma regulamentação própria, não coincidente nem com a lei antiga, nem com a lei nova, para certas situações que se encontram na fronteira entre as duas leis.»

Já anteriormente o mesmo autor propusera “Sobre a Aplicação no Tempo do novo Código Civil”, Almedina, Coimbra, 1968, pp. 47-48, que a expressão «direito transitório» designasse o «conjunto de princípios e de regras cuja função é delimitar entre si os âmbitos de aplicação (ou de competência) de duas leis que se sucedem no tempo», distinguindo, no seio desse conjunto, entre normas de conflito e normas de transição.

«As normas de conflito dirimem o conflito de leis num ou noutro sentido, isto é, limitam-se a determinar qual das leis é aplicável. As normas de transição, essas preocupam-se com o estabelecimento de um regime intermediário entre as duas leis, visando à conciliação dos interesses particulares com a regulamentação da lei nova, e têm, portanto, natureza material.»

O citado Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, veio estabelecer no seu Capítulo III, vários regimes transitórios aplicáveis às diferentes situações concretas, nomeadamente às situações pretéritas de arrendamento que tendo sido constituídas no domínio da lei antiga se mantiveram no domínio da lei nova e que na falta de regime intermediário, agravariam substancialmente a carga fiscal sobre os proprietários dos imóveis arrendados, que as não poderiam repercutir sobre os arrendatários, tendo em conta a falta de flexibilidade do regime do arrendamento urbano.

O regime transitório que o legislador criou para encontrar o valor tributável dos prédios arrendados, encontra-se estabelecido no art.º 17.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, que na redacção da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, dispõe:
«

Artigo 17.º
Regime transitório para os prédios urbanos arrendados
1 - Para efeitos exclusivamente de IMI, o valor patrimonial tributário de prédio ou parte de prédio urbano arrendado é determinado nos termos do artigo anterior, com excepção do previsto nos números seguintes.
2 - Quando se proceder à avaliação de prédio arrendado, o IMI incidirá sobre o valor patrimonial tributário apurado nos termos do artigo 38.º do CIMI, ou, caso haja lugar a aumento da renda de forma faseada, nos termos do artigo 38.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, que aprova o Novo Regime do Arrendamento Urbano, sobre a parte desse valor correspondente a uma percentagem igual à da renda actualizada prevista nos artigos 39.º, 40.º, 41.º e 53.º da referida lei sobre o montante máximo da nova renda.
3 - Quando o senhorio requeira a avaliação do imóvel para efeitos de actualização da renda e não possa proceder a actualização devido ao nível de conservação do locado, o IMI passa a incidir sobre o valor patrimonial tributário apurado nos termos do artigo 38.º do CIMI no 3.º ano posterior ao da avaliação.
4 - Não tendo sido realizada a avaliação nos termos do n.º 2, no ano da entrada em vigor da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, que aprova o Novo Regime do Arrendamento Urbano, o valor patrimonial tributário de prédio ou parte de prédio urbano arrendado, por contrato ainda vigente e que tenha dado lugar ao pagamento de rendas até 31 de Dezembro de 2001, é o que resultar da capitalização da renda anual pela aplicação do factor 12, se tal valor for inferior ao determinado nos termos do artigo anterior.
5 - A partir do ano seguinte ao da entrada em vigor da Lei n.º 6/2006, 27 de Fevereiro, que aprova o Novo Regime do Arrendamento Urbano, e enquanto não existir avaliação nos termos do artigo 38.º do CIMI, o valor patrimonial tributário do prédio, para efeitos de IMI, é determinado nos termos do artigo anterior.».

É o n.º 2 que especialmente nos importa na medida em que a recorrente, contrariamente ao decidido, entende que norma de transição não é aplicável à situação concreta dos autos.
Mas, a nosso ver, sem razão. Vejamos de perto.

Vem factualmente provado que a impugnante adquiriu as fracções identificadas no ponto D) do probatório, por via de cisão, tendo celebrado a respectiva escritura pública em 07/06/2006 e que para actualização das rendas deu início ao competente procedimento previsto no NRAU, com aumento da renda faseada, conforme ponto E) do probatório.

Entende a recorrida que lhe é aplicável a 2.ª parte do n.º 2 do art.º 17.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, segundo a qual, o IMI incidirá “… caso haja lugar a aumento da renda de forma faseada, nos termos do artigo 38.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, que aprova o Novo Regime do Arrendamento Urbano, sobre a parte desse valor correspondente a uma percentagem igual à da renda actualizada prevista nos artigos 39.º, 40.º, 41.º e 53.º da referida lei sobre o montante máximo da nova renda”, não estando sujeita ao regime geral de avaliação da propriedade do IMI na determinação do valor patrimonial tributário (art.º 38.º do Código).

E tem razão. As dúvidas interpretativas que a recorrente suscita quanto à aplicabilidade de um regime transitório a proprietários de imóveis arrendados que os tenham adquirido já na vigência do IMI (que é o caso), não têm razão de ser, uma vez que o elemento de conexão a ter em conta é o arrendamento pretérito.



Com efeito, não faria sentido o legislador proteger os proprietários de imóveis arrendados que os tenham adquirido antes da vigência do IMI e não estender essa protecção àqueles que os tenham adquirido, nas mesmas condições, após a Reforma do Património.

O escopo do legislador foi, como já assinalamos, prevenir que por via do novo regime de avaliação, os proprietários de imóveis arrendados se vissem confrontado com um valor patrimonial sem correspondência com o valor real do imóvel e que originasse imposto (IMI) eventualmente superior ao rendimento das rendas, sem possibilidade de repercussão no contexto do mercado de arrendamento.

Note-se que no regime transitório para os prédios urbanos arrendados, anterior ao introduzido pela Lei n.º 6/2006, expressamente previa o n.º 3 do art.º 17.º, o seguinte:
“Quando se transmitirem os prédios referidos no n.º 1 que ainda se encontrem arrendados, nessa altura, o valor patrimonial tributário para efeitos do Código do IMT, do Código do Imposto do Selo e do Código do IMI é o que resultar da avaliação efectuada nos termos do artigo 38.º deste último Código ou o resultante da aplicação do disposto na parte final do número anterior se este for inferior.”, o que significava que o desajustamento entre o valor resultante de avaliação e o das rendas já então preocupava o legislador, mesmo havendo lugar a transmissão do imóvel arrendado.

Assim forçoso é concluir, acompanhando a sentença recorrida, que demonstrado nos autos que as fracções em causa foram objecto de primeira avaliação, nos termos do art.º 38.º do CIMI em 2006 e que para as mesmas existiam os referidos processos de aumento das respectivas rendas na modalidade faseada, a liquidação de IMI relativa ao ano de 2009, deveria ter observado o disposto na lei, nomeadamente ter incidido apenas sobre a parte do valor correspondente a uma percentagem igual à da renda actualizada prevista nos artigos 39.°, 40.°, 41.° e 53.° da referida lei sobre o montante máximo da nova renda, tendo em conta o lapso temporal de faseamento aplicado a cada uma.

Não o tendo feito, a liquidação impugnada padece de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos, conducente à sua anulação na parte correspondente ao excesso.

A sentença recorrida não enferma dos erros de julgamento que lhe são apontados, merecendo ser inteiramente confirmada.

O recurso não merece provimento.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.


Lisboa, 16 de Outubro de 2025

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Vital Lopes



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Margarida Reis


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Ana Cristina Carvalho