| Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 1695/10.2BELRS | 
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| Secção: | CT | 
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| Data do Acordão: | 10/16/2025 | 
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| Relator: | ISABEL SILVA | 
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| Descritores: | LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS DISCRIMINAÇÃO ENTRE RESIDENTES E NÃO RESIDENTES SITUAÇÕES COMPARÁVEIS | 
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| Sumário: | I – A situação de um residente noutro Estado-Membro, como a aqui recorrida, que aufira rendimentos proveniente da distribuição de dividendos por uma sociedade residente em Portugal, é comparável à de uma sociedade residente em Portugal que aufira esses mesmos rendimentos. Pelo que é ilegal a retenção na fonte, a título definitivo, que incide sobre dividendos distribuídos a uma entidade residente noutro Estado-Membro, efetuada à luz da legislação fiscal portuguesa, por tal configurar uma violação da proibição de discriminação em razão da nacionalidade e do direito de livre circulação de capitais, consagrados nos arts. 12º e 56º do Tratado de Roma (atual 18º e 63º do TFUE), face à dispensa de retenção de que, nos termos do CIRC, beneficiava, em idênticas condições, uma entidade residente, não havendo qualquer justificação válida para essa discriminação. II - É a legislação do Estado da proveniência dos dividendos (no caso, Portugal) que deve assegurar que as entidades beneficiárias – residentes e não residentes – recebam um tratamento similar, conducente à eliminação de desvantagens desmotivadoras da movimentação transfronteiriça de capitais. | 
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| Votação: | UNANIMIDADE | 
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| Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum | 
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| Aditamento: |  | 
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| Decisão Texto Integral: | *Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO A FAZENDA PÚBLICA, (ora recorrente) veio recorrer da sentença proferida em 22.02.2019, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação que a instituição financeira B....... Limited (anteriormente denominada por B....... Limited), constituída de acordo com a legislação do Reino Unido, (doravante recorrida) deduziu contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa que apresentara relativamente aos atos de retenção na fonte em sede de IRC sobre os dividendos de ações que lhe foram distribuídos por sociedades residentes em Portugal, no ano de 2007, no valor de € 431.702,25. *A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões: “I- Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou procedente a impugnação judicial, intentada por B....... LIMITED, já devidamente identificado nos autos e que, em consequência, ordenou a anulação das retenções na fonte efetuadas em sede de IRC sobre os dividendos recebidos pela Impugnante em 2007. Entende a Fazenda Pública que a douta sentença, na subsunção dos factos dados como provados ao direito, promoveu uma errónea aplicação do direito a estes mesmos factos. II- A Fazenda Pública não se conforma com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa porquanto a mesma não encerra um correto entendimento do princípio comunitário da livre circulação de capitais e da legislação fiscal interna, indo contra a legislação pertinente e a jurisprudência de tribunais superiores que perpassaram a questão decidenda. III- O Tribunal a quo considerou ser ilegal e contrário ao Direito Comunitário a retenção na fonte a título definitivo por aplicação de taxa liberatória sobre o rendimento resultante da distribuição de dividendos auferido por entidade não residente, entendendo que esta forma de tratamento dos dividendos configura uma restrição à liberdade de circulação de capitais, proibida pelo artigo 63° do TFUE (art.° 56° do Tratado de Roma). Este entendimento carece no entanto de sustentação porquanto a aplicação de taxa liberatória com caráter definitivo a rendimentos auferidos por entidades não residentes em território nacional não implica necessariamente um tratamento discriminatório que viole uma das liberdades em que está assente o mercado comum, a livre circulação de capitais, impondo-se uma análise global do sistema de tributação. IV- Não resulta das normas e princípios comunitários uma proibição de diferenciação do regime de tributação de entidades "residentes” e de entidades "não residentes". O TJUE já deixou expresso que em abstrato a lei pode tratar de forma diferente residentes e não residentes, sendo que a relevância está em averiguar se, em concreto, tal se traduz na aplicação de uma tributação efetiva mais elevada sobre os não residentes, pois, em caso contrário, o regime não é discriminatório, nem consequentemente contrário ao direito comunitário. No caso Shumacker, o Tribunal de Justiça aceitou que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes não é discriminatório, desde que uns e outros se encontrem em situações diferentes, o que sucede, por exemplo, por a maior parte do rendimento do não residente ser normalmente obtida no seu Estado de residência, jurisprudência esta reiterada em outras oportunidades. V- Para aferir da existência de tratamento discriminatório e violador da liberdade de circulação de capitais importa aferir da efetiva comparabilidade das duas situações, apelando ao regime legal em causa nos autos de um ponto de vista mais global do que aquele que foi considerado pelo Tribunal a quo, pois que, desta análise se descortinará a inexistência da comparabilidade entre a tributação das sociedades residentes e a tributação das sociedades não residentes, ao ponto de se poder afirmar da não violação dos princípios da discriminação e da livre circulação de capitais vertidos nos artigos 18.° e 63.° do TFUE. VI- Com efeito, ao dispor o artigo 65.° do TFUE que o disposto no artigo 63.° não prejudica o direito de os Estados-Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido, o Direito Comunitário admite que a proibição do estabelecimento de restrições aos movimentos de capitais não impede que um Estado- Membro defina um regime tributário diferente para os sujeitos que não se encontrem em idêntica situação, importando dessa forma determinar se estamos perante situações comparáveis, porquanto só existe discriminação quando o direito interno aplique regras diferentes a situações comparáveis ou sujeite situações diferentes a regime idêntico. VII- No CIRC vigente à data dos factos sob análise, não só a taxa de retenção na fonte a que o não residente está sujeito é mais baixa do que a taxa a que a taxa análoga aplicável à entidade residente, como a retenção na fonte a título definitivo desonera o sujeito passivo não residente do cumprimento de qualquer obrigação acessória posterior a essa retenção, sendo a única tributação que sofre em Portugal. VIII- Os contribuintes não residentes apenas estarão sujeitos a IRC quanto aos rendimentos obtidos em território português, não podendo estar em causa a sua tributação pelo lucro real, pois este apenas será apurado no Estado de residência e de acordo com as regras contabilísticas e fiscais aí definidas. IX- Tendo em conta que o princípio da igualdade fiscal determina a uniformidade dos impostos e que isso significa que todos os contribuintes em situações idênticas devem pagar impostos com base no mesmo critério, teremos de concluir que a situação de residentes e não residentes não é idêntica, nem poderia ser, para efeitos de tributação, principalmente em sede de imposto sobre o rendimento. X - Tendo presente o princípio da soberania fiscal, pretender tributar os não residentes através do método de tributação pelo lucro real implicaria sujeitar esses sujeitos passivos a todo um conjunto de normas jurídicas, quer de constituição quer de elaboração de contabilidade, que alargariam imensuravelmente o poder do Estado para além do seu âmbito de atuação constitucionalmente consagrado. Só sujeitando esses sujeitos passivos às regras de controlo nacional, nomeadamente as consagradas no Código das Sociedades Comerciais, no Plano Oficial de Contas (vigente à datas dos factos), entre outros diplomas, é que seria possível aferir da universal capacidade contributiva do sujeito passivo e dessa forma sujeitá-lo a uma tributação pelo seu lucro real. XI- As situações dos residentes e dos não residentes num Estado Membro não são, regra geral, comparáveis pois que apresentam diferenças objetivas, tanto do ponto de vista da fonte de rendimento e da capacidade contributiva como do ponto de vista das obrigações acessórias que devem ser observadas. XII- Não podendo nos termos expostos ser considerado o regime legal em apreço discriminatório e violador da liberdade de circulação de capitais, a posição vertida na sentença recorrida não tem fundamento legal, não podendo o regime em causa ser configurado como tratamento discriminatório nem uma violação do artigo 63° da TFUE. XIII- Mal esteve o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, na medida em que considerou que a legislação nacional trata de forma desigual a tributação dos dividendos exclusivamente com base nesse fator diferenciador da residência dos beneficiários, em claro desfavor da entidade não residente, violando o princípio da livre circulação de capitais, tal como previsto no art. 56° do Tratado de Roma (atual art. 63° TFUE). XIV- A sentença recorrida faz uma interpretação errada dos preceitos legais pertinentes, designadamente dos vertidos nos artigos 56° e 58° do Tratado de Roma (atuais art.°s 63° e 65° do TFUE) e nos art.°s 2°, 4°, 46°, 80° e 88°, todos do CIRC vigente à data dos factos, incorrendo em erro de julgamento, motivo pelo qual deve ser revogada. TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO RECURSO, DEVE A DECISÃO SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE DECLARE A IMPROCEDÊNCIA DA IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. PORÉM, V. EX.AS, DECIDINDO, FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!”. * Notificada, a Recorrida apresentou contra-alegações, que finaliza formulando as seguintes conclusões: “A) O presente Recurso vem interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo que decidiu julgar procedente a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrida dos atos de retenção na fonte de IRC relativos ao ano de 2007, no montante total de EUR 431.702,25, por considerar que os referidos atos tributários padeciam de vício de violação de lei, em particular por violação do princípio da liberdade de circulação de capitais previsto no Tratado, tendo, ainda, determinado o direito da Recorrida à restituição da quantia de imposto indevidamente paga, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios. B) Como questão prévia, a Recorrida entende que este Venerando Tribunal não é a instância jurisdicional competente, em razão da hierarquia, para apreciação do presente recurso, ao abrigo dos artigos 26° e 31° do ETAF, pois da análise das alegações de recurso da Fazenda Pública facilmente se conclui que o presente recurso versa apenas sobre matéria de direito, uma vez que a Recorrente não questiona nas suas conclusões de recurso a factualidade dada por assente pelo Tribunal a quo. C) Conforme decorre do acima exposto, a questão material controvertida consiste em determinar se os atos tributários ora sindicados, referentes a retenções na fonte de IRC do ano de 2007 padecem de vício de ilegalidade por estarem sustentados em normas do ordenamento jus tributário nacional desconformes com o direito comunitário, em particular com o artigo 56° do Tratado (atual 63° do TFUE), e, por consequência, materialmente inconstitucionais por força do disposto no artigo 8° da CRP. D) Do quadro legal acima descrito, resulta com meridiana clareza que uma instituição financeira residente em Portugal, quando recebe dividendos de sociedades residentes em Portugal está sujeita a um regime fiscal mais favorável do que o regime aplicável a uma instituição não residente em Portugal e com residência fiscal noutro Estado Membro da UE, uma vez que - não obstante a taxa ser precisamente a mesma (20%) - esta última está sujeita a retenção na fonte de IRC com carácter definitivo, enquanto as retenções efetuadas a residentes em Portugal são consideradas como imposto pago por conta do imposto devido a final. E) O tratamento discriminatório é tanto mais gravoso nos casos de investimentos a representar as provisões técnicas do seguro de vida em que o risco é do tomador de seguro (Unit Linked) geridos pela Recorrida, pois que esta não pode recuperar o imposto suportado em Portugal no Reino-Unido. F) Nos termos do n.°2 do artigo 46° do Código do IRC, na redação em vigor à data dos factos, os dividendos de ações afetos a reservas técnicas das empresas de seguros residentes em Portugal estavam, à data da prática dos factos, excluídos de tributação, por via de dedução à matéria coletável. Acresce que, neste tipo de seguros, a Companhia de Seguros residente constitui uma provisão técnica por um valor correspondente ao montante dos dividendos recebidos, eventualmente deduzido da sua comissão de gestão, pelo que, na prática, os dividendos serão sempre excluídos da matéria coletável sujeita ao IRC, o que será o mesmo que dizer que a Companhia de Seguros residente, também não pagará a final qualquer IRC sobre os dividendos recebidos. G) Concretizando: a seguradora residente recuperará, na totalidade, a retenção na fonte aquando da apresentação da declaração anual de rendimentos Modelo 22, não sendo tal benefício aplicável aos dividendos pagos por uma entidade residente a uma entidade seguradora não residente, tal como é o caso da ora Recorrida. H) É nesta dicotomia de tratamento fiscal dos dividendos obtidos de fonte portuguesa que reside o caráter discriminatório. I) As distribuições de dividendos efetuadas por sociedades residentes em Portugal à ora Recorrida podem ser qualificadas como movimentos de capital, na aceção do artigo 56.° do Tratado da UE e do Anexo I da Diretiva 88/361/CEE, de 24 de Junho, pelo que estas operações estão abrangidas pelo princípio da não discriminação, quer com base na nacionalidade, quer com base no local de investimento. J) Na perspetiva dos investidores dos seguros unit linked, não se mostra relevante qual a residência fiscal das entidades seguradoras, mas a circunstância das seguradoras nacionais terem um acesso privilegiado ao mercado de capitais por força da tributação mais favorável de que beneficiam. K)Para que uma regulamentação fiscal nacional, que faz uma distinção entre os contribuintes consoante o local onde os seus capitais são investidos, possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento respeite a situações não comparáveis objetivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral, o que não é manifestamente o caso em apreço, sendo que a Fazenda Pública ora Recorrente não logrou invocar qualquer facto ou argumento jurídico neste sentido, sendo também é evidente que estamos perante situações comparáveis, conforme abordado nas presentes contra-alegações. L) Face às disposição aplicáveis do Código de IRC, na redação em vigor à data a que se reportam os factos tributários, uma instituição residente para efeitos fiscais em Portugal estava sujeita a retenção na fonte à taxa de 20%, sendo certo que o montante retido era por conta do imposto devido a final, e portanto, recuperável no acerto final do período de tributação, enquanto que uma sociedade não residente em Portugal, com residência para efeitos fiscais noutro Estado Membro da UE, não podia beneficiar do mesmo regime, estando sujeita a IRC a uma taxa de retenção na fonte de 20% a título definitivo, não tendo ao seu dispor qualquer mecanismo que lhe permitisse recuperar o imposto retido. M) A Recorrida não tem forma de recuperar o imposto retido em Portugal, porquanto tratando-se de uma entidade não residente, a retenção suportada em Portugal tem carácter liberatório, pelo que não se compreende a referência da Recorrente ao alegado incumprimento do disposto no Acórdão do STA no processo n.° 01877/13, sendo evidente que, no caso ora em apreço, a Recorrida não tem ao seu alcance qualquer meio para neutralizar totalmente a diferença de tratamento relativamente aos sujeitos passivos residentes. N) Tudo resumido, existe um tratamento discriminatório e uma clara restrição na liberdade de circulação de capitais, uma vez que a ora Recorrida e as instituições financeiras residentes em Portugal estão em situações comparáveis - distribuição de lucros por sociedades residentes - sendo que estas últimas conseguem recuperar o imposto retido na fonte em Portugal, ao contrário de todas as sociedades não residentes, como é o caso da ora Recorrida. O) O TJUE tem-se pronunciado amplamente sobre a questão da comparabilidade das situações de tributação de residentes e não residentes para efeitos de aplicação do princípio da não discriminação e da violação da liberdade de circulação de capitais conforme jurisprudência constante daquele tribunal - ver Acórdão Amurta, Denkavit ou o caso Brisal. P) A ora Recorrida quando investe no mercado bolsista português, i.e., quando é beneficiária de um dividendo de fonte nacional, encontra-se na mesma situação que uma instituição residente em Portugal, não podendo ser recusado uma norma fiscal mais favorável com o argumento que a Recorrida está sediada no Reino Unido, pois é nesta dicotomia de tratamento que reside, precisamente, o tratamento discriminatório. Q) Nesta matéria, importa reter que, de acordo com Jurisprudência firmada pelo TJUE em diversos acórdãos, para efeitos do princípio da não discriminação, situações semelhantes não deverão ser tratadas de forma diferenciada a não ser nos casos em que tal tratamento diferenciado possa ser objetivamente justificado e seja proporcional ao objetivo prosseguido pela legislação nacional (ver entre outros Acórdãos, Caso Futura (processo n.° C-250/95), Danner (processo n.° C-136/00), Vestergaard (processo n.° C - 55/98), Wielockx (processo n.° C - 80/94), Brisal e KBC Finance Ireland (processo n.° C-18/15). R) A circunstância teórica da Recorrida poder obter um crédito de imposto no Reino Unido (estado da residência) não seria suficiente para eliminar a discriminação existente no caso em apreço, pois como bem notou o Tribunal EFTA no Caso Fokus Bank ASA, "(...) é juridicamente irrelevante o facto de o contribuinte ser residente numa Parte Contratante que, mediante um acordo fiscal [por exemplo, uma Convenção para Evitar a Dupla Tributação] com a Parte Contratante em que o dividendo é distribuído, se tenha comprometido a conceder um crédito fiscal relativamente aos impostos retidos na fonte, ou se é ou será concedido ao contribuinte no caso específico um crédito fiscal em relação aos impostos retidos na fonte". S) Nestas condições e pesando toda a argumentação supra, há que concluir que o facto da legislação portuguesa subordinar a concessão de uma vantagem fiscal em matéria de IRC, como a exclusão da base de incidência de IRC sobre dividendos/lucros, à condição de a entidade ser residente para efeitos fiscais em território português, implica que se está perante uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56.° do Tratado e pelo artigo 1° da Diretiva 88/361 (neste sentido, vejam-se as conclusões proferidas pelo TJUE no Acórdão de 14 de Dezembro de 2006 - Processo C- 170/05 - Caso Denkavit International e Denkavit France). T) No inovador Acórdão Brisal e KBC Finance Ireland (processo C-18/15), de 13 de julho de 2016, sobre a dedutibilidade de despesas profissionais relacionadas com a obtenção dos rendimentos relevantes de juros, também o TJUE se pronunciou no sentido da desconformidade da legislação portuguesa, em concreto do artigo 80.°, n.° 2, al. c) do CIRC, com o principio da liberdade de prestação de serviços a que se refere o artigo 56.° do TFUE, tendo expressamente afirmado que uma restrição à livre prestação de serviços "não pode ser justificada pela circunstância de as instituições financeiras não residentes estarem sujeitas a uma taxa de tributação menos elevada do que as instituições financeiras residentes", e ainda que, não há "nenhum elemento que permita explicar em que medida é que a repartição dos poderes de tributação exige que as instituições financeiras não residentes devam, no que respeita à dedução das despesas profissionais diretamente relacionadas com os seus rendimentos tributáveis nesse Estado-Membro, ser tratadas de maneira menos favorável do que as instituições financeiras residentes". U) O entendimento acima exposto pelo TJUE é plenamente aplicável à situação objeto dos presentes autos, ou seja, discriminação entre sociedades residentes e não residentes num Estado Membro quanto à tributação sobre rendimentos auferidos nesse mesmo Estado, o que motiva por si só a improcedência do presente recurso. V) Por outro lado, no recente acórdão proferido no processo C-575/17, de 22.11.2018 - Caso Sofina, estava em causa determinar se, "se os artigos 63.° e 65.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, em virtude da qual os dividendos distribuídos por uma sociedade residente são objeto de uma retenção na fonte quando são recebidos por uma sociedade não residente, ao passo que, quando são recebidos por uma sociedade residente, a sua tributação segundo o regime de direito comum do imposto sobre as sociedades só se verifica no final do exercício no decurso do qual foram recebidos se o resultado desta sociedade tiver sido positivo, podendo essa tributação, eventualmente, nunca ocorrer se a referida sociedade cessar a sua atividade sem ter atingido um resultado positivo desde a perceção desses dividendos.", concluindo o TJUE que, "Por conseguinte, a regulamentação nacional em causa no processo principal é suscetível de conferir uma vantagem às sociedades residentes em situação deficitária, uma vez que dela resulta pelo menos uma vantagem de tesouraria, ou mesmo uma isenção em caso de cessação de atividades, ao passo que as sociedades não residentes estão sujeitas a uma tributação imediata e definitiva, independentemente do seu resultado". W) As normas do CIRC aqui sindicadas são, ainda, materialmente inconstitucionais, porquanto as mesmas colidem com normas de Direito Comunitário, as quais prevalecem sobre o direito interno por força do princípio da prevalência do direito internacional, conforme preceituado no artigo 8.° da Constituição da República Portuguesa e no artigo 1° da LGT. X) Tudo ponderado, parece inequívoco que a norma constante do artigo 80.° do CIRC à data dos factos padece de manifesto vício de lei, por violação ostensiva dos princípios da legalidade tributária e do primado do direito internacional, violando, por conseguinte, os artigos 268.°, 112.° e 8.° da CRP, bem como o artigo 55.° da LGT, e ainda, os artigos 12.° e 56.° do Tratado, o que se invoca para os devidos efeitos legais, mormente para efeitos de improcedência do presente recurso e confirmação da sentença proferida pelo Tribunal a quo, reconhecendo-se o direito da ora Recorrida à restituição da quantia de EUR 431.702,25, tudo com as demais consequências legais, mormente o pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do disposto no artigo 43.° da LGT. Y) A título subsidiário, requer-se o reenvio prejudicial da questão material controvertida para o TJUE, ao abrigo do atual artigo 267.° do Tratado. Z) Em harmonia com a mais recente jurisprudência dos nossos tribunais superiores e dada a simplicidade da questão material controvertida, em função da posição já sustentada pela nossa Doutrina e pela jurisprudência dos tribunais, incluindo o TJUE, a ora Recorrida vem requerer a este Venerando Tribunal a fixação do valor do presente recurso no montante máximo de EUR 275.000, determinando-se igualmente nos presentes autos a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos e para os efeitos do n.° 7 do artigo 6.° do RCP. Nestes termos, e nos melhores de Direito que os mui Ilustres Juízes DESEMBARGADORES deste Venerando Tribunal assim o julgarem no seu MUI douto juízo, sem prejuízo da apreciação que vier a ser efetuada sobre a exceção de incompetência em razão da hierarquia deste Venerando Tribunal, deve o recurso interposto pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, requerendo-se a este Venerando Tribunal que confirme a sentença recorrida, determinando a consequente anulação dos atos tributários ora sindicados, por vício de violação de lei, tudo com as devidas consequências legais, mormente o reconhecimento do direito da Recorrida ao reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios, tal como determinado na decisão ora recorrida. A título subsidiário, requer-se, ainda, o reenvio prejudicial da questão material controvertida para o TJUE, ao abrigo do atual artigo 267.° do Tratado Mais se requer a fixação do valor do presente recurso no montante máximo de EUR 275.000, determinando-se igualmente nos presentes autos a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos e para os efeitos do n.° 7 do artigo 6.° do RCP. Assim fazendo, VOSSAS EXCELÊNCIAS, a costumada Justiça! “ * Os autos tiveram vista do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos do art. 288.º, n.º 1 do CPPT, o qual emitiu parecer no sentido da douta sentença padecer de “…défice instrutório pelo que não se poderá manter na ordem jurídica, ficando prejudicada a apreciação das demais questões invocadas no recurso.” * Colhidos os vistos legais, nos termos do art. 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, vem o processo à Conferência para julgamento. * II -QUESTÕES A DECIDIR: Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer [cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do CPPT]. (iii)	Se a decisão recorrida padece de erro de julgamento na aplicação do Direito aos factos e se erra ao entender que foi violado o Direito da União Europeia, desde logo a livre circulação de capitais. * III- FUNDAMENTAÇÃO: A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:” ” 1. A Impugnante é uma sociedade constituída sob e de acordo com a legislação do Reino Unido - cfr. doc. n.° 1 junto com a petição inicial a fls. 80 a 107 dos presentes autos. 2. No ano de 2007 a Impugnante era residente fiscal no Reino Unido - cfr. doc. n.° 2 junto aos presentes autos a fls. 109 e 110 dos presentes autos. 3. No ano de 2007 a Impugnante detinha acções de várias sociedades residentes em Portugal, concretamente Banco E......., S.A., E......., S.A., J......., SGPS, Banco B......., S.A., B......., Banco C......., S.A., S......., S…….. Portugal, Z.......Multimédia Serviços e Galp Energia SGPS - cfr. docs. n.° 4 a 29 juntos com a petição inicial a fls. 113 a 164 dos presentes autos. 4. Enquanto detentora de participações sociais das sociedades referidas em 3. a Impugnante recebeu no ano de 2007 dividendos no valor total de 3.088.816,41€ - cfr. docs. n.° 4 a 29 juntos com a petição inicial a fls. 113 a 164 dos presentes autos. 5. Os dividendos referidos em 4. foram tributados em Portugal, em sede IRC, através de retenção na fonte - cfr. docs. n.° 4 a 29 juntos com a petição inicial a fls. 113 a 164 dos presentes autos. 6. Os dividendos recebidos pela Impugnante das sociedades Banco E......., Sa, J......., Banco B......., SA, B......., Banco C......., Portugal ……….,, S......., C....... e Z.......Multimédia foram tributados à taxa de 20% - cfr. docs. n.° 4 a 6 e 9 a 27 juntos com a petição inicial a fls. 113 a 118 e 123 a 160 dos presentes autos. 7. Os dividendos recebidos pela Impugnante das sociedades E......., S.A. e G.......SGPS foram tributados à taxa de 10% - cfr. docs. n.° 7 e 8 e 28 a 29 juntos com a petição inicial a fls. 119 a 122 e 161 a 164 dos presentes autos. 8. A diferença na tributação dos dividendos referidos em 6. e 7. advém destes beneficiarem de uma redução de 50% da taxa de retenção na fonte nos termos do Estatuto dos Benefícios Fiscais, por terem sido adquiridas no âmbito de operações privatização. 9. A Impugnante suportou um pagamento de impostos, nos termos de 4. a 7., no valor de 554.096,79€ - cfr. docs. n.° 4 a 29 juntos com a petição inicial a fls. 113 a 164 dos presentes autos. 10. A Impugnante realizou um pedido de reembolso do imposto suportado e referido em 9. ao abrigo do Acordo para evitar a Dupla Tributação entre Portugal e o Reino Unido, no valor global de 122.394,54€. 11. Em 03/12/2009 a Impugnante apresentou reclamação graciosa da retenção na fonte referida na alínea que antecede, ao abrigo do artigo 132°, n°s 3 e 4, do CPPT, sem que tivesse sido notificada da respectiva decisão - cfr. processo de reclamação graciosa junto aos presentes autos. 12. A presente foi remetida ao presente Tribunal via fax em 05/07/2010.” * A decisão recorrida consignou ainda, quanto aos factos considerados não provados, o seguinte: “Com relevância para a pronúncia a emitir nos presentes autos, inexistem factos que importe dar como não provados.” * Relativamente à motivação da decisão de facto, o Tribunal a quo disse o seguinte: “A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes dos autos e no PA apenso, referidos em cada uma das alíneas do elenco dos factos provados, os quais não foram impugnados, merecendo a credibilidade do tribunal, em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova. Relativamente aos factos 8. e 10., os mesmos foram dados como provados tendo como fundamento a sua alegação por parte da Impugnante e a sua não Impugnação pela Fazenda Pública. Nomeadamente quanto ao facto 10. A sua alegação pela Impugnante corresponde a confissão, na medida em que a Impugnante afirma a existência um facto que lhe é desfavorável. Conclui-se pelo conteúdo do facto 8. através da conjugação da alegação da Impugnante, com a sua não impugnação por parte da Fazenda Pública, com o regime do artigo 67° do Estatuto dos Benefícios Fiscais em vigor à data dos factos.” * IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO: Consoante avançamos, importa previamente aferir se este Tribunal é competente para conhecer do recurso que nos é trazido. Para a recorrida este TCAS é incompetente, em razão da hierarquia, para apreciação do presente recurso, ao abrigo dos artigos 26° e 31° do ETAF, na medida em que o presente recurso versa apenas sobre matéria de direito. Vejamos. Decorre do artigo 280º, nº.1, do CPPT, que, das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. Ao mesmo passo, decorre do artigo 26º alínea b) do ETAF, a atribuição de competência à Secção do Contencioso Tributário STA para conhecer dos recursos das decisões dos tribunais tributários de 1ª Instância, em matéria de contencioso tributário, interpostos de decisões de mérito, com exclusivo fundamento em matéria de direito. O recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas suas conclusões se questionar matéria factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à factualidade provada na decisão recorrida; quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente; Quer, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar da mesma factualidade provada. Ora, existe matéria de facto, quando o apuramento das realidades se faz todo à margem da aplicação direta da lei, isto é, quando se trata de averiguar factualidade cuja existência, ou não existência, não depende da interpretação a dar a nenhuma norma jurídica. Estando em causa um recurso que versa sobre matéria de direito, tal pressupõe que se considere assente e fixada a base factual da sentença, não sendo admissíveis valorações probatórias, o que não se verifica na situação colocada. Na verdade, a recorrente defende nas suas alegações que o Tribunal a quo fez uma incorreta aplicação da lei aos factos, o que implica uma análise ao probatório e à subsunção jurídica de modo a aferir se foi errado, ou não, o ajuizado pelo Tribunal à luz do acervo factual. Deste modo, somos a concluir que este é o Tribunal hierarquicamente competente para o recurso. - Do défice instrutório. Defende o DMMP no seu parecer que a decisão recorrida deve ser anulada por défice instrutório, sublinhando que:  “ no caso dos autos, verifica-se que não consta da base instrutória nem dos autos, elementos referentes à  legislação do Reino Unido aplicável à Impugnante em 2007 nem elementos demonstrativos de que a impugnante  é sujeito de imposto sobre o rendimento no  Reino Unido, sem possibilidade de opção ou de isenção, a fim de se aferir da possibilidade de a impugnante imputar no imposto a que está sujeita no Reino Unido do montante correspondente à retenção suportada em Portugal” Acrescenta que: “ Por força dos artigos 13.° n.°1 do CPPT e 99.° n.° 1 da LGT o tribunal deve oficiosamente ordenar e realizar todas as diligências que se mostrem necessárias à descoberta da verdade material. Em consequência, emito parecer no sentido de padecer a douta sentença de défice instrutório pelo que não se poderá manter na ordem jurídica, ficando prejudicada a apreciação das  demais  questões  invocadas no recurso”. Apesar do entendimento do DMMP no acionamento do artigo 13º CPPT em ordem à realização de diligências para descoberta da verdade material, e daí concluir que há deficit instrutório, assim não o entendemos. Em primeiro lugar, porque a legislação do Reino Unido não implica diligências instrutórias visto que não está em causa matéria de facto. Em segundo lugar, olhando para os autos, tendo em conta os contornos da alegação da recorrida e a questão colocada ao Tribunal, não se vê que haja elementos factuais em falta, que careçam de prova, de modo a que se conclua pelo défice instrutório, nem assim o entenderam as partes envolvidas no litígio, quando o Tribunal a quo entendeu que não havia nada mais a apurar com interesse para a questão levada à sua apreciação. Ademais, é face à a legislação do Estado da proveniência dos dividendos (no caso, Portugal) que deve assegurar-se que as entidades beneficiárias – residentes e não residentes – recebam um tratamento similar, conducente à eliminação de desvantagens desmotivadoras da movimentação transfronteiriça de capitais. Nesta conformidade, improcede o apontado déficit instrutório. Prosseguindo. - Do erro de julgamento. Importa desde já sublinhar que a decisão proferida acerca da matéria de facto não foi posta em causa, encontrando-se, por isso, estabilizada. Não obstante, defende a recorrente que o Tribunal recorrido empreendeu uma errada aplicação do direito aos factos apurados, entendendo que não encerra um correto entendimento do princípio comunitário da livre circulação de capitais (artgo 63º do TFUE) e da legislação fiscal interna, sublinhando que a aplicação de uma taxa liberatória com caráter definitivo a rendimentos auferidos por entidades não residentes em território nacional, não implica necessariamente um tratamento discriminatório que viole a livre circulação de capitais, desde logo quando as situações não são comparáveis. Acrescenta que, não só a taxa de retenção na fonte a que o não residente está sujeito é mais baixa do que a taxa a que a taxa análoga aplicável à entidade residente, como a retenção na fonte a título definitivo desonera o sujeito passivo não residente do cumprimento de qualquer obrigação acessória posterior a essa retenção, sendo a única tributação que sofre em Portugal e que a tributação pelo lucro real é apurada no Estado de residência, referindo que a situação dos residentes e não residentes não é idêntica. Aduz ainda que, as situações dos residentes e dos não residentes num Estado Membro não são, regra geral, comparáveis pois que apresentam diferenças objetivas, tanto do ponto de vista da fonte de rendimento e da capacidade contributiva como do ponto de vista das obrigações acessórias que devem ser observadas, não podendo considerar-se o regime em causa discriminatório e violador da liberdade de circulação de capitais Conclui que, a sentença recorrida faz uma interpretação errada dos preceitos legais pertinentes, designadamente dos vertidos nos artigos 56° e 58° do Tratado de Roma (atuais art.°s 63° e 65° do TFUE) e nos art.°s 2°, 4°, 46°, 80° e 88°, todos do CIRC vigente à data dos factos. Já a recorrida apregoa que a retenção operada na distribuição dos dividendos, por ser não residente, colide coim a liberdade de circulação de capitais, defendendo que a situação é comparável com a dos residentes, não indicando a recorrente factos donde se conclua que o não é. Acrescenta que enquanto não residente não tem como neutralizar os efeitos da tributação, enquanto que os residentes podem não ser tributados e havendo retenção podem recuperar o imposto, ao contrario daquilo que sucede na sua situação em que a retenção é definitiva. Analisando. A decisão recorrida concluiu, com base em jurisprudência da STA que cita, que a liquidação em causa afronta o direito da União Europeia, desde logo a livre circulação de capitais, na medida em que a liquidação se apoia no facto da impugnante não ser residente em Portugal, pois, se fosse, não lhe era aplicada a taxa de retenção definitiva que fora aplicada, sobre os dividendos que lhe foram distribuídos, provenientes de sociedades residentes em Portugal em que participava. E, também nós assim o entendemos. Na verdade, sumariou-se no acórdão do STA citado na decisão recorrida (datado de 24.10.2014, processo nº 01502/12), a respeito de situação semelhante, envolvendo as mesmas partes, que: III - A situação de um residente noutro Estado-Membro, sem estabelecimento estável em Portugal, que aufira rendimentos proveniente da distribuição de dividendos por uma sociedade residente em Portugal, é comparável à de uma sociedade residente em Portugal que aufira esses mesmos rendimentos. Pelo que é ilegal a retenção na fonte, a título definitivo, que incide sobre dividendos distribuídos a uma entidade residente noutro Estado-Membro, efectuada à luz da legislação fiscal portuguesa, por tal configurar uma violação da proibição de discriminação em razão da nacionalidade e do direito de livre circulação de capitais, consagrados nos arts. 12º e 56º do Tratado de Roma, face à dispensa de retenção de que, nos termos do CIRC, beneficiava, em idênticas condições, uma entidade residente, não havendo qualquer justificação válida para essa discriminação. IV - É a legislação do Estado da proveniência dos dividendos (no caso, Portugal) que deve assegurar que as entidades beneficiárias – residentes e não residentes – recebam um tratamento similar, conducente à eliminação de desvantagens desmotivadoras da movimentação transfronteiriça de capitais. Não obstante ser possível a tributação diferenciada a não residentes, tal ocorre em situações não comparáveis e/ou por razões de interesse geral. Porém, não é essa a situação concreta trazida, bastando-se a recorrente com uma alegação abstrata acerca dessa possibilidade, para concluir que o Tribunal a quo interpretou erradamente a livre circulação de capitais. Com efeito, apesar de defender que é possível a distinção entre residentes e não residentes, para efeitos de tributação, quando as situações não são idênticas, basta-se em fazer uma alegação generalizada, apresentando como único ponto diferenciador, precisamente, a residência ou não em território nacional. Ora, foi precisamente por se ter apoiado a tributação nesse fator diferenciador (residência) que o Tribunal entendeu que a tributação era ilegal. De resto, na situação colocada, tal como na situação analisada pelo já referido acórdão do STA (processo nº 01502/12, de 29.10.2014), citado na decisão recorrida, relativamente às mesmas partes, em que a questão a dilucidar era a mesma, pese embora os dividendos distribuídos respeitassem aos exercícios económicos de 2005 e 2006 (estando nestes autos em causa o ano de 2007/IRC), aquele alto Tribunal concluiu pela ilegalidade da liquidação/retenção na fonte por afrontar o direito europeu, desde logo a livre circulação de capitais e o princípio do primado, sublinhando que cabe à legislação do Estado da proveniência dos dividendos (no caso, Portugal) assegurar que as entidades beneficiárias – residentes e não residentes – recebam um tratamento similar, conducente à eliminação de desvantagens desmotivadoras da movimentação transfronteiriça de capitais. No direito interno vigente à data dos factos (2007), decorria da al. c) do n° 1 do artigo 88° do CIRC, conjugada com a al. h) do n° 2 do artigo. 5° do CIRS, os dividendos eram considerados proveitos resultantes de rendimentos de aplicação de capitais e, nessa medida, estavam sujeitos a retenção na fonte. Assim, não tendo sido acionada a referida Convenção, não há que ir indagar se ela era suscetível de neutralizar a eventual diferença de tratamento entre residentes e não residentes, isto é, neutralizar os invocados efeitos da restrição à livre circulação de capitais.  Do quadro legal acima enunciado, resulta com clareza, que uma instituição financeira residente em Portugal, quando recebia dividendos de sociedades residentes em Portugal, estava, em 2007, sujeita a um regime fiscal mais favorável do que o regime aplicável a uma instituição financeira não residente em Portugal e com residência fiscal noutro Estado Membro da UE, uma vez que esta última estava sujeita a retenção na fonte com carácter definitivo à taxa de 20%, enquanto a primeira se encontrava dispensada dessa retenção. Isto é, a tributação dos dividendos assumia contornos bem diversos consoante as beneficiárias fossem ou não entidades residentes, sendo que para o efeito se tinha em conta essa exclusiva qualidade, pois o único critério para determinar se a retenção assumia a natureza de um pagamento por conta ou se constituía um pagamento definitivo era o da residência da beneficiária (ficando a partir daí automaticamente excluída a possibilidade de uma entidade não residente ser dispensada da retenção), sendo que a possibilidade de deduzir ao lucro tributável os rendimentos relativos a dividendos (art. 46º CIRC) respeitava apenas a entidades residentes, e a isenção de tributação prevista no art. 14º quanto a entidades não residentes configurava ostensivamente uma situação mais desvantajosa. Ora, apesar de a Recorrente enunciar, de modo abstrato, que a situação das entidades residentes e não residentes não é comparável, ampara-se unicamente na residência, defendendo que o direito interno não viola os princípios do direito comunitário que consagram a liberdade de circulação de capitais, sublinhando que a retenção na fonte a título definitivo desonera o sujeito passivo não residente do cumprimento de qualquer obrigação acessória posterior a essa retenção, sendo a única tributação que sofre em Portugal e que a tributação pelo lucro real é apurada no Estado de residência. Mas, não é assim, como se evidencia desde logo pelo sumariado no acórdão do STA supra citado. Ademais, tal como se disse no acórdão do TJUE de 20.10.2011, prolatado no processo C-284/09 (Comissão/Alemanha), depois de recordar que embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados-Membros, estes devem exercer essa competência com observância do direito da União, devendo eliminar a dupla tributação, facilitando o agrupamento de sociedades à escala da União, que: 48. No que respeita a participações não abrangidas pela Directiva 90/435, compete aos Estados-Membros determinar se, e em que medida, deve ser evitada a dupla tributação económica ou em cadeia dos lucros distribuídos e adoptar, para esse efeito, de modo unilateral ou através de convenções celebradas com outros Estados-Membros, mecanismos destinados a evitar ou a atenuar essa dupla tributação económica ou em cadeia. No entanto, esta situação não lhes permite aplicar medidas contrárias às liberdades de circulação garantidas pelo Tratado CE (vº acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, nº 4; Amurta, nº 24; Comissão/Itália, nº 31; e Comissão/Espanha, nº 40). (…) 70. A República Federal da Alemanha não pode, por isso, alegar que a dedução do imposto retido na Alemanha ao imposto devido no outro Estado-Membro, em aplicação das convenções destinadas a evitar a dupla tributação, permite em todos os casos neutralizar a diferença de tratamento decorrente da aplicação do disposto na legislação fiscal nacional ou nas convenções que têm por efeito reduzir a taxa da retenção na fonte (v., igualmente, acórdãos, já referidos, Comissão/Itália, nº 39, e Comissão/Espanha, nº 64). 71. Por último, quanto ao argumento da República Federal da Alemanha, baseado no facto de que as sociedades beneficiárias de dividendos estabelecidas noutro Estado-Membro não estão obrigadas a pagar o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, ao qual estão sujeitas as sociedades beneficiárias de dividendos estabelecidas na Alemanha, basta recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, um tratamento fiscal desfavorável contrário a uma liberdade fundamental não pode ser considerado compatível com o direito da União pelo facto de existirem outras vantagens, mesmo supondo que essas vantagens existam (v., neste sentido, acórdãos de 6 de Junho de 2000, Verkooijen, C-35/98, Colect., p. I-4071, nº 61; Amurta, já referido, nº 75; e de 1 de Julho de 2010, Dijkman e Dijkman-Lavaleije, C-233/09, Colect., p.I-0000, nº 41). 72. Atendendo às considerações precedentes, deve concluir-se que a diferença de tratamento dos dividendos consoante são distribuídos a sociedades residentes ou não residentes, tal como estabelecida na legislação fiscal alemã, é susceptível de dissuadir as sociedades estabelecidas noutros Estados-Membros de efectuar investimentos na Alemanha, e pode também constituir um obstáculo à obtenção de capitais pelas sociedades residentes junto de sociedades estabelecidas noutros Estados-Membros. 73. Por conseguinte, a referida legislação constitui uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 56º, nº 1, CE.”. (sublinhado nosso) A legislação do Estado da proveniência dos dividendos (no caso, Portugal)  deve assegurar que as entidades beneficiárias, residentes e não residentes, recebam um tratamento similar, conducente à eliminação de desvantagens desmotivadoras da movimentação transfronteiriça de capitais, o que não sucedia in casu com a retenção definitiva. Posto isto, tal como frisou a decisão posta em crise, é evidente que a legislação nacional oferecia um tratamento desigual na tributação dos dividendos, apoiada exclusivamente com base no fator diferenciador da residência das beneficiárias, em claro desfavor da entidade não residente, redundando numa restrição à livre circulação de capitais, não consentida pelo artigo 56º do Tratado de Roma (atual art. 63º TFUE) e afronta do primado do direito comunitário, inexistindo, ante tudo que fomos expondo uma qualquer errada interpretação dos normativos internos a que a recorrente faz menção, desde logo por colidirem com o direito da União na interpretação dada pela recorrente e aqui expressa. Ainda no que tange às situações não comparáveis, pese embora, como visto, o elemento diferenciador tenha sido a residência (colidindo como visto com o Direito da União), elas têm de ser objetivamente comparáveis, impedindo que haja desmotivação (mercê da legislação fiscal) em permanecer no estado que não o da residência. Importa convocar, a este respeito, o sumariado no acórdão deste TCAS de 29.05.2024, tirado do processo nº 2057/18.9BELRS, onde se consignou que: IV-	Para que uma regulamentação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento nela prevista diga respeito a situações não comparáveis objetivamente (ou que se justifique por razões imperiosas de interesse geral), não sendo o caso da situação colocada em que as situações são objetivamente comparáveis (artigo 65º do TFUE). De salientar, também, o doutrinado no acórdão do TJUE, de 17 de março de 2022, proferido no processo n.º C-545/19, onde se sublinhou que: “Quanto à existência de uma restrição à livre circulação de capitais – 36. Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63º, n.º 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado-Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C-252/14, EU:C:2016:402, n.° 27 e jurisprudência referida, e de 30 de janeiro de 2020, Köln-Aktienfonds Deka, C-156/17, EU:C:2020:51, n.º 49 e jurisprudência referida)”. Pese embora a recorrente refira que a situação da recorrida não é comparável à dos residentes em território nacional a verdade é que o é, consoante o anota o acórdão do STA acima referido. Além disso, as diferenças de tratamento autorizadas pelo artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE devem ser distinguidas das discriminações proibidas pelo n.º 3 deste mesmo artigo. Para que uma regulamentação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento nela prevista diga respeito a situações não comparáveis objetivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral (v. acórdãos do TJUE de 10.04.2014, proc. C-190/12 e o acórdão Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen). É certo que, de acordo com o artigo 65º, n.º 1, alínea a) do TFUE, o disposto no artigo 63º TFUE não prejudica o direito de os Estados-Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido. Porém, esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita, não podendo ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado-Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o TFUE. A derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo, não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º do TFUE. Aqui chegados, e porque inexistem razões para divergir da jurisprudência quer do TJUE, quer do STA, quer deste TCAS, que norteou toda nossa apreciação, temos por certo que as conclusões recursivas terão de naufragar. Impera, pois, concluir que, a decisão recorrida não merece a censura que lhe é feita, tendo concluído com acerto ao determinar que a retenção em causa era ilegal e contrária ao direito comunitário, sendo, por isso, de manter na ordem jurídica, naufragando, por conseguinte, o recurso. * No que respeita a custas, considerando o princípio da causalidade vertido no artigo 122º nº 2 do CPPT e bem assim no 527º nº 1 e 2 do CPC, as custas ficam a cargo da recorrente por ser parte vencida, mantendo-se a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça (artigo 6º nº 7 do RCP). Tendo em conta o valor da ação (431.702,25€), e considerando que vai requerida a dispensa do remanescente da taxa de justiça, o que sempre poderia ser (ou não) dispensada por este Tribunal, importa percorrer uma análise sobre o decurso dos autos, atento o disposto no artigo 6º nº 7 do RCP, sendo certo que aquele normativo deve ser interpretada em termos de, ser lícito ao julgador dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fração ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, quando o valor da causa exceder o patamar de € 275.000,00, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminado pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade. Deve haver proporcionalidade entre o valor da taxa de justiça a pagar por cada interveniente no processo e a contraprestação inerente aos custos deste para o sistema de justiça dada a sua bilateralidade. A tramitação dos presentes autos, no que respeita à atividade processual, não foi extensa, não havendo sequer produção de prova testemunhal, seguindo a decisão recorrida de perto a jurisprudência do STA. A verdade é que as decisões proferidas quer na primeira quer na segunda instância, como se alcança da sua análise, não implicaram particular especialização jurídica ou técnica. No que respeita ao critério da conduta processual das partes nada existe de especial a censurar. Considerando o valor da ação (superior a 275.000 EUR), à simplicidade das questões colocadas, ao comportamento das partes ao longo do todo o processo, será de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça. Importa, por fim, trazer à colação o discorrido pelo STJ, em decisão singular prolatada em 20/12/2021 (relator Cons. Abrantes Geraldes), processo nº 2104712.8 TBALM.L1S1, disponível em www dgsi.pt, onde se consignou o seguinte: “Neste contexto, parece mais correta a tese segundo a qual o último órgão jurisdicional que intervém deve apreciar não apenas a dispensa ou redução da taxa de justiça no respetivo grau de jurisdição, mas também nos precedentes, como se reconheceu explicitamente nos Acs. do STJ, de 24-5-18, 1194/14 e de 8-11-18, 567/11, em www.dgsi.pt. Aliás, esta é a única solução que se harmoniza com o regime da taxa de justiça remanescente que agora emerge do nº 9 do art. 14º do RCP que recentemente foi introduzido, nos termos do qual a parte totalmente vencedora na ação - o que apenas se revela com o trânsito em julgado da decisão - fica desonerada do pagamento da taxa de justiça remanescente. (…) Note-se que o art. 6 nº 7 RCP ao definir o critério para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça está a pressupor um juízo de valoração global do processo, logo só pode ser feito com a decisão final, pelo que o argumento da autonomia dos recursos para efeito das custas (arts. 527 nº 1 CPC e 1 nº 2 RCP) não parece ser consistente, pois que uma coisa é a tributação autónoma em cada um dos graus de jurisdição, outra a dispensa do remanescente do pagamento da taxa de justiça. É certo que a taxa de justiça integra as custas (art.3 nº1 RCP), mas do que se trata não é da dispensa da taxa em cada um dos graus, mas da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nas causas de valor superior a € 275.000,00. Considerando que a Lei nº 27/2019 de 28/3, alterou o nº 9 do art. 14, dando-lhe a seguinte redacção - “9 - Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final” – daqui resulta agora que dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça já nem sequer está dependente do pedido do interessado, nem sequer da intervenção oficiosa do tribunal, porque a dispensa opera automaticamente (ope legis), e a única condição é obviamente que “não seja condenado a final”. Assim, face a todo o exposto, considera-se que, in casu, se encontram reunidos todos os pressupostos para que seja decretada a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, em ambas as instâncias, na parte em que excede o valor de €275.000,00. * V- DECISÃO Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida. Custas a cargo da recorrente com dispensa do remanescente da taxa de justiça. * Lisboa, 16 de outubro de 2025 Isabel Silva (Relatora) ___________________ Sara Loureiro (1ª adjunta) ______________ Ana Cristina Carvalho (2ª adjunta) ________________ |