Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:4439/23.5BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/29/2025
Relator:ANA CARLA TELES DUARTE PALMA
Descritores:ESPECIFICAÇÕES TÉCNICAS
RÓTULOS
CERTIFICADOS
ROTULAGEM E CERTIFICAÇÃO EQUIVALENTE
TRANSPARÊNCIA
CONCORRÊNCIA.
Sumário:I - A identificação dos requisitos de rotulagem e das especificações técnicas ou condições de execução do contrato objeto de certificação e o seu conhecimento pelos operadores económicos constitui uma exigência imposta pelo princípio da concorrência, aqui concretizado através das exigências de transparência, transversais a todo o procedimento e ao teor das suas peças, de forma a permitir que todos possam aceder e participar no procedimento em condições de igualdade;

II - A exigência à menção “ou equivalente”, prevista no artigo 42.º, n.º 3, alínea b), da Diretiva 2014/24, para os casos em que as especificações técnicas são identificadas por referência a normas, homologações técnicas ou especificações de referência, tem subjacente a finalidade de assegurar a maior abertura possível do procedimento à concorrência;

III - As características a comprovar através dos rótulos ou certificações equivalentes, ou de outros meios de prova, devem ser dadas a conhecer aos operadores económicos através das peças do procedimento, pois que é através delas que a entidade adjudicante expressa as normas através das quais se regerá o procedimento (programa do procedimento) e os termos da vontade de contratar apresentada ao mercado (caderno de encargos);

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de Contratos Públicos
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
*

Relatório

I..........................., S.A. intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa ação administrativa urgente de contencioso pré-contratual contra o INSTITUTO DE INFORMÁTICA, IP., indicando como contrainteressada, B………… - INFORMÁTICA E ………………….., LDA., no âmbito do concurso público n.º 2323000169 para o fornecimento de postos de trabalho para transformação e modernização do parque informático do MTSSS, em dois lotes (Lote A e Lote B).

Peticionou (i) a anulação do caderno de encargos na parte em que estabeleceu como especificações técnicas a “Certificação, normas e legislação Eficiência energética: TCO e EPEAT Gold (em qualquer país da união europeia)” ou equivalente e para os écrans externos, as seguintes especificações técnicas “Certificações Energy Star 7,0 e TCO Certified Displays 8 ” ou equivalente”; (ii) a anulação do ato de exclusão da proposta da autora para a celebração do contrato de fornecimento dos bens a que respeita o Lote A e (iii) a anulação do ato de adjudicação do contrato de fornecimento dos bens a que respeita o referido Lote à contrainteressada.

Peticionou, ainda, a condenação da entidade demandada a praticar os atos devidos adequados à admissão e ordenação da proposta da Autora para decisão da adjudicação da celebração do contrato para o fornecimento dos bens a que respeita o Lote A e graduação a final, conforme o critério de adjudicação.

Em 8.03.2024, o TAC de Lisboa proferiu saneador-sentença no qual julgou “a ação totalmente procedente, por provada, a presente ação e, em consequência, anulo o artigo 19.º, do Caderno de Encargos, na parte em que define para o lote A, as especificações técnicas relativas à “Certificação, normas e legislação” de eficiência energética, e de “certificações” dos ecrãs externos, e em consequência o respetivo ato de adjudicação e o ato de exclusão da proposta da autora.”

Dessa decisão foi interposto recurso de apelação para este TCA Sul, o qual, por decisão sumária da Relatora de 29.07.2024, declarou o tribunal hierarquicamente incompetente para conhecer do presente recurso, declarando competente para o efeito este Supremo Tribunal Administrativo.

O recurso foi admitido no STA, como recurso de revista per saltum, nos termos do disposto no artigo 151.° do CPTA.


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A recorrente concluiu a alegação nos termos seguintes:

«1.ª As Diretivas 88/295/ CEE e 93/36/CEE consagraram a preferência da formulação das especificações técnicas com utilização de normas comunitárias, nacionais, ou de proveniência de organismos próprios;

2.ª As Diretivas 2004/18/ CE e 2014/24/CE, esta última vigente, de forma inovadora consagram a discricionariedade de escolha entre as alíneas a) e b) do n° 3 do artigo 42°, prescindindo de qualquer fundamentação específica;

3.ª Do mesmo modo, o n° 7 do artigo 49° do CCP, que transpôs a norma precedentemente referida prescinde de qualquer fundamentação específica em relação às mesmas alíneas;

4.ª O artigo 19º do caderno de encargos na parte relacionada com as especificações técnicas sobre “Certificação, normas e legislação” de eficiência energética, e “certificações”dos ecrãs externos, cumpre com a alínea b) do n° 7 do artigo 49º do CCP ao abrigo da discricionariedade de escolha concedida pela norma;

5.ª O saneador-sentença deve ser revogado, por violação do corpo do n° 3 do artigo 42° da 2014/24/CE e do corpo do n° 7 do artigo 49a do CCP, declarando-se a legalidade da formulação do artigo 19° do caderno de encargos referente ao lote A da contratação “subjudice”, mantendo-se o ato de adjudicação e o ato de exclusão da proposta da Autora.»

A Recorrida apresentou contra-alegações, com ampliação do âmbito do recurso., tendo apresentados as seguintes conclusões da alegação:

«i) A douta sentença está devidamente fundamentada na decisão de anulação da cláusula 19a do Caderno de Encargos e, consequentemente, do acto de adjudicação e do acto de exclusão da proposta apresentada pela recorrida;

ii) Tal douto aresto interpretou e aplicou correctamente as normas dos arts. 42°, n.º 1, 49°, n° 1 n° 7 do CCP e, por nestas se ter incorporado a transposição da Directiva n.º 2014/24/ UB do Parlamento Europeu e o Conselho, também deu aplicação correcta a este normativo europeu, Pelo que devem improceder as conclusões do recurso.

Sem conceder, em ampliação do objecto do recurso,

iii) A modalidade para definição das especificações prevista na norma do art. 49°, n.º 7, al. b) do CCP sujeita a entidade adjudicante à escolha, por ordem de preferência, por referência a normas nacionais que transponham normas europeias, a homologações técnicas europeias, a especificações técnicas comuns, a normas internacionais c outros sistemas técnicos de referência estabelecidos pelos organismos europeus de normalização, ou quando estes não existam, a normas nacionais, a homologações técnicas nacionais ou a especificações técnicas nacionais;

iv) A. Cláusula 19ª do Caderno de Encargos foi fixada pelo recorrente pela modalidade prevista no art. 49°, n.º 7, al. b) do CCP, mediante a remissão para os certificados EPEAT Gold, TCO, Energy Star 7.0, TCO displajs ou equivalente;

v) Tal forma não evidencia quais as características e requisitos funcionais que os equipamentos a fornecer devem observar e, nomeadamente, se resultam ou têm origem em norma ou organismo europeu, ou se seguem a ordem de preferência legalmente imposta pela norma do art. 49°, n° 7, al. a) do CCP, dada a total ausência de fundamentação nesta parte pela entidade adjudicante (atenta a matéria de facto julgada como provada);

vi) Ocorrendo a sujeição da entidade adjudicante à obrigação de seguir ordem de preferência na definição das especificações técnicas, o recorrente tinha o dever de seguir tal ordem de preferência e, necessariamente, de a indicar e fundamentar na decisão de contratar ou na aprovação do caderno de encargos, o que não fez;

vii) Tal viola a norma do art. 152°, n° 1, al. a) do Código do Procedimento Administrativo (na medida em que a escolha e definição das especificações técnicas, em especial sujeitas a critério legal de preferência, afecta direito ou interesse legalmente protegido da recorrida, nomeadamente, no direito a que o caderno de encargos a que a sua proposta se dera conformar esteja elaborado de forma clara e transparente, nomeadamente evidenciando e cumprindo o critério e a ordem de preferência legalmente imposta na fixação daquelas especificações uma vez que o recorrido tenha optado, como optou, por seguir a modalidade prevista no art. 49", n° 7, al. b) do CCP na conformação do caderno de encargos),

viii) Bem como a norma do art. 49°, n° 1 e n° 7, al. b) do mesmo diploma legal (na medida em que sendo aqui fixado critério legal de preferência para escolha da forma de conformação da especificação técnica por remissão para normas nacionais que transponham normas europeias, homologações técnicas europeias, especificações técnicas comuns, normas internacionais, e outros sistemas técnicos de referência estabelecidos pelos organismos europeus de normalização, ou quando estes não existam, normas nacionais, a homologações técnicas nacionais ou a especificações técnicas nacionais, a entidade adjudicante tem de fundamentar a escolha que faça, de molde a permitir a percepção e sindicância dessa decisão face àquele critério legal de preferência), o que o recorrente não cumpriu,

ix) O que comporta a verificação do vício de violação da lei e a anulabilidade da Cláusula 19a do Caderno de Encargos e, consequentemente, do acto de adjudicação e do acto de exclusão da proposta da recorrida, como decidiu a douta sentença em crise.

Termos em que deve ser julgado improcedente o recurso interposto pelo recorrente, confirmando-se douta sentença impugnada.»

O Recorrente apresentou resposta à ampliação do objeto do recurso, apresentando as seguintes conclusões:

1.ª Os rótulos Energy Star, TCO e EPEAT são adequados ao Lote A e foram estabelecidos no caderno de encargos de forma transparente possibilitando, a quem não os possuísse, o exercido das alternativas previstas no artigo 43° da Diretiva 2014/24/CE;

2.ª A Recorrente usou corretamente a habilitação legal concedida pelo artigo 43° da Diretiva 2014/24/ CE, pelo artigo 49° A do CCP e pela Portaria n° 72/2018, de 9 de março;

3.ª A sentença não merece reparo ao não ter acolhido a fundamentação da Recorrida objeto da ampliação do recurso.

Por acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo foi concedido provimento ao recurso principal, com revogação da decisão recorrida e, quanto à ampliação do objeto do recurso, foi ordenada a baixa ao TCA Sul para aí ser ampliada a matéria de facto em ordem ao conhecimento do mérito da ampliação.

Já neste TCA Sul foi determinada a realização de prova pericial, nos termos ordenados no acórdão proferido pelo STA, e elaborado o relatório respetivo.


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O Ministério Público foi notificado para os efeitos previstos no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, e não emitiu pronúncia.

Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, foi o processo submetido à conferência para julgamento.


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O objeto do presente recurso, delimitado pelas conclusões da alegação apresentadas (cfr. artigos 635.º n.º 4, 637.º n.º 2 e 639.º, n.º 1, do CPC), é a sentença proferida pelo TACL, sendo a questão a decidir, nos termos doutamente identificados pelo STA, saber “se a decisão recorrida errou ao não julgar que a cláusula 19.ª do Caderno de Encargos (também) padece de vício de violação de lei por a entidade adjudicante ter fixado, na modalidade prevista no artigo 49.º, n.º 7, alínea b), do CCP, a remissão para os certificados “EPEAT Gold, TCO, Energy Star 7.0, TCO displays ou equivalente”, o que não evidencia quais os requisitos funcionais que os equipamentos a fornecer devem observar e, nomeadamente, se resultam ou têm origem em norma ou organismo europeu, dada a total ausência de fundamentação, nesta parte”.

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Fundamentação

O tribunal a quo, na sentença recorrida, considerou provados os seguintes factos:

«Textos no original»


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Ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, e no seguimento da prova pericial realizada, adita-se a seguinte factualidade ao elenco dos factos provados:

12. O certificado Energy Start 7.0 tem como requisito necessário que o produto seja comercializado nos Estados Unidos da América, Canadá, Japão, Taiwan ou Suíça;

E aos factos não provados:

1. os requisitos inerentes à obtenção dos certificados TCO, EPEAT Gold, Energy Star 7.0 e TCO Certified Displays 8, correspondem a normas nacionais que transponham normas europeias, homologações técnicas europeias, especificações técnicas comuns, normas internacionais, e outros sistemas técnicos de referência estabelecidos pelos organismos europeus de normalização, ou a normas nacionais, a homologações técnicas nacionais ou a especificações técnicas nacionais;

2. O rótulo EPEAT Gold permite perceber quais as características e requisitos funcionais concretos que um equipamento a fornecer deve observar, adequados ao Lote A do concurso.


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A alteração à decisão proferida sobre a matéria de facto assentou nas conclusões do relatório pericial apresentado, sendo que o segmento respeitante aos factos não provados derivou, quanto à matéria referida em 1., da circunstância de o senhor perito, no relatório, apesar de ter mencionado, a propósito de cada um dos certificados, que os mesmos se relacionavam com algumas normas, nacionais e europeias, não concluiu pela correspondência dos requisitos a certificar com alguma das normas indicadas; na verdade, foi indicada apenas a relação dos requisitos objeto das certificações com a legislação, nacional e europeia, em matéria ambiental e de eficiência energética, sem que do relatório possa extrair-se que a definição dos requisitos em causa de algum instrumentos normativo em concreto.

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Nos presentes autos temos que o recurso foi objeto de decisão pelo Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão prolatado a 17 de outubro de 2024, que lhe concedeu provimento, considerando que não existe qualquer preferência da alínea a), do artigo 49.º, do CCP, sobre a alínea b), que obrigue a que a aplicação desta última norma apenas possa ser feita se a entidade adjudicante demonstrar a impossibilidade de formulação das especificações técnicas de acordo com a primeira alínea e que a entidade demandada não estava obrigada a fundamentar a sua opção de escolha de uma determinada modalidade de formulação das especificação técnicas, concluindo que não se verificava, quanto à cláusula 19.ª do CE a invalidade que lhe vinha assacada, que era a de não ter sido demonstrado, pela entidade adjudicante, que a opção pela formulação prevista na alínea b) do n.º 7 do artigo 49.º, do CCP, em detrimento da prevista na alínea a), decorrera da impossibilidade de formulação das especificações técnicas de acordo com a formulação prevista na alínea a).

Ordenada a baixa dos autos a este TCA Sul para conhecimento da ampliação do objeto do recurso, após instrução e prova dos factos ainda controvertidos, resta conhecer da questão de saber se a remissão que é feita, na aludida cláusula 19.ª, para os certificados Epeat Gold, TCO, Energy Star 7,0 e TCO Dispays ou equivalente, permite evidenciar as características e requisitos funcionais a eles inerentes, de forma a aquilatar da possibilidade de apresentação de certificação equivalente.

Vejamos.

No presente segmento recursivo está em causa a questão de saber se a remissão, constante da cláusula 19.ª do CE, para a certificação energética TCO e EPEAT Gold, para os computadores portáteis, e para a certificação Energy Star 7.0 e TCO Certified Displays 8, para os ecrãs externos LCD, permite alcançar os requisitos inerentes a essa certificação, de forma a que possa ser apresentada certificação equivalente aos referidos certificados que, na tese da recorrida, requerente da ampliação do objeto do recurso, apenas existe para os equipamentos das marcas HP, Dell e Lenovo.

Enquadrando a questão:

Não está já em causa a estrita matéria das especificações técnicas dos equipamentos a fornecer e/ou as modalidades que podem ser utilizadas para essa formulação; essa questão foi debatida e decidida no recurso principal, através do acórdão prolatado pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Na presente ampliação do objeto do recurso está em causa a exigência de certificados e rótulos e a relação desta exigência com a normatividade a que se encontram sujeitos os procedimentos de formação de contratos públicos, mormente a que decorre da Diretiva 2014/24 e do Código dos Contratos Públicos.

A matéria respeitante à exigência de certificações e rótulos prende-se, já não com a definição das especificações técnicas, mas com a prova de que as mesmas são observadas nos equipamentos a fornecer, no caso da celebração de contratos de aquisição de bens móveis, como o presente.

A este respeito, rege o disposto no artigo 49.ºA, do CCP, que remete para a Portaria n.º 72/2018, de 9 de março, em cujo artigo 1.º, n.º 1, se determina que sempre que pretenda adquirir obras, bens móveis ou serviços com características específicas do ponto de vista ambiental, social ou outro, a entidade adjudicante pode, nas especificações técnicas, no critério de adjudicação ou nas condições de execução dos contratos, exigir rótulos específicos para atestar que as obras, bens móveis ou serviços correspondem às características exigidas. No artigo 2.º prevê-se a possibilidade de exigência de apresentação de certificados emitidos por organismos de avaliação como meio de prova da conformidade com os requisitos ou critérios estabelecidos nas especificações técnicas (destacado nosso).

Trata-se, assim, de atestar a conformidade do bem a fornecer com as características – especificações técnicas - exigidas.

A disposição do artigo 1.º, relativa à exigência de rótulos, faz, contudo, depender aquela exigência do preenchimento, cumulativo, das condições enunciadas nas alíneas do n.º 1, quais sejam:

a) Os requisitos de rotulagem digam exclusivamente respeito a critérios associados ao objeto do contrato e sejam apropriados para definir as características das obras, bens móveis ou serviços a que se refere o contrato;

b) Os requisitos de rotulagem sejam baseados em critérios objetivamente verificáveis e não discriminatórios;

c) Os rótulos sejam criados através de um procedimento aberto e transparente em que podem participar todas as partes interessadas, nomeadamente organismos governamentais, consumidores, parceiros sociais, fabricantes, distribuidores e organizações não-governamentais;

d) Os rótulos estejam acessíveis a todas as partes interessadas;

e) Os requisitos de rotulagem sejam definidos por um terceiro sobre o qual o operador económico que solicita o rótulo não possa exercer uma influência decisiva.

No n.º 3 determina-se a obrigação de aceitação, pela entidade adjudicante, de rótulos que confirmem que os bens obedecem a requisitos de rotulagem equivalente.

No tocante aos certificados, determina-se no n.º 2, do artigo 2.º, da Portaria n.º 72/2018, que quando a entidade adjudicante exigir a apresentação de certificados emitidos por um organismo de avaliação da conformidade específico, deve também aceitar os certificados de outros organismos de avaliação da conformidade equivalentes e, no n.º 4, a obrigação de aceitação de outros meios de prova, caso o operador económico não tenha acesso aos certificados ou aos relatórios de ensaio aí referidos, nem tenha qualquer possibilidade de os obter dentro dos prazos estabelecidos, desde que a falta de acesso não seja imputável ao próprio operador económico e desde que este prove que as obras, bens móveis ou serviços cumprem os requisitos ou critérios indicados nas especificações técnicas.

O centro da controvérsia situa-se, como visto, na circunstância, alegada pela recorrida, de a remissão para os rótulos e certificados em causa não permitir o conhecimento dos requisitos inerentes à sua obtenção, de forma a que os mesmos sejam comprovados através de rótulos ou certificados equivalentes ou por outros meios de prova, ou seja, das especificações técnicas cuja verificação visam certificar.

A matéria dos autos revela que a autora, aqui recorrida, instou a entidade adjudicante a prestar esse esclarecimento durante o prazo para apresentação das propostas, tendo solicitado, de forma expressa, esclarecimentos, quanto à certificação TCO, sobre se as seguintes certificações e cumprimento das seguintes diretivas poder-se-á considerar necessárias e suficientes para alcançar a equivalência à certificação TCO: - Ecodesign - Diretiva 2009/125/EC - RoHS - Diretiva 2011/65/EU (Diretiva europeia que proíbe certas substâncias perigosas) - Reach - Regulamento (CE) nº 1907/2006 - CE - Diretiva 2014/53/EU - Cumprimento do Regulamento (EU) 617/2013 - WEEE | Diretiva 2012/19/EU e quanto à certificação EPEAT, se as seguintes certificações e cumprimento das seguintes diretivas poder-se-á considerar necessárias e suficientes para alcançar a equivalência à certificação EPEAT: - Ecodesign - Diretiva 2009/125/EC - RoHS - Diretiva 2011/65/EU (Diretiva europeia que proíbe certas substâncias perigosas) - Reach - Regulamento (CE) nº 1907/2006 - CE - Diretiva 2014/53/EU - Certificação SA8000 - Cumprimento do Regulamento (EU) 617/2013 - WEEE | Diretiva 2012/19/EU (ponto 4 do probatório), sendo que a tal solicitação a entidade adjudicante respondeu que o júri apreciará a equivalência em face dos elementos que os concorrentes integrem nas propostas (ponto 5 dos factos provados), não tendo dado resposta às concretas questões colocadas.

A autora apresentou proposta e, durante a fase de análise da sua regularidade, a instâncias do júri a respeito da demonstração da equivalência às certificações exigidas, respondeu nos termos que constam do ponto 7. dos factos provados, referindo, entre o mais, que

“…1- A I........................... é a fabricante dos equipamentos propostos fornecer ao abrigo deste concurso.

2- Os rótulos (certificações) elencados como especificações no caderno de encargos (TCO e EPEAT Gold e Energy Star e TCO certified display para os monitores) e os seus equivalentes importam, como é notório, procedimento junto das entidades acreditadas que não podem ser concluídas intervalo de tempo entre anúncio da abertura do concurso e o termo do prazo para apresentação de propostas, pelo que a ausência formal desses títulos (rótulos) não pode ser imputado a culpa de quem quer que seja. Resulta de uma impossibilidade para equipamentos que não tenham já os rótulos concedidos pelas entidades acreditadas.

3- Nos termos do art. 2º, nº 4 da Portaria nº 72/2018, de 09 de Março, “As entidades adjudicantes devem aceitar outros meios de prova adequados além dos enunciados no n.º 1, como a documentação técnica do fabricante, caso o operador económico em causa não tenha acesso aos certificados ou aos relatórios de ensaio aí referidos, nem tenha qualquer possibilidade de os obter dentro dos prazos estabelecidos, desde que a falta de acesso não seja imputável ao próprio operador económico e desde que este prove que as obras, bens móveis ou serviços cumprem os requisitos ou critérios indicados nas especificações técnicas, no critério de adjudicação ou nas condições de execução do contrato”.

4- Como tal, para prova da conformidade dos produtos propostos vem juntar as declarações e documentação técnica que se anexa,

5- E oferece a entrega de um equipamento de amostra para cada tipologia de produto a fornecer, para verificação e comprovação da sua conformidade com os normativos equivalentes indicados.

(…)

12- Não pode a proponente deixar de manifestar o seguinte:

. O certificado EPEAT ou o certificado TCO não constituem especificações técnicas, mas sim rótulo comprovativo da conformidade com determinadas especificações técnicas pretendidas.

Como prevê o art. 1º, nº , da Portaria nº 72/2018 de 09 de Março, “Sempre que pretenda adquirir obras, bens móveis ou serviços com características específicas do ponto de vista ambiental, social ou outro, a entidade adjudicante pode, nas especificações técnicas, no critério de adjudicação ou nas condições de execução dos contratos, exigir rótulos específicos para atestar que as obras, bens móveis ou serviços correspondem às características exigidas (…)”.

Donde decorre que a entidade adjudicante, se exige rótulos específicos para atestar determinadas características do produto a adquirir, terá de indicar claramente nas pelas do procedimento (designadamente no caderno de encargos) quais as características técnicas que pretende atestados pelos rótulos que exija. É um requisito básico para o cumprimento do princípio da transparência e da proibição da limitação da concorrência. A mera e isolada exigência de um determinado rótulo ou equivalente, sem mais (sem indicação das características que se pretendam ver atestadas por tal rotulagem) é uma limitação abusiva da concorrência, que afasta todas as propostas que ainda que cumprissem as características técnicas pretendidas (se identificadas), não dispõe do rótulo o equivalente, E, especificamente, impede proposta que se proponha fornecer for bem novo e inovador, a produzir à medida das especificações técnicas que o CE estabeleça para o produto a adquirir (que sendo à medida, é obvio que não terá rotulagem, mas poderá assegurar o cumprimento das especificações que tal rotulagem visasse atestar, desde que tais especificações estejam devidamente publicitadas no CE).”

O júri, no relatório final, reiterando a posição já assumida no relatório preliminar, manteve a proposta de exclusão da proposta apresentada pela autora, reafirmando que o mesmo não demonstrou pelos documentos contidos na sua proposta, a equivalência às certificações TCO e EPEAT Gold (em qualquer país da união europeia)” para os equipamentos portáteis, e às certificações “Energy Star 7.0 e TCO Certified Displays para os Ecrãs externos LCD 24".

Retornando à questão que constitui o objeto da presente ampliação do objeto do recurso, importa saber se a remissão para as certificações e rótulos exigidos na cláusula 19.ª do CE permitia aos concorrentes que não pretendessem fornecer equipamentos de marcas detentoras dessa certificação, perceber ou conhecer os requisitos técnicos e funcionais que as mesmas visavam atestar, de forma a obter certificados equivalentes ou proceder à prova da existência de tais requisitos através de outros meios.

E a resposta não pode senão ser negativa.

Na verdade, não resulta dos factos provados quais os requisitos, características ou norma técnica cuja conformidade se pretende seja atestada através das certificações e rótulos exigidos; a identificação dos requisitos de rotulagem e das especificações técnicas ou condições de execução do contrato objeto de certificação e o seu conhecimento pelos operadores económicos constitui uma exigência imposta pelo princípio da concorrência, aqui concretizado através das exigências de transparência transversais a todo o procedimento e ao teor das suas peças, de forma a permitir que todos possam aceder e participar no procedimento em condições de igualdade.

Os factos provados, para além de revelarem que um dos certificados exigidos - O certificado Energy Start 7.0 - tem como requisito necessário que o produto seja comercializado nos Estados Unidos da América, Canadá, Japão, Taiwan ou Suíça (ponto 12 do probatório), o que está em flagrante contradição com o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 1.º da Portaria n.º 72/2018, que exige que os rótulos sejam acessíveis a todas partes interessadas, não demonstram que os requisitos inerentes à sua obtenção correspondam a alguma norma técnica ou tenham sido identificados pela entidade adjudicante, designadamente nas peças do procedimento que os exigiram. É o que se extrai dos factos elencados no ponto 5 do probatório e em 1. e 2. dos factos não provados.

A exigência à menção “ou equivalente”, prevista no artigo 42.º, n.º 3, alínea b), da Diretiva 2014/24, para os casos em que as especificações técnicas são identificadas por referência a normas, homologações técnicas ou especificações de referência tem subjacente a finalidade de assegurar a maior abertura possível do procedimento à concorrência. Do mesmo modo, o disposto no artigo 43.º, ao prever, quanto aos rótulos, que as autoridades adjudicantes que exijam um determinado rótulo devem aceitar todos os rótulos que confirmem que as obras, fornecimentos ou serviços obedecem a requisitos de rotulagem equivalentes, e, bem assim, as disposições do artigo 44.º, quanto à certificação e outros meios de prova, que determinam, no parágrafo 3.º do n.º 1, que quando as autoridades adjudicantes exigirem a apresentação de certificados emitidos por um organismo de avaliação da conformidade específico, devem também aceitar os certificados de outros organismos de avaliação da conformidade equivalentes e, no n.º 2, que as autoridades adjudicantes devem aceitar outros meios de prova adequados além dos enunciados no n.º 1, como a documentação técnica do fabricante, caso o operador económico em causa não tenha acesso aos certificados ou aos relatórios de ensaio referidos no n.º 1, nem qualquer possibilidade de os obter dentro dos prazos estabelecidos, desde que a falta de acesso não seja imputável ao próprio operador económico e desde que este prove que as obras, fornecimentos ou serviços por ele prestados cumprem os requisitos ou critérios indicados nas especificações técnicas, nos critérios de adjudicação ou nas condições de execução dos contratos.

E é inquestionável, para que tais desideratos sejam cumpridos, a necessidade de que as características a comprovar através dos rótulos ou certificações equivalentes, ou de outros meios de prova, sejam dados a conhecer aos operadores económicos através das peças do procedimento, pois que é através delas que a entidade adjudicante expressa as normas através das quais se regerá o procedimento (programa do procedimento) e os termos da vontade de contratar apresentada ao mercado (caderno de encargos). Mais, as peças do procedimento cumprem também a função de garante da observância dos princípios que regem os procedimentos de formação de contratos, designadamente no tocante à transparência e igualdade de tratamento, no acesso e durante o procedimento, de que são expressão, além do mais, as exigências de estabilidade e clareza subjacentes aos limites relativos aos esclarecimentos e retificação do seu teor.

Assim, da circunstância de os requisitos correspondentes às certificações exigidas não terem expressão nas peças do procedimento, a par com a de a obtenção do certificado Energy Start 7.0 ter como requisito necessário que o produto seja comercializado nos Estados Unidos da América, Canadá, Japão, Taiwan ou Suíça, resulta a violação do disposto nos artigos 49.º, n.º 4, e 49.º-A, do CCP, nos artigos 1.º, n.º 1, alínea d), e n.º 3, e 2.º, n.ºs 2 e 4, da Portaria n.º 72/2018, de 9 de março e, bem assim, dos princípios da transparência e da concorrência, previstos no artigo 1.ºA, n.º 1, do CCP e, em consequência, a invalidade da cláusula 19.ª do CE, que as exigiu.

Da invalidade da referida cláusula resulta a invalidade dos atos que a tiveram como pressuposto, quais sejam, o ato de exclusão da proposta da autora e o ato de adjudicação, que devem ser anulados.

Deve, assim, ser concedido provimento à ampliação do objeto do recurso, declarada a ilegalidade da cláusula 19.ª do caderno de encargos e anulados ato de adjudicação e de exclusão da proposta apresentada pela autora.

As custas do recurso ampliado serão suportadas pela recorrente, em razão do decaimento, que foi total (cfr. artigo 527.º, do CPC).

Decisão

Por tudo o que vem de ser expendido, acordam em conferência os juízes que compõem a presente formação da subsecção de Contratos Públicos da secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso ampliado e julgar a ação procedente, declarando a ilegalidade da norma contida na cláusula 19.ª do caderno de encargos e anulando o ato de adjudicação e o que determinou a exclusão da proposta apresentada pela autora.

Custas do recurso ampliado pela recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 29 de maio de 2025


Ana Carla Teles Duarte Palma (relatora)

Jorge Pelicano

Helena Telo Afonso