Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1882/21.8BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 06/05/2025 |
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Relator: | MARIA DA LUZ CARDOSO |
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Descritores: | CESE – 2020 INCONSTITUCIONALIDADE INDEMNIZAÇÃO PRESTAÇÃO GARANTIA |
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Sumário: | I - É inconstitucional, por violação do artigo 13.º da CRP, o artigo 2.º, alínea d), do Regime Jurídico da CESE vigente em 2020. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO P........, S. A. (doravante Recorrente), veio recorrer da sentença proferida a 29.11.2022, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual se julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida, contra o indeferimento da reclamação graciosa nº 32........, apresentada contra o ato tributário de autoliquidação de Contribuição Extraordinária Sobre o Setor Energético (doravante, CESE) respeitante ao ano de 2020, no valor global de € 6.135.681,62. Nas suas alegações de recurso, formulou, a final, as seguintes conclusões: “A. A S........ não exerce qualquer actividade no sector electroprodutor, nem sequer em qualquer outro subsector da electricidade, pelo que em nada contribui para o problema da dívida tarifária do SEN, não beneficiando, pois, de nenhuma forma directa ou especial, da actividade do Estado exercida no âmbito do problema em causa (o mesmo acontecendo com grande parte dos sujeitos passivos da CESE). B. Não tendo qualquer relação com a dívida tarifária do SEN, a S........ não contribuiu ou beneficiou das circunstâncias que geraram esse problema, pelo que não tem também relação com o consequente desequilíbrio orçamental que o Estado português assumiu como objectivo anular ou atenuar (o mesmo acontecendo com grande parte dos sujeitos passivos da CESE) - e que, em rigor, constituiu o único objectivo da CESE, não só em 2014, ano a que respeitam os actos tributários cuja declaração de ilegalidade se requer, mas também até ao momento. C. A Recorrente não é parte da causa de tal desequilíbrio, nem retirará da actuação estadual nesse aspecto qualquer benefício que não seja partilhado, em princípio na mesma medida, por todos os particulares. D. Relativamente ao financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético, que o legislador também inscreveu formalmente como justificação da CESE, não se conhecem, com um grau mínimo de probabilidade objectiva, passados quase três anos do início de vigência do tributo, qual a natureza, o conteúdo e a importância das mesmas, razão pela qual nunca poderemos dar por demonstrada a sua indispensabilidade e, portanto, que os sujeitos passivos do tributo poderão em princípio, alguma vez, ser efectivos beneficiários de uma ou mais das políticas em causa. Ora, se não conseguimos para já vislumbrar uma probabilidade séria desse efectivo benefício, tem de ser dar por não provado enquanto comprovado o benefício potencial ou presumido. E. Aliás, mesmo que pudéssemos estabelecer uma ligação entre um benefício decorrente das políticas em questão e a actividade das empresas energéticas que não actuam no sector da produção de electricidade - no qual se gerou o problema da dívida tarifária e o consequente desequilíbrio orçamental -, sempre essa ligação seria insuficiente para assegurar a legitimidade da CESE, na medida em que aquelas empresas continuariam a suportar um tributo cuja receita (a restante receita) é afecta a um objectivo com o qual nada têm a ver (a redução da dívida tarifária do sector electroprodutor) e a um outro cuja solução beneficia de igual modo, geral e indiscriminadamente, todos os particulares - para além de ser ele próprio, em parte, uma consequência daquela dívida tarifária (a consolidação orçamental). F. De tudo isto sobra que o único objectivo do tributo à luz do qual a sua exigência à Recorrente é perceptível (ainda que não juridicamente sustentável) é o objectivo do financiamento das despesas gerais do Estado e da consolidação das contas públicas, um desiderato tipicamente prosseguido através dos tributos unilaterais. G. Tanto assim é que, desde o início de vigência do tributo, esse foi o único objectivo prosseguido efectivamente pelo Estado com a receita da CESE: dos autos resulta que aquela receita não foi afecta à redução da dívida tarifária do SEN, porque a parte respectiva nunca chegou a ser transferida, para esse efeito, para o Fundo, nem a qualquer outra política tendente à sustentabilidade do sector energético. H. Em face do exposto, a CESE não cabe no campo dos tributos bilaterais ou sinalagmáticos (taxas ou contribuições financeiras), por não respeitar o princípio da equivalência: os montantes exigidos não o são para o exercício de uma actividade do Estado de que os sujeitos passivos concretamente em causa beneficiem (directa ou indirectamente, efectiva ou presumivelmente, de modo suficientemente distinto da generalidade dos particulares não abrangidos pela incidência do tributo), não sendo sequer possível dizer que a actividade a financiar é originada, específica ou genericamente, pela daqueles sujeitos passivos. I. A CESE é, pois, um verdadeiro imposto - um imposto especial sobre alguns operadores de um sector de actividade específico, em razão da sua alegada capacidade contributiva particular. J. A CESE é um imposto materialmente inconstitucional, por violação do princípio da capacidade contributiva, subprincípio em que se concretiza no campo dos impostos o princípio constitucional da Igualdade (artigo 13° da Constituição), porque a sua base de incidência subjectiva atinge contribuintes que pouco ou nada têm a ver com os fins declarados da “contribuição” (não são de todo beneficiados com as actividades estaduais que a receita pretende financiar nem deram origem aos problemas que aquela é suposto colmatar) - designadamente todos aqueles que não actuam no âmbito do sector da produção de electricidade, como é caso da ora Recorrente. K. Vista como um imposto sobre o rendimento, a CESE viola ainda o princípio da capacidade contributiva por, ao ter como base objectiva o valor dos activos das empresas abrangidas, constituir uma aproximação indirecta ou presumida aos lucros das mesmas - uma aproximação ou presunção fantasiosa, puramente conjecturada do rendimento real, que facilmente conduzirá a resultados arbitrários: com efeito, a CESE permite ao Estado apurar uma colecta sobre lucros ainda que nenhuma capacidade contributiva se revele efectivamente nessa forma, ou uma colecta igual ou superior aos lucros efectivamente obtidos, caso em que representará uma taxa de 100% ou mais de tributação do rendimento e, nessa medida, um imposto confiscatório. L. Além disso, a CESE tem um efeito de dupla tributação e sobreposição ao IRC que é inaceitável, acentuado pela decisão do legislador de impedir que aquela seja dedutível em sede do referido imposto, o que define com especial clareza a violência do tributo e a sua inconstitucionalidade, mesmo se considerado como um imposto sobre o património ou uma contribuição financeira, pelo menos por violação do princípio da proporcionalidade. M. E, na verdade, a CESE apresenta problemas inultrapassáveis também ao nível do respeito devido pelo princípio da proporcionalidade, o qual é violado, em primeiro lugar, na sua dimensão de idoneidade ou adequação, porque a CESE não é um instrumento tendente a resolver o problema da dívida tarifária do SEN - um dos objectivos legislativamente declarados da medida, ao qual é consignado uma parte importante da respectiva receita: não se trata de uma medida que possa assegurar a eliminação ou sequer uma atenuação séria, estrutural, dessa dívida tarifária (mediante uma alteração das regras vigentes em que assenta a sua existência), mas antes, simplesmente, de uma fonte de receita obtida a fim de o Estado continuar a assegurar o objectivo político central quanto à matéria em causa, ou seja, proteger os consumidores finais de electricidade do esforço de redução da dívida tarifária, impedindo o aumento dos preços em medida pelo menos aproximada à exigida por aquela redução. N. Neste sentido, a CESE é uma medida inócua e indiferente, tendo por referência a sua aproximação ao fim visado, e até contraproducente, porque produz o efeito negativo de adiar a resolução dos desequilíbrios do SEN e, assim, prolongar e acentuar o problema. O. Depois, a CESE viola o princípio da proporcionalidade também porque é consignada em parte ao financiamento de políticas sociais e ambientais no mesmo ano em que, por exemplo e desde logo, foi reduzida a taxa de IRC em dois pontos percentuais, perdendo-se uma receita pública, já existente, que poderia obviamente servir para aquele fim (não está, assim, cumprida a dimensão da necessidade ou exigibilidade em que assenta a regra da proporcionalidade), P. e ainda porque, apesar de os objectivos declarados do legislador serem importantes, nunca poderão ser considerados como pretextos suficientes para justificar o prejuízo económico e patrimonial que a CESE inflige nos seus sujeitos passivos, ainda para mais de modo tão violador do princípio da igualdade: na incidência, lembre-se, são incluídas entidades - como a S........ - que pouco ou nada têm a ver com as causas dos problemas que suscitaram a criação do tributo ou que pouco ou nada beneficiarão, directa e especialmente, com a solução de tais problemas (desrespeita-se, assim, a dimensão da proporcionalidade em sentido estrito ou do equilíbrio). Q. A Sentença a quo deveria, pois, ter decidido no sentido da desaplicação dos artigos 2.°, 3.°, 4.°, 11.° e 12.° do regime jurídico da CESE, em vigor em 2019 através do artigo 313° da Lei n.° 71/2018, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2019), aqueles que concretizam as violações da Constituição arguidas nos autos. Não o tendo feito, incorre em vício de violação de lei, devendo por isso ser revogada. Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com todas as consequências legais, designadamente a anulação da Sentença recorrida.” * A Fazenda Pública (doravante Recorrida) devidamente notificada não contra-alegou. * O Exmo. Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso. * Colhidos os vistos legais (artigo 657º, n. º2 do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 281º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)), cumpre apreciar e decidir. * Delimitação do objeto do recurso Em ordem ao consignado no artigo 639º do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282º do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. As questões a decidir são: i) Saber se a sentença recorrida padece do apontado vício de violação de lei ao não ter decidido no sentido da desaplicação dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do regime jurídico da CESE. * II. FUNDAMENTAÇÃO II.1- De facto “IV - Fundamentação A - Fundamentação de facto Matéria de facto provada: Com relevância para a decisão da causa, considera-se provada a seguinte matéria de facto: 1. A Impugnante é uma sociedade anónima que exerce atividade no setor energético, no âmbito da refinação de petróleo, e tem sede em território nacional – cfr. processo administrativo de reclamação graciosa; 2. Em 7.12.2020, a Impugnante procedeu ao preenchimento e entrega da declaração modelo 27, de autoliquidação de CESE, nº 27000007583, relativa ao ano de 2020, apurando o valor de contribuição extraordinária a pagar de € 6.135.681,62 – cfr. doc. 1, junto ao processo instrutor de reclamação graciosa; 3. Não sendo pago aquele valor dentro do prazo previsto, foi instaurado o processo de execução fiscal nº 32........, para cobrança do valor da autoliquidação de CESE impugnada e ainda dos valores de € 310.086,76, relativo a juros de mora, e de € 61.585,76, relativo a custas, tendo a ora Impugnante prestado garantia – cfr. processo administrativo tributário (PAT); 4. A ora Impugnante apresentou reclamação graciosa contra o ato identificado em 2, com os fundamentos e juntando os documentos constantes do PAT, aqui dados por reproduzidos; 5. A reclamação graciosa foi tramitada sob o nº 32........, sendo elaborado pela Unidade dos Grandes Contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira projeto de decisão de indeferimento, com os fundamentos constantes do processo instrutor de reclamação graciosa, aqui dados por reproduzidos; 6. Por despacho de 21.06.2021, foi decidido o indeferimento da reclamação graciosa, concordando com as informações antecedentes – cfr. doc. 3, junto aos autos com a p.i., e processo instrutor de reclamação graciosa.” * “Matéria de facto não provada: Inexistem factos com relevância para a decisão da causa que importe destacar como não provados.” * “Motivação da decisão sobre a matéria de facto: A convicção do tribunal sobre a matéria de facto formou-se com base na análise crítica dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo tributário apenso, não impugnados, conforme referido a propósito de cada número do probatório.” * II.2 - De direito In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou a impugnação improcedente. Pela presente ação visa a Impugnante sindicar o ato de autoliquidação da CESE, referente ao ano de 2020, no valor de € 6.135.681,62 e, ainda da decisão que indeferiu a reclamação graciosa apresentada pela Impugnante. Para tanto alegou em síntese que: - O tributo subjacente aos atos tributários impugnados nos autos é materialmente inconstitucional, por ter a natureza de imposto, cujas bases de tributação subjetiva e objetiva violam o princípio da capacidade contributiva, concretização do princípio da igualdade, consagrado no art. 13º da Constituição da República Portuguesa (CRP), desenvolvido também, no que respeita à base objetiva, pelo princípio da tributação das empresas pelo lucro real (cfr. n.º 2 do artigo 104º da CRP); - Mais entende que, mesmo que a CESE pudesse ser considerada uma verdadeira contribuição financeira, ainda assim seria um tributo materialmente inconstitucional, pois, nessa circunstância, constituiria uma restrição do direito de propriedade imposta em violação do princípio da proporcionalidade, constante do n.º 2 do artigo 18º da Constituição, para além de violar igualmente o princípio da igualdade, uma vez que, na sua generalidade, os aspetos do regime que significam uma entorse ao princípio da capacidade contributiva (justificação material típica dos impostos) encerram também a violação do princípio da equivalência (o subprincípio do princípio da igualdade aplicável no caso dos tributos para comutativos, como as contribuições e as taxas); - Aduz ainda que, independentemente da sua configuração dogmática concreta, a CESE é um tributo materialmente inconstitucional também por violação do princípio da proibição da consignação de receitas a determinadas despesas, constante do n.º 3 do artigo 105º da Constituição (e concretizado pelo artigo 7º da Lei do Enquadramento Orçamental, o que de resto origina também a ilegalidade qualificada do regime do tributo, dado que aquela lei tem valor reforçado), sendo falsa a invocada natureza extraordinária e transitória da CESE. O Tribunal a quo decidiu pela improcedência do peticionado. Discorda a Recorrente do teor da sentença recorrida, que no seu entender padece de vício de violação de lei ao não ter decidido no sentido da desaplicação dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do regime jurídico da CESE, em vigor em 2019 através do artigo 313º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2019), aqueles que concretizam as violações da Constituição arguidas nos autos. Vejamos então de que lado esta a razão. Para a Recorrente, os atos deveriam ter sido anulados uma vez que o tributo que lhe subjaz é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da capacidade contributiva, subprincípio em que se concretiza no campo dos impostos o princípio constitucional da Igualdade (artigo 13º da Constituição), porque a sua base de incidência subjetiva atinge contribuintes que pouco ou nada têm a ver com os fins declarados da “contribuição” (não são de todo beneficiados com as atividades estaduais que a receita pretende financiar nem deram origem aos problemas que aquela é suposto colmatar) – designadamente todos aqueles que não atuam no âmbito do sector da produção de eletricidade, como é caso da ora Recorrente. Defende ainda nas suas conclusões de recurso, que, “Vista como um imposto sobre o rendimento, a CESE viola ainda o princípio da capacidade contributiva por, ao ter como base objectiva o valor dos activos das empresas abrangidas, constituir uma aproximação indirecta ou presumida aos lucros das mesmas – uma aproximação ou presunção fantasiosa, puramente conjecturada do rendimento real, que facilmente conduzirá a resultados arbitrários: com efeito, a CESE permite ao Estado apurar uma colecta sobre lucros ainda que nenhuma capacidade contributiva se revele efectivamente nessa forma, ou uma colecta igual ou superior aos lucros efectivamente obtidos, caso em que representará uma taxa de 100% ou mais de tributação do rendimento e, nessa medida, um imposto confiscatório” [conclusão K.]. Mais refere a Recorrente, que, “E, na verdade, a CESE apresenta problemas inultrapassáveis também ao nível do respeito devido pelo princípio da proporcionalidade, o qual é violado, em primeiro lugar, na sua dimensão de idoneidade ou adequação, porque a CESE não é um instrumento tendente a resolver o problema da dívida tarifária do SEN – um dos objectivos legislativamente declarados da medida, ao qual é consignado uma parte importante da respectiva receita: não se trata de uma medida que possa assegurar a eliminação ou sequer uma atenuação séria, estrutural, dessa dívida tarifária (mediante uma alteração das regras vigentes em que assenta a sua existência), mas antes, simplesmente, de uma fonte de receita obtida a fim de o Estado continuar a assegurar o objectivo político central quanto à matéria em causa, ou seja, proteger os consumidores finais de electricidade do esforço de redução da dívida tarifária, impedindo o aumento dos preços em medida pelo menos aproximada à exigida por aquela redução” [conclusão M.]. A decisão sob escrutínio, fazendo eco da jurisprudência do Tribunal Constitucional, do STA e deste Tribunal Central Administrativo Sul, considerou estarmos perante uma contribuição financeira e que a mesma não padecia de quaisquer dos vícios de inconstitucionalidade que lhe eram dirigidos pela aqui apelante, pelo que julgou a impugnação improcedente. Acontece, porém, que no que respeita à CESE, pelo menos desde 2019, quer o Tribunal Constitucional, quer o STA, bem como este Tribunal, inverteram o sentido da decisão, passando a considerar que o artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE padece de inconstitucionalidade material. O Supremo Tribunal Administrativo, no seu recente Aresto de 12/02/2025, proferido no processo n º 0367/23.2BEAVR, confrontado com as mesmas questões que aqui se encontram em dissidio, sustentou a inconstitucionalidade desta contribuição, amparando-se na jurisprudência do Tribunal Constitucional, argumentando do seguinte modo: “A questão suscitada nestes autos é, essencialmente, tal como configurada pela Recorrente, a de saber se as normas do regime da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (“CESE”), em particular os artigos 2.º, 3.º, 6.º, 11.º e 12.º, na versão e período de vigência conferidos pelo artigo 6º da Lei n.º 99/2021, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2022), que prorrogou a CESE para 2022, padecem de inconstitucionalidade. Entende a Recorrente que os referidos artigos enfermam de inconstitucionalidade material no que concerne às normas de incidência subjetiva e objetiva, por violação dos princípios: da proporcionalidade, da igualdade, da equivalência, da consignação de receitas a determinadas despesas; por restrição ao direito da proporcionalidade e, por fim, por a CESE assumir natureza não extraordinária, perene e não transitória, não constituindo, por conseguinte, como era o objetivo inicial, uma medida excecional. No âmbito da questão que se coloca, é importante fazer a seguinte contextualização. O problema suscitado não é novo, tendo a CESE sido objeto de múltiplas decisões jurisprudenciais, desde logo no âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, mas também no âmbito do próprio Tribunal Constitucional. Todavia, denota-se, no âmbito da jurisprudência existente, uma demarcação clara entre o que foi entendido até 2018 e o posicionamento que tem vindo a prevalecer a partir de 2019. Até ao ano de 2018 foi entendido, de forma reiterada, que não eram inconstitucionais as normas objeto dos sucessivos pedidos de controlo, sempre na esteira do primeiro aresto que se pronunciou sobre esta questão – o acórdão do TC n.º 7/2019. A partir de 2019, porém, houve uma inflexão do posicionamento, até então maioritário. Isto é, do exercício de 2019 em diante, houve uma inversão da jurisprudência, passando-se a decidir no sentido da inconstitucionalidade da CESE (cfr. os acórdãos do TC n.ºs 196/2024, 197/2024, 336/2024, 337/2024, 338/2024 e 427/2024). Havendo, denote-se, uma reiteração desse juízo de inconstitucionalidade da CESE em situações em que estava precisamente em causa a tributação de empresas dos setores de distribuição de gás natural, como é o caso da Recorrente (decorre da matéria provada que, ponto 1, «[a] Impugnante é uma sociedade comercial com sede em território português, que integra o setor energético nacional e exerce a sua atividade no âmbito do provisionamento e distribuição de gás natural e outros gases combustíveis canalizados»), tal como foi evidenciado pelos acórdãos: 443/2024, 475/2024, 476/2024, 712/2024, 445/2024, 517/2024, 553/2024 e o 930/2024. Esta nova linha jurisprudencial, tem na sua base o acórdão n.º 101/2023 do TC que, sem prejuízo de não ter sido acolhida pelo TC logo no contexto do exercício do ano 2018 (afastada pelos acórdãos n.º 338/2023 e 720/2023), passou, todavia, a dominar a partir do momento em que começam a estar em causa o exercício de 2019 ou seguintes. Linha essa que foi sintetizada, com mestria, pelo acórdão 197/2024, ao dizer: «a linha jurisprudencial traçada pelo Acórdão n.º 101/2023 assenta na ideia de que “[…] as alterações operadas pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, ao regime de afetação das verbas do FSSSE, ao qual se encontra consignada a receita da CESE, descaracterizaram o nexo paracomutativo entre certa categoria de sujeitos e as finalidades do tributo a tal ponto que deixou de ser possível, uma vez entrado em vigor o novo quadro legal, fundamentar a oneração do seu património no princípio da equivalência. Para tais sujeitos, pois, a CESE passou a constituir, em virtude de tal alteração de regime, um verdadeiro imposto, sem que o mesmo encontre respaldo algum no princípio da capacidade contributiva» Tendo sido, portanto, sobretudo como decorrência desse posicionamento que no acórdão 101/2023 do TC se decidiu «[j]ulgar inconstitucional, por violação do artigo 13.º da Constituição, o artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2018 pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro), na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º do mesmo regime, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2018, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural (nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, na sua redação atual)»: – Posicionamento seguido e replicado nos vários arestos acima referidos, no contexto de vários exercícios subsequentes a 2018. Ora, o cerne da linha argumentativa decorrente do acórdão 101/2023 e dos que o seguiram é plenamente transponível para o caso sub judice, relativo à CESE de 2022, que se refere, justamente, a um sujeito passivo que exerce a sua atividade no âmbito do provisionamento e distribuição de gás natural e outros gases combustíveis canalizados, atividade expressamente referida nos vários arestos aludidos. Pelo que se apresenta como inelutável o alinhamento deste Supremo Tribunal com a jurisprudência do TC divulgada em relação à matéria em apreço, no sentido de que, também aqui, o artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE – (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro), cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2022 pelo artigo 6º da Lei n.º 99/2021, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2022), na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º do mesmo regime, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2022, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural – violar o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa. Decorre do exposto a necessária desaplicação do artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE em que se funda a exigência de pagamento da CESE à Recorrente. A inconstitucionalidade da norma atrás identificada, justifica, por si, a procedência do presente recurso e consequente anulação dos aludidos atos tributários.” Em igual sentido, e após pronúncia do Tribunal Constitucional relativamente a uma CESE, podemos ver o Acórdão daquele mesmo Alto Tribunal datado de 12.05.2025, no processo nº 01074/22.9BEPRT. Tratando-se de situações similares à dos presentes autos, por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cf. artigo 8º n.º 3 do Código Civil), acolhemos a argumentação jurídica dos acórdãos citados, o que vale por concluir que o recurso procede e que a sentença recorrida, por padecer do erro de julgamento que lhe foi imputado, não se pode manter. Com efeito, a inconstitucionalidade da norma do artigo 2.º d) do Regime Jurídico da CESE justifica, por si, a procedência do presente recurso e a consequente anulação do ato tributário impugnado, ficando prejudicada a apreciação da constitucionalidade suscitada pela Recorrente relativamente às restantes normas que indicou do regime jurídico da CESE. Aqui chegados, subsiste apenas por analisar o pedido de reembolso do imposto e condenação no pagamento de juros indemnizatórios, e bem assim a indemnização para prestação indevida de garantia. Diga-se antes de, mais, que sobre esta questão, já se pronunciou este Tribunal Central Administrativo Sul, designadamente no seu recente Acórdão de 08.05.2025, tirado no processo nº 1350/20.5BELRS, no qual a ora Relatora interveio na qualidade de adjunta e, não existindo razão para dele divergir, bem como por forma a obtermos uma interpretação e aplicação uniformes do direito, em obediência ao artigo 8º do Código Civil, passamos a transcrever: “Com efeito é peticionado no seu articulado inicial o seguinte: “o reembolso do montante do imposto autoliquidado que tenha sido ou venha entretanto a ser pago; (iv) em caso de efectivo pagamento do imposto, a declaração do direito da Impugnante ao pagamento de juros indemnizatórios por parte da AT, de acordo com o princípio estatuído nos artigos 43º e 100º da LGT; e, (v) a declaração do direito da Impugnante ao pagamento da indemnização prevista nos artigos 53º da LGT e 171º do CPPT em virtude da prestação indevida de garantia para suspensão do processo executivo instaurado para cobrança coerciva do montante não pago voluntariamente.” A verdade é que tais pedidos não podem proceder, por um lado, por não resultar provado o pagamento do imposto, e por outro lado, porque a garantia prestada não é passível de subsunção no artigo 53.º da LGT. Com efeito, no atinente ao pedido de reembolso e pagamento de juros indemnizatórios, inexiste qualquer prova nos autos de que tenha sido efetuado o pagamento da liquidação anulada, inviabilizando, per se e na presente data, o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios. Ora, destinando-se os juros indemnizatórios a compensar o contribuinte pelo prejuízo causado pelo pagamento indevido de uma prestação tributária, sendo, portanto, pressuposto do seu reconhecimento o pagamento do tributo, não resultando, in casu, demonstrado o pagamento da liquidação impugnada, não há que reconhecer o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, carecendo de qualquer justificação legal a condenação no pagamento de juros indemnizatórios de forma condicional [vide, designadamente, Acórdãos do TCAS, proferidos nos processos nºs 194/20, e 2017/08, de 18.05.2023 e 14.01.2020, respetivamente]. No concernente ao pedido de indemnização por prestação indevida de garantia, importa relevar que, não obstante resulte demonstrada a prestação de fiança no âmbito do processo de execução fiscal nº 32……., respeitante à cobrança coerciva da CESE, ora, em contenda, a verdade é que não se encontram reunidos os pressupostos para a atribuição da indemnização por prestação indevida de garantia, constantes no artigo 53.º da LGT, concretamente a prestação “de garantia bancária ou equivalente”. E isto porque, apenas se subsumem no teor do citado normativo as formas de garantia que impliquem para o interessado suportar uma despesa cujo montante vai aumentando em função do período durante o qual aquela é mantida, delas sendo exemplo a garantia bancária, o seguro caução, mas já não a fiança. A este propósito, chama-se à colação o Acórdão do STA, proferido em Plenário, no processo nº 018/20, de 04 de novembro de 2020, o qual se reporta, justamente, a uma questão de fiança totalmente transponível para o caso dos autos, no qual refere, de forma, expressa no seu sumário que: “Para os efeitos indemnizatórios previstos no artigo 53.º da L.G.T., não é de considerar a fiança entre as garantias (“bancária ou equivalente”) de que depende a sua aplicação.” Vide, no mesmo sentido, Acórdãos do STA, proferidos nos processos nºs 03025/17, de 09 de janeiro de 2019, 0469/14, de 10 de outubro de 2018 e 0528/12, de 24 de outubro de 2012, e também a doutrina, particularmente, JORGE LOPES DE SOUSA1(Vide CPPT Anotado e Comentado, Áreas Editora, VoI. III, 6ª edição, pág. 346), e ANTÓNIO LIMA GUERREIRO (em anotação ao artigo 53.º na sua LGT anotada, Edição Rei dos Livros, página 245). Logo, face ao exposto, encontrando-nos, no caso vertente, perante a prestação de uma fiança, e não estando, de todo, demonstrado, que incorreu em custos com a sua prestação, falta a premissa base para a atribuição da visada indemnização. É certo que existindo danos, devidamente demonstrados, alegadamente sofridos pela Impugnante pela prestação e manutenção da garantia o seu ressarcimento pode ser peticionado mediante a dedução da competente ação de responsabilidade civil extracontratual e verificação dos pressupostos atinentes ao efeito. Como doutrina o aludido Acórdão do STA, proferido em Plenário “[o] que não significa que o lesado nos seus direitos patrimoniais pela prestação desta garantia (ou de outras, como a hipoteca e penhor), não possa exigir a reparação dos prejuízos que efectivamente sofreu, por se tratar de direito que lhe é assegurado não só pelo art.º 22º da Constituição como pela Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (Lei nº 67/2007, de 31.12). Terá, porém, de intentar para o efeito acção judicial para efectivar essa responsabilidade civil da administração tributária, onde terá de invocar e provar todos os danos que sofreu, tal como se deixou, aliás, frisado na sentença recorrida.” Como tal, improcede o aludido pedido, porquanto falta o competente pressuposto legal. Uma nota final para relevar que, não obstante a Recorrida tenha decaído no atinente à condenação no pagamento dos juros indemnizatórios, e na indemnização para prestação indevida de garantia, nos moldes e imputações supra evidenciados e para os quais se remete, a verdade é que não tendo a aludida revogação expressão quantitativa para efeitos de decaimento, decretar-se-á, a final, que as custas serão a cargo da Recorrida. * Verificando-se que o valor da ação é de € 6.135.681,62 , mas, sendo a complexidade desta causa (recurso) esbatida pela existência de vasta jurisprudência, anterior, firmada, bem como por nada haver a censurar à conduta processual das partes, e atendendo ao facto do montante da taxa de justiça devida se afigurar manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe, dispensa-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 7 do RCP, estabelecendo-se como limite o valor da taxa de justiça até ao máximo de € 275.000,00. * III. DECISÃO Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em consequência, julgar procedente a impugnação anulando-se o ato impugnado e improcedente o pedido de restituição da quantia indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios e inerente pedido de indemnização de prestação de garantia. Custas pela Recorrida. Registe e notifique. Lisboa, 5 de junho de 2025. ---------------------------------- [Maria da Luz Cardoso] ---------------------------------- [Vital Lopes] ------------------------------ [Isabel Silva] |