Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 28692/25.0BELSB |
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Secção: | JUIZ PRESIDENTE |
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Data do Acordão: | 07/10/2025 |
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Relator: | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
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Descritores: | CONFLITO DE COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA JUÍZO ADMINISTRATIVO SOCIAL JUÍZO ADMINISTRATIVO COMUM ELEIÇÃO REITOR UNIVERSIDADE PÚBLICA |
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Sumário: | I. O juízo administrativo comum é o juízo competente para apreciar ação administrativa urgente (contencioso eleitoral) onde o que está em causa é a rejeição da candidatura do A. a reitor de uma universidade pública, por não se tratar de um litígio emergente do vínculo de emprego público (incluindo a sua formação). |
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Votação: | DECISÃO SINGULAR |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Decisão [art.º 36.º, n.º 1, alínea t), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF)] I. Relatório Foi requerida, oficiosamente, junto deste TCAS, ao abrigo do disposto na alínea t) do n.º 1 do art.º 36.º do ETAF e n.º 2 do art.º 110.º e n.ºs 1 e 3 do art.º 111.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), a resolução do Conflito Negativo de Competência, em Razão da Matéria, suscitado entre o Senhor Juiz do Juízo Administrativo Comum do Tribunal Administrativo de Círculo (TAC) de Lisboa e a Senhora Juíza do Juízo Administrativo Social mesmo Tribunal, uma vez que ambos se atribuem mutuamente competência, negando a própria, para conhecer da ação administrativa urgente (contencioso eleitoral) que P …………………….. (doravante A.) intentou contra a Universidade Nova de Lisboa (doravante R. ou UNL). Chegados os autos a este TCAS, foi dado cumprimento ao disposto no art.º 112.º, n.º 1, do CPC. Nada foi dito. Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público (IMMP), nos termos do art.º 112.º, n.º 2, do CPC, que emitiu pronúncia no sentido de a competência ser atribuída ao Juízo Administrativo Comum.
É a seguinte a questão a decidir: a) A competência para decidir ação urgente de contencioso eleitoral, em que está em causa um litígio sobre a rejeição da candidatura apresentada pelo Autor deliberada pela Comissão Eleitoral da UNL, cabe ao Juízo Administrativo Social do TAC de Lisboa ou ao Juízo Administrativo Comum do mesmo Tribunal?
II. Fundamentação II.A. Para a apreciação do presente conflito, são de considerar as seguintes ocorrências processuais, documentadas nos autos: 1) Em 20.05.2025, o A. intentou, no TAC de Lisboa, ação administrativa urgente (contencioso eleitoral) contra a R., na qual veio reagir contra “a rejeição da candidatura apresentada pelo Autor deliberada pela Comissão Eleitoral” e formulou pedido de anulação do ato impugnado (cfr. petição inicial). 2) Foi proferida decisão, no TAC de Lisboa – Juízo Administrativo Comum, a 26.05.2025, da qual se extrai designadamente o seguinte: “[A] relação material controvertida é subsumível na competência do juízo social, tal como se encontra definida na norma citada, por corresponder a um litígio referente à formação de um vínculo de emprego público (al. b), i)), nos termos previstos no art.º 6.º da LGTFP. E não na competência do juízo administrativo comum, a qual é residual tal como prevista na al. a) do n.º 1 do art.º 44.º-A do ETAF. (…) Nestes termos, julga-se o juízo administrativo comum incompetente em razão da matéria e ordena-se a remessa do processo ao juízo administrativo social do presente tribunal” (cfr. documento com o n.º de registo neste TCAS 005661651). 3) A decisão referida em 2) foi notificada à parte e ao IMMP e os autos foram remetidos à secção central e distribuídos no Juízo Administrativo Social (cfr. documento com os n.ºs de registo neste TCAS 005661654 a 005661659). 4) Foi proferida decisão no TAC de Lisboa – Juízo Administrativo Social, a 02.06.2025, da qual se extrai designadamente o seguinte: “[N]ão se trata aqui de um qualquer litígio emergente de vínculo de emprego público, outrossim, de um procedimento eleitoral para Reitor da ED, tanto mais que, em processos de idêntico jaez que se encontram a correr termos pelo JAC deste Tribunal – caso dos processos n.ºs 10803/25.8BELSB e 21479/25.2BELSB -, tal questão não foi sequer suscitada, não se vislumbrando razão para in casu se decidir diferentemente. Acresce que, como é consabido, os Tribunais superiores vêm afirmando, que a norma constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 44.º-A do ETAF (segundo a qual ao juízo administrativo social compete dirimir, para além das demais matérias que lhe sejam deferidas por lei, os processos relativos a litígios (i) emergentes do vínculo de trabalho em funções públicas e da sua formação, para o que aqui releva, deve ser interpretada no sentido mais restrito (v.g. vide Acórdão de 29/03/2022, Proc. n.º 1961/21.1BELSB), o que, no cotejo com o objecto do litígio, o coloca no âmbito da competência residual do JAC” (cfr. documento com o n.º de registo neste TCAS 005661662). 5) Quando os presentes autos chegaram a este Tribunal, ambas as decisões judiciais tinham sido notificadas ao IMMP e à parte e não tinham sido objeto de recurso (cfr. plataformas SITAF e Magistratus). * II.B. Apreciando. Considerando o quadro processual descrito, cumpre decidir qual o juízo de competência especializada administrativa materialmente competente para o conhecimento dos autos. Vejamos, então. Nos termos do art.º 36.º, n.º 1, alínea t), do ETAF, compete ao Presidente de cada Tribunal Central Administrativo “conhecer dos conflitos de competência entre tribunais administrativos de círculo, tribunais tributários ou juízos de competência especializada, da área de jurisdição do respetivo tribunal central administrativo”, sendo que, no âmbito do contencioso administrativo, os conflitos de competência jurisdicional encontram-se regulados nos art.ºs 135.º a 139.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA). Estabelece-se no n.º 1 do art.º 135.º do CPTA que a resolução dos conflitos “entre tribunais da jurisdição administrativa e fiscal ou entre órgãos administrativos” segue o regime da ação administrativa, com as especialidades resultantes das diversas alíneas deste preceito, aplicando-se subsidiariamente, com as necessárias adaptações, o disposto na lei processual civil (cfr. art.ºs 109.º e ss. do CPC). Por sua vez, o art.º 136.º do mesmo diploma estatui que “a resolução dos conflitos pode ser requerida por qualquer interessado e pelo Ministério Público no prazo de um ano contado da data em que se torne inimpugnável a última das decisões”. Entende-se (como tem sido pacífico na jurisprudência deste TCAS) que, apesar de o art.º 136.º do CPTA manter a redação originária, a mesma não afasta a aplicação da norma constante do n.º 1 do art.º 111.º do CPC, a qual deve ser também aplicada no contencioso administrativo, com as devidas adaptações, ex vi art.º 135.º, n.º 1, do CPTA. Ademais, o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (art.º 13.º do CPTA). Atenta a data de entrada em juízo da presente ação administrativa, é ainda de considerar o disposto no art.º 44.º-A do ETAF, na redação ora vigente, nos termos do qual: “1 - Quando tenha havido desdobramento em juízos de competência especializada, nos termos do disposto no artigo 9.º, compete: (…) b) Ao juízo administrativo social, conhecer de todos os processos relativos a: i) Litígios emergentes do vínculo de emprego público, incluindo a sua formação; ii) Exercício do poder disciplinar; iii) Formas públicas ou privadas de previdência social; iv) Pagamento de créditos laborais por parte do Fundo de Garantia Salarial; v) Efetivação de responsabilidade civil emergente de atos ou de omissões ocorridos no âmbito das relações jurídicas referidas nas subalíneas anteriores; vi) Demais matérias que lhe sejam deferidas por lei” (sublinhado nosso). Para melhor aferir o alcance da subalínea i) da alínea b) do n.º 1 do art.º 44.º-A do ETAF, chama-se à colação o entendimento de Fernanda Esteves («A propósito da especialização dos Tribunais Administrativos e Fiscais», Comentários à legislação processual administrativa, Vol. I, AAFDL, Lisboa, 2020, pp. 501 e 502), ainda a propósito da anterior redação do art.º 44.º-A do ETAF: “A especialização dos tribunais suscita novos problemas na delimitação das competências dos tribunais porque introduz novos critérios de distribuição da competência interna. (…) [A] expressão da lei é equívoca. Ao aludir - na alínea b) do n.° 1 do artigo 44.°-A do Estatuto - ao “vínculo do trabalho em funções públicas”, o legislador afasta-se da terminologia específica adotada no artigo 6.° da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e segundo o qual o “trabalho em funções públicas” abrange o “vínculo de emprego público” e o “contrato de prestação de serviço” (este previsto no artigo 10.° da mesma Lei). Afigura-se-me, em todo o caso, que a utilização da expressão “vínculo” nos remete para todos os elementos-chave da prestação de trabalho na modalidade de “vínculo de emprego público”, incluindo o da subordinação jurídica…”. Refere-se, a este respeito, no II Relatório Intercalar do Grupo de Trabalho para a Justiça Administrativa e Fiscal (1): “[A] implementação da especialização em matéria administrativa nos tribunais administrativos de círculo (TAC) – n.ºs 4 e ss. do artigo 9.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) – degenerou em conflitos negativos de competência, em razão da matéria, fundados em interpretações antagónicas do sentido normativo do artigo 44.º-A do ETAF. Na medida em que esses conflitos, redundando no retardamento da prolação das decisões de mérito que interessam aos destinatários da justiça, colocam em causa a eficácia e a eficiência dos TAC, cumpre atuar urgentemente, a nível legislativo, no sentido de diminuir a possibilidade da sua ocorrência. Na medida em que uma mais fina delimitação da competência, em razão da matéria, dos juízos de competência especializada administrativa dos TAC é a única medida que, em concreto, permite solucionar o problema acima identificado, propõe-se que o artigo 44.ºA do ETAF seja objeto de alteração, no seguinte sentido: − A competência dos juízos administrativos sociais (alínea b) do n.º 1 do artigo 44.ºA do ETAF) seja clarificada no sentido de abranger os processos relativos: o Ao vínculo de emprego público, incluindo a sua formação; o Ao exercício do poder disciplinar; o A formas públicas ou privadas de previdência social; o Ao pagamento de créditos laborais por parte do Fundo de Garantia Salarial; o À efetivação da responsabilidade civil emergente de atos ou de omissões ocorridos no âmbito das relações jurídicas descritas nas alíneas anteriores; o Às demais matérias que lhe sejam deferidas por lei”. A redação que foi dada ao art.º 44.º-A do ETAF, pelo DL n.º 74-B/2023, de 28 de agosto, foi justamente nesse sentido. Portanto, temos que são da competência do juízo administrativo social os litígios emergentes do vínculo de emprego público, incluindo a sua formação, sendo que o conflito ora a dirimir se centra em saber se o litígio em causa se enquadra neste conceito. Adiantemos que a resposta é negativa. Vejamos, então. Desde logo, cumpre sublinhar o que, no nosso ordenamento, se entende por “vínculo de emprego público”, o que nos remete para a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, e que consubstancia o seu anexo. Nos termos do seu art.º 6.º, n.º 3: “3 - O vínculo de emprego público reveste as seguintes modalidades: a) Contrato de trabalho em funções públicas; b) Nomeação; c) Comissão de serviço”. Nos art.ºs 7.º a 9.º são densificados alguns dos caracteres inerentes a cada uma destas três modalidades de vínculo de emprego público: Vejamos agora a situação, in casu. No caso dos autos, de contencioso eleitoral, o A. vem insurgir-se contra o ato que rejeitou a sua candidatura a reitor da UNL. Nos termos do art.º 4.º do regime jurídico das instituições de ensino superior (RJIES; Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro): “1 - O sistema de ensino superior compreende: a) O ensino superior público, composto pelas instituições pertencentes ao Estado e pelas fundações por ele instituídas nos termos da presente lei”. O mesmo regime prescreve que o reitor é um dos órgãos de governo das universidades públicas [cfr. o seu art.º 77.º, n.º 1, alínea b)], sendo “o órgão superior de governo e de representação externa da respetiva instituição” e “o órgão de condução da política da instituição e [que] preside ao conselho de gestão” (cfr. art.º 85.º). O reitor é eleito pelo conselho geral (cfr. art.º 86.º). Nos termos do art.º 86.º, n.º 3, “[p]odem ser eleitos reitores de uma universidade professores e investigadores da própria instituição ou de outras instituições, nacionais ou estrangeiras, de ensino universitário ou de investigação”. No caso de uma universidade pública, eleito o reitor, tal eleição é homologada pelo ministro da tutela [cfr. art.º 27.º, n.º 2, alínea d)]. Caso a universidade pública revista a forma de fundação pública, a deliberação do conselho geral de designação do reitor é homologada pelo conselho de curadores [cfr. art.ºs 9.º, n.º 1, 129.º e ss., e 133.º, n.º 2, alínea b)]. No caso da UNL, a mesma foi transformada em fundação pública, como decorre do DL n.º 20/2017, de 21 de fevereiro. De acordo com os estatutos da UNL, homologados pelos Despachos Normativos n.º 2/2017, de 11 de maio, e n.º 3/2020, de 06 de fevereiro, o reitor é seu órgão de governo [cfr. art.ºs 5.º, n.º 1, alínea b), e 14.º], eleito pelo Conselho Geral [cfr. art.ºs 11.º, n.º 1, alínea b), e 15.º, n.º 1, dos Estatutos e art.º 5.º do Regulamento eleitoral para a eleição do Reitor da Universidade Nova de Lisboa – Despacho n.º 2286/2021, do Conselho Geral da UNL, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 41, de 01.03.2021]. “Podem candidatar-se ao cargo de Reitor os professores catedráticos ou investigadores coordenadores da Universidade NOVA de Lisboa ou de outras instituições, nacionais ou estrangeiras, de ensino universitário ou de investigação que tenham experiência relevante de gestão” (art.º 15.º, n.º 4; cfr. ainda o art.º 3.º, n.º 1, do já mencionado Regulamento eleitoral). Feito este introito, conclui-se que o que está em causa é a eleição de um órgão de governo de uma universidade que integra o ensino superior público, não estando nós, atentos os termos referidos na LTFP, perante qualquer vínculo de emprego público (não estamos perante nenhum contrato de trabalho em funções públicas, nem nomeação, nem comissão de serviço, mas perante uma eleição e subsequente homologação), nem sendo a existência de um vínculo de emprego público pressuposto para se ter capacidade eleitoral passiva para tal cargo, como resulta evidenciado no enquadramento legal referido supra. Portanto, não se trata, in casu, de um litígio emergente do vínculo de emprego público, incluindo a sua formação. Como tal, a resolução de litígios, como o dos presentes autos, é da competência do Juízo Administrativo Comum, concretamente, in casu, do Juízo de Administrativo Comum do TAC de Lisboa [art.º 5.º e art.º 44.º-A, n.º 1, alínea a), ambos do ETAF; art.º 2.º, n.º 1, alínea a), do DL n.º 174/2019, de 13 dezembro, conjugado com a alínea a) do art.º 1.º da Portaria n.º 121/2020, de 22 de maio].
III. Decisão Face ao exposto, decide-se o presente conflito pela atribuição de competência para a tramitação e decisão do processo ao Juízo Administrativo Comum do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa. Sem custas. Registe e notifique. Baixem os autos (incluindo o respetivo processo cautelar apenso). Lisboa, d.s. A Juíza Desembargadora Presidente, (Tânia Meireles da Cunha) Organismos/JUSTICA/IIRelatorio_Grupo_Trabalho_Justica_Administrativa_Fiscal_Fevereiro2022_18Fev.pdf. |