Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:401/09.9BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:10/16/2025
Relator:TERESA COSTA ALEMÃO
Descritores:IRC
MAIS-VALIAS
DÉFICE INSTRUTÓRIO
Sumário:I – Recaindo embora sobre as partes o ónus da prova dos factos constitutivos, modificativos e/ou extintivos de direitos, a actividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos compete também ao Tribunal, o qual, atento o disposto nos arts.13.º, do CPPT e 99.º da LGT, deve realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade, assim se afirmando, sem margem para dúvidas, o princípio da investigação do Tribunal Tributário no domínio do processo judicial tributário;
II - Tendo em conta a causa de pedir invocada e os documentos juntos aos presentes autos, verifica-se, claramente, uma situação de défice instrutório, já que, atendendo à invocação da tradição do imóvel no ano de 2003, importava apurar se esse imóvel ainda constava do imobilizado da Impugnante nesse ano, importava juntar documentos que demonstrassem o pagamento do preço do imóvel na altura da tradição, bem como os documentos comprovativos dos pagamentos das despesas e do IMI invocado pela Impugnante.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO


A Fazenda Pública veio interpor recurso da sentença proferida em 21 de Setembro de 2021 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por B........, Lda. e, em consequência, anulou a liquidação adicional de IRC n° ........259 referente ao exercício de 2004.

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:

« A. Vem o presente recurso reagir da douta sentença proferida em 2021-09-21, no processo n.° 401/09.9BESNT, que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida pela Recorrida B........, Lda., com o NIPC 501….., contra a liquidação adicional de IRC n.° ……259, do exercício de 2004, no valor de € 143.283,67 (cento e quarenta e três mil, duzentos e oitenta e três euros e sessenta e sete cêntimos), acrescido de € 19.549,38 (dezanove mil, quinhentos e quarenta e nove euros e trinta e oito cêntimos) de juros compensatórios, de 2008-11-24.

B. No presente recurso, pretende-se que sejam apreciados os diversos vícios incorridos (na opinião da RFP) pela douta sentença recorrida, designadamente (i) a nulidade da sentença por obscuridade,

(ii) o erro no julgamento da matéria de facto por (a) défice instrutório, (b) erro no julgamento dos factos provados constantes das alíneas E), F), G), I), J), K) e N), (c) na ilação que retira dos factos provados, ao concluir que, no ano de 2003, a Recorrida não se encontrava na posse do prédio, e

(iii) no erro no julgamento de direito, na aplicação da norma constante do artigo 18.° do Código do IRC ao caso concreto, violando o princípio da especialização dos exercícios, e, consequentemente, na desaplicação da norma constante do artigo 58.°-A do Código do IRC e na condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios.

C. No facto provado constante em E), julgou o Tribunal a quo que “A tradição do imóvel referido na alínea B) ocorreu durante o ano de 2003 (cfr. doc. 5 junto com a p.i.);", cf. fls. 4 da sentença, sem esclarecer na sua fundamentação se utilizou o termo tradição no seu contexto jurídico-civilístico, i.e., que a transmissão da posse ocorreu no ano de 2003 (cf. a alínea b) do artigo 1263.° do Código Civil), ou se o prédio simplesmente ficou à disposição da sociedade C........, Lda.

D. De facto, nos diversos excertos, o Tribunal refere que “Daqui resulta que o acto de colocação dos bens à disposição do adquirente é relevante para efeitos da determinação do momento em que os proveitos devem ser considerados independentemente da celebração da respectiva escritura." (sublinhado nosso), e “No caso, atendendo a que pela documentação junta pela Impugnante se verifica que, em 2003, a Impugnante já não estava na posse do imóvel, presume-se que o ganho foi obtido nesse ano." (sublinhado nosso), cf. fls. 8 e fls. 10 da douta sentença recorrida.

E. Ora, explica o Professor LUÍS A. CARVALHO FERNANDES que, “Na tradição, como a própria al. b) do art.° 1263.° especifica, há um acto do possuidor antigo que, material ou simbolicamente, envolve a atribuição da posse ao novo possuidor, pela transmissão da situação de facto, que o habilita a exercer sobre a coisa actos correspondentes ao exercício do direito possuído.”, in Lições de Direitos Reais, 4.a Edição (Reimpressão), Quid Juris Sociedade Editora, Lisboa, 2004, página 298 e 299.

F. Sendo distinta a colocação dos bens à disposição e a transmissão da posse, afigura-se relevante que a douta sentença recorrida tivesse esclarecido qual julgou ter ocorrido, dado que, por um lado, sem a transmissão da posse (a tradição da coisa no sentido jurídico-civilístico do termo) no ano de 2003 o enquadramento efetuado pela douta sentença recorrida não tem aplicação ao caso concreto; por outro lado, o entendimento de que ocorreu a tradição da coisa - i.e., que a posse foi transmitida da Recorrida para a futura adquirente no ano de 2003 - é um manifesto erro na apreciação da prova produzida nos autos.

G. O facto de a RFP ter de recorrer com fundamento nas duas coisas - i.e., no erro de facto e no erro de direito - é sintomático de que a sentença recorrida não é clara na sua fundamentação, não esclarecendo cabalmente o intérprete sobre os elementos essenciais do seu julgamento e vendo- se a RFP na contingência de trabalhar perante dois cenários: o da transmissão da posse (o erro no julgamento de facto) ou da colocação dos bens à disposição (erro no julgamento de Direito).

H. Acresce que, a fls. 6 da sentença, escreveu o julgador que “No que se refere ao IRC e às actividades empresariais do IRS, não existe no CIRC disposição fiscal que permita encontrar a separação do momento em que se verifica a transmissão fiscal daquele em que se verifica a transmissão civil. Este facto, poderá querer dizer que, para efeitos de IRC, só existe uma transmissão, com efeitos civis e tributários, ou seja, aquela que é operada com a celebração da escritura pública, tal como acontece no imposto do selo. Todavia, no IRC, a lógica é diferente:” (sublinhado nosso).
I. Não se retira nenhum sentido deste parágrafo. O que pretendeu dizer o julgador: que o Código do IRC determina que a transmissão fiscal ocorre com a transmissão civil - “não existe no CIRC disposição fiscal que permita encontrar a separação do momento em que se verifica a transmissão fiscal daquele em que se verifica a transmissão civil’?, ou que o Código do IRC determina que a transmissão fiscal é diferente da civil - “Todavia, no IRC, a lógica é diferente”?

Que o Código do IRC tem solução idêntica ao Código do IRS e ao Código do Imposto do Selo - “No que se refere ao IRC e às actividades empresariais do IRS, (...) tal como acontece no imposto do selo"? ou que tem solução distinta - “Todavia, no IRC, a lógica é diferente"? Fica à escolha do intérprete?

J. Continua, a douta sentença recorrida, a fls. 7, que “Contabilisticamente, os proveitos e os custos são reconhecidos quando obtidos ou incorridos e, fiscalmente, segundo disposto na alínea a) do n.° 3 do artigo 18.° do CIRC a transmissão considera-se no exercício em que o imóvel passar para a posse do promitente comprador - por força do disposto no artigo 32° do CIRS, “na determinação dos rendimentos empresariais e profissionais não abrangidos pelo regime simplificado, seguir-se-ão as regras estabelecidas no Código do IRC”.

K. Então, entendeu o julgador que a transmissão se considera no exercício em que o imóvel passar para a posse do promitente comprador por força da alínea a) do n.° 3 do artigo 18.° do Código do IRC ou por força do artigo 32.° do Código do IRS? Afinal, a solução é idêntica no Código do IRS, no Código do IRC e no Imposto do Selo, ou é diferente...? Como se relacionam estes dois parágrafos ora citados entre si?

L. Não sendo possível extrair um sentido unívoco do texto da decisão judicial (ou sequer um sentido coerente do texto da decisão judicial), afigura-se que a mesma é ambígua e obscura, padecendo de nulidade, nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC, aplicável ao processo tributário nos termos da alínea e) do artigo 2.° do CPPT.

M. Neste sentido, esclareceu o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão proferido no processo n.° 01P3821 em 2002-04-11, que uma sentença é “obscura ou ambígua quando for ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado", disponível em www.dgsi.pt, e, ainda, o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão proferido no processo n.° 0149/18.3BALSB, proferido em 2018-11-08, que “«obscuro» o que não é claro, aquilo que não se entende; e é «ambíguo» o que se preste a interpretações diferentes", disponível em www.dgsi.pt.

N. Nos factos provados constantes nas alíneas N) e O) do probatório, o Tribunal a quo refere-se à avaliação do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo .........4.°, da freguesia de Regueira de Pontes, omitindo a declaração modelo 1 do IMI apresentada pela Recorrida que deu origem à referida avaliação, cf. fls. 5 da douta sentença recorrida.

O. Tal facto afigura-se pertinente por, em primeiro lugar, o Tribunal ter considerado relevante o procedimento de avaliação subsequente e, em segundo lugar, por a apresentação da declaração modelo 1 do IMI, no ano de 2004, pela Recorrida, ser mais um indício de que, ainda nesse exercício, era a Recorrida a titular do direito de propriedade do prédio, apresentando-se nessa qualidade perante terceiros.

P. Ora, a ficha de avaliação referida nos factos N) e O) teve origem na declaração modelo 1 do IMI n.° 169371, apresentada pela Recorrida em 2004-03-01, cf. fls. 74 do PAT, estando a folha de rosto da referida declaração junta aos autos a fls. 70 do PAT.

Q. Nos termos do referido documento, constata-se que foi apresentado pela Recorrida, em 2004-0301 (cf. quadro “Elementos da Declaração”), na qualidade de único proprietário (cf. quadro “Anexo I”), tendo sido declarada a data de 2003-11-18 como a data de emissão da licença de utilização, cf. fls. 70 do PAT.

R. Assim, afigura-se relevante alargar a base instrutória, nos termos do n.° 1 do artigo 662.° do CPC, ex vi a alínea e) do artigo 2.° do CPPT, passando a constar “Dos documentos e elementos constantes dos autos, com interesse para a decisão da causa, atentas as soluções plausíveis de direito, julgo provada a seguinte factualidade:

(...)

Em 2004-03-01, a Impugnante, na qualidade de única proprietária, submeteu a declaração modelo 1 do IMI n.° 169371, relativa ao prédio inscrito na matriz sob o artigo ........7.° da freguesia de Regueira de Pontes, que deu origem ao prédio inscrito na matriz sob o artigo .........4.°, da mesma freguesia, despoletando o procedimento de avaliação do prédio, cf. fls. 70 a 76 do PAT.

(…)”.

Entrando nos erros de valoração da prova,

S. No facto provado constante em E), julgou o Tribunal a quo que “A tradição do imóvel referido na alínea B) ocorreu durante o ano de 2003 (cfr. doc. 5 junto com a p.i.);", cf. fls. 4 da douta sentença recorrida.

T. Desde logo, não existe qualquer imóvel identificado na alínea B) do probatório. Acresce que, conforme referimos no parágrafo IV.1. Da Nulidade da Sentença por Ambiguidade e Obscuridade supra que não é líquido se a referência à palavra “tradição” é efetuada pelo Tribunal a quo com uma intenção jurídico-civilística ou se por mera facilidade de expressão. Sendo a douta sentença ambígua nesta dimensão, à cautela, a RFP vê-se na contingência de impugnar o facto, atenta a sua pertinência para o julgamento do caso sub judice.

U. Nos termos da alínea b) do artigo 1263.° do Código Civil, a tradição é uma forma de aquisição (derivada, não originária) da posse. Por sua vez, nos termos do artigo 1251.° do Código Civil, a “Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.", sendo distinta da mera detenção da coisa, em que o utilizador da coisa atua sem a intenção de agir como beneficiário do direito, cf. artigo 1253.° do Código Civil.

V. A posse pode ser titulada ou não titulada, ensinando o STJ em acórdão proferido no processo n.° 1588/06.8TCLRS.L1.S1 em 2012-05-02, que “(...) IV. A posse titulada é a que se funda em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente, quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico (art. 1259.°, n.° 1, do CC). O título deve ser, abstractamente, idóneo para adquirir, muito embora, em concreto, possa ser inválido: dos vícios substanciais do negócio só alguns determinam a falta de título da posse; já os vícios de forma - a não observância, no negócio jurídico, de formalidades ad substantiam - determinam inequivocamente a falta de título da posse.

V. A distinção entre posse titulada e posse não titulada releva para efeitos de usucapião, cujos prazos se diversificam, em conformidade. Não sendo a posse titulada, presume-se de má fé, e ao possuidor compete elidir a presunção, demonstrando que, ao adquirir a posse, ignorava que lesava o direito de outrem (art. 1260.°, n.° 1, do CC)." (sublinhado nosso), disponível em www.dgsi.pt.

W. A utilização alegada utilização do prédio inscrito na matriz sob o artigo …4.°, da freguesia de Regueira de Pontes, pela sociedade C........, Lda., não é uma posse de má fé. A sua detenção do prédio é permitida e autorizada pela Recorrida.

X. A alegada utilização do prédio inscrito na matriz sob o artigo ….4.°, da freguesia de Regueira de Pontes, pela sociedade C........, Lda., não é uma posse titulada, inexistindo nos autos qualquer documento que sugira ou demonstre a celebração de qualquer negócio jurídico entre a Recorrida e a C........, Lda. antes da data de 2004-08-24.

Y. Não é à RFP que incumbe a demonstração de que a posse não se transmitiu para a C........, Lda. no exercício de 2003, por dois motivos: (i) nos termos do n.° 2 do artigo 1259.° do Código Civil é aquele que invoca a posse que a deve provar a existência do título da posse, e (ii) a Recorrida é a titular do direito de propriedade do prédio inscrito na matriz sob o artigo .........4.°, da freguesia de Regueira de Pontes, durante todo o exercício de 2003 até à data de outorga da escritura de compra e venda em 2004-08-24.

Z. Alicerçou o Tribunal a sua convicção no Documento n.° 5 junto à P.I. para julgar que a tradição do prédio ocorreu em 2003.

AA. Sucede que o Documento n.° 5 junto à P.I. é uma carta remetida pela Recorrida que não indica a data em que foi expedida, não indica as instalações utilizadas a que se referem as despesas e não clarifica a data e o valor das despesas, apesar de referir que as mesmas se reportam aos exercícios de 2003 e de 2004. Mais se refere a carta aos encargos com imposto autárquico e este não existia nos anos de 2003 e de 2004.

BB. Como é que esta carta é suscetível de provar a transmissão da posse do prédio da Recorrida para um terceiro? Qual o negócio jurídico celebrado pelas partes (anterior à escritura de compra e venda outorgada em 2004-08-24) que fundamentou a entrega da posse da Requerida para a C........, Lda. e onde é que esta missiva identifica esse negócio jurídico?

CC. Aliás, percorrendo os autos, onde se encontra a prova da existência de um negócio jurídico entre a Requerida e a C........, Lda. que permitiu a tradição da posse do prédio de uma entidade para a outra?

DD. Existe um alegado contrato-promessa de compra e venda celebrado entre a Recorrida e terceiros no ano de 2001 - concedendo que o Documento 4 junto à P.I. seja adequado a demonstrar a existência desse contrato-promessa (que não é!), que seria um meio próprio de transmitir a posse da Recorrida para os Senhores F........ e E........, que não têm qualquer relação com a sociedade C........, Lda.

EE. Portanto, em que momento nos autos se prova a tradição da posse do prédio inscrito na matriz sob o artigo .........4.°, da freguesia de Regueira de Pontes, da Recorrida para a sociedade C........, Lda. se não no momento da escritura pública?

FF. Acresce que o STJ, em acórdão proferido no processo n.° 3566/06.8TBVFX.L1.S2 em 2015-03-12, afirmou que “O contrato promessa de compra e venda, embora acompanhado de tradição da coisa prometida vender, mas sem que se mostre integralmente pago o preço devido pela transacção, não é, em regra, susceptível de transmitir a posse ao promitente comprador que, normalmente, não se verificando circunstâncias excepcionais, adquire o corpus possessório, mas não o animus possidendi, ficando numa situação de mero detentor." (sublinhado nosso), disponível em www.dgsi.pt.

GG. Ainda que existisse um hipotético contrato-promessa de compra e venda entre a Recorrida e a sociedade C........, Lda., não consta do probatório a data em que a sociedade C........, Lda. efetuou o pagamento do preço da compra e venda do prédio à Recorrida. Sem o pagamento do preço, o contrato-promessa de compra e venda acompanhado da tradição do prédio, não é suscetível de transferir a posse para o promitente adquirente.

HH. Assim sendo, como pode o Tribunal a quo concluir que a posse se transmitiu da Recorrida para a sociedade C........, Lda. sem cuidar de apurar (i) pela existência de um título suscetível de transmitir a posse (como o contrato-promessa de compra e venda), e (ii) pelo pagamento integral do preço antes da data da escritura de compra e venda?

II. Respeitosamente, não vemos como defender a valoração da prova constante da douta sentença recorrida, devendo o facto constante em E) ser julgado como não provado.

JJ. A douta sentença recorrida julgou provado o facto constante em F) do probatório, “Através de escritura pública celebrada em 24/08/2004 a Impugnante vendeu à sociedade C........., Lda. o prédio inscrito na matriz sob o art. .........4, pelo valor de €543.617,58 (cfr. fls. 93 e segs. do PAT);", cf. fls. 4 da sentença.

KK. Relativamente a este facto, pretende a RFP que seja retificado o valor da compra e venda para o valor constante da escritura de € 573.617,58 (quinhentos e setenta e três mil, seiscentos e dezassete euros e cinquenta e oito cêntimos), sendo um mero lapso incorrido pelo Tribunal a quo.

LL. No mesmo sentido, a douta sentença recorrida considerou como provado o facto constante em G) do probatório “A sociedade C........., Lda. tinha como anterior designação “H........., Lda. (cfr. fls. 77 do PAT);", cf. fls. 4 da sentença, sendo um manifesto lapso,

MM. Dado que a sociedade C........., Lda. alterou a sua designação para H........., Lda., como se infere, aliás, do facto provado constante em L) do probatório, cf. fls. 5 da sentença.

NN. No facto provado constante em I), refere o Tribunal a quo que “Durante o ano de 2003, não obstante os documentos virem em nome da Impugnante, tais despesas foram cobradas à Sociedade C........., Lda. que efectuou o pagamento das facturas de água e luz e procedeu ao pagamento do IMI do imóvel referido na alínea B) (cfr. docs. 6 a 24 juntos com a p.i. e facto não impugnado);", cf. fls. 5 da sentença.

OO. Respeitosamente, os Documentos n.° 6 a 24 junto à P.I. são adequados a demonstrar que foram emitidas diversas faturas em nome da Recorrida relativas ao uso das instalações sitas no prédio inscrito na matriz sob o artigo .........4.° da freguesia de Regueira de Pontes, nos anos de 2003 e de 2004,e é só.

PP. Os Documentos n.° 6 a 24 não são suscetíveis de demonstrar que esses valores foram cobrados à sociedade C........., Lda. nem são suscetíveis de demonstrar que a sociedade C........., Lda. os pagou à Recorrida, nem consta dos autos qualquer comprovativo de que a sociedade C........, Lda. tenha procedido ao pagamento desses valores à Recorrida.

QQ. A falta de impugnação desse facto, per se, não permite ao Tribunal a quo extrair qualquer efeito ao nível do probatório, uma vez que a RFP não tem o ónus de impugnar os factos constantes da P.I., nos termos do artigo 574.° do CPC.

RR. Nos termos do n.° 6 do artigo 110.° do CPPT, “A falta de contestação não representa a confissão dos factos articulados pelo impugnante.", explicando JORGE LOPES DE SOUSA, em anotação à norma, que “Este preceito relaciona-se com o ónus de impugnação previsto no [antigo] art. 490.° do CPC, em que se estabelece que, ao contestar, o réu deve tomar posição definida perante os factos articulados na petição e que se consideram admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou só puderem ser provados por documento escrito.

Por força do preceituado neste n.° 6, no processo de impugnação judicial, o representante da Fazenda Pública não tem este ónus, não se tendo confessados os factos alegados pelo impugnante apenas pelo facto de o Representante da Fazenda Pública não os contestar." (sublinhado nosso), in Código de Procedimento e de Processo Tributário - Anotado e Comentado, Volume II, 6.a Edição, Áreas Editora, 2011, Lisboa, página 237.
SS. Não sendo possível considerar como confessados os factos alegados pela Recorrida e não expressamente contestado pela RFP, nem sendo possível considerar como provados por acordo os factos alegados pela Recorrida e não expressamente contestado pela RFP, e inexistindo qualquer prova nos autos de que a sociedade C........, Lda. tenha procedido ao

pagamento dos valores constantes dos Documentos n.° 6 a n.° 24 junto à P.I. à Recorrida, deve - na opinião da RFP - o facto constante em I) ser julgado como não provado.

TT. No facto provado constante em J), entendeu o Tribunal a quo que “O IMI de 2003 foi pago pela Impugnante e pedido o seu reembolso à C........., Lda. (cfr. fls. 81 do PAT e facto não impugnado);".

UU. Sobre este facto, a RFP reitera o exposto nos parágrafos 112° a 120° supra e nas conclusões QQ a SS.

VV. Inexistindo nos autos qualquer evidência de que a sociedade C........, Lda. tenha procedido ao pagamento desse valor à Recorrida e como a falta de impugnação expressa desse facto pela RFP não substitui a ausência de produção de prova que incumbia à Recorrida, afigura-se que o facto constante em J) deve ser julgado como não provado.

WW. No facto provado constante em K), afirmou o Tribunal a quo que “A Impugnante apresentou declaração Mod. 22 referente ao ano de 2003 na qual declarou a mais-valia referente ao imóvel identificado na al. B) (cfr. doc. 1 junto com a p.i.);", não se encontrando identificado qualquer imóvel na alínea B) do probatório.

XX. O Documento n.° 1 junto à P.I. é a declaração modelo 22 n.° 3522-C1571-12, submetida pela Recorrida em 2004-05-21, tendo sido declarado no campo 216, o valor de € 33.173,10 (trinta e três mil, cento e setenta e três euros e dez cêntimos) de mais-valias fiscais e, no campo 229, o valor de € 118.761,04 (cento e dezoito mil, setecentos e sessenta e um euros e quatro cêntimos) de mais- valias contabilísticas, cf. Documento 1 junto à P.I.

YY. Não só se desconhece o raciocínio do Tribunal a quo que lhe permite relacionar os valores declarados com o valor da venda do prédio, como se afigura necessária informação adicional para se formular um juízo sobre a verificação (ou não) do facto referido em K) do probatório.

ZZ. Provavelmente, o Tribunal a quo deveria ter, pelo menos, equacionado a informação constante do Documento n.° 3 junto à P.I. para poder apreciar a verificação do facto constante em K).

AAA. Ainda assim, analisando o mapa das mais-valias junto à P.I. como Documento n.° 3, não se consegue reconduzir nenhum dos valores do mapa de mais-valias ao valor declarado de compra e venda do prédio inscrito na matriz sob o artigo .........4.°, da freguesia de Regueira de Pontes.

BBB. Ora, se o mapa de mais-valias do ano de 2003 não espelha a transação efetuada em 2004-08-24, da compra e venda do prédio, não se afigura possível extrair a conclusão de que essa mais-valia foi refletida na declaração modelo 22 do ano de 2003.

CCC. Novamente, afigura-se à RFP que o Tribunal a quo incorreu em erro na valoração da prova, devendo o facto constante em K) ser julgado como não provado.

DDD. Por último, ao nível do probatório, no facto provado constante em N), a douta sentença recorrida afirmou que “A Administração Tributária efectuou avaliação do prédio identificado na alínea anterior, tendo sido fixado o valor de €1.094.650 (cfr. fls. 74 do PAT);", sendo que no parágrafo anterior, não existe um prédio identificado; existe, sim, a referência ao procedimento inspetivo.

EEE. A referência constante da alínea N) é, provavelmente, dirigida à declaração modelo 1 identificada na alínea L).

FFF. Conforme referido nos parágrafos 53° a 61° supra e nas conclusões N a R, a base instrutória é omissa quanto à declaração modelo 1 do IMI n.° 169371, submetida pela Recorrida em 2004-03-01, cf. fls. 74 do PAT.

GGG. Esta declaração modelo 1 do IMI é que deu origem à avaliação do prédio inscrito na matriz sob o artigo .........4.°, da freguesia de Regueira de Pontes, que apurou o valor patrimonial tributário de € 1.094.650,00 (um milhão, noventa e quatro mil, seiscentos e cinquenta euros).

HHH. Nestes termos, não se afigura correto o julgamento efetuado pelo Tribunal a quo quanto ao facto provado constante em N), devendo o mesmo ser alterado em conformidade com o facto a aditar à base instrutória, devendo constar do mesmo que “N) Na sequência da declaração modelo 1 do IMI n.° 169371, a Administração Tributária efectuou avaliação do prédio identificado na alínea anterior, tendo sido fixado o valor de €1.094.650 (cfr. fls. 74 do PAT);".

III. A douta sentença recorrida, entendeu que, tendo a posse do prédio inscrito na matriz sob o artigo .........4.°, da freguesia de Regueira de Pontes, sido transmitida em 2003 da Recorrida para a sociedade C........, Lda., que a AT violou o princípio da especialização dos exercícios ao tributar a mais-valia da compra e venda realizada em 2004-08-24 no exercício de 2004.

JJJ. Por todo o supra exposto, não existe qualquer evidência nos autos de que a sociedade C........, Lda. tenha adquirido a posse do prédio inscrito na matriz sob o artigo .........4.°, da freguesia de Regueira de Pontes, em data anterior a 2004-08-24.

KKK. Em primeiro lugar, porque a escritura de compra e venda ocorreu somente em 2004-08-24.

LLL. Em segundo lugar, não há qualquer evidência de que a sociedade C........, Lda. tenha suportado despesas relativas ao prédio inscrito na matriz sob o artigo .........4.°, da freguesia de Regueira de Pontes, em data anterior em 2004-08-24.

MMM. Em terceiro lugar, não foi produzida qualquer prova da existência de um negócio jurídico adequado a transmitir a posse celebrado entre a Recorrida e a sociedade C........, Lda. em data anterior em 2004-08-24, acrescendo que o contrato-promessa de compra e venda identificado nos autos não foi outorgado pela sociedade C........, Lda., nem por terceiro relacionado com a sociedade.

NNN. Em quarto lugar, ainda que se admitisse a existência de um hipotético contrato-promessa de compra e venda outorgado entre a Recorrida e a sociedade C........, Lda. relativo ao prédio inscrito na matriz sob o artigo .........4.°, da freguesia de Regueira de Pontes, não consta dos autos que o preço relativo à compra e venda tenha sido integralmente pago em data anterior a 2004-08-24, não se transmitindo a posse sem o pagamento integral do preço, nos termos do acórdão proferido no processo n.° 3566/06.8TBVFX.L1.S2 em 2015-03-12, do STJ.

OOO. Ora, se não decorre dos autos que a Recorrida tenha perdido a posse do prédio em data anterior a 2004-08-24, dificilmente se sustenta o raciocínio vertido na douta sentença recorrida.

PPP. O n.° 1 do artigo 18.° do Código do IRC consagra o princípio da especialização dos exercícios, clarificando, a norma constante da alínea a) do n.° 3 do mesmo artigo que os proveitos relativos às vendas devem ser contabilizados (i) na data da entrega ou expedição dos bens ou (ii) na data em que se transfere a propriedade dos bens, consoante a que ocorrer em primeiro lugar.

QQQ. Nos termos do parágrafo 14 da NCRF 20 (Rédito), deve ser contabilizado o proveito da venda de bens quando e verifiquem todas as condições previstas:

a) a entidade tenha transferido para o comprador os riscos e vantagens significativos da propriedade dos bens,

b) a entidade não mantenha envolvimento continuado de gestão com grau geralmente associado com a posse, nem o controlo efectivo dos bens vendidos;

c) a quantia do rédito possa ser fiavelmente mensurada;

d) seja provável que os benefícios económicos associados com a transacção fluam para a entidade;

e) com os custos incorridos ou a serem incorridos referentes à transação possam ser fiavelmente mensurados." (sublinhado nosso).

RRR. Desde logo, a transmissão dos riscos e vantagens associados à propriedade do prédio inscrito na matriz sob o artigo .........4.°, da freguesia de Regueira de Pontes não foram transmitidos pela Recorrida em data anterior a 2004-08-24 porque, até esta data, os riscos associados à propriedade, correm pela Recorrida.

SSS. Ainda, as vantagens associadas à propriedade mantêm-se - dado que nada foi demonstrado em contrário nos autos - na esfera jurídica da Recorrida. A sociedade C........, Lda. não podia dispor do prédio como se fosse seu, ou sequer, utilizar o prédio em termos não autorizados pela Recorrida (por exemplo, fazer benfeitorias no prédio sem o consentimento da proprietária).

TTT. Por último, o parágrafo 18 da NCRF 20 esclarece que “O rédito só é reconhecido quando for provável que os benefícios económicos associados com a transação fluam para a entidade. Nestes casos, tal só é verificável depois da retribuição ser recebida ou uma incerteza ser removida. (...)”.

ZZZ. Pelo supra exposto, a RFP é da opinião de que o Tribunal a quo incorreu em erro no julgamento de direito, na aplicação da norma constante do artigo 18.° do Código do IRC ao caso concreto, violando o princípio da especialização dos exercícios, ao considerar que a mais-valia da compra e venda do prédio inscrito na matriz sob o artigo .........4.°, da freguesia de Regueira de Pontes, alienado em 2004-08-24, se considera imputável ao exercício de 2003.

AAAA. Nestes termos, não se pode manter a conclusão do Tribunal a quo, constante a fls. 10 da sentença, que a norma constante do artigo 58.°-A do Código do IRC não seria aplicável ao caso concreto por ter entrado em vigor em 2004-01-01.

BBBB. Nos mesmos termos, afigura-se errónea a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios, por, perante o exposto, inexistir erro imputável aos serviços, nos termos do artigo 43.° da LGT.

CCCC. Nestes termos, requer-se aos Venerandos Juízes Desembargadores que (i) declarem a nulidade da sentença, nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC ex vi a alínea e) do artigo 2.° do CPPT, (ii) nos termos do n.° 1 do artigo 662.° do CPC, ex vi a alínea e) do artigo 2.° do CPPT, julguem como não provados os factos constantes em E), I), J), e K) do probatório, bem como a alteração do facto provado constante em N), considerando o alargamento da base instrutória peticionado no parágrafo 61° supra, e, ainda, sejam retificados os lapsos dos factos constantes das alíneas F) e G) do probatório, e (iii) revoguem a douta sentença recorrida por aplicar erroneamente o princípio da especialização dos exercícios, nos termos da alínea a) do n.° 3 do artigo 18.° do Código do IRC, desaplicar a norma constante do artigo 58.°-A do Código do IRC e condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.° da LGT, mantendo a liquidação adicional de IRC n.° 2008 8310038259, do exercício de 2004.

UUU. Ora, se o proveito só deve ser reconhecido quando a retribuição for recebida, a Recorrida não poderia ter reconhecido a mais-valia da alienação do prédio antes do recebimento do preço, nada constando nos autos que indicie que o preço foi recebido em data anterior à da escritura pública.

VVV. Afigura-se, assim, que ao julgar imputável ao exercício de 2003 a mais-valia realizada pela Recorrida, a douta sentença recorrida não aplicou devidamente ao caso concreto o princípio da especialização de exercícios, nos termos do n.° 1 e da alínea a) do n.° 3 do artigo 18.° do Código do IRC.

WWW. Acresce que a douta sentença alicerça-se no despacho de 19/10/89, Proc.° 1406/89 da DGCI, no artigo “A periodização do Lucro Tributável” do Senhor Professor Freitas Pereira e no acórdão proferido no processo n.° 674/09.7 em 2020-11-19, deste Venerando Tribunal para defender a imputação do gasto ao exercício de 2003.

XXX. Ora, todos estes entendimentos têm como pressuposto a tradição da coisa (no seu sentido jurídico- civilístico), i.e., a transmissão da posse para o promitente adquirente.

YYY. No caso concreto, não só a posse não foi transmitida pela Recorrida (como resulta do probatório ora revisto) como a sociedade C........, Lda. não se apresenta na qualidade de promitente adquirente, desconhecendo-se qualquer contrato-promessa de compra e venda a seu favor, relativo ao prédio inscrito na matriz sob o artigo .........4.°, da freguesia de Regueira de Pontes.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e, em conformidade:

(a) ser declarada a nulidade da sentença, nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC ex vi a alínea e) do artigo 2.° do CPPT;

(b) ser alargado o probatório ao nível dos factos provados, nos termos propostos no articulado 61°, nos termos do n.° 1 do artigo 662.° do CPC, ex vi a alínea e) do artigo 2.° do CPPT,

(c) ser alterada a base instrutória, em concreto, os factos provados constantes das alíneas E), I), J), K), e N), nos termos propostos no articulado 149°, bem como retificados os lapsos nos factos provados constantes das alíneas F) e G) do probatório, nos termos do n.° 1 do artigo 662.° do CPC, ex vi a alínea e) do artigo 2.° do CPPT,

(d) a douta sentença recorrida seja revogada e substituída por acórdão que julgue improcedente os presentes autos de impugnação judicial, como é de Direito e de Justiça.»

****
A Recorrida, B........., Lda., notificada para o efeito, apresentou contra-alegações formulando as seguintes conclusões:

«1. A reapreciação da matéria de facto por parte do tribunal de recurso está limitada aos casos em que ocorreu erro manifesto ou grosseiro ou em que os elementos documentais fornecem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado no tribunal a quo.

2. Os lapsos de escrita constantes da Matéria de Facto Provada não configuram erro de julgamento, conferindo apenas direito à rectificação.

3. Atenta à prova documental produzida, é manifesto que a Recorrida fez prova de que a C........., Lda. adquiriu a posse e utilizou o imóvel sub judice no ano de 2003, tal como se fosse proprietária do mesmo.

4. O ponto E) constante da Matéria de Facto Provada foi correctamente apreciado e julgado, não padecendo de qualquer erro de julgamento.

5. Resulta do doc. n.° 5 junto com a impugnação judicial que Recorrida imputou à C........., Lda. os custos referentes à utilização do imóvel sub judice constantes dos doc.°s n.°s 6 a 24 junto com a impugnação judicial. 

6. A C........., Lda. procedeu ao pagamento dos custos que lhe foram imputados pela Recorrida, sendo que, tal pagamento, aliás, se presume pelas regras da experiência comum.

7. O mero facto de a Recorrida ter imputado à C........., Lda. e exigido o pagamento dos valores em questão - o que resulta directamente dos doc.s° n.° 5 a 24 juntos com a impugnação judicial - permite demonstrar que, para a Recorrida, a C........., Lda. era responsável pelo pagamento de tais custos, por se ter efectuado a tradição do imóvel sub judice da Recorrida para a C........., Lda.

8. O Tribunal a quo apreciou e julgou correctamente a prova produzida, não devendo ser admitida qualquer alteração à redacção do ponto I) da Matéria de Facto Provada.

9. A Recorrida pagou o IMI de 2003 do imóvel sub judice, no montante de 140,26€, tendo posteriormente reclamado da C........., Lda., o respectivo montante, conforme resulta dos doc.s n.s° 5 e 6 junto com a impugnação judicial. 

10. O Tribunal a quo apreciou e julgou correctamente a prova produzida, não devendo ser admitida qualquer alteração à redacção do ponto J) da Matéria de Facto Provada.

11. As declarações apresentadas pela Recorrida nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita presumem-se verdadeiras.

12. A Recorrida declarou no Modelo 22 do exercício de 2003 a mais-valia realizada com a transmissão do imóvel sub judice.

13. A mais-valia obtida pela Recorrida com a venda do imóvel sub judice consta do mapa das mais-valias (Modelo 31) do exercício de 2003 - doc. n.° 3 junto com a impugnação judicial, tendo sido declarada pela Recorrida nos campos 216 e 229 do Quadro 9 do Modelo 22 - doc. n.° 1.
14. Não existe uma correspondência exacta entre os valores constantes do Modelo 31 - doc. n.° 3 junto com a impugnação judicial e com o Modelo 22 - doc. n.° 1 junto com a impugnação judicial, porquanto no Modelo 22 - doc. n.° 1 devem ser declarados os valores agregados.

15. No campo 216 (mais-valias fiscais) do Quadro 9 do Modelo 22 - doc. n.° 1 junto com a impugnação judicial, que apresenta um valor agregado de 33.173,10€, está incluído o valor de 31.338,82€, referido no Modelo 31 - doc. n.° 3 junto com a impugnação judicial.

16. No campo 229 (mais-valias contabilisticas) do Quadro 9 do Modelo 22 - doc. n.° 1 junto com a impugnação judicial, que apresenta um valor agregado de 118.761,04€, está incluído o valor de 117.302,14€, referido no Modelo 31 - doc. n.° 3 junto com a impugnação judicial.

17. O Tribunal a quo apreciou e julgou correctamente a prova produzida, não devendo ser admitida qualquer alteração à redacção do ponto K) da Matéria de Facto Provada.

18. A Recorrente, mesmo em sede de alegações de recurso, fez "tábua rasa" das declarações de rendimentos (auto- liquidações) entregues pela Recorrida para apuramento do IRC dos exercícios de 2003 e 2004.

19. A Recorrente, ao contrário daquilo a que legalmente está obrigada (artigo 55.° da LGT), ignora e não releva, os dados e apuramentos devidamente inscritos na contabilidade da Recorrida, os quais se encontram organizados de acordo com a legislação comercial e fiscal.

20. A Recorrida imputou os proveitos resultantes da mais- valia do prédio no exercício de 2003, por ter sido nesse exercício que ocorreu a tradição do mesmo, com a obtenção do correspondente proveito económico.

21. Para que a Recorrente pudesse imputar a mais-valia do prédio ao exercício de 2004 teria de alegar e provar que a mesma não teria sido inscrita na contabilidade da Recorrida no respeito pela legislação fiscal e comercial.

22. E provar que a tradição do prédio não ocorreu no ano de 2003, o que não fez.

23. Não se vislumbra qualquer fundamentação para ter sido concomitantemente desconsiderada pela liquidação impugnada a contabilidade da Recorrida do ano de 2003 na qual constam os proveitos resultantes da venda do prédio.

24. A tributação do rendimento das pessoas colectivas, de forma a incidir sobre o lucro real das empresas, obedece ao principio contabilístico do predomínio da realidade económica sobre a aparência jurídica.

25. A escritura de alienação do imóvel sub judice, celebrada em 24 de Agosto de 2004, não assume, neste caso, qualquer relevância para efeitos de determinação do exercício fiscal em que foi obtido o rendimento pela Recorrida.

26. Nos termos do n.° 1, do artigo 18.° do Código do IRC, que consagra o princípio da especialização dos exercícios, "os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios."

27. Em concretização do principio da especialização dos exercícios referido no artigo anterior, dispõe o n.° 3, do artigo 18.° do Código do IRC, que, "para efeitos de aplicação do princípio da especialização dos exercícios:

a) os proveitos relativos a vendas consideram-se em geral realizados, e os correspondentes custos suportados, na data da entrega ou expedição dos bens correspondentes ou, se anterior, na data em que se opera a transferência da propriedade, (...)"

28. A tributação do rendimento (neste caso, das pessoas colectivas) tem por base a substância económica, em prejuízo do "formalismo" jurídico.

29. A douta sentença recorrida é peremptória ao estipular que, em sede de IRC, "contabilisticamente, os proveitos e os custos são reconhecidos quando obtidos ou incorridos e, fiscalmente, segundo disposto na alínea a) do n.° 3 do artigo 18.° do CIRC a transmissão considera-se no exercício em que o imóvel passar para a posse do promitente comprador - por força do disposto no artigo 32° do CIRS".

30. Conforme refere a douta sentença recorrida "nos termos do n.° 1, do artigo 18.° do Código do IRC, que consagra o Princípio da Especialização dos Exercícios, «os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios»".

31. No caso em apreço, resulta manifestamente da Matéria de Facto provada que a Recorrida cedeu, durante o ano de 2003, a posse do imóvel sub judice à sociedade C........., Lda.

32. Com efeito, a escritura de compra e venda celebrada entre a Recorrida e a sociedade C........., Lda. tem na sua origem o contrato-promessa de compra e venda celebrado em 17 de Maio de 2021 (cf. ponto C) da Matéria de Facto Provada), sendo que, através de adenda ao referido contrato- promessa celebrada em 15 de Março de 2020, os promitentes compradores foram autorizados a tomar posse a utilizar o imóvel sub judice (cf. ponto D) da Matéria de Facto Provada).

33. A Recorrida reclamou da sociedade C........., Lda. o pagamento das despesas, referentes ao ano de 2003, associadas aos encargos com água, electricidade e inclusive do IMI do imóvel sub judice (cf. ponto I) e J) da Matéria de Facto Provada), o que comprova manifestamente que a sociedade C........., Lda. tinha, já em 2003, a posse do imóvel sub judice e que ocupava o mesmo, como se fosse a proprietária do mesmo.

34. A tradição do imóvel sub judice ocorreu durante o ano de 2003, conforme foi considerado provado pelo Tribunal a quo (cf. Ponto E) da Matéria de Facto Provada).

35. Tendo a tradição do imóvel sub judice ocorrido em 2003, é manifesto que a mais-valia gerada pela Recorrida com a transmissão do imóvel, atendendo ao princípio da especialização dos exercícios, deveria ser, conforme foi, declarada no Modelo 22 de IRC referente ao ano 2003 (cf. Ponto J) da Matéria de Facto Provada).

36. Não restando dúvidas de que a mais-valia obtida com a venda do prédio foi obtida no exercício de 2003, deverá ter-se como certo que a liquidação impugnada se encontra, desde logo, ferida de ilegalidade por ter imputado essa mais-valia ao exercício de 2004.

37. Com efeito, as correcções em causa foram efectuadas ao abrigo do artigo 58.°-A, do Código do IRC.

38. Sucede que o preceito legal referido no artigo anterior foi aditado ao Código do IRC pelo Decreto-Lei n.° 287/2003, de 12 de Novembro, que procedeu à reforma da tributação do património, o qual apenas entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2004.

39. Tendo a mais-valia sobre o prédio sido obtida no exercício fiscal de 2003, sendo que o período de tributação da Impugnante coincide com o ano civil (1 de Janeiro a 31 de Dezembro), facilmente se conclui que o artigo 58.°-A, do Código do IRC, não é aplicável àquele facto tributário.

40. Deste modo, tendo a douta sentença recorrida anulado a liquidação de IRC impugnada, por violação do princípio da especialização dos exercícios, aplicou correctamente a Matéria de Facto Provada e fez uma douta interpretação do Direito aplicável.

Termos em que, e nos mais que Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao presente recurso e, consequentemente, confirmada a douta sentença recorrida, com o que, uma vez mais, se fará a costumada

JUSTIÇA»

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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento, por não se poder dar como provado que foi efectuada a tradição do imóvel no ano de 2003, pelo que as conclusões da acção inspetiva serão de manter, o que passa por dar como procedente o recurso da AT.
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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639.º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, as questões fundamentais a decidir são as seguintes:
- se a sentença é nula por obscuridade;
- se sofre de erro de julgamento de facto, tanto quanto aos factos provados, quanto por défice instrutório e na ilação que tirou dos factos que considerou provados;
- se sofre de erro de julgamento de direito na aplicação da norma do art. 18.º do CIRC e na desaplicação do art. 58.º-A do CIRC, bem como na condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto

O Tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:

«A) A Impugnante encontra-se colectada pela actividade de “Comércio por grosso de electrodomésticos, aparelhos Rádio e Televisão” - CAE 046430, enquadrada no regime geral (cfr. fls. 114 do PAT);

B) A Impugnante sucedeu à Sociedade U........., Lda., em consequência de fusão daquela Sociedade com B......... Lda. e mudança de denominação (cfr. doc. 4 junto com a pi);

C) Em 17/05/2001 foi celebrado entre a sociedade U.......... Lda e F........ e E......... contrato-promessa de compra e venda do imóvel prédio urbano sito na D........., em Leiria, inscrito na matriz sob o art. ........7, actual artigo .........4 (cfr. doc. 4 junto com a p.i. e fls. 70 e 76 do PAT);

D) Em 15/03/2002 foi feita Adenda ao contrato promessa identificado na alínea anterior, na qual ficou acordado que:

Os promitentes compradores são autorizados a tornar posse e utilizar o local prometido vender desde a presente data, sendo de sua conta, todos os encargos, riscos ou multas inerentes à tomada de posse corresponda à siza que for devida. (cfr. doc. n° 4 junto com a p.i.);

E) A tradição do imóvel referido na alínea B) ocorreu durante o ano de 2003 (cfr. doc. 5 junto com a p.i.);

F) Através de escritura pública celebrada em 24/08/2004 a Impugnante vendeu à sociedade C........., Lda. o prédio inscrito na matriz sob o art. .........4, pelo valor de €543.617,58 (cfr. fls. 93 e segs. do PAT);

G) A sociedade C........., Lda. tinha como anterior designação “H........., Lda. (cfr. fls. 77 do PAT);

H) Em 07/03/2006, a Impugnante remeteu à Sociedade C........., Lda. carta na qual refere que:

“artigo 8.° supra, que, "como poderão compreender, apenas poderemos tomar uma posição sobre o pedido que nos fazem apôs o encerramento e regularização dos valores que temos em aberto referentes a encargos com Água, Electricidade e Imposto Autárquico das instalações por vós utilizadas (despesas de 2003 e 2004)." (cfr. doc. 5 junto com a p.i.)

I) Durante o ano de 2003, não obstante os documentos virem em nome da Impugnante, tais despesas foram cobradas à Sociedade C........., Lda. que efectuou o pagamento das facturas de água e luz e procedeu ao pagamento do IMI do imóvel referido na alínea B) (cfr. docs. 6 a 24 juntos com a p.i. e facto não impugnado);

J) O IMI de 2003 foi pago pela Impugnante e pedido o seu reembolso à C........., Lda. (cfr. fls. 81 do PAT e facto não impugnado);

K) A Impugnante apresentou declaração Mod. 22 referente ao ano de 2003 na qual declarou a mais-valia referente ao imóvel identificado na al. B) (cfr. doc. 1 junto com a p.i.);

L) Em 06/09/2004, a H........., Lda. (actual designação de C........, Lda.) entregou Mod. 1 do IMI (cfr. fls. 78 e 79 do PAT);

M) Através de Ordem de Serviço n° OI200802870 de 26/05/2008, a Impugnante foi objecto de acção de inspeção referente ao exercício de 2004, finda a qual foi elaborado relatório de inspeção, o qual se considera aqui integralmente reproduzido (cfr. fls. 113 a 118 do PAT);

N) A Administração Tributária efectuou avaliação do prédio identificado na alínea anterior, tendo sido fixado o valor de €1.094.650 (cfr. fls. 74 do PAT);

O) A Impugnante foi notificada do resultado da avaliação para, querendo, apresentar pedido de 2ª avaliação no prazo de 30 dias (cfr. fls. 91 do PAT)

P) A Impugnante não apresentou pedido de 2ª avaliação (facto não impugnado e fls. 115 do PAT);

Q) Através do ofício n° 45910, de 12 de Junho de 2008, o Impugnante foi notificado para proceder à entrega da declaração de rendimento Mod. 22 de IRC de substituição do ano de 2004, o que não veio a acontecer (cfr. fls. 115 do PAT);

R) Em 16 de Julho de 2008, a Impugnante apresentou pedido de revisão para prova do preço efectivo do imóvel identificado na alínea B) que veio a ser rejeitado por intempestivo (cfr. doc. 25 junto com a p.i.)

S) Em 05/09/2008, a Impugnante apresentou recurso hierárquico que veio a ser indeferido (cfr. fls. 126 do PAT)

T) For emitida a liquidação de IRC referente ao exercício de 2004 e liquidação de juros compensatórios que foram pagos pela Impugnante em 06/01/2009 (cfr. fls. 60 e 61 do PAT).»


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No que respeita a factos não provados, refere a sentença o seguinte:
« Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.»

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Em matéria de convicção, a decisão recorrida tem o seguinte teor:

«Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na documentação junta com a petição inicial em confronto com o processo administrativo e documentos anexos.

Relevaram os documentos relativos à promessa de compra e venda do imóvel em causa e à escritura pública de compra e venda junta aos autos e referente ao mesmo imóvel.»


*****
II.2. Apreciação jurídica do recurso
Como se viu, a Recorrente começa por imputar à decisão o vício de nulidade por obscuridade.
Dispõe a alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, o seguinte:
1 - É nula a sentença quando: c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
A nulidade em causa reporta-se à construção lógica da decisão quando a mesma se apresenta como viciosa, em manifesta colisão com os fundamentos em que se apoia, isto é, quando os fundamentos invocados na sentença deviam conduzir logicamente não ao resultado nela expresso mas a resultado oposto.
Por seu turno, em traços gerais, uma decisão é obscura ou ambígua quando for ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado. A obscuridade de uma sentença é a imperfeição desta que se traduz na sua ininteligibilidade. Só existe obscuridade quando o tribunal proferiu decisão cujo sentido exato não pode alcançar-se.
No caso concreto, a ambiguidade da sentença recorrida resultaria, em síntese, da circunstância de o Tribunal ter entendido que “No facto provado constante em E), julgou o Tribunal a quo que “A tradição do imóvel referido na alínea B) ocorreu durante o ano de 2003 (…) sem esclarecer na sua fundamentação se utilizou o termo tradição no seu contexto jurídico-civilístico, i.e., que a transmissão da posse ocorreu no ano de 2003 (cf. a alínea b) do artigo 1263.° do Código Civil), ou se o prédio simplesmente ficou à disposição da sociedade C........, Lda.”, já que “Sendo distinta a colocação dos bens à disposição e a transmissão da posse, afigura-se relevante que a douta sentença recorrida tivesse esclarecido qual julgou ter ocorrido, dado que, por um lado, sem a transmissão da posse (a tradição da coisa no sentido jurídico-civilístico do termo) no ano de 2003 o enquadramento efetuado pela douta sentença recorrida não tem aplicação ao caso concreto; por outro lado, o entendimento de que ocorreu a tradição da coisa - i.e., que a posse foi transmitida da Recorrida para a futura adquirente no ano de 2003 - é um manifesto erro na apreciação da prova produzida nos autos.
G. O facto de a RFP ter de recorrer com fundamento nas duas coisas - i.e., no erro de facto e no erro de direito - é sintomático de que a sentença recorrida não é clara na sua fundamentação, não esclarecendo cabalmente o intérprete sobre os elementos essenciais do seu julgamento e vendo- se a RFP na contingência de trabalhar perante dois cenários: o da transmissão da posse (o erro no julgamento de facto) ou da colocação dos bens à disposição (erro no julgamento de Direito).
Baseia, ainda, a acusação de nulidade por obscuridade no seguinte: “Acresce que, a fls. 6 da sentença, escreveu o julgador que “No que se refere ao IRC e às actividades empresariais do IRS, não existe no CIRC disposição fiscal que permita encontrar a separação do momento em que se verifica a transmissão fiscal daquele em que se verifica a transmissão civil. Este facto, poderá querer dizer que, para efeitos de IRC, só existe uma transmissão, com efeitos civis e tributários, ou seja, aquela que é operada com a celebração da escritura pública, tal como acontece no imposto do selo. Todavia, no IRC, a lógica é diferente:” (sublinhado nosso).
I. Não se retira nenhum sentido deste parágrafo. O que pretendeu dizer o julgador: que o Código do IRC determina que a transmissão fiscal ocorre com a transmissão civil - “não existe no CIRC disposição fiscal que permita encontrar a separação do momento em que se verifica a transmissão fiscal daquele em que se verifica a transmissão civil’?, ou que o Código do IRC determina que a transmissão fiscal é diferente da civil - “Todavia, no IRC, a lógica é diferente”? Que o Código do IRC tem solução idêntica ao Código do IRS e ao Código do Imposto do Selo - “No que se refere ao IRC e às actividades empresariais do IRS, (...) tal como acontece no imposto do selo"? ou que tem solução distinta - “Todavia, no IRC, a lógica é diferente"? Fica à escolha do intérprete?
J. Continua, a douta sentença recorrida, a fls. 7, que “Contabilisticamente, os proveitos e os custos são reconhecidos quando obtidos ou incorridos e, fiscalmente, segundo disposto na alínea a) do n.° 3 do artigo 18.° do CIRC a transmissão considera-se no exercício em que o imóvel passar para a posse do promitente comprador - por força do disposto no artigo 32° do CIRS, “na determinação dos rendimentos empresariais e profissionais não abrangidos pelo regime simplificado, seguir-se-ão as regras estabelecidas no Código do IRC”.
K. Então, entendeu o julgador que a transmissão se considera no exercício em que o imóvel passar para a posse do promitente comprador por força da alínea a) do n.° 3 do artigo 18.° do Código do IRC ou por força do artigo 32.° do Código do IRS? Afinal, a solução é idêntica no Código do IRS, no Código do IRC e no Imposto do Selo, ou é diferente...? Como se relacionam estes dois parágrafos ora citados entre si?
L. Não sendo possível extrair um sentido unívoco do texto da decisão judicial (ou sequer um sentido coerente do texto da decisão judicial), afigura-se que a mesma é ambígua e obscura, padecendo de nulidade, nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC, aplicável ao processo tributário nos termos da alínea e) do artigo 2.° do CPPT.”.

Ainda que se perceba o alcance da crítica feita à sentença que, efetivamente, não se apresenta como um modelo de clareza, a verdade é que, ainda assim, não se pode dizer que estamos perante uma decisão ambígua, de sentido de equívoca ou vaga. Com efeito, apesar de a sentença não expor de forma escorreita o regime da tributação das mais-valias em sede de IRC, a verdade é que, lida a decisão no seu conjunto, compreende-se o raciocínio do julgador, que se manteve, ainda, dentro daquilo que nesta matéria é juridicamente correto. Por outro lado, e quanto ao conceito de tradição – cuja inclusão na matéria de facto não está correcta, como abaixo se verá, já que é um conceito de direito, cuja prova é decisiva para a solução a dar ao processo, a verdade é que, lida a decisão na sua globalidade, se tem que entender que o significado que o julgador lhe quis atribuir é o que resulta do regime legal da tributação das mais-valias.
No seu conjunto, a sentença – independentemente do seu sentido decisório estar, ou não, correto – apresenta-se coerente e esclarecedora quanto ao sentido do decidido e percurso argumentativo adoptado para chegar à procedência da impugnação.
Nestes termos, sem necessidade de mais, improcede esta primeira questão.

Vem, depois, a Recorrente invocar o erro de julgamento da matéria de facto, por défice instrutório e, quanto a determinados factos, que identifica, pedindo a supressão de alguns, a correção de outros, o aditamento de outros e, ainda, que outros sejam julgados não provados.

A Recorrida, apesar de admitir alguns lapsos na fixação dos factos, considera não serem os mesmos relevantes para alterar o sentido decisório.

Vejamos, pois, recorrendo à norma do art. 640.º do CPC, que contem as regras a observar na impugnação da matéria de facto.
Dispõe tal normativo legal que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Analisada a impugnação feita, verifica-se que a Recorrente indica os concretos meios probatórios constantes do processo, dando conta dos respectivos documentos, concluindo com a indicação dos factos que, no seu entender, tinham sido omitidos e eram necessários para a decisão ou por aqueles que não deviam ter sido considerados provados, ou, ainda, aqueles que continham lapsos. Ou seja, formalmente cumpriu as regras legais de impugnação da matéria de facto.
E, assim sendo, para que se possa concluir pelo requerido aditamento, correcção ou supressão, tem o Tribunal que analisar o seu teor.

Começa a Recorrente por defender o aditamento do facto de a declaração modelo 1 do IMI ter sido apresentada pela Recorrida em 2004, a qual deu origem à avaliação, e que estaria omissa nos factos N) e O) do probatório, com a seguinte redacção “Em 2004-03-01, a Impugnante, na qualidade de única proprietária, submeteu a declaração modelo 1 do IMI n.° 169371, relativa ao prédio inscrito na matriz sob o artigo ........7.° da freguesia de Regueira de Pontes, que deu origem ao prédio inscrito na matriz sob o artigo .........4.°, da mesma freguesia, despoletando o procedimento de avaliação do prédio, cf. fls. 70 a 76 do PAT.
Defende tal aditamento já que, na sua óptica, trata-se de um facto pertinente, que é mais um indício de que nesse exercício a Recorrida era titular do direito de propriedade.

Por se entender que o facto N) fica, de facto, mais esclarecedor, com a indicação de quem apresentou a modelo 1 do IMI, concede-se na sua alteração, ficando o facto N) com a seguinte redacção:
N) Na sequência da apresentação da Declaração Modelo 1 do IMI pela Impugnante, em 01-03-2004, na qualidade de proprietária, relativamente ao prédio inscrito na matriz sob o art. ........7 da freguesia de Regueira de Pontes, que deu origem ao prédio inscrito na matriz da mesma freguesia sob o art. .........4º, a AT efectuou a sua avaliação, tendo sido fixado o VPT de € 1.094.650,00 (fls. 70 a 76 do PAT);”

Quanto aos factos E), I), J) e K) do probatório, dada a sua importância e que dita o destino deste recurso, o Tribunal vai deixar para o fim a sua apreciação.

Depois, pede a correcção do facto F) de modo a que seja retificado o valor da compra e venda para o valor constante da escritura de € 573.617,58. Ora, sendo um mero lapso incorrido pelo Tribunal a quo, aceita-se a sua correcção, passando tal facto a ter a seguinte redacção:
F) Através de escritura pública celebrada em 24/08/2004, a Impugnante vendeu à sociedade C........., Lda. o prédio inscrito na matriz sob o art. .........4 pelo valor de € 573.617,58 (fls. 93 e ss. do PAT);”

O mesmo acontece com o facto G), o qual, devido a lapso do Tribunal recorrido, ficou com a redacção inversa.
Assim, o facto G) passa a ter a seguinte redacção:
G) A sociedade C........., Lda. alterou a sua designação para H........., Lda. (fls. 77 do PAT)”

Além do défice instrutório, a Recorrente invoca erro de julgamento na valoração da prova quantos aos factos E), I), J) e k) do probatório, os quais entende que devem ser dados como não provados.
O facto E) tem a seguinte redacção:
“A tradição do imóvel referido na alíea B) ocorreu durante o ano de 2003 (cfr. doc. 5 junto com a p.i.)”
Defende a Recorrente que a posse do prédio pela C........., Lda. não é uma posse titulada, inexistindo qualquer documento que sugira ou demonstre a celebração de qualquer negócio jurídico entre a Recorrida e aquela sociedade antes de 24-08-2004 e que o doc. 5 que fundamentou tal tradição é uma carta, remetida pela Recorrida, que não indica datas de expedição, não indica as instalações a que se referem as despesas e refere despesas com imposto autárquico que não existia em 2003 e 2004, nem indica a existência de qualquer negócio entre as partes. Defende que apenas existe um contrato promessa de 2001 com outras partes, não havendo prova do pagamento do preço, pelo que, mesmo havendo contrato promessa, não haveria animus possidendi, pelo que a posse só se transmitiu com a escritura.

Já a Recorrida alega que, nos termos do “contrato promessa - doc. n.° 4 junto com a petição inicial, os promitentes compradores "são autorizados a tomar posse e utilizar o local prometido vender desde a presente data [15 de Março de 2002] , sendo de sua conta todos os encargos, riscos ou multas inerentes à tomada de posse designadamente o que corresponda à siza que for devida".
A C........., Lda. assumiu a posição contratual dos promitentes compradores no contrato promessa - doc. n.° 4 junto com a impugnação judicial e, consequentemente, no ano de 2003, a posse do imóvel sub judice passou para a C........., Lda.
Neste sentido, a C........., Lda. passou a utilizar o imóvel sub judice, no ano de 2003, tendo assumido os encargos associados ao imóvel, nomeadamente os relativos a água, electricidade e imposto municipal de imóveis, conforme se encontra cabalmente demonstrado através dos doc.s° n.°s 5 a 24 juntos com a impugnação judicial.
O pagamento por parte da C........., Lda. das despesas e consumos referentes à água e electricidade demonstra claramente que a C........., Lda. tinha a posse do imóvel sub judice, por a mesma para esta ter sido transmitida.
Por sua vez, o pagamento por parte da C........., Lda. do Imposto Municipal de Imóveis referente ao imóvel sub judice (cf. doc. n.° 24) demonstra claramente que a tradição do imóvel, em 2003, já se havia concretizado para a adquirente, assumindo a adquirente os direitos e as obrigações associadas ao imóvel sub judice como se fosse proprietária do mesmo e não como mera detentora ou arrendatária.
Aliás, resulta dos autos que a Recorrida não celebrou com a C........., Lda. qualquer contrato de arrendamento, nem cobrou qualquer valor a título de renda.
Resulta da prova produzida que a utilização que a C........., Lda. fez do imóvel sub judice resultou directamente da tradição do imóvel operada pelo contrato-promessa - doc. n.° 4.
Ou seja, a posse e a utilização do imóvel sub judice por parte da C........., Lda. resulta já de um verdadeiro exercício do direito de propriedade.
De facto, conforme refere a Recorrente, a posse não se presume.
Porém, no caso em apreço, atenta à prova documental produzida, é manifesto que a Recorrida fez prova de que a C........., Lda. adquiriu a posse e utilizou o imóvel sub judice no ano de 2003, tal como se fosse proprietária do mesmo.
É, pois, manifesto que a matéria constante do ponto E) constante da Matéria de Facto Provada foi correctamente apreciada e julgada, não padecendo de qualquer erro de julgamento.

Vejamos, pois, o que sobre esta questão se nos oferece dizer.
Como se viu, o Tribunal Recorrido baseou o facto E) no doc. 5 junto com a p.i.
Tal doc., que como refere a Recorrente, não se encontra datado, dirigido à sociedade C........., Lda. tem o seguinte teor:
ASS.: Cobrança de IMI/2004 e Regularização saldo em aberto
Estimados Senhores,
Acusamos recepção da vossa carta datada de 10/02/2006 a qual mereceu a nossa melhor atenção.
Como poderão compreender, apenas poderemos tomar uma posição sobre o pedido que nos fazem após o encerramento e regularização dos valores que temos em aberto referentes a encargos com Água, Electricidade e Imposto Autárquico das instalações por vós utilizadas (despesas de 2003 e 2004).
Embora exista já um débito de 3.321,00€ emitido na vossa conta - 2ª via do mesmo enviada a vós em 25/11/2005 a/c Sr D. A........ -, falta efectuar um acerto (a vosso débito) de 1.489,87€, conforme documentação em anexo, que perfaz um total de 4.810,87€.
Aguardamos assim que verifiquem e confirmem a documentação que junto vos enviamos de modo a se encerrar o processo com a máxima brevidade.
Antecipadamente gratos pela vossa atenção, subscrevemo-nos com os nossos melhores cumprimentos,

A Recorrida, por seu turno, desvaloriza este documento e centra a fundamentação do facto em causa no doc. 4 da p.i.
Acontece, porém, que tal documento, de 15-03-2002, refere-se a um contrato celebrado com terceiros, não havendo qualquer documento de cessão de posição contratual que se refira à empresa em causa.
Para além disso, apesar de constar de tal contrato uma clausula que permite aos promitentes compradores “tomar posse e utilizar o local prometido vender desde apresente data, sendo de sua conta todos os encargos, riscos ou multas inerentes à tomada de posse e designadamente o que corresponda à siza que for devida.”, a verdade é que de tal contrato também consta que o preço do imóvel não foi integralmente pago, estando previsto um plano de pagamento a terminar mesmo após a escritura de compra e venda.
Quanto ao documento 5 da p.i., que fundamentou o facto em causa, não vê o Tribunal como o mesmo possa ser apto a tal, já que se refere apenas, em concreto, a débitos de consumos e de “imposto autárquico” de anos anteriores, embora no ponto “Assunto”, se refira à cobrança do IMI de 2004.
Por outro lado, e não menos importante, o termo utilizado “tradição” é um conceito de direito de cuja concreta definição e concretização depende a solução do caso sub judice. Ou seja, saber se houve ou não tradição do imóvel em 2003 tem de resultar de factos materiais, concretos, alegados e demonstrados nos autos, sendo a resposta a tais questões, precisamente, aquilo que está em discussão nos presentes autos.
E, por assim ser, este facto E) tem de se dar como não escrito.

Quantos aos factos I) e J), entende a Recorrente que os mesmos devem ser dados como não provados, já que os docs. 6 a 24 juntos com a p.i., bem como o doc. de fls. 81 do PAT (que considerou como não impugnados), não demonstram o pagamento dessas despesas, mas apenas que foram emitidas facturas em nome da Recorrida, não havendo evidência de nenhum pagamento.
A Recorrida, por seu turno, defende que, exceptuando pequenas correcções, a matéria de facto foi bem fixada, já que “resulta do doc. n.° 5 junto com a impugnação judicial que Recorrida imputou à C........., Lda. os custos referentes à utilização do imóvel sub judice constantes dos doc.°s n.°s 6 a 24 junto com a impugnação judicial.
A C........., Lda. procedeu ao pagamento dos custos que lhe foram imputados pela Recorrida, sendo que, tal pagamento, aliás, presume-se pelas regras da experiência comum.” E que “Aliás, mesmo que não estivesse provado que a C........., Lda. tivesse pago à Recorrida o valor dos custos que lhe foram imputados pela Recorrida relativos à utilização do imóvel sub judice, o que por mera hipótese se admite, o mero facto de a Recorrida ter imputado à C........., Lda. e exigido o pagamento dos valores em questão - o que resulta directamente dos doc.s° n.° 5 a 24 juntos com a impugnação judicial - permite concluir que, para a Recorrida, a C........., Lda. era responsável pelo pagamento de tais custos.
Sendo que, conforme já referido, a C........., Lda. era responsável pelos custos em questão por se ter efectuado a tradição do imóvel sub judice da Recorrida para a C........., Lda.”.
Quanto ao Ponto J), a Recorrida entende que “o doc. n.° 24 junto com a impugnação judicial consiste na notificação da liquidação do IMI de 2003 do imóvel sub judice, sendo que o valor do imposto em questão, no montante de 140,26€, foi pago pela Recorrida, o que a Recorrente não coloca em causa.” E que “O referido valor foi posteriormente reclamado pela Recorrida à C........., Lda., conforme resulta dos doc.s n.s° 5 e 6 junto com a impugnação judicial.
Efectivamente, no doc. n.° 6 consta a rubrica "Imposto Autárquico", no valor de 140,26€, que corresponde ao valor do IMI de 2003, conforme notificação de liquidação - doc. n.° 24.

Os factos em causa têm o seguinte teor:
I) Durante o ano de 2003, não obstante os documentos virem em nome da impugnante, tais despesas foram cobradas à sociedade C........ Lda. que efectuou o pagamento das facturas de água e luz e procedeu ao pagamento do IMI do imóvel referido na alínea B) (cfr. docs. 6 a 24 juntos com a p.i. e facto não impugnado);
J) O IMI de 2003 foi pago pela Impugnante e pedido o seu reembolso à C......... Lda. (cfr. fls. 81 do PAT e facto não impugnado)

Ora, analisados os documentos que fundamentaram os factos em causa, não pode o Tribunal acompanhar a conclusão de que os valores ali indicados terão sido pagos. Com efeito, os docs. 6 a 24 são constituídos apenas por facturas e documentos emitidos em nome da Recorrida, não havendo qualquer prova do seu pagamento, sendo que do doc. 5 da p.i. até consta a menção de que os “valores que temos em aberto referentes a encargos com Água, Electricidade e Imposto Autárquico das instalações por vós utilizadas (despesas de 2003 e 2004)”, ou seja, não demonstram o pagamento dessas despesas.
E, portanto, tem razão a Recorrente quanto à conclusão de que o pagamento dessas despesas não se pode dar como demonstrado.

Finalmente, quanto ao ponto K) dos factos, defende a Recorrente que não é possível concluir que da declaração modelo 22 de 2003 consta declarada a mais-valia relativa ao imóvel em questão nos autos, mesmo conjugando o doc. 1 com o doc. 3 da p.i.

A Recorrida, por seu lado, defende que “declarou no Modelo 22 do exercício de 2003 a mais- valia realizada com a transmissão do imóvel sub judice.
Efectivamente, a mais-valia obtida pela Recorrida com a venda do imóvel sub judice consta do mapa das mais-valias (Modelo 31) do exercício de 2003 - doc. n.° 3 junto com a impugnação judicial.
Sendo que tal mais-valia foi declarada pela Recorrida nos campos 216 e 229 do Quadro 9 do Modelo 22 - doc. n.° 1.
Não existe uma correspondência exacta entre os valores constantes do Modelo 31 - doc. n.° 3 junto com a impugnação judicial e com o Modelo 22 - doc. n.° 1 junto com a impugnação judicial, porquanto no Modelo 22 - doc. n.° 1 devem ser declarados os valores agregados.
Com efeito, no campo 216 (mais-valias fiscais) do Quadro 9 do Modelo 22 - doc. n.° 1 junto com a impugnação judicial, que apresenta um valor agregado de 33.173,10€, está incluído o valor de 31.338,82€, referido no Modelo 31 - doc. n.° 3 junto com a impugnação judicial.
Por sua vez, no campo 229 (mais-valias contabilísticas) do Quadro 9 do Modelo 22 - doc. n.° 1 junto com a impugnação judicial, que apresenta um valor agregado de 118.761,04€, está incluído o valor de 117.302,14€, referido no Modelo 31 - doc. n.° 3 junto com a impugnação judicial.
Não há pois qualquer dúvida de que os valores referentes à mais-valia obtida pela Recorrida com a transmissão do imóvel sub judice - constantes do Modelo 31 (doc. n.° 3 junto com a impugnação judicial) - foram declarados pela Recorrida nos campos 216 e 22 9 do Quadro 9 do Modelo 22 - doc. n.° 1 junto com a impugnação judicial.”´

O facto K) tem o seguinte teor:
A impugnante apresentou declaração modelo 22 referente ao ano de 2003 na qual declarou a mais-valia referente ao imóvel identificado na al. B) (cfr. doc. 1 junto com a p.i.)

Ora, mais uma vez, não podemos acompenhar a Recorrida quando defende que dos docs. 1 e 3 resulta demonstrada a declaração da mais-valia resultante da venda do imóvel em causa nos autos.
Com efeito, nem fazendo um esforço de cálculo, tendo em conta as amortizações efectuadas, bem como o valor de realização, é possível chegar à conclusão de que se trata da venda do mesmo imóvel.
Assim, também quanto a este ponto tem razão a Recorrente, não podendo este facto, com base na fundamentação que dele consta, manter-se.

Aqui chegados, verifica-se que a Recorrente imputa à sentença o vício de défice instrutório.
Para existir défice instrutório tem de se concluir não terem sido realizados todos os actos de investigação necessários para esclarecer os factos relevantes para a decisão, o que poderia ter ocorrido, por exemplo, por o tribunal não ter realizado diligências de prova, como a inquirição de testemunhas, a obtenção de documentos ou a realização de perícias, que poderiam ser relevantes para o caso.
Tal como é referido por António Moura Portugal, in A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, pág. 212 e ss., “A forma como está estruturado o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, assente no princípio da declaração e num conjunto de deveres de cooperação a cargo do sujeito passivo, devidamente plasmados na lei, leva a que a mesma presuma a veracidade dos dados inscritos na contabilidade, quando esta estiver organizada de acordo com a lei comercial e fiscal.
A LGT consagra hoje no seu artigo 74.º a regra geral que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. O ónus da prova da factualidade alegada pelas partes tem a natureza de ónus objectivo, por decorrência do princípio da oficialidade, e não de ónus subjectivo tal como em sede de alegação. (…)”. No entanto, continua este autor, “(…) O contencioso tributário encontra-se estruturado a partir do princípio do inquisitório (tal asserção alarga-se ao papel que a Administração Fiscal desempenha no processo fiscal, em nome de um interesse público de cumprimento exacto de uma obrigação fiscal criada por lei (…). Trata-se de um processo dominado pelo interesse público, orientado para a obtenção da verdade material e que pela natureza própria de que se reveste impõe concretas limitações às regras do ónus da prova, nomeadamente à plena recepção no ordenamento tributário deste instituto tal como ele é apresentado na veste civilística.
Tomando como válida esta asserção, daqui derivarão consequências decisivas quer para a actividade da Administração (adstrita a exigências de legalidade e imparcialidade), quer para o julgador (obrigado nos mesmos moldes, mas sem estar amarrado aos factos carreados pelas partes), pois só assim se tributará de acordo com a capacidade contributiva (neste sentido, v. também António Lobo Xavier, para quem “os princípios da legalidade e da igualdade exigem que a avaliação da capacidade contributiva seja norteada pela preocupação com a verdade material e isto vale tanto para o caso em que é a Administração Fiscal quem se encarrega daquela avaliação como para a situação em que essa tarefa recai sobre o sujeito passivo (…)”” (cfr. ob. cit., pág. 217 e 218). (sublinhado nosso)

Como se viu, a sentença recorrida baseou a sua decisão de desaplicar a norma do art. 58.º-A do CIRC no facto de ter entendido que a tradição do imóvel teria ocorrido no ano de 2003, altura em que ainda não estava em vigor tal norma, aplicando o art. 18.º do CIRC relativo ao princípio da especialização dos exercícios, considerando que a mais-valia teria ocorrido no exercício de 2003.
Ora, como se viu da análise à matéria de facto, tal conclusão não está alicerçada em factos que a sustentem.
Recaindo embora sobre as partes o ónus da prova dos factos constitutivos, modificativos e/ou extintivos de direitos, a actividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos compete também ao Tribunal, o qual, atento o disposto nos arts.13.º, do CPPT e 99.º da LGT, deve realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade, assim se afirmando, sem margem para dúvidas, o princípio da investigação do Tribunal Tributário no domínio do processo judicial tributário.
Tendo em conta a causa de pedir invocada e os documentos juntos aos presentes autos, verifica-se, claramente, uma situação de défice instrutório, já que, atendendo à invocação da tradição do imóvel no ano de 2003, importava apurar se esse imóvel ainda constava do imobilizado da Impugnante nesse ano, importava juntar documentos que demonstrassem o pagamento do preço do imóvel na altura da tradição, bem como os documentos comprovativos dos pagamentos das despesas e do IMI invocado pela Impugnante.
Como se viu, nada disso foi feito pelo Tribunal recorrido, o que impede este Tribunal de recurso de apreciar o invocado erro de julgamento de direito.

Assim, nos termos do disposto no art. 662.º n.º 2 do CPC, não resta ao Tribunal outra solução que não a de anular a decisão recorrida, ordenado-se a baixa do processo de modo a corrigir e ampliar a matéria de facto nos termos que se deixaram expostos.

Procede, por isso, o recurso que nos vem dirigido.
*****

III. DECISÃO

Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, anulando a decisão recorrida e determinando a baixa dos autos à primeira instância de modo a corrigir e ampliar a matéria de facto.

Sem custas.


Registe e notifique.

Lisboa, 16 de Outubro de 2025

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[Teresa Costa Alemão]


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[Sara Diegas Loureiro]


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[Cristina Coelho da Silva]