Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:172/25.1BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:10/16/2025
Relator:FILIPE CARVALHO DAS NEVES
Descritores:PENHORA DE BENS MÓVEIS
VALOR E IDONEIDADE DA GARANTIA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I - Da conjugação dos art.ºs 169.º e 199.º do CPPT e 52.º da LGT, resulta que instaurada a execução fiscal a sua suspensão apenas pode ser efetuada nos casos previstos na lei, sendo que para esse efeito importa, por um lado, que o sujeito passivo interponha o competente meio de discussão da legalidade/inexigibilidade da dívida exequenda e, por outro, que esteja associada uma garantia idónea ou tenha sido dispensado da sua prestação, podendo, no entanto, a garantia prestada ser objeto da competente substituição ou reforço desde que demonstrados os respetivos pressupostos legais.
II - O legislador não estabeleceu qualquer ordem de preferência das garantias ditadas pela maior ou menor eficácia e bem assim pelo grau de liquidez das mesmas, consagrando, efetivamente, a penhora de bens móveis como meio idóneo para obter a suspensão da execução fiscal.
III - Existindo insuficiência de documentação carreada aos autos poderia/deveria a Autoridade Tributária e Aduaneira ter requerido, ao abrigo dos princípios da colaboração e do inquisitório, a documentação que reputava pertinente para suprir essa insuficiência.
IV - O conceito de idoneidade da garantia depende da capacidade de, em caso de incumprimento do devedor e da correspondente necessidade de a executar, assegurar a efetiva cobrança dos créditos garantidos, conforme resulta da conjugação do disposto no art.º 169.º com os art.ºs 199.º e 217.º do CPPT, ex vi n.º 2 do art.º 52.º da LGT.
V - A criação administrativa de critérios relacionados com o risco associado à venda de bens, à sua depreciação em resultado da utilização e o grau de liquidez da garantia traduz uma limitação e cerceamento dos direitos dos contribuintes, subvertendo a tutela regulada pelo legislador no âmbito da prestação de «garantia idónea».
VI - A finalidade da garantia coaduna-se, tão-só, com assegurar o pagamento da quantia exequenda e do acrescido, porquanto desde que verificada a idoneidade da garantia que o executado se propõe prestar, a Autoridade Tributária e Aduaneira deve aceitá-la, uma vez que a prossecução dos fins públicos atinentes à cobrança coerciva dos créditos tributários deve ser concretizada com o menor sacrifício possível dos direitos e interesses dos executados; pelo que se impõe uma ponderação neste domínio, sopesando, por um lado, o interesse público do credor tributário e, por outro, os interesses legítimos do executado e a proporcionalidade dos meios para assegurar a prestação de «garantia idónea».
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública veio apresentar recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, em 06/06/2025, que julgou totalmente procedente a reclamação judicial apresentada por O…, Lda., contra o despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Olhão em 27/02/2025, que indeferiu o pedido de prestação de garantia com recurso ao seu património mobiliário, apresentado nos processos de execução fiscal («PEF») n.os 1104202501001493 e 1104202501008706, instaurados, respetivamente, para cobrança de dívida de Imposto sobre o Valor Acrescentado («IVA») do exercício de 2020 e de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas («IRC») do exercício de 2021, no valor total de 25.723,47 Euros.

A Recorrente apresentou alegações, rematadas com as seguintes conclusões:

«I) Em sumula definimos a questão controvertida no presente recurso - entende o Tribunal a quo que o conceito de garantia idónea implica a quantificação do valor dos bens e que a ATA não solicitou documentação relevante a tal operação, em oposição à decisão de indeferimento emitida pela ATA, que considerou que o tipo de bens apresentados - equipamentos básicos e ferramentas e utensílios que integram o ativo fixo tangível utilizados quotidianamente pela empresa na sua atividade - não permite assegurar a cobrança efetiva da divida em causa, o que justifica o indeferimento do requerido.
ii) Adere o Tribunal a quo ao conceito de garantia idónea que tem vindo a ser delineado pela doutrina e jurisprudência nos termos que reproduzimos "Assim, de acordo com aquele que tem sido o entendimento da doutrina e da jurisprudência, a garantia idónea será aquela que é adequada para o fim em vista, ou seja, assegurar o pagamento da totalidade do crédito exequendo e acréscimos (neste sentido, entre outros, acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 21-09-2011, proc. n.° 0786/11, de 11-07-2012, proc. n.° 0730/12, de 10-10-2012, proc. n.° 0916/12, disponíveis em www.dgsi.pt; Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, Almedina, pág. 77, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.g edição, Áreas Editora, Volume III, págs. 411-412).'"
iii) Cai em erro o Tribunal quando assume que a decisão do órgão de execução fiscal se fundamenta na não apresentação de documentos pela reclamante, enfim, por considerar "não ser suficiente para aferir do valor da garantia oferecida" o balancete analítico apresentado pela empresa.
IV) Considera mesmo que a ATA não se pode "escudar na falta de colaboração daquele para se desonerar das suas obrigações, vinculada que está ao princípio da legalidade e da prossecução do interesse público (cfr. artigos 56.° e 58.° da LGT)", mais "impunha-se que diligenciasse junto da Reclamante para obter esses elementos que reputava de pertinentes e essenciais para aferir da idoneidade da garantia, ao abrigo do princípio da colaboração, da verdade material e do inquisitório".
V) Analisada a fundamentação da decisão de indeferimento do pedido de suspensão do processo de execução, constatamos que, é efetivamente referido que o documento apresentado, balancete analítico, desacompanhado de informações adicionais, tais como o ano e valor da aquisição dos bens, o ano de utilização e taxa de amortização, que constariam do mapa de amortização, não permite tão pouco confirmar se o valor contabilístico dos bens é o indicado.
VI) Mas claramente não é essa a razão que sustenta o indeferimento agora reclamado, a garantia apresentada não foi considerada idónea para suspender o processo de execução em curso porque os bens em causa de natureza móvel eram o equipamento básico, ferramentas e utensílios, utilizados na atividade da empresa o que face a uma mera analise sustentada no senso comum permite com considerável grau de probabilidade prever que o seu valor de mercado e a dificuldade evidente na sua venda não permitirão satisfazer a cobrança dos valores em divida.
vii) Ainda da decisão agora recorrida transpomos "No que respeita à alegada falta de idoneidade dos bens concatenada com a desvalorização e desgaste dos mesmos, importa ter presente que o legislador não estabeleceu qualquer ordem de preferência das garantias ditadas pela maior ou menor eficácia e bem assim pelo grau de percentagem de liquidez das mesmas, consagrando, efetivamente, a penhora de bens móveis como idóneo para obter a suspensão da execução fiscal, pelo que a criação de obstáculos concatenados com o risco e o grau de liquidez traduz uma limitação e cerceamento de direitos dos contribuintes, subvertendo a tutela regulada pelo legislador no âmbito das garantias idóneas."
VIII) Vejamos, quando consideramos que garantia idónea é aquela que permite a cobrança da divida sempre a sua apreciação implicará avaliação acerca da possibilidade de transformar os bens objeto da garantia em valores líquidos que permitam o pagamento da divida.
IX) Pouco interessa à Fazenda Nacional a garantia constituída por bens de elevado valor, mas que dificilmente possam ser liquidados uma vez que divida ficará por pagar, obstado ao fim ultimo do processo instaurado.
X) Ora os bens em causa constituem, no essencial, o recheio da cozinha de um restaurante que, bem se vê, só será passível de transmissão a empresa com a mesma atividade, que adquirirá bens já desgastado para vir a usar também de forma intensiva sem tão pouco usufruir das contrapartidas fiscais que teria se a aquisição fosse de bens novos.
XI) Pelo que é evidente a dificuldade na transformação de tais bens em valores líquidos que permitam saldar a divida, repita-se, fim ultimo da garantia.
XII) Mais, não se afigura como admissível ter existido qualquer limitação ou cerceamento dos direitos do contribuinte na medida em que, impõe a lei, estes sejam compatibilizados com o direito que o Estado tem a receber os seus créditos, dai a exigência de garantia que seja idónea.
XIII) O Tribunal a quo parece limitar a apreciação da idoneidade da garantia à avaliação do bem (se essa fosse a intenção do legislador não recorreria a conceito impreciso suscetível de conceder considerável grau de discricionariedade à ATA) e confundir objetividade com quantificação.
XIV) A fundamentação do indeferimento, entretanto anulado, faz uma apreciação objetiva, acerca da sua razão de ser, e discriminada, conforme a natureza dos bens objeto da garantia:
- o veiculo automóvel, não é aceite, por não ser propriedade da empresa;
- as obras, também não são aceites, por terem sido realizadas em imóvel de que a empresa não é proprietária.
XV) Mais especificamente, quanto ao equipamento básico, ferramentas e utensílios, cujo valor atribuído é o constante do balancete analítico desacompanhado de documentos que permitam a verificação da sua credibilidade, verifica-se que não são garantias idóneas:
- por se tratarem de bens sujeitos a uma rápida desvalorização, razão pela qual contabilisticamente são amortizáveis em 4 anos, o seu período de vida útil;
- por ser elevado o grau de risco e incerteza nos valores a arrecadar;
- por essa avaliação dever projetar-se no futuro momento em que se efetivará, caso seja necessário, a satisfação dos créditos tributários;
- por fim, são identificadas meios de garantia alternativos que se afigurariam como idóneos.
XVI) O conceito de objetividade não se confunde com o de quantificação, a apreciação realizada fundamenta-se em factos, resulta da observação empírica da realidade e não das perceções pessoais do decisor e ainda assim recorre a informação quantificável - o período de vida útil dos bens, em termos contabilísticos, é de apenas 4 anos; o facto do valor dos bens no balancete analítico ser de 43 009, 83 e consultada a IES o valor desta constante ser de apenas 28 232, 03€.
XVII) É clara a razão de ser do indeferimento do pedido que, ao invés do defendido na sentença, não se consubstancia na mera falta de apresentação de documentos que permitisse aferir o valor de mercado dos bens até porque tais documentos apenas permitiriam determinar se o calculo do valor contabilizado é correto, mas sim no tipo de bens apresentados, bens móveis utilizados quotidianamente na atividade da empresa e que por essa razão se desgastam rapidamente e em consonância a sua desvalorização também é acelerada, tudo parâmetros relevantes no juízo de idoneidade da garantia, o que permite concluir, com elevado grau de probabilidade, que não assegurarão de forma cabal a efetiva cobrança da divida.
XVIII) Se a lei pretendesse que o único critério de aceitação da garantia fosse o valor do bem teria determinado que a garantia a ser apresentada tivesse valor suficiente e não que fosse idónea, conceito este que permite à ATA apreciar a garantia apresentada com alguma discricionariedade e tendo em conta critérios distintos do mero valor dos bens, seja o contabilizado ou de mercado.
XIX) No sentido preconizado pela Fazenda Publica vide parecer do Ministério Publico de que reproduzimos o seguinte trecho "No caso em apreço, entendemos que a decisão reclamada analisou e fundamentou detalhadamente a falta de idoneidade dos bens indicados, de modo a não nos merecer qualquer reparo." e sentença deste TAF emitida em 05/05/2023 no processo n°121/23.1BELLE.
XX) Razões pelas quais viola a sentença recorrida o disposto no art°199 do CPPT.
De harmonia com o exposto deve ser concedido provimento ao presente recurso e em consequência revogada a douta sentença recorrida mantendo-se válida e eficaz na ordem jurídica a decisão de indeferimento da garantia apresentada pela reclamante.».
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Regularmente notificada, a Recorrida não apresentou contra-alegações.
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A Digna Magistrada do Ministério Público («DMMP») neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de não ser concedido provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente dos autos, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

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II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cf. art.º 635.º, n.º 4 e art.º 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil - «CPC» - ex vi art.º 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - «CPPT»), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações do recorrente, importa decidir se a sentença recorrida deve ser revogada com fundamento em erro de julgamento na interpretação e aplicação do direito, dado que os bens oferecidos como garantia pela Recorrida não constituem «garantia idónea» nos termos e para os efeitos dos art.ºs 169.º, n.º1 e 199.º, n.º1 do CPPT e 52.º, n.º2 da Lei Geral Tributária («LGT»).
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.A - De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
«A) Em 03-01-2025, foi emitida em nome de "O…, LDA", ora Reclamante, a certidão de dívida n.° 2025/923094, por dívidas de IVA do período 2020/09T, no montante de €11.785,74 de quantia exequenda (cfr. fls. 3 a 4 do Documento n.° 004966761 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
B) Com base na certidão de dívida identificada em A) supra, foi autuado no Serviço de Finanças de Olhão, em nome da Reclamante, o processo de execução fiscal n.° 1104202501001493 (cfr. fls. 3 do Documento n.° 004966761 dos autos, idem);
C) Em 11-01-2025, foi emitida em nome da Reclamante, a certidão de dívida n.° 2025/997874, por dívidas de IRC do ano 2021, no montante de €13.937,73 de quantia exequenda (cfr. fls. 1 a 2 do Documento n.° 004966761 dos autos, ibidem);
D) Com base na certidão de dívida identificada em C) supra, foi autuado no Serviço de Finanças de Olhão, em nome da Reclamante, o processo de execução fiscal n.° 1104202501008706 (cfr. fls. 1 do Documento n.° 004966761 dos autos, ibidem);
E) A Reclamante apresentou requerimento no Serviço de Finanças de Olhão, com o seguinte teor:
(...)
O…, Lda., NIPC 5… com sede na Urbanização E…, lote …, Quelfes, (8…-2..) Olhão, tendo sido objeto de ação inspetiva, da qual resultaram liquidações de IRC e IVA respeitantes aos anos de 2020 e 2021 e porque pretende impugnar as liquidações resultantes da referida inspeção, que irão dar origem a processos executivos, a fim de evitar penhoras que prejudiquem o exercício da atividade vem requer a V. ' Ex." que se digne penhorar os bens patrimoniais da referida sociedade como garantia da dívida, pois tais bens são suficientes para garantir os valores ora em questão, porque qualquer outra penhora irá causar prejuízos irreparáveis na gestão do negócio para o efeito junta-se balancete contabilístico.
(…)” (cfr. fls. 1 do Documento n.° 004966762 dos autos, ibidem);
F) Com o requerimento identificado em E) supra, a Reclamante juntou Balancete Contabilístico do ano de 2024, do qual constam as contas 432 "Edifícios e Outras Construções", 433 "Equipamento Básico", 4371 "Ferramentas", e o valor de aquisição acumulado no montante de €343.982,29, o valor de amortização acumulada, no montante €116.927,22 e o valor líquido no montante de €227.055,07 (cfr. fls. 2 a 5 do Documento n.° 004966762 dos autos, ibidem);
G) O "Equipamento Básico" e as "Ferramentas", constantes do Balancete identificado em F) supra, têm o valor de aquisição actualizado no montante de €120.435,38, uma amortização acumulada no montante de €77.426,15 e o valor líquido de €43.009,83 (cfr. fls. 2 a 5 do Documento n.° 004966762 dos autos, ibidem);
H) Em 27-02-2025, foi proferida informação pelo Serviço de Finanças de Olhão, a propor o indeferimento do pedido identificado em E) supra, da qual resulta, designadamente, o seguinte: "(...)
C) Da Análise
Em janeiro de 2025 foram instaurados, contra o executado, os processos de execução fiscal n° 1104202501001493 e n° 1104202501008706, por divida de IRC, referente ao ano de 2021 e por divida de IVA, referente ao ano de 2020, com a quantia exequenda instaurada no montante total de € 25.723,47 e com um valor total em dívida, na presente data, no montante global de € 26.405,05.
Preceituam os n.°s 1 e 2 do artigo 52.° da LGT que a cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objeto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda e que a suspensão da execução nos termos do n° 1 depende da prestação de garantia.
De acordo com o n° 1, n° 2, n° 7 e n° 8 do artigo 169° do CPPT a execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objeto a legalidade da dívida exequenda, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.° ou prestada nos termos do artigo 199.° ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que deve ser informado no processo pelo funcionário competente.
A execução fica suspensa, desde que, após o termo do prazo de pagamento voluntário, seja prestada garantia antes da apresentação do meio gracioso ou judicial correspondente, acompanhada de requerimento em que conste a natureza da dívida, o período a que respeita e a entidade que praticou o ato, bem como a indicação da intenção de apresentar meio gracioso ou judicial para discussão da legalidade ou da exigibilidade da dívida exequenda.
Se não houver garantia constituída ou prestada, nem penhora, ou os bens penhorados não garantirem a dívida exequenda e acrescido, é disponibilizado no portal das finanças na Internet, mediante acesso restrito ao executado, ou através do órgão da execução fiscal, a informação relativa aos montantes da dívida exequenda e acrescido, bem como da garantia a prestar, apenas se suspendendo a execução quando da sua efetiva prestação.
Caso no prazo de 15 dias, a contar da apresentação de qualquer dos meios de reação previstos no artigo 169° do CPPT, não tenha sido apresentada garantia idónea ou requerida a sua dispensa procede-se de imediato à penhora.
Determina ainda o artigo 199.° do CPPT, no seu n.° 1 e 2 que caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro- caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente" podendo ainda consistir "a requerimento do executado e mediante a concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.° com as necessárias adaptações.
Posto isto, a garantia, no caso de intenção de interposição de Processo Contencioso, nos termos do n.° 6 do artigo 199.° do CPPT, deve ser "prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo de pagamento voluntário ou à data do pedido quando posterior, com limite de cinco anos, e custas na totalidade, acrescida de 25% da soma daqueles valores.
Ora, daqui se retira que, a constituição de garantia em processo de execução fiscal se destina a assegurar a cobrança (pagamento) dos créditos tributários, sendo essa prestação ou a respetiva dispensa, condição essencial da suspensão legal do processo, conforme decorre dos artigos 52.°.
Para efeitos de garantia e suspensão do processo de execução, o executado ofereceu como garantia os bens patrimoniais da sociedade, ou seja, os bens que integram o ativo da empresa, anexando para o efeito um balancete contabilístico relativo ao ano de 2024, não tendo exibido qualquer outro documento, sendo que os bens que integram o ativo da empresa são depreciados em função da respetiva vida útil e estão sujeitos a perdas por imparidade.
Da análise ao referido balancete verificou-se que os ativos fixos tangíveis relativos a equipamento básico e ferramentas, após consideração das depreciações e amortizações praticadas pelo reclamante em períodos anteriores, ou seja, em 2024, apresenta um valor contabilístico no montante de €43.009,83.
Contudo, o documento apresentado não contém o ano de aquisição dos bens, o valor de aquisição para efeitos fiscais, a taxa de amortização/ depreciação praticada na depreciação dos bens, o ano de utilização do bem, não sendo possível aferir se os dados exibidos correspondem, ou não, ao valor contabilístico que aparece mencionado.
Além disso, aquele valor poderá não corresponder ao valor real ou ao valor de mercado dos bens, não tendo sido apresentado qualquer outro documento idóneo que afira o real valor de mercado para os bens oferecidos como garantia.
Além do anteriormente referido, os ativos fixos tangíveis são constituídos por ferramentas e utensílios utilizados na atividade e sujeitos a deperecimento e desgaste rápido.
Pelo exposto, verificou-se que a este tipo de garantia está associado, deforma evidente, um maior grau de risco e de incerteza nos valores a arrecadar em caso de incumprimento do executado. Pela sua natureza, poderá haver grandes dificuldades em executar a garantia e assegurar a efetiva cobrança dos créditos garantidos.
A idoneidade da garantia prestada não deve apenas dizer respeito ao valor da mesma no momento em que é prestada, mas igualmente, ao valor da garantia no futuro, por forma a não afetar o risco de cobrabilidade do crédito.
Na falta de uma definição legal de garantia idónea, pode afirmar-se que o conceito de idoneidade depende da capacidade de, em caso de incumprimento do devedor e da correspondente necessidade de a executar, assegurar a efetiva cobrança dos créditos garantidos e resulta da conjugação do disposto no artigo 169° com os artigos 199° e 217° do CPPT, ex vi n° 2 do artigo 52° da LGT.
A garantia a prestar não se resume à penhora do ativo fixo tangível depreciado em função da respetiva vida útil, sujeito a perdas por imparidade, podendo o reclamante apresentar qualquer outro meio suscetível de assegurar os créditos do exequente, podendo inclusive recorrer a garantias prestadas pelos sócios, gerentes e por terceiros.
Em consulta ao sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), verificou-se que o executado não possui qualquer bem imóvel registado em seu nome, possuindo um contrato de arrendamento celebrado com o locador F… - CABEÇA DE CASAL DA HERANÇA DE, NIF 7…, referente ao prédio urbano sito na Rua …, n° …, 8… - 1… Olhão, inscrito na matriz predial da freguesia e concelho de Olhão sob o artigo 5…, destinado a comércio, com a renda mensal de € 4.000,00.
D) Conclusão
A garantia oferecida pelo executado, á luz do n° 1 e n° 2 do artigo 199° e 195° do CPPT, não se mostra uma garantia idónea por apresentar um grau de risco e de incerteza nos valores a arrecadar no caso de incumprimento do executado, sendo que na falta de uma definição legal de garantia idónea, pode afirmar-se que o conceito de idoneidade depende da capacidade de, em caso de incumprimento do devedor e da correspondente necessidade de a executar, assegurar a efetiva cobrança dos créditos garantidos e resulta da conjugação do disposto no artigo 169° com os artigos 199° e 217°, do CPPT, ex vi n° 2 do artigo 52° da LGT, pelo que proponho o indeferimento do pedido.
Assim, caso o executado pretenda a suspensão da execução deverá ser constituída ou prestada garantia idónea nos termos do art.° 199° do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), sendo que a sua falta origina a prossecução dos termos normais do processo de execução, nomeadamente para penhora dos bens ou direitos considerados suficientes para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido (n° 8 do art.° 199° do CPPT).
(...)" (cfr. fls. 7 a 10 do Documento n.° 004966762 dos autos, ibidem);
I) Em 27-02-2025, na informação identificada em H) supra, foi aposto despacho pela Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de Faro, em regime de substituição, por delagação, com o seguinte teor:
"Concordo.
Indefiro nos termos e fundamentos expostos. (...)"
(cfr. fls. 7 do Documento n.° 004966762, ibidem);
J) Com data de 27-02-2025, foi emitido pelo Serviço de Finanças de Olhão, o ofício n.° 1104/000430/2024, dirigido à mandatária da Reclamante, para efeitos de notificação do despacho identificado em I) supra (cfr. fls. 13 do Documento n.° 004966762 dos autos, ibidem);
K) O ofício identificado em K) supra, foi recebido em 06-03-2025 (cfr. fls. 14 do Documento n.° 004966762 dos autos, ibidem);
L) Em 17-03-2025, a presente Reclamação foi apresentada no Serviço de Finanças de Olhão, através de email (cfr. fls. 18 do Documento n.° 004966758 dos autos, ibidem).».
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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:
«Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como provados ou não provados.».

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Mais resulta consignado em termos de motivação da matéria de facto o seguinte:
«A decisão da matéria de facto, dada como provada nos presentes autos, foi a considerada relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito e, assentou na prova documental junta aos autos e constante do processo de execução fiscal, a qual não foi impugnada, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.».
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III.B De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respetiva motivação que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se o Tribunal a quo errou no seu julgamento ao considerar procedente a reclamação por ter concluído que os fundamentos enunciados pelo Autoridade Tributária e Aduaneira («AT») para sustentar o indeferimento do pedido de prestação de garantia com recurso aos bens que integram o ativo tangível da Recorrida contrariam o normativo legal vigente nesta matéria.

A Recorrente dissente do julgado recorrido invocando, fundamentalmente, que «a garantia apresentada não foi considerada idónea para suspender o processo de execução em curso porque os bens em causa de natureza móvel eram o equipamento básico, ferramentas e utensílios, utilizados na atividade da empresa o que face a uma mera analise sustentada no senso comum permite com considerável grau de probabilidade prever que o seu valor de mercado e a dificuldade evidente na sua venda não permitirão satisfazer a cobrança dos valores em divida» e que «o recheio da cozinha de um restaurante que, bem se vê, só será passível de transmissão a empresa com a mesma atividade, que adquirirá bens já desgastado para vir a usar também de forma intensiva sem tão pouco usufruir das contrapartidas fiscais que teria se a aquisição fosse de bens novos», «Pelo que é evidente a dificuldade na transformação de tais bens em valores líquidos que permitam saldar a divida , repita - se, fim ultimo da garantia.».

Conclui a Recorrente que «É clara a razão de ser do indeferimento do pedido que, ao invés do defendido na sentença, não se consubstancia na mera falta de apresentação de documentos que permitisse aferir o valor de mercado dos bens até porque tais documentos apenas permitiriam determinar se o calculo do valor contabilizado é correto, mas sim no tipo de bens apresentados, bens móveis utilizados quotidianamente na atividade da empresa e que por essa razão se desgastam rapidamente e em consonância a sua desvalorização também é acelerada, tudo parâmetros relevantes no juízo de idoneidade da garantia, o que permite concluir, com elevado grau de probabilidade, que não assegurarão de forma cabal a efetiva cobrança da divida.».

Vejamos, então, começando por recuperar o que, a este propósito, se escreveu na sentença recorrida, depois de elencar o quadro legal aplicável:


«(…)
Ora, no que se refere à falta de junção de documentos, note-se que a Reclamante não teve uma actuação de inércia probatória, pois juntou o Balancete Contabilístico do ano 2024, com o valor da amortização acumulado e com o valor líquido dos ativos fixos tangíveis (cfr. alíneas E) e F) do probatório), pelo que caso o órgão de execução fiscal considerasse que esse documento não era suficiente para aferir do valor da garantia oferecida, e que como tal necessitava de mais documentos contabilísticos, deveria o mesmo os ter solicitado, o que não fez.
Efectivamente, a Administração Tributária encontra-se vinculada aos princípios da verdade material e do inquisitório, ao abrigo dos quais está obrigada a desencadear todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade material, independentemente de as mesmas terem sido cumpridas pelo particular (não estando dependente da iniciativa deste), nem se podendo escudar na falta de colaboração daquele para se desonerar das suas obrigações, vinculada que está ao princípio da legalidade e da prossecução do interesse público (cfr. artigos 56.° e 58.° da LGT). Pelo que, se entendia serem necessários elementos ou esclarecimentos adicionais, então impunha-se que diligenciasse junto da Reclamante para obter esses elementos que reputava de pertinentes e essenciais para aferir da idoneidade da garantia, ao abrigo do princípio da colaboração, da verdade material e do inquisitório (nesse sentido vide, entre outros, o acórdão do TCAS, proferido no processo n.° 483/22.8BELRA, de 02-02-2023, disponível em www.dgsi.pt ).
(…)
No que respeita à alegada falta de idoneidade dos bens concatenada com a desvalorização e desgaste dos mesmos, importa ter presente que o legislador não estabeleceu qualquer ordem de preferência das garantias ditadas pela maior ou menor eficácia e bem assim pelo grau de percentagem de liquidez das mesmas, consagrando, efectivamente, a penhora de bens móveis como idóneo para obter a suspensão da execução fiscal, pelo que a criação de obstáculos concatenados com o risco e o grau de liquidez traduz uma limitação e cerceamento de direitos dos contribuintes, subvertendo a tutela regulada pelo legislador no âmbito das garantias idóneas.
(…)
Por outro lado, qualquer tipo de bens (móveis ou imóveis) é susceptível de desgaste e valorização/desvalorização, quer pela sua utilização, quer pelo mero decurso do tempo ou mesmo pelas condições de mercado, mas tal não fez com que o legislador considerasse que tal os tornaria não aptos a constituir garantia de pagamento das dívidas tributárias.
Sendo certo que, quanto ao decréscimo do valor dos bens com o decurso do tempo, a lei faculta um mecanismo legal de resolução da questão, ou seja, o procedimento de reforço da garantia consignado nos artigos 169.°, n.° 8 e 199.°, n.° 5 ambos do CPPT e 52.°, n.° 3 da LGT.
Deste modo, a recusa de uma garantia deverá alicerçar-se em razões objectivas relacionadas com a concreta não susceptibilidade de assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, não sendo lícito o órgão de execução fiscal fundamentar essa recusa em aspectos meramente qualitativos das garantias, como sucedeu no caso em apreço, uma vez que a mesma assentou em parâmetros que não integram o critério legal de aferição da idoneidade da garantia, pelo que ao tê-lo feito, e indeferido o pedido de prestação de garantia, apenas com base em critérios qualitativos, sem ter procedido à concreta avaliação da garantia oferecida, a decisão reclamada violou o princípio do inquisitório e da verdade material, bem como incorreu em vício de violação de lei por errónea interpretação e aplicação do artigo 199.° do CPPT, motivo pelo qual deve ser anulada.
(…)».

Apreciando.

Atentemos, então, no quadro normativo que releva para o caso dos autos.

No concernente à regulamentação da suspensão da execução fiscal, dispõe o art.º 169.º, n.ºs 1, 8 e 14 do CPPT que:

«1 - A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objeto a legalidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem 90/436/CEE, de 23 de julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados-Membros, ou de convenção para evitar a dupla tributação, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que deve ser informado no processo pelo funcionário competente.
(…)
9 - Quando a garantia constituída nos termos do artigo 195.º, ou prestada nos termos do artigo 199.º, se tornar insuficiente é ordenada a notificação do executado dessa insuficiência e da obrigação de reforço ou prestação de nova garantia idónea no prazo de 15 dias, sob pena de ser levantada a suspensão da execução.
(…)
14 - O valor da garantia é o que consta da citação, nos casos em que seja apresentada nos 30 dias posteriores à citação

Preceituando, para o efeito, o art.º 190.º, n.º 2 do CPPT que:
«A citação é sempre acompanhada da nota indicativa do prazo para oposição, ou para dação em pagamento, nos termos do presente título, bem como da indicação de que, nos casos referidos no artigo 169.º e no artigo 52.º da lei geral tributária, a suspensão da execução e a regularização da situação tributária dependem da efetiva existência de garantia idónea, cujo valor deve constar da citação, ou em alternativa da obtenção de autorização da sua dispensa.».

De convocar, outrossim, o art.º 199.º, n.ºs 1 a 5 do CPPT, sob a epígrafe «Garantias», o qual estatui que:
«1 – Caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio suscetível de assegurar os créditos do exequente.
2 – A garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195º, com as necessárias adaptações.
3 – Se o executado considerar existirem os pressupostos da isenção da prestação de garantia, deverá invocá-los e prová-los na petição.
4 - Vale como garantia, para os efeitos do n.º 1, a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido ou a efetuar em bens nomeados para o efeito pelo executado no prazo referido no n.º 7.
5 - No caso de a garantia apresentada se tornar insuficiente, a mesma deve ser reforçada nos termos das normas previstas neste artigo.».

Preceitua, ainda, o art.º 199.º-A do CPPT, a propósito da “avaliação da garantia”, no que para o caso dos autos releva, que:
«1 - Na avaliação da garantia, com exceção de garantia bancária, caução e seguro-caução, deve atender-se ao valor dos bens ou do património apurado nos termos dos artigos 13.º a 17.º do Código do Imposto do Selo.»

Dispõe, ainda neste particular, o normativo 221.º do CPPT, relativamente às formalidades de penhora de bens móveis, que:
«1 - Na penhora de móveis observar-se-á designadamente o seguinte:
a) Os bens serão efetivamente apreendidos e entregues a um depositário idóneo, salvo se puderem ser removidos, sem inconveniente, para os serviços ou para qualquer depósito público;
b) O depositário é escolhido pelo funcionário, podendo a escolha recair no executado;
c) Na penhora lavra-se um auto, que é assinado pelo depositário ou por duas testemunhas, onde se regista o dia, a hora e o local da diligência, se menciona o valor da execução, se relacionam os bens por verbas numeradas, se indica o seu estado de conservação e o valor aproximado e se referem as obrigações e responsabilidades a que fica sujeito o depositário, a quem é entregue uma cópia;
d) Se o executado estiver presente e se recusa a assinar, mencionar-se-á o facto.
2 - A penhora de bens móveis que façam parte do ativo de sujeitos passivos de IVA, ainda que dele isentos, pode ser feita mediante notificação que discrimine os bens penhorados e identifique o fiel depositário.
3 - No caso referido no número anterior, o fiel depositário dispõe do prazo de cinco dias para informar a administração tributária da eventual inexistência, total ou parcial, dos bens penhorados.
4 - A penhora efetuada nos termos do disposto no n.º 2 não obsta a que o executado possa dispor livremente dos bens, desde que se trate de bens de natureza fungível e assegure a sua apresentação, no prazo de cinco dias, quando notificado para o efeito pela administração tributária.».

Preceituando, in fine, o art.º 52.º, n.ºs 1, 2 , 3 e 7 da LGT, relativamente à garantia da cobrança da prestação tributária que:
«1 - A cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objeto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem n.º 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados membros.
2 - A suspensão da execução nos termos do número anterior depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.
3 - A administração tributária pode exigir ao executado o reforço da garantia no caso de esta se tornar manifestamente insuficiente para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.
(…)
7 - A garantia pode, uma vez prestada, ser excecionalmente substituída, em caso de o executado provar interesse legítimo na substituição e daí não resulte prejuízo para o credor tributário.»

Ora, da conjugação dos citados normativos legais resulta que instaurada a execução fiscal a sua suspensão apenas pode ser conseguida nos casos previstos na lei, sendo que para esse efeito importa, por um lado, que o sujeito passivo interponha o competente meio de discussão da legalidade/inexigibilidade da dívida exequenda e, por outro, esteja associada uma garantia idónea ou tenha sido dispensado da sua prestação, podendo, no entanto, a garantia prestada ser objeto da competente substituição ou reforço desde que demonstrados os respetivos pressupostos legais.

Aqui chegados, visto o direito que releva para o caso dos autos, importa transpor o mesmo para o caso vertente, assinalando-se, desde já, que não se vislumbra que o Tribunal a quo tenha incorrido no erro de julgamento que lhe vem assacado.

Expliquemos porque assim o entendemos.

É compreensível o desiderato evidenciado na fundamentação do ato reclamado, e secundado nas alegações recursórias, de que a garantia oferecida pelo executado seja o mais sólida e líquida possível, de modo a minimizar o risco de incobrabilidade dos créditos exequendos.

Porém, esse interesse que é patente na perspetiva do credor tributário tem de ser equilibrado e perspetivado de acordo com a visão do legislador plasmada nos normativos acima citados, designadamente com a concretização do conceito de «garantia idónea» que deve ser prestada para efeitos de suspensão da execução fiscal. Inexistindo uma definição legal de «garantia idónea», tem vindo a afirmar-se que o conceito de idoneidade depende da capacidade de, em caso de incumprimento do devedor e da correspondente necessidade de a executar, assegurar a efetiva cobrança dos créditos garantidos, conforme resulta da conjugação do disposto no art.º 169.º com os art.ºs 199.º e 217.º do CPPT, ex vi n.º 2 do art.º 52.º da LGT.

Mais importa relevar que o legislador não estabeleceu qualquer ordem de preferência ou graduação das garantias, mormente, na melhor ou menor qualidade ou eficácia das garantias em causa, o que é certo é que consagrou a penhora como meio idóneo para obter a suspensão da execução fiscal.

Como se pondera no aresto do Supremo Tribunal Administrativo («STA») prolatado no proc. n.º 0126/12, disponível em www.dgsi.pt, cuja fundamentação jurídica se perfilha e, ora, se transcreve, na parte que reputamos relevante:
«Na execução fiscal confluem dois interesses conflituantes: o da administração fiscal na realização da cobrança célere dos seus créditos e o direito do executado em discutir a legalidade da dívida exequenda. Dando prevalência ao primeiro, a lei faz depender a suspensão da execução da prestação de garantia idónea, que cubra a totalidade da dívida exequenda. O que significa que a garantia há-de ser adequada a satisfazer o interesse da exequente, mas sem onerar ou afectar de forma grave os interesses legítimos do executado.
(…)
Assim se compreende que legislador tenha consagrado no art. 199º do CPPT um conceito amplo de garantia idónea, com vista a acautelar a maior ou menor dificuldade para o executado em conseguir, sem onerar excessivamente a sua situação, apresentar garantia adequada a suspender a execução. E, no mesmo sentido, se deve entender o facto de não se estabelecer nenhuma preferência ou qualquer graduação das garantias, em conformidade com a sua maior ou menor eficácia resultante da maior ou menor liquidez imediata.
Em conformidade com a melhor doutrina, diz-se que na lei processual fiscal vigora como que “um princípio geral da equivalência da caução, penhora e outras garantias idóneas, como a hipoteca (uma vez que, na presença de qualquer uma delas, a execução se suspende até decisão da oposição deduzida), devendo ser aceite pelo órgão exequente aquela que, sem prejuízo do credor, melhor sirva os interesses do executado” (Neste sentido, cfr. RUI DUARTE MORAIS, A Execução Fiscal, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, p.78.). No mesmo sentido, estando em causa um pedido de substituição de bens penhorados por garantia bancária, no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 7/12/2011, proc. nº 1006/11, ficou consignado que tal substituição seria admissível, ponto é que “a garantia cubra a totalidade do crédito exequendo e acrescido, atenta a previsível duração do processo, pois apenas a garantia da totalidade da dívida exequenda controvertida e acrescido garantem a suspensão da execução até à decisão do pleito».

Considerando o exposto, podemos extrair desde já uma ilação no sentido de que o objetivo do legislador não é dotar a AT de uma garantia absoluta do seu crédito, tanto mais que o mesmo é ainda incerto, mas tão-só de «garantia idónea», que o mesmo é dizer adequada ao fim em vista - cf. neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 30/01/2013, proc. n.º 034/13; de 21/09/2011, proc. n.º 0786/11; de 11/07/2012, proc. n.º 730/12; e de 10/10/2012, proc. n.º 0916/12, todos disponíveis em www.dgsi.pt; bem como, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário - anotado e comentado, 6ª ed., Áreas Editora, Volume III, anotação 2 ao art. 199.º, págs. 411/412.

Regressando, agora, ao caso concreto, verificamos que o «Equipamento Básico» e as «Ferramentas», constantes do Balancete junto com o requerimento apresentado para efeitos de submissão do pedido de prestação de garantia têm o valor de aquisição atualizado no montante de 120.435,38 Euros, uma amortização acumulada no montante de 77.426,15 Euros e o valor líquido de 43.009,83 Euros (cf. ponto G) dos factos provados). Assim, totalizando os créditos exequendos 25.723,47 Euros (cf. pontos A) a D) do probatório) e considerando que o valor líquido contabilístico constante dos elementos patrimoniais em causa ascende a 43.009,83 Euros evidente é a conclusão que a garantia oferecida permite assegurar o pagamento dos créditos exequendos (e do acrescido).

E por ser assim, a conclusão retirada neste sentido na sentença recorrida mostra-se acertada, tendo em conta o direito aplicável e a factualidade assente nos autos, que, aliás, não vem questionada pela Recorrente.

Acresce que, também como apontado na sentença recorrida, os argumentos avançados pela AT para recusar os bens oferecidos como garantia pela Recorrida, e novamente reproduzidos nas alegações de recurso, ainda que de forma mais aprofundada, não são, de forma alguma, suficientes para afastar a conclusão que acima se retirou quanto à sua idoneidade para assegurar a cobrança das dívidas exequendas.

Senão vejamos.

Em primeiro lugar, se o balancete que foi junto com o requerimento de pedido de prestação de garantia não continha toda a informação que a AT considerava relevante para ponderar o requerido, não podia, sem mais, afirmar que a mesma não foi junta pela Recorrida. Com efeito, existindo insuficiência de documentação carreada aos autos poderia/deveria a AT ter requerido, ao abrigo dos princípios da colaboração e do inquisitório, a documentação que reputava pertinente para suprir essa insuficiência.

Logo, se a Recorrida não teve uma atuação de inércia probatória, e se os elementos careciam de ser densificados com os respetivos suportes contabilísticos ou outra realidade documental, deveria a AT, antes de julgar insuficiente a documentação junta, diligenciar na obtenção desses elementos que reputava pertinentes, sendo que apenas em caso de incumprimento dessa instrução estaria legitimada a inferência da falta de demostração da factualidade em causa, e a decisão em conformidade.


Neste sentido, vide o doutrinado no aresto deste Tribunal, proferido no proc. n.º 1489/21, datado de 07/12/2021, disponível em www.dgsi.pt:
«[a] alegada falta de demonstração tem a montante uma conduta de inércia da AT, a qual tem de ser, devidamente, ponderada. Assim, anui-se e valida-se com o ajuizado na decisão recorrida, no sentido de qualquer deficit que o órgão administrativo entendesse necessário suprir ou mesmo dirimir eventuais incongruências, falhas ou colmatar quaisquer dúvidas carecia de uma prévia intervenção da AT, enquanto poder/dever.
Note-se que a AT nem, tão-pouco, densifica porque motivo os mesmos não são aptos, nem quais os documentos que entendia relevantes, externando os motivos atinentes a essa falta de demonstração, limitando-se a decidir pela negativa, ou seja, pela falta de demonstração do requisito do interesse legítimo na substituição da garantia.».

Depois, porque apesar de a Recorrente afirmar que desconhece se o valor líquido contabilístico tem correspondência com o valor real ou de mercado dos bens, a verdade é que também nada fez para procurar esclarecer essa sua dúvida, conforme deveria, ao abrigo dos já mencionados princípios da colaboração e do inquisitório. Cumpre mencionar que a fidedignidade dos registos contabilísticos da Recorrida em momento algum foi questionada pela Recorrente, pelo que visando a contabilidade refletir, em cada momento, a situação patrimonial real e atualizada de cada ente fiscal, não se vislumbra, sem mais, razão para a AT duvidar do acerto do valor que se encontra contabilizado com referência aos ativos oferecidos como garantia. Donde concluímos que também estas alegações não merecem provimento.

Em terceiro e último lugar, no atinente à concreta inidoneidade dos bens em resultado da sua desvalorização e desgaste, não conseguimos percecionar o âmbito e alcance destas alegações, na medida em que, conforme evidenciado pelo Tribunal a quo, todos os bens móveis são sujeitos, na prática, a desgaste periódico e inerente desvalorização, sendo certo que no caso vertente a AT nem tão, pouco, concretiza qualquer circunstância fática que implique um desgaste excecional e uma desvalorização acelerada, par além da sua normal utilização.

Acresce que, conforme já referido, o valor líquido contabilístico dos elementos patrimoniais em causa, não tendo sido demonstrado pela AT que apresenta um desvio relevante do seu valor de mercado, afigura-se suficiente para assegurar o pagamento dos créditos exequendos e do acrescido, sendo à data de apresentação do pedido de prestação de garantia que a AT deve apreciar a idoneidade dos bens oferecidos para esse efeito em concreto.

Ademais, importa ter presente que a criação de critérios de génese administrativa relacionados com o risco associado à venda de bens e o grau de liquidez traduz uma limitação e cerceamento de direitos dos contribuintes, subvertendo a tutela regulada pelo legislador no âmbito das garantias idóneas e eventual ulterior substituição ou reforço. Na verdade, a eventual maior dificuldade na realização da venda não pode inviabilizar, per se, a constituição ou mesmo a substituição ou reforço da garantia, visto que o cerne da questão é, como visto, que a mesma seja passível de assegurar o cumprimento do crédito tributário.

Neste sentido, convocam-se, designadamente, os arestos do STA, prolatados nos processos n.ºs 0559/18, de 20/12/2018, 137/16 de 02/03/2016, 57/13, de 06/02/2013, 34/13, de 30/01/2013 e 730/12, de 11/07/2012, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Mais uma vez salientamos que o legislador não visou regulamentar uma garantia plena e absoluta do crédito tributário, aliás uma interpretação no sentido da plenitude e isenção de qualquer risco seria, desde logo, desconforme com a ratio legis e desvirtuaria as premissas base que lhe estão subjacentes coadunadas com a incerteza do crédito, adveniente, desde logo, da pendência da discussão da legalidade/exigibilidade da dívida exequenda, mormente, em sede de reclamação graciosa, impugnação, ou oposição à execução fiscal, sendo que só após o desfecho da correspondente lide a dívida será incontestável.

Daí que, a garantia tenha de ser proporcional, razoável e adequada ao fim para o qual foi constituída, e não absoluta no sentido de não poder acarretar uma maior onerosidade ou mesmo morosidade no cumprimento da obrigação tributária.
Sendo certo que, quanto ao decréscimo do valor dos bens com o decurso do tempo, a lei faculta um mecanismo legal de resolução da questão, ou seja, o procedimento de reforço da garantia consignado nos art.ºs 169.º, n.º 8 e 199.º, n.º5 ambos do CPPT e 52.º, n.º3 da LGT.

Diga-se, ainda, no que respeita à utilização dos bens na atividade da Recorrida, que tal não lhe está legalmente vedado. Tal como resulta da conjugação do disposto nos n.ºs 2 e 4 do art.º 221.º do CPPT a penhora de bens móveis que façam parte do ativo dos sujeitos passivos de IVA (como é o caso), não obsta a que o executado possa dispor livremente dos bens, desde que se trate de bens de natureza fungível e que este assegure a sua apresentação, no prazo de cinco dias, quando notificado para o efeito pela administração tributária.

Face ao supra expendido, não se vislumbra que a sentença recorrida padeça da censura que lhe é dirigida, confirmando-se a fundamentação aduzida, porquanto fez uma adequada transposição da realidade fática ao quadro normativo aplicável.

In fine, cumpre relevar que havendo que ter sempre presente o interesse público subjacente à cobrança dos tributos, o mesmo, como é bom de ver, tem de ser ponderado casuisticamente, não podendo ser desrazoável e levar a uma recusa que traduza uma desproporcionalidade sem fundamento e decorrente de uma, presumível, menor eficácia e liquidez da garantia oferecida, tendo em conta, além do mais, o risco de venda no mercado, a desvalorização dos bens e o menor grau de liquidez, atenta a sua natureza.

A finalidade da garantia coaduna-se, tão-só, com assegurar o pagamento da quantia exequenda e do acrescido, porquanto desde que verificada a idoneidade da garantia que o executado se propõe prestar, a AT deve aceitá-la, uma vez que a prossecução dos fins públicos atinentes à cobrança coerciva dos créditos tributários deve ser materializada com o menor sacrifício possível dos direitos e interesses dos executados. Daí que tenha de existir um balanceamento, sopesando, por um lado, o interesse público e por outro lado, os interesses legítimos e a proporcionalidade dos meios.
E por assim ser improcede, integralmente, o imputado erro de julgamento na interpretação dos normativos em contenda, mantendo-se, assim, o juízo anulatório decretado pelo Tribunal a quo, improcedendo na totalidade as alegações de recurso, sentido em que adiante se decidirá.
*
IV- DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 16 de outubro de 2025

(Filipe Carvalho das Neves)

(Isabel Vaz Fernandes)

(Susana Barreto)