Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
130/24.3T8FNC.L1.S2
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL
RELEVÂNCIA JURÍDICA
INTERESSE DE PARTICULAR RELEVÂNCIA SOCIAL
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
Data do Acordão: 11/26/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL
Decisão: NÃO ADMITIDA A REVISTA EXCECIONAL
Sumário :
I. A relevância jurídica prevista no art. 672.º, nº 1, a), do CPC, pressupõe uma questão que apresente manifesta complexidade ou novidade, evidenciada nomeadamente em debates na doutrina e na jurisprudência, e onde a resposta a dar pelo Supremo Tribunal de Justiça possa assumir uma dimensão paradigmática para casos futuros.

II. Os interesses de particular relevância social respeitam a aspetos fulcrais da vivência comunitária, suscetíveis de, com maior ou menor repercussão e controvérsia, gerar sentimentos coletivos de inquietação, angústia, insegurança, intranquilidade, alarme, injustiça ou indignação.

III. Para efeitos do disposto no art. 672º, nº 1, c), do CPC, há contradição entre acórdãos que – reportando-se a situações de facto essencialmente idênticas – dão respostas claramente opostas quanto à mesma questão fundamental de direito, no domínio da mesma legislação.

Decisão Texto Integral:
Processo n.º 130/24.3T8FNC.L1.S2 (revista excecional)

Acordam na Formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC, junto da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

I.



1. AA e BB intentaram ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra o Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira, EPERAM, pedindo, na parte que ora releva, a condenação desta a reconhecer que o número de dias consecutivos em que o trabalhador pode faltar justificadamente, em caso de falecimento de familiares, nos termos do art. 251.º, do Código de Trabalho (CT), não inclui os dias de descanso.

2. A ação foi julgada improcedente na 1ª Instância e, interposto recurso de apelação, o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) confirmou esta decisão.

3. Os autores vieram interpor recurso de revista excecional, com fundamento no art. 672º, nº 1, a), b) e c), do CPC1.

4. A ré contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

5. No despacho liminar, considerou-se estarem verificados os pressupostos gerais de admissibilidade do recurso.

Decidindo.


II.


6. O acórdão recorrido encontra-se alinhado com o Acórdão desta Secção Social de 25.06.2025, Proc. nº 8957/23.7T8LSB.L2.S1, que, recentemente e por unanimidade, firmou jurisprudência no sentido de que «a expressão “dias consecutivos”, constante do art. 251.º, do Código do Trabalho, deve ser interpretada como correspondendo a dias seguidos de calendário, independentemente de serem dias úteis, dias de trabalho ou dias de descanso».

7. Não se encontram verificados os fundamentos da revista excecional contemplados nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 672º.

Com efeito:

Nos termos e para os efeitos do art. 672.º, n.º 1, a), reclamam a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça as questões “cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, como tal se devendo entender, designadamente, as seguintes:

“Questões que motivam debate doutrinário e jurisprudencial e que tenham uma dimensão paradigmática para casos futuros, onde a resposta a dar pelo Supremo Tribunal de Justiça possa ser utilizada como um referente.” (Ac. do STJ de 06-05-2020, Proc. n.º 1261/17.1T8VCT.G1.S1, 4.ª Secção).

– Quando “existam divergências na doutrina e na jurisprudência sobre a questão ou questões em causa, ou ainda quando o tema se encontre eivado de especial complexidade ou novidade” (Acs. do STJ de 29-09-2021, P. n.º 681/15.0T8AVR.P1.S2, de 06-10-2021, P. n.º 12977/16.0T8SNT.L1.S2, e de 13-10-2021, P. n.º 5837/19.4T8GMR.G1.S2).

– “Questões que obtenham na Jurisprudência ou na Doutrina respostas divergentes ou que emanem de legislação que suscite problemas de interpretação, nos casos em que o intérprete e aplicador se defronte com lacunas legais, e/ou, de igual modo, com o elevado grau de dificuldade das operações exegéticas envolvidas, em todo o caso, em todas as situações em que uma intervenção do STJ possa contribuir para a segurança e certeza do direito.” (Ac. do STJ de 06-10-2021. P. n.º 474/08.1TYVNG-C.P1.S2).

“Questões que obtenham na jurisprudência ou na doutrina respostas divergentes ou que emanem de legislação com elevado grau de dificuldade das operações exegéticas envolvidas, suscetíveis, em qualquer caso, de conduzir a decisões contraditórias ou de obstar à relativa previsibilidade da interpretação com que se pode confiar por parte dos tribunais.” (Ac. do STJ de 22-09-2021, P. n.º 7459/16.2T8LSB.L1.L1.S2).

– Questão “controversa, por debatida na doutrina, ou inédita, por nunca apreciada, mas que seja importante, para propiciar uma melhor aplicação do direito, estando em causa questionar um relevante segmento de determinada área jurídica” (Ac. do STJ de 13-10-2009, P. 413/08.0TYVNG.P1.S1).

“Questão de manifesta dificuldade e complexidade, cuja solução jurídica reclame aturado estudo e reflexão, ou porque se trata de questão que suscita divergências a nível doutrinal, sendo conveniente a intervenção do Supremo para orientar os tribunais inferiores, ou porque se trata de questão nova, que à partida se revela suscetível de provocar divergências, por força da sua novidade e originalidade, que obrigam a operações exegéticas de elevado grau de dificuldade, suscetíveis de conduzir a decisões contraditórias, justificando igualmente a sua apreciação pelo STJ para evitar ou minorar as contradições que sobre ela possam surgir.” (Ac. do STJ de 02-02-2010, P. 3401/08.2TBCSC.L1.S1).

8. Ora, pese embora não tenha sido proferido um acórdão uniformizador de jurisprudência, em face da recente deliberação deste Supremo Tribunal, por unanimidade, sobre a questão em apreço, não se vislumbra qualquer necessidade de nova pronúncia neste momento, tanto mais que a jurisprudência da generalidade dos tribunais tende a consolidar-se em conformidade com orientação firmada.

9. Quanto aos invocados interesses de particular relevância social, também é patente que não estão em causa “aspetos fulcrais para a vida em sociedade” (Ac. do STJ de 13.04.2021, P. 1677/20.6T8PTM-A.E1.S2), assuntos suscetíveis de, com maior ou menor repercussão e controvérsia, gerar sentimentos coletivos de inquietação, angústia, insegurança, intranquilidade, alarme, injustiça ou indignação (Acs. do STJ de 14.10.2010, P. 3959/09.9TBOER.L1.S1, e de 02.02.2010, P. 3401/08.2TBCSC.L1.S1), ou que “exista um interesse comunitário significativo que transcenda a dimensão inter partes (Ac. do STJ de 29.09.2021, P. n.º 686/18.0T8PTG-A.E1.S2), sendo certo que nesta matéria “não basta o mero interesse subjetivo do recorrente” (Ac. do STJ de 11.05.2021, P. 3690/19.7T8VNG.P1.S2).

10. Por fim, quanto ao invocado condicionalismo previsto no art. 672º, nº 1, c)2, os recorrentes, certamente por distração, chamam à colação o Ac. da Relação do Porto de 13.07.2022, Proc. n.º 11379/21.0PRT.

Com efeito, para além de este aresto se ter pronunciado sobre a interpretação da Cláusula 82ª do Contrato Coletivo entre a Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal – AIMMAP e o SINDEL – Sindicato Nacional da Indústria e da Energia, e não sobre o art. 251º, do CT, acresce que o invocado acórdão foi revogado pelo Acórdão deste Supremo Tribunal de 19.04.2023, transitado em julgado, como consta da certidão junta aos autos pelos recorrentes…

Aresto que, ao contrário do peticionado pelo autores, decidiu que «a expressão “dias consecutivos”, constante da Cláusula 82ª do Contrato Coletivo entre a Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal – AIMMAP e o SINDEL – Sindicato Nacional da Indústria e da Energia, deve ser interpretada como sendo dias seguidos, independentemente de serem dias úteis ou dias de trabalho ou dias de descanso».

Improcede, pois, manifestamente, o peticionado.


III.


11. Nestes termos, acorda-se em não admitir o recurso de revista excecional em apreço.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 26.11.2025

Mário Belo Morgado, relator

Júlio Manuel Vieira Gomes

José Eduardo Sapateiro

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1. Como todas as disposições legais citadas sem menção em contrário.

2. Para efeitos do disposto no art. 672º, nº 1, c), do CPC, há contradição entre acórdãos que – reportando-se a situações de facto essencialmente idênticas – dão respostas claramente opostas quanto à mesma questão fundamental de direito, no domínio da mesma legislação.