Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
| Relator: | MÁRIO BELO MORGADO | ||
| Descritores: | DESPEDIMENTO EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO REQUISITOS | ||
| Data do Acordão: | 10/03/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | CONCEDIDO A REVISTA | ||
| Sumário : | I. O fundamento invocado pela ré na comunicação prevista no art. 369º, do CT, bem como na decisão de despedimento, não foi a extinção do posto de trabalho de chefe dos serviços administrativos, mas, diferentemente, a extinção de um posto de trabalho nos serviços administrativos, área funcional na qual laboravam mais duas trabalhadoras II. Naquelas comunicações, a ré indicou os critérios de seleção definidos no art. 368.º, n.º 2, do CT, cuja aplicação pressupõe a existência, na secção ou estrutura equivalente, de uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico, tendo sido, precisamente, na discussão de tais critérios de seleção que a trabalhadora centrou parte significativa da sua contestação. III. A lei condiciona o despedimento por extinção do posto de trabalho a diversas exigências formais [comunicações e consultas – arts. 369º e 370º, do CT] que visam assegurar o esclarecimento do trabalhador abrangido, garantir o exercício do contraditório e tutelar a segurança jurídica, bem como permitir o posterior controlo jurisdicional desses fundamentos. IV. Estava vedado às instâncias basear a decisão de despedimento na extinção do cargo de chefia dos serviços administrativos, quando a empregadora não só não invocou este fundamento, como expressamente afirmou que é “premente proceder à extinção de um posto de trabalho nos nossos serviços administrativos”, sob pena de violação do ónus de alegação que onerava a empregadora (art. 5º, nº 1, do CPC) e ainda dos princípios do pedido (art. 3º, nº 1, do CPC) e do contraditório (art. 3º, nº 3, do CPC), para além do direito de defesa da autora. V. Por outro lado, constata-se que a pretensão da ré nunca poderia proceder com base no fundamento por si invocado, uma vez que é patente que o posto de trabalho da recorrente, que detinha funções de chefia, não era um mero “posto de trabalho nos serviços administrativos”, idêntico ao das demais trabalhadoras que aí exerciam funções, não tendo, assim, o posto de trabalho da autora conteúdo funcional correspondente ao daquele que se visava extinguir. | ||
| Decisão Texto Integral: | Revista n.º 4048/22.6T8GMR.G1.S1 Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I. 1. AA instaurou contra Sociedade Musical de ... a presente ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento (por extinção do posto de trabalho). 2. Na 1.ª Instância, o despedimento da autora foi julgado lícito. 3. Interposto recurso, o Tribunal da Relação de Guimarães (TRG), julgando parcialmente procedente a apelação; i) confirmou aquela decisão; ii) condenou a ré a pagar à autora, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de 3.000,00 €. 4. A autora interpôs recurso de revista excecional, tendo a ré contra-alegado. 5. Com fundamento no art. 672º, nº 1, a), do CPC, a revista excecional foi admitida pela Formação dos três Juízes desta Secção Social a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º, relativamente “à questão de saber se, por um lado, é suficiente que algumas das funções desempenhadas pela Autora sejam transferidas para um órgão da entidade empregadora e, por outro, se, mencionando a decisão de despedimento que havia outra trabalhadora com um posto de trabalho de conteúdo funcional idêntico e qual o critério de seleção do trabalhador a despedir, pode o Tribunal, caso o referido critério não conduza à seleção da Autora, concluir que o posto de trabalho da outra trabalhadora não tinha um conteúdo funcional idêntico”. 6. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de ser concedida a revista, em Parecer a que responderam ambas as partes, em linha com o antes sustentado nos autos. Decidindo. II. 7. Com relevância para a decisão do recurso de revista, a matéria de facto fixada na decisão recorrida é a seguinte: A. A ré é uma associação sem fins lucrativos que se dedica à promoção de atividades culturais e ao ensino musical. B. A autora foi admitida ao serviço da ré, mediante contrato de trabalho, em novembro de 1995, a tempo parcial e, pelo menos a partir de abril de 1996, a tempo inteiro, para exercer, como exerceu, as funções de funcionária administrativa nas instalações de .... C. A autora tem a categoria profissional de chefe dos serviços administrativos da ré, funções que exercia, auferindo a retribuição base mensal de 1.210,00 €. D. Em 15.07.2022, a ré procedeu ao despedimento por extinção do posto de trabalho da autora. E. A ré, por carta datada de 21.02.2022, comunicou à autora, a intenção de proceder ao seu despedimento por extinção do posto de trabalho (…). F. A autora, devidamente notificada, respondeu à ré, por carta datada de 18.03.2022, opondo-se aos fundamentos do despedimento, e requereu a intervenção da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) (…). G. A ACT emitiu o relatório solicitado pela autora, tendo concluído estarem preenchidos os pressupostos legais e procedimentais para levar a cabo o despedimento por extinção do posto de trabalho da autora. H. Por comunicação datada de 27.04.2022 e rececionada no dia 04.05.2022, foi a autora notificada do seu despedimento por extinção do posto de trabalho. (…) A autora era funcionária dos serviços administrativos da ré, localizados na cidade de .... (…) M. A extinção do posto de trabalho da autora fundamentou-se em motivos de mercado, estruturais e tecnológicos. (…) O. No ano civil de 2020 a ré teve um resultado económico negativo de cerca de 29.000,00 €.1 P. Na pandemia de covid-19 os serviços administrativos da ré encerraram temporariamente, com recurso ao teletrabalho, (…) R. Ocorreu a alteração/ diminuição do horário de atendimento da secretaria que era das 08h00 às 20h30 e que, desde setembro de 2021, passou a ser apenas das 09h00 às 17h30. S. Ocorreu a deslocação física dos serviços administrativos da ré para novas instalações no “Teatro ...”. T. A Comissão Permanente nomeada pela Direção assumiu a chefia direta do pessoal administrativo desde julho de 2021, sendo que um conjunto de funções que eram até então desempenhadas pela autora passaram diretamente para a esfera daquele órgão. U. Os serviços administrativos da ré, em ..., tinham, na altura do despedimento da autora, a desempenhar funções a autora, BB e CC.2 V. A ré não tem instituído qualquer sistema de avaliação. W. A autora tem o 12.º ano de escolaridade e a BB exerce funções de técnica superior. 3 X. O despedimento foi comunicado à autora, por escrito, em 27.04.2022 e concretizou-se no dia 15.07.2022. (…) AB. Na carta identificada em E., referiu-se que “os serviços administrativos têm atualmente a desempenhar funções 3 trabalhadores”. AC. Seguidamente, a ré enviou à autora a carta de decisão do despedimento, na qual, sob a epígrafe “critérios de seleção”, menciona-se que “os serviços administrativos de ... têm atualmente a desempenhar funções 2 (dois) trabalhadores: V.exa. e a Dra. BB”. AD. Seguidamente, enunciam-se os critérios de seleção do n.º 2 do artigo 368.º do Código de Trabalho, e conclui-se que, não existindo sistema de avaliação, se opta pela extinção do posto de trabalho da autora, em virtude de “a funcionária BB ser licenciada” e a autora ter apenas o 12.º ano de escolaridade, aplicando-se assim a alínea b) do n.º 2 do citado artigo. AE. A trabalhadora CC tem como habilitações o 12.º ano. AF. Em julho de 2022 CC auferia um salário base de 1 439,50€ mensais. AG. De janeiro a novembro de 2021 CC auferiu uma comissão de serviço. (…) III. 8. Como é apodítico, o despedimento regulado no art. 367º e seguintes do CT tem como primeiro fundamento, precisamente, a extinção de um posto de trabalho. Vale dizer, na síntese de Catarina Gomes Santos4, que: “Subjacente ao regime da figura em análise, está, naturalmente, a própria noção de posto de trabalho, enquanto realidade organizacional pertencente à estrutura da empresa, à qual se associa certa posição hierárquica e determinado conteúdo funcional. Assim, ligado ao posto de trabalho está um conjunto de tarefas ou funções e determinada posição ou lugar no processo organizativo da empresa, em certo lugar da unidade produtiva, ocupado por um trabalhador (…). Deste modo, e pese embora a ausência de um conceito universal de posto de trabalho, mobilizável para todos os efeitos jurídicos, no âmbito do regime do despedimento são considerados essenciais as seguintes notas caracterizadoras: conteúdo funcional, posição hierárquica, elemento espacial e individualidade”. Deste modo, e antes do mais, a figura em causa pressupõe que o conjunto das tarefas/funções desempenhadas pelo trabalhador deixe de estar associado ao posto de trabalho que se visa/visou extinguir, ou, pelo menos, que assim aconteça no tocante ao núcleo essencial do respetivo conteúdo funcional, sendo certo que, «para a extinção do posto de trabalho, não é necessário que desapareçam todas as funções inerentes ao mesmo, pois o legislador aceita que as funções correspondentes aos postos de trabalho extintos possam permanecer para além da extinção, como decorre da referência ao "conteúdo funcional", constante do nº 2 do artº 368º do CT, que não teria sentido se a extinção ficasse reduzida aos casos em que as funções desaparecem na totalidade» (Ac. do TRC de 07.02.2020, Proc. nº 3019/18.1T8LRA.C1). 9. In casu, a trabalhadora tem/tinha a categoria profissional de chefe dos serviços administrativos da ré [ponto c) da matéria de facto], sendo que a Comissão Permanente nomeada pela Direção assumiu a chefia direta do pessoal administrativo desde julho de 2021, passando diretamente para a esfera daquele órgão um conjunto de funções [não, pois, todas as funções] que eram até então desempenhadas pela autora [ponto T) da matéria de facto]. Segundo o acórdão recorrido, tendo as funções de chefia da trabalhadora passado a ser assumidas por aquela Comissão Permanente, impor-se-ia concluir que o posto de trabalho da autora se extinguiu. Acontece que as funções (administrativas) exercidas pela autora não se circunscreviam à chefia dos serviços administrativos, sendo que, por outro lado, e determinantemente, o fundamento invocado pela ré na comunicação prevista no art. 369º, do CT, bem como na decisão de despedimento, não foi a extinção do posto de trabalho de chefe dos serviços administrativos, mas – o que é diferente – a “extinção de um posto de trabalho nos nossos serviços administrativos de ...”, área funcional na qual laboravam mais duas trabalhadoras [cfr. pontos U), AB) e AC) da matéria de facto e o teor daquela primeira comunicação, sendo irrelevante que na decisão de despedimento se refira existir apenas mais uma trabalhadora nos serviços em causa]. Só assim se compreende, aliás, que a ré tenha indicado naquelas comunicações os critérios de seleção definidos no art. 368.º, n.º 2, do CT, cuja aplicação pressupõe a existência, na secção ou estrutura equivalente, de uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico, tendo sido, precisamente, na discussão de tais critérios de seleção que a trabalhadora centrou parte significativa da sua contestação. Ora, como se afirma no Ac. de 06.04.2017, Proc. nº 1950/14.2TTLSB.L1, desta Secção Social: «[A] lei condiciona o despedimento por extinção do posto de trabalho também com diversas exigências formais [comunicações e consultas – artigos 369º e 370º] que visam assegurar o esclarecimento do trabalhador abrangido, garantir o exercício do contraditório e tutelar a segurança jurídica, bem como permitir o posterior controlo jurisdicional desses fundamentos. Para isso, quer nas comunicações previstas no artigo 369º, quer na decisão final do processo, consagrada no artigo 371º, devem estar devidamente especificados os fundamentos da cessação do posto de trabalho, bem como figurar todas as circunstâncias e factos concretos que integram esses motivos. Na verdade, sem a alegação destes elementos, o trabalhador fica sem saber e sem conhecer os factos que determinam a extinção do seu posto de trabalho e, por isso, não podendo pronunciar-se sobre os mesmos, ficando prejudicado o exercício do contraditório e o seu direito de defesa. Também, o tribunal fica sem possibilidade de exercer qualquer controlo jurisdicional sobre a verificação dos motivos da extinção e sobre as razões que levaram o empregador a concluir pela impossibilidade prática da subsistência da relação contratual laboral.” Deste modo, estava vedado às instâncias basear a decisão de despedimento na extinção do cargo de chefia dos serviços administrativos, quando a empregadora não só não invoca este fundamento, como expressamente afirmou que é “premente proceder à extinção de um posto de trabalho nos nossos serviços administrativos”, sob pena de violação do ónus de alegação que onerava a empregadora (art. 5º, nº 1, do CPC) e ainda dos princípios do pedido (art. 3º, nº 1, do CPC) e do contraditório (art. 3º, nº 3, do CPC), para além do direito de defesa da autora. Por outro lado, aqui chegados, cabe ainda constatar que a pretensão da ré nunca poderia proceder com base no fundamento por si invocado, uma vez que é patente que o cargo da recorrente, que detinha funções de chefia, não era um mero “posto de trabalho nos serviços administrativos”, idêntico ao das demais trabalhadoras que aí exerciam funções, não tendo, assim, o posto de trabalho da autora conteúdo funcional correspondente ao daquele que se visava extinguir. Procede, pois, a revista. IV. 10. Nestes termos, concedendo a revista, acorda-se em: i) declarar a ilicitude do despedimento da autora, revogando-se nesta parte o acórdão recorrido; ii) determinar a remessa do processo ao Tribunal da Relação de Guimarães para conhecer das correspondentes consequências. Custas da revista a cargo da recorrida e nas instâncias, na proporção do decaimento, a fixar a final (tendo em consideração, nomeadamente, que, tendo sido peticionada pela autora a importância de 10.000,00 €, para ressarcimento de danos não patrimoniais, o TRG condenou a ré a pagar-lhe, a este título, a quantia de 3.000,00 €, matéria que não integra o objeto do presente recurso de revista). Lisboa, 03.10.2025 Mário Belo Morgado, relator Domingos Morais José Eduardo Sapateiro _____________________________________________ 1. Redação do TRG.↩︎ 2. Redação do TRG.↩︎ 3. Redação do TRG.↩︎ 4. Catarina Gomes Santos, in Direito do Trabalho, de João Leal Amado e outros, Almedina, 2ª edição, 2023, p. 1319.↩︎ |