Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
663/23.9T8PVZ.P1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PIRES ROBALO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PROVA DOCUMENTAL
FORÇA PROBATÓRIA PLENA
ALTERAÇÃO DOS FACTOS
CONTRATO DE SOCIEDADE
CESSÃO DE QUOTA
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
DEVER DE NÃO CONCORRÊNCIA
INCUMPRIMENTO
JUROS DE MORA
DÍVIDA COMERCIAL
INTERPRETAÇÃO
DECLARAÇÃO NEGOCIAL
TEORIA DA IMPRESSÃO DO DESTINATÁRIO
Data do Acordão: 10/14/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :

I- O Supremo pode reverter os factos, como decidido em 1.ª instância, alterados pela relação, desde que estejam provados plenamente.

II- recurso às regras de interpretação da declaração negocial, orientadas pelo critério geral da impressão do destinatário (art. 236º, 1) e pela exigência de «um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso», no sentido de que um declaratório normal entenderia.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I-Relatório

Recorrentes: AA e mulher BB, CC e marido DD.

Recorridos: EE e marido.

1.- AA e mulher BB, residentes na Rua 1, Perafita CC e marido DD, residentes na Rua 2, Leça da Palmeira, propuseram contra EE e marido FF, residentes na Rua 3, Vila Chã, Vila do Conde S..., Lda.., com sede na Rua 4, Matosinhos, a presente ação declarativa de condenação, pedindo:

- a condenação dos Réus EE e FF no pagamento aos Autores da quantia global de 86 862,41 EUR, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa vigente para operações comerciais, contados desde 22/09/2022, no que concerne ao valor correspondente ao remanescente do preço cujo montante ascende à soma de 60 128,64 EUR, bem como os juros de mora contados da data da citação relativamente à quantia de 24 000 EUR devida aos Autores AA e mulher BB, pela compensação da obrigação de não concorrência, até integral pagamento.

- condenação das Rés S..., Lda. e EE, esta na qualidade de contratante, única sócia e legal representante da sociedade com poderes para o ato, a entregar aos Autores toda a documentação relativa à viatura automóvel de marca Peugeot, com a matrícula V1, necessária para que estes procedam ao competente registo de propriedade da mesma.

- sem prescindir, devem as Rés “S..., Lda.” e EE, ser subsequentemente condenadas nos dois pedidos subsidiários efetuados (execução específica e enriquecimento sem causa), pela ordem e a sequência deduzida, nos termos peticionados, com todos os legais efeitos.

2.- Por despacho de 22/01/2024, proferido em sede de audiência prévia, o qual foi confirmado por Ac. da R. P. de 07/05/2024, foi decidido:

- julgar verificada a exceção dilatória da nulidade do processado por ineptidão da petição inicial, na parte correspondente ao pedido de condenação dos RR no pagamento de compensação aos AA, no montante de €24.000,00 e respetivos juros, decorrente da vinculação a uma clausula de não concorrência, por incompatível com o pedido principal, de cumprimento do contrato celebrado com os RR e de pagamento integral do preço acordado, e, em consequência, absolvendo-se os RR da instância quanto ao mesmo, prosseguindo o processo para apreciação dos restantes pedidos.

Alegam, em síntese, em relação aos pedidos vigentes (sendo que também formulam os pedidos no corpo da petição), o seguinte:

. os Autores AA e mulher BB celebraram com a Ré EE um contrato que denominaram de “cessão de quotas e alteração do contrato de sociedade”, datado de 22/09/2022, tendo por objeto a cessão de uma quota com o valor nominal de 50 000 EUR que os primeiros detinham na sociedade Ré S..., Lda.»pelo valor de 40 000 EUR;

. os mesmos Autores celebraram com os Réus EE e marido FF, um outro contrato que denominaram de “divisão, cessão de quotas e alteração do contrato de sociedade”, também datado de 22/09/2022, tendo por objeto a cessão de uma quota com o valor nominal de 3 000 EUR de que os primeiros eram detentores na sociedade “L..., Lda.,” tendo declarado que o negócio se realizava pela soma de 8 000 EUR; .

- os Autores CC e marido DD, através de um contrato que denominaram de “divisão, cessão de quotas e alteração do contrato de sociedade”, igualmente datado de 22/09/2022, dividiram a quota no valor nominal de 2 000 EUR que detinham na sociedade «L..., Lda.…» em duas quotas: uma com o valor nominal de 1 500 EUR, outra com o valor nominal de 500 EUR que cederam respetivamente à Ré EE e ao Réu marido FF, declarando que o faziam pelas quantias de 1 500 EUR e 500 EUR;

. os Autores CC e marido DD celebraram com os também Autores AA e mulher BB um contrato que denominaram de “cessão de quotas e alteração do contrato de sociedade”, datado de 22/09/2022, tendo por objeto uma quota que CC e EE detinham na sociedade S..., Lda.» com o valor nominal de 25 000 EUR;

. os Réus EE e marido FF celebraram com GG, um contrato que denominaram de “cessão de quotas e alteração do contrato de sociedade”, datado de 22/09/2022 que tinha por objeto uma quota que EE detinham na sociedade S..., Lda.», com o valor nominal de 25 000 EUR, pelo valor de 1 EUR;

. o que se visava era a aquisição e o domínio pelos Réus das sociedades Ré S..., Lda.» e «L..., Lda.…» que integravam o designado como Grupo S...;

. até ao final de agosto de 2022, de facto, não obstante a titularidade jurídica das quotas, todas as sociedades que faziam parte do mencionado Grupo S... eram geridas pelo Autor AA e pelo seu sócio GG;

. no mesmo dia 22/09/2022, os Autores AA e BB, CC e DD, celebraram com os Réus EE e FF, um outro contrato que designaram de «Acordo Parassocial»;

- através deste contrato os contratantes estabeleceram as regras e condições que iriam reger os negócios de compra e venda das duas empresas referidas;

. ficou acertado que o preço de venda das quotas pertencentes aos Autores nas duas sociedades referidas, nunca poderia ser inferior à quantia de 50 000 EUR;

. a tal montante, acresceria 50% do saldo apurado entre receitas e despesas até 31/08/2022, referentes às sociedades Ré S..., Lda.» e «L..., Lda....», calculado de acordo com um balancete intercalar a elaborar expressamente para o efeito;

. esse balancete seria elaborado no dia 21/09/2022, após terem sido efetuados todos os pagamentos referentes ao mês de agosto; tal balancete teria de ser aprovado por todos os contraentes;

. o saldo apurado foi favorável aos Autores no valor de 66 788,69 EUR;

. os Réus nunca puseram em causa nem o método, nem o apuramento desses valores;

. tais montantes estão em dívida;

. àquele valor é necessário deduzir 6 660,04 EUR em relação a contrato celebrado entre S..., Lda.» e a Autora CC de compra e venda relativo a uma viatura com esse valor como preço;

. os Réus não substituíram a garantia bancária prestada pelo Autor AA e por GG até 07/11/2022 como se tinham comprometido;

. a Ré S..., Lda.» e a Ré EE, não entregaram a documentação relativa à viatura, designadamente o requerimento necessário para esta proceder ao registo de propriedade da mesma;

. pela falta de entrega de documentação da viatura, aquelas Rés devem ser condenadas, a título de sanção pecuniária compulsória, nos termos previstos no artigo 829º-A, do CC, a pagar aos Autores, a importância de 100 EUR/dia;

Subsidiariamente,

. caso se entenda que não se celebrou o prometido contrato de compra e venda respeitante à viatura automóvel, este contrato foi definitivamente incumprido, pelo que assiste aos Autores o direito de obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial daquela, nos termos do disposto no artigo 830º, do CC; .

e também a título subsidiário, caso assim se não entenda, atendendo a que a viatura foi totalmente adquirida com dinheiro pertencente aos Autores, as Rés S..., Lda.» e EE devem ser condenadas a pagar-lhes, a quantia de 23 529,97 EUR, correspondente ao valor por eles despendido.

3.- Citados, contestaram os Réus, alegando, em resumo, que:

. o preço do veículo foi pago na íntegra pela Ré S..., Lda.»;

. esta Ré não tem que vender o veículo à Autora CC, por ter sido pressuposto dessa venda o Autor AA ter pago parte do preço do ALD, o que não sucedeu;

. os Autores apenas consideram os saldos positivos das empresas S..., Lda...» e «L..., Lda...», não contabilizando as dívidas e despesas existentes naquelas sociedades;

. à data da celebração do contrato parassocial, ainda não tinha sido possível apurar/fazer todas as contas e chegar ao resultado/saldo definitivo;

. ponderando os valores em relação às empresas «L..., Lda.…», S..., Lda.», S..., Lda., Trabalho Temporário», «A..., Lda.», tem o Autor AA de pagar 12 863,87 EUR; . mesmo considerando que o acerto das contas é apenas referente a «L..., Lda....» e S..., Lda.», o Autor AA deve 2 025,96 EUR;

. não houve atraso na substituição de garantia.

Concluem pela improcedência da ação.

4.- Os Autores pronunciaram-se, mantendo a sua versão.

5.- Em sede de audiência prévia, elencou-se como:

. objeto do litígio:

. «Saber se assiste aos AA o direito a exigir do RR EE e FF o pagamento do remanescente do preço no montante de €60.128,64, acrescida de juros desde a citação, no âmbito dos contratos de compra e venda celebrados entre as partes;

. Saber se aos AA assiste o direito a lhes ser entregue, pelas Rés EE e Sociedade, a documentação relativa ao veículo automóvel, marca Peugeot, com a matrícula V1, com vista ao seu registo a favor daqueles;

. Saber se assiste aos AA o direito à condenação das RR EE e Sociedade na sanção pecuniária compulsória de €100,00 por cada dia de atraso no cumprimento de tal obrigação de entrega da documentação do veículo;

Subsidiariamente:

. Caso se entenda que o que existiu foi um contrato-promessa de venda de veículo e não uma venda efetiva, saber se assiste aos AA, por incumprimento de tal contrato, o direito de obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial da Ré Sociedade, com vista à transmissão da propriedade do veículo a favor daqueles;

Caso assim não se entenda,

. Saber se assiste aos AA o direito a serem reembolsados, pelas Rés EE e Sociedade, do valor que despenderam, acrescido de juros, na aquisição de tal veículo V1, no montante de €23.529,97, obrigando-se os AA, com o pagamento, à restituição do veículo à ré sociedade.».

E como Temas de prova:

«1 – Estando em causa contratos de compra e venda celebrados entre as partes, saber se foi paga a totalidade do preço acordado ou se se encontram ainda os RR em dívida para com os AA no montante de €60.128,64, acrescidos de juros;

2 – Saber se, tendo sido celebrado, no âmbito dos acordos referido em 1), um contrato de compra e venda do veículo automóvel, matrícula V1, entre a A CC e a Ré sociedade, com a obrigação de entrega, pelas Rés, da documentação relativa ao veículo com vista ao seu registo a favor da A, as Rés se têm recusado a cumprir tal obrigação;

3 – Saber se assiste aos AA o direito ao pagamento pelas Rés de sanção pecuniária compulsória de 100,00€ diários por cada dia de atraso no cumprimento de tal obrigação; Em caso de improcedência de 2:

4 - Saber se foi celebrado entre as partes um contrato-promessa de compra e venda do referido veículo, e, assim, se existe fundamento para a execução específica de tal contrato e, existindo, se esta pode ser decretada.

5 – Em caso de improcedência dos demais pedidos referidos em 2, 3 e 4, saber se os AA despenderam a quantia de €23.529,97 na aquisição do referido veículo automóvel, e, em caso afirmativo, se têm direito ao reembolso de tal montante, acrescido de juros de mora, por parte das Rés EE e Sociedade.».

6.- Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida decisão nos seguintes termos:

«Pelo exposto, o Tribunal julga procedente, por provada, a presente ação e, em consequência, condena:

«1 – Os RR EE, e marido FF a pagar aos AA, a quantia de €60.128,64 (sessenta mil, cento e vinte e oito euros e sessenta e quatro cêntimos), acrescida dos respetivos juros de mora comerciais, vencidos a partir de 22.09.2022 até integral pagamento, às taxas legais sucessivamente previstas para aqueles juros comerciais (atento o disposto pelos arts. 2º e 102º, § 3º, do Código Comercial), sendo aplicável qualquer alteração futura enquanto não se verificar o pagamento.

2 – As RR EE e S..., Lda., a proceder à entrega aos AA da documentação relativa à viatura automóvel, marca Peugeot, com a matrícula V1, necessária para estes procederem ao registo de propriedade da mesma.

3 - As RR EE e S..., Lda. a pagar a quantia de €100,00 (cem euros) a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento do ponto 2 deste dispositivo, nos termos do artigo 829-A º do C. Civil.».

7- Inconformados, apelaram os Réus EE e marido.

8.- Em 8/5/2025 foi proferido acórdão na Relação do Porto, terminando com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, julga-se totalmente procedente o recurso intentado por EE e marido, FF e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida no que respeita a tais Réus, sendo os mesmos absolvidos dos pedidos.

E nesta situação também se percebe a necessidade de separar as águas da empresa e da única sócia-gerente: esta seria (juntamente com o seu património) responsabilizada, como foi, pelo pagamento de uma obrigação que, para além do mais, corresponderia a uma obrigação que não era sua mas antes da empresa que representa.

Mantém-se a restante parte da decisão, quanto a «S..., Lda.».

Custas do recurso pelos recorridos.

Registe e notifique”.

9.- Inconformados com tal acórdão dele interpuseram revista - AA e mulher BB, CC, e marido DD, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

“1. Salvo o sempre devido respeito, que é muito, os Recorrentes não se podem conformar com a decisão proferida no Acórdão ora impugnado.

2. Na verdade, na douta sentença foi dado como assente o facto constante do item nº13, não tendo o Réus apresentado qualquer reclamação.

3. Efetivamente, não obstante a decisão sobre os factos dados como assentes no despacho saneador não constitua caso julgado formal, o certo é que estes, perante tal decisão, ficaram impossibilitados de produzirem prova sobre a factualidade em questão, pois esta não integrava os temas de prova.

4. Neste sentido, a alteração do facto em apreço, não poderá ser realizada, sem que aos Autores seja concedida a oportunidade de produzirem prova sobre o mesmo.

5. No caso sub judice, os Réus, no artigo nº 5º da contestação, não negaram que outorgaram, assinaram e rubricaram os contratos de cessão de quotas, o “Acordo Parassocial “, tal como os seus Anexos.

6. Apenas alegaram que, dos referidos documentos não resultam os factos alegados pelos Autores na petição inicial – Vide artigo nº 6º da contestação.

7. Ademais, os Réus não invocaram a falsidade do “Acordo Parassocial”, nem alegaram qualquer nulidade, anulabilidade ou a existência de algum vício de vontade que afetasse a validade de tal documento e respetivos Anexos.

8. Ora, ficou expressamente consignado no “Acordo Parassocial”, designadamente na quadrícula em destaque no Anexo III, que o Autor AA tinha direito a receber, por conta do preço estabelecido pela venda das suas participações sociais, nas sociedades “S..., Lda.” e “L..., Lda. – Empresa de Trabalho Temporário, Lda.”, a quantia de 66.788,69 €.

9. Ou seja, os Réus confessaram, extrajudicialmente, por escrito, dever ao Autor AA, a importância de 66.788,69 €.

10. Com efeito, o denominado “Acordo Parassocial” é um documento particular cuja autoria foi reconhecida pelos Réus – como vimos em supra, apenas alegram que do referido documento não resultam os factos alegados pelos Autores na petição inicial – pelo que faz prova plena quanto às declarações atribuídas aos seus autores, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento (Cfr. artigo 376º, do CC).

11. Porém, os Réus não arguiram a falsidade do documento em causa, nos termos e com os efeitos previstos no artigo 466º, do CPC.

12. Nem invocaram a nulidade, anulabilidade ou qualquer vício de vontade que pusesse em crise a validade do “Acordo Parassocial” e Anexos.

13. Desta feita, consideram-se plenamente provados os factos desfavoráveis ao declarante, se a declaração for dirigida à parte contrária ou a quem a represente – Cfr. nº2, do artigo 358º, do CC

14. Por conseguinte, de acordo com as regras probatórias previstas nos artigos 376 e 358º, nº2, do CC, as declarações efetuadas pelos Réus ao Autor AA, de que este teria de receber o valor de 66.788,69 €, referente ao preço acordado para a transmissão das participações sociais, nos anexos ao “Acordo Parassocial” têm força probatória plena, pois são desfavoráveis aos declarantes.

15. O que não podia ser ignorado, como foi, pelo Tribunal da Relação.

16. Na realidade, como in casu estamos perante uma confissão extrajudicial constante de documento particular cuja autoria foi reconhecida pelos Réus – a letra e assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras (nº1, do artigo 374º, do CC) – podemos dizer sem qualquer rebuço que nos encontramos face a um caso de prova plena, cujo valor probatório só pode ser abalado por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objeto, sem prejuízo de outras restrições especialmente determinadas na lei (Cfr. artigo 347º, do CC).

17. Acresce que, se os valores que foram atestados no “Acordo Parassocial” e Anexos não estivessem corretos, com certeza que os Réus teriam invocado a falsidade ideológica prevista no artigo 372º, nº2, do CC

18. Aliás, basta analisar a fundamentação aduzida no Acórdão em crise, para se alcançar sem qualquer dificuldade que, nenhum meio de prova produzido demonstrou não ser verdadeiro o saldo a favor dos Autores, apurado nos Anexos que integram o “Acordo Parassocial”.

19. Aliás, continuando a apreciar ponderação dos meios probatórios levados a cabo pelo Tribunal da Relação, o que sobressai são as dúvidas, ou melhor a incerteza, que a prova produzida suscitou no espírito do Julgador.

20. Pois, como se assinala no Acórdão, nenhuma das duas testemunhas inquiridas, tinha conhecimento dos factos constantes dos itens 19 e 34, da matéria de fato dada como provada na douta sentença.

21. Designadamente, a testemunha HH, contabilista das sociedades “S..., Lda.” e “L..., Lda. – Empresa de Trabalho Temporário, Lda.”, não sabia quais os valores que foram considerados nos cálculos efetuados e que se reproduziram nos Anexos ao “Acordo Parassocial”.

22. Nesta senda, somos forçados a concluir que o Tribunal valorou apenas o depoimento de parte da Ré EE e as declarações de parte do Réu FF, para alterar os factos dado como provados nos itens 19 e 34 da douta sentença,

23. o que representa uma flagrante violação das regras probatórias contidas nos artigos 374º e 376º, do CC.

24. E, sem embargo do valor da prova plena resultante da confissão extrajudicial que fizeram no “Acordo Parassocial” e respetivos Anexos, relativamente ao valor dos saldos a favor do Autor AA,

25. os Réus podiam tentar provar que tais quantias não correspondiam aos valores apurados no balancete intercalar.

26. Mas, contudo, não apresentaram em Juízo, o referido balancete intercalar de modo a demonstrar que os saldos em causa não eram verdadeiros.

27. De facto, os Réus apenas conseguiram juntar com os seus articulados um conjunto de faturas e documentos, não aceites e reconhecidos pelos Autores, na tentativa de infirmar a confissão de dívida que fizeram no “Acordo Parassocial” e respetivos Anexos.

28. E, assim, abalar o seu valor probatório.

29. O que, como vimos, não lograram alcançar.

30. Por sua vez, no que diz respeito à alegada confissão de dívida subscrita pelo Autor AA, há que ressalvar que esta se refere apenas à sociedade “SM..., Lda.” e a hipotéticas dívidas, e, portanto, incertas e passíveis de futura verificação, respeitantes a processos judiciais e a passivos ocultos, não constando dos autos nenhuma prova que tais responsabilidades tivessem sido, ou venham a ser, exigidas à empresa.

31. Além de que, em rigor, não se pode falar de uma confissão de dívida, porquanto, no referido documento, nem sequer foi aposto qualquer valor.

32. Por outro lado, com flui claramente do “Acordo Parassocial” e dos respetivos Anexos, é falso apenas tivessem sido contabilizados, as verbas a crédito, a receber pelos Autores.

33. Acresce que, mesmo que se entendesse, que os valores a receber pelos Autores apurados no “Acordo Parassocial” e respetivos Anexos, não constituíam saldos definitivamente fechados, estando ainda pendentes da contabilização de alguns débitos, mesmo assim, a decisão nunca poderia ser, como efetivamente foi, de absolver do pedido os Réus EE e FF, dos pedidos.

34. Por conseguinte, a decisão a proferir no Acórdão nunca poderia ser a de os absolver desse pedido.

35. Desta forma, pelas dúvidas expostas no douto Acórdão sobre o valor do saldo, estes teriam sempre de ser condenados a pagar aos Autores a quantia que viesse a ser fixada em incidente de liquidação, equivalente à diferença entre a quantia de 60.128,64 € e o montante de eventuais débitos que devessem ser abatidos.

36. Por último, diga-se que a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 238º, nº1, 358º, 372º, nº2, 374º, 376º, nº2 e 466º e 609º, nº2, do CPC.

Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., Egrégios Conselheiros, deve ao presente recurso de revista ser dado total provimento, nos termos e pelas razões supra descritas em consequência revogar-se o douto acórdão sub judice, com os legais efeitos, assim se fazendo, a costumada, inteira, habitual e sã

JUSTIÇA”

10.- Responderam os RR. - EE e marido, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

“1. No novo Código de Processo Civil, não existe a quesitação atomística e sincopada de pontos de factos, pelo que a instrução tem apenas por limite a causa de pedir e as excepções deduzidas, inexistindo barreias artificiais;

2. O único momento processual onde se elencam factos assentes, provados e não provados é a sentença (artigo 607.º, n.º 3, do CPC);

3. No que concerne ao facto provado 13:

a. Os AA. não estiveram, nunca, impedidos de produzir prova sobre tal facto;

b. Não foram, nunca, impedidos de, em audiência e fora dela, produzir prova sobre tal facto (nem tal referem nas suas alegações de revista);

c. Os AA. foram notificados da contestação e tomaram conhecimento do art.º 1.º da contestação, onde os RR. aceitaram o alegado no artigo 14.º da petição inicial com excepção da referência às “duas referidas empresas”;

d. Os AA. foram notificados das alegações do recurso interposto pelos RR., onde impugnaram a decisão da matéria de facto do ponto 13 dos factos provados, pelo que tiveram ampla oportunidade de, nas contra-alegações, refutarem a pretensão recursória dos RR.;

e. Não se compreende, na economia do recurso de revista que interpuseram, que utilidade extraem os AA. da impugnação do douto acórdão recorrido, nesta parte;

f. A discordância dos AA. quanto ao decidido, nesta parte, é apenas artificial, um preciosismo sem qualquer efeito útil, que não seja o de protelar injustificadamente a prolação de uma decisão final transitada em julgado;

g. Sem prescindir, uma simples leitura do acordo parassocial (junto aos autos em 04/07/2023) conduz à necessária conclusão de que AA. e RR. quiseram colocar fim à gerência e participação conjunta em quatro (e não apenas duas) sociedade, a saber: S..., Lda.; SM..., Lda.; L..., Lda.; e A..., Lda.;

4. Não faz sentido a alegada violação dos art.os 374.º e 376.º do Código Civil quando, nos autos não está em causa, como nunca esteve, que o acordo parassocial (junto aos autos em 04/07/2023) não tenha sido assinado pelas partes e nem qual o seu valor ou força probatória;

5. O que está em causa, como sempre esteve, é o sentido, alcance e interpretação de tal documento, o que foi objecto de apreciação no douto acórdão recorrido em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, dos pontos 19 e 34 dos factos julgados provados (pela 1.ª instància) e das alíneas e) e f) dos factos julgado não provados (pela 1.ª instância);

6. Atentando-se às cláusulas 3.ª, 4.ª e 5.ª do Acordo Parassocial (documento junto aos autos em 04/07/2023), se na data da celebração dos contratos de cessão de quotas e do acordo parassocial já estivessem perfeitamente definidos e cristalizados os valores a receber pelos AA., nos termos da alínea b), do n.º 1 da cláusula 4.ª, nenhum sentido faria a sua redacção, bastando que se fixasse, de imediato, o preço final e definitivo das cessões de quotas;

7. O que dimana claro da cláusula 4.ª, conjugada com as cláusulas 3.ª e 5.ª do acordo parassocial, é que o preço global da cessão de quotas só podia “ser concretamente determinado no momento do fecho de contas”, razão pela qual os AA. e o GG assumiram “pessoalmente a responsabilidade por todas as contingências ou incumprimento das obrigações constantes dos considerandos ao presente acordo, nos termos convencionados, designadamente o pagamento de qualquer obrigação fiscal ou à segurança social (impostos, tributos, taxas, multas, coimas, etc.) que não se encontrando reflectidas nos documentos contabilísticos, tenham nascido e/ou vencido em data anterior ou contemporânea à celebração do presente acordo”.

8. A interpretação dada pela 1.ª Instância à cláusula 4.ª do acordo parassocial, quando, no fundo, considera que o Anexo II, nem sequer é admissível à luz das regras da experiência, pois, tal anexo não contém quaisquer balancetes;

9. Tal anexo só contém valores a créditos e nenhum a débito, como IRC, IVA, contribuições, despesas com fornecedores e outras;

10. Pese embora as partes tivessem previsto a elaboração de um balancete intercalar a elaborar no dia 21/09/2022, e embora se saiba que foi elaborado, tal como referido pelas testemunhas HH e II, o certo é que não conhecemos o seu teor e o mesmo não veio a ser anexado ao acordo parassocial;

11. A única explicação plausível para que tal não tenha sucedido, é a que consta expressa na cláusula 3.ª de tal acordo: O preço global das cessões de quotas apenas poderia ser concretamente determinado no momento do fecho de contas;

12. O Tribunal da Relação do Porto valorou ainda os extraídos da contabilidade da L..., Lda. – Empresa de Trabalho Temporário, Lda., relativos ao período de exercício da gerência do A. AA e de GG, até 31 de Agosto de 2022, ilustrativos da existência de um saldo negativo de €11.595,93, que teria de ser resposto pelo A. aos RR.; e os documentos 19 a 26, extraídos da contabilidade da S..., Lda., relativos ao período de exercício da gerência do A. AA e de GG, até 31 de Agosto de 2022, ilustrativos da existência de um saldo positivo de €9.569,97, que teria de ser resposto pelos RR. aos A.;

13. Por tudo isto, o Tribunal da Relação do Porto considerou que “As alíneas e) e f), pelas dúvidas que já referimos e porque a prova no sentido do alegado pelos Réus, apesar de, na nossa visão, mais consistente – com documentação com expressão de valores –, também encontra dúvidas sobre se afinal o valor que os mesmos defendem existir a seu favor não foram de algum modo contemplados, por exemplo, por um alegado (total ou parcial) pagamento de imposto de IRC pelo Autor AA como este referiu em julgamento.

“E, se foi elaborado um balancete provisório, porventura bastaria juntar um balancete definitivo, ou as contas definitivamente elaboradas para porventura não existirem dúvidas, o que não foi efectuado.

“Assim, decide-se:

“. Eliminar os factos provados 19) e 34);

“. Acrescentar aos factos não provados:

“e). No âmbito do acordo parassocial referido em 12), resulte:

“e1). Em relação à sociedade «L..., Lda. – Empresa de Trabalho Temporário, Lda.» a favor de autor AA e sócio GG um saldo de 98.407,65 EUR;

“e2). Em relação à sociedade Ré S..., Lda.», um saldo de 35.169,73 EUR.

“. Eliminar a anterior alínea e);

“. Manter a alínea f).”

14. Assim, tendo sido opção das partes realizarem o negócio antes de estarem apurados definitivamente as contas, e não tendo sido feita prova pelos AA. de que delas resulte a seu favor um saldo favorável, bem andou o Tribunal da Relação do Porto em revogar a douta sentença da 1.ª Instância na parte em que condenou os RR. no pagamento da quantia de 69.12864 EUR.

Termos em que deve ser julgada improcedente a revista, mantendo-se o douto Acórdão recorrido nos seus precisos termos, com as legais consequências.

Assim decidindo, farão V.as Ex.as , Venerandos Conselheiros, a habitual,

JUSTIÇA

11.- Foi proferido despacho a receber o recurso do seguinte teor:

Por estar em tempo, ser recorrível, apresentado por quem tem legitimidade, admite-se o recurso interposto pelos Autores, o qual é de revista, a subir de imediato, nos próprios autos, com efeito devolutivo – artigos 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 671.º, n.º 1, 675.º, 676.º, n.º 1, a contrario, todos do C. P. C..

Subam os autos ao Supremo Tribunal de Justiça”.

III- Objeto do recurso

1.- Nada obsta ao conhecimento da revista.

Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), as questão a decidir consistem em saber:

A)- Se a matéria de facto deve ser alterada.

B).- Se o acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que julgue procedente a pretensão dos recorrentes.

IV- Fundamentação

1.- Factos provados.

«1). Os Autores AA e mulher BB celebraram com a Ré EE um contrato que denominaram de “cessão de quotas e alteração do contrato de sociedade”, datado de 22-09-2022, tendo por objeto a cessão de uma quota com o valor nominal de 50.000,00€, que os primeiros detinham na sociedade Ré “S..., Lda.,” pelo valor de 40.000 €, pago através do cheque nº........86, sacado sob o Banco EuroBic.

2 - Os Autores AA e mulher BB celebraram com os Réus EE e marido FF, um outro contrato que denominaram de “divisão, cessão de quotas e alteração do contrato de sociedade”, datado de 22-09-2022, tendo por objeto a cessão de uma quota com o valor nominal de 3.000,00€, de que os primeiros eram detentores na sociedade “L..., Lda. – Empresa de Trabalho Temporário, Lda,” tendo declarado que o negócio se realizava pela soma de 8.000,00 €, já recebida.

3 - Através de um contrato que denominaram de “divisão, cessão de quotas e alteração do contrato de sociedade”, datado de 22-09-2022, os também Autores CC e marido DD dividiram a quota no valor nominal de 2.000,00€, que detinham na sociedade “L..., Lda. – Empresa de Trabalho Temporário, Lda,” em duas quotas: uma com o valor nominal de 1.500,00 €, outra com o valor nominal de 500,00 €, que cederam respetivamente à Ré EE e ao Réu marido FF, declarando que o faziam pelas quantias já recebidas de 1.500,00 € e 500,00 €.

4 - Os Autores CC e marido DD celebraram com os também Autores AA e mulher BB um contrato que denominaram de “cessão de quotas e alteração do contrato de sociedade”, datado de 22-09-2022, tendo por objeto uma quota que estes detinham na sociedade “SM..., Lda.,” com o valor nominal de 25.000,00€, pelo valor de 1,00 €, já recebido.

5 - Os Réus EE e marido FF celebraram com GG, um contrato que denominaram de “cessão de quotas e alteração do contrato de sociedade”, datado de 22-09-2022, que tinha por objeto uma quota que estes detinham na sociedade “SM..., Lda.,” com o valor nominal de 25.000,00€, pelo valor de 1,00 €, já recebido.

6 - O objeto dos negócios em referência era a aquisição e o domínio pelos Réus das sociedades Ré “S..., Lda. e “L..., Lda. – Empresa de Trabalho Temporário, Lda,” que integravam o comummente designado como Grupo S....

7 - O Autor AA, simultaneamente com a cessão de quotas das duas sociedades atrás identificadas, renunciou à respetiva gerência.

8 - O Autor AA e o seu sócio GG adquiriram as duas quotas que a Autora CC e a Ré EE detinham na sociedade SM..., Lda., pelo preço de 1,00 €.

9 - Até ao final do mês de Agosto do ano de 2022, de facto, não obstante a titularidade jurídica das quotas, todas as sociedades que faziam parte do mencionado Grupo S... eram geridas pelo Autor AA e pelo seu sócio GG.

10 - Os Autores AA e BB são pais da Autora CC.

11 - A Ré EE é filha do aludido sócio, GG.

12 - No mesmo dia 22-09-2022, em que foram celebrados os contratos acima referidos, os Autores AA e BB, CC e DD, celebraram com os Réus EE e FF, um outro contrato que designaram de “Acordo Parassocial”.

13 - Através do qual os contratantes estabeleceram as regras e condições que iriam reger os negócios de compra e venda das duas empresas referidas.

Redação da sentença recorrida

Através do qual os contratantes estabeleceram as regras e condições, tal como constam no documento junto em 04/07/2023, nomeadamente sobre a aquisição das duas empresas acima referidas em 6).

Redação dada pelo acórdão recorrido

14 - Na cláusula terceira ficou acertado que o preço de venda das quotas pertencentes aos Autores nas duas sociedades referidas, nunca poderia ser inferior à quantia de 50.000,00€.

15 - Porém, na cláusula quarta ficou convencionado que, a tal montante, acresceria 50% do saldo apurado entre receitas e despesas até 31-08-2022, referentes às sociedades Ré “S..., Lda. e “L..., Lda. – Empresa de Trabalho Temporário, Lda,” calculado de acordo com um balancete intercalar a elaborar expressamente para o efeito.

16 - O mencionado balancete intercalar seria elaborado no dia 21-09-2022, após terem sido efetuados todos os pagamentos referentes ao mês de Agosto.

17 - Estipulou-se ainda que tal balancete intercalar deveria ser analisado e aprovado por todos os contratantes.

18 – De acordo com o previsto, essa aprovação teria de ocorrer antes da assinatura do referido “Acordo Parassocial”, constituindo uma condição essencial para a ulterior celebração das cessões de quotas e, só com esse acerto de verbas, decorrente dos valores calculados no balancete intercalar, o preço ficaria integralmente pago e as contas saldadas.

19 – De acordo com os 3 Anexos rubricados pelos contratantes e que fazem parte integrante do denominado “Acordo Parassocial”, resulta que:

- no Anexo I relativo à sociedade “L..., Lda. – Empresa de Trabalho Temporário, Lda,” apurou-se que o Autor AA e o seu sócio GG têm direito a receber a quantia global de 98.407,65 € - Vide documento nº4, Anexo I junto e cujo teor aqui se dá por reproduzido;

- no Anexo II, respeitante à sociedade Ré “S..., Lda., apurou-se que o Autor AA e o seu sócio GG têm direito a receber a quantia global de 35.169,73 € - Vide documento nº4, Anexo II junto e cujo teor aqui se dá por reproduzido;

- No anexo III, o valor a receber é de €66.788,69 € (correspondente à soma dos valores de €98.407,65 + 35.169,73 €, a : por 2, uma parte cabendo ao A e a outra ao identificado GG).

Eliminado pelo acórdão recorrido.

Facto revertido como provado na sentença recorrida.

20 – De acordo com a clausula 2ª do referido “Acordo Parassocial”, a sociedade Ré “S..., Lda., obrigou-se a celebrar com a Autora CC, até à data de celebração do contrato de cessão de quotas, contrato de compra e venda da viatura Peugeot, com a matrícula V1, correspondendo o preço ao valor do financiamento já liquidado do Banco BPI, cujo montante ascende a €13.320,09, sendo esse valor deduzido à quantia a receber pelo primeiro outorgante pelas cessões de quotas.

21 – O referido veículo fazia parte do imobilizado da empresa.

22 - A venda do referido veículo à A CC estava dependente do pagamento antecipado do ALD nº........00, realizado junto do Banco BPI, o que ocorreu a 13.09.2022, com o pagamento pela R sociedade da quantia de €13.320,09, tendo o documento único sido recebido pela mesma em 13.12.2022.

23 – Em 31.12.2022 a sociedade Ré emitiu a favor da A CC a fatura 2022/1062 relativa à venda da viatura matrícula V1, pelo preço de €10.660,00.

24 – No entanto, por carta de 19.06.2023 a sociedade R reclamou da referida A, pela aquisição de tal veículo, o valor de 6.660,04€, correspondente ao “pagamento da sua parte”.

25 – As demais prestações respeitantes à aquisição da viatura Peugeot, com a matrícula V1, foram todas integralmente pagas e suportadas pelo Autor AA.

26 - A Autora CC teve sempre o uso total da referida viatura automóvel, para fins profissionais e pessoais.

Eliminado pelo Relação

27 - Encontrando-se, a mesma, como, sempre aconteceu, em poder da Autora CC, que a continua a utilizar, não obstante já não ser trabalhadora da sociedade Ré “S..., Lda. – Sociedade Metalúrgica, Lda”, da qual era Diretora Técnica de Recursos Humanos.

28 – A Ré EE, enquanto sócia gerente da Ré sociedade, tem se recusado a entregar à A. CC a documentação da referida viatura com vista ao registo de propriedade da mesma a favor de tal A.

29 – A Ré EE obrigou-se até ao dia 07-11-2022, à substituição de todas e quaisquer garantias pessoais prestadas, designadamente as prestadas junto do Instituto de Emprego e Formação Profissional pelo Autor AA e GG, respeitantes ao alvará atribuído à sociedade “L..., Lda. – Empresa de Trabalho Temporário, Lda,”, desonerando-os definitivamente de quaisquer responsabilidades a tal propósito, perante a referida instituição, bem como perante quaisquer instituições financeiras, bancárias ou parabancárias, em contratos celebrados com as sociedades que constituem o Grupo, na posição de devedoras, desde que relevados nas contas sociais.

30 - No entanto, a garantia bancária prestada ao Instituto de Emprego e Formação Profissional pelo Autor AA e GG, respeitante ao alvará atribuído à sociedade “L..., Lda. – Empresa de Trabalho Temporário, Lda,” só foi substituída no dia 15-03-2023.

31 - Por seu turno, após a cessão de quotas da sociedade “L..., Lda. – Empresa de Trabalho Temporário, Lda,”, o Autor AA e o seu sócio GG, asseguraram e obrigaram-se perante a Ré EE a, de forma directa ou indirecta, por eles ou por interposta pessoa, sociedades comerciais ou quaisquer outras formas de organização, absterem-se de desenvolverem qualquer actividade concorrente com a exercida pela dita empresa, durante o período de 24 meses, sob pena de, em caso de incumprimento da referida obrigação de não concorrência, a título de cláusula penal terem de ressarcir, pessoal e solidariamente, a Ré EE, no valor de 200.000,00€.

32 - O Autor AA e GG eram os únicos e verdadeiros “donos” das sociedades em referência, sendo quem, de facto, geria todas as sociedades do Grupo S..., quem investia o capital sempre que as mesmas necessitavam, quem prestava todas as garantias necessárias junto de instituições financeiras com as quais as ditas empresas se relacionavam e prestaram a garantia perante o Instituto de Emprego e Formação Profissional, de modo a que fosse concedido à “L..., Lda. – Empresa de Trabalho Temporário, Lda,” o alvará necessário ao exercício da sua atividade.

33 - Todas as seguintes quantias, referidas nos anexos do acordo parassocial, dizem respeito a lucros respeitantes a anos anteriores a 2022:

a) quando no Anexo I, em referência, se discrimina como valores a pagar ao Autor AA, “cheque a favor de AA no valor de 130.666,47 €”;

b) quando no Anexo II, em referência, se discrimina como valores a pagar ao Autor AA, “cheque a favor de AA no valor de 53.660,09 €” ;

c) quando no Anexo III, em referência, se discrimina como valores a pagar ao Autor AA, “cheque a favor de AA no valor de 28.638,08 €”;

d) quando no Anexo IV, em referência, se discrimina como valores a pagar ao Autor AA, “cheque a favor de AA no valor de 10.272,97 €” (Anexo IV), quantias que, por vontade própria do Autor AA e de GG, não foram distribuídos nos respetivos exercícios, ficando acordada entre todos os contratantes que essa distribuição se faria antes da realização das cessões de quotas.

34 - O balancete intercalar foi elaborado a 21.09.2022, após terem sido efetuados todos os pagamentos referentes ao mês de Agosto, tendo sido aprovado por todos os contratantes.

Eliminado

35 – A Ré EE e o seu pai GG perderam a idoneidade junto do IEFP.».

*

E resultaram não provados:

a) que foi por vontade dos RR EE e FF que não fizeram parte do negócio ajustado, as sociedades SM..., Lda. e A..., Lda., Lda, que integravam o Grupo S...;

b) de quem partiu a iniciativa de celebração do acordo parassocial;

c) que a Ré Sociedade foi quem pagou na integra o preço do veículo reclamado nos autos;

d) na data em que foi celebrado o “Acordo Parassocial”, a quantia em dívida relativamente ao veículo reclamado nos autos já não ascendia a 13.320,09€;

e) à data da celebração do contrato parassocial, 22.09.2022, ainda não tinha sido possível apurar as contas a que se refere o acordo parassocial e chegar ao resultado;

Redação dada pela sentença

Eliminada pelo acórdão recorrido, com tal redação.

e). No âmbito do acordo parassocial referido em 12), resulte:

e1). Em relação à sociedade «L..., Lda..» a favor de Autor AA e sócio GG um saldo de 98 407,65 EUR;

e2). Em relação à sociedade Ré «S..., Lda..», um saldo de 35 169,73 EUR.

A redação a negrito foi dada pelo acórdão recorrido.

A alínea e) foi revertida por este Tribunal revertendo-a como referida na sentença recorrida.

f) O A AA, apuradas as contas de débito/haver, tem a pagar a quantia global de €12.863,87, sendo que quanto à Sociedade L..., Lda., o A AA tem a pagar a quantia de €11.595, 93, quanto à Sociedade S..., Lda., tem a receber a quantia de €9.569,97; quanto à Sociedade SM..., Lda., tem a pagar a quantia de €8.731,19, e quanto à Sociedade A..., Lda., tem a pagar a quantia de €2.106,42.

g) O IEFP só aceitou o pedido de substituição da garantia, ou nova garantia, com alteração da gerência, sócios e diretor dos recursos humanos em 14.02.2023, na sequencia do envio da garantia em 07.02.2023, em virtude de o registo das quotas e alteração da Sociedade L..., Lda. só ter ocorrido em 20.10.2022 e a alteração da conta bancária ter ocorrido em 15.11.2022, pelo que o pedido de alteração da garantia só pode ser feito em 21.11.2022 e foi aceite em 19.12.2022.».

*

Os apelantes EE e marido apelação da sentença, quer de facto quer de direito, no que concerne ao recurso de facto, para o que agora importa obtiveram parcialmente provimento, tendo o acórdão recorrido decidido:

No mesmo foi decidido:

i).- Alterou a redação do facto 13 provado, a qual colocamos a negrito no respetivo lugar,

ii) Eliminou os factos 19) e 34, colocada a negrito em tais pontos tal informação.

iii- Eliminada pelo acórdão recorrido, com tal redação.

e). No âmbito do acordo parassocial referido em 12), resulte:

e1). Em relação à sociedade «L..., Lda..» a favor de Autor AA e sócio GG um saldo de 98 407,65 EUR;

e2). Em relação à sociedade Ré S..., Lda.», um saldo de 35 169,73 EUR.

Colocado a negrito no local.

*

2.- Direito

Tendo presente que são duas as questões a decidir, a saber:

i)- Se a matéria de facto deve ser alterada;

ii)- Se o acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que condene os RR.

Antes de entrarmos na análise do ponto i), cabe dizer algo a resposta da possibilidade do Supremo Tribunal de Justiça alterar a matéria de facto.

A este propósito haverá que esclarecer que os poderes do S.T.J. em sede de apreciação/alteração da matéria de facto, são muito restritos.

Assim, o Supremo só poderá proceder a essa análise/modificação nas limitadas hipóteses contidas nos art.ºs 674 e 682.º, isto é, quando a decisão das instâncias vá contra disposição expressa da lei que exija certa prova para a existência do facto ou fixe a força de determinado meio de prova (prova vinculada), quando entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, ou quando ocorrem contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito.

Por outras palavras, o S.T.J. só poderá conhecer do juízo da prova sobre a matéria de facto formado pela Relação, quando esta deu como provado um facto sem a produção da prova considerada indispensável, por força da lei, para demonstrar a sua existência, ou quando ocorrer desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no nosso ordenamento jurídico de origem interna ou de origem externa. Em relação a este entendimento parece não existirem quaisquer dúvidas.

Para além disso, o S.T.J. só poderá ordenar a ampliação da matéria de facto nos termos referidos, ou anular a decisão relativa à matéria de facto por contradição.

Trata-se, no essencial, de consagrar o princípio de que a competência jurisdicional do Supremo Tribunal, se limita à apreciação da matéria de direito, como decorre do art. 46º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário) segundo o qual “fora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito”.

Neste mesmo sentido refere Amâncio Ferreira (in Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pág. 233), ainda que no domínio da lei revogada, mas que mantém atualidade “presentemente, também o STJ não pode, a solicitação da parte interessada, exercer censura sobre o uso dos poderes por parte da Relação no que concerne ao julgamento da matéria de facto do tribunal de 1ª instância. E isto por a decisão da Relação que implemente tais poderes ser hoje insusceptível de recurso (nº 6 do art. 712º, aditado pelo DL nº 375-A/99 de 20 de Setembro)”.

Em síntese, é às instâncias que compete a fixação da matéria de facto, cabendo ao Supremo aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido.

No caso em apreço, temos para nós, não estar vedado a este Tribunal o conhecimento da questão da matéria de facto, como colocada pelos recorrentes.

Dito isto passemos analisar tal matéria

Vejamos.

Ponto i)

Aqui coloca-se-nos a questão de saber se o ponto 13 deve ser alterado, e se o ponto 19 e 34 não podiam ser eliminados por provados com base em prova plena.

Apreciando.

Quanto ao ponto 13.

Para defenderem o seu ponto de vista referem que na sentença foi dado como assente o facto constante do item nº13, não tendo o Réus apresentado qualquer reclamação.

Não obstante a decisão sobre os factos dados como assentes no despacho saneador não constitua caso julgado formal, o certo é que estes, perante tal decisão, ficaram impossibilitados de produzirem prova sobre a factualidade em questão, pois esta não integrava os temas de prova.

Neste sentido, a alteração do facto em apreço, não poderá ser realizada, sem que aos Autores seja concedida a oportunidade de produzirem prova sobre o mesmo.

Acresce que os Réus, no artigo nº 5º da contestação, não negaram que outorgaram, assinaram e rubricaram os contratos de cessão de quotas, o “Acordo Parassocial “, tal como os seus Anexos, apenas alegaram que, dos referidos documentos não resultam os factos alegados pelos Autores na petição inicial – Vide artigo nº 6º da contestação.

Responderam os recorridos referindo, entre o mais, que os AA., não estiveram, nunca, impedidos de produzir prova sobre tal facto, não foram, nunca, impedidos de, em audiência e fora dela, produzir prova sobre tal facto (nem tal referem nas suas alegações de revista);

Os AA. foram notificados da contestação e tomaram conhecimento do art.º 1.º da contestação, onde os RR. aceitaram o alegado no artigo 14.º da petição inicial com excepção da referência às “duas referidas empresas”;

Foram notificados das alegações do recurso interposto pelos RR., onde impugnaram a decisão da matéria de facto do ponto 13 dos factos provados, pelo que, tiveram ampla oportunidade de, nas contra-alegações, refutarem a pretensão recursória dos RR.

Por sua vez, o acórdão recorrido sobre tal matéria refere:

… na verdade, já em sede de audiência prévia, sob a alínea N), se elencou essa factualidade (além de outras) como facto assente. No entanto, essa indicação na referida audiência terá apenas um valor indicativo pois o único momento processual onde se elencam factos assentes, provados e não provados é a sentença (artigo 607.º, n.º 3, do C. P. C.).

Ora, os recorrentes têm razão pois o facto provado 13 resulta da alegação efetuada em 14, da petição inicial, tendo os mesmos Réus impugnado esse artigo na parte em que se menciona das duas empresas referidas.

Não sabemos exatamente o motivo da impugnação, seja porque não é explicitada na contestação seja porque no recurso também não se menciona qual o relevo desta pretendida alteração.

Admite-se que possa ser por haver menção no acordo parassocial (junto em 04/07/2023) que se pretendeu colocar fim à gerência e participação conjunta nas sociedades que aí são referidas e que são quatro (em termos simplificados, S..., Lda., S..., Lda. trabalho temporário, L..., Lda. e A..., Lda.).

Assim, em rigor, o acordo reporta-se a essas quatro empresas e não duas.

De qualquer modo, mesmo com dúvidas sobre a relevância desta alteração, importa consignar o que resulta do acordo das partes, pelo que se altera o facto 13), não como totalmente pretendido, mas de um modo mais amplo, a saber:

Através do qual os contratantes estabeleceram as regras e condições, tal como constam no documento junto em 04/07/2023, nomeadamente sobre a aquisição das duas empresas acima referidas em 6)”.

Apreciando.

A mera circunstância de o julgador proceder à discriminação da matéria de facto assente aquando da prolação do despacho de identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova não implica (não poderia implicar) lógica, necessária ou normativamente quer a impossibilidade de produzir prova quer a impossibilidade de alteração da matéria indicada em sede de sentença.

Explicite-se que não decorre de qualquer critério normativo a explicitação/discriminação da matéria assente, sendo que tal possibilidade decorre, maxime, do dever de gestão processual e de adequação formal, art. 6.º e 547.º do CPC, v.g. por se entender que tal pormenorização ou explicitação dos factos assentes pode permitir orientar, programar a actividade instrutória, o que não pode implicar a conclusão pretendida.

De qualquer modo, refira-se que nem no regime processual anterior (revisão de 1995-1996), estaria em causa um eventual caso julgado positivo - o que rigorosamente nem é colocado em crise pelos recorrentes, que reconhecem a ausência do efeito de caso julgado - não possuindo, pois, qualquer efeito jurídico processual vinculativo.

Aliás, parece que os recorrentes nem invocam tal possibilidade, o que referem, é que perante tal decisão ficaram impossibilitados de produzirem prova sobre a factualidade em questão, pois esta não integrava os temas de prova.

Será que ficaram sem essa possibilidade ou que a existir teve influência na questão?

Pensamos que não.

Na verdade, resulta dos autos que os aqui recorrentes, recorridos na apelação, referem na sua alegação da apelação sobre tal matéria que:

“Pois, a resposta dada é a única que encontra respaldo na letra e conteúdo dos documentos e contratos juntos aos autos, pois é patente que os negócios existentes entre as partes eram relativos às duas empresas referidas – S..., Lda. e L..., Lda. – Empresa de Trabalho Temporário, Lda”

Operando à leitura da P.I. e da contestação, como bem se refere no acórdão recorrido, resulta que o facto 13 elencado na sentença, resulta da alegação efetuada em 14, da petição inicial, tendo os Réus impugnado esse artigo na parte em que se menciona das duas empresas referidas.

Ora, assim, a matéria dada como provada no acórdão recorrido foi, dada, tendo por base estar aceite pelas partes, como aliás se refere no mesmo.

Veja-se que as empresas aludidas no facto 6, aludido na redação dada ao facto 13 pelo acórdão recorrido, são precisamente “S..., Lda. e “L..., Lda. – Empresa de Trabalho Temporário, Ld.ª”, que os aqui recorrentes, recorridos na apelação aludem na motivação desta, quando referem:

“ Pois, a resposta dada é a única que encontra respaldo na letra e conteúdo dos documentos e contratos juntos aos autos, pois é patente que os negócios existentes entre as partes eram relativos às duas empresas referidas – S..., Lda. eL..., Lda..”

Ora, havendo acordo, como bem se refere no acórdão recorrido sobre tal matéria, não vislumbramos razão de haver qualquer prova sobre a mesma, o que até seria um ato inútil, que a lei proíbe (cfr. art.º 130.º, do C.P.C.)

Pelo exposto, esta pretensão dos recorrentes improcede.

Vista a questão do ponto 13, passemos aos pontos 19 e 34.

Pontos 19 e 34.

Quanto aos mesmos referem os recorrentes que estamos perante uma confissão e por força do preceituado no n.º 2, do art.º 358.º, os mesmos encontram-se provados plenamente, até por os recorridos não terem referido não serem suas as assinaturas.

Até por os RR. nas declarações efetuadas ao Autor AA, referem por escrito terem recebido o valor de 66.788,69 €, referente ao preço acordado para a transmissão das participações sociais, nos anexos ao “Acordo Parassocial”.

Opinião oposta têm os recorridos, que referem, não fazer sentido a alegada violação dos art.os 374.º e 376.º do Código Civil quando, nos autos não está em causa, como nunca esteve, que o acordo parassocial (junto aos autos em 04/07/2023) não tenha sido assinado pelas partes e nem qual o seu valor ou força probatória.

O que está em causa, como sempre esteve, é o sentido, alcance e interpretação de tal documento, o que foi objecto de apreciação no douto acórdão recorrido em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, dos pontos 19 e 34 dos factos julgados provados (pela 1.ª instància) e das alíneas e) e f) dos factos julgado não provados (pela 1.ª instância), pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

Opinião oposta têm os recorridos referindo, desde logo,

Apreciando.

Antes demais diremos algo a respeito da matéria da confissão e prova plena.

Com base na definição que nos é dada de documento autêntico pelo art.º 363º, nº 2, do Código Civil, devem ter-se por particulares todos os documentos que não são autênticos, ou seja, todos os que não cabem na definição de documentos autênticos que aquela norma fornece. São, assim, particulares os documentos que provêm de simples particulares ou seja, de pessoas que não exercem atividade pública ou, se a exercem, não foi no uso dessa faculdade que elaboraram os documentos.

Contrariamente aos documentos autênticos que provam a sua autenticidade, ou seja, provam por si que emanam da entidade documentadora respetiva (acta probant se ipse), em regra, os documentos particulares não provam por si mesmos a sua autenticidade ou veracidade; é nisto que reside o traço fundamental que distingue uns dos outros.

A parte contrária, ao não impugnar o documento, assume uma atitude passiva que conduz ao reconhecimento da autenticidade do documento, no sentido de que a letra e a assinatura ou só a assinatura se consideram verdadeiras (art.º 374º, nº 1 do Código Civil). Esta é a sua força probatória formal.

Quanto à sua força probatória material, uma vez reconhecida a proveniência do documento e o seu autor, temos que as declarações nele constantes se consideram provadas na medida em que forem contrárias aos interesses do declarante (n.º s 1 e 2 do art.º 376º do Código Civil). Segundo aquele nº 2 “os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que sejam contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão”.

Como refere Vaz Serra, in RLJ Ano 110, pág. 85, “a regra do nº 2 do art. 376º constitui uma presunção fundada na regra de experiência de quem afirma factos contrários aos seus interesses o faz por saber que são verdadeiros; essa regra não tem, contudo, valor absoluto, pois pode acontecer que alguém afirme factos contrários aos seus interesses apesar de eles não serem verdadeiros e que essa afirmação seja divergente da sua vontade por que se ache inquinada de algum vício de consentimento: o facto declarado no documento considera-se verdadeiro embora o não seja, por aplicação das regras da confissão podendo, porém, o declarante, de acordo com as regras desta, valer-se dos respetivos meios de impugnação. Pode, por isso, provar o declarante que a sua declaração não correspondeu à sua vontade ou que foi afetada por algum vício de consentimento… (cf. art.º 359º)”.

Quer isto significar que os documentos particulares assinados pelo seu autor, se não existir a impugnação a que aludem os artigos 374º e 375º, fazem prova plena em relação às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo, porém, da arguição e prova da sua falsidade.

Na jurisprudência, citando um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/6/1977, o acórdão do mesmo Tribunal de 9/1/2003 refere: “A solução legal compreende-se bem: desde que esteja estabelecida a autoria do documento, e nele se contenha uma declaração, feita ao declaratário, contrária ao interesse do declarante, tal declaração representa uma confissão do seu autor, pelo que a esse documento particular deve ser atribuído nas relações entre ambos, valor probatório pleno (art.º 352º e seguintes do Código Civil). Essa força probatória significa que os factos não carecem de outra prova para se terem como demonstrados, mas não implica que o declarante não possa impugnar a sua validade, nos termos gerais, por falta ou vícios da vontade, precisamente como acontece com a declaração confessória (art.º 359º do Código Civil), e designadamente provando, por exemplo, que a declaração resultou de erro (cf. Prof. Vaz Serra, Provas, no Boletim do Ministério da Justiça, nº 112, pág. 69, nota 800-a)”.

Ou, como refere ainda Vaz Serra, in RLJ, Ano 114, pág. 178, “nessa medida o documento pode ser invocado, como prova plena, pelo declaratário, contra o declarante”.

Segundo o art.º 355º, nºs 1 e 4, do Código Civil, sendo admissível a confissão extrajudicial, esta é a que é feita por algum modo diferente da confissão judicial.

Enquanto a confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente, a confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena (art.º 358º, nºs 1 e 2, do Código Civil).

A confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (art.º 352º do Código Civil). “É uma declaração de ciência (não uma declaração constitutiva, dispositiva ou negocial), pela qual uma pessoa reconhece a realidade de um facto que lhe é desfavorável (contra se pronuntiatio) – dum facto cujas consequência jurídicas lhe são prejudiciais e cuja prova competiria, portanto, à outra parte, nos termos do artigo 342.º do Código Civil”, cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 240 e 241.

Como ensina Vaz Serra, in Vaz Serra, Provas – Direito Probatório Material, in BMJ 111/16, “a força probatória plena, atribuída pela lei à confissão judicial e a certas confissões extrajudiciais, é independente da intenção do confitente e funda-se na regra de experiência de que quem conhece um facto a si desfavorável e favorável à parte contrária fá-lo porque sabe ser ele verdadeiro”, no mesmo sentido, Lebre de Freitas, “A Confissão no Direito Probatório”, pág.s 160 e 187.

Nos casos em que a confissão faz prova plena, o confitente não pode, em princípio, invalidá-la, e o adversário não carece de fazer outra prova do facto confessado, ficando o juiz vinculado à confissão.

Como refere Vaz Serra, in ob citada pág. 17 “ ela é uma prova pleníssima, visto não admitir, em regra, prova do contrário, sendo, por este motivo, declarada regina probationum, probatio probatissima ou omnium probationum maxima.

A declaração em documento particular efetuada pela cedente da quota de que recebeu o respetivo preço, não pode deixar de constituir a confissão inequívoca de um facto desfavorável, feita à parte contrária, presente no ato documentado. Nesse caso, não vemos como ultrapassar o valor daquela declaração como confissão extrajudicial relevante para efeitos do art.º 358º, nº 2, última parte, do Código Civil. Tem força probatória plena, porque feita à parte contrária.

Quer isto dizer que o documento contratual escrito, ainda que não faça prova da realidade do pagamento do preço, fá-la da declaração de confissão desse pagamento, comprovando-se, por esta via confessória, nos termos do citado nº 2 do art.º 358º, a realidade de tal pagamento” Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.6.1999, Colectânea de Jurisprudência do Supremo, T. II, pág. 136 e seg.s, que aqui referimos por manter atualidade.

Ou como se escreve no Ac. da Rel. de Coimbra, de 23/1/2024, proc.º 249/23.8T8LRA.C1, relatado por Teresa Albuquerque, onde fomos primeiro adjunto «Na verdade, da conjugação dos normativos dos arts 374º/1 e 376º/1 e 2 resulta que só as declarações contrárias aos interesses dos declarantes se podem considerar plenamente provadas, ou, por outras palavras, que só os factos compreendidos nas subscritas declarações e na medida em que contrários aos interesses dos declarantes se podem considerar plenamente provadas. Como acertadamente também observa Vaz Serra: «nessa medida o documento pode ser invocado, como prova plena, pelo declaratário, contra o declarante».

Em todo o caso, ainda que com força de prova plena, a confissão, seja ela judicial ou extrajudicial, pode ser declarada nula ou anulada nos termos gerais, por falta ou vícios da vontade, designadamente por erro, nos termos do art.º 359º do Código Civil.

Significa isso que “a confissão poderá ser atacada se, além de não corresponder à verdade, proceder de erro ou de outro vício do consentimento do confitente”, ou seja, “para que a confissão possa ser impugnada, há-de alegar-se e provar-se que, além do facto confessado não corresponder à realidade, o confitente errou acerca dele ou que foi vítima de outra causa de falta ou de vício da vontade” Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, pág. 552 e 564.

Dispõe o art.º 347º do Código Civil que “a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto, sem prejuízo de outras restrições especialmente determinadas na lei”. Tal significa que, tendo feito a confissão, a A. cedente é admitida a destruir a sua força probatória de haver recebido o indicado preço, através de prova de que na realidade não o recebeu, designadamente por ter havido vício negocial ( Tem-se entendido que os termos gerais são os dos art.ºs 240º e seg.s quanto à falta e aos vícios de vontade, e 285º e seg.s, todos do Código Civil, quanto ao regime da nulidade e da anulabilidade, referindo-se o nº 2 do art.º 359º tanto ao erro na declaração (art.º 247º), como ao erro sobre os motivos determinantes da vontade (art.ºs 251º e 252º) --- A. Varela e P. de Lima, in Código Civil anotado, 2ª edição, vol. I, pág. 295 --- não bastando a simples negação da confissão e ainda acórdão da Relação do Porto de 31/3/2009, proc. 0822279, relatado por João Proença).

Feitos tais considerandos cabe aplicá-los ao caso em apreço.

No caso em apreço estamos perante documentos particulares assinados pelos RR., aqui recorrentes, o que não colocam em caso, onde reconhecem que os AA. têm a receber os valores neles inscritos.

Assim, temos para nós estarmos perante uma confissão (cfr.º art.º 352.º, do C.C., a respeito da noção de confissão), na medida em que, resulta:

- no Anexo I (manuscristo) relativo à sociedade “L..., Lda.,” apurou-se que o Autor AA e o seu sócio GG têm direito a receber a quantia global de 98.407,65 € - Vide documento nº4, Anexo I junto e cujo teor aqui se dá por reproduzido;

- no Anexo II, (manuscrito) respeitante à sociedade Ré “S..., Lda., apurou-se que o Autor AA e o seu sócio GG têm direito a receber a quantia global de 35.169,73 € - Vide documento nº4, Anexo II junto e cujo teor aqui se dá por reproduzido;

- No anexo III, (manuscrito) o valor a receber é de €66.788,69 € (correspondente à soma dos valores de €98.407,65 + 35.169,73 €, a : por 2, uma parte cabendo ao A e a outra ao identificado GG).

Os mesmos contêm assinatura dos RR., o que não negam, bem como os valores que aceitam que que os AA. têm a receber.

Ou seja, os RR. confessam que os AA. têm direito a receber tais valores ou seja, confessam aos AA. que eles têm a receber tais montantes.

Assim, pelo exposto e tendo presente aos ensinamentos supra expostos e ao teor dos documentos (anexos), temos para nós que os factos neles referidos estão provados plenamente.

Do exposto, assiste razão aos recorrentes, pelo que, o facto 19 deve ser mantido como fixado na sentença recorrida.

Sendo mantido tal facto, também será mantida a al.ª e) dos factos não provados, como referido na sentença recorrida, sob pena de contradição.

Quanto ao facto 34 não vislumbramos razão para alterar o decidido no acórdão recorrido, desde logo, por não haver prova plena sobre o mesmo

As alterações agora referidas quanto ao facto 19 e alínea e), serão aludidas na matéria de facto.

*

Aqui chegados cabe verificar se assiste razão aos recorrentes quanto à revogação do acórdão recorrido.

Como bem se refere na sentença recorrida, a divergência entre as partes surge quanto pagamento do preço, nomeadamente quanto à interpretação da clausula 4ª do denominado Acordo Parassocial, celebrado na mesma data da cessão de quotas, e através do qual estabeleceram, as partes, as regras e condições que iriam reger os negócios de compra e venda das sociedades “S..., Lda.,” e “L..., Lda.,”, sendo os Autores os cedentes e os Réus, pessoas singulares, os cessionários.

Assim, cabe lançar mão da interpretação de declarações em negócios formais e à adequada aplicação dos artigos 236 e 238º do CC.

O primeiro princípio essencial a considerar nesta matéria é o que resulta do n.º 1 do art. 236.º do Código Civil – a declaração valerá com o sentido que possa ser deduzido por um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.

O preceito acabado de citar acolhe a teoria da impressão do destinatário, de cariz objetivista, segundo a qual a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, sagaz e diligente, colocado na posição do concreto declaratário, a entenderia.

Por sua vez, quando estejam em causa negócios formais, como é o caso dos autos, estatui o art. 238.º, n.º 1, do CC que o sentido correspondente à impressão do destinatário não pode valer se não tiver um mínimo de correspondência, ainda que imperfeita, no texto do respetivo documento.

Acerca da interpretação do art. 236.º do CC, vejam-se os ensinamentos da doutrina, colhidos no Acórdão do STJ de 20/11/2012, proferido no processo 176/06.3TBMTJ.L1.S2, relatado por Fonseca Ramos

Os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. 1º, pág. 233, em nota ao art. 236º do Código Civil ensinam

“[...] A regra estabelecida no n.º 1, para o problema básico da interpretação das declarações de vontade, é esta: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (n.º 1), ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (nº 2).

(...) O objectivo da solução aceite na lei é o de proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir.

(...) A normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.”

O declaratário normal deve ser uma pessoa com – “Razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas fixando-a na posição do real destinatário, isto é, acrescentando as circunstâncias que este conheceu concretamente e o modo como aquele concreto declaratário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo” – Paulo Mota Pinto, in “Declaração Tácita”, 1995, 208.

Por sua vez refere MENEZES CORDEIRO (in “Tratado de Direito Civil Português l, Parte Geral”, Tomo l, 1999, págs. 478 e 479), que“A doutrina actual encara a interpretação do negócio jurídico como algo de essencialmente objectivo; o seu ponto de incidência não é a vontade interior: ela recai antes sobre um comportamento significativo”...“tem de ser temperada com o princípio da tutela da confiança…” […] “entendemos que a interpretação do negócio deve ser assumida como uma operação concreta, integrada em diversas coordenadas. Embora virada para as declarações concretas, ela deve ter em conta o conjunto do negócio, a ambiência em que ele foi celebrado e vai ser executado, as regras supletivas que ele veio afastar e o regime que dele decorra”»

E, relativamente aos negócios formais, quer seja legal ou voluntária a forma adotada, estabelece o artigo 238.º do mesmo Código que:

“1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.

2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade”.

O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11.11.92, in BMJ-421/364 (citado naquele mesmo acórdão de 20/11/2012), sentenciou:

“O Código Civil acolheu no artigo 236º, n.º1, a chamada “teoria da impressão do destinatário”. Segundo essa teoria, a declaração negocial deve ser interpretada com o sentido que um declaratário normal possa deduzir do comportamento do declarante. Mas, segundo o n.º 2 daquele artigo, sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é esta que prevalece ainda que haja divergência entre ela e a declarada, resultante da aplicação da teoria da impressão do destinatário”.

Acrescenta o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2.2.88, in BMJ – 374, 436 (continuamos a citar):

“No tocante à interpretação, o artigo 236º, determinado por razões de protecção ao declaratário e de segurança do tráfico, consagrou a denominada teoria da impressão do destinatário, vindo privilegiar o sentido objectivo da declaração negocial temperado por um elemento de inspiração subjectivista: aquele sentido deixa de prevalecer quando não possa razoavelmente ser imputado ao declarante (n.º 1, “in fine”). O mesmo sentido objectivo igualmente é inatendível quando não coincida com a vontade real do declarante e esta seja conhecida do declaratário (n.º 2). Assim, a interpretação das declarações negociais não se dirige, salvo no caso do artigo 236º, n.º 2, a fixar um facto simples – o sentido que o declarante quis imprimir à sua declaração –, mas o sentido jurídico, normativo, da declaração.

A integração dos negócios jurídicos postula, por seu turno, duas exigências: investigar o que as partes teriam querido se houvessem previsto o ponto omisso, e o que os ditames da boa fé impõem. Estando em causa a aplicação de critérios da lei, ainda que apoiados factualmente, trata-se, nos dois casos, de matéria de direito.”

Mota Pinto – “Teoria Geral do Direito Civil” – 4ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto – Coimbra Editora – Maio 2005 – pág. 446 e segs, ensina:

“…O Código não se pronuncia sobre o problema de saber quais as circunstâncias atendíveis para a interpretação.

De acordo com o critério propugnado, quanto ao problema do tipo do sentido negocial decisivo para a interpretação, também aqui se deverá operar com a hipótese de um declaratário normal: serão atendíveis todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efectivo, teria tomado em conta.

A título exemplificativo, Manuel de Andrade referia “os termos do negócio”; os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento); a finalidade prosseguida pelo declarante; as negociações prévias; as precedentes relações negociais entre as partes; os hábitos do declarante (de linguagem ou outros); os usos da prática, em matéria terminológica, ou de outra natureza que possa interessar, devendo prevalecer sobre os usos gerais ou especiais (próprios de certos meios ou profissões), etc.”.

É neste quadro legal, doutrinal e jurisprudencial, que se deve mover a interpretação do negócio jurídico sob escrutínio.

E dentro de tal quadro advogamos o referido na sentença recorrida, quando refere:

em face de todos os elementos apurados, temos forçosamente de concluir, que um declaratório normal entenderia que o saldo apurado é necessariamente o que consta do balancete e que as partes consignaram nos anexos ao acordo parassocial, não um saldo hipotético que fosse paulatinamente surgindo ao longo do tempo, o que, refira-se, não se coadunaria minimamente com os interesses dos cedentes ou dos cessionários, que quiseram saldar as constas, pois que, se assim não fosse, ficaram numa posição de permanente incerteza, sem limite temporal para o surgimento, de parte a parte, de dívidas ou de créditos”.

E assim sendo, e, ,não tendo os RR demonstrado o pagamento do preço em falta, no montante de €66.788,69, é o mesmo devido.

Pelo que, deveriam os RR. ser condenados a pagar aos AA. tal montante.

Porém, os mesmos referem que a tal montante deve ser deduzido o valor de 6 660,04 EUR em relação a contrato celebrado entre S..., Lda.» e a Autora CC de compra e venda relativo a uma viatura com esse valor como preço.

Assim, este Tribunal apenas pode condenar, nesta matéria o pedido formulado, sob pena de ir além do pedido e cometer a nulidade a que alude a al.ª e) do n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C..

Sobre este montante ( €60.128,64), a que acrescem dos respetivos juros de mora comerciais, vencidos a partir de 22.09.2022 até integral pagamento, às taxas legais sucessivamente previstas para aqueles juros comerciais (atento o disposto pelos arts. 2º e 102º, § 3º, do Código Comercial), sendo aplicável qualquer alteração futura enquanto não se verificar o pagamento.

Assim, revoga-se o acórdão nesta medida, mantendo o mesmo no mais, por com ele se concordar, até por parecer que os recorrentes apenas aludem a este ponto.

V.- Decisão

Face ao exposto, decide-se, julgar parcialmente procedente o recurso e por consequência:

a).- Julgar o mesmo parcialmente procedente quanto à alteração da matéria de facto.

b).- Julgar o mesmo procedente, na vertente pedida, condenação dos RR. no pagamento da quantia de ( €60.128,64), acrescida de juros de mora comerciais vencidos a partir de 22.09.2022 até integral pagamento, às taxas legais sucessivamente previstas para aqueles juros comerciais (atento o disposto pelos arts. 2º e 102º, § 3º, do Código Comercial), sendo aplicável qualquer alteração futura enquanto não se verificar o pagamento, até por a revista ser apenas nesta vertente.

Custas a cargo de AA. e RR. de acordo com o seu vencimento e decaimento (cfr. art.º 527.º, n.º 1, do C.P.C.

Lisboa, 14/10/2025

Pires Robalo (Relator)

Maria Clara Sottomayor (adjunta)

Henrique Antunes (adjunto)