Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | JORGE LEAL | ||
| Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL AÇÃO POPULAR COMPETÊNCIA MATERIAL DIREITO DO CONSUMIDOR JUÍZO CÍVEL TRIBUNAL CONCORRÊNCIA VIOLAÇÃO DEVER DE INFORMAÇÃO TRADUÇÃO LÍNGUA PORTUGUESA INDEMNIZAÇÃO PRESSUPOSTOS IMPROCEDÊNCIA | ||
| Data do Acordão: | 10/14/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
| Sumário : |
I. A competência material do tribunal deverá ser apreciada consoante os termos em que a ação é proposta, atendendo-se ao pedido e à causa de pedir formulados pelo autor. II. É da competência do Tribunal da Concorrência, regulação e supervisão o julgamento das ações de indemnização cuja causa de pedir se fundamente exclusivamente em infrações ao direito da concorrência e, bem assim, todas as demais ações civis cuja causa de pedir se fundamente exclusivamente em infrações ao direito da concorrência previstas nos artigos 9.º, 11.º e 12.º da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, em normas correspondentes de outros Estados-Membros e/ou nos artigos 101.º e 102.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. III. É da competência do juízo cível a ação popular cuja pretensão principal consiste na atribuição de indemnização aos lesados populares, por alegada violação dos direitos dos consumidores, que se terão confrontado com a colocação à venda de um produto alimentar cuja rotulagem não se encontrava escrita em português, ou não continha tradução para a língua portuguesa, impossibilitando ou dificultando a compreensão da composição nutricional do produto, em violação do direito à informação dos consumidores portugueses. IV. Irreleva para os efeitos da conclusão contida em III a circunstância de a autora também ter focado, na petição inicial, que a alegada conduta da ré distorce ou distorceu as condições de concorrência, enquadrando-se no disposto no art.º 5.º do Dec.-Lei n.º 57/2008, de 26.3, diploma que estabelece o regime aplicável às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores, ocorridas antes, durante ou após uma transação comercial relativa a um bem ou serviço. Com efeito, tal alegação constitui uma vertente factual e normativa que não assume a exclusividade no objeto do processo, apresentando-se, tão só, como um elemento coadjuvante de outros, em que a autora radicou a demanda. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1. Em 29.101.2023 Citizens´Voice – Consumer Advocacy Association, propôs no Juízo Central Cível de Braga ação declarativa de condenação com processo comum (ação popular) contra Bragadis – Sociedade de Distribuição Alimentar. Da prolixa (121 páginas) petição inicial respigam-se, como relevantes na definição do litígio e apreciação do objeto deste recurso (competência do tribunal quanto à matéria), as seguintes passagens: - “A CITIZENS’ VOICE é uma associação que tem como fim a defesa dos consumidores na União Europeia, seus associados, e dos consumidores em geral que sejam cidadãos da União Europeia ou que sejam cidadãos de Estados terceiros residentes na União Europeia”; - “A ré é uma pessoa coletiva que exerce, com carácter profissional, uma atividade económica que visa a obtenção de benefícios”; - “A ré dedica-se, nomeadamente, à distribuição alimentar, por intermédio de venda ao público no mercado nacional de distribuição retalhista de base alimentar, sob a insígnia E.Leclerc.”; - “A ré comercializa, por intermédio de venda ao público, gnocchi da marca Paolo Regati, 1 Kg, com a rotulagem totalmente em língua francesa e sem a respetiva e obrigatória tradução para a língua portuguesa”; - “A informação constante nos rótulos da referida embalagem está toda redigida em língua inglesa, incluindo os ingredientes, a tabela nutricional e os alergénios, sem qualquer tradução para língua portuguesa”; - “…a tabela nutricional, onde constam os valores energéticos e nutricionais é apresentada, na mesma embalagem, para 4 produtos diferentes, sinalizados em língua francesa, o que torna ainda mais difícil ou até mesmo impossível, ao consumidor identificar o produto a que se refere tais valores, mesmo no caso das quilocalorias, cuja abreviatura em língua portuguesa é também Kcal”; - “…a ré não teve o cuidado que se lhe impunha de prestar essa informação aos consumidores em língua portuguesa”; - “Tudo com o intuito de poupar na tradução e rotulagem para língua portuguesa e / ou com a fiscalização dessa mesma rotulagem para verificar se estava em compliance com as boas práticas de comércio, normas, regulamentos e leis”; - “Dessa forma, a ré distorceu as condições de equidade concorrencial, seja porque: ao contrário dos outros operadores económicos concorrentes não teve os custos com a fiscalização e tradução da informação em língua estrangeira constante nos rótulos; impediu que os consumidores obtivessem informação compreensível e completa sobre as características do produto outros operadores económicos concorrentes, como por exemplo, entre outros, os gnocchi da Marca Giovanni Rana, que têm menos Kcal, menos carboidratos, menos açúcares e são feitos com 91% de batatas, ou contrário, dos gnocchi aqui em questão, que têm apenas 65% de batata”; - “A ré, dolosamente ou então pelo menos com negligência grosseira, ao comercializar, por intermédio da venda ao público, estes produtos sem a respetiva rotulagem traduzida para a língua portuguesa, colocou inclusivamente em risco a saúde dos consumidores, nomeadamente quanto à impossibilidade de estes perceberem eventuais riscos com a ingestão, conservação e manuseamento destes produtos”; - “O comportamento dos consumidores descritos (…) supra, é um dos exemplos que contribui para a distorção das condições de equidade da concorrência, com concomitantes danos para os consumidores”; - “…importa depurar as consequências dos comportamentos descritos, por razão dos quais os autores populares sofreram três tipos de danos: - o preço que pagaram pelos produtos supra referidos; - os danos morais; - a distorção da equidade das condições de concorrência e, concomitantemente danos para os consumidores em geral, onde se incluem os autores populares”. Na abordagem jurídica do caso, a A. alegou que o comportamento da R.: - Violou o disposto no regulamento (CE) 1924/2006 (do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de dezembro de 2006 , relativo às alegações nutricionais e de saúde sobre os alimentos), na parte em que se debruça sobre os princípios gerais aplicáveis a todas as alegações nutricionais e de saúde, estipulando o art.º 3 § 2 (b) que só podem ser utilizadas na rotulagem, apresentação e publicidade dos alimentos colocados no mercado comunitário as alegações nutricionais e de saúde que não suscitem dúvidas acerca da segurança e/ou da adequação nutricional dos alimentos; - Violou o Dec.-Lei n.º 238/86 (de 19 de agosto - determina que as informações sobre a natureza, características e garantias de bens ou serviços oferecidos ao público no mercado nacional devem ser prestadas em língua portuguesa) e o Dec.-Lei n.º 10/2015 (de 16 de janeiro - prevê o regime jurídico de acesso e exercício de atividades de comércio, serviços e restauração), dos quais resulta que as informações sobre a natureza, características e garantias de bens ou serviços oferecidos ao público no mercado nacional, nomeadamente as constantes em rótulos ou embalagens, deverão ser prestadas em língua portuguesa e quando essas informações se encontrem redigidas em língua ou línguas estrangeiras aquando da venda de bens ou serviços no mercado nacional é obrigatória a sua tradução integral – assim se protegendo o direito dos consumidores à informação; - Adotou uma prática desleal e restritiva da concorrência, enquadrável no disposto no art.º 5.º do Dec.-Lei n.º 57/2008 (de 26 de março - estabelece o regime aplicável às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores, ocorridas antes, durante ou após uma transação comercial relativa a um bem ou serviço, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2005/29/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio, relativa às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores no mercado interno); - Violou a Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de julho), pondo em causa o direito à informação do consumidor. A A. terminou formulando o seguinte petitório: “Nestes termos e nos demais de direito, que Vossa Excelência doutamente suprirá, deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, e: A. declarado que a ré teve o comportamento descrito no § 3 supra, e que o mesmo é: 1. doloso; ou, pelo menos, 2. grosseiramente negligente; B. declarado que agiu com culpa e consciência da ilicitude no que respeita aos factos supra referidos, com os autores populares. C. Declarado que com a totalidade ou parte desses comportamentos lesou gravemente os interesses dos autores populares, nomeadamente os seus interesses económicos e sociais, designadamente os seus direitos à informação enquanto consumidores; D. declarado que causou e causa danos aos interesses difusos de proteção do consumo de bens e serviços; E. declarada a violação, ainda em curso, através de uma prática única e continuada, dos interesses identificados, causando danos diretamente aos consumidores, portugueses, que adquiriram, no estabelecimento da ré, os gnocchi da marca Paolo Regati, 1 Kg, com a rotulagem totalmente em língua francesa e sem a respetiva e obrigatória tradução para a língua portuguesa. F. condenada a ré a realizar a retoma dos gnocchi supra identificados que ainda se encontram à venda para substituir os rótulos com informação em língua portuguesa, nomeadamente no caso das informações redigidas em língua estrangeira, por via da tradução de tais informações a ser aposta ou aditada aos rótulos em questão, caso os deseje reintroduzir novamente no mercado. G. condenada a ré a realizar a retoma dos gnocchi supra identificados a todos os consumidores que, tendo-os adquirido nos últimos 3 anos, os desejem devolver; H. condenada a ré a indemnizar os consumidores que tenham adquirido nos últimos 3 anos os gnocchi supra identificados e que não os possam devolver por uma qualquer razão, pelos danos que sofreram em resultado das práticas em causa, no que respeita ao preço pagos pelos gnocchi supra referidos, seja a titulo doloso ou negligente, em montante global: 1. a determinar nos termos do artigo 609 (2), do CPC; 2. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelo preço pago; 3. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal; I. subsidiariamente ao ponto anterior, ser a ré condenada a indemnizar os consumidores que tenham adquirido nos últimos 3 anos os gnocchi supra identificados, em montante global: 1. a fixar por equidade, nos termos do artigo 496 (1) e (4) do CC, determinado em pelo menos €5,92; 2. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelo preço pago; 3. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal; J. condenada a ré a indemnizar os consumidores representados, clientes da ré, pelos danos que sofreram em resultado das práticas em causa, no que respeita aos danos morais causados pelas práticas ilícitas, em montante global: 1. a fixar por equidade, nos termos do artigo 496 (1) e (4), do CC, mas nunca inferior €1 por autor popular; 2. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelos danos morais; 3. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal; K. condenada a ré a indemnizar os consumidores representados, in casu, todos os consumidores em geral, medidos por agregados familiares privativos, pelos danos que sofreram em resultado das práticas em causa, no que respeita aos danos de distorção da equidade das condições de concorrência, e montante global: 1. nos termos do artigo 9 (2), da lei 23/2018, ou por outra medida, justa e equitativa, que o tribunal considere adequada, mas nunca menos que €0,11 por autor popular, in casu, agregados familiares privativos; 2. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelos danos de distorção da equidade das condições de concorrência; 3. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal; L. ser a ré condenada a pagar todos os encargos que a representante da classe tiver ou venha ainda a ter com o processo e com eventual incidente de liquidação de sentença, nomeadamente, mas não exclusivamente, com os honorários advocatícios, pareceres jurídicos de professores universitários, pareceres e assessoria necessária à interpretação da vária matéria técnica [tanto ao abrigo do artigo 480 (3), do CPC, como fora do mesmo preceito], que compreende uma área de conhecimento jurídico-económico complexa e que importa traduzir e transmitir com a precisão de quem domina a especialidade em causa e em termos que sejam acessíveis para os autores e seu mandatário, de modo a que possam assim (e só assim) exercer eficazmente os seus direitos, nomeadamente de contraditório, e assim como os custos com o financiamento do litígio (litigation funding) que venha a ser obtido pela representante da classe; M. porque o artigo 22 (2), da lei 83/95, estatui, de forma inequívoca e taxativa, que deve ser fixada uma indemnização global pela violação de interesses dos titulares ao individualmente identificados, mas por outro lado é omissa sobre quem deve administrar a quantia a ser paga, nomeadamente quem deve proceder à sua distribuição pelos autores representados na ação popular, vêm os autores interveniente requerer que declare que CITIZENS’ VOICE – CONSUMER ADVOCACY ASSOCIATION, agindo como representante da classe neste processo e em representação dos restantes autores populares, têm legitimidade para exigir o pagamento das supras aludidas indemnizações, incluindo requerer a liquidação judicial nos termos do artigo 609 (2), do CPC e, caso a sentença não seja voluntariamente cumprida, executar a mesma, sem prejuízo do requerido nos pontos seguintes. subsidiariamente, e nos termos do §4 (m): N. o comportamento da ré, tido com todos os autores populares e descritos no §3, subsidiariamente, para o caso de não se aplicar nenhum dos casos supra, deve ser considerado mediante o instituto do enriquecimento sem causa e os autores populares indemnizados pelo preço cobrado pelos produtos em causa, tal como sustentando em § 4 (i) supra. em qualquer caso, deve: O. o comportamento da ré, tido com todos os autores populares e descritos no §3, sempre deve ser considerado com abuso de direito e, em consequência, paralisado e os autores populares indemnizados por todos os danos que tal comportamento lhes causou; requer-se ainda que Vossa Excelência: P. decida relativamente à responsabilidade civil subjetiva conforme § 15, apesar de tal decorrer expressamente da lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido; Q. decida relativamente ao recebimento e distribuição da indemnização global nos termos do infra, apesar de tal decorrer expressamente da lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido; R. seja publicada a decisão transitadas em julgado, a expensas da ré e sob pena de desobediência, com menção do trânsito em julgado, em dois dos jornais presumivelmente lidos pelo universo dos interessados, apesar de tal decorrer expressamente do artigo 19 (2), da lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido, e com o aviso da cominação em multa de € 100.000 (cem mil euros) por dia de atraso no cumprimento da sentença a esse respeito; S. declare que a representante da classe tem legitimidade para representar os consumidores lesados na cobrança das quantias que a ré venha a ser condenada, nomeadamente, mas não exclusivamente, por intermédio da liquidação judicial das quantias e execução judicial de sentença; T. declare, sem prejuízo do pedido imediatamente anterior, que a ré deve proceder ao pagamento da indemnização global a favor dos consumidores lesados diretamente à entidade designada pelo tribunal para proceder à administração da mesma tal como requerido em infra, fixando uma sanção pecuniária compulsória adequada, mas nunca inferior a € 100.000 (cem mil euros) por cada dia de incumprimento após o trânsito em julgado de sentença que condene a ré nesse pagamento; U. declare uma remuneração, com uma taxa anual de 5 % sobre o montante total da indemnização global administrada, mas nunca inferior a € 100.000 (cem mil euros) nos termos do requerido infra, a favor da entidade que o tribunal designar para administrar as quantias que a ré for condenada a pagar; V. declare que a representante da classe tem direito a uma quantia a liquidar em execução de sentença, a título de procuradoria, relativamente a todos os custos que teve com a presente ação, incluindo honorários com todos os serviços prestados, tanto de advogados, como de técnicos especialistas, como com a obtenção e produção de documentação e custos de financiamento e respetivo imposto de valor acrescentado nos termos dos artigos 21 e 22 (5), da lei 83/95, sendo tais valores pagos exclusivamente daquilo que resultarem dos montantes prescritos nos termos do artigo 22 (4) e (5), da lei 83/95. W. declare a representante da classe isenta de custas; X. condene a ré em custas.” 2. A R. contestou, alegando, em síntese, apenas operar num estabelecimento, localizado em Braga, e que foi por mero lapso (circunstâncias que descreve) que foram colocadas à venda 10 unidades sem tradução no rótulo, das quais apenas seis foram vendidas nessas condições, sendo uma à A.. Negou que, do ocorrido, tivessem resultado danos para os consumidores, que tivesse ocorrido qualquer publicidade enganosa ou qualquer distorção da equidade das condições de concorrência, nem qualquer prática comercial desleal. Concluiu pela total improcedência da ação e consequente absolvição do pedido. 3. Em 22.11.2024 foi proferido despacho, do qual se transcreve o aqui relevante: “Aberta vista ao Ministério público veio arguir a incompetência em razão da matéria deste tribunal para conhecer da presente acção. Dado o contraditório à A. pugnou pela improcedência de tal excepção. Decidindo: Os tribunais judiciais gozam de competência genérica – o que significa que são competentes para o conhecimento de todas as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional (artº 211º, da Constituição da República Portuguesa e artº 40 da Lei 62/2013, de 26 de agosto). Neste sentido, dispõe ainda o art.º 64º do CPC que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, Assim, não cabendo uma causa na competência de outro tribunal, será a mesma da competência residual do tribunal comum. Para apreciar a competência deste Tribunal em razão da matéria, há que ter em primeira linha de conta, conforme uniformemente tem sido entendimento da Jurisprudência, ao pedido e á causa de pedir, ou seja, há que atender há natureza da relação jurídica material em apreço segundo a versão apresentada em juízo pelo autor atendendo-se ao direito de que o mesmo se arroga e que pretende ver judicialmente protegido. É pacífico o entendimento de que o pressuposto processual da competência se determina em função da ação proposta, tanto na vertente objetiva, atinente ao pedido e à causa de pedir, como na subjetiva, respeitante às partes (entre muitos outros, cfr. os Ac. do Tribunal de Conflitos de 28-09-10, 20-09-11, 17-6-2010 e 10-07-12, disponíveis em www.dgsi.pt), importando essencialmente para o caso ter em consideração a relação jurídica invocada. Efetivamente, a atribuição da competência em razão da matéria será daquele tribunal que estiver melhor vocacionado para apreciar a questão colocada pelo autor, projetando um critério de eficiência que só poderá ser aferido em função do pedido deduzido e da causa de pedir, donde, portanto a necessidade de verificar se existe norma que atribua a competência a um tribunal especial e, não havendo, caberá ela subsidiária e residual aos designados “tribunais comuns” (Ac. do STJ de 12-02-2009, disponível em www.dgsi.pt). Isto posto, e descendo à situação dos autos, concordamos na íntegra com a douta promoção elaborada pelo Ministério Público junto deste juízo central, tal como aí vem referido na presente acção está em causa o direito a indemnização, na qualidade de consumidores, por violação do direito da concorrência - artigo 19º da Lei do Private Enforcement (Lei nº 23/2018, de 5 de junho, que prevê o Direito a indemnização por infração ao direito da concorrência, transpõe a Diretiva 2014/104/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de novembro de 2014, relativa a certas regras que regem as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infração às disposições do direito da concorrência dos Estados-Membros e da União Europeia) meio processual instituído para garantir o ressarcimento dos consumidores lesados por violação do direito da concorrência, já que, no contexto da tutela de interesses difusos, permite no plano indemnizatório ressarcir interesses coletivos e individuais homogéneos defendidos por associações de consumidores. A jurisdição para as ações de private enforcement da concorrência cabe ao Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão. O Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão é um tribunal de competência alargada (abrange todo o território nacional em matéria civil e contraordenacional), a qual está descrita no artigo 112º da LOTJ. Nestes termos, a causa de pedir subsumir-se-á integralmente na previsão legal dos nºs 3 e 4 do artigo 112º da LOSJ, uma vez que a mesma assenta dominantemente em infrações ao direito da concorrência. Veja-se doutíssimo Ac. do S. T. J. de 12/10/2023, processo n.º 898/22.1T8VRL.S1, www.dgsi.pt: “I - O juízo central cível é incompetente em razão da matéria para julgar uma ação popular em que se imputa à ré a prática de ilícitos penais e contraordenacionais (…)”. A competência para a tramitação das ações de private enforcement da concorrência cabe ao Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão numa atribuição da competência em razão da matéria com base na melhor vocação para apreciar a questão dominante e de fundo tal como configurada pelos autores (i.e. tutela indemnizatória dos direitos dos consumidores lesados por práticas anticoncorrenciais). Acrescente-se, ainda, que relativamente aos factos em causa nos autos - comercialização pela ré de gnocchi da marca Paolo Regati, 1 Kg, com a rotulagem totalmente em língua francesa e sem a respetiva e obrigatória tradução para a língua portuguesa – foi já extraída certidão, conforme promoção de 14.11.2023 onde foi requerida a extração de certidão da douta petição inicial e remessa para: a) a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica para fiscalizar, instruir e aplicar a respetiva decisão no que concerne à eventual infração económicas e contra a saúde pública, nos termos do artigo 3.º do Decreto- Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro; na sua décima segunda versão, a mais recente, dada pelo Decreto Lei n.º 9/2021, de 29/01); b) a Autoridade da Concorrência para fiscalizar, instruir e aplicar a respetiva decisão no que concerne à eventual infração autónoma de concorrência, nos termos do artigo 73.º da Lei da Concorrência (Lei n.º 19/2012, de 08 de Maio, na sua quarta versão, a mais recente, dada pela Lei n.º 17/2022, de 17/08). Situação que mais uma vez reforça, que está fora da nossa jurisdição a apreciação das questões que se colocam nos presentes autos, desde logo, porque não temos competência em razão da matéria para apreciar, para declarar , como pretendido, a prática pela R. dos ilícitos que a A. pretende que o tribunal declare, sendo evidente, que estando toda a acção estruturada nesse pressuposto, no reconhecimento, na declaração da prática desses ilícitos pela R, é manifesta a nossa incompetência em razão da matéria para dela conhecer. Pelo exposto e atentas as considerações e normas legais supra citadas, julgo verificada a excepção dilatória de incompetência material, declarando este Juízo Central Cível de Braga, incompetente em razão da matéria para a apreciação da presente ação e, consequentemente, absolvo a R. da instância, artigos 96º al a), 97º nº 1 e 2, 99ºnº 1 e 2, 576º nº 1 e 2 e 577º al a) e 578º, todos do CPC. *** Valor da acção – 60.000,00€ Sem custas, atenta a isenção de que beneficia A. Registe e notifique”. 4. A A. apelou desta decisão e, por acórdão proferido em 27.02.2025 pelo Tribunal da Relação de Guimarães, a dita decisão foi revogada e substituída por outra que julgou o Juízo Central Cível de Braga – Juiz 3 – do Tribunal Judicial da Comarca de Braga competente, em razão da matéria, para a tramitação e julgamento dos autos. 5. A R. interpôs recurso de revista desse acórdão, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões: “1. Porque a competência do tribunal em razão da matéria afere-se em função dos termos em que a acção é proposta, em especial, tendo em atenção a causa de pedir e os pedidos formulados, 2. In casu, porque a causa de pedir e os pedidos formulados assentam na circunstância alegada, ainda que colocada em crise, de que o mercado relevante é o mercado nacional; 3. A definição do mercado relevante é um pressuposto que se insere intrinsecamente no Direito da Concorrência. 4. Deste modo, a definição do mercado relevante em que se insere a Apelante, isto é, se, de facto, se insere, conforme invocado pelos Apelados, no mercado nacional de distribuição retalhista de base alimentar será uma das principais questões a decidir pelo Tribunal que vier a ser competente em razão da matéria. 5. A definição do mercado relevante, para efeitos da determinação da violação de normativos concorrenciais, não compete aos Tribunais Comuns, mas sim ao Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão. 6. À mesma conclusão se chega se se considerar a causa de pedir dominante, porquanto aquela que fundamenta a forma como os pedidos são formulados é precisamente a definição do mercado relevante como sendo o mercado nacional. 7. Finalmente, considerando o critério da prevalência da competência da jurisdição especializada, o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão é o que se encontra melhor preparado tecnicamente e mais vocacionado para julgar os pedidos formulados 8. Donde, ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 64.º, alínea a) do 96.º, número 1 do 576.º e alínea a) do 577.º, todos do CPC e os artigos 112.º e 117.º da LOSJ. 9. a decisão proferida pelo Tribunal a quo deve ser revogada e substituída por outra que declare verificada a excepção dilatória de incompetência material e, em consequência, absolva a Apelante da instância. Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, julgando procedente o presente recurso e julgando de conformidade com as precedentes CONCLUSÕES, julgando a excepção da incompetência material procedente e absolvendo a Apelante da instância, será feita uma verdadeira e sã JUSTIÇA!” 6. Não houve contra-alegações, tendo a A. apresentado um requerimento (de uma página) no qual afirmou não pretender contra-alegar, manifestando estar de acordo com a decisão recorrida. 7. Recebidos os autos neste Supremo Tribunal de Justiça, foi o processo aos vistos legais. II. FUNDAMENTAÇÃO 1. A questão objeto deste recurso é se o presente litígio cabe na competência dos Juízos Cíveis ou se, pelo contrário, é da competência do Tribunal da Concorrência, regulação e supervisão. 2. O factualismo a levar em consideração é o constante no Relatório (I). 3. O Direito O exercício da função jurisdicional é repartido por diversos órgãos jurisdicionais, atendendo a diversos critérios entre os quais avulta o da matéria a que respeitam as respetivas causas. Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais (art.º 211.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e art.º 40.º n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário – LOSJ – aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26.8, com as alterações publicitadas; art.º 64.º do CPC de 2013). A instituição de diversos tribunais e a demarcação da respetiva competência de acordo com a natureza da relação substantiva pleiteada visa a fruição das vantagens inerentes à especialização, que são a maior celeridade e a maior adequação das decisões aí proferidas, por força da particular experiência e preparação dos respetivos magistrados e, quiçá, dos seus funcionários. Assim, a Constituição da República Portuguesa prevê que “na primeira instância pode haver (…) tribunais especializados para o julgamento de matérias determinadas” (art.º 211.º n.º 2) e que “os tribunais da Relação e o Supremo Tribunal de Justiça podem funcionar em secções especializadas” (n.º 4 do art.º 211.º). Tal possibilidade é reafirmada, como princípio geral, na LOSJ, no art.º 37.º n.º 1 (cfr. igualmente o art.º 65.º do CPC de 2013) e explicitada nos artigos 111.º e seguintes, através da enunciação dos tribunais judiciais de competência especializada (incluindo tribunais de competência territorial alargada) que poderão existir e da definição da respetiva área de competência. Os juízos locais cíveis, locais criminais e de competência genérica possuem competência na respetiva área territorial, tal como definida em decreto-lei, quando as causas não sejam atribuídas a outros juízos ou tribunal de competência territorial alargada (art.º 130.º n.º 1 da LOSJ). A par dos tribunais de comarca existem tribunais de competência territorial alargada (art.º 83.º n.º 1 da LOSJ). São tribunais judiciais de primeira instância cuja área territorial de jurisdição excede a da comarca e conhecem de matérias determinadas, independentemente da forma de processo aplicável (art.º 83.º n.º 2 da LOSJ). Os tribunais de competência territorial alargada atualmente existentes estão enunciados no art.º 65.º do Regulamento da LOSJ (Dec.-Lei n.º 49/2014, de 27.3, com as alterações publicitadas) e figuram também, com indicação da respetiva área territorial de competência, no anexo III da LOSJ. Entre eles conta-se o Tribunal da Concorrência, regulação e supervisão, sediado em Santarém, que tem competência em todo o território nacional (anexo III da LOSJ). A competência material do Tribunal da Concorrência, regulação e supervisão está determinada no art.º 112.º da LOSJ (redação dada pela Lei n.º 23/2018, de 05.6) nos seguintes termos: “1 - Compete ao tribunal da concorrência, regulação e supervisão conhecer das questões relativas a recurso, revisão e execução das decisões, despachos e demais medidas em processo de contraordenação legalmente suscetíveis de impugnação: a) Da Autoridade da Concorrência (AdC); b) Da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT); c) Da Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC); d) Da Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM); e) Da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF); f) Do Banco de Portugal (BP); g) Da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM); h) Da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC); i) Da Entidade Reguladora da Saúde (ERS); j) Da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR); k) Da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE). Datajuris, Direito e Informática, Lda. © 61 2 - Compete ainda ao tribunal da concorrência, regulação e supervisão conhecer das questões relativas a recurso, revisão e execução: a) Das decisões da AdC proferidas em procedimentos administrativos a que se refere o regime jurídico da concorrência, bem como da decisão ministerial prevista no artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 10/2003, de 18 de janeiro; b) Das demais decisões da AdC que admitam recurso, nos termos previstos no regime jurídico da concorrência. 3 - Compete ao tribunal julgar ações de indemnização cuja causa de pedir se fundamente exclusivamente em infrações ao direito da concorrência, ações destinadas ao exercício do direito de regresso entre coinfratores, bem como pedidos de acesso a meios de prova relativos a tais ações, nos termos previstos na Lei n.º 23/2018, de 5 de junho. 4 - Compete ainda ao tribunal julgar todas as demais ações civis cuja causa de pedir se fundamente exclusivamente em infrações ao direito da concorrência previstas nos artigos 9.º, 11.º e 12.º da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, em normas correspondentes de outros Estados-Membros e/ou nos artigos 101.º e 102.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia bem como pedidos de acesso a meios de prova relativos a tais ações, nos termos previstos na Lei n.º 23/2018, de 5 de junho. 5 - As competências referidas nos números anteriores abrangem os respetivos incidentes e apensos, bem como a execução das decisões.” Como se anotou no acórdão da Relação do Porto, de 29.5.2024, processo n.º 87/24.0T8BRG.G1 (consultável, tal como os adiante citados, em www.dgsi.pt) , a expressão “exclusivamente” utilizada na definição da competência do Tribunal da Concorrência, regulação e supervisão em matéria de “private enforcement” da concorrência não foi desprovida de intenção, pretendendo-se que a este apenas sejam atribuídas as ações estruturadas e fundadas no Direito em que aquele tribunal deve ser especializado, baseadas apenas na violação das obrigações concorrenciais e centrado nas consequências dessa violação. A competência material do tribunal deverá ser apreciada consoante os termos em que a ação é proposta, atendendo-se ao pedido e especialmente à causa de pedir formulados pelo autor (v.g., acórdão do STJ de 21.9.2010, processo n.º 1096/08.2TVPRT.P1.S1). Ora, atendendo a tudo o exposto supra, não há como não concordar com o acórdão recorrido. O litígio trazido pela A. a juízo assenta na alegada violação dos direitos dos consumidores, que se terão confrontado com a colocação à venda de um produto alimentar cuja rotulagem não se encontrava escrita, ou não continha tradução, para a língua portuguesa. Tal impossibilitava, ou dificultava, a compreensão da composição nutricional do produto. Mostra-se, pois, violado o direito à informação dos consumidores portugueses. Direito esse que se encontra diretamente protegido pela legislação supramencionada, citada pela A., especialmente vocacionada para a proteção dos interesses do consumidor: Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de julho), Dec.-Lei n.º 238/86, de 19 de agosto, que determina que as informações sobre a natureza, características e garantias de bens ou serviços oferecidos ao público no mercado nacional devam ser prestadas em língua portuguesa, Regulamento (CE) 1924/2006 (do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de dezembro de 2006 , relativo às alegações nutricionais e de saúde sobre os alimentos. É certo que a A. também focou, na sua petição inicial, que a alegada conduta da R. distorceu as condições de concorrência, enquadrando-se no disposto no art.º 5.º do Dec.-Lei n.º 57/2008, de 26.3, diploma que estabelece o regime aplicável às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores, ocorridas antes, durante ou após uma transação comercial relativa a um bem ou serviço. Porém, como se viu, trata-se de uma vertente factual e normativa que não assume a exclusividade no objeto do processo, apresentando-se, tão só, como um elemento coadjuvante de outros, em que a A. radica a demanda. Aliás, os únicos pedidos indemnizatórios que a A. fundou na violação das regras da concorrência foram deduzidos a título meramente subsidiário (alíneas I e K) do petitório). Tanto basta para que, em linha com o que foi ajuizado no acórdão recorrido e que se inscreve em reiterada jurisprudência (cfr. acórdãos da Relação do Porto, de 27.11.2023, processo 12110/23.1T8LSB.P1, e de 25.01.2024, processo n.º 6271/23.7T8; acórdão da Relação de Guimarães, de 29.5.2024, processo n.º 87/24.0T8BRG.G1; acórdão do STJ, de 18.4.2024, processo n.º 6271/23.7T8VNG.P1-A.S1), se dê por boa a decisão contida no acórdão recorrido. Na revista a R./recorrente alega que o litígio se centra na dimensão do mercado afetado pela conduta da R. – o mercado relevante - o que constitui um elemento essencial que se insere intrinsecamente no Direito da Concorrência. A recorrente diz que “a definição do mercado relevante, para efeitos da determinação da violação de normativos concorrenciais, não compete aos Tribunais Comuns, mas sim ao Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão”. Tribunal esse que, segundo a recorrente, estaria melhor preparado tecnicamente para enfrentar esta temática, tendo, também, mais experiência. É certo que a A. localiza a conduta da R. no âmbito do mercado nacional de distribuição retalhista de base alimentar. Mas, como decorre do teor da petição inicial, essa afirmação visa, no essencial, traçar a dimensão da responsabilidade e dos danos causados pela conduta da R., definindo-se um âmbito alargado de lesados legitimados para intervirem na ação e para reclamarem indemnização, ou para serem considerados na quantificação da indemnização devida. Não é da determinação de um pressuposto essencial na aplicação do Direito da Concorrência que se trata. A instauração de ações populares, em sede de jurisdição judicial (por contraposição à jurisdição administrativa) está vocacionada, como aliás o tem demonstrado a prática, para os tribunais judiciais de competência cível, os juízos cíveis. Estes estão mais familiarizados com as questões respeitantes à formalização da ação, requisitos da petição inicial, citações, legitimidade, determinação das responsabilidades e quantificação de indemnizações. Assim, a argumentação apresentada para evidenciar as vantagens inerentes à especialização e experiência no tratamento do objeto do litígio sub judice, atribuindo-as ao Tribunal da Concorrência, regulação e supervisão, queda improcedente. Constata-se, também, que na sentença recorrida se mencionou o acórdão deste STJ, de 12.10.2013, processo n.º 898/22.1T8BRG.G1, para alicerçar a negação da competência dos juízos cíveis para julgar o presente litígio. Nesse acórdão ponderou-se que “fundando-se os pedidos de indemnização na alegada prática de crimes, é no processo criminal que os lesados civis devem deduzir a sua pretensão indemnizatória, solução justificada não só por razões de economia de meios como também de modo a evitar contradição de julgado”. Ora, nessa última ação a A. da ação popular havia imputado à R. a prática de ilícitos penais e contraordenacionais, cuja declaração até peticionara, reclamando a indemnização pelos danos resultantes de tais ilícitos. Na sequência de tal petição foram extraídas certidões tendo em vista a instauração de procedimentos criminais (e contraordenacionais) – justificando-se, assim, a invocação do princípio da adesão, inscrito no Código de Processo Penal quanto às pretensões indemnizatórias cíveis decorrentes de ilícitos penais. Como decorre do acima exposto, não é essa a situação sub judice. O facto de, segundo se dá notícia na sentença recorrida, o Ministério Público ter requerido a extração de certidão da petição inicial e ter sido ordenada a remessa de certidão para a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica para fiscalizar, instruir e aplicar a respetiva decisão no que concerne à eventual infração económica e contra a saúde pública, nos termos do artigo 3.º do Decreto- Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro, na versão dada pelo Decreto Lei n.º 9/2021, de 29/01, e a remessa de certidão para a Autoridade da Concorrência para fiscalizar, instruir e aplicar a respetiva decisão no que concerne à eventual infração autónoma de concorrência, nos termos do artigo 73.º da Lei da Concorrência (Lei n.º 19/2012, de 08 de maio, na versão dada pela Lei n.º 17/2022, de 17/08), não interfere com a competência dos juízos cíveis, cingida à avaliação da responsabilidade civil e indemnizatória emergente da conduta da R., à luz dos interesses difusos alegadamente violados. Por tudo o exposto e sem necessidade de mais considerações, confirma-se o acórdão recorrido. III. DECISÃO Pelo exposto, julga-se a revista improcedente e, consequentemente, mantém-se o acórdão recorrido. As custas da revista, na componente de custas de parte, são a cargo da R., que nelas decaiu (artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 533.º, do CPC). Lisboa, 14.10.2025 Jorge Leal (Relator) Henrique Antunes Clara Sottomayor |