Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
| Relator: | MÁRIO BELO MORGADO | ||
| Descritores: | AMPLIAÇÃO MATÉRIA DE FACTO ANULAÇÃO EXAME MÉDICO ACIDENTE DE TRABALHO REVISÃO DA INCAPACIDADE | ||
| Data do Acordão: | 10/03/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | ANULADO O ACÓRDÃO RECORRIDO ACORDANDO-SE AMPLIAR A MATÉRIA DE FACTO | ||
| Sumário : | I. À ré seguradora cabe alegar e provar uma melhoria da lesão ou da doença, de modo a poder obter a redução ou extinção da prestação anteriormente fixada. II. Isso em nada contende com o dever que o tribunal tem de procurar a verdade e, nessa medida, de tentar alcançar uma decisão justa, sendo que “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer” (art. 411º, do CPC). III. Não existe qualquer incompatibilidade entre a atribuição do ónus da prova de determinado facto a uma das partes e a possibilidade [dever] de investigação pelo tribunal desse mesmo facto. IV. Estando em causa elementos decisivos para a boa decisão do litígio, na fixação dos factos provados impõe-se às instâncias o cabal uso dos amplos poderes-deveres colocados à disposição do tribunal no plano do julgamento da matéria de facto, seja, nos termos gerais, tomando em consideração os pertinentes factos instrumentais, complementares e concretizadores [cfr. arts. 5º, nº 2, a) e b), e 602º, nº 1, in fine, do CPC], seja, inclusive, socorrendo-se de factos essenciais, à luz do regime especial consagrado no art. 72º, do CPT V. Constatando-se que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, impõe-se, para o efeito, a remessa dos autos à Relação. | ||
| Decisão Texto Integral: | Revista n.º 1199/18.5T8BJA-A.E1.S1 Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I. 1. AA, patrocinado pelo Ministério Público, intentou ação especial emergente de acidente de trabalho contra a empregadora TRANSPORTES NOVA CRUZ, LDA. e SEGURADORAS UNIDAS, S.A., tendo a final sido declarado (com trânsito em julgado) que, em resultado do acidente dos autos (ocorrido em 12.11.2017), o sinistrado padece de sequelas de rigidez dos movimentos do tornozelo direito, sequelas que o afetam de uma IPP de 5,94%, com IPATH, desde a data da alta clínica, em 25.06.2018 [refira-se ainda que: na junta médica realizada na fase inicial do processo (em 04.02.2020), os peritos médicos declararam que “as sequelas são apenas limitativas da profissão que desempenhava anteriormente”, sem incapacidade para o trabalho habitual; no entanto, face às conclusões constantes do parecer técnico solicitado ao IEFP, a sentença proferida na fase inicial e o Acórdão do TRE de 30.06.2021 concluíram que o sinistrado se encontrava incapacitado para o seu trabalho habitual de motorista de pesados]. 2. Posteriormente (em 29.04.2024), a seguradora GENERALI SEGUROS, S.A., para a qual parte da retribuição foi entretanto transferida, veio suscitar incidente de revisão de incapacidade permanente, alegando, em síntese, que o sinistrado foi submetido a consulta de avaliação do dano corporal na qual se apurou que o mesmo apresenta menor rigidez nos movimentos do tornozelo, com uma IPP atual de 5,91%, encontrando-se agora apto e capaz de exercer a sua atividade profissional de motorista de pesados, com as limitações resultantes da IPP que o afeta, mas já não se encontrando em situação de IPATH. 3. No exame médico singular, o perito médico declarou que o sinistrado mantinha a mesma situação clínica e a mesma incapacidade. 4. A Seguradora requereu a realização de junta médica, constando do respetivo auto de exame: “A junta médica após consulta dos Autos e observação do examinando, responde aos quesitos por unanimidade: Masculino, 61 anos motorista de pesados, após a alta conduziu carrinhas ligeiras e atualmente no desemprego desde Março de 2022. Dia 13.11.2017 tratado cirurgicamente e teve alta em 25.06.2018 com IPP de 5,94%, tem queixas de dores no tornozelo associadas à cicatriz bimaleolar do tornozelo direito, nesta data já não tem rigidez das mobilidades, pelo que não se pode dar a desvalorização por rigidez do tornozelo, sem dor á palpação. (…) Queixa-se de dificuldade em pressionar com o pé direito o acelerador e a embraiagem.” 5. E, quanto aos quesitos formulados e a respetiva resposta pelos peritos médicos, consta dos autos: 1.º Quais as sequelas que o sinistrado atualmente apresenta, em consequência do acidente ocorrido em 12.11.2017? “1 – Tem duas cicatrizes no tornozelo direito, nesta data já não tem a rigidez das mobilidades do tornozelo, observadas nas anteriores avaliações por exames singulares e por junta médica.” 2.º Registou-se, desde a data da avaliação médico-legal realizada nos autos principais, uma melhoria das sequelas resultantes do acidente? “2 - Sim.” 3.º Qual o grau de incapacidade (IPP) de que sofre o sinistrado atualmente? “3 – IPP de 1,5%.” 4.º A alteração da IPP é resultado de melhoria das sequelas? “4 – Sim. Melhorou a mobilidade do tornozelo e objetiva-se cicatrizes dolorosas.” 5.º Atualmente o sinistrado encontra-se capaz para o desempenho da atividade profissional que exercia na data do acidente, ainda que afetado pelas sequelas de que é portador, ou mantém-se em situação de IPATH? 6.º Caso o sinistrado esteja capaz para o desempenho da atividade profissional que exercia na data do acidente, ainda que afetado pelas sequelas de que é portador, a alteração dessa situação é resultado de melhoria das sequelas? “5 e 6 – Tendo em conta as sequelas atualmente observadas e em consonância com a resposta dada na junta médica de Fls. 124 e 125. As sequelas são apenas limitativas da profissão que desempenhava anteriormente na medida da sua IPP.” 6. A 1ª Instância, julgando procedente o incidente de revisão de incapacidade, decidiu fixar em 1,5% a IPP do sinistrado (considerado o fator de bonificação de 1,5), a partir da data da entrada do incidente, condenando, em consequência: i) a seguradora, no pagamento ao sinistrado do capital de remição, com base numa pensão anual e vitalícia obrigatoriamente remível de 112,87 €, acrescida de juros de mora; ii) o FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO, em substituição da entidade empregadora, a pagar ao sinistrado o capital de remição com base numa pensão anual e vitalícia obrigatoriamente remível de 36,18 €, também acrescida de juros. 7. Interposto recurso pelo Ministério Público, o Tribunal da Relação de Évora (TRE) concedeu provimento à apelação e, revogando a sentença recorrida, e julgou o pedido de revisão improcedente. 8. Inconformada, a ré Generali Seguros, SA, interpôs recurso de revista, alegando, em síntese, que: – Ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, no Auto de Junta Médica de 12.02.2025 os peritos pronunciaram-se no sentido de que o sinistrado já não está afetado pelas limitações que o impediam de exercer a sua atividade profissional habitual. – E mais se pronunciaram no sentido de que já não existe um impedimento à realização dos atos mencionados nos pontos 19, 20 e 21 do Douto Acórdão desta Relação de 30.06.2021, antes uma mera limitação no desempenho desses atos, proporcional à IPP de 1,5%. – Quando referem que o sinistrado pode desempenhar a profissão de motorista de veículos pesados e distribuidor, os peritos que intervieram na Junta Médica quiseram expressar a ideia de que, fruto de melhoria da sua situação clínica, o sinistrado pode realizar os atos mencionados nos pontos 19, 20 e 21 do Acórdão do TRE de 30.06.2021. – Ainda que nessa Junta Médica não se tenha mencionado, uma a uma, as tarefas mencionadas nos pontos 19, 20 e 21 desse Acórdão, o facto de o parecer da Junta Médica apontar no sentido de que o sinistrado pode desempenhar a sua profissão habitual aponta no sentido de que consegue realizar os aludidos atos. – Na certeza de que os peritos que intervieram na Junta Médica concluíram, por unanimidade, que o sinistrado pode exercer a sua profissão habitual, o único aspeto que (sem conceder) pode estar menos claro é o de saber se o sinistrado pode realizar os atos mencionados nos sobreditos pontos 19, 20 e 21, caso em que se justificará ampliar a matéria de facto. – O que não pode ser aceite é que, existindo indicação clara e unânime dos peritos no sentido de que não existe IPATH e, consequentemente, podendo-se deduzir (ou mesmo concluir) que isso significa que o sinistrado pode exercer os atos mencionados nesses pontos 19, 20 e 21, não ser devidamente apurada essa factualidade. 9. O Ministério Público contra-alegou, pugnado pelo improvimento da revista. 10. Em face das conclusões da alegação de recurso, e inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine, do CPC), a questão de fundo a decidir1 consiste em determinar se (im)procede o incidente de revisão de incapacidade. Todavia, pelas razões mencionadas em infra nº 11, suscita-se, previamente, a necessidade de proceder à ampliação da matéria de facto, tendo em vista possibilitar a boa decisão da causa, com prejuízo da análise neste momento da matéria que essencialmente constitui o objeto da revista. E decidindo. II. 11. No processo principal, e na parte que ora releva, as instâncias deram como assentes (sentença de 02.02.2021 e acórdão do TRE de 30.06.2021), com base na prova então produzida, os seguintes factos: 19. As funções que o autor exercia à data do acidente, enquanto motorista de veículos pesados de mercadorias, exigem subida e descida frequente da cabine (que dista cerca de 1 metro do chão); força ao nível do tronco, membros inferiores e superiores para subir e descer da caixa do veículo pesado e transportar a carga; força dinâmica ao nível dos membros inferiores para acionar os pedais do veículo pesado e agilidade motora para manobrar porta-paletes. 20. O Autor não consegue, com caráter diário, subir e descer do camião pesado, carregar no acelerador do camião pesado e movimentar cargas superiores a 30 kg. 21. Atualmente e após o acidente, o Autor conduz apenas veículos ligeiros de mercadorias e movimenta cargas leves. 12. Agora, contrastantemente, no âmbito do presente incidente de revisão de incapacidade permanente, a Junta Médica concluiu que “as sequelas [nesse momento apresentadas pelo sinistrado] são apenas limitativas da profissão que desempenhava anteriormente na medida da sua IPP”, juízo que foi sufragado por decisão da 1ª Instância, sem que se tenha sentido necessidade de quaisquer diligências complementares (ao contrário do que ocorreu na fase inicial do processo, na qual, após a pronúncia junta médica realizada, foi solicitado um parecer técnico ao IEFP, que teve influência determinante no julgamento da causa – cfr. supra nº 1). 13. Em sentido contrário ao da 1ª Instância ajuizou o TRE, que desenvolveu o seguinte raciocínio: «No (…) incidente de revisão revelou-se a mesma tensão que já havia ocorrido aquando da fixação inicial da incapacidade – os peritos médicos continuam a entender que o sinistrado não está incapacitado para o seu trabalho habitual de motorista de pesados, como já haviam declarado anteriormente, mas nada de novo apresentam para contrariar a matéria de facto apurada nos pontos 19, 20 e 21 do Acórdão desta Relação de 30.06.2021, relativa à descrição das funções do sinistrado como motorista de pesados e distribuidor (…). (…) Ponderando que o sinistrado não conduziu mais pesados – até março de 2022 não o fez, depois dessa data ficou desempregado – as dores no tornozelo e a dificuldade constatada em pressionar com o pé direito o acelerador e a embraiagem revelam-se na condução de veículos ligeiros. Tudo isto significa que o sinistrado revela limitações, desde logo, na condução de veículos ligeiros, e nada demonstra que tenha menores limitações da condução de veículos pesados e na distribuição de cargas superiores a 30 kg, tendo readquirido a capacidade de realizar essas funções. A experiência comum não comprova que seja menos exigente fisicamente a condução de pesados que a de ligeiros, e certo é que o Acórdão desta Relação de 30.06.2021 considerou provado que o sinistrado estava impossibilitado de “com carácter diário, subir e descer do camião pesado, carregar no acelerador do camião pesado e movimentar cargas superiores a 30 kg”. Tudo para concluir que os factos apurados pelos peritos médicos não demonstram que o sinistrado tenha readquirido a capacidade física necessária ao desempenho da profissão que desempenhava à data do acidente, de motorista de pesados e distribuidor, e ponderando o dever de livre apreciação da prova pericial – já declarado no Acórdão desta Relação de 30.06.2021 – somos a constatar que não está demonstrada a melhoria do sinistrado apta à retoma da sua profissão habitual à data do acidente, pelo que devemos acompanhar o parecer do perito médico singular, ao declarar que o sinistrado mantinha a mesma situação clínica e a mesma incapacidade (tanto mais que o tribunal não está obrigado a optar necessariamente pelo parecer formulado em junta médica, em detrimento do parecer médico singular, e muito menos quando verifica que aquele se fundou em factos não demonstrados nos autos).» 14. Afigura-se-nos que os factos provados e a dinâmica processual evidenciada nos autos não permitem concluir, ao menos para já, no sentido da improcedência do incidente de revisão de incapacidade, pelas razões que se passa a expor. 15. Nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa, “a prova pericial consiste na perceção e apreciação de factos através do parecer de uma pessoa especialmente qualificada num certo domínio técnico ou científico, que é o perito ou arbitrador (art. 388º CC)”, sendo, entre outras situações, “utilizada quando seja necessário recorrer a regras da experiência que não são conhecidas do tribunal”.2 E, como se sabe, a prova pericial tem uma força probatória livremente fixada pelo tribunal (art. 389, do C. Civil). 16. Como desenvolvidamente se explana v.g. no Ac. do Tribunal da Relação de 26.05.2021, Proc. nº 76/20.4T9PDL.L1-4: – Todas as perícias, em que se traduzem, designadamente, os exames médicos, efetuadas no quadro nas ações emergentes de acidente de trabalho, estão sujeitas à livre apreciação do julgador, independente da sua ordem lógica e cronológica e do seu carácter singular ou plural, não impondo ao tribunal, nessa medida e apesar de o exame ser plural e/ou final, a desvalorização por si atribuída, dado a mesma não se sobrepor às demais fixadas nos autos. – O juiz de trabalho não está vinculado, em termos de estrutura e sequência processuais obrigatórias, a finalizar (ainda que essa seja a normalidade dos casos que lhe passam pelas mãos) a fase instrutória da ação ou incidente relativo a acidente de trabalho com o exame por junta médica, quando a ele haja lugar, pois como ressalta do número 7 do artigo 139.º do Código do Processo do Trabalho, o julgador pode ordenar, após a concretização do exame por junta médica e antes de proferir o despacho, a realização de exames e pareceres complementares ou requisitar pareceres técnicos. – O magistrado judicial tem, nomeadamente, nos termos do artigo 21.º, número 4, da Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, a faculdade de solicitar parecer prévio de peritos especializados – prévio à decisão, obviamente – quando estiver em causa, designadamente, uma situação de eventual IPATH. – O julgador conhece aqui um certo grau de discricionariedade, justificado e orientado pelo exclusivo propósito de formar, correta e fundadamente, a sua convicção a partir dos diversos elementos, de natureza médica ou não, que, estando juntos aos autos, se mostrem relevantes para o julgamento das aludidas questões. 17. IPATH é um conceito de direito, pelo que, à partida, deveria exigir-se, em qualquer processo, a prova cabal da correspondente factualidade. Todavia, nomeadamente nos processos emergentes de acidente de trabalho, é habitual na prática judiciária dar como assente o que as perícias médicas neste âmbito tenham concluído, isto naquelas situações em que, mesmo não se encontrado a situação inteiramente concretizada em termos factuais, ao julgador não se suscitem dúvidas que justifiquem a realização de exames e pareceres complementares ou a requisição de pareceres técnicos. Compreende-se que assim seja, ponderando o julgador neste âmbito, entre outros fatores, a expressão/concludência do conjunto dos factos provados, a dinâmica processual e as posições assumidas pelas partes no processo (relevando, em especial, a intensidade e dimensão das áreas de consenso e de tensão reveladas pelas suas posições). 18. Às perícias médicas cabe formular juízos científicos no domínio da descrição e avaliação dos danos provocados no corpo ou na saúde humana. O tribunal pode discordar desses juízos e tem plena liberdade no julgamento dos factos. Mas, em casos com as características e áreas de tensão evidenciadas nos autos, a formulação de juízos alternativos ao exame pericial por parte do tribunal (maxime, no tocante ao preenchimento, ou não, de determinado conceito de direito) não dispensa adequado e suficiente suporte factual (com recurso, se necessário, a factos situados para além da vocação estritamente técnico-científica das perícias médicas) . In casu, não estará cabalmente demonstrada a melhoria do sinistrado em termos que permitam a retoma da sua profissão habitual. Mas daí não decorre que esteja comprovado o contrário (como efetivamente não está), ou seja, designadamente, que o sinistrado continue impossibilitado de, “com carácter diário, subir e descer do camião pesado, carregar no acelerador do camião pesado e movimentar cargas superiores a 30 kg”. Importa por isso apurar, para além do mais que seja relevante: i) com referência às lesões ainda persistentes, quais são as exatas dimensões da profissão habitual que o sinistrado continua a não conseguir realizar; ii) em termos de regularidade temporal, quais as implicações dessas sequelas; iii) quais as concretas razões de tais consequências. Conexamente, interessaria densificar iv) quais as lesões integrantes da IPP considerada (de 1,5%, segundo a junta médica). 19. É certo que à ré seguradora cabe alegar e provar uma melhoria da lesão ou da doença, de modo a poder obter a redução ou extinção da prestação anteriormente fixada. Mas isso em nada contende com o dever que o tribunal tem de procurar a verdade e, nessa medida, de tentar alcançar uma decisão justa, sendo que “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer” (art. 411º, do CPC). Como explicitamente afirma o Autor supra aludido: “[N]ão existe – deve notar-se – qualquer incompatibilidade entre a atribuição à parte do ónus da prova de determinado facto e a possibilidade [dever] de investigação pelo tribunal desse mesmo facto, nem existe, por conseguinte, qualquer contradição entre os poderes inquisitórios do tribunal e a decisão da ação contra a parte onerada com a prova, se o facto não puder ser demonstrado como verdadeiro, nem pela parte, nem pelo tribunal. (…) essa inquisitoriedade coexiste com o ónus de alegação e de prova das partes, ou seja, completa a disponibilidade das partes, mas não a substitui, nem a contraria. (…) O que sucede é que essa inquisitoriedade pode suprir a falta ou insuficiência da prova que devia ser realizada pela parte onerada (…).” 3. 20. O poder-dever de no decurso do processo (observados os limites marcados pelo objeto do litígio) proceder ao “suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada” (cfr. art. 590º, nº 4, do CPC) consubstancia, na nossa ordem jurídica, um princípio geral de direito processual, com afloramentos, designadamente, nos arts. 5º, nº 2, a) e b), 411º, 590º, nº 2, b), e 4 a 7, e 602º, nº 1, in fine, do CPC4. Vale dizer que – como v.g. se ajuizou nos Acs. desta Secção Social de 29.01.2025 (Proc. n.º 1442/23.9T8STR.E1.S1), de 11.12.2024. (Proc. n.º 1794/23.0T8MTS-A.P1.S1) e de 11.09.2024 (Proc. n.º 2695/23.8T8LSB.L1.S1) –, estando em causa elementos decisivos para a boa decisão do litígio, na fixação dos factos impõe-se às instâncias o cabal uso dos amplos poderes-deveres colocados à disposição do tribunal no plano do julgamento da matéria de facto, seja, nos termos gerais, tomando em consideração os pertinentes factos instrumentais, complementares e concretizadores, seja, inclusive, socorrendo-se de factos essenciais, à luz do regime especial consagrado no art. 72º, do CPT. Uma vez que o Supremo não tem competências no domínio da fixação dos factos, salvo o caso excecional previsto no nº 3 do art. 674º, do CPC (cfr. art. 682º, nºs 1 e 2), ou no tocante a factos provados por confissão, acordo das partes ou documento autêntico – circunstâncias que não se verificam no caso em apreço –,impõe-se, por conseguinte a ampliação da matéria de facto, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, impondo-se, para o efeito, a remessa dos autos à Segunda Instância (art. 682º, nº 3, do CPC), isto sem prejuízo da possibilidade que a Relação sempre tem de determinar que na 1ª Instância se proceda a novo (complementar) julgamento, se assim o entender necessário para a boa decisão da causa [art. 662º, nº 2, c), do mesmo diploma]. III. 21. Em face do exposto, acorda-se em anular o acórdão recorrido, para ampliação da matéria de facto, para os efeitos e nos termos definidos em supra nº 18 e 20. Custas a fixar a final. Lisboa, 03.10.2025 Mário Belo Morgado, relator Domingos Morais José Eduardo Sapateiro _____________________________________________ 1. O tribunal deve conhecer de todas as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outra(s) [cfr. arts. 608.º, 663.º, n.º 2, e 679º, CPC], questões (a resolver) que, como é sabido, não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, os quais não vinculam o tribunal, como decorre do disposto no art. 5.º, n.º 3, do mesmo diploma.↩︎ 2. In As partes, o objeto e s prova na ação declarativa, Lex, Lisboa, 1995, p. 252.↩︎ 3. Ibidem., p. 258.↩︎ 4. Quanto ao processo penal, rege o art. 358º do CPP, que prevê e regula a alteração não substancial dos factos descritos na acusação e na pronúncia, entendidos os factos aí imputados no seu conjunto, enquanto “pedaço da vida”, “acontecimento da vida”, “acontecimento histórico” ou “facto histórico” (cfr. Frederico Isasca, Alteração Substancial dos Factos no Processo Penal Português, Almedina, 1992, pp. 79 – 84).↩︎ |