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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0121/24.4BCLSB
Data do Acordão:04/30/2025
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR MILITAR
GARANTIAS
DIREITO DE DEFESA
DIREITO À PROVA
Sumário:I - A decisão de antecipação do juízo sobre a causa principal, prevista no art. 121.º do CPTA, depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: (i) que exista processo principal intentado; (ii) que haja urgência na resolução definitiva do caso ou que a simplicidade do mesmo o justifique; e (iii) que do processo cautelar constem todos os elementos indispensáveis à tomada da decisão no processo principal.
II - Não se discutindo que o processo dispõe de todos os elementos para a decisão de fundo da causa e não existindo dúvida acerca das questões colocadas e da gravidade dos interesses em presença, os quais vão muito para além dos interesses pessoais e profissionais dos militares em causa e que contendem com os valores essenciais da condição militar, em particular, da hierarquia – estrutura de comando e obediência - e da disciplina – cumprimento dos normativos e das ordens, está justificada a decisão de antecipação do juízo sobre a causa principal.
III - O envolvimento do oficial instrutor nos mesmos factos que deram origem ao processo disciplinar militar, por via das funções que desempenhava, e a circunstância de poder ser chamado a depor como testemunha, torna-o ipso facto impedido de exercer as funções de instrutor, conforme decorre dos artigos 91.º, n.ºs 1 e 2 do RDM, e 39.º, n.ºs 1 e 2 do CPP ex vi art. 10.º do RDM.
IV - A falta de informação aos arguidos, em sede de processo disciplinar militar, dos seus direitos e deveres, nomeadamente o direito a serem assistidos por advogado e o direito ao silêncio, constitui violação dos direitos de audiência e defesa e gera invalidade da tomada de declarações e em todos os atos que dela dependam.
V - A garantia de defesa do arguido impõe a sua audiência após a realização de diligências complementares de prova realizadas depois de apresentada a defesa, sob pena de nulidade insanável.
VI - O indeferimento de prova testemunhal considerada essencial para a defesa dos arguidos, sem fundamento legal válido, constitui violação do direito de audiência e defesa, consagrado no art. 269.º, n.º 3 da CRP, e do artigo 103.º, n.º 2, do RDM.
VII - No direito sancionatório militar, à semelhança do sucede no procedimento disciplinar comum, regulado na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, o RDM não contém qualquer previsão legal que admita a possibilidade de formação de um órgão para presidir a uma audiência pública para discussão da prova no âmbito do cometimento de infrações disciplinares militares (essa possibilidade de realização de uma audiência pública no âmbito disciplinar foi acolhida pelo legislador ordinário em alguns estatutos profissionais e/ou regulamentos disciplinares).
VIII - O que decorre do art. 32.º, n.º 10 e 269.º, n.º 3, da Constituição é a salvaguarda nos processos sancionatórios de natureza disciplinar, ao que aqui releva, do direito de audição do arguido, do direito à prova e da possibilidade de contraditar a prova produzida a seu desfavor. Como afirmado na jurisprudência constitucional, as garantias de audiência e defesa, na dimensão decorrente do princípio do contraditório, “compreendem necessariamente, não apenas a possibilidade de o arguido influir na decisão sancionatória através do oferecimento de prova dos factos que alega em sua defesa, mas também de intervir ativamente na sua produção, assim como, em geral, a possibilidade de contradizer as provas que contra si sejam produzidas”.
IX - A nulidade da decisão sancionatória disciplinar por vícios do procedimento, obsta à apreciação e qualificação do comportamento dos militares da Marinha descrito nos autos e à (in)validade da subsunção normativa que lhe será inerente, bem como, consequentemente, prejudica a aferição da legalidade substancial das sanções aplicadas.
Nº Convencional:JSTA000P33655
Nº do Documento:SA1202504300121/24
Recorrente:MARINHA PORTUGUESA (E OUTROS)
Recorrido 1:AA (E OUTROS)
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento: