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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0716/11.6BECBR
Data do Acordão:05/07/2025
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:HELENA MESQUITA RIBEIRO
Descritores:CONTRATO DE EMPREITADA
INDEMNIZAÇÃO
ALTERAÇÃO
Sumário:I - O contrato administrativo de empreitada de obras públicas rege-se pelo princípio do equilíbrio financeiro, o qual exige uma repartição justa e contínua dos encargos e benefícios entre as partes durante toda a vigência contratual. Dada a sua natureza de execução prolongada, este tipo contratual está particularmente sujeito a vicissitudes que podem comprometer a execução normal das obrigações assumidas pelo empreiteiro. Quando tais alterações ultrapassam o risco contratualmente assumido, impõe-se o reequilíbrio económico-financeiro do contrato, de forma a restaurar a equidade inicialmente acordada.
II - Tendo a Autora suportado sobrecustos decorrentes da sua permanência em obra para além do prazo contratual de 550 dias, inicialmente previsto para terminar em outubro de 2007, mas cuja empreitada apenas foi concluída em outubro de 2008, e tendo esse prolongamento resultado de causas imputáveis exclusivamente ao Réu, nomeadamente, por ausência de definições de projeto e pela não disponibilização atempada das parcelas de terreno necessárias, devido a atrasos no processo de expropriação, factos que implicaram a suspensão dos trabalhos e dificuldades acrescidas na execução da empreitada, obrigando à reformulação do plano de trabalhos e à permanência prolongada em obra, estão reunidos os pressupostos legais para aplicação do disposto nos artigos 189.º, n.º 4, 194.º e 196.º do RJEOP, de que resulta o direito do empreiteiro à indemnização por danos emergentes e lucros cessantes.
III - O artigo 196.º do RJEOP consagra o direito do empreiteiro à reposição do equilíbrio financeiro do contrato de empreitada de obras públicas em situações de maior onerosidade causadas por factos imputáveis ao dono da obra, mesmo sem alteração formal das condições contratuais. Não é exigido um impacto financeiro significativo, bastando o agravamento dos encargos ou dificuldades de execução.
IV - O reequilíbrio traduz-se, na maioria dos casos, numa indemnização paga pelo dono da obra, cobrindo custos adicionais e lucros cessantes. Para acionar este direito, o empreiteiro deve provar: (i) a existência de prejuízo; (ii) o seu montante; e (iii) o nexo de causalidade entre o facto imputável ao dono da obra e os danos sofridos. A responsabilidade do dono da obra é proporcional à sua contribuição para o evento gerador da maior onerosidade.
V - O artigo 197.º do RJEOP regula o procedimento aplicável à verificação de casos de força maior e, por remissão do seu n.º 5, também às situações de maior onerosidade previstas no artigo 196.º. Este regime impõe ao empreiteiro a obrigação de requerer, no prazo de oito dias após o conhecimento do facto, o apuramento dos efeitos do evento junto do dono da obra, apresentando um requerimento fundamentado com discriminação dos danos e, se possível, a sua quantificação.
VI - Quando tais factos, lícitos ou ilícitos, alheios ao controlo do empreiteiro, levem à suspensão dos trabalhos, por impossibilidade de continuação, o empreiteiro tem direito a ser indemnizado pelos prejuízos e lucros cessantes, nos termos do artigo 189.º, n.º 4 do RJEOP. Nestas situações, o prazo de execução da obra é prorrogado pelo tempo da suspensão, conforme o artigo 194.º, implicando também a revisão do plano de trabalhos.
VII - A revisão ordinária de preços é um mecanismo contratual/legal que visa atualizar os valores a pagar ao empreiteiro em função das variações de custos durante a execução da obra, que não exclui o direito do empreiteiro a ser indemnizado por prejuízos adicionais, nomeadamente, os danos emergentes e lucros cessantes resultantes da suspensão dos trabalhos por facto imputável ao dono da obra (art. 189.º, n.º 4) e os prejuízos decorrentes de maiores dificuldades na execução da empreitada, ainda que sem suspensão, mas causadas por atos ou omissões do dono da obra (art. 196.º).
VIII - O artigo 256.º do RJEOP estabelece que o cumprimento de uma decisão do Dono da Obra pelo empreiteiro não implica aceitação tácita, salvo se este não reclamar ou reservar os seus direitos no prazo de oito dias. No caso analisado, a suspensão dos trabalhos manteve-se até 10/09/2007, o que demonstra que o empreiteiro não aceitou a decisão do Dono da Obra que considerava injustificada a suspensão. E provado que existiam efetivamente problemas técnicos no projeto (implantação altimétrica, drenagem, etc.), reconhecidos pelo próprio Réu, que participou em reuniões para resolver essas questões, bem como a ausência de aplicação de sanções contratuais por parte do Réu significa que houve aceitação tácita da suspensão, pelo que, a alegação de que a Autora não reclamou da decisão sempre configuraria abuso de direito (venire contra factum proprium), nos termos do artigo 334.º do Código Civil.
IX - O artigo 198.º do RJEOP consagra a possibilidade de modificação do contrato por alteração anormal e imprevisível das circunstâncias, estabelecendo que, se a alteração das circunstâncias afetar gravemente a boa-fé e não estiver coberta pelos riscos próprios do contrato, o contrato pode ser modificado. Este regime é imperativo e não pode ser afastado pelas partes. Permite a modificação do contrato quando ocorrem eventos externos às partes, imprevisíveis e com impacto económico direto, que tornem o cumprimento contratual excessivamente oneroso para uma das partes. A anormalidade do evento mede-se pela sua gravidade e impacto no contrato, e a imprevisibilidade exige uma análise diligente dos riscos contratuais. A subida abrupta de preços, pode justificar a aplicação do instituto, desde que não esteja dentro dos riscos normais assumidos pelo empreiteiro.
X - O aumento do preço do betume, causado pelo aumento do preço do petróleo, deve ser considerado uma questão conjuntural do setor, algo de que a empresa deveria estar ciente como operadora do setor. Por outro lado, tendo esse aumento determinado um aumento de custos de €61.859,42 num contrato de €907.376,58, e em que o pedido de revisão só foi apresentado após a execução do contrato, não configura uma alteração anormal e imprevisível, por tal variação do preço do betume não exceder os riscos normais do contrato. A revisão extraordinária exige mais do que um simples agravamento de custos: exige uma verdadeira “convulsão” contratual.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Nº Convencional:JSTA000P33691
Nº do Documento:SA1202505070716/11
Recorrente:MUNICÍPIO DE CANTANHEDE
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento: