Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
591/23.8T8PTL.G1
Relator: ANIZABEL SOUSA PEREIRA
Descritores: RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
CAMINHO
REQUISITOS
ESBULHO VIOLENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/02/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Os únicos requisitos para a procedência da restituição provisória de posse são: a existência da posse, o esbulho e a violência.
II- A violência no esbulho pode ser exercida tanto sobre as pessoas como sobre as coisas.
III- No procedimento cautelar de restituição provisória de posse, preenche o requisito de esbulho violento exigido no n.º 1 do artigo 377.º do Código de Processo Civil, a constituição de um obstáculo físico que impede ao possuidor o acesso ao objeto da sua posse, e, consequentemente, inviabiliza a sua fruição.
IV- Assim, reconhecendo-se a posse dos requerentes sobre um determinado caminho e o esbulho violento por parte dos requeridos, a restituição provisória de posse sobre esse caminho não pode deixar de ser decretada, ainda que aqueles tenham outro caminho de acesso aos seus prédios e providenciado pelos RR.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
*
I- Relatório ( que se transcreve):

Inconformados com a decisão proferida a fls. 22 e seguintes, vieram os Requeridos AA e BB, deduzir contra os Requerentes, CC e DD, oposição à restituição provisória da posse que fora decretada por aquela decisão.

Alegaram para tanto, e em síntese, que no presente caso forçoso será concluir que não se mostram preenchidos os requisitos do esbulho, ou violência, necessários ao decretamento da providência de restituição da posse; que para aceder ao seu prédio, os requerentes podem fazê-lo através de outro caminho, situado pela extrema norte do prédio do RR, no sentido nascente-poente, como aliás o têm vindo a fazer; que não corresponde de todo à verdade que a passagem dos AA. para o seu prédio esteja actualmente impedida, ou tivesse ficado impedida por actuação dos RR; sendo que o que sucedeu é que os aqui RR., na qualidade de proprietários do prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., ... e Mato sob o artigo ...87 e descrito na conservatória do registo predial sob o n.º ...17 começaram a proceder à limpeza do terreno em finais de Dezembro de 2022, e deflorestação no seu prédio durante o mês de janeiro até meados de Fevereiro de 2023, no intuito de realizarem uma plantação de árvores da espécie Pauwlonia; e, ao mesmo tempo que os RR. realizavam tais trabalhos, procederam à abertura e construção de um novo caminho de servidão para a extrema norte do seu prédio, no sentido nascente poente.              Alegaram, ainda, que tal caminho encontra-se em perfeitas condições de uso de pé, carro, tractor e máquinas agrícolas, devidamente compactado e permite a passagem e a circulação em condições de fluidez e segurança, para o prédio dos AA; que o caminho de servidão que os AA. referem nunca teve as características, largura, e configuração descritas no item 5º da petição inicial e esteve sempre aberto e transitável até ../../2023. Após concluírem as obras do novo caminho, e de forma proteger a sua plantação, os requeridos procederam à vedação do prédio em 18 de Março 2023, garantido contudo a livre passagem pelo novo caminho, que se situa da parte de fora da vedação do seu prédio, e que está em perfeitas condições de circulação, desde ../../2023.
Por fim, alegam que nunca existiu qualquer urgência de acesso ao seu terreno para proceder à limpeza do seu prédio até ao mês de abril, pois na realidade, os AA nunca estiveram impedidos de o fazer; na verdade, omitem os AA., que foram mantidas entre AA. e RR. negociações no sentido de proceder à mudança do caminho de servidão para o local onde o novo caminho de acesso ao prédio dos AA. se encontra actualmente; sendo que as obras estavam a decorrer com a concordância dos AA., sendo totalmente falso que os RR. tenham ameaçado os AA., que tenham usado de coacção física ou moral contra os AA., para os impedir de aceder ao prédio.
Concluíram os requeridos pela procedência da presente oposição, levantamento da restituição provisória da posse e condenação dos requerentes por litigância de má-fé.             Peticionam, ainda, que deverá ser ordenado ao requerente a passagem pela nova servidão construída pelo requerido e que se declare extinta a servidão por desnecessidade.
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A audiência final decorreu com observância de todas as formalidades legais, conforme decorre da análise das correspondentes actas de fls. 59 a 61, 65, 66 e 72 e seguintes.
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Foi proferida decisão final nos seguintes termos:
“ …
Tendo litigado de má fé (substancial), serão condenados em multa (artigo 542º, nº 1 do Código de Processo Civil).
Atendendo à natureza do processo, factos em causa, e ainda a que os requerentes litigam não apenas com mera negligência grosseira, mas sim dolosamente, entende-se adequado fixar em 4 UC a multa pela litigância de má fé

Em face de todo o exposto e atentas as considerações que antecedem, nos termos do disposto no artigo 372º, nº 3 do Código de Processo Civil, julga-se procedente, por provado, o presente incidente de oposição e em consequência:

- Decide-se revogar a providência anteriormente decretada de restituição provisória da posse aos requerentes do caminho de servidão de passagem que atravessa, no sentido nascente-poente, conforme se vê no documento número cinco da petição inicial o prédio referindo em 2) dos factos provados, restituindo-se os requeridos à situação anterior;       
- Decide-se manter a decisão de não inversão do contencioso.
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Custas pelos requerentes, por terem dado causa à acção, a atender na acção principal, fixando-se o valor em € 5.000,01.
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Registe e notifique.”
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É desta decisão que vem interposto recurso pelos requerentes, os quais terminaram as alegações formulando as seguintes conclusões ( que se transcrevem):

“1º - Em resposta às excepções invocadas na oposição, os recorrentes juntaram aos autos um requerimento e o documento “proposta de Acordo de Mudança de Servidão”, para prova do ali alegado e prova da falsidade intelectual do alegado pelos requeridos quanto a tal matéria.
 2º - O citado requerimento e documento ficaram a constar dos autos durante cerca de 4 (quatro) meses e o documento foi utilizado em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, durante a inquirição das testemunhas. No entanto, 
3º - Em 25.10.2023, o Tribunal a quo determinou o seu desentranhamento, por o entender que se
trata de um articulado inadmissível.
4º - Os recorrentes interpuseram recurso daquela decisão, por entenderem que o requerimento
e o documento em causa já há muito tinham sido admitidos nos autos, encontrando-se assim esgotado o poder jurisdicional, por terem sido juntos ao abrigo do princípio do contraditório, em momento oportuno, e ainda por entenderem que o referido documento, dada a sua pertinência e oportunidade teria sempre de ser admitido (ou pelo menos a sua junção equacionada) ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 423 do CPC.
5º - A apreciação prévia desta questão apresenta-se como causa prejudicial em relação ao
presente recurso, pois pode vir a afectar e prejudicar o julgamento deste, retirando-lhe o fundamento ou a sua razão de ser (arº 272º CPC). Na verdade,
6º - Naquele primeiro recurso (causa prejudicial), está a apreciar-se uma questão cuja resolução
pode modificar (inevitavelmente, a ser procedente) a situação jurídica considerada para a decisão neste pleito, pelo que a instância do presente recurso deve ser suspensa até trânsito em julgado da decisão a preferir no recurso do despacho de 25.10.2023, ou ambos os recursos devem ser incorporados/apensados e/ou subam em simultâneo, devendo ser apreciados pela ordem de interposição, ao abrigo dos princípios da gestão processual, da cooperação e da limitação dos atos (art.ºs 6º, 7º e 130º do CPC).
7º - O presente recurso é interposto da sentença, proferida em 01.11.2023, com a Ref.ª: ...52,
que decide: “revogar a providência anteriormente decretada de restituição provisória da posse aos requerentes do caminho de servidão de passagem que atravessa, no sentido nascente-poente, conforme se vê no documento número cinco da petição inicial o prédio referindo em 2) dos factos provados, restituindo-se os requeridos à situação anterior”.
8º Com o devido respeito, a decisão em crise padece de erro na aplicação do direito ao caso e de julgamento, padece de omissão de pronúncia, e os fundamentos estão em oposição com a decisão, o que é causa de nulidade e demanda uma solução totalmente diferente, ou seja, a improcedência da oposição.
9º - Além disso, a sentença sub judice incorre em erro na apreciação da matéria de facto e, consequentemente, julga incorretamente como provados factos que não o poderiam ser considerados, e como não provados factos que demonstradamente ficaram provados. Ora,
10º - No cumprimento do disposto no art.º 377 do CPC, na petição inicial os requerentes alegaram a posse sobre o caminho de servidão, o esbulho e a violência, isto é, que os requeridos destruíram esse mesmo caminho e que ao destruí-lo, alterando as suas características (tornando-o intransitável e inapto ao fim a que se destinava) e ao vedá-lo impediram a passagem dos recorrentes e, ainda, que os requeridos ameaçaram os recorrentes. 
11º - Tais factos foram dados como indiciariamente provados na decisão que decretou a providência (de 08.05.2023).
12º - Porém, na decisão recorrida, o Tribunal a quo entendeu que, no caso, apenas o primeiro requisito da providência (a posse) se encontrava preenchido.
13º - No que ao esbulho diz respeito, o Tribunal a quo, apesar de dar como provado que “decidiram então os réus vedar o terreno em toda a sua extensão, … no mês de Março, colocado uma vedação em ferro, segura por esteios, tanto a nascente como a poente do caminho”, acaba por concluir que a tal situação não configura o esbulho, por os recorrentes não terem sido privados da posse do seu prédio e do direito de passagem, por os recorridos terem aberto e construído um novo caminho, pela extrema norte do seu prédio.
14º - Tal entendimento, assim vertido na sentença em crise, é contrário à lei civil e processual aplicável ao caso, tal como vem sendo o entendimento da maioria da Jurisprudência e até do próprio Tribunal a quo que naquela decisão reconhece (e bem) que “o esbulho consiste na privação, total ou parcial, da posse ainda que o possuidor não se apodere da coisa.”
15º - No caso dos autos, os recorridos destruíram o leito do caminho de servidão, alteraram as suas características e fecharam-no com redes, ferros, colocando esteios no seu leito, impedindo a passagem. 
16º - O novo traçado aberto pelos recorridos, pela extrema norte do prédio (alterando, sem fundamento e contra a vontade dos donos do prédio rústico dominante o caminho da servidão), trata-se um novo caminho que não pode ser confundido com o caminho de servidão original, que os recorrentes têm o direito de se servir, fruir e gozar, como acontece na tese do Tribunal.
17º O eventual direito (de passagem) que o prédio dos recorrentes possa vir a deter sobre esse novo traçado, sem o consentimento dos recorrentes, implicaria uma aquisição originária de uma nova posse, que não se confunde com a posse primitiva sobre o caminho de servidão, que por sua vez continua a existir. 
18º - E, até por isso, os recorrentes não podiam, nem podem circular por esse novo traçado, sob pena de o reconhecerem ou adquirirem uma nova posse, contrária à já existente e passível de poder ser posta em causa por futuro ou futuros donos do prédio serviente.
 19º - Dúvidas não restam que os recorrentes foram esbulhados na sua posse sobre o dito caminho de servidão, a qual não pode ser confundida ou meramente substituível com um novo percurso que os recorridos, à revelia e contra a vontade dos recorrentes, querem constituir com a “bênção” do Tribunal e por meio de uma providencia cautelar.
20º - Na sentença em crise confunde-se o conceito de turbação com o de esbulho, quando na realidade e como da matéria dada como provada resulta, os recorrentes foram esbulhados.
21º - A manter-se a decisão em crise, existe a probabilidade séria de os sinais visíveis e permanentes do caminho de servidão (sem esses sinais, não há servidão por usucapião), se esmorecerem ou até mesmo desaparecerem, o que põe em causa o direito do prédio dos recorrentes de se servirem daquele caminho (e não de qualquer outro).
22º - Assim, ao não dar como preenchido o requisito do esbulho, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, procedendo a uma errada aplicação do direito ao caso, escamoteou a providência decretada, o que acarreta a consequente revogação da decisão em crise.
23º - O Tribunal a quo considerou ainda que inexistiu qualquer violência, por os recorrentes não terem concretizado na petição inicial o tom ameaçador (!?), entendimento com o qual também não podemos concordar, porquanto, os “factos indiciariamente provados” e “do direito” aplicável ao caso, impunham decisão diversa, verificando-se existir uma contradição entre os fundamentos e a decisão. 
24º - Concretizando, na parte “Do direito” o próprio Tribunal a quo expressamente admite que, para o caso deve ser adoptado o conceito amplo de violência, isto é, aquele em que é suficiente que a violência seja exercida sobre as coisas (e não só sobre o possuidor). Contudo, a sentença em crise acaba por não seguir o caminho previamente traçado…
25º - Considerando o conceito de amplo de violência apontado (mas não adoptado) pelo tribunal e os factos dados como provados (11 e 13), resulta que a violência foi exercida sobre a coisa, não  se descortinando como é que naquela decisão se conclui ao contrário, alegadamente por falta de concretização na petição do tom ameaçador.
26º - O que configura uma clara e insanável contradição entre a fundamentação e a decisão
proferida, e que constitui causa de nulidade (art.º 615º n.º 1, al. c) do CPC), que aqui se invoca.
27º Tal conclusão também deveria ter sido retirada da prova documental carreada para os autos, designadamente dos registos fotográficos junto com a petição inicial sob o doc. ...0 (a fls. 17/verso), que mostram que no leito do caminho de servidão, foi colocado um esteio para impedir a passagem dos recorrentes.
28º - Ora, na sentença em crise não é feita qualquer alusão a este meio de prova, nem às razões pelas quais aquela não foi considerada para a verificação do preenchimento dos requisitos esbulho e violência, o que configura falta de fundamentação, vício que inquina a decisão proferida.
29º - Acresce que, a sentença em apreço ao dar como provado o constante dos pontos 14 e 19, ou seja, que o descrito em 11 “decorreu pelo período de duas a três semanas em função do tempo chuvoso que se fez sentir”, o Tribunal a quo contradiz a matéria dada como provada naquele ponto 11 e no 13 e o que foi constatado e consignado no Auto de Restituição Provisória da Posse elaborado em 26.05.2023.
30º - O referido Auto é um documento que faz prova plena dos factos observados e percecionados, presunção que só pode ser afastada com base na falsidade.
31º - Donde resulta que a resposta os quesitos 14 e 19 devem consignar que o caminho esteve fechado e intransitável, pelo menos, até ao dia ../../2023 (não dia 18 de março), com a seguinte redacção:
14. O descrito em 11) decorreu até ao dia ../../2023.
19. O caminho descrito em 4) não esteve aberto nem transitável pelo menos até ao dia ../../2023.  
32º - Tal implica, desde logo, que na parte dos pontos a) e no ponto b) dos factos não provados que tais factos se devam considerar provados, com a seguinte redacção:
a) Com a vedação descrita em 13), os requeridos obstruíram por completo a passagem dos requerentes;
b) Os requerentes viram-se impedidos de aceder ao seu prédio;
33º - Assim, por existir quanto a estes factos uma clara omissão de pronúncia, também ocorre, como se referiu, uma clara contradição entre os factos provados e não provados, que foram considerados na fundamentação e na decisão, e que se traduz num erro de julgamento e da aplicação do direito aos factos, e que inquina toda a decisão recorrida. 
34º - O certo é que, no caso, existiu ainda violência e ameaça exercida contra o possuidor, uma vez que o recorrente CC foi ameaçado pelo recorrido AA, como este admite no seu depoimento. 35º - Ali, o recorrido reconhece de forma clara que num primeiro momento falou com a filha dos recorrentes, ao telefone (omitindo o que verdadeiramente lhe disse) e que depois teve uma conversa com o aqui recorrente, CC, tendo-lhe dito que se quisesse, no seu terreno ninguém entra, nem sequer o Papa, nem o seu advogado, seja quem for, nem o Papa entra, só com autorização do Tribunal.
36º - Incompreensivelmente o Tribunal ignora esta conversa com o requerente CC e
conclui, na motivação (pág. 12, parágrafo 4), que apenas falou com a filha deste, 
37º - Tal conclusão (lavrada em erro e contrária à prova produzida) levou o Tribunal a quo a dar como não provado a existência da ameaça.
38º - O transcrito discurso do recorrido contém uma clara ameaça de impedir que os recorrentes utilizassem o caminho de servidão, a qual foi concretizada não só com a plantação de árvores no leito do caminho, mas sobretudo com a colocação da vedação em toda a extensão do terreno, o que ficou provado. 
39º - Pelo que, o Tribunal a quo deveria ter reconhecido que existiu ameaça contra o possuidor, independentemente do tom com que foi proferida (que em nada revela para se concluir ou não pela existência da ameaça).
40º - Com efeito, da prova produzida – documental e testemunhal, incluindo as declarações do recorrido AA – resulta que, no caso, existiu violência sobre a coisa, como acima se expôs, e sobre os possuidores/recorrentes.
41º - Tal implica, igualmente, que na parte do ponto c) dos factos não provados que tal facto de deva considerar provado, com a seguinte redacção:
c) Os requeridos informaram os requerentes, em tom ameaçador, que não permitiam de forma alguma que os mesmos e o seu advogado se deslocassem ao terreno ou acedessem ao referido caminho;
42º - Os fundamentos da oposição deveriam ter versado única e exclusivamente sobre o preenchimento dos requisitos para o decretamento da providência cautelar de restituição provisória de posse do caminho de servidão existente, o que não se verificou.
43º - Estrategicamente, os recorridos lançaram uma cortina de fumo, acenando com a existência de um outro caminho e verberando falsamente que os requerentes “deram o dito pelo não dito” e acabaram por arrastar o Tribunal, “sensibilizado” por tão delinquente comportamento… 
44º - O Tribunal a quo ao decidir pelo não decretamento da providência por existir “um novo caminho”, desconsiderou os requisitos taxativamente exigidos por lei para a decisão do mérito da providência e cuidou de analisar/introduzir um novo elemento, em violação das normas civis e processuais aplicáveis ao caso (1278º e ss do CC e 377º do CPC).
 45º - A eventual abertura e construção de um “novo traçado” não é, nem pode ser, considerado um requisito específico para o decretamento da restituição provisoria de posse, à revelia do estatuído no art.º 377º do CPC.
 46º - Não existindo qualquer título/Acordo que legitime a mudança ou alteração da servidão em causa, esta só poderia ser alterada ou modificada através da competente ação comum e não nesta providência cautelar.
 47º - Com esta decisão, de que recorre, o Tribunal, na prática, decreta a mudança e a alteração e ponto final.
48º - A este propósito, como se deu nota supra, importa salientar que ante o alegado na oposição sobre a existência de um “novo caminho” e que os “recorrentes omitiram tal facto”, os recorrentes apresentaram resposta e juntaram aos autos um documento para prova do ali alegado.
49º - Os recorrentes esclareceram não ter necessidade de omitir o que quer que seja, por ainda aguardavam que os requeridos/recorridos se pronunciassem sobre a proposta de Acordo de Mudança de Servidão que lhes haviam remetido em 13.01.2023.
 50º - Os recorrentes nunca esconderam o que quer que fosse pois, logo no art.º 19º da petição inicial salientam que “os AA. reclamaram junto dos RR., que ora diziam que haviam de colocar o caminho em condições, ora acenavam com a mudança da servidão para outro local…” (negrito e sublinhado nossos).
 51º - Na petição inicial, os recorrentes não se estenderam na explicação sobre as malogradas negociações por estarem convictos que o está em causa nestes autos é o facto de terem sido impedidos de passarem no caminho de servidão e de terem sido desapossados e impedidos de acederem ao seu prédio rústico por tal caminho.
52º - Os recorrentes sempre deixaram assente nas negociações que naturalmente aceitavam a mudança de servidão, desde que o novo caminho cumprisse o mínimo de segurança e tivesse um traçado que permitisse efetuar as manobras com a necessária segurança e que assinassem um documento/acordo que formalizasse e legitimasse essa mudança, condições essas que nunca foram concretizadas por estratégia, incúria e desinteresse dos recorridos, contrariamente ao que invocam na oposição.
53º - Os recorrentes nunca reconheceram a mudança do novo traçado e nem se sentem legitimados a utilizá-lo, pois toda esta questão do “novo caminho” não é sequer relevante para este procedimento.
54º - De resto, não foi produzida qualquer prova da qual resulte que os recorridos tivessem construído o novo traçado com as condições/características semelhantes ao caminho de servidão em causa e que atribuíssem sobre esse novo traçado o direito de passagem aos recorrentes, através de um dos meios estatuídos na lei.
55º - Pese embora o Dec-Lei n.º 116/2008, de 4/7 (que aprovou medidas de simplificação, desmaterialização e desformalização de atos e processos na área do registo predial e de atos notariais complexos, tenha revogado o n.º 1 do art.º 80.º, do Código do Notariado,  manteve, no entanto, no art.º 22.º que (…) só são válidos se forem celebrados por escritura pública ou documento particular autenticados os seguintes actos que importem reconhecimento, constituição, aquisição, modificação, divisão ou extinção dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão sobre coisas imóveis”.
56º - Ora, os recorrentes bastavam-se a elaboração de um documento particular, onde pelo menos estivessem plasmadas as características do caminho de servidão e o acordo a que as partes chegariam.
57º - A proposta/documento – Acordo de Mudança de Servidão, cujo teor se reproduziu acima, foi enviado aos recorridos e estes, manhosa e inteligentemente, nunca deram nota dele nos autos, nomeadamente na oposição, o que foi expressamente reconhecido pelo recorrido AA, cuja ignorância fica retratada quando diz que o facto de não existir “papel” (documento, escritura…) do caminho de servidão não justificava que agora se formalizasse a alteração.
58º- E até por esse motivo – recusa em assinar ou formalizar a mudança da servidão - deveriam ter sido verificados os requisitos do procedimento cautelar.
59º - Como se disse, o Tribunal a quo mandou desentranhar o requerimento e o documento “Proposta de Acordo de Mudança de Servidão”, após a produção de prova e depois do próprio Tribunal ter permitido que as testemunhas fossem interrogadas sobre tal documento e que o recorrido fosse confrontado com o mesmo…
60º - Da prova documental constantes dos autos (fotografias) e pelo menos do depoimento das testemunhas EE, FF e GG, resulta, com evidente clareza que o caminho de servidão foi destruído e ficou intransitável, mas o Tribunal a quo, no entanto, dá como não provado (ponto b) que os “requerentes se tenham visto impedidos de aceder ao seu prédio.”
61º - Ora, se o caminho foi destruído, é óbvio que os recorrentes não poderiam aceder ao seu prédio.
62º - A prova deste facto - o caminho de servidão foi destruído e ficou intransitável - também resulta do Auto de Restituição Provisória de Posse, realizada no dia 26.05.2023, onde a Sra. Oficial de Justiça, HH fez consignar que teve de proceder à remoção das vedações que impediam a passagem e ao nivelamento e reposição do leito do caminho de servidão, pese embora a sentença em discussão seja omissa quanto a este documento e à razão pela qual não foi considerado ou valorado.
 63º - Atento os depoimentos das referidas testemunhas, bem como a prova documental junta aos autos, incluindo o Auto de Restituição Provisória de Posse, andou mal o Tribunal a quo ao considerar tais factos como não provados, nos pontos a) e ponto b). 
64º - Ou seja, a prova produzida implica, desde logo, que este Venerando Tribunal considere os pontos a) e no ponto b) dos factos não provados, como provados, com a seguinte redacção:
a) Com a vedação descrita em 13), os requeridos obstruíram por completo a passagem dos requerentes;
b) Os requerentes viram-se impedidos de aceder ao seu prédio;
65º - Acresce que, como se constata do teor da Ata de 03 de agosto de 2023, na parte quer refere
que: As partes … pretendem a suspensão da instância…, uma vez que se encontram na iminência de celebrar um acordo, pondo sim termos aos presentes autos, o qual passará pela sua deslocação ao local e ainda pela conclusão de umas obras.
66º - Ou seja, os próprios recorridos reconhecem que será necessário concluir a obra do “novo caminho”, naturalmente por este não reunir as condições mínimas que apresenta o caminho de servidão original.
67º - Não obstante este circunstancialismo e este meio de prova, na sentença recorrida foi dado como provado o teor que consta dos pontos 15, 18 e 21, com base nos depoimentos das testemunhas arroladas pelos recorridos e nas declarações do recorrido, por alegadamente falaram com verdade os seus depoimentos se mostrem claros e credíveis…
68º - Ora, da prova produzido resulta precisamente o contrário dos transcritos factos dados como provados e, portanto, aqueles pontos 15, 18 e 21 devem ser dados como não provados por este Venerando Tribunal. 
69º - Sem prejuízo de tudo quanto acima referido sobre a irrelevância do caminho novo para o mérito da causa, assinasse-se que uma das várias circunstâncias que motivou a que os recorrentes não reconhecessem aquele “novo caminho” foi o facto de o novo traçado não ter as mesmas condições de segurança, nem apresentar o mesmo traçado, que o caminho de servidão, o que aliás ainda é reconhecido pelas partes em 03.08.2023 (data da acta).
70º - Este novo traçado, contrariamente ao caminho de servidão, para além de não estar compactado, não é direito, apresenta, na parte final, duas curvas em forma de duplo joelho (ou “S”), na zona em que entronca no prédio dos recorrentes, que dificulta as manobras, sobretudo de tratores e atrelados e na sua saída para a via publica (estrada municipal), apresenta-se com um ângulo mais fechado, que dificulta as manobras para quem necessita de sair e virar para o lado esquerdo.
71º - A sentença em crise, a considerar e a relevar este novo traçado – questão que se suscita por
mera hipótese -, deveria igualmente ter dado provada que o seu traçado, características e condições não são iguais ao caminho de servidão e, por isso, não oferecem a mesma segurança, e que tais questões sempre foram essenciais para que a mudança se concretizasse. 
72º - Ou, a existir matéria de facto que se considere provada, devem ter a seguinte redacção:
- ponto 15 – Para aceder ao seu prédio, os requerentes só o podem fazer através do caminho de servidão descrito em 4), por ser este o caminho pelo qual se encontram legitimados a passar pelo prédio dos recorridos;
- ponto 18 – O novo caminho não se encontra em condições, de uso de pé, carro, tractor e máquinas agrícolas, não está devidamente compactado e não permite a passagem nem a circulação em condições de fluidez e segurança como o caminho de servidão e não foi reconhecido pelos requerentes. 
- ponto 21 – Não garantindo, contudo, a livre passagem pelo novo caminho […], o qual não apresenta condições de segurança.
73º - Quanto à condenação em litigância de má-fé, o Tribunal não deu a oportunidade aos requerentes da providência, aqui recorrentes, de se pronunciarem sobre essa concreta questão, impedindo que estes exercessem o contraditório em violação do princípio do contraditório, na vertente da proibição de decisão-surpresa, cometendo-se nulidade que influi na decisão da causa, omissão que se suscita, que importa a nulidade da decisão, com as legais consequências.
74º - Mas ainda que assim se não entenda, os recorrentes jamais omitiram factos ou situações que demandem entendimento tão radical e anunciado pelo Tribunal, como acima se demonstrou.
75º- Aliás, o que verdadeiramente motiva os recorridos para sustentar o pedido de litigância de
mé fé, resume-se à invocação de que abriram um caminho novo e os recorrentes podiam passar por lá e em resultado das negociações, os requerentes deram o dito pelo não dito e sem nada que o fizesse prever, recusaram celebrar qualquer tipo de acordo com os recorridos, o que muito surpreendeu estes…
76º - Os factos não se passaram do modo como vêm relatados pelos recorridos, muitos dos quais
nem sequer foram acolhidos na decisão, desde logo porque os recorrentes nunca aceitaram o novo traçado
77º - Os recorridos é que sempre se recusaram a assinar um documento que definia e formalizada a mudança/alteração.
78º - E é neste contexto que surge a providencia cautelar: há um caminho de servidão, foi destruído e, depois, a respectiva passagem foi fechada com redes, ferros e esteios, impedindo a passagem, e, por isso, os recorrentes apenas têm que de invocar os requisitos que importam para uma providencia cautelar de Restituição Provisória de Posse.
79º - Atento o acima descrito, designadamente o referido no art.º 19º da petição inicial, os recorrentes não omitiram nada da factualidade que estavam em condições de alegar na providencia cautelar, no sentido de demonstrar a posse, o esbulho e a violência, não havendo qualquer intenção dolosa e ardilosa, no sentido de omitir o que quer que seja. Nem tinham necessidade disso.
80º -  A litigância de má fé não se basta com a dedução de pretensão sem fundamento, ou com a
afirmação de factos de forma distinta, sendo ainda exigível a atuação dolosa, ou com negligência grave, da parte, isto é, mostra-se necessário que a parte conheça a falta de fundamento da sua pretensão. 
81º - Como é bem de ver, a conduta dos recorrentes é desprovida de qualquer atuação dolosa, ou gravemente negligente, não sendo sequer possível formular um qualquer juízo de censura sobre a mesma, nas descritas circunstâncias de quem queria aceder ao prédio através de um caminho, no exercício de um direito contra quem se preparava para fazer desaparecer os sinais visíveis e permanentes que determinam a existência de uma servidão adquirida por usucapião.
82º - Quem sempre esteve com reservas, com um comportamento enviesado e a esconder a verdade (basta ver o tipo de oposição e aquilo que depois se vem a apurar), de má fé, são os recorridos, ao ponto de negarem a existência do caminho de servidão, nomeadamente os elementos que o constituem, o
modo de uso, no espaço e no tempo, deitando mão a fotos (meio embaciadas) para as imputar aos recorrentes, conhecendo a sua falsidade e até reconhecendo expressamente a necessidade de proceder a obras (ver ata acima referida), depois de afirmarem a pés juntos que o caminho “novo” está transitável…  
83º - A interpretação da realidade dos factos e a aplicação dos preceitos legais para procurar que se faça justiça, jamais equivalerá a uma conduta dolosa ou gravemente negligente, ou sequer a um expediente dilatório alegadamente utilizado por forma a prejudicar os recorridos, como é bom de ver. 
84º - Para haver condenação por litigância de má fé não basta a constatação de um dos comportamentos indiciadores dessa litigância acolhidos nas alíneas do nº 2 do artº 542º do CPC (elementos objectivos da má fé), sendo ainda indispensável que a parte tenha actuado com dolo ou negligência grave (elemento subjectivo).
85º - A conduta dos recorrentes, objectiva e subjectivamente considerada, não pode ser entendida ou acolhida como tal, não se encontrando preenchidos os requisitos integradores do conceito jurídico da litigância de má-fé, a decisão, nesta parte, também deve ser revogada.
86º - Por se mostrarem preenchidos os requisitos da providência cautelar de restituição provisória de posse, nos termos acima exposto, o Tribunal a quo ao revogar a decisão que a decretou, violou as normas supra citadas, nomeadamente o disposto no art.ºs 1251º, 1287º, n.º 2 do art.º 1261º, 1543º, 1545º, 1547º, 1277º, 1278º, 1279º, 1311º e 1315º, 371º e 372º todos do C. Civil, bem como os art.ºs art.º 607º, nº 7,  615º, 639º, 640º e 662º e o disposto no art.ºs 377º e ss e art.º 542º todos do CPC, e o disposto no art.º 22 do Dec.lei 116/2008, de 04 de Julho. ”
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Foram apresentadas contra-alegações e, em síntese, pugnou-se pela manutenção da decisão recorrida.
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O recurso foi recebido nesta Relação, considerando-se devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.
Assim, cumpre apreciar o recurso deduzido, após os vistos.
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II- FUNDAMENTAÇÃO

As questões a decidir no presente recurso, em função das conclusões recursivas e segundo a sua sequência lógica, são as seguintes:


- da impugnação de facto e utilidade da sua apreciação;
- saber se estão verificados os requisitos legalmente estatuídos para a procedência da restituição provisória de posse.

III-
Para a apreciação das questões elencadas, é importante atentar na matéria que resultou provada e não provada, que o tribunal recorrido descreveu nos termos seguintes:
“A) De facto
Resultam indiciariamente demonstrados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa:
(Do requerimento inicial):
1. Mostra-se registada a favor dos requerentes, casados no regime de comunhão geral, a aquisição, por doação de II e compra a JJ e KK, de um prédio rústico sito em ..., actual freguesia ..., ... e Mato, uma bouça de mato com pinheiros, que confronta pelo norte com LL, do sul com regueira e MM, do nascente com NN, e do poente com CC e II, inscrito na matriz predial sob o artigo ...84.º (anterior artigo ...62.º da freguesia ...) e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...16;
2. Mostra-se, pela ap. ...98 de 2022/04/26, registado a favor dos requeridos a aquisição, por doação de OO, de um prédio rústico denominado ..., sito em ..., na actual freguesia ..., ... e Mato, uma bouça de mato e lenha, que confronta pelo norte com LL, do sul com MM, do nascente com caminho público e do poente com II, inscrito na matriz predial sob o artigo ...87 (anterior artigo ...63 da freguesia ...) e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...17;
3. Sobre o prédio referido em 2) existe um caminho que se inicia, a nascente, na Rua ... e que o atravessa longitudinalmente, no sentido nascente-poente, terminando na confrontação nascente com o prédio referido em 1);
4. Esse caminho, que na sua abertura junto ao caminho público se apresenta com cerca de 7 metros de largura (demarcado e ladeado por dois tranqueiros), afunila depois para uma largura de cerca de 4 metros em toda a sua extensão, num comprimento de cerca de 150 metros, até desembocar a poente, no prédio referido em 1), era bem calcado, trilhado e demarcado do terreno adjacente;
5. Os requerentes e, antes deles, os vários possuidores e proprietários do prédio referido em 1), sempre usaram esse caminho instalado no prédio referido em 2) para, da via pública, acederem ao prédio referido em 1), o que continuamente fizeram à vista de todos, sem necessidade de em cada passagem imporem essa sua vontade contra a vontade de quem quer que seja, há mais 40 anos, convictos do seu direito de por ele passarem como bem entendessem e sempre que o entendessem;
6. Tratando-o, conservando-o e limpando-o, para que a circulação se fizesse sem dificuldades;
7. Esse caminho era trilhado, em duro, calcado, compactado, características que o sinalizavam no local por onde passava;
8. Por esse caminho, e ao longo de cerca de 150 metros, sempre os requerentes e seus antecessores, circularam quer a pé, quer com carros – tractores e outras máquinas agrícolas;
9. Desde que adquiriram o prédio, há mais de 40 anos, nunca os requerentes foram incomodados ou perturbados no exercício dessa passagem pelo prédio referido em 2);
10. Os requeridos, no decurso do mês de Janeiro de 2023, entenderam cortar toda a vegetação do prédio referido em 2);
11. No decorrer da desflorestação, as máquinas que realizaram o trabalho rasparam o solo e retiraram-lhe a dureza, tornando o terreno outrora compactado em movediço, inapto à passagem até de um tractor agrícola;
12. Perante a demora dos autores na reposição do caminho, os autores colocaram-lhe gravilha para que retomasse as características de dureza aptas à passagem habitual;
13. Decidiram então os réus vedar o terreno em toda a sua extensão, tendo recentemente, no mês de Março, colocado uma vedação em ferro, segura por esteios, tanto a nascente como a poente do caminho existente no prédio referido em 2); (Da oposição e da instrução da causa, nos termos do art. 5º, nº 2, a) do CPC):
14. O descrito em 11) decorreu pelo período de duas a três semanas, em função do tempo chuvoso que se fez sentir;
15. Para aceder ao seu prédio, os requerentes podem fazê-lo através de outro caminho, situado pela extrema norte do prédio do requeridos, no sentido nascente-poente;
16. Os requeridos, na qualidade de proprietários do prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., ... e Mato sob o artigo ...87 e descrito na conservatória do registo predial sob o n.º ...17 começaram a procederam à limpeza do terreno em finais de Dezembro de 2022, e deflorestação no seu prédio durante o mês de Janeiro até meados de Fevereiro de 2023, no intuito de realizarem uma plantação de árvores da espécie Pauwlonia;
17. Ao mesmo tempo que os Requeridos realizavam tais trabalhos, procederam à abertura e construção de um novo caminho para a extrema norte do seu prédio, no sentido nascente poente;
18. Tal caminho encontra-se em perfeitas condições de uso de pé, carro, tractor e máquinas agrícolas, devidamente compactado e permite a passagem e a circulação em condições de fluidez e segurança, para o prédio dos requerentes;
19. O caminho descrito em 4) esteve aberto e transitável até ../../2023, com excepção de duas a três semanas, conforme descrito em 14);
20. Após concluírem as obras do novo caminho, e de forma proteger a sua plantação, os requeridos procederam à vedação do prédio em 18 de Março 2023;
21. Garantindo, contudo, a livre passagem pelo novo caminho, que se situa da parte de fora da vedação do prédio dos requeridos e que está em perfeitas condições de circulação, desde ../../2023.
 
Factos indiciariamente não provados

a) Que com a vedação descrita em 13), os requeridos tenham obstruído por completo a passagem dos requerentes;
b) Que os requerentes se tenham visto impedidos de aceder ao seu prédio;
c) Que os requeridos ainda tenham informado os requerentes, em tom ameaçador, que não permitiam de forma alguma que os mesmos e o seu advogado se deslocassem ao terreno ou acedessem ao referido caminho;
d) Que o novo caminho de acesso ao prédio dos requerentes tenha vindo a ser utilizado por estes, se não antes, pelo menos no mês de Março;
e) Que as obras estivessem a decorrer com a concordância dos requerentes..”
*
IV
O A/apelante considera ter sido incorretamente julgada a matéria de facto constante dos seguintes pontos:

- dos pontos provados no 14º e 19, devendo ser alterada a redação que propõe com base no teor do documento “auto de restituição provisória” de 26.05.2023, alterando-se a data constante naqueles pontos provados ( ali se lê 18 de março de 2023) e substituindo-se por essa data ( 26-05-2023), data a partir da qual esteve intransitável o caminho de servidão;
- os pontos 15º, 18º e 21 dos factos provados deveriam ter sido julgados por não provados;
- e os pontos dados como não provados das alíneas a), b) e c) deveriam ter sido julgados provados.
*
Desde já, se consigna que, lendo a decisão de facto na sua globalidade – factos provados e não provados – percebemos que ainda que não se procedesse à alteração pretendida da matéria de facto, atenta a não impugnação da restante matéria de facto, nomeadamente a respeito dos pontos 11, 13º e 20º, a pretensão dos autores/apelantes sempre deveria proceder e, então, por uma questão de inutilidade e, seguindo a mais recente jurisprudência dos tribunais superiores, não se iria proceder àquela análise.
Com efeito, resulta daquela matéria facto não impugnada os requisitos da providência cautelar instaurada: posse do caminho ( e não de prédio), esbulho e violência.
Com efeito, é matéria assente a existência do caminho de servidão a beneficiar o prédio dos requerentes e ainda é matéria assente que o dito caminho deixou de existir, tendo os requeridos vedado o seu prédio naquela parte, abrangendo o dito caminho, não sendo relevante se foi em 18 de março de 2023 ou 26.05.2023 ( factos 14 e 19, cuja alteração pretendem).
Ou seja, as partes estão de acordo sobre a existência do dito caminho de servidão, e também estão de acordo que foi obstruído pelos requeridos com a vedação do seu prédio, antes da interposição do presente procedimento cautelar.
Logo, a questão que se coloca é a seguinte: estando comprovado o direito de passagem dos requerentes pelo caminho obstruído pelos Requeridos, nada mais se torna necessário demonstrar para que a posse desse caminho lhes seja restituída?
E isso ainda que os mesmos Requerentes tenham outra via para aceder àquele mesmo seu prédio, ou seja, ainda que o possam fazer através de outro caminho providenciado pelos requeridos?
Efetivamente, o que aqui está em causa não é a posse sobre tal prédio dos requerentes, mas sobre o próprio caminho obstruído. E, nessa medida, é essa posse que se impõe reabilitar, uma vez que a lei expressamente o prevê e consente.
Assim sendo, já vimos que não teria relevância alterar os pontos 14 e 19 quanto à data a partir da qual se tornou o caminho intransitável, quando é pacífico que atualmente e há muito que está intransitável, por ação dos RR que vedaram o seu prédio.
Os pontos provados 15º, 18º e 21 e alíneas a), e b) dos factos não provados respeitam ao outro caminho providenciado pelos requeridos como que para substituir o anterior caminho de servidão e servir o prédio dos AA, mas que não tem relevância para a questão em apreço, como vimos, pois o que aqui está em causa não é a posse sobre tal prédio dos AA, mas sobre o próprio caminho obstruído.
E a alínea c) dos factos não provados ( e que os requerentes pretendem ver como provada) respeita ao requisito da violência, o qual se mantém ainda que com tal matéria de facto dada como não provada, uma vez que se seguirá o entendimento maioritário de que é violenta a posse obtida com coação física e moral, e a coação física pode ser direta ou indireta ( a coação física é direta quando recai sobre o próprio possuído e a coação física é indireta quando o possuidor fica impossibilitado de fruir da coisa – e, portanto, de exercer a posse sobre ela – por um obstáculo físico criado ou erigido pelo esbulhador).
Por conseguinte, como dissemos, o conhecimento da impugnação da matéria de facto revelar-se-ia um ato inútil.
Em verdade, tem vindo a ser entendido de forma maioritária pelos Tribunais Superiores que, por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, o Tribunal da Relação não deve reapreciar a matéria de facto quando os factos objeto da impugnação não forem suscetíveis de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, terem relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe ser inútil (arts. 2º, n.º 1 e 130º, ambos do C.P.C.).
Nessa medida, e seguindo esse entendimento, temos que, no caso em concreto, não se mostraria necessária a reapreciação da matéria de facto impugnada, quanto àqueles concretos pontos, pelas razões apontadas.
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A integração jurídica far-se-á com recurso à factualidade provada e descrita em III, aferindo-se se a mesma integra os pressupostos legais da providência.
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Antes, porém, relembre-se que na decisão recorrida entendeu-se o seguinte: em face da prova produzida na oposição, os opoentes lograram convencer o tribunal de que há outra passagem para o prédio dos requerentes, desde a altura em que o caminho de servidão ficou vedado, pelo que não estariam os requerentes impedidos de aceder ao seu prédio e, nessa medida, não se verificava qualquer esbulho e muito menos esbulho violento.
Nesta sequência, determinou-se o levantamento da restituição de posse já ordenada.
Mas os Requerentes não se conformam com este resultado. E defendem, além do mais, que estando comprovado o seu direito de passagem pelo caminho obstruído pelos Requeridos, nada mais se torna necessário demonstrar para que a posse desse caminho lhes seja restituída. E, por isso, pedem essa restituição.
Vejamos então:
Estipula o artigo 377º do Código de Processo Civil, que «No caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência».
Os requisitos desta providência cautelar estão definidos, nesta previsão normativa enunciada, sem margem para dúvidas: posse, esbulho e violência.
Constitui assim pressuposto essencial desta medida cautelar, a qualidade de possuidor decorrente do exercício de poderes de facto sobre uma coisa, por forma correspondente ao direito de propriedade ou qualquer outro direito real de gozo (art. 1251.º do CC).
Perante a prova produzida (factos 1 a 9), sobre este pressuposto não podem restar quaisquer dúvidas, nem as partes as suscitam.
Quanto ao segundo requisito, escreve Manuel Rodrigues[i]: “Há esbulho sempre que alguém for privado do exercício da retenção ou fruição do objeto possuído, ou da possibilidade de o continuar”.
Os factos provados n.º 10 a 13º e 19º e 20º integram claramente o conceito de esbulho, dado que «o caminho descrito em 4 esteve aberto e transitável até ../../2023, e a partir dessa data, os RR decidiram vedar todo o seu terreno em toda a sua extensão”, pelo que com tal ação impediram que os requerentes possam aceder ao seu prédio através da referida faixa de terreno.
Ou seja, se bem que os requerentes continuaram na posse do seu prédio, e poderiam passar por outro caminho, na verdade está em causa o direito de aceder ao seu prédio por aquele caminho que lhes foi obstruído pelos Requeridos, portanto não concordamos com a sentença quando afirma que não há esbulho.
E isso ainda que os mesmos Requerentes tenham outra via para aceder àquele mesmo prédio, podendo assim usufruir do prédio, mas não do dito caminho.
Efetivamente, o que aqui está em causa não é a posse sobre tal prédio, mas sobre o próprio caminho obstruído.
Daí que a decisão recorrida não poderia manter-se, sendo de julgar improcedente a oposição dos Requeridos baseada no apontado fundamento de falta de esbulho.
E quanto ao terceiro requisito?
No que respeita ao terceiro requisito – violência – há duas correntes na doutrina e na jurisprudência.
Para uma, largamente maioritária, a violência pode ser exercida sobre as pessoas ou sobre as coisas.
Para outra corrente, o esbulho a considerar na providência cautelar de restituição provisória de posse é apenas aquele que resulte de violências ou ameaças contra as pessoas que defendem a posse.
Aderimos à primeira. Abrantes Geraldes[ii] afasta a tese da violência exclusivamente exercida sobre pessoas, por considerar que “tem subjacente a prevalência de juízos lógico-formais que, aplicados aos casos da vida real, determinam, com frequência, resultados irrazoáveis e inaceitáveis”.
Conclui o autor citado, com um argumento fundado no confronto interpretativo dos artigos 1261.º e 255.º do Código Civil, que nos parece incontornável: «Não definindo a lei o conceito de esbulho violento quando estabelece o elenco dos pressupostos da restituição provisória, não restam dúvidas quanto à necessidade de procurar no instituto da posse a norma que permita colmatar essa falha. Neste sentido, sendo o esbulho uma das formas através das quais se pode adquirir a posse, a sua qualificação como violento deve ser o resultado da aplicação do art. 1261.º do CC, com o que somos transportados, por expressa vontade do legislador, para o disposto no art. 255.º do CC, norma que integra na actuação violenta tanto aquela que se dirige directamente à pessoa do declaratário (leia-se, do possuidor), como a que é feita através do ataque aos seus bens».
A propósito, no blogue do Prof. Teixeira de Sousa, lê-se no comentário on line ao artigo 377º o seguinte: “ O esbulho violento atribui ao esbulhador uma posse violenta (art. 1261.o, n.o 1, CC) e de má fé (art. 1260.o, n.o 3, CC). Estas características apenas valem, como tal, perante o esbulhado, não perante terceiros. (b) É violenta a posse que foi obtida com coacção física ou com coacção moral (art. 1261.o, n.o 2, CC). Neste contexto, a coacção física é o desapossamento pela força física e a coacção moral o desapossamento pela intimidação, pelo constrangimento ou pela ameaça ou receio de um mal. Em qualquer dos casos, o desapossamento ocorreu contra a vontade do possuidor.
(a) A coacção física pode incidir directa ou indirectamente sobre o possuidor. A circunstância de o art. 1261.o, n.o 2, CC não remeter para o art. 246.o CC permite a construção de uma noção própria e autónoma de coacção física. (b) A coacção física é directa quando recai sobre o próprio possuidor. (c) A coacção física é indirecta quando o possuidor fica impossibilitado de fruir da coisa – e, portanto, de exercer a posse sobre ela – por um obstáculo físico criado ou erigido pelo esbulhador (dif., entendendo que se trata de uma situação de coacção moral, RE 30/6/2022 (150/22); STJ 9/11/2022(150/22)).”
A jurisprudência tem vindo a entender que a constituição de um obstáculo físico que impede ao possuidor o acesso ao objecto da sua posse, e, consequentemente, inviabiliza a sua fruição, se traduz no requisito da violência exigido no n.º 1 do artigo 377º do Código de Processo Civil.
Nesse sentido, veja-se o acórdão da Relação de Guimarães, de 2-11-2005 ( António Gonçalves) sumariado nestes termos e com um caso muito semelhante ao dos presentes autos: “ À requerente a quem foi efectivamente retirada a posse do direito de passar pelo caminho que lhe permitia a aceder ao seu prédio rústico e se estende no prédio dos requeridos onerado com um direito de servidão em benefício do prédio da recorrente, esta atitude assim tomada pelos recorridos constitui um acto de esbulho violento a merecer a sua imediata restituição.”
E ainda o acórdão da Relação de Guimarães, de 3.11.2011 ( relator: António Sobrinho), sumariado nestes termos: «Na acção cautelar de restituição provisória de posse, quando a actuação do esbulhador sobre a coisa esbulhada é de molde a, na realidade, tornar impossível a continuação da posse, seja através de obstáculos físicos ao acesso à coisa, seja através de meios que impedem a utilização pelo possuidor da coisa esbulhada, estaremos perante um caso de esbulho violento».
Com relevância nesta sede, provou-se que:
10. Os requeridos, no decurso do mês de Janeiro de 2023, entenderam cortar toda a vegetação do prédio referido em 2);
11. No decorrer da desflorestação, as máquinas que realizaram o trabalho rasparam o solo e retiraram-lhe a dureza, tornando o terreno outrora compactado em movediço, inapto à passagem até de um tractor agrícola;
12. Perante a demora dos autores na reposição do caminho, os autores colocaram-lhe gravilha para que retomasse as características de dureza aptas à passagem habitual;
13. Decidiram então os réus vedar o terreno em toda a sua extensão, tendo recentemente, no mês de Março, colocado uma vedação em ferro, segura por esteios, tanto a nascente como a poente do caminho existente no prédio referido em 2); (Da oposição e da instrução da causa, nos termos do art. 5º, nº 2, a) do CPC):
14. O descrito em 11) decorreu pelo período de duas a três semanas, em função do tempo chuvoso que se fez sentir;

19. O caminho descrito em 4) esteve aberto e transitável até ../../2023, com excepção de duas a três semanas, conforme descrito em 14);
20. Após concluírem as obras do novo caminho, e de forma proteger a sua plantação, os requeridos procederam à vedação do prédio em 18 de Março 2023;
Face ao critério de violência enunciado, não podemos deixar de considerar que o conceito em causa se encontra preenchido com a conduta dos requeridos (recorridos), na medida em que, com a sua conduta criaram um obstáculo físico que impede os requerentes (possuidores) de aceder ao objeto da sua posse, através do caminho do servidão e, consequentemente, inviabiliza a sua fruição ( do caminho).
Dito de outro modo: porque aos requerentes foi efetivamente retirada a posse do direito de passar pelo caminho que lhes permitia a aceder ao seu prédio e se estende no prédio dos requeridos onerado com um direito de servidão em benefício do prédio dos recorrentes, a atitude assim tomada pelos recorridos constitui um ato de esbulho violento a merecer a sua imediata restituição.
Por tudo o exposto, não concordamos com a sentença quando conclui que não há violência por não se ter provado o “ tom ameaçador”.
Aliás, citando aquele aresto do TRG de 3-11-2011 dir-se-á o seguinte: “ para haver violência no esbulho, mesmo no caso de coisas, não é necessário que se chegue, em termos de agressão, a vias de facto sobre o esbulhado. Basta que os contornos desse acto sobre as coisas e os meios usados traduzam um cariz intimidatório, de ameaça latente, que pode vir a repercutir-se sobre o esbulhado, impedindo-o de aceder ou utilizar a coisa possuída.”.
Assim, no circunstancialismo descrito é de concluir-se que os requerentes alegaram e provaram factualidade integradora de esbulho violento para efeitos dos artºs. 1279º do CC e 377º do CPC, assim se verificando o requisito da violência que justifica o decretamento da restituição provisória de posse.
Em suma: estando já dado como assente, sem impugnação anterior ou neste recurso, que os Requerentes têm o direito de aceder ao seu prédio pelo caminho que lhes foi violentamente obstruído pelos Requeridos, a restituição de posse já ordenada, não pode deixar de ser mantida.
E isso ainda que os mesmos Requerentes tenham outra via para aceder àqueles mesmos prédios.
Efetivamente, o que aqui está em causa não é a posse sobre tais prédios, mas sobre o próprio caminho obstruído. E, nessa medida, é essa posse que se impõe reabilitar, uma vez que a lei expressamente o prevê e consente.
Daí que a decisão recorrida não possa manter-se em vigor, sendo de julgar improcedente a oposição dos Requeridos baseada também no apontado fundamento.
Quanto aos demais motivos de discordância da decisão recorrida, a sua apreciação fica prejudicada, porquanto a revogação da decisão recorrida tem como consequência necessária a revogação da condenação como litigantes de má fé, cujos requisitos não se verificam in casu, pelas mesmas razões supra analisadas.
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V- DECISÃO

Pelas razões expostas, acorda-se em conceder provimento ao presente recurso e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida, no seu todo, inclusive a condenação como litigante de má fé e julga-se improcedente a oposição dos Requeridos.
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- Porque decaíram na sua pretensão, as custas da oposição e deste recurso serão suportadas pelos Apelados/requeridos - artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Guimarães, 2 de maio de 2024

Anizabel Sousa Pereira ( relatora)
Sandra Melo e
Margarida Pinto Gomes


[i] A Posse, Estudo de Direito Civil Português, Fernando Luso Soares – Ensaio sobre a Posse como fenómeno social e instituição jurídica, Almedina, Coimbra, 1981, pág. 363 e 364.
[ii] Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, 3.ª edição, Almedina, 2006, págs. 47.