Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002512
Parecer: P000912004
Nº do Documento: PPA30062005009100
Descritores: CÂMARA MUNICIPAL
VEREADOR
VICE PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL
SERVIÇOS MUNICIPALIZADOS
FUNÇÃO AUTÁRQUICA
LACUNA
ANALOGIA
SECTOR EMPRESARIAL DO ESTADO
ACUMULAÇÃO DE FUNÇÕES
CUMULAÇÃO DE REMUNERAÇÕES
LIMITE DO VENCIMENTO
CONTROLO FINANCEIRO
INSPECÇÃO GERAL DE FINANÇAS
TRIBUNAL DE CONTAS
Livro: 00
Numero Oficio: 2300
Data Oficio: 08/09/2004
Pedido: 08/11/2004
Data de Distribuição: 09/23/2004
Relator: PINTO HESPANHOL
Sessões: 01
Data da Votação: 06/30/2005
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: MFAP
Entidades do Departamento 1: MIN DAS FINANÇAS E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 02/09/2006
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 03-03-2006
Nº do Jornal Oficial: 45
Nº da Página do Jornal Oficial: 3182
Indicação 3: ASSESSOR:MARIA JOSÉ RODRIGUES
Área Temática:DIR ADM*ADM PUBL*FUNÇÃO PUBL/DIR CIV*TEORIA GERAL
Ref. Pareceres:P000431993Parecer: P000431993
P000521994Parecer: P000521994
P000521995Parecer: P000521995
P000281999Parecer: P000281999
P000022000Parecer: P000022000
P001212001Parecer: P001212001
P000442002Parecer: P000442002
P000772002Parecer: P000772002
P000102003Parecer: P000102003
Legislação:DL 142/95 ART1 ART2 ART4 ART5 ART6 N1 N2 N3 N4 ART7 N1 N2 ART11 N1 N2 ART12 N1 N2 ART17 N2 H) ART18 N1 N2 N3 ART19 ART20 ART24 N1 N2 DE 14/06; L 92-A/95 DE 28/12; DL 379/93 ART1 N2 DE 05/11; DL 343/98 DE 06/11; DL 136/2002 DE 16/05; DL 558/99 ART3 N1 N2 ART4 ART8 ART10 A 18 MAXIME ART 12 N1 N2 N3 ART23 N1 N2 DE 17/12; L 47/99 DE 16/06; DL 260/76 DE 08/04; L 169/99 ART64 N2 M) DE 18/09; L 159/99 ART13 N1 L) ART20 N1 A) ART26 N1 ART28 N1 D) DE 11/05; L 29/87 ART7 N1 A) B) DE 30/06; CCIV66 ART10 N1 N2 N3; L 58/98 DE 18/08; L 22/2004 DE 17/06; L 102/88 ART3 N1 DE 25/08; DL 249/98 ART2 N3 DE 11/08; RECT 13-F/98 DE 31/08; DL 363-A/98 DE 19/11; PORT 657/2000 DE 29/08; PORT 33/2001 DE 17/01; DL 91/2002 DE 12/04; L 14/96 ART1 ART2 N1 DE 20/04; L 98/97 ART2 ART5 N1 E) ART10 N1 ART12 N2 B) ART57 N1 DE 26/08; L 87-B/98 ART82 DE 31/12; L 1/2001 DE 04/01; L 107-B/2003 ART71 DE 31/12
Direito Comunitário:DIR COM CEE 80/723/CEE DE 25/06/1980
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1.ª Mantém-se válida a doutrina firmada nos Pareceres n.os 77/2002 e 77/2002-complementar do Conselho Consultivo, e, consequentemente, não são de considerar funções autárquicas as desempenhadas por vereador (e vice-presidente) da Câmara Municipal de Oeiras, em tempo parcial, e presidente dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Oeiras e Amadora, como administrador da sociedade anónima SANEST – Saneamento da Costa do Estoril, S. A., empresa pública societária constituída nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro;
2.ª Em todo o caso, as remunerações auferidas pelo exercício de funções de administrador na antedita sociedade anónima relevam para o cômputo do limite imposto de 75% do montante equivalente ao somatório do vencimento e abono mensal para despesas de representação do Presidente da República, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 102/88, de 25 de Agosto;
3.ª A garantia da observância do aludido limite remuneratório compete, no plano do controlo interno, aos órgãos de fiscalização dos organismos ou entidades responsáveis pelo processamento das remunerações em causa, e no plano do controlo externo, à Inspecção-Geral de Finanças, sem prejuízo dos poderes atribuídos ao Tribunal de Contas.

Texto Integral:

Senhor Ministro de Estado e das Finanças,
Excelência:


I

Face a dúvidas suscitadas pela Inspecção-Geral de Finanças acerca da doutrina sufragada no Parecer n.º 77/2002 deste Conselho Consultivo[1], o antecessor de Vossa Excelência dignou-se solicitar a este corpo consultivo a emissão de parecer visando o esclarecimento das questões concretas assim enunciadas[2]:

«As remunerações auferidas pelo Senhor José Arménio Lopes Neno, Vereador (e Vice-Presidente) da Câmara Municipal de Oeiras em tempo parcial e Presidente dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Oeiras e Amadora, entre 10 de Setembro de 2001 e 31 de Outubro de 2003, enquanto Administrador da SANEST [Saneamento da Costa do Estoril, S. A.], relevam ou não para o cômputo do limite de 75% do vencimento do Presidente da República, imposto pelo n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 102/88, de 25 de Agosto?
E, em caso de resposta afirmativa, qual a entidade responsável por garantir a observância de tal limite?»

Cumpre, pois, emitir o solicitado parecer.
II

1. Para melhor enquadrar a problemática suscitada, importa conhecer a factualidade vertida no Parecer n.º 726/2004 da Inspecção-Geral de Finanças[3], o qual esteve na base da solicitação do presente parecer:

a) Em 10 de Setembro de 2001, por deliberação da Assembleia Geral da sociedade anónima SANEST – Saneamento da Costa do Estoril, S. A., adiante designada por SANEST, e mediante prévia nomeação do representante do accionista Município de Oeiras, foi eleito administrador para o exercício das correspondentes funções até 31 de Outubro de 2003, José Arménio Lopes Neno, vereador (e vice-presidente) da Câmara Municipal de Oeiras em tempo parcial e presidente dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Oeiras e Amadora[4];

b) Por este exercício auferiu, mensalmente, as remunerações fixadas pela Comissão de Vencimentos daquela sociedade anónima para o cargo de administrador efectivo;

c) Tais remunerações, acrescidas daquelas que recebeu, também mensalmente, pelas indicadas funções autárquicas, ultrapassava o limite de 75% do vencimento do Presidente da República, limite esse estatuído na Lei n.º 102/88, de 25 de Agosto, para o exercício, ainda que em regime de acumulação, de quaisquer cargos e funções públicas (n.º 1 do artigo 3.º);

d) Na sequência de uma acção de controlo da Inspecção-Geral de Finanças junto da SANEST, o referido administrador, com base no Parecer n.º 77/2002 deste Conselho Consultivo, solicitou à SANEST que procedesse à redução da sua remuneração enquanto administrador, de forma a que o total das remunerações por si auferidas não excedesse o limite de 75% do vencimento do Presidente da República, tendo a SANEST procedido em conformidade;

e) Posteriormente, o mesmo administrador, por carta de 10 de Março de 2004, solicitou à SANEST que fosse dado sem efeito o seu anterior pedido, alegando, designadamente, que «as conclusões do referido Parecer [do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República] suscitaram-me dúvidas pelo que pedi uma opinião jurídica sobre o mesmo assunto. Tendo já recebido essa opinião, que junto para conhecimento da Ex.ma Administração, verifico que a doutrina constante do referido Parecer é, pelo menos, questionável e que não me encontro obrigado a aceitá-la. Assim, tendo a minha decisão inicial sido fundada em erro quanto ao direito aplicável e tendo eu desempenhado integralmente, as minhas funções de Administrador, venho solicitar que seja dado sem efeito o teor da mesma e, em consequência, que me sejam pagos integralmente os vencimentos correspondentes ao cargo que exerci»;

f) Em carta de 14 de Maio de 2004, a SANEST solicitou à Inspecção-Geral de Finanças informação quanto ao procedimento a seguir, já que «o pedido de reposição do ex-Administrador Senhor Engenheiro José Neno se fundou em dúvidas levantadas no âmbito da visita de inspecção à SANEST».

2. Aos fins da consulta interessa ainda referir o entendimento sustentado no antedito Parecer n.º 726/2004 da Inspecção-Geral de Finanças.

Depois de analisar as posições defendidas no Parecer n.º 77/2002 deste Conselho Consultivo e no parecer jurídico apresentado à SANEST pelo interessado, José Arménio Lopes Neno, da autoria de uma sociedade de advogados (que, por uma questão de simplificação, foram designados no parecer da Inspecção-Geral de Finanças, respectivamente, como P/PGR e P/SA), a Inspecção-Geral de Finanças formula as seguintes considerações:
«[…] para nós e ressalvado o devido respeito pelo douto P/PGR, não resulta perfeitamente clara a razão por que neste se consideram as funções de administrador em causa como funções públicas(x).
Por outro lado e dum modo geral, entendemos que são procedentes os argumentos expendidos no P/SA em favor da qualificação, como privadas, das funções de administrador de uma sociedade anónima, em função do critério do relacionamento jurídico(x1) do administrador com a sociedade.
Todavia, este entendimento não é de molde a esgotar a questão (no sentido de uma eventual concordância com a solução propugnada no P/SA).
Na verdade, não pode ignorar-se que as concretas funções do administrador em causa ostentam uma relevante particularidade, qual seja a de, embora sendo exercidas em nome próprio (e não em representação), o serem com base em nomeação do próprio Município; quer dizer, no caso, o facto de o vereador ser chamado a esse exercício deriva, única e exclusivamente, do facto de ter sido nomeado para o efeito pelo Município, sendo esta nomeação, aliás, expressamente invocada no acto da pertinente eleição(-).
Ora, esta nomeação só pode entender-se na base da existência de um interesse do Município, ou seja, um interesse perspectivado à realização dos seus fins institucionais, visto estar-lhe juridicamente vedada a prática de actos gratuitos ou inócuos, ou seja marginais ou neutros em relação àquela perspectiva.
Neste sentido, sempre poderia dizer-se que, independentemente do tipo de relacionamento jurídico existente entre o administrador e a sociedade ser predominantemente de direito privado, sempre deveria entender-se que o título pelo qual o administrador é chamado a exercer tal cargo se situa num plano distinto.
Este plano, caracterizado, como se disse, pelo interesse autárquico subjacente à nomeação, e por ser esta, afinal, o fundamento da eleição daquele concreto administrador, pode permitir, a nosso ver, considerar o exercício das funções em causa como representando, de algum modo, uma extensão das funções autárquicas, que as tornaria partícipes da natureza destas.
O que, em caso de reconhecimento do predomínio deste critério, permitiria concluir que as remunerações auferidas pelo exercício das funções de administrador relevam para o cômputo do limite imposto pelo n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 102/88, de 25 de Agosto.»

3. Nesta conformidade, a interrogação central formulada na consulta reconduz-se a saber se as funções de administrador da sociedade anónima SANEST, exercidas em nome próprio, na sequência de expressa nomeação por parte do accionista Município de Oeiras, consubstanciam ou não o exercício de funções autárquicas; por outro lado, pretende-se esclarecer se as remunerações auferidas pelo exercício dessas funções de administrador relevam ou não para o cômputo do limite imposto pelo n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 102/88, de 25 de Agosto, e, no caso de uma resposta afirmativa, qual a entidade responsável por garantir a observância de tal limite.

Para responder às questões enunciadas, importa, em primeiro lugar, examinar os estatutos da sociedade anónima SANEST – Saneamento da Costa do Estoril, S. A., com vista a determinar a respectiva natureza jurídica.

Em segundo lugar, haverá que apurar a dimensão do conceito de funções autárquicas, recorrendo, para tanto, à dilucidação acolhida no Parecer n.º 77/2002 deste Conselho Consultivo, bem como no respectivo parecer complementar, emitido em 1 de Abril de 2004, a propósito do mesmo quadro temático [5].

Por último, e em decorrência do que for apurado, caberá então responder às questões concretas suscitadas na consulta.
III

1. O Decreto-Lei n.º 142/95, de 14 de Junho[6], nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 1.° do Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de Novembro, criou, por um lado, o Sistema Multimunicipal de Saneamento da Costa do Estoril para recolha, tratamento e rejeição de efluentes dos municípios de Amadora, Cascais, Oeiras e Sintra, consagrando o regime jurídico da concessão da exploração e gestão desse Sistema Multimunicipal (artigo 1.º), e, por outro lado, a sociedade anónima SANEST – Saneamento da Costa do Estoril, S. A. (artigo 2.º), tendo aprovado os respectivos estatutos, que foram publicados em anexo (artigo 4.º).

Segundo o artigo 5.º, a SANEST «rege-se pelo presente diploma, pelos seus estatutos, pelas normas aplicáveis às sociedades anónimas e pelas normas cuja aplicação decorra do objecto da sociedade».

O artigo 6.º consigna, por seu turno, que o capital social da SANEST «é de 2.000.000.000$[7], representado por 1.720.000 acções da classe A, de 1.000$ cada uma, e 280.000 acções da classe B, também de 1.000$ cada uma» (n.º 1), sendo titulares originários das acções «a IPE – Águas de Portugal, Sociedade Gestora de Participações Sociais, S. A., com 51% do capital social, e os municípios de Amadora, Cascais, Oeiras e Sintra, com um total de 49% do capital social, cabendo à IPE – Águas de Portugal, SGPS, S. A., 1.020.000 acções da classe A, e a cada um dos municípios de Amadora, Cascais, Oeiras e Sintra, 175.000 acções da classe A e 70.000 acções da classe B (n.º 2), devendo as acções da classe A representar, sempre e pelo menos, 51% do capital social com direito a voto, «e delas apenas poderão ser titulares entes públicos, entendidos estes nos termos da alínea e) do n.º 2 do artigo 1.° da Lei n.º 71/88, de 24 de Maio» (n.º 3), acrescentando-se que é nula a transmissão de acções em violação do disposto no número anterior (n.º 4).
Refira-se, ainda, que o artigo 7.º atribuiu o exclusivo da exploração e gestão daquele Sistema Multimunicipal, em regime de concessão, à SANEST, por um prazo de 25 anos, contados a partir da celebração do contrato administrativo a celebrar entre o Estado e a SANEST, nos termos das bases anexas ao diploma (n.os 1 e 2 ).

2. No que releva para a questão posta, os estatutos da sociedade estipulam:
«Artigo 1.º
A sociedade adopta a denominação de SANEST – Saneamento da Costa do Estoril, S. A., e durará por tempo indeterminado.
«Artigo 2.º
1 – A sede social é na ETAR da Guia, freguesia e município de Cascais.
2 – Por deliberação do conselho de administração poderá a sociedade criar, deslocar ou encerrar sucursais, agências, delegações ou outras formas locais de representação, bem como poderá ser mudada a sede social para outro local sito no mesmo município ou em município limítrofe.
«Artigo 3.º
1 – A sociedade tem por objecto social exclusivo a exploração e gestão do Sistema Multimunicipal de Saneamento da Costa do Estoril.
2 – Incluem-se no objecto social da sociedade, nomeadamente, a construção, extensão, reparação, renovação, manutenção e melhoria das obras e equipamentos necessários para o desenvolvimento da actividade prevista no número anterior.
«Artigo 4.º
A sociedade poderá participar em quaisquer outras sociedades ou entidades legais com objecto similar ou complementar do seu.»

Sobre os órgãos sociais dispõe o capítulo IV do diploma, que abarca as disposições dos artigos 11.º a 25.º
Nos termos do artigo 11.º são órgãos sociais a assembleia geral, o conselho de administração e o conselho fiscal (n.º 1), sendo os membros da mesa da assembleia geral e dos demais órgãos sociais eleitos em assembleia geral por períodos de três anos, podendo ser reconduzidos uma ou mais vezes, contando-se como completo o ano civil em que foram eleitos (n.º 2).

E o artigo 12.º prevê que, no caso de uma minoria de accionistas ter votado contra a proposta que fez vencimento na eleição dos administradores, tem direito a designar um administrador, contanto que essa minoria represente pelo menos 10% do capital social (n.º 1), podendo designar mais um administrador, no caso de a minoria prevista no número anterior representar, pelo menos, 49% do capital social, para além do administrador eleito ao abrigo do número anterior, se o conselho de administração for composto de cinco administradores, bem como designar o vice-‑presidente da mesa da assembleia geral e o vogal do conselho fiscal que não seja revisor oficial de contas ou sociedade de revisores oficiais de contas (n.º 2).

Observe-se que, consoante o disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 17.°, compete, em especial, à assembleia geral, «[f]ixar as remunerações dos órgãos sociais da sociedade, podendo esta competência ser delegada em comissão de vencimentos a nomear para o efeito».

Ao conselho de administração referem-se os artigos 18.º a 23.º, sendo de destacar as seguintes notas.

O artigo 18.º prevê que a administração da sociedade será exercida por um conselho de administração, composto por três ou cinco membros (n.º 1), cabendo à assembleia geral eleger de entre os membros do conselho de administração o respectivo presidente (n.º 2), podendo a responsabilidade dos administradores ser dispensada de caução por deliberação da assembleia geral que os eleja (n.º 3).

O conselho de administração terá os poderes de gestão e representação da sociedade que lhe forem cometidos por lei, pelos presentes estatutos e pelas deliberações dos accionistas (artigo 19.º), podendo delegar num administrador ou numa comissão executiva de três administradores a gestão corrente da sociedade, devendo a deliberação de delegação fixar os limites da mesma (artigo 20.º).

Enfim, o artigo 24.º estipula que a «fiscalização da sociedade compete a um conselho fiscal, composto por três membros efectivos e um suplente (n.º 1), sendo que um dos membros efectivos e o suplente serão revisores oficiais de contas ou sociedades de revisores oficiais de contas (n.º 2).

Sintetizando, poderá afirmar-se que a SANEST – Saneamento da Costa do Estoril, S. A., é uma sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, que se rege pelo diploma que a instituiu, pelos estatutos publicados em anexo e, subsidiariamente, pela lei das sociedades comerciais.

3. O regime jurídico do sector empresarial do Estado encontra-se hoje consagrado no Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, publicado ao abrigo da Lei n.º 47/99, de 16 de Junho, que autorizou o Governo a legislar sobre o regime das empresas públicas e do sector empresarial do Estado[8].

A primeira novidade trazida pelo diploma consiste na redefinição do conceito de empresa pública, que, conforme se esclarece no preâmbulo, tem em vista aproximá-lo «daquele que é fornecido pelo direito comunitário»[9].

Nos termos do n.º 1 do artigo 3.º, empresas públicas são agora «as sociedades constituídas nos termos da lei comercial, nas quais o Estado ou outras entidades públicas estaduais possam exercer, isolada ou conjuntamente, de forma directa ou indirecta, uma influência dominante em virtude de alguma das seguintes circunstâncias: a) Detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto; b) Direito de designar ou de destituir a maioria dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização».

São também empresas públicas, de acordo com o n.º 2 do mesmo artigo, as entidades com natureza empresarial reguladas no capítulo III e que o artigo 23.º identifica como «as pessoas colectivas de direito público, com natureza empresarial, criadas pelo Estado e doravante designadas por entidades públicas empresariais» (n.º 1) e, ainda, as empresas públicas a que se refere o artigo 1º do Decreto-Lei n.º 260/76, de 8 de Abril, existentes à data da entrada em vigor do presente diploma (n.º 2).

A terceira modalidade expressamente individualizada é a das empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral, também denominadas sociedades de interesse colectivo, as quais se encontram definidas como as que prosseguem actividades que devem assegurar a universalidade e continuidade dos serviços prestados, a coesão económica e social e a protecção dos consumidores, sem prejuízo da eficácia económica e do respeito dos princípios da não discriminação e transparência, modalidade regulada no Capítulo II, de cujas regras se destaca a que afirma que, salvo quando a lei dispuser diversamente, os termos em que a gestão é atribuída e exercida constarão de contrato de concessão.

Como se vê, o novo diploma adopta um conceito de empresa pública muito mais amplo que o acolhido no Decreto-Lei n.º 260/76, de 8 de Abril, passando a incluir no respectivo âmbito, não só as empresas de base institucional (designadas «entidades públicas empresariais»), como as empresas do tipo societário, que o Decreto-Lei n.º 260/76 remetera para o regime comum do direito comercial, o que se traduziu num significativo aumento do universo das empresas abrangidas, mas também numa maior variedade de figuras jurídicas que o integram[10].

Existem aparentemente duas formas jurídico-organizatórias de empresas públicas[11]: a privada, representada pelas sociedades comerciais em que a posição directa ou indirecta do Estado ou de outras entidades públicas estaduais seja dominante; e a pública, correspondente ao protótipo de empresa pública moldado pelo Decreto-Lei n.º 260/76, enquanto pessoa colectiva de direito público[12].

Assim, no quadro do novo regime jurídico do sector empresarial do Estado, instituído pelo Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, a SANEST, S. A., porque constituída nos termos da lei comercial e considerando a influência dominante que o Estado («IPE – Águas de Portugal, Sociedade Gestora de Participações Sociais, S. A.», com 51% do capital social) pode exercer sobre a sua gestão, é uma empresa pública societária, modalidade prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-‑Lei n.º 558/99.

Tratando-se de uma empresa pública em forma societária são-lhe aplicáveis as disposições constantes dos artigos 4.º, 8.º e 10.º a 18.º do Decreto-Lei n.º 558/99, merecendo destaque o regime de controlo financeiro previsto no artigo 12.º [13].

Nos termos do apontado normativo, as empresas públicas ficam sujeitas a controlo financeiro destinado a averiguar da legalidade, economia, eficiência e eficácia da sua gestão (n.º 1), competindo esse controlo financeiro à Inspecção-Geral de Finanças, sem prejuízo das competências atribuídas pela lei ao Tribunal de Contas (n.º 2), devendo aquelas empresas adoptar «procedimentos de controlo interno adequados a garantir a fiabilidade das contas e demais informação financeira, bem como a articulação com as entidades referidas no número anterior» (n.º 3).

IV

1. No Parecer n.º 77/2002, de 13 de Fevereiro de 2003, este Conselho Consultivo foi chamado a pronunciar-se sobre a dimensão do conceito de funções autárquicas a propósito de questões relativas a eventuais incompatibilidades do exercício do cargo de presidente da câmara municipal e de vereador a tempo inteiro com o exercício do cargo de membro do conselho de administração de empresa pública ou de sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos cujas actividades se enquadravam no âmbito de atribuições dos municípios, bem como sobre a remuneração desses eleitos locais, considerando o exercício cumulativo das aludidas funções.

Relativamente à noção de funções autárquicas afirmou-se naquele Parecer:

«Funções autárquicas são desde logo as desempenhadas pelos titulares dos órgãos autárquicos, no exercício das competências que a lei lhes confere para a prossecução das atribuições da pessoa colectiva município.
A essa luz, as competências conferidas pela Lei n.º 169/99 [de 18 de Setembro] aos titulares dos órgãos electivos municipais são inegavelmente subsumíveis à categoria de funções autárquicas. Igualmente se devem considerar dessa natureza aquelas funções exercidas por inerência, bem como aquelas para que a câmara nomeia os respectivos titulares, como é o caso do cargo de presidente ou vogal do conselho de administração dos serviços municipalizados. Os serviços municipalizados, embora com organização e gestão empresarial, são ainda elemento integrante da pessoa colectiva município, sendo o respectivo conselho de administração nomeado pela própria câmara municipal [artigo 64.º, n.º 2, alínea m), da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro].
De igual modo constituem funções autárquicas, no contexto das atribuições municipais da cultura [artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro] a administração do Teatro Municipal José Lúcio da Silva, no âmbito da comissão de gestão criada pelo Município, em cumprimento da doação.
5.1. As demais entidades — a empresa municipal Leirisport, as sociedades anónimas VALORLIS e SIMLIS, a fundação Escola Profissional de Leiria e a comissão regional de turismo de Leiria/Fátima — posto que são instituições com personalidade jurídica, apresentando-se com autonomia estatutária, organização e gestão em relação ao município, já não consentem a mesma resposta.
A actividade desenvolvida por estas entidades visa prosseguir os fins das próprias autarquias. A leitura dos estatutos evidencia que as atribuições destas pessoas colectivas se enquadram no campo das atribuições da pessoa colectiva município.
Com efeito, as atribuições de saneamento da SIMLIS poderiam ser desenvolvidas directamente pelo município no âmbito das suas atribuições e competências [artigos 13.º, n.º 1, alínea l), e 26.º, n.º 1, da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro]; de igual modo, as atribuições da VALORLIS, consubstanciadas na valorização e tratamento de resíduos sólidos, enquadram-se nas atribuições do Município de Leiria, que as poderia desempenhar por si [artigos 13.º, n.º 1, alínea l), e 26.º, n.º 1, alínea c) da mesma Lei].
O mesmo se diga quanto à Fundação Escola Profissional de Leiria face aos seus fins a prosseguir e o que se prescreve na mesma Lei n.º 159/99 [artigo 28.º, n.º 1, alínea d)], à LEIRISPORT, competindo-lhe actividades de criação, construção e gestão de equipamentos desportivos, de lazer e turismo e organização de actividades nessas áreas, as quais são também atribuições do município [artigo 13.º, alínea f), e 21.º da mencionada Lei n.º 159/99].
A actividade levada a cabo por qualquer das entidades antes assinaladas pode também ser cumprida directamente pelo município, em exercício das atribuições e competências que lhe estão conferidas, por a ele lhe interessarem.
Ao não o fazer directamente, devolve àquelas o encargo de satisfazer devidamente tais atribuições, que as exercem em nome próprio.
Dir-se-á que a actividade exercida por estas entidades se caracteriza por se enquadrar no contexto das atribuições dos municípios, mas não são actos destes, antes se projectando na esfera jurídica das entidades que os praticam.
Estabelecendo um paralelismo com a organização estadual indirecta, surpreendem-se traços similares, podendo, porventura, apelidar-se de administração autárquica indirecta.
A complexização das funções autárquicas que cada vez mais se faz sentir consequência da expansão das atribuições que as autarquias vêm recebendo, aliada à necessidade de melhor satisfazer os interesses das populações, vai conduzir a que sejam criadas entidades diferenciadas das autarquias, dotadas de personalidade jurídica para a prossecução de tais funções.
Poder-se-ia dizer que as actividades desenvolvidas por estes organismos são ainda, consoante o critério do interesse, funções autárquicas, mas já não o são numa perspectiva funcional, enquanto actividades desenvolvidas pelas estruturas, formas e processos que as leis prevêem e conformam para a prossecução dos fins da autarquia.
Os titulares dos órgãos das pessoas colectivas que desenvolvem estas actividades não se encontram assim no desempenho de uma função autárquica, para os efeitos da previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 29/87, não podendo os presidentes e vereadores que também desempenhem estes cargos ser remunerados nos termos desta disposição legal.
Mas a situação assim caracterizada também não se adequa à previsão da alínea b) do mesmo n.º 1, posto que não respeita ao exercício de uma profissão liberal ou a qualquer actividade privada. O que tudo se mostrava em coerência com o regime de não acumulação de cargos públicos então vigente.
Estar-se-á perante uma lacuna da lei, a preencher, em primeiro lugar, “segundo a norma dos casos análogos” — n.º 1 do artigo 10.º do Código Civil —, sem esquecer que a analogia, consoante o disposto no n.º 2 do mesmo preceito, exige que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei. Só na ausência de caso análogo o intérprete deverá proceder de acordo com o preceituado no n.º 3, resolvendo a situação segundo a norma que ele próprio criaria, se tivesse que legislar dentro do espírito do sistema.
5.1.1. Segundo Baptista Machado — segue-se nesta parte o Parecer n.º 52/95, deste corpo consultivo, que se transcreve, apesar da extensão —, “dois casos dizem-se análogos quando neles se verifique um conflito de interesses paralelo, isomorfo ou semelhante e de modo a que o critério valorativo adoptado pelo legislador para compor esse conflito de interesses num dos casos seja por igual ou maioria de razão aplicável no outro — cfr. o n.º 2 do artigo 10.º (x2) (x3).
“O caso omisso tem de ter sempre alguma diversidade em relação ao caso previsto. É relativamente semelhante, mas é também relativamente diverso. O que a analogia supõe é que as semelhanças são mais fortes que as diferenças. Há um núcleo fundamental nos dois casos que exige a mesma estatuição. Se esse núcleo fundamental pesar mais que as diversidades, pode afirmar-se que há analogia (x4).
Ou seja, é sempre através de uma valoração, dirigida à descoberta da essência daquela situação que se pode chegar à afirmação de que existe analogia.
O recurso à analogia como primeiro meio de preenchimento das lacunas justifica-se por uma razão de coerência normativa ou de justiça relativa, recondutível ao princípio da igualdade: tratar igualmente aquilo que é igual. Ou, como escreveu Baptista Machado, ‘os casos semelhantes ou conflitos de interesses semelhantes devem ter um tratamento semelhante’. A isso acresce ainda uma razão de certeza do direito, uma vez que é muito mais fácil obter a uniformidade de julgados pelo recurso, com as devidas adaptações, à norma aplicável aos casos análogos do que remetendo o julgador para critérios de equidade ou para princípios gerais do Direito.
O método analógico, baseado no argumento a simili ou a pari ratione (ubi eadem ratio est, ibi eadem dispositio), permite o recurso quer à analogia legis, quer à analogia juris.
Na primeira, a que Larenz também chama ‘analogia particular’, verifica-se a aplicação ao caso omisso de uma norma aplicável no caso previsto na lei; na segunda, que o mesmo autor denomina ‘analogia geral’, de várias disposições legais que ligam idêntica consequência jurídica a hipóteses legais diversas, infere-se um princípio jurídico geral que se ajusta tanto à hipótese não regulada na lei como às hipóteses reguladas. A obtenção de um princípio geral por via de uma analogia juris funda-se no conhecimento de que a ratio legis, comum a todas as disposições concretas, não só diz respeito aos casos particulares regulados, mas verifica-se sempre que existam determinados pressupostos indicados de modo geral. A recondução de todas as disposições particulares à ratio legis permite a formulação de um princípio jurídico geral, que é ‘esclarecedor’ pelo conteúdo de justiça material a ele inerente, o que se comprova, no plano jurídico-positivo, pela análise dos casos regulados em concordância com ele (x5).
5.2. Há entre as duas situações um forte paralelismo e a conjugação de elementos que as torna análogas, sendo as semelhanças mais evidentes do que as diferenças.
Trata-se de considerar de modo idêntico aqueles titulares que desempenhando as funções de presidente de câmara ou de vereador em regime de permanência que simultaneamente exerçam uma actividade profissional ou uma actividade privada com aqueles que exerçam outra actividade de natureza pública.
Aos presidentes de câmara e vereadores que acumulem as suas funções com outros cargos ou funções que não devem ser considerados autárquicos, ser-lhes-á reduzida a remuneração base em 50%, a que acrescerão as remunerações ou senhas de presença que pelos demais cargos ou funções que por lei tiver direito.
Em todo o caso, a acumulação de remunerações pelo exercício de cargos públicos tem, todavia, o limite decorrente do previsto no artigo 3.º da Lei n.º 102/88, de 25 de Agosto, nos termos da qual se prescreve a proibição de se receber, pelo exercício de funções ou de cargos públicos, remunerações ilíquidas superiores a 75% do montante mensalmente auferido pelo Presidente da República a título de vencimento e abono para despesas de representação.
Importa, no entanto, acrescentar uma nota.
O preceito não distingue se o efeito de redução de vencimento decorre de actividades remuneradas ou não remuneradas, parecendo ser indiferente qualquer uma das situações. Todavia, nem todo o exercício de actividades públicas ou privadas ou de índole profissional liberal gerarão a redução do vencimento em 50%, como tem sido referido pelo Supremo Tribunal Administrativo (supra ponto 4[14]). Assim, porventura entre outros casos, não se subsumirão à previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 29/87, aquelas situações de exercício de cargos a título gratuito, de carácter transitório e sem prejuízo das funções próprias de vereador ou de presidente de câmara.»

No seguimento do estofo argumentativo recortado, formularam-se então as seguintes conclusões:

«1.ª No regime geral da Constituição da República de 1976 (artigo 260.º, actual e artigo 270.º, na redacção originária), a regra geral é a proibição de acumulação de cargos ou empregos públicos, salvo nos casos e nas condições expressamente admitidas por lei, sendo a acumulação ainda condicionada pela inexistência de incompatibilidades entre os cargos cumulandos;

2.ª Para os efeitos da lei que define o regime jurídico de incompatibilidades dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, os presidentes e vereadores de câmara municipal são considerados titulares de cargos políticos [artigo 1.º, n.os 1 e 2, alínea f) da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto];

3.ª A regra da exclusividade a que estão sujeitos os titulares de cargos políticos sofre uma excepção quanto aos presidentes e vereadores de câmara municipal, mesmo em regime de permanência, a tempo inteiro ou parcial, que podem exercer outras actividades, sem prejuízo dos regimes de incompatibilidades e impedimentos previstos noutras leis para o exercício de cargos ou actividades profissionais (artigos 4.º, n.º 1, e 6.º da mesma Lei n.º 64/93);

4.ª A acumulação do cargo político de presidente ou vereador de câmara municipal com o cargo público de presidente ou membro do conselho de administração em empresa pública ou de sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, de âmbito municipal ou regional, que prossigam fins de interesse público local e se contenham no âmbito de atribuição dos municípios, não faz incorrer em incompatibilidade os titulares de tais cargos públicos, quando também exerçam os cargos de vereador ou presidente de câmara;
5.ª De igual modo, não incorre em incompatibilidade o presidente ou membro do conselho de administração dos serviços municipalizados, o titular de órgão não executivo de associação pública e de fundação em regime de direito privado, de âmbito municipal, que, simultaneamente, exerça as funções de presidente ou vereador de câmara municipal;

6.ª O presidente e vereador em regime de permanência a tempo inteiro que exerça em exclusividade as suas funções autárquicas recebem a totalidade das remunerações a que se referem os artigos 6.º, n.os 2 e 3, e 7.º, n.os 1, alínea a), e 2, da Lei n.º 29/87, de 30 de Junho (Estatuto dos Eleitos Locais);

7.ª Para efeitos do regime remuneratório dos eleitos locais e a fixação do respectivo quantum, nos termos do artigo 7.º, n.º 1, da citada Lei n.º 29/87, não são de considerar funções autárquicas as funções desempenhadas por presidente de câmara e por vereador em regime de permanência a tempo inteiro, nas entidades a que se referem as conclusões 4.ª e 5.ª;

8.ª A acumulação de cargo político e de cargo público, nos termos das conclusões anteriores, confere ao titular o direito a perceber a remuneração do cargo de origem, reduzido em 50%, ao qual acrescem as remunerações ou senhas de presença que por tais cargos em acumulação e nas condições legais forem devidas;

9.ª Pelo exercício, ainda que em acumulação, do cargo de presidente de câmara e de vereador em regime de permanência, a tempo inteiro, não podem, a qualquer título ser percebidas remunerações ilíquidas superiores a 75% do montante equivalente ao somatório do vencimento e abono mensal para despesas de representação do Presidente da República (artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 102/88, de 25 de Agosto);

10.ª Para efeitos do limite referido na conclusão anterior não são considerados o subsídio de refeição, o abono de família e prestações complementares, os abonos para falhas, as ajudas de custo, subsídios de viagem e de marcha e quaisquer outros que revistam a natureza de simples compensação ou reembolso de despesas realizadas por motivo de serviço (artigo 3.º, n.º 2, da mesma Lei);

11.ª As ajudas de custo e os subsídios de transporte destinam-se a compensar ou reembolsar quem efectuou despesas por motivo do serviço, nada obstando à sua cumulação com outras importâncias percebidas a título de remuneração, sendo suportadas pela entidade no interesse de quem são efectuadas.»

2. Entretanto, tendo sido representadas dúvidas concernentes à interpretação do antedito Parecer n.º 77/2002, o então Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente entendeu por bem submetê-las igualmente a parecer deste Conselho Consultivo[15].

Mercê dessa solicitação foi emitido o Parecer n.º 77/2002-complementar, votado na sessão de 1 de Abril de 2004, no qual foi novamente equacionada a problemática relativa ao conceito de funções autárquicas.

A este propósito argumentou-se no Parecer em apreço:

«6. O parecer n.º 77/2002 ponderou, pela primeira vez em termos gerais ao nível remuneratório, as implicações da acumulação de funções autárquicas com funções públicas(x6). No entanto, a abordagem metodológica das questões em discussão dispensou uma aproximação ao conceito de funções públicas, situando-se noutro plano. Pretendeu-se estudar se as actividades desempenhadas pelos titulares dos órgãos autárquicos nos órgãos de outras entidades públicas eram ainda funções autárquicas; sendo a resposta afirmativa, a respectiva remuneração apurava-se por aplicação directa do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 29/87, de 30 de Junho.
O parecer estabeleceu a distinção entre esses dois tipos de funções através da aplicação dos, aí denominados, critérios do interesse e da perspectiva funcional, tendo concluído que as funções desempenhadas nos entes jurídicos externos à autarquia, sendo ainda autárquicas de acordo com o primeiro daqueles critérios, já o não são na perspectiva funcional, “enquanto actividades desenvolvidas pelas estruturas, formas e processos que as leis prevêem e conformam para a prossecução dos fins da autarquia”.
O elemento essencial de diferenciação é, assim, o meio através do qual o município concretiza as atribuições que a lei lhe comete. Sendo o exercício de tais atribuições levado a efeito por entidades jurídicas diversas da pessoa colectiva município, estas, participando ainda dos fins da pessoa colectiva, dela se diferenciam, actuando e intervindo em nome próprio. Após a sua criação pela autarquia, autonomizam-se e individualizam-se ganhando vida própria e independente de quem as promoveu. As atribuições que prosseguem são próprias da sua pessoa e não da autarquia.
A apreensão desta distinção repousa na transformação e mutação que as autarquias vêm conhecendo ao longo dos últimos anos, que não ficaram insensíveis à denominada “fuga para o direito privado”, vendo nos institutos e soluções do direito privado os instrumentos jurídicos adequados a uma melhor prossecução do interesse público, que lhes compete promover e defender.
Esta nova realidade, decorrente da proliferação de entes jurídicos novos, promovidos pelas autarquias, mas exteriores às mesmas, evidencia um quadro institucional diverso daquele pré-existente à data da publicação da Lei n.º 29/87, de 30 de Julho, mas que dela guarda o essencial: a necessidade de dedicação dos titulares dos órgãos autárquicos ao exercício das funções destes.
Tendo concluído que as funções exercidas por titulares dos órgãos autárquicos em pessoas colectivas distintas da autarquia não se reconduz à noção de funções autárquicas, impunha-se indagar qual o seu regime remuneratório, em situação de acumulação, atendendo aos termos fragmentários como o diploma legal em causa regula a matéria.
7. Se o regime da remuneração de situações de acumulação de funções autárquicas com actividade privada não suscita dificuldades, face aos antecedentes doutrinários deste Conselho (x7) e da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo(x8), o mesmo não ocorre em situações de acumulação de autárquicas com funções públicas, não existindo referências ao tratamento do tema, quer na doutrina quer na jurisprudência.
O parecer n.º 77/2002 aceita que as situações desenhadas se possam encaixar num quadro de acumulação de funções autárquicas e de funções públicas e face à inexistência de um regime remuneratório para estes casos(-), conclui pela existência de lacuna, a integrar com recurso aos casos análogos.»

De harmonia com o entendimento explanado, concluiu-se no mencionado Parecer n.º 77/2002-complementar:

«1.ª Mantêm-se as conclusões do parecer do Conselho Consultivo n.º 77/2002, votado na sessão de 13 de Fevereiro de 2003, e publicado no Diário da República, II série, n.º 228, de 2 de Outubro do mesmo ano;

2.ª São funções autárquicas as funções desempenhadas pela Presidente da Câmara Municipal de Leiria no Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados de Leiria, e pelo Vereador a tempo inteiro na Comissão de Gestão do Teatro Municipal José Lúcio da Silva, sendo-‑lhes aplicáveis, em termos remuneratórios, o regime que decorre do disposto nos artigos 6.º, n.os 2 e 3, e 7.º, n.os 1, alínea a), e 2, da Lei n.º 29/87, de 30 de Junho (Estatuto dos Eleitos Locais), tal como mencionado na conclusão 6.ª;

3.ª Para os efeitos da conclusão 7.ª do aludido Parecer, não são de considerar funções autárquicas, as funções, de natureza executiva ou não executiva, remuneradas ou não remuneradas, desempenhadas por presidente da câmara e por vereador a tempo inteiro em regime de permanência, em conselho de administração de empresa constituída nos termos da Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto[16]

3. A solução firmada nos apontados Pareceres do Conselho Consultivo pretende considerar de modo idêntico aqueles titulares que desempenhem funções de presidente de câmara municipal ou de vereador em regime de permanência, em simultâneo com uma actividade profissional ou uma actividade privada, e outros titulares que a par daquelas funções autárquicas exerçam uma actividade de natureza pública.

Entretanto, a Lei n.º 22/2004, de 17 de Junho[17], veio clarificar o regime de remuneração dos eleitos locais quando exerçam, em acumulação, outras funções públicas ou privadas não remuneradas (nova redacção conferida à alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do Estatuto dos Eleitos Locais).

Assim, aos presidentes de câmara municipal e vereadores que acumulem as suas funções autárquicas com o desempenho remunerado de outras funções públicas ou privadas, que não devam ser consideradas autárquicas, ser‑lhes-á reduzida a remuneração base em 50%, não podendo receber pelo exercício em acumulação dessas funções ou cargos públicos, remunerações ilíquidas superiores a 75% do montante equivalente ao somatório do vencimento e abono mensal para despesas de representação do Presidente da República, limite imposto no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 102/88, de 25 de Agosto.

Ora, seguindo a doutrina firmada no Conselho Consultivo a respeito daquela temática, que não se vê motivo para alterar, não são de considerar funções autárquicas, as funções desempenhadas por vereador (e vice-presidente) da Câmara Municipal de Oeiras, em tempo parcial, e presidente dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Oeiras e Amadora, na qualidade de administrador da sociedade anónima SANEST, empresa pública societária constituída nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro.

Em todo o caso, as remunerações auferidas pelo exercício de funções de administrador na mencionada sociedade anónima relevam para o cômputo do limite imposto no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 102/88, de 25 de Agosto.

V

1. As funções de controlo financeiro de uma organização podem revestir uma multiplicidade de formas, e no âmbito de cada uma, vários procedimentos.

No sistema nacional, público, de controlo financeiro, importa distinguir o controlo interno e o controlo externo, que constituem «duas realidades distintas, substancial e formalmente, sem prejuízo de poderem desenvolver a mesma actividade material e deverem então articular-se, embora sob a orientação do controlo externo, o qual poderá não só utilizar o controlo interno, como avaliar a sua organização, funcionamento e fiabilidade»[18].

Assim, «o controlo interno organiza-se e funciona no interior da gestão financeira do Sector Público e está integrado nas respectivas estruturas organizatórias e dirigentes, dependendo, em última instância, do seu órgão de cúpula, de tutela ou accionista e respectivos titulares, maxime, portanto, do Governo»[19].

Como entidades de controlo interno perfilam-se os órgãos de inspecção inseridos na própria unidade que controlam e as inspecções-gerais dos ministérios.

Por seu turno, «o controlo externo organiza-se e funciona fora de qualquer plano ou nível da gestão financeira do Sector Público; tem poderes sobre ela; e é independente, não só de todos os órgãos do Estado e seus titulares, como de qualquer outra estrutura organizatória e dirigente daquele; pode utilizar a actividade material e deve avaliar a fiabilidade do controlo interno; o controlo externo serve, antes de tudo o mais, os cidadãos contribuintes, hoje, todos os cidadãos, dos quais é o último e o máximo defensor e garante da boa utilização dos dinheiros de que aqueles foram privados para serem confiados às entidades e aos gestores do Sector Público, com vista à realização das missões globais do Estado»[20].

Sem preocupações de exaustividade, «são três as entidades que, em Portugal, detêm poderes e competências de controlo financeiro externo: a Assembleia da República, o Tribunal de Contas e o Tribunal de Contas Europeu(-)»[21].

O controlo financeiro, enquanto espécie de controlo material ou de actividade, confronta a actividade controlada com um certo número de critérios e objectivos, nomeadamente a sua regularidade e legalidade.

A regularidade significa que a actividade financeira deve obedecer «a um conjunto de regras que a tornem racional, sã, regular e contabilisticamente correcta ou aceitável», «quer se trate de regras mínimas de correcção formal (como o simples equilíbrio formal: não pode haver despesas sem haver receitas), até regras de contabilidade (o controlo financeiro tem sempre uma referência a regras de contabilidade, isto é, registo e cálculo racional das grandezas da actividade financeira), ou de mera sanidade financeira (correcção das previsões de cobranças ou pagamentos)». A regularidade ancora-se nos valores essenciais de qualquer administração de bens, como sejam «a integridade dos valores públicos e a fidelidade dos gestores, com as correspondentes relações de confiança e responsabilidade» e também em «critérios básicos de qualquer prestação de contas: rigor, clareza, verdade»[22].

Por sua vez, a legalidade significa «a imposição de que a actividade financeira obedeça à lei, por os actos financeiros deverem ser conformes a ela (subordinação à lei) e os poderes respectivos terem de resultar da lei (atribuição por lei). No plano financeiro a legalidade cobre a lei em geral (legalidade genérica) e a legalidade específica, consistente em autorizações especiais que condicionam toda a gestão orçamental, nomeadamente a autorização anual para a cobrança de receitas e a criação de despesas (orçamento), indissociável do funcionamento dos mecanismos de representação política que é o cerne da democracia representativa (pluralista e, em especial, multipartidária).[23]»

Conatural e correspondente necessário das funções de controlo, e para garantir o respeito dos critérios respectivos, a responsabilização («accountability») constitui um princípio essencial. De facto, a gestão de dinheiros alheios pressupõe a responsabilidade perante o respectivo titular, não podendo haver funções financeiras (sejam políticas ou meramente administrativas) sem formas adequadas de responsabilização[24].

2. Especificamente quanto ao sector empresarial do Estado, como já se referiu, compete à Inspecção-Geral de Finanças, sem prejuízo das competências atribuídas pela lei ao Tribunal de Contas, efectuar o controlo financeiro destinado a averiguar da legalidade, economia, eficiência e eficácia da sua gestão, nos termos do n.º 2 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro.

Aliás, esse âmbito de intervenção da Inspecção-Geral de Finanças era já consagrado no n.º 3 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 249/98, de 11 de Agosto[25].

Resulta, assim, evidente «o papel central da Inspecção-Geral de Finanças no controlo financeiro do sector público empresarial, bem como o controlo externo a cargo do Tribunal de Contas»[26].

Paralelamente, devem as empresas públicas adoptar procedimentos de controlo interno adequados a garantir a fiabilidade das contas e demais informação financeira, bem como a articulação com a Inspecção-Geral de Finanças e o Tribunal de Contas (n.º 3 do citado artigo 12.º).

Na sociedade anónima SANEST – Saneamento da Costa do Estoril, S. A., consoante o estatuído no artigo 24.º dos respectivos estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 142/95, de 14 de Junho, a fiscalização da sociedade compete a um conselho fiscal, composto por três membros efectivos e um suplente, em que um dos membros efectivos e o suplente serão revisores oficiais de contas ou sociedades de revisores oficiais de contas.

«Vale isto por dizer que as empresas públicas — todas elas — continuam a ter um duplo controlo. Um, de carácter interno, que é exercido pelo seu órgão de fiscalização, nos termos previstos no Código das Sociedades Comerciais, com vista a apreciar a legalidade e regularidade financeira da actividade e, por outro lado, a acompanhar e fiscalizar a gestão. Outro, de carácter externo à empresa, que compete à Inspecção-Geral de Finanças(x9) e ao Tribunal de Contas»[27].

3. A Lei n.º 14/96, de 20 de Abril, submeteu à fiscalização sucessiva do Tribunal de Contas, as empresas públicas, as sociedades de capitais públicos, as sociedades de economia mista controladas ou participadas, as empresas concessionárias e as fundações de direito privado beneficiárias, com carácter de regularidade, de fundos públicos, permitindo que no exercício da sua função de fiscalização possa realizar, a todo o tempo, inquéritos, auditorias e outras acções de controlo sobre a legalidade, incluindo a boa gestão financeira e o sistema de controlo interno (artigos 1.º e 2.º, n.º 1, da Lei n.º 14/96).

Nesta conformidade, «as entidades em causa ficaram, nos termos prescritos no citado artigo 1.º, sob a jurisdição do Tribunal de Contas (no sentido de campo de acção ou de actuação do Tribunal e não no de função jurisdicional)(x10), alargando-se assim, substancialmente, o respectivo âmbito subjectivo»[28].

Também a Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto[29], que deu corpo à reforma mais recente do Tribunal de Contas (lei de organização e processo do Tribunal de Contas), prosseguiu a tendência já assinalada de um alargamento geral dos poderes de jurisdição e controlo financeiro do Tribunal de Contas relativamente a todas as actividades de dispêndio de dinheiro pelo Estado.

O artigo 2.º da Lei n.º 98/97[30] define o domínio subjectivo da jurisdição e poderes de controlo financeiro do Tribunal de Contas, estatuindo o seguinte:
«Artigo 2.º
(Objectivo e âmbito de competência)
1 – Estão sujeitas à jurisdição e aos poderes de controlo financeiro do Tribunal de Contas as seguintes entidades:
a) O Estado e seus serviços;
b) As Regiões Autónomas e seus serviços;
c) As autarquias locais, suas associações ou federações e seus serviços, bem como as áreas metropolitanas;
d) Os institutos públicos;
e) As instituições de segurança social.
2 – Também estão sujeitas aos poderes de controlo financeiro do Tribunal de Contas as seguintes entidades:
a) As associações públicas, associações de entidades públicas ou associações de entidades públicas e privadas que sejam financiadas maioritariamente por entidades públicas ou sujeitas ao seu controlo de gestão;
b) As empresas públicas;
c) As sociedades constituídas nos termos da lei comercial pelo Estado, por outras entidades públicas ou por ambos em associação;
d) As sociedades constituídas em conformidade com a lei comercial em que se associem capitais públicos e privados, nacionais ou estrangeiros, desde que a parte pública detenha de forma directa a maioria do capital social;
e) As sociedades constituídas em conformidade com a lei comercial em que se associem capitais públicos e privados, nacionais ou estrangeiros, quando a parte pública controle de forma directa a respectiva gestão, nomeadamente quando possa designar a maioria dos membros do órgão de administração, de direcção ou de fiscalização, quando possa nomear um administrador ou quando disponha de acções privilegiadas nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 11/90, de 5 de Abril;
f) As empresas concessionárias da gestão de empresas públicas, de sociedades de capitais públicos ou de sociedades de economia mista controladas e as empresas concessionárias ou gestoras de serviços públicos;
g) As fundações de direito privado que recebam anualmente, com carácter de regularidade, de fundos provenientes do Orçamento do Estado ou das autarquias locais, relativamente à utilização desses fundos.
3 – Estão também sujeitas ao controlo do Tribunal de Contas as entidades de qualquer natureza que tenham participação de capitais públicos ou sejam beneficiárias, a qualquer título, de dinheiros ou outros valores públicos, na medida necessária à fiscalização da legalidade, regularidade e correcção económica e financeira da aplicação dos mesmos dinheiros e valores públicos.
4 – Ao controlo financeiro das entidades enumeradas nos dois números anteriores aplica-se o disposto na Lei n.º 14/96, de 20 de Abril.»

De salientar que os poderes de controlo que incidem sobre as entidades referidas nos n.os 2 e 3 do artigo 2.º são muito atenuados, estando expressamente excluída qualquer competência jurisdicional de efectivação de responsabilidades financeiras em relação aos respectivos gestores (cf. artigos 5.º, n.º 1, alínea e), e 57.º, n.º 1).

Apenas se acrescentará que no exercício das suas funções assiste ao Tribunal de Contas o «direito à coadjuvação de todas as entidades públicas e privadas, nos mesmos termos dos tribunais judiciais» (n.º 1 do artigo 10.º), devendo «[t]odas as entidades referidas no artigo 2.º prestar ao Tribunal informação sobre as infracções que este deva apreciar e das quais tomem conhecimento no exercício das suas funções».

Peculiar expressão de um dever especial de colaboração para com o Tribunal de Contas é o consagrado na alínea b) do n.º 2 do artigo 12.º, impondo aos serviços de controlo interno, nomeadamente as inspecções-gerais ou quaisquer outras entidades de controlo ou auditoria dos serviços e organismos da Administração Pública, bem como das entidades que integram o sector empresarial do Estado, «[o] envio dos relatórios das suas acções, por decisão, nos termos do artigo 10.º, do ministro ou do órgão competente para os apreciar, sempre que contenham matéria de interesse geral para a acção do Tribunal, concretizando as situações de facto e de direito integradoras de eventuais infracções financeiras».

Garante-se, assim, um sistema integrado entre o controlo externo e o controlo interno das entidades que manejam dinheiros públicos.


VI

Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1.ª Mantém-se válida a doutrina firmada nos Pareceres n.os 77/2002 e 77/2002-complementar do Conselho Consultivo, e, consequentemente, não são de considerar funções autárquicas as desempenhadas por vereador (e vice-presidente) da Câmara Municipal de Oeiras, em tempo parcial, e presidente dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Oeiras e Amadora, como administrador da sociedade anónima SANEST – Saneamento da Costa do Estoril, S. A., empresa pública societária constituída nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro;

2.ª Em todo o caso, as remunerações auferidas pelo exercício de funções de administrador na antedita sociedade anónima relevam para o cômputo do limite imposto de 75% do montante equivalente ao somatório do vencimento e abono mensal para despesas de representação do Presidente da República, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 102/88, de 25 de Agosto;

3.ª A garantia da observância do aludido limite remuneratório compete, no plano do controlo interno, aos órgãos de fiscalização dos organismos ou entidades responsáveis pelo processamento das remunerações em causa, e no plano do controlo externo, à Inspecção-Geral de Finanças, sem prejuízo dos poderes atribuídos ao Tribunal de Contas.







[1] Votado na sessão de 13 de Fevereiro de 2003, homologado por despacho do Secretário de Estado da Administração Local, em 1 de Julho de 2003, e publicado do Diário da República, II série, n.º 228, de 2 de Outubro de 2003.
[2] Ofício n.º 2300, de 9 de Agosto de 2004, Entrada 8074/04, Proc.º 146/02, recebido nos serviços da Procuradoria‑Geral da República, em 11 de Agosto de 2004.
[3] Datado de 9 de Julho de 2004, processo n.º 2004/9/43/M3/573.
[4] Acta n.º 13, de 10 de Setembro de 2001, da Assembleia Geral Extraordinária da sociedade anónima SANEST – Saneamento da Costa do Estoril, S. A., na qual consta que «pelo representante do accionista Município de Oeiras, foi então dito que o mesmo nomeava para exercer o cargo de administrador em nome próprio, o engenheiro José Arménio Lopes Neno, […]».
(x) «Isto para efeitos do limite estabelecido no n.º 1 do art. 3.º da Lei n.º 102/88, de 25 de Agosto. Note-se que a questão precedente (da subsunção ao disposto no n.º 1 do art. 7.º da Lei n.º 29/87, de 30 de Junho) não releva para o nosso caso, motivo por que a não abordaremos autonomamente.»
(x1) «Ou seja, da pertença, ao domínio do direito privado, do complexo de normas jurídicas que regem esse relacionamento.»
[5] Homologado por despacho do Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, em 2 de Maio de 2004, e publicado do Diário da República, II série, n.º 153, de 1 de Julho de 2004.
[6] Alterado pela Lei n.º 92-A/95, de 28 de Dezembro.
[7] As regras gerais que disciplinam a redenominação de valores mobiliários para euros estão contidas nos artigos 11.º a 22.º do Decreto-Lei n.º 343/98, de 6 de Novembro, sendo que o Decreto-Lei n.º 136/2002, de 16 de Maio, clarificou o critério de conversão em euros de todas as referências monetárias em escudos constantes em toda a legislação.
[8] Este Conselho já se pronunciou diversas vezes sobre o novo regime do sector empresarial do Estado. A este propósito, cf. o Parecer n.º 2/2000, de 6 de Abril de 2000, o Parecer n.º 121/2001, de 12 de Julho de 2002, o Parecer n.º 44/2002, de 27 de Junho de 2002, e o Parecer n.º 10/2003, de 15 de Maio de 2003, este último sobre a participação dos municípios em empresas privadas.
[9] O conceito comunitário de empresa pública encontra-se definido na Directiva n.º 80/723/CEE da Comissão, de 25 de Junho de 1980. O seu artigo 2.º define como empresa pública «qualquer empresa em que os poderes públicos possam exercer, directa ou indirectamente, uma influência dominante em consequência da propriedade, da participação financeira ou das regras que a disciplinem». Presume-se a existência de influência dominante, segundo o mesmo preceito, «quando os poderes públicos, directa ou indirectamente, relativamente à empresa: (a) detenham a maioria do capital; (b) disponham da maioria dos votos atribuídos às partes sociais emitidas pela empresa; (c) possam designar mais de metade dos membros do órgão de administração, de direcção ou de fiscalização da empresa.»
[10] Conforme é reconhecido no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 558/99.
[11] Neste sentido, JOÃO PACHECO AMORIM, As Empresas Públicas no Direito Português, em especial as Empresas Municipais, Coimbra, 2000, pág. 16, nota 11.
[12] Cf. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 558/99.
[13] No que respeita ao controlo financeiro das empresas públicas, cf. EDUARDO PAZ FERREIRA, «Aspectos Gerais do Novo Regime do Sector Empresarial do Estado», Estudos sobre o Novo Regime do Sector Empresarial do Estado, Almedina, Coimbra, 2000, pp. 22-23; ANTÓNIO PINTO DUARTE, «Notas sobre o Conceito e o Regime Jurídico das Empresas Públicas Estaduais», Estudos sobre o Novo Regime do Sector Empresarial do Estado, ob. cit., p. 83; e JOSÉ TAVARES, «O Tribunal de Contas e o Controlo do Sector Público Empresarial», Estudos sobre o Novo Regime do Sector Empresarial do Estado, ob. cit., pp. 185-201.
(x2) «J. Baptista Machado, loc. cit., p. 202.»
(x3) «Nos termos do n.º 2 do artigo 10.º do Código Civil, “há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei”.»
(x4) «Cf. Oliveira Ascensão, loc. cit., p. 424. Vejam-se também Bigotte Chorão, Temas Fundamentais de Direito, Livraria Almedina, Coimbra, 1986, pp. 242 e seguintes, e Karl Larenz, loc. cit., pp. 461 e seguintes.»
(x5) «Karl Larenz, ob. cit., p. 465. Acerca dos conceitos de analogia (do particular para o particular), de dedução (do geral para o particular) e de indução (do particular para o geral), veja-se também Karl Engisch, ob. cit., pp. 288 e seguintes.»
[14] As referidas pronúncias do Supremo Tribunal Administrativo não relevam para o caso em apreço.
[15] Ofício n.º 10866, de 4 de Novembro de 2003, Processo n.º 28.076, acompanhado da Informação n.º 318/AJ/2003, de 30 de Outubro de 2003.
(x6) «A distinção entre funções públicas e funções privadas, estas entendidas em sinonímia com actividades privadas, não se apresenta imediatamente compreensível. Num primeiro plano, as duas categorias — funções públicas e actividade privada — hão-de entender-se em contraposição uma à outra: serão funções públicas as que não são funções privadas. No entanto, este critério de exclusão de partes só se apresenta válido se for possível delimitar com segurança um dos termos da comparação, porque o outro se delimitará por si.
No que a funções públicas se refere, os seus limites e contornos apresentam-se fluidos e imprecisos. Funções públicas associam-se a desempenhos funcionais na função pública. Também a expressão função pública se apresenta polissémica, sendo de difícil densificação. Em sentido restrito, o conceito “refere-se apenas aos trabalhadores ligados por uma relação jurídica de emprego a pessoas colectivas de direito público, organicamente inseridas na Administração pública”; em sentido amplo compreende “não só os funcionários e agentes do Estado e demais pessoas de direito público mas também os titulares de cargos públicos, incluindo os titulares de órgãos de soberania” (J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra, 1993, p. 944).
Em regra, “entende-se que a definição constitucional da função pública corresponde ao sentido amplo que é atribuído à expressão em direito administrativo, designando qualquer actividade exercida ao serviço de uma pessoa colectiva pública, qualquer que seja o regime jurídico da relação de emprego (desde que distinto do regime comum de contrato individual de trabalho), e independentemente do seu carácter provisório ou definitivo, permanente ou transitório” (como se lê no parecer n.º 28/99, de 10 de Fevereiro de 2000, publicado no Diário da República, n.º 28, de 2 de Fevereiro de 2002, a p. 2304, seguindo J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., pág. 264, e JOÃO ALFAIA, Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionamento Público, I, Coimbra, 1985, p. 7).
É neste sentido que o conceito de funções públicas foi considerada no parecer.»
(x7) «De que são exemplo, entre outros, os pareceres n.os 52/94, já antes identificado [de 17 de Setembro de 1995, publicado do Diário da República, II série, n.º 217, de 18 de Setembro de 1996], e 43/93, de 14 de Julho de 1993, não publicado.»
(x8) «V. os acórdãos mencionados nas notas 71 e 72 do parecer n.º 77/2002.»
[16] A Lei nº 58/98, de 18 de Agosto, regula as condições em que os municípios, as associações de municípios e as regiões administrativas podem criar empresas dotadas de capitais próprios.
[17] Segundo o sumário oficial, prevê a oitava alteração à Lei n.º 29/87, de 30 de Junho — Estatuto dos Eleitos Locais.
[18] CARLOS MORENO, Finanças Públicas – Gestão e Controlo dos Dinheiros Públicos, 2.ª edição, Universidade Autónoma de Lisboa, Lisboa, 2000, pp. 260 e seguintes. Também sobre esta temática, CARLOS MORENO, O Sistema Nacional de Controlo Financeiro, UAL, Lisboa, 1997, bem como ROSÁRIO TORRES E CARVALHAL COSTA, Controlo e Avaliação da Gestão Pública, Rei dos Livros, 1996, e O Controlo Interno na Administração Pública, IGF, 1996.
[19] CARLOS MORENO, Finanças Públicas – Gestão e Controlo dos Dinheiros Públicos, ob. cit., p. 260.
[20] Idem, pp. 260-261.
[21] Idem, p. 296.
[22] Cf. ANTÓNIO DE SOUSA FRANCO, Dinheiros Públicos, Julgamento de Contas e Controlo Financeiro no Espaço de Língua Portuguesa, edição do Tribunal de Contas, Lisboa, 1995, p. 1 e seguintes, também em Revista Luso-Africana de Direito, vol. I, 1997, LEX, pp. 23 e seguintes, que, neste ponto, se acompanha.
[23] Idem, p. 8. Outros critérios e objectivos do controlo financeiro são a representação política, a economicidade ou boa gestão financeira e a correcção económico-financeira.
[24] Idem, p. 10.
[25] Diploma que procedeu à reestruturação da Inspecção-Geral de Finanças (IGF), tendo sido objecto da Declaração de Rectificação n.º 13-F/98, de 31 de Agosto, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 363-‑A/98, de 19 de Novembro, Portaria n.º 657/2000, de 29 de Agosto, Portaria n.º 33/2001, de 17 de Janeiro, e Decreto-Lei n.º 91/2002, de 12 de Abril.
[26] Cf. EDUARDO PAZ FERREIRA, ob. cit., pp. 22-23.
(x9) «Hoje em dia a Inspecção-Geral de Finanças faz parte do Sistema de Controlo Interno da Administração Financeira do Estado, instituído pelo Decreto-Lei n.º 166/98, de 25 de Junho.»
[27] Cf. ANTÓNIO PINTO DUARTE, ob. cit., p. 83.
(x10)«A este respeito, cfr. JOSÉ TAVARES, O Tribunal de Contas. Do visto em especial, Almedina, Coimbra, 1998, págs. 40-45.»
[28] Cf. JOSÉ TAVARES, «O Tribunal de Contas e o Controlo do Sector Público Empresarial», Estudos sobre o Novo Regime do Sector Empresarial do Estado, ob. cit., p. 199.
[29] Alterada pelas Leis n.os 87-B/98, de 31 de Dezembro (artigo 82.º), 1/2001, de 4 de Janeiro, e 107-‑B/2003, de 31 de Dezembro (artigo 71.º).
[30] Diploma a que pertencem os demais preceitos a citar neste ponto, sem menção da origem.