Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00001403
Parecer: I001762000
Nº do Documento: PIN200009150017600
Descritores: ACORDO
EXTRADIÇÃO
PORTUGAL
ESTADO DA ÍNDIA
COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL
EXTRADIÇÃO DE NACIONAL
EXPULSÃO
EXTRADIÇÃO ESPONTÂNEA
PENA DE MORTE
Livro: 00
Numero Oficio: 1611
Data Oficio: 05/16/2000
Pedido: 05/17/2000
Data de Distribuição: 05/22/2000
Relator: ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Sessões: 00
Data Informação/Parecer: 09/15/2000
Sigla do Departamento 1: MJ
Entidades do Departamento 1: MIN DA JUSTIÇA
Privacidade: [09]
Indicação 2: ASSESSOR:MARTA PATRÍCIO
Conclusões: A - O modelo de Tratado de Extradição a celebrar entre Portugal e a República da Índia, proposto pela parte indiana, suscita os reparos e observações indicados nas anotações que se foi fazendo sequencialmente no ponto 3., artigo a artigo, para as quais se remete.

B - Entre as diversas observações e reparos não deverá deixar de se salientar o que respeita à extradição de nacionais (artigo 4.º), à extradição por motivos políticos (artigo 5.º), à previsão de criminalização em razão do território (artigos 6.º e 7.º), e à extradição em caso de crime punível com a pena de morte (artigo 16.º).

Texto Integral:
Senhor Ministro da Justiça ,
Excelência:


1.


O Ministério dos Negócios Estrangeiros remeteu ao Ministério da Justiça, para o que fosse tido por conveniente, um modelo de Acordo de Extradição a celebrar entre Portugal e a República da Índia, proposto pela parte indiana.

Vossa Excelência solicitou a apreciação desse modelo por parte da Procuradoria-Geral da República.

O Parecer que se passa a emitir, sujeito às limitações decorrentes do estatuto do Conselho Consultivo, com competência restrita a matéria de legalidade [artigo 37.º, alíneas a) e b) do Estatuto do Ministério Público, na redacção da Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto], visa, essencialmente, a conformidade do projecto em análise com as normas e os princípios constitucionais e de ordem pública portuguesa, bem como a sua formulação, por forma a detectar deficiências, em plano de legalidade, que possam e devam ser reparadas.

2.


2.1. “A extradição constitui uma das formas clássicas de cooperação internacional em matéria penal. Na ordem jurídica portuguesa, o tratamento deste instituto tem sede jurídico-constitucional, dada a sua dupla inserção em matéria penal e em matéria atinente a direitos, liberdade e garantias fundamentais.

Dado que a lei não fornece uma definição jurídica do conceito de extradição, tem cabido à doutrina caracterizá-la, em função de um elemento teleológico, como o instituto que consiste na entrega de uma pessoa que se encontra no território de um determinado Estado a outro Estado que a reclama, para aí ser julgada por factos que caem sob jurisdição deste último ou para cumprir pena em que aí foi condenada pelos tribunais desse Estado” [1].

A necessidade de pedido de um Estado requerente, afasta do conceito aquilo a que se tem chamado extradição espontânea, que não seria esta muito diferente da expulsão [2].

Esta distinção é da mais alta relevância designadamente em face da alteração sofrida pelo artigo 33.º da Constituição com a revisão operada pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro. Até essa revisão a Constituição vedava em termos absolutos tanto a expulsão quanto a extradição de nacionais, mas após a mesma tal já só acontece para a expulsão.

Preambularmente à observação e anotação do modelo proposto pela República da Índia, convirá traçar um breve e genérico quadro do regime constitucional, do direito internacional e do direito ordinário que vigora no que a Portugal concerne em matéria de extradição.


2.2. A Lei fundamental trata expressamente da extradição no artigo 33.º, números 3 a 6.

“3. A extradição de cidadãos portugueses do território nacional só é admitida, em condições de reciprocidade, estabelecidas em convenção internacional, nos casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada, e desde que a ordem jurídica do Estado requisitante consagre garantias de um processo justo e equitativo.

4. Não é admitida a extradição por motivos políticos, nem por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física.

5. Só é admitida a extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida, em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional e desde que o Estado requisitante ofereça garantias de que tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou executada.

6. A extradição só pode ser determinada por autoridade judicial”.

Em termos sucintos, as alterações introduzidas pela revisão de 1997 são as seguintes:

Embora em condições restritas, passa a poder ocorrer a extradição de portugueses;

Passa a admitir-se, também em condições exigentes, a extradição por crime a que corresponda pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida;

É alargada a proibição de extradição aos crimes a que segundo o direito do Estado requisitante corresponda pena de que resulte lesão irreversível da integridade física [3].


2.3. No plano do direito internacional, a extradição dispõe de uma base jurídica ampla, que lhe é conferida por tratados bilaterais e convenções de âmbito multilateral.

No âmbito multilateral avulta, para Portugal, a Convenção Europeia de Extradição de 1957 e os seus dois Protocolos Adicionais, de 1975 e de 1978 [4], a Convenção Relativa ao Processo Simplificado de Extradição entre os Estados Membros da União Europeia, de 10 de Março de 1995 [5] e a Convenção, estabelecida com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, Relativa à Extradição entre os Estados Membros da União Europeia [6].

A Convenção Europeia de Extradição tem constituído a matriz de referência para os acordos bilaterais celebrados por Portugal e constitui o quadro normativo inspirador das disposições da lei interna de cooperação, respeitados os comandos constantes dos princípios constitucionais.

Em jeito de síntese, pode traçar-se o seguinte quadro simplificado dos princípios enformadores do regime jurídico da extradição à luz da respectiva Convenção Europeia:

Princípio da dupla incriminação dos factos que fundamentam o pedido de extradição - artigo 2.º;
Princípio da não extradição por motivos políticos - artigo 3.º;
Princípio da não extradição de nacionais - artigo 6.º;
Princípio da não extradição por factos praticados no território do Estado requerido - artigo 7.º;
Princípio do non bis in idem - artigo - 9.º;
Princípio da especialidade - artigo 14.º.

2.4. No nosso País, no domínio do direito ordinário, ao Decreto-Lei n.º 43/75, de 16 de Agosto, circunscrito à matéria da extradição, sucedeu o Decreto-Lei n.º 43/91, de 22 de Janeiro, abrangendo diversas formas de cooperação judiciária internacional em matéria penal, incluindo a extradição, e a este a Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, que revoga aquele.

A Lei n.º 144/99, lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal, está em vigor desde 1 de Outubro (artigo 167.º). É constituída por 167 artigos, em VII Títulos, e aplica-se às seguintes formas de cooperação, nos termos do n.º 1 do artigo 1.º:

Extradição;
Transmissão de processos penais;
Execução de sentenças penais;
Transferência de pessoas condenadas a penas e medidas privativas da liberdade;
Vigilância de pessoas condenadas ou libertadas condicionalmente;
Auxílio judiciário mútuo em matéria penal.

De acordo com o artigo 3.º, as formas de cooperação indicadas regem-se pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português, só havendo lugar à aplicação da lei da cooperação na falta desses instrumentos internacionais ou na sua insuficiência.

A supletividade da Lei n.º 144/99 não significa que perca relevância, nomeadamente na fase em que se analise preceituado a inscrever em tratado internacional bilateral, como é o caso em apreço. É que, é de supor que na lei estejam condensados princípios gerais consagrados na ordem jurídica portuguesa [7].

O diploma dedica à extradição, especialmente, o Título II, artigos 31.º a 78.º.

Destes preceitos, notar-se-á que os artigos 74.º a 78.º, porque regulamentam a já mencionada Convenção relativa ao Processo Simplificado de Extradição entre os Estados Membros da União Europeia e a as disposições relevantes em matéria de extradição da Convenção de 19 de Junho de 1990 de Aplicação do Acordo de Schengen de 14 de Junho de 1985, não nos fornecerão material subsidiário importante.

3.

3.1. Na análise que vamos encetar do modelo proposto pela parte indiana (doravante, “modelo”), para além de consideração do regime constitucional, como dado estrutural, procederemos a cotejo ora com a Lei n.º 144/99, ora com as disposições da Convenção Europeia de Extradição (doravante “Convenção Europeia”), ora com as disposições de dois recentes tratados de extradição celebrados por Portugal, o Tratado de Extradição entre a República Portuguesa e os Estados Unidos Mexicanos (doravante “Tratado México”) [8], e o Tratado de Extradição entre a República Portuguesa e a República Tunisina (doravante “Tratado Tunísia”) [9].


O texto do modelo vem-nos apresentado na sua versão inglesa. Discutiremos a proposta indiana com base nessa versão, que daremos por conhecida, procedendo a tradução para português, da nossa responsabilidade, sempre que se verificar que é útil.

Tendo em atenção a fase preliminar de discussão do tratado a celebrar, parece-nos adequado seguir na apreciação do modelo a ordem do respectivo articulado, procedendo às observações em jeito de anotação individual.


3.2. Vamos, pois, iniciar com o artigo 1.º, seguindo-se a análise dos restantes, sem necessidade de separador ou de introdução frástica.

“Artigo 1.º
Obrigação de extraditar”

Um artigo 1.º sob a epígrafe obrigação de extraditar é comum à Convenção Europeia e aos Tratados México e Tunísia.

Todavia, o articulado do modelo é diverso de qualquer deles apresentando um conteúdo mais desenvolvido.

Em termos meramente formais, achar-se-ia preferível a adopção da sistematização utilizada no Tratado Tunísia em que o artigo 1.º e o artigo 2.º correspondem aos mesmos da Convenção Europeia; ou, então, da utilizada no Tratado México, com o artigo 2.º a corresponder ao artigo 31.º da Lei n.º 144/99.

O n.º 1 do artigo 1.º, se bem que indique a condição de acusado ou de condenado não indica o fim para que a extradição é concedida. Esse fim deverá ficar assinalado, em termos paralelos aos seguidos no artigo 31.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, no artigo 2.º, n.º 1, do Tratado México, e no artigo 1.º do Tratado Tunísia.

Atenta a remissão do n.º 1 do artigo 1.º para o artigo 2.º, tem aquele que ser apreciado conjugadamente com este.

A parte final do n.º 1 não é usual colocar-se nos tratados, já que não traz nada de novo. Sempre seria assim, excepto se se dispusesse em contrário.

O n.º 2 e o n.º 3 do artigo 1.º do modelo reportam-se a crimes cometidos em terceiro Estado.

O n.º 2 é mais restritivo do que a previsão do artigo 33.º da Lei n.º 144/99. Nesta, para além da possibilidade de concessão da extradição quando a lei portuguesa der competência à sua jurisdição em condições análogas ( similar ao artigo 2.º, n.º 4, alínea b), do Tratado Tunísia), também se prevê a situação do Estado requerente comprovar que o Estado terceiro não reclama o agente da infracção.

Já o n.º 3 do modelo sustenta a extradição também de crime cometido em terceiro Estado com base em o seu autor ser nacional do Estado requerente.

A alínea b) deste n.º 3 parece redundante. Assente a condição de facto punível para efeito de extradição, não haverá necessidade de indicar a hipótese da alínea b), pois ela já está contemplada na referência ao artigo 2.º

“Artigo 2.º
Factos determinantes da extradição”

No n.º 1 deste artigo 2.º, prevê-se como crime susceptível de extradição o que for punível com pena de prisão não inferior a um ano.

Ora, no artigo 2.º da Convenção Europeia é determinante de extradição facto punível com pena privativa de liberdade com duração máxima de pelo menos um ano.

Portugal formulou a seguinte reserva: “Portugal só admitirá a extradição por crime punível com pena privativa de liberdade superior a um ano”.

Já a Lei n.º 144/99 se contenta com pena ou medida privativa de liberdade de duração máxima não inferior a um ano.

O mesmo se prevê no Tratado México, artigo 2º. n.º 2, e no Tratado Tunísia, artigo 2.º, n.º 1.

O n.º 2 do artigo 2.º, nos termos em que está formulado, “may be”, não assume uma posição normativa evidente.

Porventura, para assumir significado efectivo, deveria conter uma norma do tipo da do n.º 2 do artigo 5.º da Convenção Europeia, na redacção do Segundo Protocolo Adicional, ou do n.º 5 do artigo 2.º do Tratado Tunísia ( note-se que o Tratado México prevê no artigo 2.º, n.º 6, que “A extradição por infracções em matéria fiscal, de direitos aduaneiros e cambial processa-se nas condições previstas no presente Tratado).

“Artigo 3.º
Lugar da infracção”

O artigo 3.º tem a ver com o que se entende como lugar de cometimento da infracção que suporta o pedido de extradição.

A matéria implica com o que se entende por lugar da prática da infracção, nos termos do artigo 7.º do Código Penal português.

Considerando a plasticidade da formulação, achar-se-ia preferível uma formulação próxima do artigo 7.º da Convenção Europeia.

“Artigo 4.º
Extradição de nacionais”

O artigo 4.º respeita à extradição de nacionais dispondo de modo diverso do comummente aceite, embora a regra apresentada, “Nothing in this treaty shall preclude the extradition by the Requested State of its nationals”, tenha similitude com a do n.º 1 do artigo 7.º da Convenção, estabelecida com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, Relativa à Extradição entre os Estados Membros da União Europeia.

A verdade é que, em princípio, não é admitida a extradição de cidadãos nacionais do Estado requerido, o que também é a posição do nosso direito constitucional. Em conformidade com este regime, aliás, é que Portugal formulou uma declaração ao abrigo do n.º 2 do artigo 7.º da Convenção acabada de mencionar, sobre as condições de autorização da extradição de cidadãos portugueses [10].

A única possibilidade de extradição de cidadãos portugueses é a prevista no artigo 33.º, n.º 3, da Constituição.

Este preceito tem o seu desenvolvimento na Lei n.º 144/99, no artigo 32.º, especialmente nos números 2 a 6, devendo estes desenvolvimentos servir de parâmetro de definição da norma a inscrever.

“Artigo 5.º
Infracções de natureza política”

O artigo 5.º autonomiza a recusa de extradição com base na natureza política da infracção.

A expressão gramatical do número 1 suscita a reserva derivada de uma formulação facultativa “may be refused”. Ora, nos termos constitucionais, “não é admitida extradição por motivos políticos”, não ficando na faculdade do Estado deferir, nesses casos, o pedido.

O número 2 lista infracções que se não consideram de natureza política.

Na alínea a) prevêem-se ofensas no âmbito da Convenção para a Repressão da Captura Ilícita de Aeronaves, de 16.12.70 [11];

Na alínea b) prevêem-se ofensas no âmbito da Convenção para a Repressão de Actos Ilícitos contra a Segurança da Aviação Civil [12];

Na alínea c) indicam-se infracções à Convenção sobre a Prevenção e Repressão de Crimes contra Pessoas gozando de Protecção Internacional, incluindo os Agentes Diplomáticos [13];

Na alínea d), a Convenção Internacional contra a Tomada de Reféns [14].

Quanto a este sector nada há a opor, com a seguinte ressalva. Trata-se de convenções em vigor para Portugal, devendo valer com a extensão com que vinculam o Estado Português, isto é, tendo em atenção as reservas formuladas.

Não seria desajustado acrescentar a este elenco as infracções indicadas no artigo 7.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99:

O genocídio, os crimes contra a humanidade, os crimes de guerra e infracções graves segundo as convenções de Genebra de 1949;

As infracções referidas no artigo 1.º da Convenção Europeia para a Repressão do Terrorismo, aberta para a assinatura a 27 de Janeiro de 1977 (o âmbito territorial desta Convenção não impede que a República da Índia concorde com a remissão para o seu âmbito material);

Os actos referidos na Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 17 de Dezembro de 1984.

Também de ponderar se não seria de colocar-se uma fórmula genérica, “os actos de pirataria aérea ou marítima”, como consta do artigo 4.º, n.º 3, alínea c), do Tratado México.

As alíneas e) e seguintes identificam crimes em concreto. Desligados de qualquer outra referência será difícil de aceitar, em absoluto, que esses crimes, ou alguns deles, não possam ser considerados, em certas circunstâncias, crimes de natureza política.

De reter que, apesar da opção por um preceito autónomo quanto às infracções políticas, reserva-se para outro preceito, o artigo 9.º, a previsão da excepção à extradição por haver razões para crer em perseguição política, ao invés da técnica utilizada para a colocação dessa excepção na Convenção Europeia, artigo 3.º, e na supra referida Convenção, com base no artigo K.3. do Tratado da União Europeia, artigo 5.º [15].

“Artigo 6.º
Extensão da jurisdição extraterritorial”

“Artigo 7.º
Crimes de conspiração, incitamento e atentado”

Os artigos 6.º e 7.º são formulados com uma previsão individualizada para factos cometidos em certo território, em certo Estado. Ora, a generalidade é regra na previsão penal portuguesa, não se devendo comprometer o Estado português a criar crimes em razão do território em que as infracções sejam cometidas.

“Artigo 8.º
Extradição e Acção Penal”

O artigo 8.º não levanta problemas, embora se preferisse a previsão do artigo 8.º da Convenção Europeia, ou do artigo 6.º, n.º 1, do Tratado México, ou do artigo 5.º, n.º 2, do Tratado Tunísia. Ele corresponde, no entanto, em certa medida à redacção do n.º 1 do artigo 18.º da Lei n.º 144/99 –ser objecto de processo pendente ou dever ou poder ser objecto.

Também deverá ficar expresso, por contraponto ao que deverá ficar no artigo 10.º, que se trata de processo pelos factos que fundamentam o pedido de extradição.

A última frase do n.º 2 do artigo 8.º não estará adequada ao sistema jurídico português. A decisão das autoridades judiciárias é tomada em função do tipo de crime e das regras que lhe são aplicáveis, não pode ser moldada em função da existência de um pedido de extradição.

“Artigo 9.º
Recusa de extradição”

Contemplam-se diversos fundamentos de recusa de extradição.

Começar-se-á por salientar que a expressão do corpo do número 1, “may not be extradited”, na medida em que possa ser traduzida no sentido de uma faculdade, de um poder discricionário, e não de um dever, não deverá ser aceite.

O preceito respeita a fundamentos que justificam a recusa da extradição e não, como no artigo precedente, a situação de utilização de poder discricionário.

A expressão a utilizar no corpo do número 1 deverá ser, pois, correspondente à do corpo do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 144/99, “o pedido de cooperação é recusado quando”, ou do n.º 1 do artigo 32.º da mesma, “a extradição é excluída”, ou à do n.º 1 do artigo 3.º da Convenção Europeia, “a extradição não será concedida”, ou à do corpo do n.º 1 do artigo 3.º do Tratado Tunísia e do n.º 1 do artigo 4.º do Tratado México “não haverá lugar a extradição”.

Nestas circunstâncias, de ponderar, outrossim, a mudança da epígrafe para, por hipótese, Inadmissibilidade da extradição.

Com excepção da alínea d) do n.º 1, nas demais alíneas mistura-se a previsão de situações objectivas de recusa com o ónus de prova da verificação dessas situações, a cargo do extraditando. Deverá evitar-se essa mistura.

O número 2 aplica-se às situações de extradição para cumprimento de pena. A pena mínima sugerida encontra-se em patamar que não suscita dificuldades.

Todavia, não será suficiente prever a pena mínima que tenha de ter sido aplicada. Convirá que a regra se alargue a um tempo mínimo de pena privativa de liberdade por cumprir, ajustando-se esse período entre as partes – cfr. artigo 31.º, n.º 4 da Lei n.º 144/99 (4 meses), artigo 2.º, n.º 3, do Tratado México (6 meses), artigo 2.º, n.º 2, do Tratado Tunísia (4 meses).

No número 3 haverá necessidade de distinguir as situações de processo terminado com sentença absolutória transitada em julgado ou com decisão de arquivamento, ou do procedimento se encontrar extinto por qualquer outro motivo, que poderão ser abrangidas pela expressão “relating to previous acquittal”, das situações de prévia condenação.

Para as primeiras, seria mais descritiva e, por isso, menos problemática, previsão do tipo inscrito nas três alíneas do n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 144/99, ou nas alíneas b), c), d) do n.º 1 do artigo 4.º do Tratado México, ou nas alíneas c), d) e e) do artigo 3.º do Tratado Tunísia.

Já as situações de condenação, mas sem cumprimento de pena, podem não obstar à extradição – artigo 9.º, n.º 2, b), da Convenção Europeia, na redacção do Primeiro Protocolo Adicional, artigo 8.º, n.º 1, b), última parte, da Lei n.º 144/99, artigo 4.º, n.º 1, b), última parte, do Tratado México, artigo 3.º, n.º 1, c), última parte, do Tratado Tunísia.

A notar que a não obstrução, nestes casos, só se concebe em pedido para cumprimento de pena.

“Artigo 10.º
Extradição diferida”

No número 1 deverá ter teor gramatical expresso a indicação de que se trata de processo ou detenção por infracções diversas das que fundamentam o pedido – à semelhança do inscrito no artigo 35.º da Lei n.º 144/99, no artigo 10.º do Tratado México e no artigo 16.º do Tratado Tunísia.

O número 2 deverá obter redacção compatível com o caso que tipifica na alínea a), que é de natureza vinculativa e não facultativa.

“Artigo 11.º
Procedimentos”

O procedimento instrutório deste artigo 11.º suscita os seguinte reparos:

Convirá reflectir-se se não será mais ajustada para o n.º 5 uma redacção do tipo da do artigo 44.º, n.º 2, f), da Lei n.º 144/99, ou do artigo 8.º do Tratado México, ou do artigo 11.º, n.º 2, h), do Tratado Tunísia.

Carecerá, também, de ser aditada a previsão de prova, no caso de infracção cometida em terceiro Estado, de que este não reclama o extraditando por causa dessa infracção – cfr. o artigo 44.º, n.º 1, b), da Lei n.º 144/99.

De ponderar, ainda, eventual subdivisão em dois artigos, à semelhança dos artigos 17.º e 18.º do Tratado México, e 10.º e 11.º do Tratado Tunísia.

“Artigo 12.º
Detenção provisória”

O número 1 não suscita senão o reparo de que as diversas matérias nele abordadas poderiam seguir, com benefício, a sistematização indicativa do artigo 38.º da Lei n.º 144/99, que é a perfilhada, aproximativamente, no artigo 13.º do Tratado México e, também, no artigo 19.º do Tratado Tunísia.

Quanto ao número 2, que se poderia integrar na sistematização acabada de sugerir, o prazo geral único de 60 dias ultrapassa os prazos inscritos nos textos mencionados. Afigura-se excessivo face aos canais e meios de comunicação que deverão existir entre as partes contratantes e à natureza do valor em jogo, o direito à liberdade.

“Artigo 13.º
Regra da especialidade”

Sob a epígrafe Regra da especialidade, dispõe o artigo sobre duas realidades diversas: a usualmente contida por esse conceito, e a reextradição.

No Tratado México o artigo 9º também as junta, mas, por isso mesmo, a epígrafe aí adoptada é igualmente mista, “Regra da especialidade. Reextradição.”

Seria preferível adoptar um preceito para cada, como nos artigos 14.º e 15.º da Convenção Europeia, 16.º e 34.º da Lei n.º 144/99 (aqui necessariamente, pois o artigo 16.º está contido nas regras gerais e o artigo 34.º nas especiais da extradição) e nos artigos 6.º e 7.º do Tratado Tunísia.

O corpo do n.º 1 suscita a seguinte anotação: Deverá colher-se o significado completo da expressão “to be dealt with”, por contraponto com a fórmula mais descritiva utilizada nos diversos instrumentos já referidos.

A alínea b) do n.º 1 abre a possibilidade de uma perseguição por certos factos diversos, o que nunca aparece previsto nos instrumentos já referidos e, porventura, será de não admitir.

O consentimento do Estado requerido, da alínea c) do mesmo número, não vem condicionado à audição prévia do extraditado, o que deverá ser consagrado – artigo 14.º, n.º 1, b), da Convenção Europeia , artigo 9.º, n.º 2, a), do Tratado México, artigo 16.º, n.º 4, da Lei n.º 144/99.

A reextradição prevista no n.º 4 beneficiaria se fosse mais completamente regulada em termos similares aos do artigo 34.º da Lei n.º 144/99, não parecendo, no entanto, existir qualquer obstáculo substancial ao sugerido prazo de 60 dias.

“Artigo 14.º
Prova”

Em Portugal o processo de extradição compreende a fase administrativa e a fase judicial (artigo 46.º da Lei n.º 144/99) sendo que a Lei fundamental prescreve que a extradição só pode ser determinada por autoridade judicial.

Considerando, em particular, a existência da fase judicial, deverá reduzir-se qualquer particularismo sobre meios e modos de produção de prova.

Assim, entende-se que se deveria deixar à legislação de cada parte a regulação dessa matéria, que, no caso português, é já especificamente tratada pela Lei n.º 144/99, dispensando-se o preceito.

“Artigo 15.º
Pedidos de extradição concorrentes”

O normativo não merece objecções de fundo. Mas a eventualidade de se produzir articulado mais completo, na linha do artigo 37.º da Lei n.º 144/99, do artigo 12.º do Tratado México ou do artigo 8.º Tratado Tunísia, não será de afastar. Ou mesmo, numa versão mais aproximada da do modelo, um texto como o do artigo 17.º da Convenção Europeia.

“Artigo 16.º
Pena de morte”

O artigo 33.º, n.º 4, da Constituição consagra, como se viu, a inadmissibilidade da extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física.

A discussão sobre o significado desta proibição é conhecida.

Nos tratados celebrados com a Tunísia e o México a inadmissibilidade vem consagrada, sem qualquer cláusula de escape - artigo 3.º, n.º 1, alínea f) e artigo 4.º, n.º 1, alínea e), respectivamente. Consequentemente prevê-se que, nesse caso, a parte requerida deverá submeter o autor da infracção a julgamento pelo tribunal competente em conformidade com a sua lei, artigo 4.º, e artigo 7.º, respectivamente.

Nesses tratados não se admite, portanto, excepção para as situações em que o Estado requerente dê garantia tal que o Estado requerido considere suficiente que a pena de morte não será executada.

O Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, por violação do artigo 33.º, n.º 3, da Constituição da norma do artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-
-Lei n.º 437/75, de 16 de Agosto, então em vigor no território de Macau, na parte em que permitia a extradição, por crimes puníveis no Estado requerente com pena de morte, havendo garantia da sua substituição, se esta garantia, de acordo com o ordenamento penal e processual penal do Estado requerente, não fosse juridicamente vinculante para os respectivos tribunais
[16].

No penúltimo parágrafo da fundamentação deste Acórdão escreveu-se: ”Lançando mão da terminologia utilizada no Acórdão n.º 474/95 (publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 266, de 17 de Novembro de 1995), pode afirmar-se que a norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 437/75 é inconstitucional na medida em que permite a extradição por casos em que a aplicação da pena de morte é legalmente possível, embora não previsível, designadamente em função das garantias transmitidas pelo Estado requerente, não sendo, porém, inconstitucional na medida em que permite a extradição se for juridicamente certa a não aplicação dessa pena, não obstante ela ser, em abstracto, aplicável ao caso”.

O artigo 6.º da Lei n.º 144/99 depois de determinar a recusa de pedido de cooperação quando o facto a que respeita for punível com pena de morte ou outra de que possa resultar lesão irreversível da integridade da pessoa (alínea e) do n.º 1), abre a possibilidade de cooperação, mesmo para essas situações, “Se o Estado que formula o pedido, por acto irrevogável e vinculativo para os seus tribunais ou outras entidades competentes para a execução da pena, tiver previamente comutado a pena de morte ou outra de que posa resultar lesão irreversível da integridade da pessoa ou tiver retirado carácter perpétuo ou duração indefinida à pena ou medida de segurança” (alínea a) do n.º 2).

Crê-se que esta formulação do legislador respeita o preceito constitucional e será o máximo até onde se poderá ir em sede do tratado a celebrar. A formulação do modelo não atinge esta patamar, pelo não deverá ser aceite.

Da transcrição que se fez do artigo 6.º, n.º 2, alínea a), da Lei n.º 144/99 , ressalta que carece o modelo, ainda, de uma previsão para os crimes a que corresponda, segundo o direito indiano, pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida. É que, exige-se o respeito da regra constitucional do artigo 33.º, n.º 5.

A não se pretender consagrar uma regra de inadmissibilidade, o que se compreende contraditório com a almejada possibilidade para os casos de pena de morte, poderá optar-se por normativo idêntico ao do citado artigo 6.º, n.º 2, alíneas a), b) e c).

“Artigo 17.º
Entrega do extraditado”

Não levanta obstáculos, mas seria mais proveitoso uma preceito que contivesse todas as situações e prazos contemplados no artigo 61.º na Lei n.º 144/99 e no artigo 15.º do Tratado Tunísia.

“Artigo 18.º
Entrega de objectos e valores”

Também este preceito não levanta dificuldades, sendo mera questão de opção a preferência por redacção seguida em outros tratados.

“Artigo 19.º
Assistência mútua”

Não consta expressamente dos tratados que temos vindo a trazer à colação, mas não se descortina obstáculo à sua inclusão.

Ao invés, não consta do modelo uma regra para a resolução dos diferendos, dúvidas ou dificuldades, que deverá constar, com formulação equivalente à do artigo 25.º do Tratado México e do artigo 24.º do Tratado Tunísia.

“Artigo 20.º
Documentos e despesas”

Seria mais adequado contemplar no preceito só a matéria das despesas, que é do que trata o n.º 2.

A matéria do n.º 1 ficaria mais bem inscrita num artigo autónomo com a epígrafe Língua.

A redacção proposta no n.º 1, se bem que diversa quer da do artigo 24.º do Tratado México, quer da do artigo 22.º do Tratado Tunísia, quer da do regime supletivo do artigo 20.º da Lei n.º 144/99, não enfrenta oposição substancial, porque respeita a igualdade das línguas, mas pode ser trabalhada nas opções que os exemplos nos dão.

A matéria do n.º 3 ficaria mais bem localizada no artigo 19.º

Se ficar inscrito no preceito apenas o que respeita a despesas uma redacção mais discriminada, tal como se apresenta no artigo 23.º do Tratado México ou no artigo 23.º do Tratado Tunísia, seria preferível.

“Artigo 21.º
Obrigações internacionais”

A proposição do artigo é de conteúdo formular.


3.3. O manancial de matérias a constar de um tratado de extradição depende da vontade política de ambas as partes, não competindo ao Conselho emitir qualquer posição a propósito. Por isso, não constitui matéria de reparo, a simples observação de que matérias incluídas, por exemplo, no Tratado Tunísia, como, entre outras, as dos respectivos artigos 12.º (extradição com consentimento), 17.º (entrega temporária), 20.º (recaptura), 21.º (trânsito), não estejam incluídas no modelo. Do lado português tal omissão não afectará a operacionalidade do tratado visto que será supletivamente aplicável a Lei n.º 144/99, que as consagra nos artigos 40.º, 36.º, 42.º e 43.º, respectivamente.

Há, porém, omissões que devem ser supridas, e essas foram localizadamente anotadas na discussão de cada um dos artigos propostos pelo modelo.

Falta ainda referir a conveniência de um preceito sobre a entrada em vigor e a denúncia, à imagem do artigo 25.º do Tratado México e do artigo 25.º do Tratado Tunísia.

4.
Em conclusão:

A - O modelo de Tratado de Extradição a celebrar entre Portugal e a República da Índia, proposto pela parte indiana, suscita os reparos e observações indicados nas anotações que se foi fazendo sequencialmente no ponto 3., artigo a artigo, para as quais se remete.

B - Entre as diversas observações e reparos não deverá deixar de se salientar o que respeita à extradição de nacionais (artigo 4.º), à extradição por motivos políticos (artigo 5.º), à previsão de criminalização em razão do território (artigos 6.º e 7.º), e à extradição em caso de crime punível com a pena de morte (artigo 16.º).



[1] Informação-Parecer n.º 135/96, da Procuradoria-Geral da República, em Pareceres, Volume II, pág. 211.
[2] CARLOS FERNANDES, A Extradição e o Respectivo Sistema Português, IHLADI, Lisboa, 1997, pág. 5..
[3] Sobre as alterações, CATARINA SARMENTO E CASTRO, A IV Revisão Constitucional e o Direito à Liberdade e Segurança, em Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, especialmente págs. 481/492.
[4] Convenção e Protocolos aprovados para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 23/89, de 21 de Agosto; a Convenção foi ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 57/89, de 21 de Agosto, e os Protocolos foram ratificados pelo Decreto do Presidente da República n.º 23/90.
[5] Aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 41/97, de 18 de Junho e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 41/97, da mesma data.
[6] Aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 40/98, de 05 de Agosto, ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 40/98, de 05 de Setembro.
[7] No artigo 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 437/75 indicava-se que se devia tê-lo em conta na negociação dos tratados de extradição.
[8] Aprovado para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 63/99 e ratificado por Decreto do Presidente da República n.º 179/99, ambos de 7 de Agosto.
[9] Aprovado para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 24/2000 e ratificado por Decreto do Presidente da República n.º 17/2000, ambos de 30 de Março.
[10] Cfr. o artigo 2.º, n.º 1, da Resolução da Assembleia da República n.º 40/98, e o artigo 2.º, n.º 1, do Decreto do Presidente da República n.º 40/98.
[11] Aprovada para ratificação pelo Decreto n.º 386/72, de 12 de Outubro.
[12] Aprovada para ratificação pelo Decreto n.º 451/72, de 14 de Novembro; entrou em vigor para Portugal em 14 de Fevereiro de 1973, conforme Aviso em Diário da República I Série de 28.4.1973.
[13] Aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/94, de 5 de Maio, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 22/94, de 5 de Maio, com formulação da seguinte reserva "Portugal não extradita por facto punível com pena de morte ou com pena de prisão perpétua segundo a lei do Estado requerente nem por infracção a que corresponda medida de segurança com carácter perpétuo.” O instrumento de adesão foi depositado em 11.9.95, conforme Aviso n.º 268/97, em Diário da República I Série, de 20.9.
[14] Aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 3/84, de 8 de Fevereiro. O instrumento de ratificação foi depositado em 6 de Julho de 1984, conforme Aviso em Diário da República I Série, de 17.9.1984.
[15] Sobre o artigo 5.º da Convenção, e com interesse para a discussão do modelo, todo o ponto 6.6 da Informação-Parecer n.º 135/96 (ver nota 1).
[16] Acórdão n.º 1146/96, em Diário da República I Série-A, de 20-12-96.