Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00003336
Parecer: P000212015
Nº do Documento: PPA12112015002100
Descritores: JOGOS DE FORTUNA OU AZAR
LEI DO JOGO
BINGO
JOGO ONLINE
ATIVIDADE RESERVADA AO ESTADO
CONCESSÃO DA EXPLORAÇÃO DE JOGO
IDONEIDADE DO CONCESSIONÁRIO
LICENÇA
CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL
CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS
CONTRATO ADMINISTRATIVO
CONDIÇÃO ESSENCIAL
PRINCÍPIO DA PROSSECUÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO
PODER DISCRICIONÁRIO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE DE TRATAMENTO
Livro: 00
Numero Oficio: 1975
Data Oficio: 05/08/2015
Pedido: 05/11/2015
Data de Distribuição: 05/19/2015
Relator: LUÍS VERÃO
Sessões: 01
Data da Votação: 11/12/2015
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: SET
Entidades do Departamento 1: SECRETÁRIO DE ESTADO DO TURISMO
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 02/01/2016
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 24-02-2016
Nº do Jornal Oficial: 38
Nº da Página do Jornal Oficial: 6460
Indicação 2: ASSESSORA: SUSANA PIRES
Área Temática:DIR ADM*ADM PUBL
Legislação:DL31/2011 DE 04/03 ART2 ART3 N1 ART6 ART7 ART40 N1 ART47; L73/2014 DE 02/09; L82-B/2014 DE 31/12; DL65/2015 DE 29/04; CP886 ART264 E SS; CCIV867 ART1539 E SS; D14643 DE 03/12/1927 ART1; DL41562 DE 18/03/1958 ART1; DL48912 DE 18/03/1969 ART1; DL422/89 DE 02/12 ART1 ART8 ART9 ART15; RET 30/12/1989; DL10/95 DE 19/01; L28/2004 DE 16/07; DL40/2005 DE 17/02; L64-A/2008 DE 31/12; DL114/2011 DE 30/11; DL64/2015 DE 29/04; DL277/82 DE 16/07 ART1 ART2; DL314/95 DE 24/11; DRGU41/82 DE 16/07 ART3 ART4; DL66/2015 DE 29/04 ART2 N1 N2 L) ART4 M) O) ART8 ART9 N1 ART14; DL67/2015 DE 29/04; DL68/2015 DE 29/04; CCIV66 ART424 N1; CCP ART1 ART55 ART307 ART319 N1 N2 ART429 ART430; CPA ART178; CONST76 ART266
Direito Comunitário:RECOM 2014/478/EU CONS DE 14/07/2014
DIR 2014/23/UE PE CONS DE 26/02/2014
DIR 2014/24/UE PE CONS DE 26/02/2014
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1.ª O Decreto n.º 14.643, de 3 de dezembro de 1927, pondo termo a uma longa tradição de proibição do jogo, veio autorizar a exploração de jogos de fortuna ou azar, em regime de concessão de exclusivo, em determinadas localidades qualificadas como zonas de jogo e, substituído que foi o sistema da proibição absoluta pelo da regulamentação, seguiram-se, ao Decreto n.º 14.643, o Decreto-Lei n.º 41.562, de 18 de março de 1958, o Decreto-Lei n.º 48.912, de 18 de março de 1969 e, por último, o Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro - atual Lei do Jogo.

2.ª O jogo do bingo foi regulado, pela primeira vez, em Portugal pelo Decreto-Lei n.º 277/82, de 16 de julho, sendo desde então caracterizado como um jogo de fortuna ou azar não bancado e os princípios consagrados na atual Lei do Jogo - orientados para a tutela do interesse público que se reconduz à defesa da honestidade das explorações, ao combate ao jogo clandestino, à obtenção de receitas públicas e à dinamização turística – mereceram acolhimento no domínio da exploração do jogo do bingo, sendo as normas relativas à exploração e à prática do jogo do bingo, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 31/2011, de 4 de março, que, presentemente, estabelece a respetiva regulamentação, normas «de interesse e ordem públicos».

3.ª Dispondo-se no n.º 1 do artigo 9.º da Lei do Jogo que «o direito de explorar jogos de fortuna ou azar é reservado ao Estado» e estabelecendo-se no n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 31/2011 que «a exploração de salas de jogo do bingo é atribuída mediante concessão a pessoas coletivas públicas ou privadas», está aqui em causa uma concessão que atribui a tais pessoas coletivas o direito de exercer uma atividade reservada ao Estado, a atividade de exploração do jogo.

4.ª Consubstanciando a «transmissão da concessão da exploração de salas de jogo do bingo» a que alude o n.º 7 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 31/2011 uma transmissão do complexo de direitos e obrigações derivados de um contrato, este dispositivo convoca o instituto da cessão da posição contratual.

5.ª A cessão da posição contratual prevista nos artigos 424.º a 427.º do Código Civil configura um contrato trilateral, para cuja perfeição se exige o concurso de três declarações negociais, sendo certo que, nos termos do artigo 15.º da Lei do Jogo, que tem por epígrafe Cessão da posição contratual, «a transferência para terceiros da exploração do jogo e das demais atividades que constituem obrigações contratuais pode ser permitida mediante autorização» (n.º 1), sendo nula a cessão da posição contratual sem observância do disposto neste artigo (n.º 2).

6.ª E também na economia do Código dos Contratos Públicos, visto, designadamente, o disposto nos seus artigos 307.º, 319.º, 324.º e 333.º, n.º 1, alínea d), a recusa da cessão pelo contraente público integra uma declaração negocial, em paralelismo, aliás, com a declaração de recusa por parte do cocontratante, sendo um ato livre e discricionário.

7.ª Ora, o contrato de concessão da exploração das salas de jogo do bingo reveste a natureza de contrato administrativo.

8.ª Nos termos do referido artigo 7.º, n.º 7, do Decreto-Lei n.º 31/2011, a transmissão da concessão da exploração de salas de jogo do bingo depende de decisão favorável do membro do Governo responsável pela área do turismo, sendo condição essencial para essa decisão o cumprimento pelo novo concessionário de todas as regras que lhe seriam aplicáveis caso se tivesse apresentado a concurso, bem como das demais disposições constantes deste Decreto-Lei.

9.ª «Sendo condição essencial» para a «decisão favorável» a que alude o referido artigo 7.º, n.º 7, do Decreto-Lei n.º 31/2011, o cumprimento pelo novo concessionário das regras e disposições aí mencionadas, ocorre que tal condição é um requisito indispensável, uma conditio sine qua non, mas não uma condição necessária e suficiente.

10.ª Isto é, para poder ser ponderada a oportunidade e conveniência, em vista da prossecução do interesse público, da autorização da transmissão da concessão da exploração, tem de se verificar aquele requisito essencial.

11.ª Assim, não se verificando tal requisito, a autorização não pode ser concedida, mas verificando-se tal requisito, abre-se espaço para uma apreciação livre e discricionária, em vista da prossecução do interesse público.

12.ª Nesta conformidade, verificada que seja a «condição essencial» prevista no referido n.º 7 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 31/2011 - o cumprimento pelo novo concessionário de todas as regras que lhe seriam aplicáveis caso se tivesse submetido ao concurso público para atribuição da concessão, bem como das demais disposições constantes deste decreto-lei - tem o decisor margem de discricionariedade para conformar a sua decisão em consonância com motivos de conveniência administrativa, como sejam os resultantes da ponderação da conveniência em abrir de novo a concessão à concorrência, para obtenção de melhores condições contratuais.

13.ª Estando-se, então, em presença do exercício de um poder discricionário em vista da escolha da solução mais ajustada à realização do interesse público com base num juízo de prognose, esta escolha é condicionada pelos ditames que fluem dos princípios e regras gerais que vinculam a Administração Pública, devendo observar-se, designadamente, os princípios da proporcionalidade - na faceta aplicável aos juízos de prognose: a adequação e da imparcialidade, na faceta da igualdade de tratamento.

14.ª Dispondo-se no artigo 14.º, n.º 12, do Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/2015, de 29 de abril) que, «sempre que a entidade de controlo, inspeção e regulação considere existir uma situação de inidoneidade, deve justificar, de forma fundamentada, as circunstâncias de facto e de direito em que baseia o seu juízo», pode extrair-se de tal norma o princípio de que, em matéria de atribuição de exploração de jogos de fortuna ou azar, não é admissível um non liquet em matéria de apreciação da idoneidade das pessoas coletivas a quem tal exploração possa, em abstrato, ser atribuída.

15.ª Assim sendo, a ausência de histórico e de atividade de exploração de jogos de fortuna ou azar (nomeadamente o jogo do bingo) da empresa transmissária, quer em Portugal, quer em qualquer dos países membros da União Europeia ou com o qual exista cooperação administrativa institucionalizada com as respetivas entidades reguladoras, não pode servir de base a uma decisão de indeferimento dos pedidos de autorização para transmissão da posição contratual apresentados pelos concessionários com o fundamento de não ser possível a aferição da idoneidade de tal empresa.

Texto Integral:





Senhor Secretário de Estado do Turismo,
Excelência:



I

Em 8 de maio de 2015, subordinado ao assunto Pedido de emissão de parecer sobre a interpretação do n.º 4 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 31/2011, de 4 de março, que regula o exercício da atividade de exploração do jogo do bingo e o funcionamento das respetivas salas, dirigiu Vossa Excelência à Senhora Conselheira Procuradora-Geral da República ofício do seguinte teor:


«1 - SITUAÇÃO FÁCTICA

1 - A exploração de salas de jogo do bingo é um direito reservado ao Estado.
2 - O Estado pode atribuir a terceiros, mediante concessão e na sequência de concurso público, o direito de exploração dessas salas, atribuindo uma licença ao concessionário.
3 - Existem em exploração, neste momento, 15 salas de jogo do bingo, dispersas pelo país.
4 - Em 2014, a empresa PEFACO PORTUGAL, S.A., constituída em 21 de março de 2014, manifestou interesse na assunção da posição contratual de concessionário de nove salas de jogo do bingo - Ginásio Clube do Sul (Almada), Nazaré, Sporting Clube Olhanense (Olhão), Vitória Futebol Clube (Setúbal), Odivelas Futebol Clube, Clube de Futebol “Os Belenenses” (Lisboa), Sport Lisboa e Benfica, Boavista Futebol Clube (Porto) e Associação Académica de Coimbra, tendo os concessionários de seis dessas salas apresentado, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 31/2011, de 4 de março, pedido de autorização para a transmissão da respetiva posição contratual para aquela empresa.
5 - Tal empresa, constituída, como se nota, bastante recentemente, não tem qualquer histórico de atividade em Portugal, nomeadamente na exploração de jogos de fortuna ou azar.
6 - Por entender que estes pedidos, considerados conjuntamente, poderiam levantar questões de eventual desconformidade com a legislação da concorrência, determinei, pelo meu despacho n.º 169/XIX/SET/2014, de 28.08.2014, que fosse solicitado parecer sobre a matéria à Autoridade da Concorrência (AdC).
7 - Na sequência do parecer emitido pela AdC (documento que se junta como anexo 1), e prontamente comunicado à PEFACO PORTUGAL, S.A., notificou esta empresa, em 4.11.2014, a AdC da intenção de realização da mencionada operação, dado poder tratar-se de uma operação de concentração de empresas, na aceção da alínea b) do n.º 1 do artigo 36.º da Lei da Concorrência, conjugada com a alínea a) do n.º 3 do mesmo artigo, estando, por isso, sujeita à obrigatoriedade de notificação prévia, por preencher a condição enunciada na alínea a) do n.º 1 do artigo 37º do mesmo diploma.
8 - A AdC veio a proferir a sua decisão em 2.02.2015, conforme documento que se junta como anexo 2.
9 - Conforme evidencia o teor da decisão da AdC, a PEFACO PORTUGAL, S.A. é uma sociedade anónima de direito português, que tem como objeto social a exploração de jogos de fortuna ou azar, nomeadamente, o jogo do bingo. Esta empresa é controlada pela sociedade de direito espanhol Pefaco S.L., empresa-mãe do Grupo Pefaco, esta com presença em atividades de lazer, jogos e hotelaria no continente africano (Benim, Burundi, República do Congo, Togo, Burkina Faso, Costa do Marfim e Nigéria, sob a marca comercial Lydia Ludic, como se constata, aliás, pela consulta ao sítio da lnternet do Grupo Pefaco).
10 - A decisão da AdC conclui pela inexistência, na operação notificada, de entraves à concorrência e decide « (...) adotar uma decisão de não oposição à presente operação de concentração, nos termos do alínea b) do n.º 1 do artigo 50.º da Lei da Concorrência, uma vez que a mesma não é suscetível de criar entraves significativos à concorrência efetiva nos mercados relevantes identificados.».
11 - Nenhuma empresa do Grupo Pefaco opera em Portugal, pelo que aqui não está registado qualquer volume de negócios.
12 - Nenhuma empresa do Grupo Pefaco opera, no que à exploração do jogo diz respeito, em nenhum dos Estados Membros da UE ou em qualquer Estado com o qual exista cooperação administrativa institucionalizada entre as respetivas entidades reguladoras.
13 - A exploração do jogo é uma atividade que merece, do ponto de vista regulatório, especiais cautelas, uma vez que está em causa a garantia da integridade, fiabilidade e transparência das operações de jogo, a proteção dos menores e dos jogadores, assim como a delimitação e enquadramento da oferta existente, bem como o controlo da sua exploração, de forma a manter a segurança e a ordem pública, prevenindo o jogo excessivo e desregulado e comportamentos e práticas aditivas e, ainda, combatendo o jogo ilegal, propiciador de atividades fraudulentas e, eventualmente, associadas a atividades de branqueamento de capitais.
14 - Razão pela qual, aliás, as leis de combate ao branqueamento de capitais a ela se referem, nomeadamente a Lei n.º 25/2008, de 5 de junho, na sua redação atual, que estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e ao financiamento do terrorismo, transpondo para o ordenamento jurídico português as Diretivas n.os 2005/60/CE, de 26 de outubro, e 2006/70/CE, de 1 de agosto, relativas à prevenção da utilização do sistema financeiro e das atividades e profissões especialmente designadas para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo.

II - ENQUADRAMENTO LEGAL

15 - A exploração do jogo do bingo e o funcionamento das salas onde o mesmo é praticado, está regulada pelo Decreto-Lei n.º 31/2011, de 4 de março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 65/2015, de 29 de abril.
16 - Resulta do disposto no referido diploma que a exploração do jogo do bingo só é permitida nas localidades previamente determinadas pelo membro do Governo responsável pela área do turismo, sendo o direito de exploração conferido pelo Estado, mediante concessão, na sequência de concurso público, através da atribuição de licenças a pessoas coletivas públicas ou privadas.
17 - Os procedimentos concursais referidos no número anterior estão naturalmente sujeitos ao Código dos Contratos Públicos, devendo aplicar-se as regras relativas à participação e habilitação dos concorrentes.
18 - No n.º 4 do artigo 7.º do mencionado Decreto-Lei n.º 31/2011 [[1]] admite-se a transmissão da posição contratual do concessionário da exploração de uma sala de jogo do bingo, nos termos e condições que seguidamente se transcrevem: «4 - A transmissão a qualquer título da concessão de exploração de salas de jogo do bingo depende de decisão favorável do membro do Governo responsável pelo área do turismo, sendo condição essencial para essa decisão e para a manutenção da autorização, o cumprimento pelo novo concessionário de todas as regras que lhe seriam aplicáveis caso se tivesse apresentado a concurso, bem como das demais disposições constantes do presente decreto-lei.».
19 - Definindo-se, no n.º 5 do mesmo preceito legal [[2]], as obrigações em que se constitui o transmissário, na qualidade de novo concessionário: «5 - Em caso de transmissão da concessão operada nos termos do número anterior, o novo concessionário assume perante os poderes públicos todos os direitos e deveres do transmitente, bem como se obriga ao cumprimento do disposto no presente decreto-lei e demais legislação complementar».
20 - A lei faz, assim, depender a transmissão da posição contratual de concessionário da exploração de uma sala de jogo do bingo de decisão favorável do membro do Governo e qualifica, como condição essencial para a decisão de autorização e para a manutenção dessa mesma decisão, o cumprimento pelo novo concessionário de todas as regras que lhe seriam aplicáveis caso se tivesse apresentado a concurso, bem como das demais disposições constantes do Decreto-Lei n.º 31/2011.

III - ÂMBITO DA CONSULTA

21 - A primeira questão sobre a qual se solicita emissão de parecer consiste em saber qual a natureza jurídica do ato administrativo dependente do membro do Governo responsável pela área do turismo, previsto no n.º 4 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 31/2011.
22 - O que se pretende alcançar é se o ato administrativo em causa é um poder-dever, no sentido em que, verificada a “condição essencial” prevista no referido n.º 4 do artigo 7.º - o cumprimento pelo novo concessionário de todas as regras que lhe seriam aplicáveis caso se tivesse submetido ao concurso público para atribuição da concessão e, ainda, todas as demais disposições constantes daquele decreto-lei -, esta se apresenta com a natureza de comando vinculativo para o decisor, tendo este de autorizar a transmissão, ou se, pelo contrário, se trata de um poder discricionário, entendido como liberdade de decisão da Administração no quadro das limitações fixadas por lei e no respeito pelos princípios gerais de direito. Neste caso, a essencialidade de tais condições determina apenas que a transmissão não possa ser autorizada se aquelas não se verificarem, tendo o decisor amplitude e margem de discricionariedade para conformação da sua decisão para além dessa circunstância, nomeadamente por motivos de conveniência administrativa, como sejam a necessidade ou vontade de abrir de novo tal concessão à concorrência, para obtenção de melhores condições contratuais.
23 - A segunda questão, cuja análise se solicita, é a de saber se a ausência de histórico e de atividade de exploração de jogos de fortuna ou azar (nomeadamente o jogo do bingo) da empresa transmissária, quer em Portugal, quer em qualquer dos países membros da União Europeia ou com o qual exista cooperação administrativa institucionalizada com as respetivas entidades reguladoras (note-se que em nenhum dos países africanos onde o Grupo Pefaco tem atividade existe tal cooperação institucionalizada), pode fundamentar uma decisão de indeferimento dos pedidos de autorização para transmissão da posição contratual apresentados pelos concessionários, atendendo a que não se afigura possível a aferição da idoneidade exigida no âmbito do Código dos Contratos Públicos, o que assume particular relevância quando está em causa a atividade do jogo, ou sequer a aferição de um histórico de atividade desta empresa ou Grupo.

Pelo que antecede, solicita-se a V. Exa. que, ao abrigo do disposto na alínea d) do artigo 10.º e na alínea a) do artigo 37.º do Estatuto do Ministério Público, o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República se pronuncie sobre a interpretação do n.º 4 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 31/2011, de 4 de março, que regula o exercício da atividade de exploração do jogo do bingo e o funcionamento das respetivas salas.»

Recebido que foi este ofício, a Senhora Conselheira Procuradora-Geral da República proferiu, em 19 de maio de 2015, despacho no sentido de pronúncia deste corpo consultivo.

Cumpre, pois, emitir parecer.

II
Jogos de fortuna ou azar – Da proibição à regulação.

1. Tal com acentuou, em 1964, Diogo Freitas do Amaral[3]:

«Desde sempre se rodeou o jogo de uma série de providências destinadas a submetê-lo a um regime jurídico peculiar, de natureza eminentemente restritiva.
Já os romanos distinguiam o jogo em duas categorias: aí se dizia licet ao jogo quot virtutis causa fiat; sed ex aliis, ubi pro virtute certamen non fit, non licet (D.1.3.11.5).
Era, pois, a distinção entre os jogos lícitos, fonte de estímulos ao desenvolvimento das faculdades físicas ou intelectuais e os jogos proibidos, hoje chamados de «fortuna ou azar».
Com a evolução dos tempos, mais se foi acentuando a noção de que estes últimos eram nocivos e a sua prática devia ser reprimida. Primeiro, pelo que moralmente têm de reprovável; depois, porque socialmente destroem hábitos de trabalho e degeneram em vício; por último, porque representam um fator de ruína para as economias familiares e uma fonte de prodigalidade para os seus membros.
Assim se explica que o legislador português do séc. XIX tenha encarado severamente esta atividade. O Código Penal incluiu o jogo entre os crimes contra a ordem e a tranquilidade pública (arts. 264.° e ss.), discriminando diversas modalidades de jogo puníveis. E o Código Civil (arts. 1539.° e ss.) negou, pura e simplesmente, a tutela jurisdicional às obrigações nascidas do contrato de jogo.
Porém, toda a medalha tem o seu reverso. E este sistema da proibição absoluta do jogo de azar, com efeito, arrastou consigo o alastrar da clandestinidade e o desprestígio da lei. Além disso, a prática clandestina tornava difícil ou impedia a fiscalização necessária.
Por outro lado, as exigências do turismo internacional reforçaram os inconvenientes da proibição absoluta.»

E José de Oliveira Ascensão e António Menezes Cordeiro[4] dão conta de que:

«O Livro das Leis e Posturas compreende uma Lei de D. Dinis que condenava à morte quem fizesse jogo falso “… ou no jogo metesse dadas falsos ou chumbados.” Seguidamente, D. Afonso IV reprimiria, por lei, a tavolagem, estabelecendo penas diversificadas. A matéria seria desenvolvida nas Ordenações, sempre por forma restritiva ou, até, proibitiva.»

Ora, o Decreto n.º 14.643, de 3 de dezembro de 1927, pondo termo a uma longa tradição de proibição do jogo, veio autorizar a exploração de jogos de fortuna ou azar, em regime de concessão de exclusivo, em determinadas localidades qualificadas como zonas de jogo[5].

Ocorrendo que o artigo 62.º do Decreto n.º 14.643, de 3 de dezembro de 1927, veio revogar «os artigos 264° a 269.° do Código Penal e artigos 1541.° e 1542.° do Código Civil nas zonas em que for autorizado o jogo de fortuna ou azar, nos termos de presente decreto.»

É, aliás, sobremaneira elucidativo o teor do preâmbulo do Decreto n.º 14.643, que se passa a transcrever:

«Não é necessário revolver toda a legislação portuguesa para se ficar firme na convicção de que foi sempre baldado o esforço no sentido do reprimir em Portugal o jogo de fortuna ou azar.
Houve sempre uma proibição legal expressa, a par do jogo campeando nas praias, nas termas e até nas cidades, como Lisboa e Porto.
Afigurou-se aos poderes constituídos a necessidade de regulamentar o jogo, como sendo o meio de reduzir ao mínimo os abusos que se estavam cometendo e várias tentativas se esboçaram nesse sentido. O jogo era um facto contra o qual nada podiam já as disposições repressivas. Mas os interesses políticos dos Governos partidários mostraram-se sempre um óbice invencível às tentativas esboçadas e ia a final cair-se nos mesmos abusos.
Inaugurado o governo da Ditadura Militar, de novo a tentativa surgiu, mas agora em condições de se converter em realidade, porque a Ditadura, não carecendo de uma clientela eleitoral, não tinha que sucumbir aos interesses molestados com a regulamentação do jogo.
Com a regulamentação que se preparou o Estado procura tirar o máximo de receita do jogo, deixando bem claras e patentes quais as pessoas que poderão jogar e quais as condições em que tal será permitido.
E fica ao Governo a certeza de que estão mais acautelados os interesses das famílias e cortadas mais cerces as tão apregoadas nefastas consequências do jogo com a regulamentação que vai seguir-se do que com o jogo proibido pela forma como de há muito tempo o vinha sendo.»

Substituído que foi o sistema da proibição absoluta pelo da regulamentação, seguiram-se ao Decreto n.º 14.643 o Decreto-Lei n.º 41.562, de 18 de março de 1958, o Decreto-Lei n.º 48.912, de 18 de março de 1969 e, por último, o Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro[6], que se designará infra por Lei do Jogo.

E sublinhando Rui Pinto Duarte[7] que «as linhas gerais da legislação portuguesa sobre jogos de fortuna ou azar são as mesmas desde 1927.»

Sendo certo que no preâmbulo do atrás mencionado Decreto-Lei n.º 10/95 (primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 422/89) se pode ler, designadamente, que a autorização da exploração de jogos de fortuna ou azar, em regime de concessão de exclusivo, em determinadas localidades qualificadas como zonas de jogo, decorrente da regulamentação estabelecida pelo Decreto n.º 14.643:

«Não refletiu, porém, uma mudança radical de atitude do legislador relativamente ao fenómeno do jogo, antes tendo obedecido a uma postura pragmática, nos termos da qual, dada a impossibilidade de reprimir efetivamente todas as manifestações daquele fenómeno, é preferível autorizá-lo e dar-lhe um enquadramento estrito, suscetível de assegurar a honestidade do jogo e de trazer alguns benefícios para o setor público.»

E que:

«Desde 1927 que a extensa legislação aprovada neste domínio se orientou, sobretudo, para o aperfeiçoamento técnico dos preceitos, não tendo, em regra, o legislador sentido necessidade de alterar nem os grandes princípios nem as soluções que lhes visam dar corpo.
Assim, tendo a regulamentação do jogo permanecido inalterada nos seus aspetos essenciais, é inegável que as profundas mutações da realidade sócio-económica e cultural que entretanto se fizeram sentir no País não encontraram, até agora, reflexo no quadro normativo por que se rege a atividade.
A manutenção daquele quadro normativo naquilo em que o mesmo traduza não já uma opção de controlar a difusão do fenómeno do jogo, mas o modo como esse controlo deve ser feito, é suscetível de gerar um distanciamento entre o direito e a realidade que este pretende disciplinar, em termos que poderão acarretar a incapacidade das concessionárias de se adaptarem às preferências e ao perfil dos jogadores, estimulando-se, por essa via, a proliferação do jogo clandestino, com total subversão da intenção reiterada do legislador nesta matéria.
Neste contexto, tendo não só em conta essas mutações mas também a resposta que, em países de tradição cultural próxima da portuguesa, lhes vem sendo dada a nível legislativo, importa encontrar novas soluções que, não pondo em causa os interesses de ordem pública cuja tutela sempre foi assumida neste domínio, criem um enquadramento suscetível de melhorar as condições de exploração da atividade e de assegurar uma efetiva repressão das infrações, através do reforço da responsabilidade das concessionárias, dos seus administradores, trabalhadores e frequentadores.»

2. A definição do jogo de fortuna ou azar nos diplomas de sucessiva regulamentação.

O artigo 1.º do Decreto n.º 14.643 era do seguinte teor:

«Os jogos cujos resultados são inteiramente contingentes, não dependendo a perda ou o ganho da perícia, destreza, inteligência ou cálculo do jogador, denominam-se jogos de fortuna ou azar.»

E, quer o Decreto-Lei n.º 41.562 (artigo 1.º), quer o Decreto-Lei n.º 48.912 (artigo 1.º), definiram os jogos de fortuna ou azar como aqueles «cujos resultados são contingentes, por dependerem exclusivamente da sorte», definição esta que coincidia, essencialmente, com a primeiramente referida.

Já nos termos do artigo 1.º da atual Lei do Jogo, «jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte.»
III
O jogo do bingo.

1. O jogo do bingo foi regulado, pela primeira vez, em Portugal pelo Decreto-Lei n.º 277/82, de 16 de julho, sendo nele caracterizado como um jogo de fortuna ou azar não bancado (artigo 1.º).
Tendo-se consignado no respetivo preâmbulo o seguinte:

«A prática do jogo implica vícios sociais graves que determinam a intervenção do Estado sempre que haja risco de, para além de mera diversão, se transformar numa exploração intolerável de pequenas disponibilidades.
Assim sucede atualmente com o bingo, que é jogado clandestinamente em numerosos locais, sem que daí resulte qualquer reversão de receitas para a sociedade, sob a forma de benefícios de interesse social, no sentido mais amplo do termo.
Torna-se, portanto, necessário regulamentar a prática de um jogo que tem sido explorado à margem da lei e sem qualquer enquadramento adequado aos riscos que comporta para os praticantes e para a sociedade em geral.
Em Portugal, país caracterizadamente de importação turística, o jogo assume frequentemente a natureza de um fator de animação não negligenciável e, portanto, de uma infraestrutura de interesse turístico. É neste contexto que o jogo do bingo deve ser considerado.»

Nos termos do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 277/82, a concessão da exploração do jogo do bingo fora dos casinos ficara dependente das condições a definir em decreto regulamentar, o que foi feito pelo Decreto Regulamentar n.º 41/82, igualmente de 16 de julho.
Sendo certo que, no artigo 3.º deste Decreto Regulamentar, que tinha por epígrafe Empresas concessionárias do bingo, se estabelecia o seguinte:

«Só podem candidatar-se à exploração de salas do jogo do bingo pessoas coletivas de direito público, pessoas coletivas de utilidade pública administrativa e empresas do setor turístico que não tenham por exploração ou objetivo social exclusivo ou principal a exploração do jogo.»[8]

Tendo o Decreto-Lei n.º 277/82 vindo a ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 314/95, de 24 de novembro, em cujo preâmbulo se salientou, designadamente, que as alterações (ao Decreto-Lei n.º 422/89) operadas pelo Decreto-Lei n.º 10/95 não afastaram «os grandes princípios que há muito norteiam» o «regime das explorações do jogo.»
E que:
«Pelo contrário, antes tiveram em vista encontrar soluções coerentes com aqueles princípios, orientando-se, sobretudo, para o reforço da tutela do interesse público patente no regime de concessão de exploração do jogo, interesse esse que, no essencial, se reconduz à defesa da honestidade das explorações, ao combate ao jogo clandestino, à obtenção de receitas públicas e à dinamização turística das regiões onde estão instalados os casinos.
Tais princípios, consagrados no referido Decreto-Lei n.º 422/89, merecem inteiro acolhimento no domínio da exploração do jogo do bingo.»

Por seu turno, o Decreto-Lei n.º 314/95, que aprovara o Regulamento da Exploração do Jogo do Bingo (REJB), foi objeto de revogação pelo supramencionado Decreto-Lei n.º 31/2011, de 4 de março[9], que, presentemente, estabelece a regulamentação do jogo do bingo.

Tendo-se consignado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 65/2015, designadamente, o seguinte:

«No Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, que disciplina a exploração e prática de jogos de fortuna ou azar em casinos, manteve-se a caracterização do jogo do bingo como jogo de fortuna ou azar não bancado[10], explorado nos casinos ou, fora destes, em salas próprias, nos termos da legislação especial aplicável.
A atual regulamentação do jogo do bingo, constante do Decreto-Lei n.º 31/2011, de 4 de março, resultou já da adequação da exploração do jogo do bingo à realidade social, económica e cultural do país, dando um novo enquadramento ao exercício daquela atividade, de forma a tornar as respetivas condições mais atrativas.
Nesta senda, revela-se mais uma vez necessário acompanhar a evolução tecnológica verificada e a nova forma de disponibilização do jogo do bingo, beneficiando dos avanços tecnológicos que também nesta atividade se fizeram sentir, como é o caso do bingo eletrónico, modalidade que se apresenta mais apelativa e dinâmica na interação com o jogador, na qual os cartões físicos são substituídos por um dispositivo eletrónico, que simula todo o desenrolar do jogo tradicional, permitindo a interação com os demais jogadores existentes nessa sala ou com todos os que estejam noutras salas em qualquer ponto do país e que com ela estejam conectadas.»

2. Nos termos do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 31/2011, que tem por epígrafe Jogo do bingo:

«1 - O bingo caracteriza-se como um jogo de fortuna ou azar não bancado.
2 - São modalidades do jogo do bingo:
a) O bingo tradicional;
b) O bingo eletrónico.
3 - Nas salas de jogo do bingo, para além do bingo tradicional, pode ser explorado o bingo eletrónico, não podendo ser explorados quaisquer outros tipos de jogos de fortuna ou azar.
4 - Qualquer modalidade do jogo do bingo pode ser explorada em simultâneo em várias salas de jogo do bingo, nos termos e condições definidos no regulamento a que se refere o n.º 2 do artigo 1.º[11]

Sendo certo que, no n.º 1 do subsequente artigo 3.º, se dispõe que «as normas relativas à exploração e à prática do jogo do bingo são de interesse e ordem públicos, cabendo à entidade de controlo, inspeção e regulação emitir os regulamentos, as instruções e as orientações que se afigurem necessários ao seu cumprimento.»

Por seu turno, nos termos do supramencionado artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 31/2011, que tem por epígrafe Regime da concessão da exploração das salas de jogo do bingo:

«1 - A exploração de salas de jogo do bingo é atribuída mediante concessão a pessoas coletivas públicas ou privadas.
2 - A atribuição da concessão para exploração de salas de jogo do bingo é efetuada mediante concurso público, nos termos estabelecidos na parte II do Código dos Contratos Públicos (CCP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, com as especificidades previstas no presente decreto-lei.
3 - As decisões de contratar, de aprovação das peças procedimentais, de qualificação dos candidatos, quando aplicável, de adjudicação e de aprovação da minuta dos contratos de concessão e a outorga dos mesmos cabe ao membro do Governo responsável pela área do turismo.
4 - A decisão de aprovação das peças procedimentais é precedida de parecer por parte do membro do Governo responsável pela área das finanças.
5 - As demais decisões no âmbito do procedimento de formação do contrato podem ser delegadas na comissão de jogos.
6 - As peças procedimentais devem definir, nomeadamente, a possibilidade de prorrogação do prazo da concessão e estabelecer as respetivas condições, bem como as contrapartidas financeiras devidas pela concessão da exploração de salas de jogo do bingo e o modo de pagamento das mesmas.
7 - A transmissão da concessão da exploração de salas de jogo do bingo depende de decisão favorável do membro do Governo responsável pela área do turismo, sendo condição essencial para essa decisão o cumprimento pelo novo concessionário de todas as regras que lhe seriam aplicáveis caso se tivesse apresentado a concurso, bem como das demais disposições constantes do presente decreto-lei.
8 - Em caso de transmissão da concessão operada nos termos do número anterior, o novo concessionário assume perante os poderes públicos todos os direitos e deveres do transmitente, bem como se obriga ao cumprimento do disposto no presente decreto-lei e demais legislação complementar.
9 - Quando sejam praticados atos administrativos relativos à execução do contrato, estes constituem título executivo, podendo o cumprimento das obrigações determinadas pelos mesmos ser imposto coercivamente.»

Sendo certo que, nos termos do artigo 40.º, n.º 1, alínea e), do mesmo Decreto-Lei, constitui prática suscetível de determinar a rescisão do contrato de concessão, «a cessão da exploração ou a transmissão não autorizada da posição contratual».

E sendo igualmente certo que, no artigo 47.º do Decreto-Lei n.º 31/2011, que tem por epígrafe Direito subsidiário, se estabelece que, em tudo o que não estiver previsto nesse decreto-lei, incluindo a matéria de ilícitos e sanções criminais, se observa o disposto no Decreto-Lei n.º 422/89 e respetiva legislação complementar, que disciplina a exploração dos jogos de fortuna ou azar nos casinos.

Por seu turno, de acordo com o disposto no artigo 8.º da Lei do Jogo, que tem por epígrafe Jogo do bingo, «fora das áreas dos municípios em que se localizem os casinos e dos que com estes confinem, a exploração e a prática do jogo do bingo podem também efetuar-se em salas próprias, nos termos da legislação especial aplicável.»
IV

A atual redação dos supramencionados artigos 2.º, 3.º, 7.º, 40.º e 47.º do Decreto-Lei n.º 31/2011 foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 65/2015.
Sendo certo que o Decreto-Lei n.º 65/2015 foi editado no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 73/2014, de 2 de setembro, alterada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro.

Tendo ao abrigo de tal autorização legislativa sido igualmente publicados (também em 29 de abril), os Decretos-Leis n.os 66/2015, 67/2015 e 68/2015.

E sendo da mesma data a publicação do atrás mencionado Decreto-Lei n.º 64/2015, que alterou os artigos 9.º a 12.º e 17.º e revogou os n.os 2 a 4 do artigo 12.º e o artigo 13.º da Lei do Jogo.

O Decreto-Lei n.º 66/2015 aprovou o Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online, abreviadamente designado por RJO e alterou o Código da Publicidade, a Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo e o Decreto-Lei n.º 129/2012, de 22 de junho, que aprovara a orgânica do Instituto do Turismo de Portugal, I.P. (Turismo de Portugal, I.P.).

O Decreto-Lei n.º 67/2015 aprovou o regime jurídico da exploração e prática das apostas desportivas à cota de base territorial e alterou a Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo e os Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 235/2008, de 3 de dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 114/2011, de 30 de novembro.

O Decreto-Lei n.º 68/2015 aprovou o regime jurídico da exploração e prática das apostas hípicas mútuas de base territorial e o regime jurídico da atribuição da exploração de hipódromos autorizados a realizar corridas de cavalos sobre as quais se praticam apostas hípicas e das corridas de cavalos sobre as quais podem ser efetuadas apostas hípicas.

Ora, na alínea m) do artigo 4.º do Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online (abreviadamente designado por RJO), definem-se da seguinte forma os «jogos e apostas de base territorial»:

«Os jogos ou as apostas que se realizam em casinos, em salas de jogo do bingo ou noutros locais para o efeito previamente autorizados e que exigem a presença física do jogador».

E, nos termos alínea o) do mesmo artigo, «Jogos e apostas online» são:

«Os jogos de fortuna ou azar, as apostas desportivas à cota e as apostas hípicas, mútuas e à cota, em que são utilizados quaisquer mecanismos, equipamentos ou sistemas que permitam produzir, armazenar ou transmitir documentos, dados e informações, quando praticados à distância, através de suportes eletrónicos, informáticos, telemáticos e interativos, ou quaisquer outros meios».

Havendo, presentemente, que contrapor os novos jogos online[12] (praticados à distância) aos tradicionais jogos com a presença física do jogador, também (agora) designados jogos offline.

Sendo certo que no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 66/2015 se pode ler, designadamente, o seguinte:

«O Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, apesar de ter sido objeto de várias alterações, viu inalterados os seus princípios basilares e a sua matriz, resultando claro do seu normativo que a regulação do jogo não visa satisfazer necessidades de intervenção numa atividade de interesse público - não sendo o jogo uma atividade de interesse geral que se impõe ser necessariamente prosseguida -, mas antes controlar a difusão e a prática desregulada do fenómeno do jogo e disciplinar o modo como esse controlo deve ser feito».
(…)
«Assume especial acuidade a regulação do jogo online em Portugal, impondo-se o seu enquadramento normativo em diploma próprio, de molde a trazer para a legalidade operadores e jogadores que atualmente jogam no mercado ilegal sem qualquer proteção, e assegurando, simultaneamente, o são funcionamento do mercado. Pretende-se, por esta via, estimular a cidadania e o jogo responsável e reforçar o combate à economia informal.
A situação com que hoje nos confrontamos em matéria de jogo online é, desta feita, comparável à que existia em Portugal em 1927, antes da regulação da exploração e prática dos jogos de fortuna ou azar.
O jogo online encontra-se disseminado por todo o mundo, pelo que o Estado Português não pode ignorar essa realidade. Acresce, que se assistiu na última década a um movimento generalizado de regulação do jogo online na Europa, que intensifica a necessidade de regular esta matéria, de igual modo, em Portugal.
Por este motivo, entende o Governo proceder, através do presente decreto-lei, à regulação do jogo online, ponderando e refletindo neste normativo aquelas que são as recomendações da Comissão Europeia[13] e as melhores práticas que vêm sendo adotadas noutros países.
Desde logo, as soluções jurídicas e os princípios plasmados no Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online (RJO) são adequados e proporcionados à prossecução dos objetivos de interesse público visados, no sentido de garantir a proteção dos menores e das pessoas mais vulneráveis, evitar a fraude e o branqueamento de capitais, prevenir comportamentos criminosos em matéria de jogo online e salvaguardar a integridade do desporto, prevenindo e combatendo a viciação de apostas e de resultados. De igual modo, o RJO, ao delimitar e enquadrar a oferta e o consumo do jogo, e ao controlar a sua exploração, garante a segurança e a ordem pública, prevenindo o jogo excessivo e desregulado e comportamentos e práticas aditivas».
(…)
«À semelhança do que tem vindo a suceder na maioria dos países europeus, prevê-se no RJO que a exploração de jogos e apostas online não deve constituir um exclusivo de algumas entidades, ainda que estas já se encontrem habilitadas a explorar jogos e apostas em Portugal. A exploração deve ser atribuída, mediante licença, a todas as entidades que, para além daquelas, preencham estritos requisitos de idoneidade e de capacidade económica e financeira e técnica.»

Importando reter que, nos termos do artigo 2.º do Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online (RJO), o RJO se aplica à exploração e à prática dos jogos e apostas online [n.º 1], encontrando-se excluído do âmbito de aplicação do RJO «o bingo, regulado pelo Decreto-Lei n.º 31/2011, de 4 de março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 65/2015» [n.º 2, alínea l)].
V

Como se viu, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 66/2015 consignou-se resultar claro do normativo do Decreto-Lei n.º 422/89 que «a regulação do jogo não visa satisfazer necessidades de intervenção numa atividade de interesse público, não sendo o jogo uma atividade de interesse geral que se impõe ser necessariamente prosseguida».

E já, em 1964, Diogo Freitas do Amaral[14] acentuava que:

«A indústria do jogo de azar não constitui, manifestamente um serviço público.»
«A indústria do jogo não é, de modo nenhum, destinada a satisfazer uma necessidade coletiva individualmente sentida. Não pode dizer-se (…) que a necessidade de praticar o jogo de fortuna ou azar constitua uma necessidade coletiva.»
«Pode o Estado, com o regime que para ela instituiu, pretender atingir um ou mais fins de interesse público: isso não basta, em todo o caso, para que se trate tecnicamente de um serviço público.»

Mais acentuando que[15]:

«O regime legalmente estabelecido não conduz à necessidade de conferir uma licença que permita, ou torne lícito, o exercício do jogo em certas zonas. Não se faz mister, noutros termos, que sejam as licenças a afastar, em cada caso, a proibição genérica do jogo.»
«Seja qual for a natureza jurídica da “concessão de jogo”, o certo é que se lhe não pode dar o alcance de permitir alguma coisa que já é permitida pela própria lei.»
«O direito de explorar os jogos de fortuna ou azar é reservado ao Estado e só pode ser exercido por aqueles a quem o Estado o conceder.
Não há, em suma, um direito do particular que se exerce com autorização do Estado, mas um direito do Estado que o particular exerce por concessão.»
«A “concessão de jogo” é, tecnicamente, uma verdadeira concessão, isto é, a transferência por uma pessoa coletiva de direito público de poderes que lhe competem para outra pessoa, a fim de que esta os exerça por sua conta e risco, mas no interesse geral».

De facto e tal como também salienta Diogo Freitas do Amaral[16]:

«A “licença” é o ato pelo qual um órgão da Administração atribui a alguém o direito de exercer uma atividade privada que é por lei relativamente proibida.»
«A “concessão” é o ato pelo qual um órgão da Administração transfere para uma entidade privada o exercício de uma atividade pública, que o concessionário desempenhará por sua conta e risco, nas no interesse geral.
Trata-se de uma situação diferente da licença. Na licença, a Administração permite ao particular o exercício de uma atividade privada, que, em princípio, é proibida, mas que nem por isso deixa de ser uma atividade privada; na concessão o que se transfere para o concessionário é o direito de exercer uma atividade pública».

E, já em 1954, Armando Manuel Marques Guedes[17] consignava o seguinte:

«Conceder, é dispor de coisa própria e implica a afirmação implícita do domínio respetivo; ao passo que «autorizar» somente significa levantar a proibição, potencialmente imposta por conveniência geral, ao livre exercício de direitos reconhecidamente no domínio (ou titularidade) dos particulares.»
«O que de harmonia com o maior número dos Autores» distingue a concessão «de outras figuras afins, como as autorizações ou licenças, é o facto de os poderes ou direitos sobre que versa estarem na titularidade do Estado.»

Também Pedro Gonçalves[18] salienta o seguinte:

«Quando a lei passou a permitir a atribuição do direito de exploração do jogo, à doutrina colocou-se a questão de saber qual a natureza do ato que efetiva aquela atribuição.
A resposta acabou por ser no sentido de considerar aí a existência de um contrato administrativo de concessão.
Com essa resposta, abandonava-se a ideia de reconduzir o título atributivo da exploração do jogo à figura do ato administrativo (unilateral); porém, emergia ao mesmo tempo a necessidade de explicar a razão de ser da aplicação do conceito de concessão - designação que, de resto, vinha sendo utilizada pelo legislador desde 1927.
Essa explicação foi dada por Freitas do Amaral que, contestando a opinião que defendia corresponder esta atividade a um princípio de proibição, posição que abria o caminho à configuração do ato de acesso como uma autorização ou licença, afirmava afigurar-se-lhe ser “o direito de explorar os jogos de fortuna ou azar reservado ao Estado”, o que justificaria a designação concessão: pelo facto de nas atribuições da entidade concedente estarem incluídos os poderes de exploração de jogos, poderia defender-se a ideia de colaboração dos privados com os entes administrativos também neste domínio.
Está aqui portanto implicada uma concessão que atribui a um particular o direito de exercer uma atividade reservada ao Estado, a atividade de exploração do jogo.»

Sendo certo que, nos termos do artigo 9.º da Lei do Jogo, que tem por epígrafe Regime de concessão:

«1 - O direito de explorar jogos de fortuna ou azar é reservado ao Estado.
2 - A exploração de jogos de fortuna ou azar pode ser atribuída mediante concessão a pessoas coletivas privadas, constituídas sob a forma de sociedades anónimas, ou equivalente, com sede num Estado-Membro da União Europeia, ou num Estado signatário do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu que esteja vinculado à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade e do combate à fraude e ao branqueamento de capitais, desde que, no caso de sociedades estrangeiras, tenham sucursal em Portugal.
3 - O disposto no número anterior não é aplicável nos casos previstos no artigo 6.º.»[19]

Ora, a redação originária do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 31/2011 era a seguinte:
«Artigo 7.º
Concessão da exploração das salas de jogo do bingo

1 - A adjudicação da concessão é feita mediante a atribuição de licença a pessoas coletivas públicas ou privadas.
2 - O prazo de concessão pode ser prorrogado pelo membro do Governo responsável pela área do turismo, a pedido fundamentado dos concessionários que tenham cumprido as suas obrigações, estabelecendo-se as condições da prorrogação no despacho que a autoriza.
3 - O pedido a que se refere o número anterior deve ser efetuado pelo menos 180 dias antes do termo do prazo da concessão.
4 - A transmissão a qualquer título da concessão de exploração de salas de jogo do bingo depende de decisão favorável do membro do Governo responsável pela área do turismo, sendo condição essencial para essa decisão e para a manutenção da autorização, o cumprimento pelo novo concessionário de todas as regras que lhe seriam aplicáveis caso se tivesse apresentado a concurso, bem como das demais disposições constantes do presente decreto-lei.
5 - Em caso de transmissão da concessão operada nos termos do número anterior, o novo concessionário assume perante os poderes públicos todos os direitos e deveres do transmitente, bem como se obriga ao cumprimento do disposto no presente decreto-lei e demais legislação complementar.»

Dispunha-se, pois, no n.º 1 deste artigo ser a adjudicação da concessão feita mediante a atribuição de licença a pessoas coletivas públicas ou privadas.

Ora, na atual redação, prescreve-se que «a exploração de salas de jogo do bingo é atribuída mediante concessão a pessoas coletivas públicas ou privadas».

Ocorrendo que no regime de exploração e licenciamento dos jogos e apostas online aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/2015 é que, estabelecendo-se que «o direito de explorar os jogos e apostas online é reservado ao Estado» (artigo 8.º), atualmente se prescreve que «a exploração de jogos e apostas online é atribuída pela entidade de controlo, inspeção e regulação, mediante licença, a pessoas coletivas privadas, constituídas sob a forma de sociedade anónima ou equivalente, com sede num Estado-Membro da União Europeia, ou num Estado signatário do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu que esteja vinculado à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade e do combate à fraude e ao branqueamento de capitais, desde que, no caso de sociedades estrangeiras, tenham sucursal em Portugal» (artigo 9.º, n.º 1).
VI

Consoante se alcança das transcrições a que se procedeu supra, quer no atual n.º 7 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 31/2011, quer no n.º 4 do mesmo artigo, na redação originária, foi utilizada a expressão «transmissão da concessão da exploração de salas de jogo do bingo».

Ora, no artigo 15.º da Lei do Jogo, que tem por epígrafe Cessão da posição contratual, estabelece-se o seguinte:

«1 - A transferência para terceiros da exploração do jogo e das demais atividades que constituem obrigações contratuais pode ser permitida mediante autorização:
a) Do Conselho de Ministros, quanto à exploração do jogo;
b) Do membro do Governo da tutela, quanto às demais atividades que constituem obrigações contratuais.
2 - A cessão da posição contratual sem observância do disposto do número anterior é nula.»

Por seu turno, como se viu, de acordo com o disposto no artigo 47.º do Decreto-Lei n.º 31/2011, em tudo o que não estiver previsto nesse decreto-lei, incluindo a matéria de ilícitos e sanções criminais, observa-se o disposto no Decreto-Lei n.º 422/89 e respetiva legislação complementar, que disciplina a exploração dos jogos de fortuna ou azar nos casinos.

E, consubstanciando a «transmissão da concessão da exploração de salas de jogo do bingo» uma transmissão do complexo de direitos e obrigações derivados de um contrato, está também em causa, no n.º 7 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 31/2011, o instituto da cessão da posição contratual.

Sendo certo que no artigo 424.º, n.º 1, do Código Civil[20] se estabelece que, «no contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão.»

Tal como acentua Inocêncio Galvão Telles[21]:

«A cessão da posição contratual tem de ser consentida pela outra parte. Um dos contraentes (cedente) só pode transferir a sua posição no contrato a terceiro (cessionário) se o outro contraente (cedido) o autorizar (art. 424°). A exigência legal desta autorização compreende-se perfeitamente, porque em virtude da cessão o outro contraente fica em relação com um estranho. Os créditos e débitos que tinha em face do cedente passa a tê-los perante um terceiro, e esse terceiro pode não lhe agradar: pode tratar-se, inclusive, de pessoa que, por falta de escrúpulos ou por carências financeiras, não lhe dê tranquilidade quanto à satisfação dos seus créditos».

Salientando Antunes Varela[22] que:

«O contrato de cessão da posição contratual descreve, na sua configuração gráfica, um circuito de natureza triangular, visto a sua perfeição exigir o consentimento dos três sujeitos colocados em posições diferentes. Além da vontade dos intervenientes diretos na transmissão (o cedente, dum lado; o cessionário, do outro), o artigo 424.°, 1, alude diretamente à necessidade do consentimento do contraente-cedido, para quem não é indiferente a pessoa do devedor nas obrigações de que ele seja credor.
Da trilateralidade do contrato nasce uma complexidade correspondente nos seus efeitos, que respeitam aos três autores da operação.»
«Há que atender (…) à posição peculiar do contraente cedido na economia do contrato de cessão. Ele será, sem dúvida, um dos participantes no contrato, visto este só poder considerar-se consumado com a prestação do seu consentimento.»

E, segundo Luís Manuel Teles de Menezes Leitão[23]:

«A cessão da posição contratual não é (…) admissível sem o consentimento do outro contraente, prestado antes ou depois da celebração do contrato, resultando assim do efeito conjugado das declarações negociais do cedente, cessionário, e da outra parte no contrato transmitido. Conforme refere Larenz, todos eles veem a sua situação jurídica afetada pela cessão da posição contratual pelo que todos terão que consentir na transmissão.»
«O consentimento do outro contraente constitui um requisito constitutivo do negócio da cessão da posição contratual, pelo que este não se poderá ter por concluído enquanto esse consentimento não se verificar. A cessão da posição contratual não se pode assim considerar como um produto de dois negócios coligados, sendo antes um contrato trilateral, para cuja perfeição se exige o concurso de três declarações negociais».

Sendo igualmente certo que nos n.os 1 e 2 do artigo 319.º do Código dos Contratos Públicos, que tem por epígrafe Autorização à cessão e à subcontratação pelo cocontratante na fase de execução, se estabelece o seguinte:

«1 - A cessão da posição contratual e a subcontratação no decurso da execução do contrato carecem de autorização do contraente público.
2 - Para efeitos da autorização do contraente público, o cocontratante deve apresentar uma proposta fundamentada e instruída com todos os documentos comprovativos da verificação dos requisitos que seriam exigíveis para a autorização da cessão e da subcontratação no próprio contrato, nos termos do disposto no n.º 2, na alínea a) e na primeira parte da alínea b) do n.º 3 e no n.º 4 do artigo anterior, respetivamente»[24].

Dispondo-se no artigo 307.º do mesmo código, que tem por epígrafe Natureza das declarações do contraente público, o seguinte:

«1 - Com exceção dos casos previstos no número seguinte, as declarações do contraente público sobre interpretação e validade do contrato ou sobre a sua execução são meras declarações negociais, pelo que, na falta de acordo do cocontratante, o contraente público apenas pode obter os efeitos pretendidos através do recurso à ação administrativa comum.
2 - Revestem a natureza de ato administrativo as declarações do contraente público sobre a execução do contrato que se traduzam em:
a) Ordens, diretivas ou instruções no exercício dos poderes de direção e de fiscalização;
b) Modificação unilateral das cláusulas respeitantes ao conteúdo e ao modo de execução das prestações previstas no contrato por razões de interesse público;
c) Aplicação das sanções previstas para a inexecução do contrato;
d) Resolução unilateral do contrato.»

Face a este regime jurídico, expende Alexandra Leitão[25], designadamente, o seguinte:

«A regra geral na atuação do contraente público é a utilização de (meras) declarações negociais, assumindo, contudo, a forma de ato administrativo certos atos elencados na lei (no n.º 2 do artigo 307.°). Mas este preceito contém apenas uma aparente taxatividade, porquanto admite aplicação analógica a todas as atuações do contraente público que assumam características e objetivos similares aos que subjazem aos poderes de conformação da relação contratual, ou seja, que visem garantir que o contrato prossegue sempre o interesse público e que o faz da forma mais eficaz e eficiente.»

«A Administração tem de verificar o cumprimento dos requisitos legais impostos pelo artigo 319.º, n.º 2, à data em que conceder a autorização e não reportada ao momento em que o contraente particular apresentou a proposta.
No caso da cessão da posição contratual esta autorização é requisito de perfeição do contrato de cessão, mas não tem por efeito a sanação de anteriores incumprimentos contratuais do cedente, que, dessa forma, passam a ser da responsabilidade do cessionário, nos termos cerais do Direito Civil.
A autorização ou a recusa da cessão são atos livres e discricionários - do contraente público, enquanto no caso da subcontratação - e pressupondo que todos os requisitos legais estão preenchidos -, esta só pode ser recusada quando haja fundado receio de que envolva um aumento do risco de incumprimento das obrigações contratuais. A diferença de regimes compreende-se à luz do facto de a cessão implicar uma substituição do cocontratante, o que não acontece no caso da subcontratação, que não a afasta a responsabilidade do cocontratante originário (artigo 321.º).
Perante isto, suscita-se a dúvida de saber qual é a natureza do ato através do qual o contraente público autoriza ou recusa a cessão da posição contratual ou a subcontratação. Atendendo ao disposto no artigo 307.°, n.os 1 e 2, que limitam a prática de atos administrativos ao exercício dos poderes de conformação da relação contratual, a resposta pareceria obviamente negativa. No entanto, já antes defendi a existência de outros atos administrativos no âmbito da execução do contrato, desde que exista uma identidade de natureza com os previstos no n.º 2 do artigo 307.°».
«Não me parece, ainda assim, que tal ocorra na situação em apreço, quer por essa atuação não se reconduzir a nenhum poder de conformação da relação contratual, quer porque o contraente público pode resolver o contrato se o cocontratante realizar a cessão da posição contratual ou a subcontratação em violação dos limites legais e contratuais, incluindo a violação da recusa em autorizar a efetivação das mesmas [artigo 333.º, n.º 1, alínea d)].
Claro que a decisão do contraente público tem de atender à prossecução do interesse público, mas, estando esse aspeto subjacente a toda a atuação administrativa, não é determinante para a qualificação como ato administrativo.
Por outro lado, o artigo 324.º, que contém uma norma sobre a cessão da posição contratual pelo contraente público, determina que o cocontratante pode recusar a cessão se houver fundado receio de que esta envolva um aumento do risco de incumprimento das obrigações contratuais ou a diminuição das garantias do cocontratante. Ora, a declaração de recusa por parte do cocontratante é, obviamente, uma mera declaração negocial, nada justificando que a atuação análoga por parte do contratante público deva assumir uma natureza diferente.»

E Pedro Costa Gonçalves[26] consigna o seguinte:

«A cessão da posição contratual do cocontratante e a subcontratação estão proibidas em certos casos. Por outro lado, não se trata de operações de exercício livre pelo cocontratante: a cessão e a subcontratação têm de ser sempre autorizadas pelo contraente público, podendo a autorização ser conferida logo no instrumento contratual ou em fase de execução do contrato».

«A cessão da posição contratual e a subcontratação no decurso da execução do contrato carecem de autorização (individual e específica) do contraente público; a autorização é conferida no exercício de poderes de fiscalização do contraente público: embora a situação se possa revelar menos harmónica, esta autorização não parece constituir um ato administrativo, já que, nos termos do CCP, apenas têm esta natureza os atos indicados no n.º 2 do artigo 307.º e a autorização não corresponde a nenhum deles.»

«As Diretivas 2014/23/UE e 2014/24/UE[27] aludem à modificação subjetiva, em particular à substituição (cessão da posição contratual) do cocontratante, para estabelecer que a mesma é possível se o concessionário ou o contratante (na versão portuguesa da Diretiva 2014/24/UE: o adjudicatário) ao qual a autoridade adjudicante atribuiu inicialmente o contrato for substituído, respetivamente, por um novo concessionário ou um novo contratante, por um dos seguintes motivos: i) uma cláusula de revisão ou opção inequívoca, previstas nas peças do procedimento; ii) transmissão universal ou parcial da posição do contratante inicial, na sequência de operações de reestruturação, incluindo OPA, fusão e aquisição, ou de uma insolvência, para outro operador económico que satisfaça os critérios em matéria de seleção qualitativa inicialmente estabelecidos, desde que daí não advenham outras modificações substanciais ao contrato e que a operação não se destine a contornar a aplicação da diretiva; iii) assunção pela própria autoridade adjudicante ou pela entidade adjudicante das obrigações do concessionário ou do contratante principal para com os seus subcontratantes, se tal possibilidade estiver prevista na legislação nacional.
Com exceção destes casos, a substituição do cocontratante é considerada uma modificação substancial e, logo, proibida [cf. artigo 43.º, n.º 1, alínea d), da Diretiva 2014/23/UE e artigo 72.º, n.º 1, alínea d), da Diretiva 2014/24/EU].»

Por seu turno, Ana Luísa Guimarães[28] expende, designadamente, o seguinte:

«As modificações subjetivas na fase de execução do contrato representam um vulnus ao princípio da concorrência e aos interesses públicos por ela tutelados».
«O que está em causa nos poderes de direção e fiscalização é o modo de execução do contrato, isto é, o modo de execução das obrigações contratualmente assumidas. Ora, admitindo que pudesse, com esforço, dizer-se que nas decisões sobre a cessão da posição contratual e sobre a subcontratação se trata ainda do modo de execução do contrato, por estar em jogo quem o vai executar, não nos parece rigorosa uma tal assimilação entre o objeto do contrato e o sujeito que o executa. De resto, não pode negar-se que o modo de execução do contrato pode perfeitamente ser o mesmo, independentemente de quem o executa. É que o que verdadeiramente está em causa nas decisões que nos ocupam é uma modificação subjetiva (total ou parcial) da entidade que realiza as prestações contratuais objeto do contrato e não, como é próprio dos poderes de direção e fiscalização, o modo da sua execução.»
Entendendo ser de «afastar, à luz do disposto no n.º 2 do artigo 307.º do CCP, a natureza de ato administrativo dessas mesmas decisões».
VII

No artigo 178.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991, que tinha por epígrafe Conceito de contrato administrativo, dispunha-se[29] o seguinte:
«1 - Diz-se contrato administrativo o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa.
2 - São contratos administrativos, designadamente, os contratos de:
a) Empreitada de obras públicas;
b) Concessão de obras públicas;
c) Concessão de serviços públicos;
d) Concessão de exploração do domínio público;
e) Concessão de uso privativo do domínio público;
f) Concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar;
g) Fornecimento contínuo;
h) Prestação de serviços para fins de imediata utilidade pública.»

Na sua vigência, Diogo Freitas do Amaral e Lino Torgal[30] salientaram o seguinte:

«No ordenamento jurídico-positivo português, a concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar perfila-se, inequivocamente, como um contrato administrativo, isto é, como um acordo de vontades “pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa” (artigo 178.°, n.º 1, do CPA).
É-o, em primeiro lugar, por determinação de lei: a figura vem prevista na alínea f) do n.º 2 do art. 178.° do Código do Procedimento Administrativo e, bem assim, na parte final do artigo 9.° da Lei do Jogo como exemplo dos acordos de vontades disciplinados pelo Direito Administrativo.
E é-o, depois, por natureza: tem por objeto a transferência (temporária e parcial) para um particular do exercício de um direito legalmente reservado à administração, que o concessionário desempenhará por sua conta e risco, mas no interesse geral. Trata-se, pois, de uma concessão em sentido técnico».

Sendo certo que na versão originária do artigo 9.º da Lei do Jogo e que vigorou até à alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 64/2015, se dispunha o seguinte:

«O direito de explorar jogos de fortuna ou azar é reservado ao Estado e só pode ser exercido por empresas constituídas sob a forma de sociedades anónimas a quem o Governo adjudicar a respetiva concessão mediante contrato administrativo, salvo os casos previstos no n.º 2 do artigo 6.º».

Ora, no artigo 1.º do Código dos Contratos Públicos dispõe-se o seguinte:

«1 - O presente Código estabelece a disciplina aplicável à contratação pública e o regime substantivo dos contratos públicos que revistam a natureza de contrato administrativo.
2 - O regime da contratação pública estabelecido na parte II do presente Código é aplicável à formação dos contratos públicos, entendendo-se por tal todos aqueles que, independentemente da sua designação e natureza, sejam celebrados pelas entidades adjudicantes referidas no presente Código.
3 - A parte II do presente Código é igualmente aplicável, com as necessárias adaptações, aos procedimentos destinados à atribuição unilateral, pelas entidades adjudicantes referidas no artigo seguinte, de quaisquer vantagens ou benefícios, através de ato administrativo ou equiparado, em substituição da celebração de um contrato público.
4 - À contratação pública são especialmente aplicáveis os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência.
5 - O regime substantivo dos contratos públicos estabelecido na parte III do presente Código é aplicável aos que revistam a natureza de contrato administrativo.
6 - Sem prejuízo do disposto em lei especial, reveste a natureza de contrato administrativo o acordo de vontades, independentemente da sua forma ou designação, celebrado entre contraentes públicos e cocontratantes ou somente entre contraentes públicos, que se integre em qualquer uma das seguintes categorias:
a) Contratos que, por força do presente Código, da lei ou da vontade das partes, sejam qualificados como contratos administrativos ou submetidos a um regime substantivo de direito público;
b) Contratos com objeto passível de ato administrativo e demais contratos sobre o exercício de poderes públicos;
c) Contratos que confiram ao cocontratante direitos especiais sobre coisas públicas ou o exercício de funções dos órgãos do contraente público;
d) Contratos que a lei submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento de formação regulado por normas de direito público e em que a prestação do cocontratante possa condicionar ou substituir, de forma relevante, a realização das atribuições do contraente público.»

Segundo Mark Bobela-Mota Kikby[31]:

«Nos casos em que, não obstante a sua atipicidade ou a ausência de qualificação legal ou contratual como administrativo, o contrato interfira na autonomia pública da Administração, comprimindo ou condicionando a sua margem de manobra na realização das respetivas atribuições, o contrato assume-se necessariamente como um instrumento de atividade administrativa de gestão pública, dando origem, também necessariamente, a relações jurídico-administrativas.»

E, tal como acentuam Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos[32]:

«Quanto ao grau de intensidade do interesse público prosseguido, os atos da administração classificam-se como de gestão pública ou de gestão privada. Todos os atos da administração devem visar a prossecução do interesse público definido por lei, mas o grau de intensidade deste interesse público em particular no confronto com os interesses privados com ele colidentes, não é sempre o mesmo. Os atos de gestão pública estão legalmente vinculados a prosseguir um interesse público cuja maior intensidade justifica a sua supremacia sobre os interesses privados com ele eventualmente conflituantes; os atos de gestão privada estão legalmente vinculados a prosseguir um interesse público cuja menor intensidade implica a sua paridade com os interesses privados com ele eventualmente conflituantes. Em conformidade, os atos de gestão pública são fundamentalmente regulados pelo direito administrativo (que assegura a primazia do interesse público sobre os interesses privados e a posição de autoridade da administração perante os particulares) e os atos de gestão privada são fundamentalmente regulados pelo direito privado (que trata de forma tendencialmente igualitária todos os sujeitos intervenientes, independentemente da sua natureza pública ou privada, nas situações jurídicas por si reguladas).»

Sendo certo que José Manuel Sérvulo Correia também acentua[33] que, «por razões de obtenção de receitas e de moralidade pública», os jogos de fortuna ou de azar «constituem um monopólio do Estado. A sua exploração por particulares representa por isso uma forma de colaboração no desempenho de atribuições da entidade concedente».

E João Amaral e Almeida e Pedro Fernández Sánchez, por seu turno, salientam, relativamente ao enquadramento dos contratos de concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar nas alíneas a) e d), do n.º 6 do artigo 1.º do Código dos Contratos Públicos, o seguinte[34]:

«Os critérios previstos nas alíneas a) e d) do n.º 6 do artigo 1.º do Código (…) determinam a qualificação de tais contratos como “administrativos”: i) a lei impõe a sua submissão a um “regime substantivo de direito público” em razão das especificidades da tarefa pública confiada às concessionárias (cfr. alínea a) do n.º 6); ii) por sua vez, nos termos da alínea d), a circunstância de o procedimento pré-contratual ser enformado por vinculações jurídico-públicas e de as prestações da concessionária poderem substituir a realização das atribuições do Estado acarreta como consequência necessária o reconhecimento da natureza administrativa do contrato».
«Isso mesmo justificava que, até à entrada em vigor do Código dos Contratos Públicos, a alínea f) do n.º 2 do artigo 178.° do Código do Procedimento Administrativo qualificasse expressamente este tipo contratual como contrato administrativo. Tal como a doutrina pacificamente vinha entendendo, essa qualificação não resultava de uma simples determinação legal, já que era a própria natureza do contrato que impunha a sua administratividade: a Administração transfere para um particular, a título meramente temporário e parcial, o exercício de um direito, função ou tarefa que lhe era a si originariamente reservado, para que o concessionário o exerça por sua conta e risco, mas no interesse geral. Cfr., por todos, Oliveira Ascensão / Menezes Cordeiro, “Das Concessões de Zonas de Jogo”, in Revista de Direito Público, ano II, n.° 3, 1988, pág. 65; Freitas do Amaral / Lino Torgal, Estudos..., cit., pág. 533.»

Sendo igualmente certo que a Secção III – Concessão de serviços públicos do Capítulo II, Título II, Parte III – Regime substantivo dos contratos administrativos do Código dos Contratos Públicos, contém dois artigos do seguinte teor:
«Artigo 429.º
Princípios gerais
Na exploração de uma atividade de serviço público, o concessionário está sujeito aos seguintes princípios:
a) Continuidade e regularidade;
b) Igualdade;
c) Adaptação às necessidades.»
«Artigo 430.º
Contratos afins
«Os princípios do serviço público referidos no artigo anterior, bem como o regime definido na secção I do presente capítulo, são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a contratos afins do contrato de concessão de serviços públicos.»

Ora, os contratos de concessão de jogos de fortuna ou azar são, muito justamente, apontados como exemplos de «contratos afins do contrato de concessão de serviços públicos» por Jorge Andrade Silva[35] e por Pedro Costa Gonçalves[36].
VIII

Nos termos do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa:
«1. A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.»

Importando reter que tal como salienta José Manuel Sérvulo Correia[37], «nos casos de determinação imprecisa do interesse público, a Administração recebe um poder discricionário que corresponde à liberdade de determinar a oportunidade duma conduta ou à de fixar o seu conteúdo face a uma avaliação livre dos imperativos do interesse público.»

E que, Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos[38], considerando que «a discricionariedade consiste numa liberdade conferida por lei à administração para que esta escolha entre várias alternativas de atuação juridicamente admissíveis» e que «tal liberdade pode dizer respeito à escolha entre agir ou não agir (discricionariedade de ação), à escolha entre duas ou mais possibilidades de atuações alternativas predefinidas na lei (discricionariedade de escolha) ou à criação da atuação concreta dentro dos limites jurídicos aplicáveis (discricionariedade criativa)», salientam que «normalmente, a existência de discricionariedade deriva da utilização, no texto da estatuição das normas jurídicas, de expressões linguísticas com significado permissivo (paradigmaticamente, no caso da discricionariedade de ação, o verbo “poder”, o substantivo “faculdade”, no caso da discricionariedade de escolha, a conjunção “ou”, no caso da discricionariedade criativa, a utilização de conceitos indeterminados ou cláusulas gerais como “medidas adequadas”).»

Também António Francisco de Sousa[39] salienta que, «do ponto de vista técnico, a atribuição da discricionariedade ocorre por vezes através do emprego da expressão “poder discricionário”, mas na maior parte das vezes a lei limita-se a usar certos termos ou expressões, como “pode”, “está autorizado”. Estes termos e expressões são geralmente caracterizados na doutrina como “cláusulas discricionárias”.»
E, no que respeita à oportunidade em agir, também salienta que um dos tipos de situações «diz respeito àqueles casos em que são impostas condições de fundo, mas em que não existe uma obrigação de agir sempre que se verifique a condição (verifica-se, em princípio, discricionariedade quanto ao agir - quanto ao “se”; neste caso estaremos perante um poder discricionário se a lei determinar que, verificada a condição, a autoridade pode agir). É o que se passa quando a lei exige que só possam ser autorizadas obras cujos projetos sejam conformes ao plano de urbanização, não impondo contudo que, verificando-se tal conformidade, a licença tenha de ser emitida.»

E, tal como acentua Diogo Freitas do Amaral[40], não havendo atos totalmente vinculados, nem atos totalmente discricionários, «para haver discricionariedade é necessário que a lei atribua à Administração o poder de escolha entre várias alternativas diferentes de decisão, quer o campo da escolha seja apenas entre duas decisões opostas (v. g., conceder ou não uma autorização), quer entre várias decisões à escolha numa relação disjuntiva.»

Expendendo José Manuel Sérvulo Correia, sobre a livre apreciação dos conceitos jurídicos indeterminados, designadamente, o seguinte[41]:

«A verdadeira indeterminação, e com ela a autonomia, surgem quando a indeterminação do conceito só é ultrapassável através de uma avaliação ou valoração da situação concreta baseada numa prognose, isto é, num juízo de estimativa sobre a futura atuação de uma pessoa (baseado na valoração das suas qualidades presentes), sobre a futura utilidade de uma coisa ou sobre o futuro desenrolar de um processo social».
«Ao empregar conceitos desta ordem, o legislador remete para o executor a competência de fazer um juízo baseado na sua experiência e nas suas convicções, que não é determinado, mas apenas enquadrado por critérios jurídicos.
O executor tem de optar por uma entre várias hipóteses causais em abstrato possíveis e essa opção não é juridicamente determinada».
IX

Na sequência do enquadramento jurídico a que se procedeu, cumpre tomar posição sobre as questões formuladas.

É o que se passará a fazer.

1. Primeira questão.

Como se viu, nos termos do artigo 7.º, n.º 7, do Decreto-Lei n.º 31/2011, a transmissão da concessão da exploração de salas de jogo do bingo depende de decisão favorável do membro do Governo responsável pela área do turismo, sendo condição essencial para essa decisão o cumprimento pelo novo concessionário de todas as regras que lhe seriam aplicáveis caso se tivesse apresentado a concurso, bem como das demais disposições constantes deste decreto-lei.

E, nos termos do artigo 40.º, n.º 1, alínea e), deste Decreto-Lei, constitui prática suscetível de determinar a rescisão do contrato de concessão, «a cessão da exploração ou a transmissão não autorizada da posição contratual».

Sendo certo que, tal como se alcança da transcrição a que se procedeu supra, nos termos do artigo 15.º da Lei do Jogo (que tem por epígrafe Cessão da posição contratual), «a transferência para terceiros da exploração do jogo e das demais atividades que constituem obrigações contratuais pode ser permitida mediante autorização» (n.º 1), sendo nula a cessão da posição contratual sem observância do disposto neste artigo (n.º 2).

Ora, «sendo condição essencial» para a «decisão favorável» a que alude o referido artigo 7.º, n.º 7, do Decreto-Lei n.º 31/2011, o cumprimento pelo novo concessionário de todas as regras aí mencionadas, ocorre que tal condição é um requisito indispensável, uma conditio sine qua non, mas não uma condição necessária e suficiente.
Isto é, para poder ser ponderada a oportunidade e conveniência, em vista da prossecução do interesse público, da autorização da transmissão da concessão da exploração, tem de se verificar aquele requisito essencial.
Não se verificando tal requisito, a autorização não pode ser concedida.
Verificando-se tal requisito, abre-se espaço para uma apreciação livre e discricionária, em vista da prossecução do interesse público.

E, segundo Pedro Costa Gonçalves[42]:

«A participação no procedimento de adjudicação de contratos públicos constitui uma dimensão da “liberdade de iniciativa económica” (liberdade de estabelecimento e liberdade de prestação de serviços) e, no caso dos procedimentos abertos (de seleção concorrencial), representa uma dimensão de um princípio de igualdade concorrencial de acesso ao benefício público ligado aos resultados do contrato a celebrar (“concorrência-igualdade”). O apelo à concorrência tem lugar para que o maior número possível de empresas possa responder (princípio do favor participationis) mas também para aumentar o leque da escolha quanto à proposta melhor e mais vantajosa para o interesse público».

Assim sendo, verificada que seja a «condição essencial» prevista no referido n.º 7 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 31/2011 - o cumprimento pelo novo concessionário de todas as regras que lhe seriam aplicáveis caso se tivesse submetido ao concurso público para atribuição da concessão, bem como das demais disposições constantes deste decreto-lei - tem o decisor margem de discricionariedade para conformar a sua decisão em consonância com motivos de conveniência administrativa, como sejam os resultantes da ponderação da conveniência em abrir de novo a concessão à concorrência, para obtenção de melhores condições contratuais.

2. Questão de saber se a ausência de histórico e de atividade de exploração de jogos de fortuna ou azar (nomeadamente o jogo do bingo) de pessoa coletiva transmissária, quer em Portugal, quer em qualquer dos países membros da União Europeia ou com o qual exista cooperação administrativa institucionalizada com as respetivas entidades reguladoras, pode fundamentar uma decisão de indeferimento dos pedidos de autorização para transmissão da posição contratual apresentados pelos concessionários, atendendo a que não se afigura possível a aferição da idoneidade exigida no âmbito do Código dos Contratos Públicos, o que assume particular relevância quando está em causa a atividade do jogo, ou sequer a aferição de um histórico de atividade dessa pessoa coletiva.

Consoante resulta da resposta à primeira questão, verificada que seja a «condição essencial» prevista no referido n.º 4 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 31/2011, estamos em presença do exercício de um poder discricionário, em vista da escolha da solução mais ajustada à realização do interesse público.

Todavia, tal como acentua Diogo Freitas do Amaral[43], tal escolha é condicionada «por ditames que fluem dos princípios e regras gerais que vinculam a Administração Pública (designadamente, igualdade, proporcionalidade e imparcialidade)».

Sendo certo que no n.º 4 do artigo 1.º do Código dos Contratos Públicos, se dispõe que «à contratação pública são especialmente aplicáveis os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência».

Salientando José Manuel Sérvulo Correia[44], relativamente aos limites à escolha do cocontratante, que, no concernente aos juízos de prognose de natureza subjetiva que consistem em valorações de qualidades dos candidatos com base nas quais o órgão decidente faz uma prognose sobre o modo como esse candidato se comportaria na qualidade de cocontratante e que se compreendem na margem de livre apreciação, há que atender «à sua submissão ao fim do contrato e à observância dos princípios da proporcionalidade - na faceta aplicável aos juízos de prognose: a adequação (Geeignetheit) - e da imparcialidade, na faceta da igualdade de tratamento».

E, tal como acentua, relativamente aos princípios da contratação pública, Ana Fernanda Neves[45], o princípio da igualdade «na sua dimensão negativa veda discriminações diretas ou indiretas em razão da nacionalidade», relevando, designadamente, no plano da participação no procedimento, «a fixação de critérios objetivos de capacidade técnica, capacidade financeira e idoneidade», sendo que «a consideração da nacionalidade e do “lugar da sede dos concorrentes” colide, em regra, com o interesse possível pela adjudicação do contrato de sujeitos de outros Estados-membros» da União Europeia.

Sendo certo que, no supramencionado Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/2015) e cujos artigos 4.º, alíneas m) e o), 8.º e 9.º, n.º 1 se transcreveram supra, uma das condições exigidas para a atribuição da exploração de jogos e apostas online é a de o requerente «possuir idoneidade, capacidade técnica e capacidade económica e financeira» [artigo 13.º, alínea c)].
Ocupando-se detalhadamente do requisito de idoneidade o artigo 14.º deste Regime Jurídico, cujo n.º 12 é do seguinte teor:

«Sempre que a entidade de controlo, inspeção e regulação considere existir uma situação de inidoneidade, deve justificar, de forma fundamentada, as circunstâncias de facto e de direito em que baseia o seu juízo».[46]
Não sendo, assim, admissível um non liquet em matéria de apreciação da idoneidade.

Ora, as pessoas coletivas a quem pode ser atribuída exploração de jogos de fortuna ou azar, nos termos do artigo 9.º, n.º 2, da Lei do Jogo, são, como se viu, as «constituídas sob a forma de sociedades anónimas, ou equivalente, com sede num Estado-Membro da União Europeia, ou num Estado signatário do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu que esteja vinculado à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade e do combate à fraude e ao branqueamento de capitais, desde que, no caso de sociedades estrangeiras, tenham sucursal em Portugal»
Sendo, pois, este segmento normativo substancialmente idêntico ao constante do atrás transcrito n.º 1 artigo 9.º do Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online[47].

Podendo, assim, extrair-se da norma n.º 12 do artigo 14.º do Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online o princípio de que, em matéria de atribuição de exploração de jogos de fortuna ou azar, não é admissível um non liquet em matéria de apreciação da idoneidade das pessoas coletivas a quem tal exploração possa, em abstrato, ser atribuída.

Aliás, no que à supramencionada Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos, concerne, ocorre que, nos termos do seu artigo 57.º, n.º 4, alínea c), que tem por epígrafe Motivos de exclusão, as autoridades adjudicantes podem excluir ou podem ser solicitadas pelos Estados-Membros a excluir um operador económico da participação num procedimento de contratação «se a autoridade adjudicante puder demonstrar, por qualquer meio adequado, que o operador económico cometeu qualquer falta profissional grave que põe em causa a sua idoneidade». Prevendo-se, por exemplo, na subsequente alínea d), a seguinte situação: «Se a autoridade adjudicante tiver indícios suficientemente plausíveis para concluir que o operador económico celebrou acordos com outros operadores económicos com o objetivo de distorcer a concorrência».

E também no âmbito do Código dos Contratos Públicos se estabelecem impedimentos que correspondem às causas de exclusão, na nomenclatura daquela Diretiva – Cfr. artigo 55.º deste Código.
Expendendo Pedro Costa Gonçalves[48], relativamente às razões da instituição destes impedimentos (situações em que o candidato ou concorrente está impedido de participar), o seguinte:

«Numa sistematização possível dos fundamentos dos impedimentos previstos no CCP, conclui-se que a respetiva instituição se explica por uma das seguintes razões:
i) Exigência de fiabilidade e de credibilidade dos contratantes da Administração - assim se justificam os impedimentos relacionados com a insolvência e situações próximas: artigo 55.º, alínea a);
ii) Exigência de moralidade e ética na contratação pública e idoneidade profissional – justificam-se, por esta via, os impedimentos ligados à condenação criminal [artigo 55.º, alíneas b), i)], à aplicação de sanções administrativas [artigo 55.º, alíneas c), f), g), h)] e à “delinquência tributária” [artigo 55.º, alíneas d), e)];
iii) Transparência e igualdade de tratamento - justificam os impedimentos ligados à prévia intervenção no procedimento [artigo 55.º, alínea j)].
Os dois primeiros grupos de justificações (fiabilidade e credibilidade, moralidade e ética e idoneidade profissional) refletem a regra segundo a qual nos procedimentos de adjudicação só devem poder participar “concorrentes responsáveis” - no direito norte-americano define-se concorrente responsável (“responsible bidder”) a “entidade ou pessoa que, em todos os aspetos, tem a capacidade para executar de forma completa e segura as obrigações contratuais que vai assumir”.
Em geral, os impedimentos não devem ser vistos como punições, mas como medidas de proteção da Administração Pública adjudicante, ditadas para prevenir o risco reputacional e o risco da performance.»

Nesta conformidade, a ausência de histórico e de atividade de exploração de jogos de fortuna ou azar (nomeadamente o jogo do bingo) da empresa transmissária, quer em Portugal, quer em qualquer dos países membros da União Europeia ou com o qual exista cooperação administrativa institucionalizada com as respetivas entidades reguladoras, não pode servir de base a uma decisão de indeferimento dos pedidos de autorização para transmissão da posição contratual apresentados pelos concessionários com o fundamento de não ser possível a aferição da idoneidade de tal empresa.
X

Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1.ª O Decreto n.º 14.643, de 3 de dezembro de 1927, pondo termo a uma longa tradição de proibição do jogo, veio autorizar a exploração de jogos de fortuna ou azar, em regime de concessão de exclusivo, em determinadas localidades qualificadas como zonas de jogo e, substituído que foi o sistema da proibição absoluta pelo da regulamentação, seguiram-se, ao Decreto n.º 14.643, o Decreto-Lei n.º 41.562, de 18 de março de 1958, o Decreto-Lei n.º 48.912, de 18 de março de 1969 e, por último, o Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro - atual Lei do Jogo.

2.ª O jogo do bingo foi regulado, pela primeira vez, em Portugal pelo Decreto-Lei n.º 277/82, de 16 de julho, sendo desde então caracterizado como um jogo de fortuna ou azar não bancado e os princípios consagrados na atual Lei do Jogo - orientados para a tutela do interesse público que se reconduz à defesa da honestidade das explorações, ao combate ao jogo clandestino, à obtenção de receitas públicas e à dinamização turística – mereceram acolhimento no domínio da exploração do jogo do bingo, sendo as normas relativas à exploração e à prática do jogo do bingo, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 31/2011, de 4 de março, que, presentemente, estabelece a respetiva regulamentação, normas «de interesse e ordem públicos».

3.ª Dispondo-se no n.º 1 do artigo 9.º da Lei do Jogo que «o direito de explorar jogos de fortuna ou azar é reservado ao Estado» e estabelecendo-se no n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 31/2011 que «a exploração de salas de jogo do bingo é atribuída mediante concessão a pessoas coletivas públicas ou privadas», está aqui em causa uma concessão que atribui a tais pessoas coletivas o direito de exercer uma atividade reservada ao Estado, a atividade de exploração do jogo.

4.ª Consubstanciando a «transmissão da concessão da exploração de salas de jogo do bingo» a que alude o n.º 7 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 31/2011 uma transmissão do complexo de direitos e obrigações derivados de um contrato, este dispositivo convoca o instituto da cessão da posição contratual.

5.ª A cessão da posição contratual prevista nos artigos 424.º a 427.º do Código Civil configura um contrato trilateral, para cuja perfeição se exige o concurso de três declarações negociais, sendo certo que, nos termos do artigo 15.º da Lei do Jogo, que tem por epígrafe Cessão da posição contratual, «a transferência para terceiros da exploração do jogo e das demais atividades que constituem obrigações contratuais pode ser permitida mediante autorização» (n.º 1), sendo nula a cessão da posição contratual sem observância do disposto neste artigo (n.º 2).

6.ª E também na economia do Código dos Contratos Públicos, visto, designadamente, o disposto nos seus artigos 307.º, 319.º, 324.º e 333.º, n.º 1, alínea d), a recusa da cessão pelo contraente público integra uma declaração negocial, em paralelismo, aliás, com a declaração de recusa por parte do cocontratante, sendo um ato livre e discricionário.

7.ª Ora, o contrato de concessão da exploração das salas de jogo do bingo reveste a natureza de contrato administrativo.

8.ª Nos termos do referido artigo 7.º, n.º 7, do Decreto-Lei n.º 31/2011, a transmissão da concessão da exploração de salas de jogo do bingo depende de decisão favorável do membro do Governo responsável pela área do turismo, sendo condição essencial para essa decisão o cumprimento pelo novo concessionário de todas as regras que lhe seriam aplicáveis caso se tivesse apresentado a concurso, bem como das demais disposições constantes deste Decreto-Lei.

9.ª «Sendo condição essencial» para a «decisão favorável» a que alude o referido artigo 7.º, n.º 7, do Decreto-Lei n.º 31/2011, o cumprimento pelo novo concessionário das regras e disposições aí mencionadas, ocorre que tal condição é um requisito indispensável, uma conditio sine qua non, mas não uma condição necessária e suficiente.

10.ª Isto é, para poder ser ponderada a oportunidade e conveniência, em vista da prossecução do interesse público, da autorização da transmissão da concessão da exploração, tem de se verificar aquele requisito essencial.

11.ª Assim, não se verificando tal requisito, a autorização não pode ser concedida, mas verificando-se tal requisito, abre-se espaço para uma apreciação livre e discricionária, em vista da prossecução do interesse público.

12.ª Nesta conformidade, verificada que seja a «condição essencial» prevista no referido n.º 7 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 31/2011 - o cumprimento pelo novo concessionário de todas as regras que lhe seriam aplicáveis caso se tivesse submetido ao concurso público para atribuição da concessão, bem como das demais disposições constantes deste decreto-lei - tem o decisor margem de discricionariedade para conformar a sua decisão em consonância com motivos de conveniência administrativa, como sejam os resultantes da ponderação da conveniência em abrir de novo a concessão à concorrência, para obtenção de melhores condições contratuais.

13.ª Estando-se, então, em presença do exercício de um poder discricionário em vista da escolha da solução mais ajustada à realização do interesse público com base num juízo de prognose, esta escolha é condicionada pelos ditames que fluem dos princípios e regras gerais que vinculam a Administração Pública, devendo observar-se, designadamente, os princípios da proporcionalidade - na faceta aplicável aos juízos de prognose: a adequação e da imparcialidade, na faceta da igualdade de tratamento.

14.ª Dispondo-se no artigo 14.º, n.º 12, do Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/2015, de 29 de abril) que, «sempre que a entidade de controlo, inspeção e regulação considere existir uma situação de inidoneidade, deve justificar, de forma fundamentada, as circunstâncias de facto e de direito em que baseia o seu juízo», pode extrair-se de tal norma o princípio de que, em matéria de atribuição de exploração de jogos de fortuna ou azar, não é admissível um non liquet em matéria de apreciação da idoneidade das pessoas coletivas a quem tal exploração possa, em abstrato, ser atribuída.

15.ª Assim sendo, a ausência de histórico e de atividade de exploração de jogos de fortuna ou azar (nomeadamente o jogo do bingo) da empresa transmissária, quer em Portugal, quer em qualquer dos países membros da União Europeia ou com o qual exista cooperação administrativa institucionalizada com as respetivas entidades reguladoras, não pode servir de base a uma decisão de indeferimento dos pedidos de autorização para transmissão da posição contratual apresentados pelos concessionários com o fundamento de não ser possível a aferição da idoneidade de tal empresa.



ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 12 DE NOVEMBRO DE 2015.


Maria Joana Raposo Marques Vidal – Luís Armando Bilro Verão (Relator) – Maria de Fátima da Graça Carvalho – Fernando Bento – Maria Manuela Flores Ferreira – Paulo Joaquim da Mota Osório Dá Mesquita – Alexandra Ludomila Ribeiro Fernandes Leitão.







[1] Na redação anterior ao Decreto-Lei n.º 65/2015, constando, presentemente, este segmento normativo do n.º 7 do artigo, com a seguinte redação:
«A transmissão da concessão da exploração de salas de jogo do bingo depende de decisão favorável do membro do Governo responsável pela área do turismo, sendo condição essencial para essa decisão o cumprimento pelo novo concessionário de todas as regras que lhe seriam aplicáveis caso se tivesse apresentado a concurso, bem como das demais disposições constantes do presente decreto-lei.»

[2] Na redação anterior ao Decreto-Lei n.º 65/2015, constando, presentemente, este segmento normativo do n.º 8 do artigo.
[3] “O caso do Tamariz (estudo de jurisprudência crítica),” em Estudos de Direito Público e Matérias Afins, Vol. I, páginas 414 e 415.
[4] “Das concessões de zonas de jogo”, em Revista de Direito Público, Ano II, n.º 3, janeiro de 1988, pág. 53.
[5] Tal como se salienta no primeiro parágrafo do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de janeiro e também salientam Diogo Freitas do Amaral e Lino Torgal in “Concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar: da prorrogação do prazo e outras alterações do contrato,” em Estudos sobre Concessões, Almedina, Coimbra, 2002, páginas 531 e 532.

[6] Objeto de retificação pela Declaração publicada no Diário da República, I Série, n.º 299, de 30 de dezembro de 1989 e alterado pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de janeiro, pela Lei n.º 28/2004, de 16 de julho, pelo Decreto-Lei n.º 40/2005, de 17 de fevereiro, pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 114/2011, de 30 de novembro e pelo Decreto-Lei n.º 64/2015, de 29 de abril.
[7] “O jogo e o direito”, Revista Themis, Ano II, n.º 3, 2001, pág. 77.

[8] No subsequente artigo 4.º, excetuavam-se do âmbito deste artigo 3.º «as empresas concessionárias da exploração de jogos de fortuna e azar em casinos».
[9] Alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 65/2015, de 29 de abril.
[10] De facto, também no artigo 4.º da Lei do Jogo, que tem por epígrafe Tipos de jogos de fortuna ou azar (e que não sofreu qualquer alteração), se elenca em tal tipologia, como jogo não bancado, o jogo do bingo [n.º 1, alínea e)].

[11] Nos termos do n.º 2 do artigo 1.º «as características, os elementos e as regras técnicas das modalidades do jogo do bingo, bem como os prémios a atribuir e os demais requisitos necessários para a exploração do jogo nas salas e funcionamento das sessões de jogo constam de regulamento a aprovar por portaria do membro do Governo responsável pela área do turismo.»

[12] Nas versões em língua portuguesa de documentos da União Europeia não se utiliza a expressão «jogo online» (do inglês online gambling), mas sim a expressão «jogo em linha».

[13] Cfr. Recomendação 2014/478/EU da Comissão Europeia, de 14 de julho de 2014, sobre princípios com vista à proteção dos consumidores e dos utilizadores de serviços de jogo em linha e à prevenção do acesso dos menores aos jogos de azar em linha, em Jornal Oficial da União Europeia, L 214/38, de 19 de julho de 2014.

[14] O caso do Tamariz, cit., páginas 419 e 420.
[15] Loc. cit., páginas 422 e 423.
[16] Curso de Direito Administrativo, Volume II, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2011, pág. 289.

[17] A Concessão, Parte I, Natureza Jurídica da Concessão, Coimbra Editora, 1954, páginas 37 e 123.

[18] A Concessão de Serviços Públicos, Almedina, Coimbra, 1999, páginas 96 e 97.

[19] O artigo 6.º da lei do Jogo tem por epígrafe Exploração de jogos em navios ou aeronaves e é do seguinte teor:
«1 - O membro do Governo responsável pela área do turismo poderá autorizar, por tempo determinado, ouvidas a Inspeção-Geral de Jogos e a Direção-Geral do Turismo, a exploração e prática de quaisquer jogos de fortuna ou azar a bordo de aeronaves ou navios registados em Portugal, quando fora do território nacional.
2 - A exploração a que se refere o número anterior só pode ser concedida às empresas proprietárias ou afretadoras dos navios ou aeronaves nacionais ou a empresas concessionárias das zonas de jogo, com autorização daquelas.
3 - A exploração e a prática dos jogos de fortuna ou azar que sejam autorizadas nos termos do presente artigo obedecem às regras estabelecidas para a sua realização em casinos, fixando o membro do Governo da tutela por portaria as condições específicas a que devem obedecer.»

[20] O Código Civil ocupa-se do instituto da cessão da posição contratual nos seus artigos 424.º a 427.º.
[21] Manual dos Contratos em Geral, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2002, pág. 455.
[22] Das Obrigações em Geral, 7.ª Edição (6.ª reimpressão da 7.ª edição de 1997), Volume II, Almedina, Coimbra, 2011, páginas 383 e seguintes.
[23] Direito das Obrigações, Volume II, 9.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2014, páginas 74 e 75.
[24] O n.º 2 do precedente artigo 318.º, que tem por epígrafe Cessão e subcontratação pelo cocontratante autorizadas no contrato, é do seguinte teor:
«A autorização da cessão da posição contratual depende:
a) Da prévia apresentação dos documentos de habilitação relativos ao potencial cessionário que sejam exigidos ao cedente na fase de formação do contrato em causa;
b) Do preenchimento, por parte do potencial cessionário, dos requisitos mínimos de capacidade técnica e de capacidade financeira exigidos ao cedente para efeitos de qualificação, quando esta tenha tido lugar na fase de formação do contrato em causa.»
Por seu turno, nos termos do n.º 6 deste artigo 318.º:
«A autorização estabelecida no contrato não dispensa a observância, no momento da cessão ou subcontratação, dos limites e requisitos previstos, respetivamente, no artigo anterior e nos números anteriores.»
Sendo o artigo 317.º, que tem por epígrafe Limites à cessão e à subcontratação pelo cocontratante, do seguinte teor:
«1 - A cessão da posição contratual e a subcontratação são sempre vedadas:
a) Quando a escolha do cocontratante tenha sido determinada por ajuste direto, nos casos em que só possa ser convidada uma entidade;
b) Às entidades abrangidas pelas causas de impedimento previstas no artigo 55.º;
c) Quando existam fortes indícios de que a cessão da posição contratual ou a subcontratação resultem de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência.
2 - Sempre que se trate de subcontratação, o limite constante da alínea a) do número anterior restringe-se às prestações objeto do contrato que tiverem sido determinantes para a escolha do ajuste direto.
3 - Nos casos previstos na alínea c) do n.º 1, deve o contraente público, de imediato, comunicar, à Autoridade da Concorrência e, no caso de empreitadas ou de concessões de obras públicas, igualmente ao Instituto da Construção e do Imobiliário, I. P., os indícios dos atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência.»

[25] Lições de Direito dos Contratos Públicos, Parte Geral, AAFDL, Lisboa, 2014, páginas 236, 259 e 260.
[26] Direito dos Contratos Públicos, Almedina, Coimbra, 2015, páginas 577, 579 e 580.
[27] A Diretiva 2014/23/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de fevereiro de 2014, relativa à adjudicação de contratos de concessão, foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia, L 94, de 28 de março de 2014, p. 1 e retificada pela Retificação publicada no Jornal Oficial, L 114, de 5 de maio de 2015, p. 24.
E a Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revogou a Diretiva 2004/18/CE, foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia, L 94, de 28 de março de 2014, p. 65.

[28] O Caráter Excecional do Ato Administrativo Contratual no Código dos Contratos Públicos, Almedina, Coimbra, 2012, páginas 152 e seguintes.
[29] O capítulo III (do contrato administrativo) da parte IV do Código do Procedimento Administrativo aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de novembro, foi revogado pelo artigo 14.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, que aprovou o Código dos Contratos Públicos.

[30] op. cit., pág. 533.
[31] “CONCEITO E CRITÉRIOS DE QUALIFICAÇÃO DO CONTRATO ADMINISTRATIVO: UM DEBATE ACADÉMICO COM E EM HOMENAGEM AO SENHOR PROFESSOR SÉRVULO CORREIA”, em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, Volume II, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2010, página 790.
[32] Direito Administrativo Geral, Tomo III, Atividade Administrativa, Dom Quixote, Lisboa, 2007, página 31.
Segundo estes Autores, «a noção de contrato administrativo implícita no CCP e as diversas alíneas do art. 1.º, 6 CCP segue o modelo de cláusula geral com exemplos padrão» e o segmento “em que a prestação do cocontratante possa condicionar ou substituir, de forma relevante, a realização das atribuições do contraente público”, da alínea d) desse n.º 6, comporta «uma vocação de expansão quase ilimitada do contrato administrativo» - Direito Administrativo Geral, Tomo III, Atividade Administrativa, Contratos Públicos, 2.ª Edição, Dom Quixote, Lisboa, 2009, págs. 38 e 39.

[33] Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Almedina, Coimbra, 1987, página 419.

[34] “O REGIME JURÍDICO DE EXPLORAÇÃO DE JOGOS DE FORTUNA OU AZAR APLICÁVEL APÓS A ENTRADA EM VIGOR DO CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS E A REVOGAÇÃO DA LEGISLAÇÃO AVULSA”, em Temas de Contratação Pública, Volume I, Coimbra Editora, 2011, página 202.
[35] Código dos Contratos Públicos Anotado e Comentado, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2015, página 867 (anotação ao artigo 430.º).
[36] Direito dos Contratos Públicos cit., página 501.
[37] Noções de Direito Administrativo, Volume I, Editora Danúbio, 1982, pág. 230.
[38] Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3.ª Edição, Dom Quixote, Lisboa, 2008, pág. 187.
[39] Direito Administrativo, Prefácio, 2009, Lisboa, páginas 389 e393.
[40] Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2011, páginas 86 e 88.
[41] Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos cit., página 474.
[42] Direito dos Contratos Públicos cit., página 227.
[43] Curso de Direito Administrativo cit., pág. 89.
[44] Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos cit., páginas 697 e 698.

[45] “OS PRINCÍPIOS DA CONTRATAÇÃO PÚBLICA”, em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, Volume II, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2010, páginas 36 a 39.

[46] É o seguinte o teor integral deste artigo:
«Artigo 14.º
Idoneidade
1 - Não são considerados idóneos as pessoas coletivas e os seus representantes legais que se encontrem em estado de insolvência, declarada por sentença judicial, em fase de liquidação, dissolução ou cessação de atividade, sujeitas a qualquer meio preventivo de liquidação de patrimónios ou em qualquer situação análoga, ou tenham o respetivo processo pendente, e ainda quando se encontrarem abrangidas por um plano de insolvência, de recuperação ou um plano especial de revitalização, ao abrigo da legislação em vigor.
2 - As pessoas coletivas e os seus representantes legais que tenham sido proibidos do exercício do comércio são também considerados, durante o período em que a proibição vigore, não idóneos.
3 - As pessoas coletivas e os seus representantes legais que tenham sido objeto de duas decisões condenatórias definitivas pela prática dolosa de contraordenações graves ou muito graves, previstas no RJO, podem ser considerados não idóneos.
4 - São considerados não idóneos as pessoas coletivas e os seus representantes legais que tenham sido condenados, por decisão transitada em julgado, pela prática de qualquer um dos seguintes crimes:
a) Os previstos na Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro;
b) Burla ou a burla informática;
c) Insolvência dolosa ou negligente;
d) Promoção, organização ou exploração ilícita de jogos de fortuna ou azar ou jogos sociais do Estado, incluindo por violação de exclusivos atribuídos ou concedidos pelo Estado;
e) Falsificação ou contrafação de documento, quando praticado no âmbito da atividade de exploração de jogos e apostas de base territorial ou de jogos e apostas online;
f) Desobediência, quando praticado no âmbito da atividade de exploração de jogos e apostas de base territorial ou de jogos e apostas online;
g) Exploração ilícita e fraude de jogos e apostas de base territorial ou de jogos e apostas online e ainda os crimes previstos no Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de janeiro, pela Lei n.º 28/2004, de 16 de julho, pelo Decreto-Lei n.º 40/2005, de 17 de fevereiro, pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 114/2011, de 30 de novembro;
h) Corrupção;
i) Fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, desvio de subvenção, subsídio ou crédito bonificado, fraude na obtenção de crédito e ofensa à reputação económica;
j) Contrafação ou imitação e uso ilegal de marca, quando praticado no âmbito da atividade de exploração de jogos e apostas de base territorial ou de jogos e apostas online;
k) Branqueamento de capitais.
5 - Para efeitos do disposto nos n.os 3 e 4, são tomadas em consideração as condenações de pessoa singular, a título individual ou na qualidade de representante legal de pessoa coletiva, e as condenações de pessoa coletiva de que aquela pessoa singular tenha sido representante legal.
6 - Para aferição da idoneidade no âmbito das condenações referidas nos n.os 3 e 4, apenas relevam as que tenham transitado em julgado há menos de cinco anos.
7 - A condenação pela prática de um dos crimes previstos no n.º 4 não afeta a idoneidade de todos aqueles que tenham sido reabilitados, nos termos do disposto nos artigos 15.º e 16.º da Lei n.º 57/98, de 18 de agosto, alterada pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de dezembro, e pelas Leis n.os 113/2009, de 17 de setembro, 114/2009, de 22 de setembro, e 115/2009, de 12 de outubro, nem impede a entidade de controlo, inspeção e regulação de considerar, de forma justificada, que estão reunidas as condições de idoneidade, tendo em conta, nomeadamente, o tempo decorrido desde a prática dos factos.
8 - As pessoas coletivas e os representantes legais de pessoas coletivas deixam de ser considerados idóneos logo que venham a encontrar -se em qualquer uma das situações indicadas nos n.os 1, 2 e 4.
9 - Podem deixar de ser considerados idóneos as pessoas coletivas e os representantes legais que venham a encontrar-se na situação indicada no n.º 3, bem como as pessoas coletivas cujos representantes legais sejam considerados não idóneos nos termos do presente artigo, quando, neste último caso, não procedam à respetiva substituição no prazo máximo de 30 dias a contar do conhecimento do facto que determinou a perda de idoneidade.
10 - Dos órgãos de administração e direção de uma entidade exploradora apenas podem fazer parte pessoas cuja idoneidade e disponibilidade deem garantias de gestão sã e prudente.
11 - Na apreciação da idoneidade e disponibilidade a que se refere o número anterior, a entidade de controlo, inspeção e regulação deve ter em conta o modo como a pessoa gere habitualmente os negócios ou exerce a profissão, em especial nos aspetos que revelem incapacidade para decidir de forma ponderada e criteriosa ou a tendência para não cumprir pontualmente as suas obrigações ou para ter comportamentos incompatíveis com a preservação da confiança do mercado.
12 - Sempre que a entidade de controlo, inspeção e regulação considere existir uma situação de inidoneidade, deve justificar, de forma fundamentada, as circunstâncias de facto e de direito em que baseia o seu juízo.»

[47] Formalmente, este n.º 1 apenas difere daquele n.º 2 no pormenor da utilização da expressão «sociedade anónima», enquanto que no preceito da Lei do Jogo se utiliza o plural - «sociedades anónimas».
Curiosamente, a atual redação do artigo 9.º da Lei do Jogo foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 64/2015, sendo certo que este diploma e o Decreto-Lei n.º 66/2015 foram aprovados em Conselho de Ministros na mesma data - 26 de fevereiro de 2015.
[48] Direito dos Contratos Públicos cit., páginas 240 e 241.