Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002333
Parecer: P001102003
Nº do Documento: PPA041220030011000
Descritores: REGIME ESPECIAL DE ACESSO AO ENSINO SUPERIOR
FUNCIONÁRIO DIPLOMÁTICO
DESPACHO
ILEGALIDADE
SISTEMA DE ENSINO
REGIME GERAL
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE
CARGO POLÍTICO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
INTEGRAÇÃO DA LEI
ANALOGIA
NORMA GERAL
NORMA ESPECIAL
NORMA EXCEPCIONAL
ACTO ADMINISTRATIVO
INVALIDADE
VÍCIO DE VIOLAÇÃO DE LEI
ACTO EXTERNO
ACTO INTERNO
Livro: 00
Numero Oficio: 4127
Data Oficio: 10/06/2003
Pedido: 10/07/2003
Data de Distribuição: 10/07/2003
Relator: BARRETO NUNES
Sessões: 01
Data da Votação: 12/04/2003
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: MCES
Entidades do Departamento 1: MIN DA CIÊNCIA E DO ENSINO SUPERIOR
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 12/30/2003
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 03-02-2004
Nº do Jornal Oficial: 28
Nº da Página do Jornal Oficial: 1924
Indicação 2: ASSESSOR:SUSANA PIRES
Área Temática:DIR ADM*ADM PUBL/DIR ENS/DIR CIV*TEORIA GERAL
Ref. Pareceres:P000701990Parecer: P000701990
P000611991Parecer: P000611991
P000781991Parecer: P000781991
P000661995Parecer: P000661995
P000081996Parecer: P000081996
P000111996Parecer: P000111996
P000621997Parecer: P000621997
P000081998Parecer: P000081998
P000441998Parecer: P000441998
P000401999Parecer: P000401999
P003262000Parecer: P003262000
P003282000Parecer: P003282000
P000192002Parecer: P000192002
P000352002Parecer: P000352002
P000362002Parecer: P000362002
P000952002Parecer: P000952002
P001522002Parecer: P001522002
P000262003Parecer: P000262003
Legislação:DL 393-A/99 ART2 ART3 ART7 ART8 ART10 ART16 ART22 ART23 DE 02/10; L 47/86 DE 15/10; L 2/90 DE 20/01, L 23/92 DE 20/08; RECT 20/98 DE 02/11; L 143/99 DE 31/08; CONST76 ART76 N1 ART120 ART266, L 46/86 ART11 ART12 DE 14/10; L 115/97 DE 19/09; DL 28-B/96 DE 04/04; DL 75/97 DE 03/04; PORT 317-B/96 DE 29/07; PORT 525-B/96 DE 30/09; PORT 371/98 DE 29/07; DL 296-A/98 ART1 ART2 ART3 ART4 ART6 ART7 ART8 ART16 ART17 ART20-A ART26 DE 25/09, DL 99/99 DE 30/03; DL 26/2003 ART7 ART 16 A 20 ART20-A; DL 230/2001 DE 24/08; CPADM91 ART3 ART4 ART5 ART6 ART6-A ART141; CCIV66 ART9 ART11; DL 467/79 DE 07/12; DL 727/80 DE 15/04; DL 148/2000 DE 19/07
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:AC STA DE 29/05/2002, P.047521
AC STA DE 30/04/2003, P.046812
AC STA DE 30/04/2003, P.047777
AC STA DE 09/07/1997, P. 038538
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1.ª- O acesso e ingresso no ensino superior caracteriza-se, nomeadamente, pela democraticidade, equidade e igualdade de oportunidades e pela objectividade dos critérios utilizados para a selecção e seriação dos candidatos e concretiza-se através de provas de ingresso que podem ser substituídas em casos especiais por exames finais;
2.ª- Com o Decreto-Lei n.º 393-A/99, de 2 de Outubro, o legislador regulou regimes de acesso e ingresso no ensino superior, que se caracterizam pela inexistência de provas de ingresso ou exames finais e se concretizam através do ingresso directo no ensino superior, no âmbito das vagas aprovadas, desde que preenchidos determinados requisitos;
3.ª- Podem beneficiar de condições especiais de acesso ao ensino superior os estudantes que se mostrem habilitados com curso de ensino secundário estrangeiro completado em país estrangeiro quando em missão diplomática ou acompanhando o familiar em missão e que constitua nesse país habilitação académica suficiente para ingresso no ensino superior oficial (artigos 3.º, alínea a) e 8.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 393-A/99, de 2 de Outubro;
4.ª - Não beneficia do regime de acesso e ingresso no ensino superior previsto na conclusão anterior, o estudante que tenha frequentado o curso de ensino secundário estrangeiro em país estrangeiro e o tenha completado em Portugal, mesmo que o familiar, diplomata, tenha regressado a Portugal para exercer funções governativas;
5.ª- O primeiro segmento do Despacho do Ministro da Ciência e do Ensino Superior de 1 de Agosto de 2003, na medida em que soluciona uma questão individual e concreta, reveste a natureza de acto externo, e enferma do vício de violação de lei, pelo que pode ser revogado pela entidade que o proferiu, desde que se mostrem preenchidos os condicionalismos previstos no artigo 141.º do Código do Procedimento Administrativo, para além de poder ser impugnado contenciosamente;
6.ª- O segundo segmento do mesmo despacho, na medida em que ordena aos serviços do Ministério que adoptem a mesma metodologia em casos similares, reveste a natureza de acto interno, pelo que é insusceptível, por si, de recurso contencioso, sem prejuízo de poder ser revogado pela entidade que o proferiu, já que padece, mesmo neste âmbito, do vício de violação da lei.

Texto Integral:
Senhora Ministra da Ciência e do
Ensino Superior,
Excelência:

I

Tendo sido suscitada a questão da eventual ilegalidade da interpretação do disposto no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 393-A/ 99, de 2 de Outubro, na parte em que estabelece um regime especial de acesso ao ensino superior para funcionários diplomáticos portugueses, dada pelo despacho do antecessor de Vossa Excelência de 1 de Agosto de 2003, exarado sobre o ofício n.º 2453/DAS, da Direcção-Geral do Ensino Superior, (DGES, doravante), dignou-se o mesmo governante solicitar parecer, com carácter de urgência, a este Conselho Consultivo[1].

Pelo mesmo ofício, também informou o antecessor de Vossa Excelência que decidiu proceder à suspensão de eficácia do dito despacho, que ficou a aguardar pela conclusão do presente parecer.

Cumpre, em consequência, emitir o solicitado parecer.




II


1 - A questão emerge de um requerimento[2] dirigido por Diana Champ Martins da Cruz ao Senhor Ministro da Ciência e do Ensino Superior, onde, em síntese: a) informa que, sendo filha de diplomata português, frequentou o ensino secundário em diversos estabelecimentos de ensino sitos no estrangeiro e o veio completar a Portugal, onde frequentou o último ano, em virtude de seu pai ter sido chamado a exercer funções governamentais; b) requer que para não ser prejudicada nos seus estudos secundários, lhe seja aplicado o Decreto-Lei n.º 393-A/99, de 2 de Outubro, destinado aos familiares que acompanhem funcionários diplomáticos portugueses no estrangeiro e pretendam beneficiar de condições especiais de acesso ao ensino superior.

Sobre este requerimento recaiu o seguinte despacho do Ministro da Ciência e do Ensino Superior[3]:

“À DGES para parecer”.

Posteriormente, por ofício[4] dirigido ao Chefe de Gabinete de Sua Excelência o Ministro da Ciência e do Ensino Superior, o Director-Geral do Ensino Superior informou o seguinte:

“Na sequência do pedido de parecer, de 1.07.2003, referente ao assunto acima citado cumpre-me informar V. Ex.ª o seguinte:
O Decreto-Lei n.° 393-A/99, de 2 de Outubro, regula os regimes especiais de acesso ao ensino superior prevendo no seu artigo 8.°, um regime especial para funcionários portugueses de missão diplomática portuguesa no estrangeiro e seus familiares que os acompanhem.
O mesmo diploma exige que os candidatos, abrangidos por este regime, devem ser titulares de um curso de ensino secundário estrangeiro completado em país estrangeiro quando acompanhando o familiar em missão diplomática ou ser titular de um curso de ensino secundário português completado em país estrangeiro quando acompanhando o familiar.
A situação apresentada pela estudante acima citada não se integra nas condições previstas no artigo 8.° uma vez que completou o ensino secundário em Portugal.
Contudo, a Diana frequentou o Liceu Francês em Bruxelas, de 1995 a 1999, e transferiu-se para Madrid onde esteve até 2002, altura em que seu pai foi chamado para exercer funções governativas.
Se tal não tivesse acontecido, a estudante terminava o ensino secundário em Espanha e não tinha qualquer dificuldade de prosseguimento de estudos superiores.
Julgo tratar-se de uma situação excepcional que pode merecer um tratamento excepcional. As funções de interesse público, como são as do exercício de funções governativas, não deverão causar perturbações no percurso escolar da estudante que, tendo um percurso escolar em ensino secundário estrangeiro, deverá ser considerado relevante para não prejudicar expectativas criadas e dar igualdade de oportunidades à aluna.
Permito-me acrescentar que, de acordo com o número 2 do artigo 23.° do citado diploma, a decisão sobre a colocação, no curso pretendido pela candidata, está sujeita a audição prévia referente à receptividade e capacidade de acolhimento do respectivo estabelecimento de ensino superior.”

Sobre este parecer o Ministro da Ciência e do Ensino Superior exarou o seguinte despacho[5]:
“Concordo com a metodologia proposta, que deve ser adoptada em casos semelhantes”.

2 - O pedido de parecer veio acompanhado de um ofício da DGES[6] à requerente dando-lhe conhecimento do decidido, nos seguintes termos:

“A referida proposta mereceu a concordância de Sua Excelência o Ministro da Ciência e do Ensino Superior que permite a sua integração no âmbito dos regimes especiais de acesso ao ensino superior”.

Pelo mesmo ofício fez-se constar que a requerente “deverá entregar cópia deste ofício, na altura da organização do processo que decorre até 14 de Agosto, no Centro de Área Educativa de Lisboa, bem como de documento da situação pessoal que se verificava até Abril de 2002, ou seja, a situação da residência em Madrid na companhia de seu pai que aí se encontrava em missão diplomática”.

Finalmente, ainda no aludido ofício, foi informada a requerente de que, “de acordo com o número 2 do artigo 23.º do citado diploma[7], a decisão sobre a colocação, no curso pretendido, está sujeita a audição prévia referente à receptividade e capacidade de acolhimento do respectivo estabelecimento de ensino superior”.

O pedido de parecer veio, também, acompanhado de ofícios contendo uma consulta da DGES à Universidade Nova de Lisboa sobre os regimes especiais de acesso ao ensino superior[8] e a respectiva resposta[9], bem como uma “Declaração” da Embaixada de Portugal em Madrid[10] a certificar que a requerente acompanhou seu pai, Embaixador António Martins da Cruz, durante a missão deste em Madrid, de 12 de Maio de 1999 a 4 de Abril de 2002, tendo vivido na referida cidade, onde frequentou o Liceu Francês.

Junto, veio, ainda, um impresso do Lycée Français Charles Lepierre, contendo a classificação final da requerente, relativa ao “Baccalauréat”[11].

Finalmente, instruíram o processo dois ofícios dirigidos pela DGES à Universidade Nova de Lisboa[12] e à respectiva Faculdade de Ciências Médicas[13], dando conhecimento da afixação do edital com os pares estabelecimento/curso em que os estudantes foram admitidos à matrícula e inscrição e respectiva colocação[14], no âmbito dos regimes especiais de acesso ao ensino superior.


III

1 - Aqui chegados, importa, desde já, delimitar o objecto do presente parecer, que é restrito a matéria de legalidade, por força do disposto no artigo 37.º do Estatuto do Ministério Público[15].

A questão, por conseguinte, é a de apurar da eventual ilegalidade do despacho ministerial atrás transcrito, nas suas duas vertentes, ou seja, se o disposto no artigo 8.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 393-A/99, de 2 de Outubro pode ser interpretado no sentido de um estudante, que fez parte dos seus estudos secundários no estrangeiro, por ali acompanhar familiar diplomata, e os veio completar em Portugal, devido ao facto de o seu familiar, entretanto, ter sido chamado ao País para exercer funções governamentais, pode beneficiar do regime especial de acesso ao ensino superior e se a metodologia proposta poderia ser adoptada em casos semelhantes.


2 - Previamente, vejamos o que dispõe a lei, no que concerne ao ensino superior.

A Constituição da República Portuguesa, logo na sua Parte I, sob a epígrafe “Direitos e deveres fundamentais”, Título III, direccionado aos “Direitos e deveres económicos, sociais e culturais”, Capítulo III, onde vêm consagrados os “Direitos e deveres culturais”, dedica à “Universidade e acesso ao ensino superior”, o artigo 76.º, que estatui o seguinte:

“1. O regime de acesso à Universidade e às demais instituições do ensino superior garante a igualdade de oportunidades e a democratização do sistema de ensino, devendo ter em conta as necessidades em quadros qualificados e a elevação do nível educativo, cultural e científico do país.
2 . (...)”.

Segundo J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA[16], “O direito à Universidade (e ao ensino superior em geral) comporta duas dimensões: (a) direito de acesso aos lugares de estudo existentes; (b) pretensão a um alargamento da oferta de lugares disponíveis. No primeiro aspecto, rege o princípio da igualdade, qualificado pelo princípio da democratização (n.º 1), podendo a sua violação ser judicialmente impugnável; no segundo caso, o alargamento está sempre condicionado pelas necessidades em quadros e a elevação do nível educativo, cultural e científico (n.º 1, 1.ª parte), não fornecendo qualquer suporte processual para acções individuais perante os tribunais.”

3 – O quadro geral do sistema educativo vem, depois, desenvolvido na designada Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada pela Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro[17].

No aprofundar do presente parecer, importa relevar os seguintes normativos da Lei de Bases:


Na subsecção III, sob a epígrafe “Ensino superior”, dispõe:
“Artigo 11.º
(Âmbito e objectivos)

1 – O ensino superior compreende o ensino universitário e o ensino politécnico.
(...)”

No seguimento dos princípios constitucionais anteriormente evocados, surge, depois, o artigo 12.º, sob a epígrafe “Acesso”, que especifica:

“1 –Têm acesso ao ensino superior os indivíduos habilitados com um curso secundário ou equivalente que, façam prova de capacidade para a sua frequência.
2 – O Governo define, através de decreto-lei, os regimes de acesso e ingresso no ensino superior, em obediência aos seguintes princípios:
a) Democraticidade, equidade e igualdade de oportunidades;
b) Objectividade dos critérios utilizados para a selecção e seriação dos candidatos;
c) Universalidade de regras para cada um dos subsistemas de ensino superior;
d) (...)
g) Carácter nacional do processo de candidatura à matrícula e inscrição nos estabelecimentos de ensino superior público, sem prejuízo da realização, em casos devidamente fundamentados, de concursos de natureza local;
(...).
6 - O Estado deve criar as condições que garantam aos cidadãos a possibilidade de frequentar o ensino superior de forma a impedir os efeitos discriminatórios decorrentes das desigualdades económicas e regionais ou de desvantagens sociais prévias”.


4 - Na sequência da Lei de Bases do Sistema Educativo vieram a ser publicados o Regime de Acesso ao Ensino Superior, aprovado pelo Decreto--Lei n.º 28-B/96, de 4 de Abril e, posteriormente, o Regulamento dos Regimes Especiais de Acesso ao Ensino Superior, aprovado pela Portaria n.º 317-B/96, de 29 de Julho, diplomas estes que, ao longo dos tempos, sofreram diversas alterações.

Presentemente, o regime geral (Regime de Acesso e Ingresso no Ensino Superior), encontra-se plasmado Decreto-Lei n.º 296-A/98, de 25 de Setembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 99/99, de 30 de Março e pelo Decreto-Lei n.º 26/2003, de 7 de Fevereiro (que procedeu à sua republicação).

Deste diploma importa trazer à colação os seguintes normativos:

“Artigo 1.º
Objecto
O presente diploma regula o regime de acesso e ingresso no ensino superior.”

“Artigo 2.º
Âmbito e aplicação
Este regime aplica-se ao acesso e ingresso nos estabelecimentos de ensino superior público e particular e cooperativo para a frequência de cursos de bacharelato e de licenciatura.”

“Artigo 3.º
Limitações quantitativas
O ingresso em cada par estabelecimento/curso do ensino superior está sujeito a limitações quantitativas, decorrentes do número de vagas fixado anualmente nos termos do presente diploma.”
“Artigo 4.º
Fixação das vagas para as instituições de ensino superior público

1 - As vagas para os cursos das instituições de ensino superior público tuteladas exclusivamente pelo Ministério da Ciência e do Ensino Superior são fixadas anualmente pelos órgãos legal e estatutariamente competentes de cada instituição e comunicadas à Direcção-Geral do Ensino Superior, acompanhadas da respectiva fundamentação, até data a estabelecer nos termos do artigo 40.º
2 - O Ministro da Ciência e do Ensino Superior pode determinar a simples divulgação das vagas ou, ouvidas as instituições, aprovar as mesmas com alterações, se entender que tal se justifica tendo em vista a respectiva adequação à política educativa.
3 - No caso referido na parte final do número anterior, a fixação das vagas é feita por portaria do Ministro da Ciência e do Ensino Superior.”


“Artigo 6.º
Preenchimento das vagas
O preenchimento das vagas em cada par estabelecimento/curso de ensino superior é feito por concurso.”

Segue-se a enumeração das condições exigidas para a candidatura ao ensino superior.

São elas:
“Artigo 7.º
Condições de candidatura
Só pode candidatar-se à matrícula e inscrição no ensino superior o estudante que satisfaça cumulativamente as seguintes condições:
a) Ser titular de um curso de ensino secundário, ou de habilitação legalmente equivalente;
b) Fazer prova de capacidade para a frequência do ensino superior.”
“Artigo 8.º
Avaliação da capacidade para a frequência do ensino superior e selecção e seriação dos candidatos
Compete aos estabelecimentos de ensino superior, nos termos do presente diploma, a fixação da forma de realização da avaliação da capacidade para a frequência, bem como dos critérios de selecção e seriação dos candidatos.”

Em seguida surge o capítulo III, dedicado ao modo como é regulada a avaliação dos candidatos, nomeadamente, através da realização de provas de ingresso e consequente seriação, que dispõe no artigo 16.º


“Artigo 16.º
Avaliação da capacidade para a frequência
1 - A realização da avaliação da capacidade para a frequência é feita através de provas de ingresso.
2 - Quando as aptidões físicas, funcionais ou vocacionais assumam particular relevância para o ingresso num determinado curso, os estabelecimentos de ensino superior podem fixar pré- requisitos de acesso a esse curso para além das provas de ingresso.”

Quanto às provas de ingresso e seriação, surgem nos artigos 17.º a 26.º.
Artigo 17.º
Provas de ingresso
As provas de ingresso:
a) Adoptam critérios objectivos de avaliação;
b) Revestem a forma mais adequada aos seus objectivos;
c) São eliminatórias;
d) São de realização anual.”

“Artigo 20.º-A
Substituição das provas
1 - Para os estudantes titulares de cursos não portugueses legalmente equivalentes ao ensino secundário português, as provas de ingresso fixadas nos termos do artigo 20.º podem ser substituídas por exames finais de disciplinas daqueles cursos que satisfaçam cumulativamente as seguintes condições:
a) Terem âmbito nacional;
b) Terem sido realizados no ano lectivo que antecede imediatamente o ano a que se refere a candidatura;
c) Referirem-se a disciplinas homólogas das provas de ingresso.
2 - Consideram-se homólogas as disciplinas que, ainda que com denominações diferentes, tenham nível e objectivos idênticos e conteúdos similares aos do programa da prova de ingresso que visam substituir.
3 - Cabe a cada estabelecimento de ensino superior decidir, através do seu órgão legal e estatutariamente competente, acerca da aplicação do previsto no n.º 1 a um ou mais dos seus cursos.
4 - A classificação dos exames a que se refere o n.º 1 na sua utilização como provas de ingresso é a atribuída nos termos das normas que os regulam convertida para a escala de 0 a 200.
5 - Os estudantes que pretendam beneficiar do disposto no presente artigo não podem recorrer às provas de ingresso a que se refere o artigo 19.º quando tenham realizado exames de disciplinas homólogas dessas provas que satisfaçam o disposto no n.º 1.
6 - Compete à CNAES[18]:
a) Regulamentar a aplicação do disposto no presente artigo;
b) Homologar as decisões a que se refere o n.º 3.
7 - Compete ainda à CNAES, considerando o parecer do serviço competente do Ministério da Educação:
a) Decidir acerca da homologia a que se refere o n.º 2, designadamente aprovando tabelas de correspondência;
b) Fixar as regras para a conversão de classificações a que se refere o n.º 4.
8 - As decisões a que se referem os n.ºs 3, 6 e 7 são proferidas e divulgadas até 31 de Maio do ano que antecede o ano de realização da candidatura.”
“Artigo 26.º
Seriação
1 - A seriação dos candidatos a cada curso em cada estabelecimento é realizada com base numa nota de candidatura, cuja fórmula é fixada pelo órgão legal e estatutariamente competente do estabelecimento de ensino superior, a qual integra exclusivamente:
a) A classificação final do ensino secundário, com um peso não inferior a 50%;
b) A classificação da ou das provas de ingresso, com um peso não inferior a 35%;
c) A classificação dos pré-requisitos de seriação, quando exigidos, com um peso não superior a 15%.
(...)”



5 – No que concerne aos regimes especiais de acesso e ingresso no ensino superior vêm regulados no Decreto-Lei n.º 393-A/99, de 2 de Outubro, ressaltando, desde logo, do respectivo preâmbulo, que se destinam “a estudantes que reúnem condições habilitacionais e pessoais específicas”, e que “sucedem aos regimes previstos no artigo 45.º do Decreto-Lei n.º 28-B/96, de 4 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 75/97, de 3 de Abril, regulados pela Portaria n.º 317-B/96, de 29 de Julho, alterada pelas Portarias n.ºs 525-B/96, de 30 de Setembro, e 371/98, de 29 de Julho.”

No que releva à economia do presente parecer, cumpre fazer uma breve incursão por alguns dos normativos mais relevantes do Decreto-Lei n.º 393-A/99.

Assim, inserido no capítulo I, que se destina às disposições gerais, temos:
“Artigo 2.º
Âmbito e aplicação
1 – Os regimes regulados pelo presente diploma aplicam-se ao acesso e ingresso nos estabelecimentos de ensino superior público, particular e cooperativo, para a frequência de cursos de bacharelato e licenciatura.
2 – O presente diploma não se aplica aos cursos ministrados em estabelecimentos de ensino superior militar e policial.”
“ Artigo 3.º
Beneficiários de regimes especiais
Podem beneficiar de condições especiais de acesso, nos termos fixados pelo presente diploma, os estudantes que se encontrem numa das seguintes situações:
a) Funcionários portugueses de missão diplomática portuguesa no estrangeiro e seus familiares que os acompanhem;
(...)”

“Artigo 7.º
Familiar
Para efeitos do presente diploma, entende-se por familiar o cônjuge, o parente e afim até ao 2.º grau da linha recta ou colateral que não tenha idade superior a 25 anos em 31 de Dezembro do ano em que requer a matrícula e inscrição.”
Segue-se o capítulo II, que, sob a epígrafe “Regimes especiais”, regula cada um deles especificamente.

A sua secção I destina-se aos “Funcionários portugueses de missão diplomática portuguesa no estrangeiro e seus familiares”.

O artigo 8.º, afinal o objecto deste parecer e que inicia esta secção, dispõe:
“Artigo 8.º
Âmbito
São abrangidos pelo regime da alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º os funcionários portugueses de missão diplomática portuguesa no estrangeiro ou seus familiares que os acompanhem habilitados com:
a) Curso de ensino secundário estrangeiro completado em país estrangeiro quando em missão ou acompanhando o familiar em missão e que constitua, nesse país, habilitação académica suficiente para ingresso no ensino superior oficial;
b) Curso de ensino secundário português completado em país estrangeiro quando em missão ou acompanhando o familiar em missão.”

Seguem-se: a secção II, destinada aos bolseiros no estrangeiro ou funcionários públicos; a secção III, aos oficiais das Forças Armadas Portuguesas; a secção IV, aos bolseiros nacionais de países africanos de expressão portuguesa; a secção V, às missões diplomáticas acreditadas em Portugal; a secção VI, aos atletas com estatuto ou percurso de alta competição; finalmente, a secção VII, aos naturais de Timor Leste[19].

Finalmente, importa salientar o capítulo III, que regula a colocação dos interessados.

Eis os normativos pertinentes:
“Artigo 22.º
Limites
1 – O número de estudantes abrangidos pelos regimes especiais previstos nas alíneas a), b), d), f) e g) do n.º 1 do artigo 3.º a admitir em cada par estabelecimento/curso para o conjunto dos regimes especiais não pode exceder em cada ano lectivo, 10% das vagas aprovadas para o concurso nacional ou local de acesso ou para os concursos institucionais relativos ao ano em causa.
(...)”


“Artigo 23.º
Colocação
1 - Os estudantes abrangidos pelos regimes especiais previstos a), b), d), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 3.º são colocados, sempre que possível, no par estabelecimento/curso requerido.
(...)”


6 - Da análise destes diversos diplomas legais constata-se que o acesso e ingresso no ensino superior se alicerça num regime geral e suporta regimes especiais.

No que mais importa à economia do presente parecer, o acesso ao ensino superior, segundo o regime geral ou regime-regra, obedece aos seguintes princípios: democraticidade, equidade e igualdade de oportunidades; objectividade dos critérios utilizados para a selecção e seriação dos candidatos; universalidade de regras para cada um dos subsistemas de ensino superior (artigo 12.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), b) e c) da Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, na redacção dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 115/97, de 19 de Setembro).

Na concretização destes princípios, o ingresso no ensino superior alcança-se, sempre, através da prestação de provas de ingresso, devidamente reguladas (artigos 16.º a 20.º do Decreto-Lei n.º 26/2003, de 7 de Fevereiro) ou, em sua substituição, através de exames finais, também devidamente disciplinados (artigo 20.º-A, do mesmo diploma).

Porém, o legislador veio a criar regimes especiais para algumas situações marcadamente desiguais, a exigirem tratamento desigual, desse modo se afastando do regime geral atrás referido.

Na verdade, com o Decreto-Lei n.º 393-A/99, de 2 de Outubro, e outros diplomas que o antecederam, a selecção e seriação dos candidatos ao ensino superior, por razões devidamente justificadas, não passa pela prestação de provas públicas, nem sequer pela realização de exames finais.

Estes regimes assentam, apenas, na necessidade da existência de um curso de ensino secundário estrangeiro, completado em país estrangeiro ou de um curso de ensino secundário português, também completado em país estrangeiro[20], para os interessados se candidatarem às vagas legais existentes[21].

Como anteriormente se deixou antever, a existência legal destes chamados regimes especiais é aceitável e compreensível, porque se destina a estudantes que reúnem condições habilitacionais e pessoais específicas, conforme vem assinalado no preâmbulo do respectivo diploma e que, doutro modo, dificilmente poderiam aceder ao ensino superior português.


IV

1 – Questionando-se a interpretação dada pela Administração ao já referido artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 393-A/99, de 2 de Outubro, no despacho em apreço, é pertinente começar por aludir a algum ou alguns dos princípios fundamentais que estão no cerne de toda a actividade administrativa.

A Constituição consagra-lhes o artigo 266.º, que, sob a epígrafe “Princípios Fundamentais”, estatui:

“1. A Administração Pública visa a prossecução do interesse público no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.”
2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade”.

Estes princípios surgem melhor concretizados e desenvolvidos no Código do Procedimento Administrativo, nomeadamente: nos artigos 3.º (princípio da legalidade); 4.º (princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos); 5.º (princípio da igualdade e da proporcionalidade); e 6.º-A (princípio da boa-fé).

2 - No que ora releva, porque, eventualmente, pode ter sido violado pelo despacho em apreço, importa salientar, desde já, o princípio da legalidade, que o Código do Procedimento Administrativo elege nos seguintes termos:
“Artigo 3.º
Princípio da legalidade
1. Os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos.”

Segundo a mais recente doutrina, que a jurisprudência vem acolhendo[22], com este artigo 3.º o princípio da legalidade deixou de ter “uma formulação unicamente negativa (como no período do Estado Liberal), para passar a ter uma formulação positiva, constituindo o fundamento, o critério e o limite de toda a actuação administrativa” [23].

Na verdade, “A lei não é apenas um limite à actuação da Administração: é também o fundamento da acção administrativa. Quer isto dizer que, hoje em dia, não há um poder livre de a Administração fazer o que bem entender, salvo quando a lei lho proibir; pelo contrário, vigora a regra de que a Administração só pode fazer aquilo que a lei lhe permitir que faça”. [24]
Esta obediência à Constituição e à lei, estende-se, por força delas mesmas, a todos os actos a que elas conferem força vinculativa, designadamente, normas de direito internacional, regulamentos e contratos administrativos e actos administrativos constitutivos de direitos, que integram o bloco de legalidade condicionante da actuação administrativa. [25]

Por outro lado, este princípio da legalidade vale não só para a Administração agressiva mas também para a constitutiva. [26]

Nesta perspectiva, cabendo a questão em apreço na área da administração constitutiva, porque se destina a permitir o exercício de interesses culturais dos cidadãos, torna-se claro que o acto administrativo cuja interpretação se questiona teria de se subordinar ao princípio da legalidade.

Ademais, como este Conselho vem entendendo, [27]

“O princípio da legalidade desenvolve-se fundamentalmente em duas vertentes: a negativa, expressa no princípio da prevalência da lei, e a positiva, consubstanciada no princípio da precedência da lei.
Da primeira das referidas vertentes decorre que os actos da Administração devem conformar-se com as leis, sob pena de ilegalidade, e, da segunda, que a Administração só pode actuar com base na ou mediante autorização da lei.
O princípio da legalidade está necessariamente conexionado com os princípios da igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade, também previstos no n.º 2 do artigo 266.º da CRP, e aponta para o princípio mais abrangente da juridicidade da Administração – todo o direito é fundamento e pressuposto da sua actividade –, do que deriva o acréscimo de limites internos aos poderes discricionários”x1.

Seria, então, oportuno dilucidar todos estes princípios.

Porém, só relevam, em princípio, na actividade discricionária da Administração, já que no campo vinculado o que importa ver é se a legalidade foi respeitada[28].

In casu, é a própria Administração que nos esclarece que actuou no exercício de um poder vinculado, tendo, porém, optado por uma interpretação e aplicação da lei, da qual, ela própria, Administração, duvida.

De qualquer modo, não será despiciendo abordar o príncípio da imparcialidade, o qual, para além de consagração constitucional, vem, depois, concretizado a nível infra-constitucional, no artigo 6.º do Código do Procedimento Administrativo, sempre conluiado com o princípio da justiça, e que poderá ter sido violado pelo despacho que se analisa.

Dispõe este normativo, sob a epígrafe “Princípios da justiça e da imparcialidade”:

“No exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação”.

Como este Corpo Consultivo já teve a oportunidade de ponderar[29], o princípio da imparcialidade exige a prossecução objectiva de interesses públicos específicos predeterminados na lei, impondo à Administração o dever de actuar exclusivamente com base em critérios próprios, lógico-racionais e estritamente jurídicos, não tolerando a sua substituição ou distorção por influência de interesses alheios às suas funções ou considerações de natureza subjectiva.

Constitui exigência do princípio da imparcialidade a actividade administrativa desenvolver-se unicamente a partir dos interesses públicos específicos que lhe incumbe prosseguir, de modo que não “haja qualquer discriminação no tratamento que dê favores ou cause prejuízos a algum dos outros interesses concorrentes no caso”x2. Por outro lado, fere igualmente o princípio, uma decisão não resultante de uma ponderação que considere todos os interesses concretos presentes no caso e juridicamente relevantesx3.

Continuando a acompanhar o Parecer n.º 26/2003,

“É desta forma possível analisar o princípio segundo duas vertentes: a negativa e a positiva.
No plano da vertente negativa, “proíbe-se à Administração Pública que actue de acordo com objectivos que não correspondem à prossecução dos interesses postos por lei a seu cargo (...),” devendo abster-se de considerações ou valorações estranhas à sua função, qualquer que seja a sua natureza.
Por outro lado, “no plano da vertente positiva, devem considerar-se os actos ou comportamentos que manifestamente não resultem de uma exaustiva ponderação de interesses juridicamente protegidos”x4 .
O princípio da imparcialidade é sobretudo conhecido pela sua vertente negativa. Segundo esta dimensão, “a imparcialidade traduz desde logo, nas palavras de FREITAS DO AMARALx5, a ideia de que os titulares de órgãos e os agentes estão impedidos de intervir em procedimentos, actos ou contratos que digam respeito a questões do seu interesse pessoal ou da sua família, ou de pessoas com quem tenham relações económicas de especial proximidade, a fim de que não possa suspeitar-se da isenção ou rectidão da sua conduta”.
“Denominam-se garantias de imparcialidadex6, o conjunto de regras que regulam o dever de abstenção do titular de órgão (ou agente) que tenha interesse pessoal na decisão ou relações particulares com os interessados, com vista a evitar que sejam introduzidos na ponderação decisória interesses subjectivos ou alheios ao interesse publico”.
V

Na sequência do que acabamos de expor, designadamente, no que concerne ao princípio da legalidade, a questão que a Administração pretende ver esclarecida exige a convocação das regras gerais de hermenêutica jurídica.

1 - Previamente, porém, convém relembrar que a Administração fundamentou o despacho em crise com o facto de se tratar de uma situação excepcional merecedora de um tratamento excepcional, já que se reporta a “funções de interesse público, como são as do exercício de funções governativas”[30].

Ora, o interesse público resultante do exercício de tais funções, será suficiente para tornar a situação em apreço compaginável com o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 393-A/99, de 2 de Outubro?

Não nos parece.

Na verdade, a titularidade de cargos públicos goza de estatuto próprio, consagrado no artigo 120.º da Constituição da República Portuguesa, que dispõe, no que ora releva:

“2. A lei dispõe sobre os deveres, responsabilidades e incompatibilidades dos titulares de cargos políticos, bem como sobre os respectivos direitos, regalias e imunidades.”

Sobre este comando da nossa Lei Fundamental escreveu-se o seguinte:

“No n.º 2 consagra-se uma imposição legiferante, no sentido de os órgãos legislativos competentes concretizarem o estatuto dos titulares dos cargos políticos no que respeita a direitos, regalias e imunidades (...). A Constituição só prevê alguns desses aspectos em relação a certos órgãos (...) mas a lei tem alargado esse regime aos titulares de outros órgãos de soberania (v.g., juizes) e de outros cargos políticos (membros de governos...).
Falta, porém, uma lei que, cumprindo a imposição do n.º 2, consagre e defina, de forma global e coerente, o regime estatutário, direitos e deveres, regalias e responsabilidades, imunidades e incompatibilidades dos titulares de cargos políticos (membros de governos...)”[31].

Ora, de facto, o exercício de funções governativas traz aos respectivos titulares algumas regalias[32], as quais, porém, não têm qualquer reflexo na situação em apreço.

Daí que, a solução da questão submetida a consulta passe, necessária e fundamentalmente pela interpretação do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 393-A/99, de 2 de Outubro.


2 – Nessa conformidade, não será despiciendo trazer, desde já, à colação o artigo 9.º do Código Civil, aplicável nas várias áreas do ordenamento jurídico, incluindo a do Direito Administrativo.

Sob a epígrafe “Interpretação da lei”, diz-nos este normativo:

“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

A transcrita disposição consagra princípios desenvolvidos pela doutrina[33] ao longo dos tempos, que este Corpo Consultivo, nos seus inúmeros Pareceres[34], vem acolhendo e que, seguidamente, procuraremos sintetizar:

Aliás, fá-lo-emos acompanhando um recente Parecer deste Conselho[35].

Assim,

“ 1. Interpretar uma norma não é mais do que fixar o sentido e alcance com que há-de valer, determinando o sentido decisivox7.

A letra ou o texto da norma é, naturalmente, o ponto de partida de toda a interpretação, constituindo a apreensão literal do texto já interpretação, embora incompleta, tornando-se sempre necessária uma “tarefa de interligação e valoração que escapa ao domínio literal” x8.

Pode dizer-se que na actividade interpretativa, a letra da lei funciona simultaneamente como ponto de partida e limite de interpretação, sendo-lhe assinalada uma dimensão negativa que é a de eliminar tudo quanto não tenha qualquer apoio ou correspondência ao menos imperfeita no texto.

Note-se porém que a lei é antes de mais “um ordenamento de relações que mira a satisfazer certas necessidades e deve interpretar-se no sentido que melhor responda a essa finalidade, e portanto em toda a plenitude que assegure tal tutela”.

Por conseguinte, para determinar o alcance de uma lei, o intérprete não pode limitar-se ao “sentido aparente e imediato que resulta da conexão verbal; é indagar com profundeza o pensamento legislativo, descer da superfície verbal ao conceito íntimo que o texto encerra e desenvolvê-lo em todas as direcções possíveis (...). A missão do intérprete é justamente descobrir o conteúdo real da norma jurídica, determinar em toda a amplitude o seu valor, penetrar o mais que é possível (...) na alma do legislador, reconstruir o pensamento legislativo. Só assim a lei realiza toda a sua força de expansão e representa na vida social uma verdadeira força normativa” x9.

Desta forma, na tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal intervêm elementos sistemáticos, históricos, racionais e teleológicosx10.

O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam questões paralelas; compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretada no ordenamento geral, assim como a sua concordância com o espírito ou a unidade intrínseca do sistema.

O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pela edição da norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.

Na função de interpretação, socorrendo-se dos instrumentos dogmáticos referidos, o intérprete não se deve restringir a uma leitura imediatista do texto da norma, aceitando o sentido que, aparentemente, daí imediatamente decorre, mas deve combinar todos esses elementos numa tarefa de conjunto de modo a descobrir o sentido decisivo da normax11.”

A final, culminando a engenharia interpretativa, o intérprete atingirá um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação: interpretação declarativa; interpretação extensiva; interpretação restritiva.


3 – Já o dissemos, o texto da lei é o ponto de partida, a primeira referência, da interpretação normativa.

A norma em apreço é a do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 393-A/99, de 2 de Outubro, que regula o regime especial de acesso ao ensino superior de funcionários portugueses de missão diplomática portuguesa no estrangeiro e seus familiares, desde que estejam habilitados com o curso de ensino secundário estrangeiro completado em país estrangeiro quando em missão ou acompanhando o familiar em missão e que constitua, nesse país, habilitação académica suficiente para ingresso no ensino superior oficial, ou com curso de ensino secundário português completado em país estrangeiro quando em missão ou acompanhando o familiar em missão.

No que ora releva, importa apurar se cabe no corpo e no espírito da aludida norma a mera frequência de curso de ensino secundário no estrangeiro, depois completado em Portugal.

Ora, a letra da lei – curso completado no estrangeiro – não deixa margem para a interpretação sustentada pela Administração.

Na verdade, a expressão “completado”, particípio pretérito do verbo “completar”, significa “concluído”[36], “acabado”.

Já a expressão “frequentado”, particípio pretérito do verbo “frequentar” significa “cursado”, “estudado”, “seguido” (colégio, curso, aula, etc.)[37].

Ou seja, “completado” não pode ter o significado de “frequentado”, podendo ambas as expressões funcionar autonomamente ou em regime de complementaridade: (a) “frequentado”; “completado” ou (b) “frequentado” e “completado”.

Acresce que o legislador goza da presunção de que sabe exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Ora, esse legislador, arguto e perspicaz, jamais incorreria no erro de confundir expressões etimologicamente tão diferentes como “completado” e “frequentado”.

Do que se acabou de explanar, decorre que no caso presente os elementos linguísticos utilizados na norma revelam inequivocamente, a nosso ver, o seu verdadeiro sentido, por corresponderem à intenção do legislador.

Ou seja, por virtude da interpretação declarativa obtemos o sentido e alcance da norma, que é o da exigência de o curso secundário estrangeiro ter sido completado no estrangeiro, não bastando a sua simples frequência.

4 – Os outros elementos da interpretação também não permitem que a norma em apreço tenha o sentido e alcance pretendido pela Administração.

Na verdade, no que concerne ao elemento racional ou teleológico (ratio legis), não vislumbramos argumentos que permitam afastar a força do argumento literal, como seria a que resultaria da interpretação sustentada pela Administração, maxime por os interesses em jogo não permitirem uma solução de manifesto privilégio, mais do âmbito da discricionaridade, porém a colidir com princípios norteadores da actividade administrativa, como são, por exemplo, os da prossecução do interesse público, da boa administração, da boa fé, da protecção da confiança, da justiça, da proporcionalidade, da igualdade, da imparcialidade e mesmo da transparência.

Quanto a este elemento, convém não esquecer a lição de KARL ENGISCH, quando ensina que “o preceito da lei deve, na dúvida, ser interpretado de modo a “ajustar-se o mais possível às exigências da nossa vida em sociedade e ao desenvolvimento de toda a nossa cultura”[38].

Ora, não podem restar dúvidas que as exigências da nossa vida em sociedade obrigam a regras comportamentais claras e precisas, de modo a evitar interpretações como, por exemplo, a que a Administração fez da norma em apreço.

Acresce que a nossa cultura, pelo menos a mais hodierna, não permite interpretações que não tenham um mínimo de correspondência na lei, mesmo quando surgem situações que se podem caracterizar como desiguais no âmbito do acesso ao ensino superior.

Aliás, não será despiciendo alertar para a necessidade de o legislador procurar soluções razoáveis que abarquem situações como a que ora se nos depara.

Quanto ao elemento sistemático, já atrás referimos todo o contexto em que se desenvolve o acesso e ingresso no ensino superior e o carácter excepcional com que surgiu o Decreto-Lei n.º 393-A/99, de 2 de Outubro, destinado a abranger situações habilitacionais e pessoais muito específicas.

Nas situações que nesse diploma podemos situar como similares, todas exigem o curso do ensino secundário completado no estrangeiro ou em Portugal, não se bastando com a sua simples frequência[39].

Finalmente, quanto ao elemento histórico, não houve qualquer evolução relevante no normativo com que nos confrontamos.

Na verdade, o regime em causa surge referenciado pela primeira vez no artigo 45.º do Decreto-Lei n.º 28-B/96, de 4 de Abril, onde se remete para uma portaria do Ministro da Educação, a publicar, a regulação dos regimes especiais de acesso ao ensino superior para estudantes que, por exemplo, caibam em situações como a de serem funcionários portugueses de missão diplomática portuguesa no estrangeiro e seus familiares que os acompanhem.

A esperada Portaria, que regulamentou os regimes especiais de acesso ao ensino superior, teve o n.º 317-B/96, de 29 de Julho[40], cujo artigo 5.º, sob a epígrafe “Funcionários portugueses de missão diplomática portuguesa no estrangeiro e seus familiares que os acompanhem” mereceu a seguinte idêntica redacção aos diplomas que lhe sucederam:

“São abrangidos por este regime os funcionários portugueses de missão diplomática portuguesa no estrangeiro ou seus familiares que os acompanhem habilitados com:
a) Curso do ensino secundário estrangeiro completado em país estrangeiro quando em missão e que constitua, nesse país, habilitação académica suficiente para ingresso no ensino superior oficial.”

Por fim, o Decreto-Lei n.º 393-A/99, de 2 de Outubro, diploma que contempla a norma (artigo 8.º) sobre que aqui nos debruçamos, veio a suceder às Portarias acabadas de referenciar, segundo o seu lacónico preâmbulo.

Quanto às chamadas “fontes da lei”, não foi possível localizar quaisquer textos legais, para além dos referidos, ou doutrinais que tivessem inspirado o legislador na sua feitura. Tão-pouco foi possível encontrar quaisquer relevantes elementos no âmbito do direito comparado.

Trabalhos preparatórios que pudessem de algum modo ajudar a clarificar dúvidas resultantes da interpretação do normativo em apreço ou do diploma em que se insere, também não foi possível localizá-los.


5 – Finalmente, poderíamos avançar para a interpretação extensiva do aludido normativo, procurando vislumbrar se nela cabia a interpretação sustentada pela Administração.

Teríamos então que captar para a norma em apreço um entendimento onde coubessem situações em que um estudante, filho de diplomata em missão no estrangeiro, tivesse frequentado, sem o completar, o ensino secundário no estrangeiro, e o tivesse vindo completar a Portugal, devido ao facto de o seu ascendente ter, entretanto, sido chamado para exercer funções governativas.

Já atrás dissemos que o argumento literal não permite tal interpretação.

Na verdade, teríamos que chegar à conclusão que a letra do texto ficou aquém do espírito da lei, na medida em que os termos adoptados dizem menos do que aquilo que se pretendia dizer.

Ora, no seguimento do entendimento da Administração, mesmo que tal metodologia fosse utilizada para futuro, de acordo com o despacho ministerial em crise[41], chegaríamos a uma situação interpretativa incontrolável, já que nunca saberíamos o verdadeiro sentido e alcance da lei.

Por um lado, no âmbito do regime especial de acesso ao ensino superior que se analisa, ficaria por esclarecer qual o grau de frequência do ensino secundário no estrangeiro que seria exigível para que o acesso ao ensino superior se tornasse uma realidade.

Por outro lado, também ficaria por esclarecer que espécie de categoria de cargos públicos seria suficiente para que um familiar de diplomata pudesse beneficiar desse regime especial.

Eis pois um leque de situações que o legislador não previu nem quis prever no âmbito do regime especial de acesso ao ensino superior, já que, de modo nenhum se adequa à letra e ao espírito da norma que se aprecia.
VI


1 – Aqui chegados, seria altura de perspectivar a hipótese de uma eventual integração da lacuna através da via analógica.

Previamente, porém, teremos que classificar a norma que é objecto do presente parecer.

Ora, tradicionalmente, para além de outras divisões que para o caso em apreço não relevam, as normas jurídicas classificam-se em gerais, excepcionais e especiais.

As normas gerais são as “que correspondem a princípios fundamentais do sistema jurídico e por isso constituem o regime-regra do tipo de relações que disciplinam”[42].

“Excepcionais são, pelo contrário, as normas que, regulando um sector restrito de relações com uma configuração particular, consagram para o efeito uma disciplina oposta à que vigora para o comum das relações do mesmo tipo, fundadas em razões especiais, privativas daquele sector de relações.”[43]

Finalmente, as normas especiais são as que “representam, dentro dessa classificação tripartida, os preceitos que, regulando um sector relativamente restrito de casos, consagram uma disciplina nova, mas que não está em directa oposição com a disciplina geral”[44].

Nomeadamente, sobre a distinção entre normas gerais, especiais e excepcionais este Corpo Consultivo tem-se pronunciado com alguma frequência.

Com particular acuidade, escreveu-se no Parecer n.º 78/91[45]:

“A doutrina considera disposições, normas ou mesmo leis excepcionais, aquelas que regulam, por modo contrário ao estabelecido na lei geral, certos factos ou relações jurídicas que, por sua natureza, estariam compreendidos nela (JOSÉ TAVARES); aquelas que precisamente se desviam dos princípios gerais, contrariando as últimas consequências que de tais princípios deveriam logicamente derivar, referindo-se a certas relações sociais que, por sua vez, também se desviam do tipo comum, assumindo uma índole especial ou seja, o direito comum é o direito de um género de relações jurídicas e o excepcional ou anómalo o de uma espécie dentro do género (CABRAL DE MONCADA); aquelas que consagram para certos casos, soluções contrárias às dos princípios gerais de direito admitidos em determinado sistema, revelando-se o carácter excepcional da norma algumas vezes do seu próprio contexto, outras resultando do comando que a contém (RODRIGUES BASTOS); ou aquelas que regulando um sector restrito de relações com uma configuração particular, consagram uma disciplina oposta à que vigora para o comum das relações do mesmo tipo, fundada em razões especiais, privativas daquele sector de relações (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA).
“Há um certo parentesco entre as normas (ou leis) excepcionais e as normas (ou leis) especiais, mas também existem diferenças profundas. “O que distingue a norma geral da especial é que esta regula matérias ou assuntos diversos das reguladas por aquela, podendo deixar de ser opostas e incompatíveis as respectivas disposições. Pelo contrário, o objecto da lei excepcional é o mesmo da lei geral; simplesmente esta deixa de ser aplicada em certos e determinados casos que, sem a lei excepcional, seriam regulados pela lei geral; de modo que o preceito da lei excepcional é o oposto ou contrário ao da lei geral” (JOSÉ TAVARES).
“Adentro de todos os grupos mais ou menos vastos de relações jurídicas, há outros institutos ou grupos dessas relações cujas normas especiais se afastam das normas do tipo comum em que entram sem constituírem por isso um direito excepcional. Para achar o conceito de direito excepcional, devemos sempre atender, não às particularidades técnicas da regulamentação de cada instituto, ou figura jurídica, dentro de um grupo mais vasto de relações jurídicas, mas à índole especial dos grandes grupos de relações sociais que por razões de utilidade pública exigem uma regulamentação e um direito também excepcionais (CABRAL DE MONCADA)
“Enfim, as normas especiais representam, dentro da classificação tripartida (gerais, excepcionais, especiais) “os preceitos, que regulando um sector relativamente restrito de casos, consagram uma disciplina nova, mas que não está em directa oposição com a disciplina geral” (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA)” x12.

Também no recente Parecer n.º 35/2002[46], citando diversos Autores, se abordou a questão das normas gerais, especiais e excepcionais.

Escreveu-se, então, o seguinte:

“(...) convém notar que o conceito de lei é um conceito relacional, ou seja, “não há normas em si mesmas gerais ou especiais, mas antes relações de espécie e género, ou de especialidade e generalidade, entre determinadas normas ou, determinadas matérias normativamente reguladas” x13.
“O conceito de que se parte para a distinção das normas em gerais e especiais refere-se, pois, ao seu domínio de aplicação, devendo assim considerar-se especiais aquelas cujo domínio de aplicação se traduz por um conceito que é espécie em relação ao conceito mais extenso que define o campo de aplicação da norma geral e que figura como seu género.
Nisto consiste a relação lógico-jurídica de especialidadex14.
“As normas especiais podem configurar-se como desenvolvimentos destinados quer a concretizar princípios gerais ou como complementos deles, quer a integrar os aspectos específicos não contemplados naqueles mesmos princípios, mas também podem apresentar-se, em um ou outro ponto, como desvio ou derrogação aos princípios gerais.
Estas observações respeitantes à diversidade das funções das normas especiais (complemento, integração, derrogação) mostram como podem ser distintas, segundo tais funções, relações lógico-jurídicas intercorrentes entre as normas gerais e as especiais. Tais relações serão de cumulação quando se trate de normas especiais complementares ou integrativas, mas já serão de conflito quando se trata das normas especiais derrogatóriasx15.
Na sua forma pura, o relacionamento entre lex specialis e lex generalis pressupõe uma antinomia ou contradição normativa, isto é, a imputação, por duas normas, de soluções diferentes (embora referíveis a um mesmo princípio geral) para um mesmo casox16.
Com a norma especial não deve confundir-se a norma excepcional, que em relação a outra, considerada geral, representa um verdadeiro jus singulare, acolhendo um regime oposto ao regime-regra, por razões indissoluvelmente ligadas ao tipo de casos que a norma excepcional contempla x17.
As normas gerais constituem o direito-regra, ou seja, estabelecem o regime-regra para o sector de relações que regulam; ao passo que as normas excepcionais, representando um jus singulare, limitam-se a uma parte restrita daquele sector de relações ou factos, consagrando neste sector restrito, por razões privativas dele, um regime oposto àquele regime-regra” x18.


2 – Aqui chegados, é altura de procurar classificar a norma para cuja correcta interpretação o então Ministro da Ciência e do Ensino Superior solicitou o parecer deste Corpo Consultivo.

A norma, já o dissemos, é o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 393-A/99, de 2 de Outubro, que regula os regimes especiais de acesso e ingresso no ensino superior.

Recapitulando-a, dispõe o seguinte:

“São abrangidos pelo regime da alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º os funcionários portugueses de missão diplomática portuguesa no estrangeiro ou seus familiares que os acompanhem habilitados com:
a) Curso de ensino secundário estrangeiro completado em país estrangeiro quando em missão ou acompanhando o familiar em missão e que constitua, nesse país, habilitação académica suficiente para ingresso no ensino superior oficial.”

Por sua vez, o artigo 3.º, alínea a), que também convém relembrar, dispõe:

“Podem beneficiar de condições especiais de acesso, nos termos fixados pelo presente diploma, os estudantes que se encontrem numa das seguintes situações:
a) Funcionários portugueses de missão diplomática portuguesa no estrangeiro e seus familiares que os acompanhem.”

Do contexto da legislação sobre que assenta o acesso e ingresso no ensino superior resulta, no que ora releva, que se caracteriza, para além da habilitação dos interessados com o curso do ensino secundário ou equivalente, pela obediência a princípios da democraticidade, equidade e igualdade de oportunidades, pela objectividade dos critérios utilizados para a selecção e seriação dos candidatos, e pela utilização obrigatória da classificação final do ensino secundário no processo de seriação[47].

Culmina esta legislação com a exigência da prestação de provas de ingresso para avaliação da capacidade para a frequência do ensino superior, que, para além do mais, são eliminatórias[48].

Temos, por conseguinte, um regime geral ou regime-regra de acesso e ingresso no ensino superior devidamente explanado no Decreto-Lei n.º 296-A/1998, de 25 de Setembro.

Mas este regime geral contempla no seu artigo 20.º-A, dirigido aos estudantes titulares de cursos não portugueses legalmente equivalentes ao ensino secundário português, um regime que substitui as provas de ingresso pela realização de exames finais de disciplinas daqueles cursos, que satisfaçam cumulativamente as seguintes condições: terem âmbito nacional; terem sido realizados no ano lectivo que antecede imediatamente o ano a que se refere a candidatura; referirem-se a disciplinas homólogas das provas de ingresso.

Ora, este artigo 20.º-A terá de ser classificado como norma especial, já que, seguindo a lição de DIAS MARQUES[49], mais não configura do que um desvio aos princípios gerais, complementando-os nos casos especiais que abarca, já que não se mostra oposto nem incompatível no confronto com esses mesmos princípios gerais[50].

Já no que concerne à classificação do artigo 8.º, alínea a), com referência ao artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º393-A/99, de 2 de Outubro, a solução terá que ser outra.

Na verdade, recuperando todos aqueles princípios que caracterizam o regime geral de acesso e ingresso no ensino superior, nomeadamente a democraticidade, equidade e igualdade de oportunidades e a objectividade dos critérios utilizados para a selecção e seriação dos candidatos, o aludido normativo, como, aliás todo o diploma que o contempla, afasta-os, decisivamente.

E afasta tais princípios, porque este regime prescinde das provas de ingresso ou, pelo menos, dos exames finais, bastando-se com a habilitação dos interessados com o curso de ensino secundário estrangeiro completado em país estrangeiro para que o acesso ao ensino superior se concretize.

Neste contexto, seguindo a lição de BAPTISTA MACHADO[51], parece- -nos que a norma sob apreciação representa um verdadeiro jus singulare, acolhendo um regime oposto ao regime-regra, por razões indissoluvelmente ligadas ao tipo de casos que contempla, limitando-se a uma parte restrita daquele sector de relações ou factos, consagrando neste sector restrito, por razões privativas dele, um regime oposto àquele regime-regra.

Sendo assim, a norma contemplada no artigo 8.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 393-A/99, de 2 de Outubro terá de ser classificada como norma excepcional, com a consequência legal que daí advém.


Tal consequência consubstancia-se no não comportar aplicação analógica, por força do disposto no artigo 11.º do Código Civil.


Aliás, “Esta proibição da aplicação analógica”, segundo a lição de DIAS MARQUES[52], “facilmente se compreende se tivermos em conta que a natureza da relação existente entre a norma excepção e a norma-regra, não é compatível com a existência de lacunas ou casos omissos. Uma vez que a norma excepção se traduz, como foi dito, em uma subtracção ao campo virtual de aplicação da norma-regra, daí resulta que esta possui vocação para alcançar todos os casos não abrangidos por aquela. Entre o espaço ocupado pela norma-excepção e o ocupado pela norma-regra não há lugar a qualquer brecha ou lacuna que necessite de colmatagem, pois a elasticidade própria da regra faz que o seu campo de aplicação vá exactamente até onde não chega a excepção. Ora, sendo assim, isto é, se o que não cabe na excepção há-de por força caber na regra, um caso omisso é, em tais circunstâncias, inconcebível.”



VII

1. Ultrapassada a questão da interpretação da norma, cuja ilegalidade delimita o objecto do presente parecer, é altura de retomar a análise do despacho em apreço.


2. Previamente, porém, é pertinente recordar que, como acto administrativo, o despacho governamental em apreço, ou é válido porque se encontra em conformidade com a ordem jurídica em que se integra ou é inválido porque a ofende.

Os vícios que o podem afectar são aqueles que podem inquinar o acto administrativo em geral.

Habitualmente, referem-se os cinco seguintes vícios, ou seja, as formas específicas que a ilegalidade do acto administrativo pode revestir[53]:

- Usurpação de poder;
- Desvio de poder;
- Vício de forma;
- Incompetência;
- Violação de lei.

In casu, no essencial, releva o vício de violação de lei, porque, conforme anteriormente expusemos, é o princípio da legalidade que está em causa.

3. Parece-nos evidente que o despacho que se aprecia, comporta duas vertentes: a primeira, dirigida à solução da situação individual e concreta, ao permitir à requerente o acesso ao ensino superior, ao abrigo do regime especial previsto no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 393-A/99, de 2 de Outubro; a segunda, dirigida aos serviços, ao mandar adoptar a mesma metodologia em casos similares.

A solução da situação individual e concreta corresponde à prática de um acto administrativo externo[54], já que os seus efeitos extravasam as relações interorgânicas e projectam-se no âmbito das relações intersubjectivas.

O despacho, nesta vertente, é inválido, por enfermar do vício de violação de lei, podendo ser revogado pela entidade que o proferiu, desde que se mostrem preenchidos os condicionalismos previstos no artigo 141.º do Código do Procedimento Administrativo, para além de poder ser impugnado contenciosamente.

Ademais, neste contexto, é de considerar o próprio princípio da imparcialidade, na medida em que comporta, entre os seus corolários, a proibição de favorecimentos, e uma vez que na situação concreta coabitam interesses próximos, já que é atinente a uma interessada familiar de um membro do Governo, que beneficia de uma interpretação que não cabe no corpo nem no espírito da lei, provindo o despacho em crise doutro membro desse mesmo Governo.

4. No que concerne ao segundo segmento do despacho (“concordo com a metodologia proposta que deve ser adoptada em casos similares”), estamos perante um acto interno de conteúdo normativo (uma ordem ou instrução de serviço), uma vez que os seus efeitos jurídicos se produzem no interior da pessoa colectiva cujo órgão o praticou[55], caracterizando-se, também, pela generalidade e abstracção.

Na verdade, segundo MARCELLO CAETANO[56], se os actos praticados pela Administração «se limitam (...), nos seus efeitos jurídicos, a tornar possível a prática de outro acto ou a conferir algum carácter ou valor novo a um acto existente, haverá actos internos, isto é, actos cujos efeitos se produzem apenas nas relações interorgânicas». E especifica: «É o caso, por exemplo, das ordens hierárquicas; das instruções e despachos interpretativos genéricos; das autorizações dadas por um órgão como condição de exercício da competência de outro órgão da mesma pessoa colectiva; e aos pareceres obrigatórios de um órgão consultivo, sem cuja emissão o órgão activo não pode decidir».

Ora, ainda segundo o mesmo Autor, “as ordens, as instruções, os despachos opinativos e todos os restantes actos internos, que não produzem quaisquer efeitos na esfera jurídica de pessoas estranhas a Administração, mas apenas nas relações interorgânicas, são irrecorríveis»x19.

Outros autores seguem esta linha conceptual quanto ao acto interno.

Assim, para MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, são internos «aqueles actos que produzem todos os seus efeitos no seio da instituição administrativa e não se projectam na esfera de outros sujeitos de direito», os quais, porque «não definem situações jurídicas da Administração e de particulares», «não se consideram definitivos para efeitos de recurso contencioso». Assim, são actos internos: as «ordens ou instruções de serviço dirigidas por órgãos superiores da hierarquia aos órgãos (ou aos seus titulares) colocados na sua dependência sobre a forma como devem actuar em casos concretos»; os «actos opinativos, através dos quais a Administração define, a propósito de um caso concreto, qual e a sua interpretação do direito ou dos factos»; os «pareceres dos órgãos consultivos e as informações dos serviços sobre um determinado caso concreto»x20.

Finalmente, DIOGO FREITAS DO AMARAL definiu actos internos como «aqueles cujos efeitos jurídicos se produzem no interior da pessoa colectiva cujo órgão os praticou», por contraponto com os actos externos, que serão «aqueles cujos efeitos jurídicos se projectam na esfera jurídica de outros sujeitos de direito diferentes daquele que praticou o acto»x21. E deu como exemplos de actos internos: «as ordens que um superior hierárquico da a um seu subalterno em matéria de serviço: as instruções e despachos interpretativos; as autorizações dadas pelo órgão de uma pessoa colectiva a outro órgão da mesma pessoa colectiva; o acto pelo qual um órgão manda promover a elaboração de um diploma legal, ou de um contrato, ou de um acto, ou de um plano, ou de um programa; o acto pelo qual um órgão colegial mandata o seu presidente para negociar com terceiros a obtenção de certos apoios financeiros; etc.» x22.

Revestindo, então, o segundo segmento do despacho em apreço a natureza de um acto interno, na medida em que constitui uma ordem ou instrução de serviço endereçada aos serviços do Ministério, é insusceptível, por si, de recurso contencioso, sem prejuízo, porém, de ser revogado pela própria Administração, já que padece, mesmo neste âmbito, do vício de violação de lei.




VIII

Em face do exposto formulam-se as seguintes conclusões:


1.ª- O acesso e ingresso no ensino superior caracteriza-se, nomeadamente, pela democraticidade, equidade e igualdade de oportunidades e pela objectividade dos critérios utilizados para a selecção e seriação dos candidatos e concretiza-se através de provas de ingresso que podem ser substituídas em casos especiais por exames finais;

2.ª- Com o Decreto-Lei n.º 393-A/99, de 2 de Outubro, o legislador regulou regimes de acesso e ingresso no ensino superior, que se caracterizam pela inexistência de provas de ingresso ou exames finais e se concretizam através do ingresso directo no ensino superior, no âmbito das vagas aprovadas, desde que preenchidos determinados requisitos;

3.ª- Podem beneficiar de condições especiais de acesso ao ensino superior os estudantes que se mostrem habilitados com curso de ensino secundário estrangeiro completado em país estrangeiro quando em missão diplomática ou acompanhando o familiar em missão e que constitua nesse país habilitação académica suficiente para ingresso no ensino superior oficial (artigos 3.º, alínea a) e 8.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 393-A/99, de 2 de Outubro;

4.ª - Não beneficia do regime de acesso e ingresso no ensino superior previsto na conclusão anterior, o estudante que tenha frequentado o curso de ensino secundário estrangeiro em país estrangeiro e o tenha completado em Portugal, mesmo que o familiar, diplomata, tenha regressado a Portugal para exercer funções governativas;

5.ª- O primeiro segmento do Despacho do Ministro da Ciência e do Ensino Superior de 1 de Agosto de 2003, na medida em que soluciona uma questão individual e concreta, reveste a natureza de acto externo, e enferma do vício de violação de lei, pelo que pode ser revogado pela entidade que o proferiu, desde que se mostrem preenchidos os condicionalismos previstos no artigo 141.º do Código do Procedimento Administrativo, para além de poder ser impugnado contenciosamente;

6.ª- O segundo segmento do mesmo despacho, na medida em que ordena aos serviços do Ministério que adoptem a mesma metodologia em casos similares, reveste a natureza de acto interno, pelo que é insusceptível, por si, de recurso contencioso, sem prejuízo de poder ser revogado pela entidade que o proferiu, já que padece, mesmo neste âmbito, do vício de violação da lei.








[1] Por ofício n.º 55.46/03.608, de 6 de Outubro de 2003, do Gabinete do Ministro da Ciência e do Ensino Superior, recebido na Procuradoria-Geral da República no dia 7 do mesmo mês e ano, seguido de imediata distribuição.
[2] Requerimento entrado no Ministério da Ciência e do Ensino Superior no dia 15 de Julho de 2003.
[3] Datado de 15 de Julho de 2003.
[4] Ofício n.º 2453, datado de 23 de Julho de 2003.
[5] Datado de 1 de Agosto de 2003.
[6] Ofício n.º 2571, de 8 de Agosto de 2003, cujo assunto era “Acesso ao ensino superior ­– 2003/ Regimes Especiais”.
[7] Naturalmente o Decreto-Lei n.º 393-A/99, de 2 de Outubro.
[8] Ofício datado de 5 de Maio de 2003, com o seguinte teor:
“O Decreto-Lei n.º 393-A/99, de 2 de Outubro, regula os regimes especiais de acesso ao ensino superior prevendo, no seu artigo 22.º, que o número de estudantes a admitir em cada par estabelecimento/curso para o conjunto dos regimes especiais não possa exceder 10% das vagas aprovadas para o concurso nacional.
Considerando que se torna necessário planificar e estabelecer regras de colocação para os estudantes que se integram nos Regimes Especiais, cumpre-me informar que para a candidatura de 2003, iremos aplicar a percentagem legalmente prevista (10%).
Caso não exista capacidade total de acolhimento para a percentagem prevista, em algum par estabelecimento/curso dos estabelecimentos de ensino superior integrados nessa Universidade, solicito e desde já agradeço a V. Ex.ª que esses elementos sejam comunicados a esta Direcção-Geral, até ao dia 20 de Maio.”
[9] Da Reitoria, datada de 27 de Maio de 2003, com o seguinte teor:
“Em resposta ao ofício n.º 1012-DAS/DCRE, de 5 de Maio p.p. sobre o assunto em título, comunico a V. Ex.ª que as Faculdades de Ciências e Tecnologia, Ciências Sociais e Humanas, Direito e Instituto Superior de Estatística e Gestão de Informação, concordam com a percentagem legalmente prevista (10%).
No que respeita à Faculdade de Ciências Médicas, apenas pode disponibilizar sete (7) vagas para os regimes em causa.
Quanto à Faculdade de Economia, a percentagem a considerar é de 5% das vagas aprovadas para o Concurso Nacional.
[10] Datada de 7 de Agosto de 2003.
[11] Proveniente de Lisboa e datado de 21 de Julho de 2003.
[12] Datado de 20 de Setembro de 2003 e sob o número 003028.
[13] Datado de 20 de Setembro de 2003 e sob o número 003027.
[14] Está em impresso datado de 26 de Setembro de 2003.
[15] Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, com as modificações introduzidas pelas Leis n.ºs 2/90, de 20 de Janeiro, 23/92, de 20 de Agosto, 10/94, de 5 de Maio, 33-A/96, de 26 de Agosto, 60/98, de 27 de Agosto (passando a denominar-se Estatuto do Ministério Público), rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 20/90, publicada no Diário da República, I Série-A, n.º 253, de 2 de Novembro de 1998, e 143/99, de 31 de Agosto.
[16] Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, página 373.
[17] Alterada pela Lei n.º 115/97, de 19 de Setembro.
[18] Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior.
[19] Para estes, entretanto, foi publicado o Decreto-Lei n.º 230/2001, de 24 de Agosto.
[20] Artigo 8.º, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n.º 393-A/99.
[21] Artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 393-A/99.
[22] Cfr. entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 29 de Maio de 2002, processo n.º 047521 e de 30 de Abril de 2003, processos n.ºs 046812 e 047777.
[23] FREITAS DO AMARAL, JOÃO CAUPERS, JOÃO MARTINS CLARO, PEDRO SIZA VIEIRA e VASCO PEREIRA DA SILVA, in Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3.ª edição, pág. 40.
Em sentido idêntico, pode ver-se o Autor citado em primeiro lugar, in Curso de Direito Administrativo, volume II, pág. 42.
[24] FREITAS do AMARAL, Curso de Direito Administrativo, volume II, págs. 42-43.
Em sentido idêntico, podem ver-se:
MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições de Direito Administrativo, volume II, 1999, volume I, página 84, que refere:
“Com o estado post-liberal, em qualquer das suas três modalidades, a legalidade passa de externa a interna.
A Constituição e a lei deixam de ser apenas limites à actividade administrativa, para passarem a ser fundamento dessa actividade.
Deixa de valer a lógica da liberdade ou da autonomia, da qual gozam os privados, que podem fazer tudo o que a Constituição e a lei não proíbem, para se afirmar a primazia da competência, a Administração Pública só pode fazer valer o que lhe é permitido pela Constituição e a lei, e nos exactos termos em que elas o permitem.”
ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA, Código do Procedimento Administrativo Anotado, página 56:
“Ora, este princípio não admite, contrariamente ao que sucede com os particulares, que seja possível à Administração tudo o que a lei não proíbe, antes impõe que apenas lhe seja possível aquilo que positivamente lhe seja permitido.”
[25] MARCELO REBELO DE SOUSA, ob. cit., página 86.
[26] Ibidem, página 83, onde se refere que Administração agressiva é aquela que abrange “...a sua actividade de regulação, de polícia e de repressão, incidindo nos direitos, liberdades e garantias – ou seja, nos direitos de liberdade – dos cidadãos. Impondo-lhes sacrifícios, ablações ou agredindo-os.”, e Administração constitutiva é aquela “...que se traduz na produção de bens e na prestação de serviços destinados uns e outros, a satisfazer necessidades colectivas a cargo da colectividade, ou seja, a permitir o exercício de direitos económicos, sociais e culturais dos cidadãos.
[27] Parecer n.º 8/96, de 20 Março de 1996, homologado e publicado no Diário da República, II Série, de 26 de Setembro de 1996.
x1 J.J. CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1993, páginas 922 a 925, e Parecer deste Conselho Consultivo n.º 1/94, de 24 de Março de 1994.
[28] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 9 de Julho de 1997, processo n.º 038538, 2.ª Secção.
[29] Cfr. Os Pareceres n.ºs 95/2002, Diário da República, II Série, de 18 de Dezembro de 2002 e 26/2003, de 15 de Maio de 2003, inédito, que acompanharemos de perto.
x2 Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, “A Imparcialidade da Administração como princípio Constitucional,” Separata do vol. XLIX 1974, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1975, p. 11. Sobre o princípio, cfr. ainda FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Almedina, Coimbra, 2001, vol. II, pp. 139 ss.; SÉRVULO CORREIA, Noções de Direito Administrativo, Danúbio, Lisboa, 1981, vol. I, PP. 251 ss.; MASSIMO GIANNINI, Diritto Amministrativo, 3.ª ed., Giuffrè Editore, Milão, 1993, vol. I, pp. 90 ss.; TERESA DE MELO RIBEIRO, O princípio da Imparcialidade da Administração Pública, Almedina, Coimbra, 1996, pp. 210 ss.; DAVID DUARTE, Procedimentalização, Participação e Fundamentação: Para uma Concretização do Princípio da Imparcialidade Administrativa como Parâmetro Decisório, Almedina, Coimbra, 1996, pp. 295 ss. Ver também o Parecer n.º 11/96, de 20 de Novembro de 1997. Quanto ao relevo e alcance do princípio no domínio da contratação pública, cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA, O Concurso Público na Formação do Contrato Administrativo, Lex, Lisboa, 1994, pp. 59 ss.; MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Concursos e Outros Procedimentos de Adjudicação Administrativa, Almedina, Coimbra, 1998, pp. 121 ss.; MARGARIDA OLAZABAL CABRAL, O Concurso Público nos Contratos Administrativos, Almedina, Coimbra, 1997, pp. 82 ss. e os Pareceres n.ºs 95/2002 e 152/2002, de 6 de Janeiro de 2003, Diário da República, II Serie, de 14 de Fevereiro de 2003.
x3 Cfr. ibidem, pp. 21/22. Para ALDO SANDULLI, serão ilegítimos, por violação do princípio da imparcialidade, “os actos da Administração que não obedeçam a uma ponderação dos diversos interesses públicos implicados e não tenham em conta os interesses privados em jogo” (cfr. Manuale di Diritto Amministrativo, XV Ed., Jovene Editore, Nápoles, 1989, pp. 587/88). No sentido de o princípio exigir da Administração a ponderação dos vários interesses públicos e privados em jogo, cfr. GIANNINI, ob. cit., pp. 89 ss.
x4 Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA, ob. cit., p. 59. No mesmo sentido, cfr. VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., p. 16, e o Parecer n.º 40/99, de 9 de Março de 2000, Diário da República, II Série, de 25 de Outubro de 2000.
x5 Ob. cit. p. 141.
x6 Cfr. DAVID DUARTE, ob. cit., pp. 300 ss.
[30] Cfr. ofício transcrito na página 3 e referenciado na nota n.º 4.
[31] J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., página 544.
[32] Sem pretensões de exaustão, referiremos os seguintes diplomas: (a) - Decreto-Lei n.º 467/79, de 7 de Dezembro, que estabelece garantias quanto ao reassumir das funções profissionais por quem seja chamado ao exercício de funções governamentais; (b) - Decreto-Lei n.º 727/80, 15 de Abril, que determina que aos membros do Governo que, ao serem nomeados, não tenham residência permanente na cidade de Lisboa ou numa área circundante de 100 quilómetros, poderá ser concedida habitação por conta do Estado ou atribuído um subsídio de alojamento, a partir da data da tomada de posse; (c) - Decreto-Lei n.º 148/2000, de 19 de Julho, que fixa o regime de pagamento de custas e de patrocínio judiciário dos membros do Governo e dos altos dirigentes da administração Pública, quando demandados em virtude do exercício das suas funções, estabelecendo a dispensa total de custas e assegurando a nomeação, os honorários e despesas do patrono.
[33] De entre a extensa doutrina relativa à interpretação da lei elencamos a seguinte, mais impressiva: MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE/FRANCISCO FERRARA, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis / Interpretação e aplicação das Leis, 3.ª edição, Arménio Amado - editor, sucessor, Coimbra, 1978; JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 6.ª edição revista, Almedina, Coimbra, 1991, páginas 410 e segs.; BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, páginas 181 e segs.
[34] Entre muitos outros, elencamos os seguintes: Parecer n.º 328/2000, de 16 de Agosto de 2000; Parecer n.º 44/98, de 24 de Setembro de 1998; Parecer n.º 95/2002, de 24 de Outubro de 2002.
[35] Parecer n.º 95/2002, de 24 de Outubro de 2002, ainda inédito.
x7 A questão de interpretação tem ocupado com frequência a atenção deste Conselho. Cfr., entre outros, o Parecer n.º 328/2000, que refere variados pareceres anteriores sobre a matéria.
x8 Cfr. Parecer n.º 61/91, de 14 de Maio de 1992, (Diário da República, II Série, n.º 274, de 26 de Novembro de 1992) e Parecer n.º 62/97, de 26 de Fevereiro de 1998 (Diário da República, II Série, n.º 193, de 31 de Julho de 1998). Sobre a interpretação da lei, cfr., entre outros, os Pareceres n.ºs 66/95, de 20 de Março de 1996, n.º 8/98, de 7 de Outubro de 1998 (Diário da República, II Série, n.º 64, de 17 de Março de 1999), 70/90, de 27 de Janeiro de 2000, (Diário da República, II Série, n.º 115, de 18 de Maio de 2000), 328/2000, de 16 de Agosto, 36/2002, de 2 de Maio, e 326/2000, de 29 de Maio de 2002.
x9 Cfr. FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, 4.ª edição, Arménio Amado, Coimbra, 1989, traduzido por MANUEL DE ANDRADE, p. 128.
x10 Cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1987, 2.ª reimpressão, página 182, e OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 4.ª edição, 1987, páginas 345 ss.
x11 Cfr. os Pareceres deste Conselho n.ºs 62/97 e 19/2002.
[36] Cfr. “completar”, in Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Instituto ANTÓNIO HOUAISS de Lexicografia Portugal, Círculo de Leitores, Lisboa, 2002, tomo II, significa “acrescentar (algo) o que lhe falta para o tornar completo ou perfeito”, “levar (algo) a uma conclusão”, “concluir”, etc.
No Dicionário de Sinónimos, da Porto Editora, Porto, 1995, 2.ª edição revista e ampliada, “completar” significa “acabar”, “ajustar”, “aperfeiçoar”, “aprontar”, “colmar”, “complementar”, “concluir”, “consumar”, “encher”, “fazer”, “inteirar”, “perfazer”, “preencher”, “rematar”, “terminar”, “ultimar”.
[37] Cfr. “frequentar”, in Dicionário HOUAISS, supra referenciado, tomo IV, significa, no que ora releva, “cursar”, “estudar”, “seguir (colégio, curso, aula, etc.)”.
Por sua vez, no Dicionário de Sinónimos também supra referenciado, “frequentar” significa “acotiar”, “comunicar”, “concorrer”, “continuar”, “conversar”, “estudar”, “investigar”, “observar”, “reiterar”, “seguir”, “visitar”.
[38] Cfr. Introdução ao Pensamento Jurídico, Fundação Calouste Gulbenkian, 6.ª edição, páginas 137 e 138.
[39] Cfr., nesse sentido, os artigos 10.º e 16.º do Decreto-Lei n.º 393-A/99, 2 de Outubro.
[40] Esta Portaria foi alterada pelas Portarias n.º 525-B/96, de 30 de Setembro e n.º 371/98, de 29 de Junho, porém sem qualquer relevância para a questão que é objecto do presente parecer.
[41] Cfr. ofício referenciado na nota de rodapé n.º 6.
[42] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Noções Fundamentais de Direito Civil, Coimbra Editora, 1973, 6.ª edição revista e ampliada, volume I, página 76.
[43] Ibidem.
[44] Ibidem, página 79.
[45] De 5 de Dezembro de 1991, publicado no Diário da República, II Série, de 14 de Maio de 1992.
x12 As opiniões referidas no texto constam sucessivamente das seguintes obras: Os Princípios Fundamentais de Direito Civil, vol. I, 1.ª parte (Teoria Geral do Direito Civil), Coimbra, 1929, págs. 150 e segs.; Lições de Direito Civil (Parte Geral), vol. I, Coimbra, 1959, págs. 42 e segs.; Das Leis, sua interpretação e aplicação (segundo o Código Civil de 1966), 1967, pág. 45; e Noções Fundamentais de Direito Civil, vol. I, Coimbra, 1965, págs. 76 e segs.
[46] De 15 de Maio de 2003, ainda inédito.
x13 DIAS MARQUES, Introdução ao Estudo do Direito, volume I, 2.ª edição, páginas 315 a 321.
x14 Ibidem.
x15 Ibidem.
x16 SÉRVULO CORREIA, A arbitragem voluntária no Domínio dos Contratos Administrativos, Estudos em Memória do professor Doutor JOÃO CASTRO MENDES, sem data (1995), pp. 240-241, citando BYDLNSKI, Juristische Methodenlehe und Rhtsbegriff, Viena-Nova Iorque, 1982, p. 465, OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 1987, p. 486, e SANTIAGO NINO, Introduccion al Análisis del Derecho, Barcelona, pp. 272-278.
x17 BAPTISTA MACHADO, obra citada, páginas 94 e 95.
x18 Ibidem.
[47] Cfr. artigo 12.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), b), c) e e), da Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, com as alterações resultantes da Lei n.º 115/97, de 19 de Setembro.
[48] Cfr. artigos 7.º, 16.º e 17.º do Decreto-Lei n.º 26/2003, de 7 de Fevereiro, que alterou o regime de acesso e ingresso no ensino superior, regulado pelo Decreto-Lei n.º 296-A/98, de 25 de Setembro.
[49] DIAS MARQUES, Introdução ao Estudo do Direito, volume I, 2.ª edição, páginas 315 a 321.
[50] JOSÉ TAVARES, Os Princípios Fundamentais de Direito Civil, vol. I, 1.ª parte (Teoria Geral do Direito Civil), Coimbra, 1929, págs. 150 e segs.
[51] Cfr. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, páginas 94 e 95; Cfr. Nota X13.
[52] Cfr. Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa, 1979, página 216.
[53] Cfr. FREITAS DO AMARAL, com a colaboração de LINO TORGAL, Curso de Direito Administrativo, páginas 382 a 396.
[54] Sobre relações jurídicas administrativas externas, cfr. FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Almedina, Coimbra, 2001, volume II, páginas 225 a 228 e VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, Almedina, 2.ª edição, páginas 70 e 71.
[55] Cfr. Neste sentido, MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, tomo I, página 442 e FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo
[56] Nesta parte seguiremos de perto o Parecer n.º 76/2002, de 10 de Julho de 2003, inédito, Cfr. Manual de Direito Administrativo, Tomo II, página 1332.
x19 Cfr. Manual..., pág.1332.
x20 Cfr. Direito Administrativo, Volume I, Livraria Almedina, Coimbra, pp. 413 a 414.
x21 Direito Administrativo, Vol. III, ed. polic., Lisboa, 1989, p. 152.
x22 Ob. Cit., p. 153.