Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002973
Parecer: P000302008
Nº do Documento: PGRP24032011003000
Descritores: FORÇAS ARMADAS
MANIFESTAÇÕES DE NATUREZA SINDICAL
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
DIREITO DE REUNIÃO
DIREITO DE MANIFESTAÇÃO
LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO
ASSOCIAÇÃO PROFISSIONAL DE MILITARES
NEGOCIAÇÃO COLECTIVA
ISENÇÃO PARTIDÁRIA
RESTRIÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
PRINCÍPIO DA NECESSIDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Livro: 00
Numero Oficio: 1410/CG
Data Oficio: 03/10/2008
Pedido: 03/11/2008
Data de Distribuição: 03/17/2008
Relator: MANUELA FLORES
Sessões: 01
Data da Votação: 03/24/2011
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: MDN
Entidades do Departamento 1: MINISTRO DA DEFESA NACIONAL
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 06/14/2011
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 28-07-2011
Nº do Jornal Oficial: 144
Nº da Página do Jornal Oficial: 31313
Indicação 2: ASSESSOR: ISABEL CAPELA
Área Temática:DIR ADM
Ref. Pareceres:P000832005Parecer: P000832005
P000311990Parecer: P000311990
P000791992Parecer: P000791992
P000741995Parecer: P000741995
Legislação:L 29/82 DE 1982/12/11 ART31-C; L 41/83 DE 1983/12/21; L 111/91 DE 1991/08/29; L 113/91 DE 1991/08/29; L 18/95 DE 1995/07/13; LORG 3/99 DE 1999/09/18; LORG 4/2001 DE 2001/08/30; LORG 2/2007 DE 2007/04/16; LORG 1-B/2009 DE 2009/07/07; CRP ART45, ART55, ART57, ART270, ART275 N4; DL 406/74 DE 1974/08/29 ART1, ART2; L 7/2009 DE 2009/02/12 ART440 N1, ART443 N1, ART486 E SEGS; L 105/2009 DE 2009/09/14; LORG 3/2001 DE 2001/08/29; L 23/98 DE 1998/05/29; L 59/2008 DE 2008/09/11
Direito Comunitário:
Direito Internacional:Convenção Europeia dos Direitos do Homem art11; Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos art21
Direito Estrangeiro:Code de la défense artL4121-3 artL4121-4; Contituição Espanhola art28.1, art29.1, art70.1; Ley 85/78 de 1978/12/28; ley 39/2007 de 2007/11/19 art180, art182; Ley Orgânica 13/91 de 1991/12/20 art43, art49
Jurisprudência:AC TC 103/87 DE 1987/03/24; AC TC 221/90 DE 1990/06/20
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1.ª – Os militares em efectividade de serviço têm o direito de constituir ou integrar associações profissionais de representação institucional dos seus associados com carácter assistencial, deontológico ou sócio-profissional (artigos 1.º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 3/2001, de 29 de Agosto, e 31.º da Lei Orgânica n.º 1-B/2009, de 7 de Julho);

2.ª – Tais associações têm, designadamente, o direito de ser ouvidas, de promover actividades, de editar publicações, de realizar reuniões e de exprimir opinião sobre questões do estatuto profissional, remuneratório e social dos seus associados (artigo 2.º da Lei Orgânica n.º 3/2001);

3.ª – Não lhes assistem, porém, os direitos especificamente atribuídos por lei às associações sindicais para defesa e promoção dos interesses sócio-profissionais dos seus associados – tais como os atinentes a salários, sistemas de saúde, reforma ou similares – , em especial o direito de negociação colectiva;

4.ª – Os militares em efectividade de serviço não podem participar em manifestações com natureza sindical (artigo 31.º-C da Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro, na redacção dada pela Lei Orgânica n.º 4/2001, de 30 de Agosto, e, actualmente, artigo 30.º da Lei Orgânica n.º 1-B/2009, de 7 de Julho);

5.ª – Uma manifestação de militares que tenha por finalidade efectuar reivindicações em matéria de estatuto sócio-profissional, como forma de pressionar os órgãos do poder legislativo e/ou executivo e de exigir que estes as negoceiem e aceitem, ultrapassa o âmbito dos direitos referidos na conclusão 2.º, assumindo, pelos objectivos que prossegue, natureza materialmente sindical.

Texto Integral:



Senhor Ministro da Defesa Nacional,
Excelência:



I


Dignou-se o antecessor de Vossa Excelência solicitar parecer a este Conselho Consultivo acerca do sentido da expressão «natureza sindical» contida no artigo 31.º-C da Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro, na redacção dada pela Lei Orgânica n.º 4/2001, de 30 de Agosto, na sequência, aliás, de proposta do Auditor Jurídico.

Cumpre, assim, emitir parecer.

II

O objecto da consulta é a análise da expressão «natureza sindical» referida na citada redacção do artigo 31.º-C da Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro[1] – Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas (LDNFA).
É certo que, entretanto, a Lei n.º 29/82 foi revogada pela Lei Orgânica n.º 1-B/2009, de 7 de Julho[2], mas esta, como se verá a seguir com mais detalhe, apresenta uma norma semelhante – o artigo 30.º, com a epígrafe “Direito de manifestação”.

Mantém, portanto, acuidade a problemática suscitada que se prende com a matéria das restrições ao exercício de direitos fundamentais por militares.

Comecemos, então, por fazer a abordagem do normativo atinente.

A Lei n.º 29/82 consagrou no artigo 30.º, sob a epígrafe “Isenção política”, que as Forças Armadas estão ao serviço do povo português e são rigorosamente apartidárias (n.º 1) e que os elementos das Forças Armadas não podem aproveitar-se da sua arma, do seu posto ou da sua função para qualquer intervenção política (n.º 2).

Na redacção originária, o seu artigo 31.º estabelecia:
«ARTIGO 31.º
(Restrições ao exercício de direitos por militares)

1 – O exercício dos direitos de expressão, reunião, manifestação, associação e petição colectiva e a capacidade eleitoral passiva dos militares e agentes militarizados dos quadros permanentes e contratados em serviço efectivo será objecto das restrições constantes dos números seguintes.
2 – Os cidadãos referidos no n.º 1 não podem fazer declarações públicas de carácter político ou quaisquer outras que ponham em risco a coesão e a disciplina das Forças Armadas ou desrespeitem o dever de isenção política e apartidarismo dos seus elementos.
3 – Os cidadãos referidos no n.º 1 não podem, sem autorização superior, fazer declarações públicas que abordem assuntos respeitantes às Forças Armadas, excepto se se tratar de artigos de natureza exclusivamente técnica inseridos em publicações editadas pelas Forças Armadas e da autoria de militares que desempenhem funções permanentes na respectiva direcção ou redacção.
4 – Os cidadãos referidos no n.º 1 não podem convocar ou participar em qualquer reunião de carácter político, partidário ou sindical, excepto se trajarem civilmente e sem usar da palavra nem fazer parte da mesa ou exercer qualquer outra função.
5 – Os cidadãos referidos no n.º 1 não podem convocar ou participar em qualquer manifestação de carácter político, partidário ou sindical.
6 – Os cidadãos referidos no n.º 1 não podem ser filiados em associações de natureza política, partidária ou sindical, nem participar em quaisquer actividades por elas desenvolvidas, com excepção da filiação em associações profissionais com competência deontológica e no âmbito exclusivo dessa competência.
7 – O disposto nos n.os 4, 5 e 6 deste artigo não é aplicável à participação em cerimónias oficiais, nem em conferências ou debates promovidos por institutos ou associações sem natureza de partido político.
8 – Os cidadãos referidos no n.º 1 não podem promover ou apresentar petições colectivas dirigidas aos órgãos de soberania ou aos respectivos superiores hierárquicos sobre assuntos de carácter político ou respeitantes às Forças Armadas.
9 – Os cidadãos referidos no n.º 1 são inelegíveis para a Presidência da República, para a Assembleia da República, para as Assembleias Regionais dos Açores e da Madeira, para a Assembleia Legislativa de Macau e para as assembleias e órgãos executivos das autarquias locais e das organizações populares de base territorial.
10 – Não pode ser recusado, em tempo de paz, o pedido de passagem à reserva apresentado com o fim de possibilitar a candidatura a eleições para qualquer dos cargos referidos no número anterior.
11 – Aos cidadãos mencionados no n.º 1 não são aplicáveis as normas constitucionais referentes aos direitos dos trabalhadores.
12 – Os cidadãos que se encontrem a prestar serviço militar obrigatório ficam sujeitos ao dever de isenção política, partidária e sindical.»

Aqui, de acordo com o n.º 5, os militares não podiam convocar ou participar em qualquer manifestação de carácter político, partidário ou sindical.

Porém, a supra referida Lei Orgânica n.º 4/2001 alterou aquele artigo 31.º e aditou os artigos 31.º-A, 31.º-B, 31.º-C, 31.º-D, 31.º-E e 31.º-F, nos termos seguintes:
«Artigo 31.º
Exercício de direitos fundamentais
1 – Os militares em efectividade de serviço dos quadros permanentes e em regime de voluntariado e de contrato gozam dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente estabelecidos, mas o exercício dos direitos de expressão, reunião, manifestação, associação e petição colectiva e a capacidade eleitoral passiva ficam sujeitos ao regime previsto nos artigos 31.º-A a 31.º-F da presente lei, nos termos da Constituição.
2 – Os militares em efectividade de serviço são rigorosamente apartidários e não podem aproveitar-se da sua arma, do seu posto ou da sua função para qualquer intervenção política, partidária ou sindical, nisto consistindo o seu dever de isenção.
3 – Aos cidadãos mencionados no n.º 1 não são aplicáveis as normas constitucionais referentes aos direitos dos trabalhadores cujo exercício tenha como pressuposto os direitos restringidos nos artigos seguintes, designadamente a liberdade sindical, nas suas diferentes manifestações e desenvolvimentos, o direito à criação de comissões de trabalhadores, também com os respectivos desenvolvimentos, e o direito à greve.
4 – No exercício dos respectivos direitos os militares estão sujeitos às obrigações decorrentes do estatuto da condição militar e devem observar uma conduta conforme a ética militar e respeitar a coesão e a disciplina das Forças Armadas.»
«Artigo 31.º-A
Liberdade de expressão

1 – Os cidadãos referidos no artigo 31.º têm o direito de proferir declarações públicas sobre qualquer assunto, com a reserva própria do estatuto da condição militar, desde que as mesmas não incidam sobre a condução da política de defesa nacional, não ponham em risco a coesão e a disciplina das Forças Armadas nem desrespeitem o dever de isenção política e sindical ou o apartidarismo dos seus elementos.
2 – Os cidadãos referidos no artigo 31.º estão sujeitos a dever de sigilo relativamente às matérias cobertas pelo segredo de justiça ou pelo segredo de Estado e, ainda, por quaisquer outros sistemas de classificação de matérias, e, ainda, quanto aos factos de que se tenha conhecimento, em virtude do exercício da função, nomeadamente os referentes ao dispositivo, à capacidade militar, ao equipamento e à actividade operacional das Forças Armadas, bem como os elementos constantes de centros de dados e demais registos sobre o pessoal que não devam ser do conhecimento público.
Artigo 31.º-B
Direito de reunião
1 – Os cidadãos referidos no artigo 31.º podem, desde que trajem civilmente e sem ostentação de qualquer símbolo das Forças Armadas, convocar ou participar em qualquer reunião legalmente convocada que não tenha natureza político-‑partidária ou sindical.
2 – Os cidadãos referidos no artigo 31.º podem, contudo, assistir a reuniões, legalmente convocadas, com esta última natureza se não usarem da palavra nem exercerem qualquer função no âmbito da preparação, organização, direcção ou condução dos trabalhos ou na execução das deliberações tomadas.
3 – O exercício do direito de reunião não pode prejudicar o serviço normalmente atribuído ao militar, nem a permanente disponibilidade deste para o mesmo, nem ser exercido dentro das unidades, estabelecimentos e órgãos militares.
Artigo 31.º-C
Direito de manifestação

Os cidadãos referidos no artigo 31.º, desde que estejam desarmados e trajem civilmente sem ostentação de qualquer símbolo nacional ou das Forças Armadas, têm o direito de participar em qualquer manifestação legalmente convocada que não tenha natureza político-partidária ou sindical, desde que não sejam postas em risco a coesão e a disciplina das Forças Armadas.
Artigo 31.º-D
Liberdade de associação

1 – Os cidadãos referidos no artigo 31.º têm o direito de constituir qualquer associação, nomeadamente associações profissionais, excepto se as mesmas tiverem natureza política, partidária ou sindical.
2 – O exercício do direito de associação profissional é regulado em lei própria.
Artigo 31.º-E
Direito de petição colectiva

Os cidadãos referidos no artigo 31.º têm o direito de promover ou apresentar petições colectivas dirigidas aos órgãos de soberania ou a quaisquer outras autoridades, desde que as mesmas não incidam sobre a condução da política de defesa nacional, não ponham em risco a coesão e a disciplina das Forças Armadas nem desrespeitem o dever de isenção política e sindical ou o apartidarismo dos seus elementos.
Artigo 31.º-F
Capacidade eleitoral passiva

1 – Os cidadãos referidos no artigo 31.º que, em tempo de paz, pretendam concorrer a eleições para os órgãos de soberania, de governo próprio das Regiões Autónomas e do poder local, bem como para deputado ao Parlamento Europeu, devem, previamente à apresentação da candidatura, requerer a concessão de uma licença especial, declarando a sua vontade de ser candidato não inscrito em qualquer partido político.
2 – O requerimento é dirigido ao chefe de estado-maior do ramo a que o requerente pertencer, sendo necessariamente deferido, no prazo de 10 ou 25 dias úteis, consoante o requerente preste serviço em território nacional ou no estrangeiro, com efeitos a partir da publicação da data do acto eleitoral respectivo.
3 – O tempo de exercício dos mandatos electivos referidos no n.º 1 conta como tempo de permanência no posto e como tempo de serviço efectivo para efeitos de antiguidade, devendo os ramos das Forças Armadas facultar aos militares as condições especiais de promoção quando cessem a respectiva licença especial, sendo os demais efeitos desta regulados por decreto-lei.
4 – A licença especial cessa, determinando o regresso à efectividade de serviço, quando do apuramento definitivo dos resultados eleitorais resultar que o candidato não foi eleito.
5 – No caso de eleição, a licença especial cessa, determinando o regresso à efectividade de serviço, nos seguintes casos:

a) Renúncia ao exercício do mandato;
b) Suspensão por período superior a 90 dias;
c) Após a entrada em vigor da declaração de guerra, do estado de sítio ou do estado de emergência, salvo quanto aos órgãos de soberania e ao Parlamento Europeu;
d) Termo do mandato.

6 – Nas situações em que o militar eleito exerça o mandato em regime de permanência e a tempo inteiro, pode requerer, no prazo de 30 dias, a transição voluntária para a situação de reserva, a qual é obrigatoriamente deferida com efeitos a partir da data do início daquelas funções.
7 – No caso de exercício da opção referida no número anterior, e não estando preenchidas as condições de passagem à reserva, o militar fica obrigado a indemnizar o Estado, nos termos do Estatuto dos Militares das Forças Armadas.
8 – Determina a transição para a situação de reserva a eleição de um militar para um segundo mandato, com efeitos a partir da data de início do respectivo exercício.
9 – Salvo o caso previsto na alínea c) no n.º 5, os militares que se encontrem na reserva fora da efectividade de serviço e que exerçam algum dos mandatos electivos referidos no n.º 1 não podem, enquanto durar o exercício do mandato, ser chamados à prestação de serviço efectivo.
10 – Transita para a reserva o militar eleito Presidente da República, salvo se, no momento da eleição, já se encontrasse nessa situação ou na reforma.»

O artigo 31.º-C da LDNFA referente ao direito de manifestação apresenta-se formulado pela positiva, ao invés do preceito inicial (n.º 5 do artigo 31.º) que se encontrava formulado pela negativa, e indica as condições de participação de militares numa manifestação.

Trata-se de uma regulação do exercício do direito de manifestação por militares mais pormenorizada e mais restritiva do que a constante do texto originário.

Idêntico modelo segue, como já se disse, o artigo 30.º da Lei Orgânica n.º 1-B/2009, apesar das diferenças de texto, estabelecendo que:
«Artigo 30.º
Direito de manifestação

Os militares em efectividade de serviço podem participar em manifestações legalmente convocadas sem natureza político-‑partidária ou sindical, desde que estejam desarmados, trajem civilmente e não ostentem qualquer símbolo nacional ou das Forças Armadas e desde que a sua participação não ponha em risco a coesão e a disciplina das Forças Armadas.»

A referência à “natureza sindical” encontramos também em preceitos relativos ao exercício de outros direitos fundamentais.

E completando o quadro normativo relativo aos direitos fundamentais, temos, desde logo, os artigos 26.º e 27.º, com o seguinte teor:
«Artigo 26.º
Direitos fundamentais

Os militares em efectividade de serviço, dos quadros permanentes e em regime de voluntariado e de contrato, gozam dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente previstos, com as restrições ao exercício dos direitos de expressão, reunião, manifestação, associação e petição colectiva e a capacidade eleitoral passiva constantes da presente lei, nos termos da Constituição.
Artigo 27.º
Regras gerais sobre o exercício de direitos
1 – No exercício dos seus direitos, os militares em efectividade de serviço estão sujeitos aos deveres decorrentes do estatuto da condição militar, devendo observar uma conduta conforme com a ética militar e respeitar a coesão e a disciplina das Forças Armadas.
2 – Os militares em efectividade de serviço são rigorosamente apartidários e não podem usar a sua arma, o seu posto ou a sua função para qualquer intervenção política, partidária ou sindical, nisto consistindo o seu dever de isenção.
3 – Aos militares em efectividade de serviço não são aplicáveis as normas constitucionais relativas aos direitos dos trabalhadores cujo exercício pressuponha os direitos fundamentais a que se referem os artigos seguintes, na medida em que por eles sejam restringidos, nomeadamente a liberdade sindical, o direito à criação e integração de comissões de trabalhadores e o direito à greve.»

Mas importará ainda atentar nos outros preceitos que se referem às restrições do exercício de direitos fundamentais por militares, assim:
«Artigo 28.º
Liberdade de expressão
1 – Os militares em efectividade de serviço têm o direito de proferir declarações públicas sobre qualquer assunto, com a reserva própria do estatuto da condição militar, desde que aquelas não ponham em risco a coesão e a disciplina das Forças Armadas, nem o dever de isenção política, partidária e sindical dos seus membros.
2 – Os militares em efectividade de serviço estão sujeitos a dever de sigilo relativamente às matérias cobertas pelo segredo de justiça ou pelo segredo de Estado e por outros sistemas de classificação, aos factos referentes ao dispositivo, à capacidade militar, ao equipamento e à acção operacional das Forças Armadas de que tenham conhecimento em virtude do exercício das suas funções, bem como aos elementos constantes de centros de dados e registos de pessoal que não possam ser divulgados.»
«Artigo 29.º
Direito de reunião

1 – Os militares em efectividade de serviço podem, desde que trajem civilmente e não ostentem qualquer símbolo nacional ou das Forças Armadas, convocar ou participar em reuniões legalmente convocadas sem natureza político-‑partidária ou sindical.
2 – Os militares em efectividade de serviço podem assistir a reuniões político-partidárias e sindicais legalmente convocadas se não usarem da palavra nem exercerem qualquer função na sua preparação, organização ou condução ou na execução das deliberações tomadas.
3 – O direito de reunião não pode ser exercido dentro das unidades e estabelecimentos militares nem de modo que prejudique o serviço normalmente atribuído ao militar ou a permanente disponibilidade deste para o seu cumprimento.»
«Artigo 31.º
Liberdade de associação
1 – Os militares em efectividade de serviço têm o direito de constituir ou integrar associações sem natureza política, partidária ou sindical, nomeadamente associações profissionais.
2 – O exercício do direito de associação profissional dos militares é regulado por lei própria.
Artigo 32.º
Direito de petição colectiva

Os militares em efectividade de serviço têm o direito de promover ou apresentar petições colectivas dirigidas aos órgãos de soberania ou a outras autoridades, desde que as mesmas não ponham em risco a coesão e a disciplina das Forças Armadas, nem o dever de isenção política, partidária e sindical dos seus membros.
Artigo 33.º
Capacidade eleitoral passiva

1 – Em tempo de guerra, os militares em efectividade de serviço não podem concorrer a eleições para os órgãos de soberania, de governo próprio das Regiões Autónomas e do poder local, ou para o Parlamento Europeu.
2 – Em tempo de paz, os militares em efectividade de serviço podem candidatar-se aos órgãos referidos no número anterior mediante licença especial a conceder pelo Chefe do Estado-Maior do ramo a que pertençam.
3 – O requerimento para emissão da licença especial deve mencionar a vontade do requerente em ser candidato não inscrito em qualquer partido político e indicar a eleição a que pretende concorrer.
4 – A licença especial é necessariamente concedida no prazo de 10 ou 25 dias úteis, consoante o requerente prestar serviço em território nacional ou no estrangeiro, e produz efeitos a partir da publicação da data do acto eleitoral em causa.
5 – O tempo de exercício dos mandatos para que o militar seja eleito nos termos dos números anteriores conta como tempo de permanência no posto e como tempo de serviço efectivo para efeitos de antiguidade.
6 – A licença especial caduca, determinando o regresso do militar à efectividade de serviço, quando:

a) Do apuramento definitivo dos resultados eleitorais resultar que o candidato não foi eleito;
b) Quando, tendo sido o candidato eleito, o seu mandato se extinga por qualquer forma ou esteja suspenso por período superior a 90 dias;
c) Com a declaração de guerra, do estado de sítio e do estado de emergência.

7 – Os militares na situação de reserva fora da efectividade de serviço que sejam titulares de um dos órgãos referidos no n.º 1, excepto dos órgãos de soberania ou do Parlamento Europeu, só podem ser chamados à efectividade de serviço em caso de declaração de guerra, do estado de sítio ou do estado de emergência, que determinam a suspensão do respectivo mandato.
8 – Nas situações em que o militar eleito exerça o mandato em regime de permanência e a tempo inteiro, pode requerer, no prazo de 30 dias, a transição voluntária para a situação de reserva, a qual é obrigatoriamente deferida com efeitos a partir da data do início daquelas funções.
9 – No caso de exercício da opção referida no número anterior, e não estando preenchidas as condições de passagem à reserva, o militar fica obrigado a indemnizar o Estado, nos termos do Estatuto dos Militares das Forças Armadas.
10 – Determina a transição para a situação de reserva a eleição de um militar para um segundo mandato, com efeitos a partir da data de início do respectivo exercício.»

III


Feito este traçado normativo, impõe-se a apresentação do contexto constitucional.

1. O elenco constitucional de direitos fundamentais permite considerar Portugal como um Estado de direitos fundamentais[3].

E justamente os direitos de reunião e de manifestação encontram-se consagrados como direitos fundamentais no artigo 45.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), que se insere no Título relativo aos direitos, liberdades e garantias[4] e cujo teor é o seguinte[5]:
«Artigo 45.º
(Direito de reunião e de manifestação)
1. Os cidadãos têm o direito de se reunir, pacificamente e sem armas, mesmo em lugares abertos ao público, sem necessidade de qualquer autorização.
2. A todos os cidadãos é reconhecido o direito de manifestação.»

Nos dizeres de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA[6]:

«Situados sistematicamente entre os «direitos, liberdades e garantias pessoais» (e não entre os «de participação política»), os direitos de reunião e de manifestação apresentam-se, assim, constitucionalmente, como direitos gerais das pessoas enquanto tais, independentemente das suas funções e das suas dimensões particulares. Todavia, o direito de reunião e, em especial, o direito de manifestação estão vinculados, funcional e teleologicamente, à formação da opinião pública, que, por sua vez, constitui um pressuposto necessário do Estado de direito democrático. É por isso que esses direitos podem ser englobados entre os direitos fundamentais democráticos.»

Trata-se de direitos de liberdade, que se inscrevem na matriz essencial do Estado de direito democrático. Como afirmou já JORGE MIRANDA[7], a garantia das liberdades de reunião e de manifestação «serve de índice seguro de funcionamento de um regime político pluralista». Os diferentes autores, em geral, consideram-nos elementos básicos das sociedades livres e democráticas e encontram o seu fundamento último na própria liberdade de expressão[8].

Os direitos de reunião e de manifestação, apesar das suas diferenças – desde logo, o direito de reunião é necessariamente um direito de acção colectiva e pode ser de exercício privado ou público e o direito de manifestação não é necessariamente um direito colectivo, mas o seu exercicio é público e implica a expressão de uma mensagem –, são, no fundo, espécies do mesmo género.

E poder-se-á mesmo dizer que a manifestação é uma reunião qualificada[9].

Segundo GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, os direitos de reunião e de manifestação comportam as seguintes componentes:

«(a) liberdade de reunião (e de manifestação), ou seja, direito de reunir-se com outrem (ou de manifestar-se), sem impedimento e, desde logo, sem necessidade de autorização prévia (nº 1, in fine); (b) direito de não ser perturbado por outrem no exercício desse direito, incluindo o direito à protecção do Estado contra ataques ou ofensas de terceiros (v. g., ataques de contramanifestantes); (c) direito à utilização de locais e vias públicas, sem outras limitações que as decorrentes da salvaguarda de outros direitos fundamentais que com aquele colidam. O direito de reunião engloba ainda uma dimensão positiva, enquanto direito de obter locais de reunião (recintos, salas, etc.), que, embora não constitucionalmente garantido, pode e deve obter adequada protecção legal»[10].

A conformação constitucional dos direitos de reunião e de manifestação não obstará, porém, ao estabelecimento de restrições por via legal.

Com efeito, de acordo com o estabelecido no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, resulta a necessidade de autorização constitucional expressa para a restrição dos direitos, liberdades e garantias.

No entanto, há muitos preceitos constitucionais, como é precisamente o caso do artigo 45.º, que não prevêem expressamente quaisquer restrições legislativas.

Porém, como refere VIEIRA DE ANDRADE[11], «[u]ma das hipóteses de solução destes casos de ausência de preceitos constitucionais que autorizem a restrição legislativa pode encontrar-se no recurso interpretativo ou integrado à Declaração Universal dos Direitos do Homem, nos termos do n.º 2 do artigo 16.º. A Declaração, no seu artigo 29.º, permite genericamente que o legislador estabeleça limites aos direitos fundamentais para assegurar o reconhecimento ou o respeito dos valores aí enunciados: «direitos e liberdades de outrem», «justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-‑estar geral numa sociedade democrática».

De todo o modo, no que ora releva, temos o artigo 270.º da Constituição, introduzido com a revisão de 1982[12], que tornou explicitamente admissíveis restrições ao exercício de direitos por parte de militares, aí se incluindo o direito de manifestação.

2. O artigo 270.º da CRP contém, assim, uma particularização do regime das restrições dos direitos fundamentais.

A sua redacção era a seguinte:

«ARTIGO 270.º
(Restrições ao exercício de direitos)
A lei pode estabelecer restrições ao exercício dos direitos de expressão, reunião, manifestação, associação e petição colectiva e à capacidade eleitoral passiva dos militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efectivo, na estrita medida das exigências das suas funções próprias.»

Segundo PAULO OTERO[13], a revisão constitucional de 1982 «permitiu moldar em termos verdadeiramente ocidentais o moderno estatuto das Forças Armadas de um Estado de Direito ocidental».

A Lei n.º 29/82 surgiu, pois, como consequência lógica da 1.ª Revisão Constitucional[14].

O artigo 270.º veio ainda a sofrer alterações aquando das revisões constitucionais de 1997[15] e de 2001[16], que pretenderam resolver, respectivamente, a questão do universo subjectivo dos destinatários, sendo inserida a expressão «bem como por agentes dos serviços e forças de segurança», e a questão do universo dos direitos susceptíveis das restrições.

Actualmente, o artigo 270.º da CRP tem a seguinte redacção:
«Artigo 270.º
(Restrições ao exercício de direitos)
A lei pode estabelecer, na estrita medida das exigências próprias das respectivas funções, restrições ao exercício dos direitos de expressão, reunião, manifestação, associação e petição colectiva e à capacidade eleitoral passiva por militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efectivo, bem como por agentes dos serviços e das forças de segurança e, no caso destas, a não admissão do direito à greve, mesmo quando reconhecido o direito de associação sindical.»

É também de salientar que a revisão constitucional de 1982 aditou um novo artigo 275.º subordinado à epígrafe “Forças Armadas”, cujo n.º 4 estabelece que «[a]s Forças Armadas estão ao serviço do povo português, são rigorosamente apartidárias e os seus elementos não podem aproveitar-se da sua arma, do seu posto ou da sua função para qualquer intervenção política».

Diga-se, porém, que o artigo 275.º da Constituição, na sua redacção originária, proclamava já a isenção partidária das Forças Armadas, nos seguintes termos:
«ARTIGO 275.º
(Isenção partidária)

1. As Forças Armadas Portuguesas estão ao serviço do povo portugês, e não de qualquer partido ou organização, sendo rigorosamente apartidárias.
2. Os elementos das Forças Armadas têm de observar os objectivos do povo português consignados na Constituição e não podem aproveitar-se da sua arma, posto ou função para impor, influenciar ou impedir a escolha de uma determinada via política democrática.»

A isenção político-partidária explicará, aliás, as restrições estabelecidas no artigo 270.º da Constituição.

Estas restrições estão sujeitas ao princípio da proibição do excesso ou princípio da proporcionalidade (em sentido amplo) – havendo elas de limitar-se à «estrita medida das exigências das suas funções próprias», impõe-se a observância das três dimensões daquele princípio: adequação, necessidade ou exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito.

Mas mais, as restrições ao exercício de direitos por militares obedecem a um princípio de taxatividade, só podendo incidir sobre os direitos expressamente referidos no artigo 270.º da Constituição[17].

E saliente-se, ainda, que a lei definidora de tais restrições é da exclusiva competência da Assembleia da República (alínea o) do artigo 164.º da Constituição) e a sua aprovação carece de aprovação por maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções [alínea e) do n.º 6 do artigo 168.º da Constituição].

Assim, como frisa PAULO OTERO, «a Constituição cria um verdadeiro regime procedimental e material privilegiado para a restrição do exercício de direitos por militares, isto em termos comparativos com o regime geral de restrição dos direitos fundamentais dos restantes cidadãos: é mais difícil, é mais exigente é mais complexo obter uma lei restritiva do exercício de direitos por militares do que uma qualquer lei restritiva de direitos dos restantes cidadãos»[18].

IV


Em relevantes instrumentos jurídicos internacionais encontramos também alusão a limitações ao exercício de direitos por militares – trata-se de direitos de reunião e associação, liberdade de sindicalização e direito à greve[19].

No que concerne ao direito de reunião, que, pelo que acima se disse, aqui nos interessará, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no seu artigo 11.º, após consagrar que «[q]ualquer pessoa tem direito à liberdade de reunião pacífica e à liberdade de associação, incluindo o direito de, com outrem, fundar e filiar-se em sindicatos para a defesa dos seus interesses» (n.º 1) e estabelecer que «[o] exercício deste direito só pode ser objecto de restrições que, sendo prevista na lei, constituírem disposições necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros», acrescenta um segmento em que precisa que «[o] presente artigo não proíbe que sejam impostas restrições legítimas ao exercício destes direitos aos membros das forças armadas, da polícia ou da administração do Estado» (cfr. n.º 2).

Por seu turno, o Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos contempla, no seu artigo 21.º, igualmente o direito de reunião pacífica, estabelecendo que o seu exercício só pode ser objecto de restrições impostas em conformidade com a lei e que são necessárias numa sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança pública, da ordem pública ou para proteger a saúde e a moralidade públicas ou os direitos e as liberdades de outrem[20].

V


Se atentarmos nos ordenamentos nacionais, por exemplo, no quadro europeu[21], verificamos que, desde logo, são várias as Constituições que expressamente habilitam o legislador a introduzir restrições ao exercício de direitos fundamentais por militares ou elas próprias excluem a titularidade de certos direitos fundamentais por militares.

E, particularmente, no que respeita ao sindicalismo militar, se há países – alguns modelos mais antigos, como é o caso dos países escandinavos, e outros mais recentes, como é o caso da Alemanha, da Bélgica e da Holanda – em que é possível constituir associações profissionais de natureza sindical, outros há em que tal não é possível, como é o caso da França.

Assim, de acordo com o Código de Defesa francês, aos militares não só é vedado integrar grupos ou associações de carácter político[22], como é incompatível com o estado militar o exercício do direito à greve e criar ou aderir a grupos profissionais militares[23].

Em Espanha, a Constituição estabelece restrições aos militares relativamente a três direitos: liberdade de sindicalização, direito de petição e direito de sufrágio passivo[24].

A Ley 85/1978[25], de 28 de diciembre, de Reales Ordenanzas para las Fuerzas Armadas estabelece no seu artigo 180 que os militares poderão reunir-se livremente para fins lícitos, em lugares públicos ou privados, observando o que com carácter geral ou específico estabeleçam as disposições vigentes e que nas unidades, navios e dependências será imprescindível a autorização expressa do chefe, acrescentando que em nenhum caso poderão participar em manifestações de tipo político, sindical ou reivindicativo.

E, de acordo com o disposto no artigo 182, os militares deverão manter a sua neutralidade, não poderão ser sócios de nenhum tipo de organização política ou sindical e deverão abster-se de realizar actividades políticas ou sindicais.

Refira-se, porém, que após ter sido reconhecido pelo Tribunal Constitucional, em 2001, o direito de associação aos militares, encontra-se em curso no corrente ano de 2011 a regulação desse direito, perspectivando-se que se proíba aos militares realizar actividades sindicais ou políticas, pelo que as associações não poderão realizar funções de negociação colectiva, nem convocar greves, e tão- -pouco poderão ter vínculos a organizações políticas ou sindicais, bem como realizar com elas pronunciamentos ou actos públicos[26].

A Ley Orgânica 13/1991, de 20 de diciembre, del Servicio Militar, em vigor até 8 de Dezembro de 2005, no Capítulo IV (Derechos y deberes de los militares de reemplazo), após estabelecer no artigo 43 (Neutralidad política) que o recruta deveria respeitar o princípio de neutralidade política das Forças Armadas e abster-se de actividades políticas ou sindicais, designadamente, preceituava no n.º 1 do artigo 49 (Derecho de reunión) que o recruta, no exercício do direito de reunião, não poderia assistir de uniforme a manifestações públicas, nem a reuniões públicas que não tivessem carácter familiar, social ou cultural.

VI


1. Regressemos agora ao artigo 31.º-C da Lei n.º 29/82 e bem assim ao artigo 30.º da Lei Orgânica n.º 1-B/2009, actualmente vigente, lembrando os respectivos textos:
«Artigo 31.º-C
Direito de manifestação
Os cidadãos referidos no artigo 31.º, desde que estejam desarmados e trajem civilmente sem ostentação de qualquer símbolo nacional ou das Forças Armadas, têm o direito de participar em qualquer manifestação legalmente convocada que não tenha natureza político-partidária ou sindical, desde que não sejam postas em risco a coesão e a disciplina das Forças Armadas.»
«Artigo 30.º
Direito de manifestação
Os militares em efectividade de serviço podem participar em manifestações legalmente convocadas sem natureza político-‑partidária ou sindical, desde que estejam desarmados, trajem civilmente e não ostentem qualquer símbolo nacional ou das Forças Armadas e desde que a sua participação não ponha em risco a coesão e a disciplina das Forças Armadas.»

Conforme já se fez notar, apesar de algumas diferenças na letra, as formulações são idênticas.

2. Assim, o exercício do direito de manifestação por militares passa pela verificação de dois tipos de condições ou requisitos: condições referentes aos militares e condições relativas à manifestação[27].

2.1. Nas condições referentes aos próprios militares, podemos, portanto, destacar:
• Estarem desarmados e trajarem civilmente;
• Não ostentação de qualquer símbolo nacional ou das Forças Armadas; e
• A participação não pôr em risco a coesão e a disciplina das Forças Armadas.

E, conquanto na consulta não se suscitem dúvidas sobre estes aspectos, não podemos deixar de lhes fazer uma referência ainda que breve.

O primeiro requisito decorrerá do imperativo constitucional de que os elementos das Forças Armadas «não podem aproveitar-se da sua arma, do seu posto ou da sua função para qualquer intervenção política» (n.º 4 do artigo 275.º da Constituição).

Haverá, aqui, alguma ambivalência, pois, como frisa PAULO OTERO[28], «apesar de trajar à civil e sem armas, a participação de um militar numa manifestação nunca deixa de ser ainda um acto de um militar para efeitos de controlo de validade do seu comportamento no exercício público de um direito como cidadão».

Quanto à não ostentação de qualquer símbolo nacional, terá, naturalmente, de se convocar os símbolos indicados nos n.os 1 e 2 do artigo 11.º da Constituição.

Mais problemática poderá ser na situação concreta a verificação do requisito da inexistência de risco para a coesão e a disciplina das Forças Armadas por se tratar de um conceito indeterminado.

2.2. Quanto às condições da manifestação propriamente dita, ela tem de:
• Ser legalmente convocada;
• Não ter natureza político-partidária; e
• Não ter natureza sindical.

Portanto, exige-se, desde logo, que a manifestação tenha sido legalmente convocada. Isto é, que tenha sido convocada de acordo com o disposto no Decreto-Lei n.º 406/74, de 29 de Agosto, que garante e regulamenta o direito de reunião, em particular, nos seus artigos 1.º[29] e 2.º[30].

Por outro lado, impõe-se sublinhar que face à redacção quer do artigo 31.º-C da Lei n.º 29/82, quer, actualmente, do artigo 30.º da Lei Orgânica n.º 1-B/2009, há quem sustente que os militares não podem convocar manifestações, pois ali fala-se, respectivamente, em «direito de participar em qualquer manifestação legalmente convocada» e «podem participar em manifestações legalmente convocadas»[31].

Com efeito, não só o texto daquelas normas apresenta diferenças relativamente ao texto primitivo da Lei n.º 29/82[32], como será significativo o confronto com as normas relativas ao direito de reunião (o artigo 31.º-B da Lei n.º 29/82, na redacção dada pelo Lei Orgânica n.º 4/2001, e, actualmente, o artigo 29.º da Lei Orgânica n.º 1-B/2009), em que se consigna que os militares em efectividade de serviço podem “convocar ou participar em reuniões legalmente convocadas”, verificando-se, naturalmente, os restantes pressupostos.

Nem parece proceder, sem mais, o argumento de que o legislador não retirou expressamente a faculdade de convocar manifestações. O n.º 1 do artigo 31.º da Lei n.º 29/82, na redacção dada pela Lei Orgânica n.º 4/2001, remete para o regime previsto nos artigos 31.º-A a 31.º-F. Por sua vez, o artigo 26.º da Lei n.º 1-B/2009 consigna que os militares em efectividade de serviço gozam dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente previstos, com as restrições ao exercício dos direitos de expressão, reunião, manifestação, associação e petição colectiva e a capacidade eleitoral passiva constantes daquela lei.

Em sentido diferente, porém, pronunciou-se SÉRVULO CORREIA[33], por essencialmente considerar que «[a] liberdade de manifestação impõe-se prima facie com a extensão correspondente ao âmbito de protecção do n.º 2 do artigo 45.º da Constituição, tornando-‑se necessário que o legislador ampute parte do respectivo objecto ou das posições jurídicas activas que formam o respectivo conteúdo para que o âmbito de garantia efectiva surja diminuído em relação àquele primeiro padrão».

Este Autor[34], como, aliás, dá conta, defende, contudo, inversamente, que é proibido às associações profissionais de militares convocar manifestações[35].

Em suma, a questão da legitimidade para convocar manifestações apresenta-se controversa, sendo, de todo o modo, de notar que a eventual aceitação da restrição de tal direito por parte de militares há-de decorrer das «exigências próprias das funções».

Importa, ainda, como se disse, que a manifestação não tenha natureza político-partidária.

Visa-se, assim, assegurar o carácter rigorosamente apartidário das Forças Armadas, como decorre de imperativo constitucional – cfr. o n.º 4 do artigo 275.º da Constituição.

Por outro lado, tal garantirá a subordinação das Forças Armadas ao poder político.

Finalmente, impõe-se que a manifestação não tenha natureza sindical.

Ora, estando este aspecto no cerne da consulta, vamos de seguida dar-lhe mais atenção.

3. A proibição dos militares participarem em manifestações com natureza sindical prende-se naturalmente com a limitação da liberdade sindical e a não admissão do direito à greve[36].

3.1. Conforme proclamado no artigo 55.º da Constituição, é reconhecida aos trabalhadores a liberdade sindical, condição e garantia da construção da sua unidade para defesa dos seus direitos e interesses (n.º 1) e no exercício da liberdade sindical é garantido aos trabalhadores, sem qualquer discriminação, designadamente, a liberdade da constituição de associações sindicais a todos os níveis [alínea a) do n.º 2].

E, de acordo com o n.º 1 do artigo 440.º do Código do Trabalho[37], «[o]s trabalhadores têm o direito de constituir associações sindicais a todos os níveis para defesa e promoção dos seus interesses sócio-profissionais»[38].

Por natureza sindical parece, pois, dever entender-se o que tem a ver com a defesa e a promoção de interesses sócio-‑profissionais.

3.2. Aliás, este Conselho Consultivo, no quadro da redação originária da Lei n.º 29/82, teve oportunidade já de se pronunciar acerca de questões atinentes a associações de militares, que aqui poderá interessar referir.

Assim, no Parecer n.º 31/90, de 11 de Julho de 1991[39], concluiu-se, designadamente, que «[a] prossecução pela Associação Nacional de Sargentos de actividades de natureza sindical – a agitação, nomeadamente, de questões salariais e similares – , ou outras, em contraste com os fins expressos nos estatutos, pode determinar a sua extinção mediante decisão judicial, nos termos aplicáveis dos artigos 182, n.º 2, e 183.º, n.º 2, do Código Civil».

No Parecer n.º 79/92, de 1 de Abril de 1993[40], concluiu-se, nomeadamente, que «[o]s estatutos da Associação de Oficiais das Forças Armadas, tendo por objecto a promoção, defesa e representação dos associados e dos seus interesses profissionais e estatutários, numa perspectiva deontológica, social e cultural, e com as atribuições constantes do artigo 3.º dos mesmos Estatutos, violam a norma contida no n.º 6 do artigo 31.º da Lei n.º 29/82, visto apontarem para uma associação sindical ou, ao menos, haver um certo risco de a associação se envolver em actividades sindicais, o que lhe é vedado por aquela norma».

Também no Parecer n.º 74/99, de 9 de Novembro de 2000[41], em que este orgão consultivo se pronunciou sobre o sentido e alcance da expressão “associações profissionais de militares, desde que legalmente constituídas”, se concluiu que as associações não poderão ser chamadas a intervir nas discussões de questões que, embora atinentes à condição militar, respeitem a interesses sócio-profissionais dos militares que, por sua própria natureza, extravasem o campo de actuação delimitado pelos respectivos fins estatutários.

3.3. É certo que a Lei Orgânica n.º 3/2001, de 29 de Agosto, que veio regular o direito de associação profissional dos militares, estabeleceu no n.º 1 do seu artigo 1.º que «[o]s militares dos quadros permanentes em qualquer situação e os militares contratados em efectividade de serviço têm o direito de constituir associações profissionais de representação institucional dos seus associados, com carácter assistencial, deontológico ou sócio-profissional.»

Porém, daqui não se pode retirar que as associações possam desenvolver actividade de natureza sindical, como, aliás, resulta, não só do artigo 2.º[42], que elenca os direitos das associações, como claramente, do artigo 3.º que, sob a epígrafe “Restrições ao exercício de direitos”, proclama no n.º 1 que «[o] exercício dos direitos consagrados no artigo anterior para as associações militares constituídas nos termos da presente lei está sujeita às restrições e condicionalismos previstos nos artigos 31.º a 31.º-F da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas».

Como escreve MENEZES LEITÃO[43], «o sindicato caracteriza-‑se por visar a defesa e promoção dos interesses sócio-profissionais dos seus membros (elemento teleológico). O sindicato tem assim por fim a defesa dos interesses dos seus membros, devendo, porém, esses interesses serem de natureza sócio-profissional, o que constitui uma formulação ampla que permita aos sindicatos exercerem as mais variadas funções. Efectivamente, os interesses prosseguidos pelo sindicato podem respeitar directamente aos trabalhadores, como os relativos às condições de trabalho (retribuição, tempo de trabalho, higiene e segurança), mas também podem estar apenas indirectamente a eles ligados (obtenção de creches, refeitórios e instalações desportivas). Por outro lado, os interesses a prosseguir pelo sindicato não são necessariamente de natureza patrimonial (como o aumento da retribuição), podendo ainda abranger situações de natureza não patrimonial (como a defesa da dignidade pessoal dos trabalhadores».

E, mais à frente, refere este Autor que, em relação aos membros das forças armadas, não é reconhecida a possibilidade de se sindicalizarem, «[a] L.O. 3/2001, de 29 de Agosto, atribuiu-lhes a faculdade de criarem, ao abrigo do direito geral de associação, associações profissionais de representação institucional dos seus membros, com carácter assistencial, deontológico ou sócio-profissional (art.º 1, n.º 1, L.O. 3/2001), as quais têm o direito de ser ouvidas sobre o estatuto profissional, remuneratório e social dos seus associados (art.º 2.º L.O. 3/2001)»[44] [45].

Com efeito, o principal instrumento dos sindicatos é a negociação colectiva apoiada na possibilidade do recurso à greve.

Aliás, a génese do movimento sindical dos últimos 200 anos está precisamente associada à agudização de conflitos entre trabalhadores e entidades patronais e à ocorrência de greves[46].

Hoje, são correntemente salientados, no âmbito das atribuições sindicais, os seguintes aspectos: «em primeiro lugar, a negociação e a celebração de convenções colectivas de trabalho (autonomia sindical); em segundo lugar, a tutela do direito de negociação e das convenções colectivas de trabalho, bem como, em geral, da promoção dos interesses dos trabalhadores, em última instância, através da greve (autotutela); em terceiro lugar, a participação em processos e instâncias de diversa natureza – social, política, económica, administrativa, etc. (participação)[47].

O direito de participar na elaboração da legislação de trabalho é, aliás, o primeiro dos direitos das associações sindicais consignados na Constituição [alínea a) do n.º 2 do artigo 56.º]. E «[c]ompete às associações sindicais exercer o direito de contratação colectiva, o qual é garantido nos termos da lei» (n.º 2 do artigo 56.º da Constituição), estabelecendo a lei as regras respeitantes à legitimidade para a celebração das convenções colectivas de trabalho, bem como à eficácia das respectivas normas (cfr. n.º 3 do mesmo artigo 56.º) .

A este respeito escrevem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA[48]:

«Enquanto direito dos trabalhadores, o direito de contratação colectiva significa designadamente direito de regularem colectivamente as relações de trabalho, substituindo o poder contratual do trabalhador individual pelo poder colectivo organizado no sindicato.

Materialmente ele analisa-se em três aspectos: a) direito à liberdade negocial colectiva, não estando os acordos sujeitos a autorizações ou homologações administrativas; b) direito à negociação colectiva, ou seja, direito a que as entidades patronais não se recusem à negociação, o que requer garantias específicas, nomeadamente esquemas públicos sancionatórios da recusa patronal em negociar e contratar; c) direito à autonomia contratual colectiva, não podendo deixar de haver um espaço aberto à disciplina contratual colectiva, o qual não pode ser aniquilado por via normativo‑estadual.»

Recorde-se, ainda, que o direito à greve encontra-se consagrado no artigo 57.º da Constituição[49].

Na sequência do consignado na Constituição, de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 443.º do Código do Trabalho, as associações sindicais e as associações de empregadores têm o direito de celebrar convenções colectivas de trabalho[50]. E a negociação colectiva está regulada nos artigos 486.º e ss. do Código do Trabalho[51]. Por seu turno, no que concerne aos trabalhadores da Administração Pública em regime de direito público, o exercício dos direitos de negociação colectiva e de participação está regulado na Lei n.º 23/98, de 29 de Maio[52]. A matéria da negociação colectiva está também regulada no Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro[53].

Ora, face ao que se acaba de explicitar, resulta claro que, como se começou por dizer, as associações de militares não desenvolvem a actividade que caracteriza os sindicatos: a negociação colectiva e, em última análise, a declaração de greve.

As associações de militares reguladas na Lei Orgânica n.º 3/2001 são associações profissionais e não associações sindicais. O que se mantém em sintonia com o estabelecido presentemente no artigo 31.º da Lei Orgânica n.º 1-B/2009.

3.4. Retomemos, então, a expressão “natureza sindical”, ou melhor, “manifestações com natureza sindical”.

Segundo PAULO OTERO[54], «[c]ompreende-se, neste contexto, que aos militares se encontre interdito o direito de participarem em manifestações com natureza sindical, entendendo-se como tais todas as manifestações que visem a defesa, reivindicação ou protesto referente a direitos ou interesses sobre condições laborais e situações jurídicas inerentes, tal como acontece, por exemplo, com salários, limites de duração do serviço, descanso e férias, segurança ou estabilidade de vínculo e promoções, assistência social, benefícios e reforma, condições de prestação do serviço e formação profissional, organização sindical ou criação de comissões de trabalhadores».

E a seguir explicita este Autor:

«Mais: essa proibição de participação dos militares em manifestações com natureza sindical abrange três diferentes níveis subjectivos de interesses:
(i) Os militares não podem participar, desde logo, em manifestações de natureza sindical que tenham em vista a tutela de interesses directamente próprios dos militares (v.g., regime remuneratório, regime de aposentação ou assistência social);
(ii) Não podem também os militares, por outro lado, participar em manifestações que apenas reflexa ou indirectamente tutelem interesses sindicais relevantes para os próprios membros das Forças Armadas (v.g., “jornada de luta nacional da função pública”);
(iii) Tal como não podem ainda os militares, por último, participar em manifestações que visem a defesa de interesses sindicais completamente alheios à condição militar (v.g., “manifestação de solidariedade com os trabalhadores contratados a prazo” ou “manifestação nacional da CGTP ou da UGT)».

Na verdade, parece inequívoco que revestem natureza sindical as manifestações – mesmo que se apresentem como protesto – que visem a defesa e/ou a promoção de interesses sócio-profissionais, desde logo, atinentes a salários, sistemas de saúde ou reforma, traduzindo reivindicações como forma de pressionar os órgãos do poder legislativo e/ou executivo.

Ao invés, não assumirá tal natureza uma manifestação que tenha tão-somente como finalidade exprimir uma mera opinião, ainda que discordante, relativamente a soluções legislativamente consagradas em matéria de estatuto sócio-profissional dos militares.

A participação numa manifestação com tal objectivo não está vedada aos militares em efectividade de serviço, desde que preenchidos os demais pressupostos e requisitos exigidos no supramencionado artigo 30.º da Lei Orgânica n.º 1-B/2009: estar a manifestação legalmente convocada e não ter natureza político-partidária; bem como os militares estarem desarmados e trajarem civilmente, não ostentarem qualquer símbolo nacional ou das Forças Armadas e a sua participação não pôr em risco a coesão e a disciplina das Forças Armadas.

3.5. Não se ignora que se tem vindo a questionar a limitação da liberdade sindical aos militares[55].

Contudo, face ao que se vem de dizer e, em particular, relativamente ao artigo 270.º da Constituição, não vemos que se possa quanto à matéria em apreço suscitar questões de inconstitucionalidade[56].

Refira-se, ainda, que, sobre factos não muito longínquos, o Tribunal Central Administrativo Sul, apreciando recurso interposto pela Associação de Praças da Armada, inconformada com a decisão do TAF de Lisboa que havia indeferido pedido de intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias, proferiu, no Processo n.º 1205/05, o Acórdão de 2 de Fevereiro de 2006, em que, designadamente, se considerou:

«Os artigos 45.º, n.º 2, e 46.º, n.º 1, da C.R.P. consagram, como direitos fundamentais, o direito de manifestação e o direito de constituir associações; no entanto, estes direitos não têm carácter absoluto estando sujeitos, quanto ao seu exercício, aos limites imanentes à sua própria natureza, pelo que devem estas normas ser conjugadas com o disposto no artigo 270.º da C.R.P. que expressamente permite que a lei pode estabelecer "restrições ao exercício dos direitos de manifestação e de associação" pelos militares dos quadros permanentes em serviço efectivo das Forças Armadas.»
«Foi ao abrigo do disposto no artigo 270.º da C.R.P. que o legislador ordinário, através de leis orgânicas com valor reforçado, definiu em plena conformidade com o artigo 18.º da Lei Fundamental, o regime jurídico das associações profissionais dos militares (Lei orgânica n.º 3/2001) e o regime do exercício de certos direitos fundamentais, nomeadamente o direito de manifestação e direito de associação (Lei Orgânica n.º 4/2001).»
«No respeito dos artigos 18.º e 270.º da C.R.P. verifica-se ser vedado aos militares em efectividade de serviço dos quadros permanentes das Forças Armadas o exercício do direito de convocar manifestações (artigo 31.º-C da LDN/FA, aditado pela Lei Orgânica n.º 4/2001, de 30 de Agosto); igualmente não gozam do direito de convocar manifestações as associações profissionais dos militares em efectividade de serviço dos quadros permanentes das Forças Armadas (Lei Orgânica n.º 3/2001, de 29 de Agosto, artigos 2.º e 3.º n.º1).»[57] [58]

Enfim, não havendo, em nosso entender, obstáculos à aplicação do disposto, anteriormente, no artigo 31.º-C da Lei n.º 29/82, e, actualmente, no artigo 30.º da Lei Orgânica n.º 1-B/2009, apenas se impunha, conforme solicitado, a clarificação do segmento “natureza sindical”, contido naqueles normativos, o que se fez nos termos acima descritos.

3.6. Em suma, de acordo com o disposto no artigo 31.º-C da Lei n.º 29/82, redacção dada pela Lei Orgânica n.º 4/2001, e no artigo 30.º da Lei Orgânica n.º 1-B/2009, actualmente em vigor, é proibida a participação de militares em manifestações com carácter sindical, ou seja, manifestações que visem, numa perspectiva reivindicativa e negocial, a defesa e/ou a promoção de interesses sócio-profissionais – seus ou de outrem – , tais como os atinentes a salários, sistemas de saúde, reforma ou similares.

VII



Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1.ª – Os militares em efectividade de serviço têm o direito de constituir ou integrar associações profissionais de representação institucional dos seus associados com carácter assistencial, deontológico ou sócio-profissional (artigos 1.º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 3/2001, de 29 de Agosto, e 31.º da Lei Orgânica n.º 1-B/2009, de 7 de Julho);

2.ª – Tais associações têm, designadamente, o direito de ser ouvidas, de promover actividades, de editar publicações, de realizar reuniões e de exprimir opinião sobre questões do estatuto profissional, remuneratório e social dos seus associados (artigo 2.º da Lei Orgânica n.º 3/2001);

3.ª – Não lhes assistem, porém, os direitos especificamente atribuídos por lei às associações sindicais para defesa e promoção dos interesses sócio-profissionais dos seus associados – tais como os atinentes a salários, sistemas de saúde, reforma ou similares – , em especial o direito de negociação colectiva;

4.ª – Os militares em efectividade de serviço não podem participar em manifestações com natureza sindical (artigo 31.º-C da Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro, na redacção dada pela Lei Orgânica n.º 4/2001, de 30 de Agosto, e, actualmente, artigo 30.º da Lei Orgânica n.º 1-B/2009, de 7 de Julho);

5.ª – Uma manifestação de militares que tenha por finalidade efectuar reivindicações em matéria de estatuto sócio-‑profissional, como forma de pressionar os órgãos do poder legislativo e/ou executivo e de exigir que estes as negoceiem e aceitem, ultrapassa o âmbito dos direitos referidos na conclusão 2.º, assumindo, pelos objectivos que prossegue, natureza materialmente sindical.



ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 24 DE MARÇO DE 2011.

Fernando José Matos Pinto Monteiro – Maria Manuela Flores Ferreira (Relatora) – José David Pimentel Marcos – Maria de Fátima da Graça Carvalho – Manuel Pereira Augusto de Matos – Fernando Bento – António Leones Dantas – José Carlos Lopes.










[1] Alterada pelas Leis n.os 41/83, de 21 de Dezembro, 111/91, de 29 de Agosto (revogada pela Lei Orgânica n.º 1-A/2009, de 7 de Julho), 113/91, de 29 de Agosto (revogada pela Lei n.º 27/2006, de 3 de Julho), e 18/95, de 13 de Julho, e pelas Leis Orgânicas n.os 3/99, de 18 de Setembro, 4/2001, de 30 de Agosto, e 2/2007, de 16 de Abril.
Revogada pela Lei Orgânica n.º 1-B/2009, de 7 de Julho (publicada anteriormente como Lei n.º 31-A/2009 e posteriormente rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 52/2009, de 20 de Julho, que a republica na íntegra).
[2] Cfr. anterior nota de rodapé.
[3] Neste sentido, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Fundamentos da Constituição, Coimbra Editora, pág. 83.
[4] Título II da Parte I (Direitos e deveres fundamentais).
[5] Versão originária.
[6] Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, pág. 253.
[7] Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, 2.ª edição, 1993, pág. 428.
[8] Segue-se aqui o parecer n.º 83/2005, de 24 de Novembro de 2005, homologado por despacho de 23 de Junho de 2008, do Ministro da Administração Interna e publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Agosto de 2008.
[9] Ver JORGE MIRANDA E RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, pág. 464.
[10] Ob. cit., págs. 253 e 254.
[11] Em Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3.ª edição, Almedina, 2007, pág. 300.
[12] Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro.
[13] “Os Militares e o Direito de Manifestação”, em Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Prof. Doutor António de Sousa Franco, Volume III, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2006, págs. 606 e 607.
[14] Aliás, uma das primeiras manifestações da permissão consentida pelo artigo 270.º da Constituição surge com o Decreto-Lei n.º 434-F/82, de 29 de Outubro, que veio regulamentar em determinados termos o exercício de actividades políticas e sindicais por elementos das Forças Armadas.
[15] Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro.
[16] Lei Constitucional n.º 1/2001, de 12 de Dezembro.
[17] Neste sentido, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., pág. 950.
[18] Ob. cit., pág. 602.
[19] Veja-se, a este propósito, FRANCISCO FERNANDEZ SEGADO, “Las Restricciones de los Derechos de los Militares desde la Perspectiva del Ordenamiento Internacional”, in Revista de Estudios Políticos, Centro de Estudios Constitucionales, n.º 64, Abril-Junio, 1989, pág. 99.
[20] Relativamente ao direito de associação, o Pacto no último segmento do n.º 2 do artigo 22.º refere expressamente as restrições a membros das forças armadas.
[21] Ver, a este propósito, PAULO OTERO, ob. cit., págs. 603 e ss.; MARIE-DOMINIQUE CHARLIER-DAGRAS, “Vers le droit syndical des personnels militaires?”, Revue Du Droit Public de la Science Politique en France et à l’Étranger, 2003, n.º 4, págs. 1109 e ss.; e FRANCISCO FERNANDEZ SEGADO, ob. cit., págs. 105 e ss.
[22] Cfr. Article L 4121-3 (Code de la défense, version consolidée au 7 Janvier 2011).
[23] Cfr. Article L 4121-4 (Code de la défense, version consolidée au 7 Janvier 2011).
[24] Cfr. artigos 28.1, 29.1 e 70.1.
[25] Alterada pela Ley 39/2007, de 19 de noviembre, que a derrogou parcialmente, mantendo, porém, entre outros os artigos 180 e 182.
[26] Ver www.fuerzas-armadas.es.
[27] De acordo, aliás, com a apresentação que faz PAULO OTERO, ob. cit., págs. 610 e ss.
[28] Ob. cit., que se segue muito de perto, pág. 618.
[29] «Artigo 1.º - 1. A todos os cidadãos é garantido o livre exercício do direito de se reunirem pacificamente em lugares públicos, abertos ao público e particulares, independentemente de autorizações, para fins não contrários à lei, à moral, aos direitos das pessoas singulares ou colectivas e à ordem e à tranquilidade públicas.
2. Sem prejuízo do direito à crítica, serão interditas as reuniões que pelo seu objecto ofendam a honra e a consideração devidas aos órgãos de soberania e às Forças Armadas.»
[30] «Art. 2.º - 1. As pessoas ou entidades que pretendam realizar reuniões, comícios, manifestações ou desfiles em lugares públicos ou abertos ao público deverão avisar por escrito e com a antecedência mínima de dois dias úteis o governador civil do distrito ou o presidente da câmara municipal, conforme o local da aglomeração se situe ou não na capital do distrito.
2. O aviso deverá ser assinado por três dos promotores devidamente identificados pelo nome, profissão e morada ou, tratando-se de associações, pelas respectivas direcções.
3. A entidade que receber o aviso passará recibo comprovativo da sua recepção.»
[31] Neste sentido, PAULO OTERO, ob. cit., págs. 610 e 611.
[32] Conforme resulta do acima escrito, os militares não podiam “convocar ou participar em qualquer manifestação de carácter político, partidário ou sindical”.
[33] Em O Direito de Manifestação, Almedina, págs. 91 e ss.
[34] Ob. cit., págs. 89 e ss.
[35] Muito brevemente não se pode deixar de dizer, como à frente se explicitará, que, de acordo com o artigo 3.º da Lei n.º 3/2001, de 29 de Agosto, as associações de militares estão sujeitas às restrições previstas para os militares, à data, nos artigos 31.º a 31.º-F.
[36] Cfr. artigo 270.º da Constitução, artigos 31.º, n.º 3, e 31.º-D da Lei 29/82 (redacção dada pela Lei Orgânica n.º 4/2001), e os artigos 27.º, n.º 3, e 31.º da Lei Orgânica n.º 1-B/2009.
[37] Aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, e alterado pela Lei n.º 105/2009, de 14 de Setembro.
[38] As associações sindicais abrangem sindicatos, federações, uniões e confederações (n.º 3 do artigo 440.º do Código do Trabalho).
[39] Homologado por Despacho, de 25 de Março de 1992, do Ministro da Defesa Nacional e publicado no Diário da República, II Série, n.º 218, de 21 de Setembro de 1992.
[40] Inédito.
[41] Inédito.
[42]
«Artigo 2.º
Os direitos das associações
As associações de militares legalmente constituídas gozam dos seguintes direitos:
a) Integrar conselhos consultivos, comissões de estudo e grupos de trabalho constituídos para proceder à análise de assuntos de relevante interesse para a instituição, na área da sua competência específica;
b) Ser ouvidas sobre questões do estatuto profissional, remuneratório e social dos seus associados;
c) Promover iniciativas de carácter cívico que contribuam para a unidade e coesão dos militares em serviço efectivo nas Forças Armadas e a dignificação dos militares no País e na sociedade;
d) Promover actividades e editar publicações sobre matérias associativas, deontológicas e sócio-profissionais ou, mediante prévia autorização hierárquica, sobre assuntos de natureza exclusivamente técnica;
e) Realizar reuniões no âmbito das suas finalidades estatutárias;
f) Divulgar as suas iniciativas, actividades e edições nas unidades e estabelecimentos militares, desde que em local próprio disponibilizado para o efeito;
g) Exprimir opinião em matérias expressamente incluídas nas suas finalidades estatutárias;
h) Integrar e estabelecer contactos com associações, federações de associações e organizações internacionais congéneres que prossigam objectivos análogos.»

[43] Direito do Trabalho, 2.ª edição, Almedina, Janeiro 2010, pág. 587.
[44] Ob. cit., pág. 595.
[45] Pronunciando-se, porém, no sentido de que as associações de militares já constituem formas de sindicatos, EDUARDO CORREIA BAPTISTA, Os Direitos de Reunião e de Manifestação no Direito Português, Almedina, Setembro, 2006, pág. 314.
[46] Desprezando agora alguns precedentes, parece poder dizer-se que o sindicalismo arrancou com o processo de industrialização.
E, na sequência das revoluções liberais, foi-se gerando por toda a parte a destruição da organização corporativa e a proibição de quaisquer associações no campo da economia.
Porém, com o desenvolvimento do capitalismo e o crescente agravamento da situação dos trabalhadores, foram-se desencadeando greves espontâneas e o movimento operário vai-se organizando e consolidando à margem da lei até ser finalmente reconhecido pelos poderes públicos – as primeiras coligações verificaram-se em Inglaterra, onde, em 1824-1825, são reconhecidos os direitos de coligação, de negociação colectiva e de greve e, em 1871, o Trade Union Act afirma a legalidade dos sindicatos.
A evolução em Portugal não se terá afastado muito do descrito – devendo assinalar-se que um decreto de 9 de Maio de 1891 veio consagrar e regulamentar a liberdade sindical e que, ainda antes de o direito à greve ser reconhecido por um decreto de 1910, já as greves se sucediam. Naturalmente, com a Constituição de 1933 e o Estatuto do Trabalho Nacional, os sindicatos são integrados na organização corporativa. É, após o 25 de Abril, que se inicia uma nova fase do sindicalismo, com a afirmação da liberdade sindical e a consagração do direito à greve.
Para mais desenvolvimento, veja-se, designadamente, MÁRIO C. PINTO, “Sindicalismo”, “Sindicalismo Português”, e “Sindicato”, in Polis Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, volume 5, págs. 769 e ss. e CRUZ VILAÇA, “Sindicalismo”, in Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura VERBO, Edição Século XXI, volume n.º 26, págs. 1324 e ss., que aqui se seguiu muito de perto.
[47] Cfr. obras citadas na nota de rodapé antecedente.
[48] Ob. cit., Constituição..., pág. 307.
[49] O direito à greve encontra-se, presentemente, regulado nos artigos 53.º e ss. do Código do Trabalho.
[50] Tal encontrava-se inicialmente previsto, no que se refere às associações sindicais na alínea a) do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril (Lei Sindical), e, no que se refere às associações patronais, na alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 215-C/75, de 30 de Abril (Lei das Associações Patronais), ambos os diplomas revogados pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, sendo o Decreto-Lei n.º 215-C/75 com a entrada em vigor do Código do Trabalho (aprovado por aquela Lei) e o Decreto-Lei n.º 215-B/75, com a entrada em vigor das normas regulamentares do Código do Trabalho.
[51] Anteriormente, a participação das organizações de trabalhadores encontrava-se regulada na Lei n.º 16/79, de 26 de Maio, e as relações colectivas de trabalho estavam reguladas no Decreto-Lei n.º 519-C/79, de 29 de Dezembro, diplomas que foram revogados com a entrada em vigor do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003.
[52] Alterada pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro.
[53] Cfr. artigos 346.º e ss.
[54] Ob. cit., págs. 616 e 617.
[55] Ver, a este propósito, a Autora já atrás referida MARIE-DOMINIQUE CHARLIER-DAGRAS, ob.cit., págs. 1119 e 1120, e, entre nós, LIBERAL FERNANDES, “As Forças Armadas e a PSP perante a liberdade sindical”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer-Correia, Universidade de Coimbra, Boletim da Faculdade de Direito, número especial, Coimbra, 1991, págs. 975 e ss.
[56] O Tribunal Constitucional, mesmo em relação aos agentes da PSP, no Acórdão n.º 103/87, de 24 de Março (publicado no Diário da República, II Série, n.º 103, de 6 de Maio de 1987), julgou não inconstitucional a norma do artigo 69.º, n.º 2, da Lei n.º 29/82, na parte em que, ao remeter para o artigo 31.º, excluía aqueles agentes de exercício dos direitos sindicais referidos nos n.os 4, 5 e 6 – convocação ou participação em reunião ou manifestação de carácter sindical e filiação em associações de carácter sindical ou participação em actividades por ela desenvolvidas. Entendimento reafirmado no Acórdão n.º 221/90, de 20 de Junho de 1990, publicado no Diário da República, II Série, n.º 18, de 22 de Janeiro de 1991. Naturalmente, impõe-se frisar que tais decisões reportavam-se ao artigo 270.º da CRP, na redacção dada pela revisão constitucional de 1982.
[57] Ver www.dgsi.pt.
[58] Vide, acima, ponto 2.2. deste parecer.