Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002296
Parecer: P000742003
Nº do Documento: PPA23102003007400
Descritores: EXPLORAÇÃO DE JOGO
MÁQUINA DE DIVERSÃO
LICENCIAMENTO
PROCESSO CONTRA-ORDENACIONAL
COMPETÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO
COMPETÊNCIA INSTRUTÓRIA
COMPETÊNCIA DECISÓRIA
GOVERNADOR CIVIL
DESCENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA
TRANSFERÊNCIA DE COMPETÊNCIA
CÂMARA MUNICIPAL
AUTORIDADE POLICIAL
POLÍCIA MUNICIPAL
PSP
GNR
INSPECÇÃO GERAL DE JOGOS
INTERPRETAÇÃO DA LEI
LEI GERAL
LEI ESPECIAL
COMPLEMENTARIDADE
PRINCÍPIO DA OFICIALIDADE
DEVER DE COLABORAÇÃO
DIREITO DE MERA ORDENAÇÃO SOCIAL
PROCESSO PENAL
LEI SUBSIDIÁRIA
Livro: 00
Numero Oficio: 2271
Data Oficio: 06/26/2003
Pedido: 06/30/2003
Data de Distribuição: 07/01/2003
Relator: FÁTIMA CARVALHO
Sessões: 01
Data da Votação: 10/23/2003
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: MAI
Entidades do Departamento 1: MIN DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 05/31/2004
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 07-07-2004
Nº do Jornal Oficial: 158
Nº da Página do Jornal Oficial: 10222
Indicação 2: ASSESSOR:TERESA BREIA
Área Temática:DIR ADM * ADM PUBL / DIR ORDN SOC
Ref. Pareceres:P001341985Parecer: P001341985
P000311988Parecer: P000311988
P000281990Parecer: P000281990
CA00091996Parecer: CA00091996
P000331998Parecer: P000331998
P003572000Parecer: P003572000
P001862001Parecer: P001862001
P000352003Parecer: P000352003
Legislação:CONST76 ART6 ART237 N1 N3; DL 264/2002 DE 2002/11/25 ART4 N1 E N2; DL 310/2002 DE2002/12/18 ART27 ART47 ART48 ART50 ART52; DL 48912 DE 1969/03/18; DL 293/81 DE 1981/10/16; DL 21/85 DE 1985/01/17 ART10; DL 22/85 DE 1985/01/17; L 2/87 DE 1987/01/08; DL 252/92 DE 1992/11/19; DL 316/95 DE 1995/11/28 [ANEXO ART1 E ART25 ART50]; DL 213/2001 DE 2001/08/02; L 159/99 DE 1999/09/14 ART2 ART4 N1 ART13 ART30; L 169/99 DE 1999/09/18 ART64 N5 ART68 N2; L 5-A/2002 DE 2002/01/11; CADM 163 §2; L 32/94 DE 1994/08/23; L 140/99 DE 1999/08/28 ART2 ART3 N1 ART4; DL 39/2000 DE 2000/03/17; DL 40/2000 DE 2000/03/17; L 5/99 DE 1999/01/27 ART2 ART96 N2; L 231/93 DE 1993/06/26 ART2 D ART25; DL 184/88 DE 1988/05/25 ART3 ART13; DL 433/82 DE 1982/10/27 ART41 N1 ART48; CPP87 ART243 ART248 ART249
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1ª - O Decreto-Lei nº 310/2002, de 18 de Dezembro, transferiu para as câmaras municipais competências anteriormente cometidas aos governos civis para o licenciamento de determinadas actividades, entre as quais a de exploração de máquinas de diversão, e atribuiu àqueles órgãos autárquicos, as competências para fiscalizarem essa actividade, bem como para instaurarem e instruirem os respectivos processos de contra-ordenação e aplicar as sanções correspondentes.
2ª - Nos termos da Lei nº 140/99, de 28 de Agosto, as atribuições dos municípios no domínio de polícia administrativa compreendem a fiscalização das normas de âmbito nacional que disciplinam matérias da competência dos seus órgãos, cabendo o exercício das funções de fiscalização aos respectivos serviços, em especial às polícias municipais, sempre que tenham sido criadas.
3ª - No âmbito da actividade de exploração de máquinas de diversão, prevista no capítulo VI do Decreto-Lei nº 310/2002, os ilícitos contra-ordenacionais visam prevenir e sancionar o incumprimento das exigências e condições decorrentes do regime de licenciamento, não estando em causa interesses que transcendam a competência das câmaras municipais.
4ª - A fiscalização dessa actividade, exercida de forma pro-activa, programada, sistemática e permanente, é da competência específica das câmaras municipais, com a coadjuvação técnica da Inspecção-Geral de Jogos, nos termos do artigo 27º do mesmo diploma legal.
5ª - A norma contida no artigo 27º encontra-se numa relação de complementaridade relativamente à norma do artigo 52º do mesmo diploma, que dispõe sobre a competência para a fiscalização de todas as actividades a que o mesmo respeita, cometendo-a às câmaras municipais bem como às autoridades administrativas e policiais.
- As autoridades policiais detêm assim, no âmbito da actividade de exploração de máquinas de diversão, competência genérica para a fiscalização, estando sujeitas aos deveres de noticiarem as infracções que verifiquem, de preservarem meios de prova e de prestarem colaboração às autoridades autárquicas, nos termos do artigo 52º daquele diploma legal e em conformidade com o disposto no Código de Processo Penal, na lei quadro do ilícito de mera ordenação social e nos respectivos diplomas orgânicos.

Texto Integral: Senhor Ministro da Administração Interna,
Excelência:

I
Tendo-se suscitado dúvidas sobre o «sentido interpretativo» a conferir a duas normas do Decreto-Lei nº 310/2002, de 18 de Dezembro, que regula o regime jurídico do licenciamento e fiscalização, pelas câmaras municipais, de actividades diversas anteriormente cometidas aos governos civis, dignou-se Vossa Excelência, acolhendo a proposta formulada pela Auditoria Jurídica desse Ministério[1], solicitar parecer a este Conselho Consultivo[2].

Cumpre, pois, emitir parecer, com a urgência solicitada.

II
1. Em causa, estão as disposições do artigo 27º e do artigo 52º, nº 1, daquele diploma legal:

- a primeira, inserida no capitulo VI - «Licenciamento do exercício da actividade de exploração de máquinas de diversão» - comete às câmaras municipais a competência para a fiscalização do disposto nesse capítulo, bem como para a instrução dos respectivos processos de contra-ordenação;
- a segunda, inserida no capítulo XIII - «Fiscalização» - comete às câmaras municipais, bem como às autoridades administrativas e policiais, a competência para a fiscalização do disposto no diploma.

Importa, assim, delimitar o âmbito de aplicação das referidas normas e caracterizar a relação lógico-jurídica existente entre ambas, com vista à obtenção de resposta à questão concreta que se coloca: se as autoridades policiais devem ser também consideradas competentes para a fiscalização no âmbito da primeira norma e respectivo capítulo em que se insere, ou seja, se incumbe às autoridades policiais, para além das câmaras municipais, a fiscalização da actividade de exploração de máquinas de diversão.


2. Com base nos elementos enviados, e esboçado um breve enquadramento da questão, começaremos por sintetizar os principais argumentos expostos a favor de cada uma das soluções que, de forma divergente, são defendidas pela Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) e pela Auditoria Jurídica (AJ).

A Associação Nacional de Municípios Portugueses, através de ofício enviado ao gabinete do Ministro da Administração Interna, expôs o seu entendimento no sentido de que a competência para a fiscalização da actividade de exploração de máquinas de diversão, deve continuar a caber também às forças policiais, nos termos do artigo 52º, nº 1, do Decreto-Lei nº 310/02. Argumenta, além do mais, que o legislador não pretendeu atribuir, ao nível da fiscalização, «qualquer exclusivo» às câmaras municipais, nem pretendeu eliminar a competência de outras entidades, designadamente das entidades policiais, defendendo ainda que «a repercussão social inquestionável do sector torna necessário o esforço de todos na fiscalização da problemática em causa».

A Auditoria Jurídica, por seu turno, emitiu parecer em sentido contrário, louvando-se fundamentalmente nos princípios gerais de interpretação da lei, atendendo à relação de especialidade que considerou existir entre as normas em referência.

Aí se entendeu que a norma contida no artigo 27º tem natureza especial e excepciona do regime geral o capítulo do diploma em que está inserida, explicitando o referido parecer que «o âmbito de aplicação da norma especial insere-se totalmente no âmbito da norma mais geral» e que «no que concerne à fiscalização, os casos da norma especial são também os casos da norma mais geral». Concluiu, «embora com algumas dúvidas», que a fiscalização do licenciamento da actividade de exploração das máquinas de diversão se deve reger apenas pelo disposto naquele artigo 27º, estando subtraída ao regime geral instituído pelo artigo 52º, daí resultando a exclusão da competência das entidades policiais para a actividade fiscalizadora prevista na norma especial.

Pesou, neste entendimento, a análise comparativa entre as referidas normas do Decreto-Lei nº 310/2002 e as correspondentes normas do diploma legal que anteriormente regulava a matéria[3], nas quais o legislador se teria inspirado, consideradas, umas e outras, no quadro normativo mais amplo em que estavam inseridas, nomeadamente, no que concerne à designação das entidades competentes para o licenciamento da actividade e para a instrução dos processos contra-ordenacionais[4]; pesou ainda, na solução defendida, a possibilidade de criação de serviços de polícia municipal, nos termos da Lei nº 140/99, de 28 de Agosto, que, entretanto, havia entrado em vigor.

Por se revelar particularmente elucidativa do pensamento expresso, transcreve-se a seguinte passagem do parecer da Auditoria Jurídica:

«(...) se no domínio do Anexo ao Decreto-Lei nº 361/95 se justificava a inserção de uma norma específica nesta matéria, pela falta de coincidência entre a entidade competente para a fiscalização e para a instrução de processos de contra-ordenação, no presente diploma tal não teria justificação.
Acresce que o regime jurídico vigente na data de publicação do Decreto-Lei nº 316/95, e o regime actualmente em vigor são substancialmente diferentes, tendo em atenção a possibilidade da criação de polícias municipais – como serviços municipais especialmente vocacionados para o exercício de funções de polícia administrativa, com os poderes de autoridade e inserção hierárquica definidos na Lei 140/99, de 28 de Agosto, a qual também estabeleceu a sua dependência orgânica (cfr. o art.º 5º) e as competências que lhes são atribuídas (cfr. o art.º 4º).»

Não obstante o entendimento perfilhado, mas atendendo ao «melindre da questão» e à «divergência de entendimentos», o parecer propôs, em alternativa, a adopção de uma providência legislativa adequada ou a consulta a este corpo consultivo, tendo a segunda formulação merecido acolhimento[5].


III

1. Em prossecução do princípio da descentralização democrática da administração pública, consagrado nos artigos 6º e 237º da Constituição, o Decreto-Lei nº 264/2002, de 25 de Novembro, procedeu à transferência para as câmaras municipais de competências dos governos civis em matérias consultivas, informativas e de licenciamento. Quanto às últimas, dispõe o artigo 4º:

«Artigo 4º
Licenciamento de actividades diversas
1 - Compete às câmaras municipais o licenciamento do exercício e a fiscalização das seguintes actividades:
a) Guarda-nocturno;
b) Venda ambulante de lotarias;
c) Arrumador de automóveis;
d) Realização de acampamentos ocasionais;
e) Exploração de máquinas automáticas, mecânicas, eléctricas e electrónicas de diversão;

f) Realização de espectáculos desportivos e de divertimentos pú-blicos nas vias, jardins e demais lugares públicos ao ar livre;
g) Venda de bilhetes para espectáculos ou divertimentos públi-cos em agências ou postos de venda;
h) Realização de fogueiras e queimadas;
g) Realização de leilões.
2 - O regime jurídico do licenciamento municipal do exercício e da fiscalização das actividades referidas no número anterior é estabelecido mediante diploma próprio.»


2. Conforme previsto, o Decreto-Lei nº 310/2002, de 18 de Dezem-bro, veio regular o regime jurídico do licenciamento e fiscalização das actividades discriminadas no preceito legal atrás transcrito.

De acordo com o respectivo preâmbulo visa-se, através das competências atribuídas às câmaras municipais, reforçar a descentralização administrativa, «com inegável benefício para as populações, atenta a maior proximidade dos titulares dos órgãos de decisão ao cidadão, a maior celeridade e eficácia administrativas».


2.1. Importa conhecer a sistematização deste diploma legal, a fim de melhor se caracterizar o eventual conflito internormativo que suscitou a presente consulta.

O Decreto-Lei nº 310/2002 é constituído por catorze capítulos.

O Capítulo I - «Âmbito e licenciamento» - estabelece o princípio de que o exercício das actividades a que respeita «carece de licenciamento municipal» e permite a delegação e sub-delegação das competências atribuídas às câmaras municipais, no seu presidente, nos vereadores e nos dirigentes dos serviços municipais.

Os capítulos seguintes (II a XI) correspondem, sucessiva e exclusivamente, a cada uma das actividades discriminadas no artigo 1º - «Âmbito» - que coincidem com o elenco constante do artigo 4º do Decreto-‑Lei nº 264/2002, atrás transcrito. Destes, merece-nos destaque o Capítulo VI, por respeitar a «Licenciamento do exercício da actividade de exploração das máquinas de diversão».

Os restantes capítulos (XII a XIV) respeitam, respectivamente, a «Sanções», «Fiscalização» e «Disposições finais e transitórias».


2.2. No capítulo VI, que particularmente releva para o objecto da presente consulta, o legislador, após definir o conceito de «máquinas de diversão» para efeitos do aí disposto[6], condicionou a sua exploração ao cumprimento de diversos trâmites (tais como o registo prévio de cada uma das máquinas e a classificação dos temas dos jogos pela Inspecção-Geral de Jogos), bem como à concessão de licença de exploração a emitir pela câmara municipal. O exercício dessa actividade ficou sujeita às seguintes condições e condicionamentos: limitação do número de máquinas por estabelecimento, prévio licenciamento do respectivo local de exploração, proibição de utilização por menores de dezasseis anos de idade (excepto se, maiores de doze, se encontrarem acompanhados por quem exerça o poder paternal), afixação, no local de utilização, de inscrição ou dístico contendo elementos identificadores e informativos.

No artigo 26º, foi prevista a responsabilidade do proprietário das máquinas ou do explorador do estabelecimento pelas infracções ao disposto neste capítulo, as quais se encontram tipificadas como contra-ordenações no artigo 48º do capítulo XII - «Sanções».

No artigo 27º, preceito particularmente em foco no âmbito da presente consulta, o legislador dispôs sobre «Fiscalização», nos seguintes termos:
«Artigo 27º
Fiscalização
A fiscalização da observância do disposto no presente capítulo, bem como a instrução dos respectivos processos contra-ordenacionais, compete às câmaras municipais, sendo a Inspecção-Geral de Jogos o serviço técnico consultivo e pericial nesta matéria.»


2.3. Por seu turno, o capítulo XIII do diploma, exclusivamente dedicado a «Fiscalização», contém um único artigo - artigo 52º - igualmente visado na presente consulta, com o seguinte conteúdo:

«Artigo 52º
Entidades com competência de fiscalização
1 - A fiscalização do disposto no presente diploma compete à câmara municipal, bem como às autoridades administrativas e policiais.
2 - As autoridades administrativas e policiais que verifiquem infracções ao disposto no presente diploma devem elaborar os respectivos autos de notícia que remetem às câmaras municipais no mais curto prazo de tempo.
3 - Todas as entidades fiscalizadoras devem prestar às câmaras municipais a colaboração que lhes seja solicitada.»


2.4. Coexistem, pois, no mesmo diploma, dois preceitos sobre fiscalização, respeitando o primeiro apenas às infracções ao disposto no capítulo VI e o segundo às infracções ao disposto em todo o diploma, evidenciando-se aspectos diferenciadores nos respectivos conteúdos normativos.

O artigo 27º, não obstante a sua epígrafe, estatui quer sobre competência para a fiscalização, quer sobre competência para a instrução dos processos contra-ordenacionais, cometendo-a, em ambos os casos, às câmaras municipais, sem ressalvar a competência de qualquer outra entidade, consignando apenas a função consultiva e pericial que a Inspecção-Geral de Jogos desempenhará, nesta sede.

O artigo 52º, nº 1, estatui apenas sobre fiscalização, cometendo a respectiva competência às câmaras municipais «bem como» às autoridades administrativas e policiais. Os números 2 e 3 prevêem os deveres de levantamento de auto de notícia e de colaboração com as câmaras municipais a que estão sujeitas aquelas autoridades.

De referir que nenhum dos demais capítulos exclusivamente dedicados às restantes actividades a cujo licenciamento de exercício e fiscalização respeita o diploma, contém, à semelhança do capítulo VI, uma norma própria sobre fiscalização.


2.5. Merece-nos ainda referência o capítulo XI - «Sanções» - que consagra o regime legal e tipifica as contra-ordenações. O legislador autonomizou no artigo 48º as infracções ao disposto no capítulo VI (máquinas de diversão), e num outro e único preceito - artigo 47º - incluiu todo as restantes infracções aos demais capítulos e actividades a que respeita o diploma.

O artigo 50º - «Processo contra-ordenacional» - inserido no mesmo capítulo, consagra uma regra de competência material, atribuindo ao presidente da câmara a competência para a instauração dos processos de contra-ordenações e para a aplicação das coimas e das sanções acessórias e atribuindo às câmaras municipais a competência para a instrução dos processos. O nº 3 dispõe que o produto das coimas constitui receita dos municípios.


IV

Para melhor compreensão do actual regime, mostra-se conveniente conhecer, ainda que em traços gerais, a forma como, no passado recente, a utilização das máquinas de diversão foi disciplinada pelo legislador, e como, de um modo geral, essa problemática tem evoluído.[7]


1. Numa primeira fase, a disciplina jurídica desta actividade era reveladora da tradicional associação do jogo a práticas ilícitas[8]; proliferavam então determinados tipos de máquinas de jogo, a cuja utilização desregulada se atribuíam consequências negativas e preocupantes, sobretudo nas camadas mais jovens da população.

Após um período de tempo em que a regulamentação legal[9] tinha directamente em vista as máquinas de jogo genericamente designadas por «flippers», podendo ser aplicada a outros tipos de máquinas, mediante despacho do Ministro da Administração Interna[10], com a entrada em vigor dos Decretos-Leis nº 21/85 e nº 22/85, ambos de 17 de Janeiro, assistiu-se a uma autonomização fundamental de conceitos, critérios e regimes aplicáveis, de acordo com o tipo de máquina em causa. Conforme se referiu no parecer nº 134/85, de 16 de Julho de 1987, deste Conselho, teve-se em vista a «modificação dos critérios de uniformidade normativa para os diversos tipos de máquinas de diversão», que haviam influenciado o sistema anterior[11].

As máquinas de diversão foram objecto de uma definição mais restritiva. O Decreto-Lei nº 21/85, que continha o novo regime jurídico do licenciamento e exploração deste tipo de máquinas, definia como tais, «aquelas que, não pagando prémios em dinheiro, fichas ou coisas com valor económico, desenvolvem jogos cujos resultados dependem exclusiva ou fundamentalmente da perícia do utilizador».

Das máquinas de diversão assim definidas, passaram a distinguir-se as «máquinas automáticas, eléctricas, electrónicas ou mecânicas, que, não pagando directamente prémios em dinheiro, fichas ou coisas com valor económico, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte»[12]. A utilização destas máquinas foi expressamente remetida para o regime jurídico do Decreto-Lei nº 48912, de 18 de Março de 1969[13], referente aos jogos de fortuna ou azar, ficando a sua exploração restrita aos casinos das zonas de jogo.

Entre os dois tipos de máquinas, o legislador relevou uma significativa diferença quanto aos problemas sociais e às questões de natureza ética que suscitavam, considerando que eram as máquinas do segundo tipo que proporcionavam a prática ilegal de jogos de fortuna ou azar e as apostas ilícitas. Essa diferenciação reflectia-se no regime sancionatório aplicável em cada um dos casos: no âmbito da prática de jogos de fortuna ou azar estavam tipificados ilícitos criminais, puníveis com penas de prisão[14]; no âmbito de exploração das máquinas de diversão, dependentes da perícia do utilizador, os ilícitos previstos não reflectiam um desvalor ético-jurídico relevante, e continham-se no domínio do ilícito de mera ordenação social.

A este propósito, recorda-se ainda a seguinte passagem do mesmo parecer do Conselho Consultivo:

«(...) Diferenciação que inteiramente fica tributária da distinta conformação axiológica dos comportamentos proibidos: meros interesses de eficiência da fiscalização e de respeito pelas imposições de natureza regulamentar relativamente à exploração das máquinas em geral permitidas, e tutela de interesses de maior relevância social ligados à prevenção do risco da prática incontrolada de jogos de fortuna ou azar, que justifica a específica restrição dessa prática ao limite dos casinos das zonas de jogo autorizadas.
A definição conceitual-formal de contra-ordenação fixada pelo legislador para as infracções previstas no Decreto-Lei nº 21/85, de 17 de Janeiro, contém, desta forma, pressuposto um critério material-qualitativo – a neutralidade e a falta de ressonância ética de comportamentos relacionados com meras condições formais ou regulamentares de uma actividade apenas sujeita a licença administrativa de exploração.»


2. Atentemos agora na evolução da regulamentação legal da actividade de exploração nas máquinas de diversão, segundo o conceito introduzido pelo Decreto-Lei nº 21/85 - que, no essencial, se tem mantido - sendo que, a este tipo de máquinas se restringe o objecto deste parecer.


2.1. Os diplomas legais sucessivamente aplicáveis ao licenciamento e fiscalização da actividade de exploração das máquinas de diversão - Decreto-Lei nº 21/85, de 17 de Janeiro, Decreto-Lei nº 316/95, de 28 de Novembro e Decreto-Lei nº 310/2002, de 18 de Dezembro - mantiveram um núcleo essencial de exigências, condições e condicionamentos, de que dependem a permissão e a licitude dessa actividade.

Fundamentalmente, os sucessivos diplomas legais têm imposto:

- O registo prévio da máquina;
- A concessão de licença de utilização;
- A classificação dos temas de jogo (pela Inspecção-Geral de Jo-gos);
- A limitação do número de máquinas por estabelecimento;
- O licenciamento do estabelecimento ou recinto de utilização, para esse efeito, os quais não podem situar-se nas proximidades de estabelecimentos de ensino;
- A proibição de utilização por menores (inicialmente menores de de-zoito anos, posteriormente de dezasseis, sendo porém permitida a maiores de doze, se acompanhados por quem exerce o poder paternal);
- A afixação de letreiros com dizeres de identificação e de advertên-cia, nos locais de utilização;
- O pagamento de taxas pela utilização ou pelos actos requeridos.


3. Mantido inalterável o núcleo fundamental de exigências, condições e condicionamentos à exploração desta actividade, registou-se contudo significativa alteração quanto às entidades às quais foi conferida competência para os diversos actos de registo, de licenciamento, bem como para a fiscalização, instrução e decisão dos processos de contra-ordenação instaurados por incumprimento das respectivas determinações.


3.1. Até à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 310/2002, de 18 de Dezembro, os actos de registo e de licenciamento eram da competência dos governadores civis, aos quais competia também a aplicação das sanções e para os quais revertiam a totalidade das taxas pagas e parte do produto das coimas.

A competência para a fiscalização e para a instrução dos processos contra-ordenacionais estava cometida às autoridades policiais, registando-se as seguintes especificidades:

- Na vigência do Decreto-Lei nº 21/85, tal competência cabia às autoridades policiais, designadamente à Guarda Nacional Republi-cana e à Polícia de Segurança Pública, à Guarda Fiscal e ainda à Inspecção-Geral de Jogos;
- Com o Decreto-Lei nº 316/95, foi mantida a competência fis-calizadora e instrutória das entidades policiais, passando a ser reservada à Inspecção-Geral de Jogos[15] uma função técnica, pericial e consultiva.


3.2. Com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 310/2002, as competências para os diversos actos de registo, de licenciamento e bem assim para a fiscalização, instrução e decisão de processos contra-‑ordenacionais, convergiram nas câmaras municipais; o produto das coimas aplicadas passou a constituir receita dos municípios; a Inspecção-Geral de Jogos manteve a função consultiva e pericial.


3.3. Outro aspecto diferenciador do novo diploma respeita aos motivos de recusa da concessão ou da renovação de licença de exploração.

O artigo 23º do Decreto-Lei nº 310/2002, mantendo o carácter temporário das licenças (por períodos semestrais ou anuais), bem como os documentos necessários à instrução do pedido[16], prevê, no nº 3, a possibilidade de recusa “sempre que tal medida se justifique”, conferindo ao órgão competente uma margem de discricionaridade na determinação e ponderação dos motivos relevantes para a decisão. Nos diplomas anteriores, o órgão com poder de decisão estava vinculado à apreciação e indicação de fundamentos de interesse público expressamente enunciados pelo legislador: “protecção da infância e da juventude, “prevenção da crimi-nalidade”, “segurança”, “ordem” e “tranquilidade públicas”[17].


4. No que concerne à fiscalização, e tal como foi evidenciado pela Auditoria Jurídica, o Decreto-Lei nº 310/2002 inspirou-se manifestamente nas correspondentes normas do diploma legal anterior[18].

Importa, por isso, conhecer, ainda que em linhas gerais, a sistematização desse diploma e o conteúdo das normas em referência.


4.1. O Anexo do Decreto-Lei nº 316/95, de 28 de Novembro, que continha o anterior regime jurídico do licenciamento do exercício de diversas actividades, entre as quais a de exploração de máquinas de diversão, apresentava uma sistematização muito semelhante àquela que foi adoptada pelo Decreto-Lei nº 310/2002: organizado em quatro capítulos, o primeiro dos quais, referente a «Licenciamento do exercício de actividades», estava subdividido em nove secções, correspondentes a cada uma das actividades cujo licenciamento constituía o objecto do diploma[19].

A secção V, referente à exploração de máquinas de diversão, continha já, contrariamente às restantes secções, uma norma sobre fiscalização – artigo 25º - que dispunha:

«Artigo 25º
Fiscalização
A fiscalização da observância do disposto na presente secção, bem como a instrução dos respectivos processos contra-ordenacionais, compete às autoridades policiais, sendo a Inspecção-Geral de Jogos o serviço técnico consultivo e pericial dos governadores civis e daquelas autoridades nesta matéria.»

Os restantes capítulos respeitavam, sucessivamente, a «Protecção de pessoas e bens», «Sanções», «Disposições finais e transitórias», sendo que este último continha também uma norma da âmbito geral sobre «Fiscalização» - artigo 50º - com o seguinte conteúdo:

«Artigo 50º
Fiscalização
A fiscalização do presente diploma compete às autoridades administrativas, à Polícia de Segurança Pública e à Guarda Nacional Republicana.»


4.2. O diploma legal anterior cometia, pois, a competência fiscalizadora às entidades policiais, quer no preceito sobre fiscalização inserido no capítulo final, de âmbito geral, quer no preceito sobre fiscalização inserido no capítulo especificamente referente à exploração de máquinas de diversão. Neste, porém, as autoridades policiais eram as únicas entidades fiscalizadoras previstas; já o preceito de âmbito genérico previa, expressamente, para além da competência das autoridades policiais - PSP e GNR - a competência fiscalizadora das autoridades administrativas.

O preceito legal inserido no capítulo referente a máquinas de diversão dispunha ainda sobre competência para a instrução dos respectivos processos contra-ordenacionais, atribuindo-a às autoridades policiais, e previa a intervenção da Inspecção-Geral de Jogos como serviço técnico consultivo e pericial.


4.3. Conforme já se referiu, no âmbito do Decreto-Lei nº 316/95, competia aos governadores civis o licenciamento do exercício das respectivas actividades, competindo-lhes também a aplicação de coimas e sanções acessórias.

A competência para conceder autorizações e licenças previstas na lei para o exercício de certas actividades, decorria do próprio Estatuto dos governadores civis[20], que permitia a delegação dessa competência nos comandantes de diversas unidades da PSP e da GNR.

As autoridades policiais detinham assim, no domínio da actividade de exploração de máquinas de diversão, poderes de fiscalização, de instrução processual e, eventualmente, nos termos supra referidos, de licenciamento.

Esta acumulação de competências pelas autoridades policiais mostra-se consonante com as preocupações expressas pelo legislador, que considerava as actividades a regular, práticas que interferiam com a ordem e a segurança. Elucidativo do sentimento que então prevalecia é a projecção expressa no preâmbulo do diploma: «O desenvolvimento desregulado de actividades marginais à economia legal tem gerado um ambiente de reprovação pública e, em alguns casos, um sentimento de insegurança que se fica a dever não só ao desvalor absoluto de algumas dessas actividades como à circunstância de a sua prática estar associada à proliferação de comportamentos desviantes, agravando situações já delicadas».

O mesmo preâmbulo realçava as competências dos governadores civis como «órgão administrativo que, na área do distrito, intervém como representante do Governo, para fins de manutenção da ordem, tranquilidade e segurança públicas». Eram pois destacadas, entre as funções tradicionalmente exercidas pelos governadores civis, as funções de polícia, e reconhecia-se a necessidade de os dotar dos instrumentos legais que lhes permitissem «condicionar o acesso» às actividades a licenciar e «reprimir os excessos ou a sua prática ilegal».


5. Poder-se-á percepcionar, através da evolução dos regimes legais aplicáveis, que os factores que associavam a exploração das máquinas de diversão ao risco de danos sociais, de perturbação da paz pública, insegurança, criminalidade e corrupção da juventude, se foram atenuando, e que esta matéria e sua regulamentação se afastou da regulamentação da prática de jogo, enquanto actividade, à partida, ilícita.

A inclusão do regime atinente à exploração das máquinas de diversão como mero capítulo, ou secção, de diplomas legais que regulam o exercício de diversas outras actividades sujeitas a licenciamento, indiciava já esse afastamento.

Podemos assim ensaiar, desde já, uma primeira consideração, no sentido de que as grandes preocupações com a preservação da segurança, ordem e tranquilidade públicas, que presidiram aos diplomas legais anteriores, não assumem a mesma preponderância no diploma de 2002; neste, o legislador privilegiou outros valores, de ordem administrativa: a proximidade do centro de decisão ao cidadão, a eficácia, a celeridade[21].

Esta evolução axiológica não será decerto inócua para a interpretação do papel atribuído às autoridades policiais em cada um dos diplomas.


6. Outra consideração que se evidencia é que, a introdução de uma norma sobre competência para a fiscalização e para a instrução no capítulo referente a máquinas de diversão - e apenas nesse capítulo especial - bem como a autonomização das infracções desse capítulo numa norma sancionatória própria, seguiram o modelo adoptado pelo diploma que anteriormente regulava a mesma matéria. Numa primeira abordagem, cremos que nessa opção legislativa pesou a constatação das especificidades de ordem técnica inerentes à materialidade das respectivas infracções, cuja detecção e demonstração podem exigir a coadjuvação de um serviço especializado nas práticas, modalidades e instrumentos de jogo, quer em fase de fiscalização, quer em fase de instrução.




V

1. A evolução registada quanto às entidades competentes para o licenciamento e fiscalização das actividades a que nos reportamos, insere-‑se, por outro lado, num processo mais amplo, de transferência de poderes e competências da administração central para as câmaras municipais, no âmbito de uma política de descentralização e de reforço do poder local.

O princípio da descentralização administrativa vem assumindo cada vez maior importância nos programas políticos, inspirando as orientações legislativas. Como referem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA[22], em sentido estrito, «a descentralização exige a separação de certos domínios da administração central e a sua entrega a entidades autónomas possuidoras de interesses colectivos próprios - autarquias locais, associações públicas ou outras entidades de substracto pessoal (pessoas colectivas) - dotadas de órgãos próprios de autogoverno».


2. Era no âmbito dos poderes de polícia que o governador civil podia limitar o período de abertura e determinar o encerramento de estabelecimentos que explorassem jogos de divertimento ou podia recusar a concessão ou a renovação de licenças de exploração sempre que tal medida de polícia se justificasse para protecção à infância e juventude, prevenção de criminalidade e da ordem e tranquilidade públicas[23].

Segundo MARCELLO CAETANO[24], a licença, tal como a autorização, a concessão e a admissão, integram o conceito de actos permissivos de conteúdo positivo, definidos como os que «facultam ou permitem a alguém a adopção de uma conduta que em princípio lhe está vedada». Nesta concepção, a licença é definida como «acto administrativo que permite a alguém a prática de um acto ou o exercício de uma actividade relativamente proibidos», e que se distingue da autorização, definida como «acto administrativo que permite a alguém o exercício de um seu direito ou de poderes legais».

A licença tem natureza policial, segundo o mesmo Professor, quando concedida por uma autoridade com poderes de polícia e no exercício desses poderes e só deve ser concedida quando se verifique «não provirem dela inconvenientes para a ordem pública»[25], pressupondo assim a existência de uma norma que proíba o exercício da actividade «a quem não reúna certos requisitos ou satisfaça certas condições que permitam evitar ou diminuir o perigo». A sua concessão tem como principal efeito «colocar aquele que dela beneficie ou o local licenciado sob a vigilância especial da polícia».

Cabe aqui registar a evolução doutrinária no sentido do alargamento da figura da autorização, que passou a abranger categorias designadas pelo próprio legislador de outras formas, tais como as licenças que “caracteristicamente” assumem tal feição[26]. ROGÉRIO SOARES inclui nos actos autorizativos, as dispensas, as autorizações constitutivas e as autorizações permissivas, distinguindo entre estas últimas aquelas em que o legislador, outorgada a autorização, não conserva ligação específica com a situação criada, daquelas outras em que, outorgada a autorização, «o agente cria uma situação que se manifesta num poder de controlo ou direcção»[27].


3. Refira-se que a partir da entrada em vigor da Lei nº 2/87, de 8 de Janeiro, as câmaras municipais participavam já no processo de licenciamento de jogos de perícia, de exploração de máquinas de diversão e de outras diversões públicas, sendo obrigatória a sua consulta acerca dos pedidos de licenciamento que não fossem liminarmente indeferidos, sob pena de nulidade da decisão, e que esse parecer, se desfavorável, era vinculativo (parecer “relativamente vinculante”[28]).

Na discussão parlamentar do respectivo projecto de lei[29], foi largamente evidenciada a circunstância de as câmaras municipais, atento o factor proximidade, se encontrarem em posição privilegiada para avaliarem as vantagens e “sobretudo as desvantagens” destes licenciamentos.


4. Analisemos, porém, o complexo normativo donde emergem as novas atribuições das autarquias e as competências dos seus órgãos.


4.1. A Lei nº 159/99, de 14 de Setembro, estabelece o quadro de transferência de atribuições e competências para as autarquias locais, através da qual se prosseguiram os princípios da descentralização administrativa e da autonomia do poder local, consagrados no artigo 237º, nº 1, da Constituição [30].

Dispõe o artigo 2º da referida Lei nº 159/99:




«Artigo 2º
Princípios gerais
1 - A descentralização de poderes efectua-se mediante a transferência de atribuições e competências para as autarquias locais tendo por finalidade assegurar o reforço da coesão nacional e da solidariedade inter-regional e promover a eficiência e a eficácia da gestão pública assegurando os direitos dos administrados.
2 - A descentralização administrativa assegura a concretização do princípio da subsidiariedade devendo as atribuições e competências ser exercidas pelo nível da administração melhor colocado para as prosseguir com racionalidade, eficácia e proximidade dos cidadãos.
3 - A administração central e a administração local devem coordenar a sua intervenção, no exercício de competências próprias, designadamente através das formas de parceria previstas no artigo 8º de modo a assegurar a unidade na prossecução de políticas públicas e evitar sobreposição de actuações.
4 - (...)
5 - O prosseguimento das atribuições e competências é feito nos termos da lei e implica a concessão, aos órgãos das autarquias locais, de poderes que lhes permitam actuar em diversas vertentes, cuja natureza pode ser:
a) Consultiva;
b) De planeamento;
c) De gestão;
d) De investimento;
e) De fiscalização;
f) De licenciamento.
6 - (...)»


4.2. O artigo 13º da mesma lei contém o elenco das atribuições dos municípios, nos seguintes domínios: equipamento rural e urbano; energia; transportes e comunicações; educação; património, cultura e ciência; tempos livres e desporto; acção social; habitação; protecção civil; ambiente e saneamento básico; defesa do consumidor; promoção do desenvolvimento; ordenamento do território e urbanismo; polícia municipal; cooperação externa.

O artigo 4º, nº 1, previa que as atribuições e competências deveriam ser progressivamente transferidas para os municípios nos quatro anos subsequentes à sua entrada em vigor.


4.3. Também a Lei nº 169/99, de 18 de Setembro[31], que estabelece o quadro de competências assim como o regime jurídico de funcionamento dos órgãos municipais e das freguesias, prevê, no artigo 64º, nº 5, entre as competências das câmaras municipais, a competência em matéria de licenciamento e fiscalização, dispondo, nesta parte:

«Artigo 64º
Competências
«(...)
5 - Compete à câmara municipal, em matéria de licenciamento e fiscalização:
a) Conceder licença nos casos e nos termos estabelecidos por lei, designadamente para construção, reedificação, utilização, conservação ou demolição de edifícios, assim como para estabelecimentos insalubres, incómodos, perigosos ou tóxicos;
b) Realizar vistorias e executar, de forma exclusiva ou participada, a actividade fiscalizadora atribuída por lei, nos termos por esta definidos;
c) Ordenar, precedendo vistoria, a demolição total ou parcial ou a beneficiação de construções que ameacem ruína ou constituam perigo para a saúde ou segurança das pessoas;
d) Emitir licenças, matrículas, livretes e transferência de propriedade e respectivos averbamentos e proceder a exames, registos e fixação de contingentes relativamente a veículos, nos casos legalmente previstos.»

E entre as competências do presidente da câmara, cujo elenco consta no artigo 68º da mesma lei, destacam-se as seguintes:

- «Conceder licenças policiais ou fiscais[32] de harmonia com o disposto nas leis, regulamentos e posturas.»
- «Determinar a instrução de processos de contra-ordenação e aplicar as coimas, nos termos da lei, com a faculdade de delegação em qualquer dos restantes membros da câmara.»


VI

Debrucemo-nos, agora, sobre a prossecução das atribuições municipais no domínio de polícia, tendo presente que o artigo 30º do Decreto-Lei nº 159/99 dispõe que, em desenvolvimento dessas atribuições, «os órgãos municipais podem criar polícias municipais nos termos e com intervenção nos domínios a definir por diploma próprio».


1. Refira-se que o artigo 163º, § 2º, do Código Administrativo permitia já que as câmaras municipais instituíssem um serviço de polícia municipal, «a fim de fiscalizar o cumprimento das posturas e regulamentos policiais e de coadjuvar a autoridade policial do concelho no exercício das suas funções».

O parecer do Conselho Consultivo nº 31/88, de 18 de Agosto de 1988, aludia ao «interesse de existência de uma polícia municipal especializada na fiscalização do cumprimento de posturas e regulamentos», referindo que é à polícia municipal que se «reconduzem as actividades de fiscalização e de vigilância relativas a interesses cuja prossecução constitui atribuição das autarquias locais».

Do mesmo parecer transcreve-se a seguinte passagem final:

«Em matéria de contra-ordenações, sanção típica das infracções aos regulamentos e posturas das autarquias (artigo 21º da Lei 1/87, de 6 de Janeiro), a polícia municipal e seus agentes têm o dever de tomar conta de todos os eventos ou circunstâncias susceptíveis de implicar responsabilidade por aquele tipo de ilícitos e tomar as medidas necessárias para impedir o desaparecimento de provas, devendo remeter imediatamente às autoridades administrativas a participação e as provas recolhidas, nos termos gerais do artigo 48º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro.
Podem, ainda, ser chamados a auxiliar os órgãos executivos das autarquias na instrução dos processos de contra-ordenação, nos termos do artigo 54º nº 1, daquele Decreto-Lei, incluindo aqueles casos em que a lei confere ao presidente da câmara competência para sancionar ilícitos contra-ordenacionais não previstos em regulamentos da autarquia, nomeadamente em matéria de incêndios florestais (artigos 5º a 7º da Lei nº 19/86)».


2. A Lei nº 32/94, de 23 de Agosto, estabeleceu o quadro dos «serviços municipais de polícia», criados como serviços do município[33], na dependência orgânica e funcional do Presidente da Câmara.

3. A revisão constitucional de 1997 aditou um novo dispositivo – nº 3 – ao artigo 237º da Constituição, «Descentralização administrativa», com o seguinte conteúdo:

«As polícias municipais cooperam na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais»[34].
No novo quadro constitucional, a Lei nº 140/99, de 28 de Agosto, estabeleceu o regime e a forma de criação das polícias municipais, revogando a anterior Lei nº 32/94.

Nos termos deste diploma, as polícias municipais são «serviços municipais especialmente vocacionados para o exercício de funções de polícia administrativa».

A criação das polícias municipais compete à assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal, dependendo a eficácia da deliberação de ratificação por resolução do Conselho de Ministros[35]. A deliberação formaliza-se com a aprovação do respectivo regulamento de polícia municipal e do quadro de pessoal, e dela devem constar a enumeração das respectivas competências e a área do território do município em que serão exercidas. O município tem, pois, a liberdade de criar ou não criar o seu serviço de polícia municipal, e de limitar o elenco das competências legais, bem como a área territorial de actuação dos seus agentes.

Sobre funções de polícia, dispõe o artigo 2º deste diploma, nos seguintes termos:

«Artigo 2º
Funções de polícia
1 - No exercício de funções de polícia administrativa, cabe aos municípios fiscalizar, na área da sua jurisdição, o cumprimento das leis e regulamentos que disciplinem matérias relativas às atribuições das autarquias e à competência dos seus órgãos.
2 - As polícias municipais cooperam com as forças de segurança na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais.
3 - Aos municípios é vedado o exercício das actividades previstas na legislação sobre segurança interna e nas leis orgânicas das forças de segurança, sem prejuízo do disposto na presente lei.»
E o artigo 3º, nº 1[36], prevê, nos seguintes termos, as atribuições no exercício de funções de polícia administrativa[37]:

«Artigo 3º
Atribuições
1 - As polícias municipais exercem funções de polícia administrativa dos respectivos municípios, nomeadamente em matéria de:
a) Fiscalização do cumprimento das normas regulamentares municipais;
b) Fiscalização do cumprimento das normas de âmbito nacional ou regional cuja competência de aplicação ou fiscalização caiba ao município;
c) Aplicação efectiva das decisões das autoridades municipais.
(...)»

O artigo 4º contém o elenco de «Competências» das polícias municipais, destacando-se, no âmbito do presente parecer:

- «Execução coerciva, nos termos da lei, dos actos administrativos das autoridades municipais»;
- «Elaboração dos autos de notícia, autos de contra-ordenação ou transgressão por infracções às normas referidas no artigo 3º»;
- «Instrução dos processos de contra-ordenação e de transgressão da respectiva competência»;
- «Fiscalização do cumprimento dos regulamentos municipais, e da aplicação das normas legais, designadamente nos domínios do urbanismo, da construção, da defesa e protecção dos recursos cinegéticos, do património cultural, da natureza e do ambiente»;
- «Garantia do cumprimento das leis e regulamentos que envolvam competências municipais de fiscalização».

Os Decretos-Leis nº 39/2000 e nº 40/2000, ambos de 17 de Março, vieram regular, respectivamente, a criação de serviços de polícia municipal e as condições e modo de exercício de funções de agentes de polícia municipal [38].


VII

1. Na presente consulta coloca-se, como se referiu, uma questão de determinação de titularidade de competências, em matéria de fiscalização do exercício de actividade sujeita a licença municipal.

Fiscalizar, consiste em «verificar o bom cumprimento das normas, leis ou quaisquer regras e disposições», «submeter à vigilância», «fazer um exame minucioso, observar atentamente o cumprimento de diversas obrigações de alguém»[39].

Em termos operativos, a fiscalização compreende, frequentemente, uma vertente correctiva, em que os agentes de fiscalização exercem uma função pedagógica, visando o cabal esclarecimento, a assimilação e o cumprimento adequado por parte das entidades sujeitas à fiscalização, e uma vertente repressiva em que os agentes de fiscalização procedem ao levantamento de autos de notícia ou à participação de infracções verificadas e à recolha de elementos de prova, com base no que se iniciará o procedimento criminal ou contra-ordenacional.


2. Cotejando o regime jurídico do exercício de diversas actividades sujeitas a licenciamento, designadamente licenciamento municipal, verifica-‑se que o não cumprimento ou o cumprimento indevido das exigências, condições e formalidades a que fica sujeito o exercício da actividade licenciada, são objecto de previsão em sede de ilícito de mera ordenação social.

A lei confere às autoridades administrativas competentes para o acto de licenciamento, de acordo com a regra da unidade da competência das contra-ordenações[40], a competência para instaurar os respectivos processos contra-ordenacionais, para a sua instrução, para aplicar as correspondentes sanções e, confere ainda à mesma entidade, competência para a necessária fiscalização. Frequentemente, o legislador comete, em simultâneo, compe-tência fiscalizadora a outras autoridades administrativas e às autoridades policiais, ou ressalva expressamente o exercício das competências próprias destas autoridades [41].

A atribuição de competências pela lei visa a melhor prossecução do interesse público; na distribuição de competências entre vários entes públicos, ou entre os órgãos de um mesmo ente público, deve o legislador atender aos interesses públicos específicos subjacentes às suas atribuições, visando não só uma melhor divisão do trabalho, como também «a especialização na prática de actos e no exercício de poderes de um certo tipo»[42].

Em sede de ilícito de mera ordenação social, a lei incumbe a fiscalização das condutas tipificadas às autoridades às quais compete acautelar os bens jurídicos protegidos pelas respectivas normas sanciona-tórias. Sendo comum o legislador atribuir competência a diversas entidades, o critério de delimitação do exercício dessas competências há-de decorrer do bem jurídico ou do interesse que esteja em causa, perfilando-se, em cada caso, a competência específica da entidade em cuja esfera de atribuições melhor se inserir a sua protecção.


3. Este Conselho Consultivo teve já oportunidade de se pronunciar sobre os critérios delimitadores da competência das entidades fiscaliza-doras.

O parecer nº 186/2001[43] debruçou-se sobre aspectos relacionados com a fiscalização da actividade de venda de veículos automóveis usados na via pública, enquanto configurável como actividade de venda ambulante e, como tal, regulada pelo Decreto-Lei nº 122/79, de 8 de Maio, cujo artigo 20º previa a competência de diversas entidades para a «prevenção e acção correctiva» sobre as infracções às suas disposições, «no âmbito das respectivas atribuições»[44].

Este parecer elegeu como critério que, as referidas entidades «fiscalizam as infracções ao regime jurídico da venda ambulante em conformidade com os poderes específicos que resultem das respectivas missões de interesse público que lhes são confiadas, nas respectivas leis orgânicas ou em leis avulsas».

Analisado o regime jurídico instituído por aquele diploma, considerou-se que, de um modo geral, não estava em causa «a defesa de valores ético-sociais, de bens jurídicos essenciais à convivência comunitária, mas sim a defesa de interesses puramente administrativos, interesses secundários confiados à Administração e cuja tutela se realiza através da imposição de obrigações ou proibições que podem ser estabelecidas pela própria Administração».

Analisados também os bens jurídicos protegidos pelas infracções previstas nesse diploma, constatou-se que, num conjunto dessas infracções, os respectivos bens jurídicos relevavam das competências das câmaras municipais, respeitando à não verificação das condições administrativas estabelecidas para o exercício da actividade; nesse conjunto incluíam-se as infracções respeitantes à falta de título legítimo para o exercício de actividade, ao respeito pelos locais indicados e delimitados para aquele tipo de comércio, aos horários fixados, aos limites estabelecidos quanto à ocupação da via pública, às condições higio-sanitárias prescritas, etc. Concluiu-se, nesta parte, pela seguinte forma:

«Em qualquer das situações acabadas de mencionar será da competência específica das câmaras municipais autorizar o exercício da actividade, disciplinar o seu funcionamento, fiscalizar e sancionar as infracções, eventualmente verificadas, aos referidos aspectos da actividade de venda ambulante».

Já quanto a outras infracções, que visavam proteger outro tipo de interesses e valores, tais como a saúde pública, a defesa do consumidor ou a concorrência, cuja protecção transcendia a esfera de competências das câmaras municipais, se concluiu que a actividade fiscalizadora competia a outras entidades, em cujas atribuições melhor se enquadravam tais interesses e valores.


VIII

Os elementos expostos, habilitam-nos agora a tomar posição sobre a questão que nos é colocada.

1. Acolhendo como critério de delimitação de competência em matéria de fiscalização, o da melhor correspondência entre os interesses públicos prosseguidos pelas entidades competentes e os interesses e valores protegidos através das normas sancionatórias, não podemos deixar de evidenciar a essencialidade da competência das câmaras municipais, no âmbito da fiscalização das actividades a que respeita o Decreto-Lei nº 310/2002.

O diploma pelo qual se operou a transferência de competências para a administração local - Decreto-Lei nº 264/2002 – consagra o princípio de que cabe às câmaras municipais a competência para licenciar e fiscalizar as actividades a que respeita.

É esse parâmetro que merece desenvolvimento, quer no artigo 27º, quer na primeira parte do nº 1 do artigo 52º do Decreto-Lei nº 310/2002. Porém, conforme já verificámos, enquanto aquele preceito, referente à fiscalização específica do disposto no capítulo sobre máquinas de diversão, não alude à competência de qualquer outra entidade, suscitando a hipótese interpretativa de competência exclusiva, já este preceito, referente à fiscalização do disposto em todo o diploma, indica como entidades competentes, para além das câmaras municipais, as autoridades administrativas e policiais.


2. Retomando o critério dos valores ou interesses protegidos pelas normas sancionatórias, constatamos, no que concerne às infracções no domínio da actividade da exploração de máquinas de diversão, tipificadas no artigo 48º do Decreto-Lei nº 310/2002, que os interesses em causa não transcendem as atribuições dos municípios, em cuja prossecução se inserem os poderes conferidos aos seus órgãos para permitirem ou recusarem o exercício dessa actividade.

De facto, cotejando as diversas alíneas daquele artigo 48º, temos o seguinte elenco de acções ou omissões ilícitas e puníveis como contra-‑ordenações:

- Exploração de máquina sem registo;
- Falsificação do título de registo ou de licenciamento;
- Exploração de máquina sem o acompanhamento de determi-nados documentos;
- Desconformidade dos elementos do título de registo por falta de averbamento de novo proprietário;
- Exploração de máquina sem prévia classificação do tema ou cir-cuito de jogo pela Inspecção-Geral de Jogos;
- Exploração de máquina sem licença ou com licença caducada;
- Exploração em recinto ou local diferente do que consta do licencia-mento ou para que foi autorizada;
- Exploração de máquinas em número superior ao permitido;
- Falta de comunicação acerca de transferência de local de explora-ção;
- Utilização por pessoas de idade inferior à permitida;
- Falta de afixação ou indevida indicação da inscrição ou dístico exigido.

Na tipificação e regime contra-ordenacional respeitante a esta actividade, o legislador quis fundamentalmente prevenir e sancionar o incumprimento das injunções administrativas que decorrem do próprio regime de licenciamento, cuja verificação, detecção e demonstração, melhor serão prosseguidas pela entidade licenciadora.

Nestas situações, e à semelhança do que se concluiu no citado parecer nº 186/2001, deste Conselho Consultivo, cabe às câmaras municipais a competência específica para licenciar as respectivas actividades, para disciplinar o seu funcionamento, para fiscalizar e para sancionar as infracções, eventualmente verificadas.

A acção fiscalizadora cometida a estas entidades é exercida de forma pro-activa, programada, sistemática e permanente.


3. A prossecução da fiscalização compreende-se nas atribuições dos municípios no domínio de polícia administrativa e nas competências próprias das câmaras municipais, e é exercida, em especial, pelas polícias municipais, sempre que tenham sido criadas nos respectivos municípios. Nos termos do artigo 2º da Lei nº 140/99, cabe aos municípios «fiscalizar, na área da sua jurisdição, o cumprimento das leis e regulamentos que disciplinem matérias relativas às atribuições das autarquias e à competência dos seus órgãos».

Recorde-se ainda que nos termos do artigo 3º, nº 1, alínea b), da mesma lei, constitui atribuição das polícias municipais, a «fiscalização do cumprimento das normas de âmbito nacional ou regional cuja fiscalização caiba ao município» e, nos termos do artigo 4º, alínea h), compete-lhes «a elaboração de autos de notícia, autos de contra-ordenação ou transgressão por infracção às normas referidas no artigo 3º».

Conforme refere CATARINA CASTRO[45]:

«(...) relativamente às polícias municipais, a defesa da legalidade democrática passará, necessariamente, pela garantia das normas municipais, mas também das normas nacionais que possam estar numa especial relação com o município, incumbindo-lhes a sua aplicação ou fiscalização (...). Neste sentido, o art. 2º, nº 2, da Lei nº 140/99, de 28 de Agosto, atribui aos municípios a fiscalização, na área da sua jurisdição, das leis e regulamentos que disciplinam as matérias relativas às atribuições das autarquias locais e à competência dos seus órgãos».

De facto, convém ter presente que a criação das polícias municipais correspondeu a uma filosofia de proximidade e a um objectivo de melhoria da acção policial e de racionalização de meios, que passaria, além do mais, por uma mais consentânea repartição de funções entre as entidades policiais. Pretendia-se que as tradicionais forças de segurança ficassem mais libertas para a missão própria de segurança interna, e que passassem a desempenhar um papel mais relevante na investigação criminal, tendo-‑lhes sido cometidas, nessa área, competências acrescidas[46].

A consecução desse objectivo passava, entre outras medidas, pela libertação das funções de fiscalização administrativa que seriam preferencialmente assumidas pelas polícias municipais.

4. Vejamos porém se a atribuição de competência específica para a fiscalização destas actividades às câmaras municipais obsta à prossecução da actividade fiscalizadora que, genericamente, está cometida às autoridades policiais e administrativas.

De facto, o artigo 52º, nº 1, do Decreto-Lei nº 310/2002, comete tal competência genérica a estas entidades, especificando nos nºs 2 e 3, os deveres que, no exercício dessa competência, lhes incumbem: elaborarem auto de notícia sempre que verifiquem infracções ao disposto no diploma, remeterem o auto no mais curto prazo às câmaras municipais e prestarem a estas a colaboração solicitada.

No que concerne às autoridades policiais, tais deveres constituem emanação de principios gerais, que se encontram plasmados no Código de Processo Penal (artigos 243º, 248º e 249º), subsidiariamente aplicável ao processo de contra-ordenações[47], na lei quadro do ilícito de mera ordenação social, bem como nos respectivos diplomas orgânicos.

O dever de noticiar qualquer infracção de que tomem conhecimento, tal como o dever de preservar os meios de prova, ou o dever de cooperar com outras entidades, designadamente com as autoridades administrativas, constituem princípios que enformam a actividade policial.


5. O Decreto-lei nº 433/82, de 27 de Outubro[48], que instituiu o ilícito de mera ordenação social e estabeleceu o seu procedimento, dispõe no artigo 48º:


«Artigo 48º
Da polícia e dos agentes de fiscalização
1 - As autoridades policiais e fiscalizadoras deverão tomar conta de todos os eventos ou circunstâncias susceptíveis de implicar responsabilidade por contra-ordenação e tomar as medidas necessárias para impedir o desaparecimento de provas.
2 - Na medida em que o contrário não resulte desta lei, as autoridades policiais têm direitos e deveres equivalentes aos que têm em matéria criminal.
3 - As autoridades policiais e agentes de fiscalização remeterão imediatamente às autoridades administrativas a participação e as provas recolhidas.»

Este preceito consagra o «principio da oficialidade», «enquadrando a iniciativa processual por parte das autoridades policiais relativamente à repressão deste tipo de ilícito»[49].

Os autores[50] são unânimes quanto ao dever de denúncia obrigatória que impende sobre as autoridades policiais, relativamente aos factos de que tomem conhecimento, susceptíveis de integrar ilícitos de contra-ordenação, bem como quanto ao dever de tomarem as providências necessárias à preservação dos meios de prova.

Em anotação ao 48º do Decreto-Lei nº 433/82, LOPES ROCHA, GOMES DIAS, e ATAÍDE FERREIRA[51], referem:

«O sistema não poderia, no entanto, dispensar a cooperação das autoridades policiais e fiscalizadoras, que, por estarem colocadas no terreno, são as primeiras a tomar contacto com as infracções.
Às autoridades policiais e fiscalizadoras, no âmbito das suas competências próprias, definidas pelos respectivos diplomas estatutários, é atribuído o poder-dever de participar as contra-‑ordenações de que tenham conhecimento e, ainda, de providenciar pela preservação e conservação de provas».

Os diplomas orgânicos das duas forças de segurança – PSP e GNR – consagram também, expressamente, o dever de colaboração com outras autoridades, designadamente, com as autoridades judiciárias e adminis-trativas[52].


IX

Analisemos agora a relação lógico-jurídica que se estabelece entre as normas do Decreto-Lei nº 310/2002 que ocupam a nossa atenção.

Atendendo ao campo de aplicação de cada uma dessas normas, estabelece-se entre ambas, na parte em que dispõem sobre fiscalização, uma relação de especialidade material, na simples asserção de que normas especiais são «as que regulam matérias que são espécies de outras mais gerais»[53].

Seguindo a lição de DIAS MARQUES:

«Não existem normas em si especiais ou gerais, mas antes relações de espécie e género, ou de especialidade e generalidade, entre determinadas normas ou, ainda mais exactamente, entre deter-minadas matérias normativamente reguladas».

«O conceito de que se parte para a distinção das normas em gerais e especiais refere-se, pois, ao domínio de aplicação, devendo assim considerar-se especiais aquelas cujo domínio de aplicação se traduz por um conceito que é espécie em relação ao conceito mais extenso que define o campo de aplicação da norma geral e que figura como seu género».

Tomando como ponto de partida a diversidade de funções das normas especiais (complemento, integração, derrogação), conclui o autor que vimos citando, que também serão distintas as “relações lógico-jurídicas intercorrentes” entre as normas gerais e as especiais: «Tais relações serão de cumulação quando se trata de normas especiais complementares ou integrativas mas já serão de conflito quando se trata de normas especiais derrogatórias».

Também KARL LARENZ[54], referindo-se a um tipo de raciocínio, segundo o qual, no caso da relação de especialidade, a norma especial afasta sempre a norma geral - por se entender que o legislador quis «regular em particular, isto é, com desvio à norma geral, as situações de facto que estão sujeitas à norma especial» - considera que tal ideia é, com essa generalidade, “um sofisma”: «a consequência jurídica ordenada para a previsão mais restrita tanto pode produzir-se junto com a consequência jurídica da previsão mais geral como em lugar dela. Tudo depende de saber se o regime especial, segundo o seu próprio sentido e finalidade, só deve completar o regime dado para a previsão geral, ou deve substitui-lo por outro regime». Conclui assim, que aquele raciocínio só estará certo se as consequências jurídicas se excluírem mutuamente, tendo que preferir uma delas, sendo que, se preferisse a norma geral, nunca a especial teria aplicação.

Trata-se, segundo o mesmo autor, de uma questão de interpretação (teleológica e sistemática)[55].


2. Vejamos então se as normas em análise se revelam conflituantes ou antagónicas ou se, pelo contrário, se mostram compatíveis e complementares.

Na vertente literal, os dois preceitos mostram-se coincidentes na parte em que atribuem competência para a fiscalização às câmaras municipais, mas não coincidem já no que respeita à competência de outras entidades, que é expressamente afirmada no segundo segmento do nº 1 do artigo 52º e não consta no artigo 27º.

Uma perspectiva integrada do sistema, tomando em conta os «lugares paralelos» que permitem «atender à ordem jurídica no seu conjunto»[56], permite-nos constatar que, em sede de competência para a fiscalização de actividades sujeitas a autorização e licença, o legislador destaca a competência essencial da entidade autorizadora ou licenciadora (que, conforme referimos, é exercida de forma pro-activa, programada, sistemática e permanente), mas não exclui a competência de outras autoridades administrativas e das autoridades policiais.

Esta solução está em consonância com a missão geral que as autoridades policiais prosseguem, com destaque para a prevenção das infracções e a vigilância do cumprimento das determinações legais[57], bem como para a cooperação com as demais autoridades, incluindo as autárquicas.

Da mesma forma, cremos que não foi intenção do legislador excluir, através do artigo 27º do Decreto-Lei nº 310/2002, a competência fisca-lizadora de outras entidades que também prossigam interesses acautelados pelas normas sancionatórias, nem excluir a colaboração das autoridades administrativas e policiais, nos termos previstos no artigo 52º.

A previsão do legislador, naquela primeira norma, não constitui, pois, uma manifestação de vontade de excluir a competência de outras entidades, mas apenas, a intenção de realçar a atribuição de competência específica, ex novo, às câmaras municipais, quer em sede fiscalizadora, quer em sede instrutória, no âmbito da actividade a que respeita o capítulo em que se insere.

Neste quadro interpretativo, os conteúdos das normas em referência não se mostram antagónicos ou incompatíveis, não se suscitando, consequentemente, um conflito internormativo, que conduza à inaplicação da norma geral.

A norma contida no artigo 27º não está, hoc sensu, em directa oposição com a disciplina geral do diploma, nada impedindo a aplicação simultânea de ambas as normas. Existe assim uma relação de complementaridade, em que o único aspecto exclusivo, embora não incompatível, da primeira, respeita à coadjuvação técnica da Inspecção-‑Geral de Jogos, que apenas ocorre no âmbito da fiscalização e instrução processual referente à actividade de exploração de máquinas de diversão.


X

Termos em que se formulam as seguintes conclusões:

1ª - O Decreto-Lei nº 310/2002, de 18 de Dezembro, transferiu para as câmaras municipais competências anteriormente cometidas aos governos civis para o licenciamento de determinadas actividades, entre as quais a de exploração de máquinas de diversão, e atribuiu àqueles órgãos autárquicos, as competências para fiscalizarem essa actividade, bem como para instaurarem e instruirem os respectivos processos de contra-ordenação e aplicar as sanções correspondentes.

2ª - Nos termos da Lei nº 140/99, de 28 de Agosto, as atribuições dos municípios no domínio de polícia administrativa compreendem a fiscalização das normas de âmbito nacional que disciplinam matérias da competência dos seus órgãos, cabendo o exercício das funções de fiscalização aos respectivos serviços, em especial às polícias municipais, sempre que tenham sido criadas.

3ª - No âmbito da actividade de exploração de máquinas de diversão, prevista no capítulo VI do Decreto-Lei nº 310/2002, os ilícitos contra-ordenacionais visam prevenir e sancionar o incumprimento das exigências e condições decorrentes do regime de licenciamento, não estando em causa interesses que transcendam a competência das câmaras municipais.

4ª - A fiscalização dessa actividade, exercida de forma pro-activa, programada, sistemática e permanente, é da competência específica das câmaras municipais, com a coadjuvação técnica da Inspecção-Geral de Jogos, nos termos do artigo 27º do mesmo diploma legal.

5ª - A norma contida no artigo 27º encontra-se numa relação de complementaridade relativamente à norma do artigo 52º do mesmo diploma, que dispõe sobre a competência para a fiscalização de todas as actividades a que o mesmo respeita, cometendo-a às câmaras municipais bem como às autoridades administrativas e policiais.

- As autoridades policiais detêm assim, no âmbito da actividade de exploração de máquinas de diversão, competência genérica para a fiscalização, estando sujeitas aos deveres de noticiarem as infracções que verifiquem, de preservarem meios de prova e de prestarem colaboração às autoridades autárquicas, nos termos do artigo 52º daquele diploma legal e em conformidade com o disposto no Código de Processo Penal, na lei quadro do ilícito de mera ordenação social e nos respectivos diplomas orgânicos.







[1]) No parecer nº 361-L/03, de 23 de Maio.
[2]) Por ofício nº 2271, de 26 de Junho de 2003, do gabinete do Ministro da Administração Interna, recebido na Procuradoria-Geral da República no dia 30 do mesmo mês e ano.
[3]) Decreto-Lei nº 316/95, de 28 de Novembro.
[4]) Estas competências estavam cometidas pelo Decreto-Lei nº 316/95 aos governadores civis e às entidades policiais.
[5]) Por despacho de Vossa Excelência, de 25 de Junho de 2003.
[6]) Dispõe o nº 1 do artigo 19º:
«1- Para efeitos do presente capítulo, consideram-se máquinas de diversão:
a) Aquelas que, não pagando prémios em dinheiro, fichas ou coisas com valor económico, desenvolvem jogos cujos resultados dependem exclusivamente ou fundamentalmente da perícia do utilizador, sendo permitido que ao utilizador seja concedido o prolongamento da utilização gratuita da máquina face à pontuação obtida;
b) Aquelas que, tendo as características definidas na alínea anterior, permitem apreensão de objectos cujo valor económico não exceda três vezes a importância despendida pelo utilizador.»
[7]) Esta matéria foi objecto de diversos pareceres do Conselho Consultivo, v.g. pareceres nº 31/84, de 30 de Maio de 1985, e nº 134/85, de 16 de Julho de 1987 (seguir-se-á este último, na parte que releva para a presente consulta).
[8]) RUI PINTO DUARTE, “O Jogo e o Direito”, Themis, Revista de Direito, Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, II.3, 2001, analisando o bem jurídico protegido através da incriminação das actividades ligadas ao jogo (bons costumes, propriedade, interesse fiscal) alude, numa perspectiva crítica, à ideia tradicional de que «o mundo do jogo é uma fábrica de crimes e de perturbação da ordem pública».
[9]) Decreto-Lei nº 293/81, de 16 de Outubro, revogado pelo Decreto-Lei nº 21/85 de 17 de Janeiro.
[10]) Pelo despacho nº 10/83, do Ministro da Administração Interna, foi determinada a aplicação desse regime legal a todas as máquinas de diversão eléctricas, que desenvolvessem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou que apresentassem como resultado pontuações exclusivamente dependentes da sorte.
[11]) Decreto-Lei nº 293/81, de 16 de Outubro e Despacho normativo nº 10/83.
[12]) Conforme artigo 2º, nº 3, do Decreto-Lei nº 21/85, e artigo 1º do Decreto-Lei nº 22/85.
[13]) Este diploma, alterado pelo Decreto-Lei nº 82/83, de 11 de Fevereiro, e pelo Decreto-Lei nº 22/85, de 17 de Janeiro, regulamentava a prática dos jogos de fortuna ou azar, definia as modalidades de jogos permitidos e respectivas zonas de jogo, as concessões, o funcionamento dos casinos, o regime tributário das empresas concessionárias das zonas de jogo e tipificava os ilícitos legais ligados a esta actividade. A lei de jogo foi reformulada pelo Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro, que contém o actual regime jurídico de utilização das máquinas que desenvolvem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar.
[14]) Prática ilícita de jogo, presença em local de jogo ilícito, exploração ilícita de jogo, fabrico e comércio de material de jogo.
[15]) O artigo 1º da Lei Orgânica da Inspecção-Geral de Jogos, aprovada pelo Decreto-Lei nº 184/88, de 25 de Maio, prevê, entre as competências desta entidade: «inspeccionar todas as actividades de exploração e práticas de jogos de fortuna ou azar», «cooperar na fiscalização das modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, sem prejuízo dos poderes fiscalizadores das autoridades policiais», «fiscalizar a contabilidade especial das explorações de jogos de e escrita comercial das empresas». O artigo 13º prevê ainda que lhe compete «solicitar a intervenção e cooperar com as autoridades ou agentes policiais na fiscalização e repressão da prática e exploração de jogos ilícitos».
[16]) Título de registo da máquina, licença do recinto, documentos comprovativos de cumprimento de obrigações fiscais e de encargos à Segurança Social.
[17]) Cfr. artigo 10º, nº 3, do Decreto-Lei nº 21/85 e artigo 20º, nº 3, do Decreto-Lei nº 316/95.
[18]) Revogadas, na medida em que contrariassem o disposto no novo diploma, nos termos do artigo 54º, «Norma revogatória».
[19]) O artigo 1º continha o seguinte elenco de actividades: guardas-nocturnos; vendedores ambulantes de lotarias; arrumadores de automóveis; acompanhamentos ocasionais; exploração de máquinas de diversão; realização de espectáculos de natureza desportiva e de divertimentos públicos; agências de vendas de bilhetes para espectáculos públicos; fogueiras e queimadas; realização de leilões.
[20]) Decreto-Lei nº 252/92, de 19 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 316/95, pelo Decreto-Lei nº 213/01, de 2 de Agosto, pelo Decreto-Lei nº 264/2002, de 25 de Novembro.
[21]) Cfr. preâmbulo.
[22]) Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra Editora, página 75.
[23]) Conforme artigo 10º, nº 3, do Decreto-Lei nº 21/85. Cfr. parecer deste Conselho Consultivo nº 9/96, de 2 de Dezembro.
[24]) Manual de Direito Administrativo, volume I, 10ªedição, Almedina, Coimbra, páginas 459 e 460. Sobre actos permissivos debruçou-se o parecer do Conselho Consultivo, nº 33/98, de 28 de Maio de 1998, publicado no Diário da República, II Série, nº 197, de 27 de Agosto de 1998.
[25]) O conceito de ordem pública é um conceito amplo, que integra como seus elementos a tranquilidade, a segurança e a salubridade públicas, sendo objecto de discussão doutrinária a inclusão da moralidade pública, como quarta componente do conceito. Cfr. SÉRVULO CORREIA, “Polícia”, Dicionário Jurídico da Administração Pública, Coimbra Editora, 1994, volume VI, página 396.
[26]) Sobre a inclusão da licença como categoria dos actos autorizativos, cfr. o parecer nº 33/98, de 28 de Maio de 1998, deste Conselho Consultivo, publicado no Diário da República, II Série, nº 197, de 27 de Agosto de 1998.
[27]) Direito Administrativo (Lições ao Curso Complementar de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito de Coimbra no ano de 1977/78), Coimbra, 1978, página 111 e seguintes.
[28]) Cfr. parecer do Conselho Consultivo nº 28/90, de 28 de Junho de 1990, publicado no Diário da República, II Série, nº 231, de 8 de Outubro de 1991. Aí se concluiu, além do mais, que o parecer da câmara municipal, desfavorável à pretensão do interessado no licenciamento, devia referir-se aos motivos da recusa enunciados no artigo 10º, nº 3, do Decreto-Lei nº 21/85, de 17 de Janeiro – protecção à infância e à juventude, prevenção da criminalidade da ordem e tranquilidade públicas.
[29]) Conforme actas publicadas no Diário da Assembleia da República, I Série, de 3, 7 e 12 de Novembro e 3 de Dezembro de 1986.
[30]) Segundo GONÇALO RIBEIRO DA COSTA - Nova Legislação Autárquica, Pergaminho, Coimbra, página 19 - a descentralização administrativa consagrada por este diploma obedece aos seguintes princípios: reforço da coesão nacional; solidariedade inter-regional; eficácia da gestão pública; subsidariedade; coordenação da intervenção entre a administração central e a administração local.
O mesmo autor caracteriza as competências previstas neste diploma como «competências-poderes».
[31] Alterada pela Lei nº 5-A/2002, de 11 de Janeiro.
[32]) MARCELLO CAETANO, Princípios Fundamentais de Direito Administrativo, Almedina, Coimbra, 1996, página 279, estabelece a seguinte distinção:
« É preciso não confundir a licença policial com a licença fiscal.
Esta constitui um processo de cobrança do imposto ou de uma taxa. A licença policial, mesmo quando motiva o pagamento de emolumentos ou taxas, resulta da verificação, pelas autoridades competentes, de que certa actividade proibida ou condicionada pode ser exercida em tal caso concreto e por tal pessoa, sem inconveniente ou risco para os interesses que se pretende acautelar. Deste modo, a licença policial só é concedida quando se verifique não provirem dela inconvenientes para a ordem pública; a licença fiscal é dada a todos os que satisfaçam imposto e fica sendo, por natureza, irrevogável durante o período a que o mesmo imposto respeite».
[33]) O Decreto regulamentar nº 20/95, de 10 de Julho, previa que, no prazo de três anos, esse regime abrangesse todos os municípios.
[34]) Assente que as polícias municipais não são forças de segurança, participando contudo em missões de segurança. Esta matéria foi amplamente discutida na Assembleia da República, conforme dão conta as actas publicadas no Diário da Assembleia da República, I Série, de 30 de Julho de 1997.
[35] ) Dos trezentos e oito municípios existentes, apenas trinta e três criaram, até à presente data, serviços de polícia municipal, e destes, só vinte e cinco se encontram em actividade (segundo informação obtida junto do Ministério da Administração Interna).
[36]) O nº 2 do mesmo preceito prevê que as polícias municipais exerçam ainda funções nos domínios de vigilância de espaços públicos ou abertos ao público, de guarda de edifícios e equipamentos públicos municipais, de regulação e fiscalização do trânsito rodoviário e pedonal na área de jurisdição municipal.
[37]) MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume II, página 1150, define polícia administrativa como «modo de actuar da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das actividades individuais susceptíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por objecto evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que as leis procuram prevenir».
[38]) Nos termos do artigo 2º do primeiro diploma, deve a deliberação da Assembleia Municipal que cria o serviço de polícia municipal, conter o regulamento de organização e funcionamento do serviço, bem como o quadro de pessoal.
Entre as diversas formas de recrutamento de pessoal prevê-se, para além do concurso de admissão e frequência de estágio, o destacamento de graduados e oficiais das forças de segurança e a transição da carreira de fiscal municipal (a qual poderá ser extinta pelos municípios que criem os serviços de polícia municipal). Sobre o conteúdo funcional das carreiras de técnico superior de polícia municipal e de polícia municipal, dispõem, respectivamente, os anexos III e IV do primeiro diploma.
[39]) Dicionário da Língua Portuguesa, Academia das Ciências de Lisboa, volume I.
[40]) Cfr. parecer do Conselho Consultivo nº 186/2001, de 20 de Março de 2002, publicado no Diário da República, II Série, nº 53, de 4 de Março de 2003.
[41]) Numa breve panorâmica do regime de fiscalização de outras actividades igualmente sujeitas a licença municipal, constatamos que os diplomas legais que contêm o regime jurídico da instalação e funcionamento de estabelecimentos turísticos (aprovado pelo Decreto-Lei nº 167/97, de 4 de Julho, alterado pelos Decretos-Leis nº 305/99, de 6 de Agosto e nº 55/2002, de 11 de Março), atribui competência para a fiscalização dos estabelecimentos de restauração e bebidas não classificados às câmaras municipais, ressalvando as competências das autoridades de saúde; idêntica solução é adoptada pelo diploma legal que contém o regime jurídico dos estabelecimentos de venda e armazenagem de produtos alimentares e comércio de substâncias que envolvam riscos para a saúde e segurança (Decreto-Lei nº 370/98, de 18 de Setembro), neste caso, com ressalva das entidades competentes em matéria de higiene e segurança. O diploma que consagra o regime legal da instalação e funcionamento de recintos de espectáculos e divertimentos públicos (Decreto-Lei nº 309/02, de 16 de Dezembro) atribui competência para a fiscalização a todas as entidades intervenientes nos diversos licenciamentos, bem como às autoridades administrativas e policiais no âmbito das suas competências; da mesma forma, no regime jurídico da actividade de feiras e mercados (Decreto-Lei nº 259/95, de 30 de Setembro, alterado pelos Decretos-Leis nº 101/98, de 21 de Abril e nº 9/02, de 24 de Janeiro), a competência para a fiscalização é atribuída à IGAE e às câmaras municipais, «sem prejuízo das competências das autoridades policiais»).
[42]) AFONSO QUEIRÓ, “Competência”, Dicionário Jurídico da Administração Pública, Coimbra Editora, volume II, 1990, página 534.
[43]) Cfr. nota 40.
[44]) Expressão introduzida na alteração ao preceito, pelo Decreto-Lei nº 399/91, de 16 de Outubro.
[45]) Competências dos Serviços de Polícia Municipal - sentido e limites de actuação, Centro de Estudos e Formação Autárquica, Coimbra, 2002, página 42.
[46]) Pela Lei nº 21/2000, de 10 de Agosto (Lei da Organização da Investigação Criminal).
[47]) Artigo 41º, nº 1, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro.
[48]) Alterado pelo Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro, pelo Decreto-Lei nº 356/89, de 17 de Outubro, pela Lei nº 109/2001, de 24 de Dezembro, e pelo Decreto-Lei nº 323/2001, de 17 de Dezembro.
[49]) Cfr. LEONES DANTAS, “Considerações sobre o processo de contra-ordenações - a fase administrativa”, em Revista do Ministério Público, ano 16º, Janeiro-Março de 1995, nº 61, página 103 e seguintes.
[50] Cfr. SIMAS SANTOS e JORGE de SOUSA, Contra-ordenações, Anotações ao Regime Geral, Vislis Editora, 2001, página 279 e seguintes; autor e estudo citados na anotação anterior.
[51]) Contra-ordenações - legislação e doutrina, E.S.P., 1994, página 175.
[52]) O artigo 25º da Lei Orgânica da GNR, aprovada pelo Decreto-Lei nº 231/93, de 26 de Junho, sobre «Dever de cooperação», dispõe:
«1 - A Guarda, sem prejuízo das prioridades legais da sua actuação, coopera com as demais forças e serviços de segurança, bem como com as autoridades públicas, designadamente com os órgãos autárquicos e outros organismos, nos termos da lei.
2 - As autoridades da administração central, regional e local e os serviços públicos devem prestar à Guarda a colaboração que legitimamente lhes for solicitada para o exercício das suas funções.»
A Lei de Organização e Funcionamento da PSP (Lei nº 5/99, de 27 de Janeiro) dispõe, no artigo 96º, sobre «Requisição de forças e serviços», destacando-se a seguinte regra:
«1 - As autoridades judiciárias e administrativas que necessitem da actuação da PSP devem dirigir os seus pedidos ou serviços à autoridade policial da área.»
A cooperação com outras entidades que prossigam idênticos fins, integra o elenco de competências desta força de segurança, previsto no artigo 2º do mesmo diploma. O pedido ou requisição de cooperação só pode ser recusado, por despacho fundamentado, se não couber nas atribuições da PSP ou não emanar de entidade competente.
[53]) DIAS MARQUES, Introdução ao Estudo do Direito, 4ª edição, 1972, página 186
[54]) Metodologia da Ciência do Direito, tradução da 2ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, página 250 e seguintes
[55]) Sobre a matéria cfr., entre outros, o parecer do Conselho Consultivo nº 357/2000, de 16 de Maio de 2002, publicado no Diário da República, II Série, nº 244, de 22 de Outubro de 2002, e o parecer nº 35/2003, de 15 de Maio de 2003.
[56]) OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 4ª edição, Editorial Verbo, 1987, página 340.
[57]) A lei de funcionamento e organização da PSP (Lei nº 5/99, de 27 de Janeiro, alterada pelo Decreto-Lei nº 137/2002, de 16 de Maio) prevê, no elenco de competências, a prossecução das atribuições cometidas por lei «em matéria de licenciamento administrativo», para além de prever a prossecução do objectivo geral de “prevenir a criminalidade e a prática dos demais actos contrários à lei e aos regulamentos”. Também a lei orgânica da GNR (Decreto-Lei nº 231/93, de 26 de Junho, alterado pelos Decretos-Leis nº 298/94, de 24 de Novembro, nº 188/99, de 2 de Junho e nº 15/2002, de 29 de Janeiro) dispõe, no artigo 2º, alínea d), que faz parte da missão da Guarda «velar pelo cumprimento das leis e das disposições em geral, nomeadamente as relativas à viação terrestre e aos transportes rodoviários.»