Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00003359
Parecer: I000062016
Nº do Documento: PIN1703201600600
Descritores: ACORDO INTERNACIONAL
CHINA
PORTUGAL
ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS
BANCO ASIÁTICO DE INVESTIMENTO E INFRAESTRUTURAS
PRIVILÉGIOS E IMUNIDADES
IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO
IMUNIDADE DE EXECUÇÃO
SOBERANIA NACIONAL
PRINCÍPIO DA RECIPROCIDADE
Área Temática:DIR INT PUBL* TRATADOS / DIR PROC CIV / DIR UE
Legislação:CRP76 ART8 N2; CPCCIV ART62 ; RAR 4/89 DE 24.02; RAR 9-A/91 DE 20.03; RAR 124/2012 DE 25.09;
Direito Comunitário:PROTOCOLO N7 DA UE RELATIVO A PRIVILÉGIOS E IMUNIDADES DA UE;
Direito Internacional:BIRD DE 1 A 22 JULHO 1944; CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS DE 1961/04/18 ; CONVENÇÃO SOBRE PRIVILEGIOS E IMUNIDADES DAS ORGANIZAÇÕES ESPECIALIZADAS DAS NAÇÕES UNIDAS DE 1947/11/21
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1.ª – As normas decorrentes dos artigos 46.º, 47.º e 50.º do Acordo Constitutivo do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, caso tal Acordo venha a ser regularmente ratificado e publicado, passarão a vigorar na ordem interna enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português, tendo, no plano hierárquico-normativo, enquanto direito internacional convencional, valor infraconstitucional e supralegal.

2.ª – Os privilégios e imunidades consagrados em tais preceitos a favor do referido Banco, sendo análogos aos conferidos a múltiplas outras organizações internacionais da mesma natureza em tratados internacionais a que o Estado Português se vinculou anteriormente, enquadram-se na prática internacional generalizada dos Estados, sendo por isso admitidos pelo direito internacional comum.

3.ª – Tais privilégios e imunidades não afrontam qualquer norma ou princípio, designadamente de ordem pública, no plano do nosso ordenamento jurídico-constitucional, sendo admitidos pelo artigo 8.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.

Texto Integral:



Senhora Procuradora-Geral da República,
Excelência:




O Ministério dos Negócios Estrangeiros solicitou ao Ministério da Justiça um parecer técnico sobre o Acordo Constitutivo do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (BAII), não especificando em concreto o alcance do seu pedido.

Tendo-se pronunciado sobre a questão, a Direção-Geral da Política de Justiça, referindo que do ponto de vista formal inexistia qualquer aspecto a salientar, restando avaliar a oportunidade e o interesse político na celebração do Acordo, matéria alheia à competência do Ministério da Justiça, fez, todavia, uma ressalva relativa ao Capítulo IX - Estatutos, Imunidades, Privilégios e Isenções, pelo facto de existir a possibilidade de as questões relacionadas com as imunidades poderem contender com o exercício da competência dos tribunais portugueses.

Considerando que o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República é o órgão que tradicionalmente emite parecer em matéria de legalidade e constitucionalidade relativamente a instrumentos internacionais de que Portugal pretende vir a ser Parte, foi sugerido pelo Gabinete da Ministra da Justiça que, nos termos dos artigos 9.º, n.º 2, 37.º e 39.º, n.º 2, do Estatuto do Ministério Público, fosse solicitado ao mesmo, com caráter de urgência, um parecer jurídico relativo ao Capítulo IX - Estatutos, Imunidades, Privilégios e Isenções do Acordo, nomeadamente no que respeita aos artigos 46.º, 47.º e 50.º.

Concordando com a sugestão, Sua Excelência a Ministra da Justiça, por despacho de 4 de março de 2016, determinou que se procedesse em conformidade, solicitando-se o aventado parecer[1].

Cumpre, assim, emitir o solicitado parecer, o qual, atento o disposto no artigo 14.º, n.º 2, do Regimento deste Conselho[2], revestirá a forma de informação parecer.

Na sua elaboração ter-se-á presente a urgência com que o mesmo foi solicitado.


1. Conforme resulta da proposta submetida a Sua Excelência a Ministra da Justiça pela respetiva Chefe do Gabinete, o objeto do parecer a elaborar consiste em apurar «se os artigos 46.º, 47.º e 50.º do Acordo Constitutivo do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (BAII), assinado em Pequim pela República Portuguesa em 29 de junho de 2015, se conformam às normas e princípios constitucionais e de ordem pública nacionais».

Tais artigos têm a redação seguinte[3]:

«Artigo 46.º Imunidade de Jurisdição
1. O Banco goza de imunidade de qualquer forma de processo judicial, salvo nos casos decorrentes de ou em conexão com o exercício das suas competências para angariação de fundos, por meio de empréstimos ou de outros meios, para garantir obrigações, ou para comprar e vender ou subscrever a venda de títulos. Só podem ser movidas ações contra o Banco num tribunal de jurisdição competente do território de um país em que o Banco tenha um escritório, tenha designado um representante para receber citações ou notificações de processos judiciais, ou onde tenha emitido ou avalizado títulos.
2. Não obstante as disposições do número 1 do presente artigo, nenhuma ação será movida contra o Banco por qualquer membro ou por qualquer agência ou organismo de um membro, ou por qualquer entidade ou pessoa que represente direta ou indiretamente direitos de um membro ou de alguma agência ou organismo de um membro. Os membros terão recorrido a estes procedimentos especiais para a resolução de controvérsias entre o Banco e os seus membros que possam enquadrar-se no presente Acordo, no estatuto e nos regulamentos do Banco, ou nos contratos celebrados com o Banco.»

«Artigo 47.º Imunidade de Ativos e de Arquivos
1. Os bens e ativos do Banco, independentemente de onde se encontrarem e de quem os detenha, gozam de imunidade de busca, requisição, confisco, expropriação ou qualquer outra forma de apreensão ou penhora por ação executiva ou legislativa.
2. Os arquivos do Banco e, em geral, todos os documentos a ele pertencentes ou na sua posse, são invioláveis independentemente de onde se encontrarem e de quem os detenha.»

«Artigo 50.º Imunidades e Privilégios dos Dirigentes e Funcionários
Todos os Governadores, Administradores, Administradores Suplentes, o Presidente, os Vice-Presidentes e outros dirigentes e funcionários do Banco, incluindo peritos e consultores que executam missões ou serviços para o Banco:
i. gozam de imunidade de processo judicial em relação aos atos por eles praticados na sua qualidade oficial, exceto quando o Banco prescindir da imunidade e gozam de inviolabilidade de todos os seus papéis oficiais, documentos e registos;
ii. se não forem cidadãos locais ou nacionais, gozam das mesmas imunidades de restrições de imigração, de requerimentos de registo de estrangeiros e de obrigações de serviço nacional, bem como das mesmas facilidades relativamente a regulamentos de câmbio que são concedidas pelos membros aos representantes, dirigentes e funcionários de categorias comparáveis de outros membros; e
iii. é concedido o mesmo tratamento em relação às viagens que o concedido petos membros aos representantes, dirigentes e funcionários de nível comparável de outros membros.»


2. O BAII tem a natureza de organização internacional de cooperação económica, de estrutura supranacional, tendo âmbito de atuação regional, embora assumindo-se, relativamente à participação dos Estados Membros, como para-universal[4].

Resulta do artigo 2.º do Acordo constitutivo que a missão do BAII consiste em promover o desenvolvimento económico sustentável, criar riqueza e melhorar a conectividade das infraestruturas na Ásia e Oceania, investindo em infraestruturas e noutros setores produtivos, promover a cooperação regional e as parcerias com vista a enfrentar os desafios de desenvolvimento, trabalhando em estreita colaboração com outras instituições multilaterais e bilaterais de desenvolvimento.

Nos termos do artigo 3.º do Acordo, a adesão ao Banco está aberta aos membros do Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento ou do Banco Asiático de Desenvolvimento, considerando-se membros regionais os enumerados na parte A do Anexo A[5], bem como outros membros incluídos na região da Ásia e Oceania, sendo todos os outros membros considerados não regionais[6].

A sede do Banco, conforme estatuído no artigo 32.º do Acordo, localiza-se em Pequim, na República Popular da China, podendo estabelecer escritórios noutras localizações.

Para prossecução da respetiva missão, o BAII disporá de recursos ordinários, os quais, nos termos do artigo 8.º do Acordo, incluem o capital social autorizado do Banco, os fundos pelo mesmo angariados, os fundos recebidos por reembolso de empréstimos ou garantias e de retorno de investimentos, os rendimentos derivados de empréstimos e quaisquer fundos ou rendimentos recebidos pelo Banco que não tenham a natureza de fundos especiais.

De acordo com o preceituado no artigo 17.º, o Banco poderá ainda aceitar fundos especiais que sejam projetados para servir a sua missão e que se enquadrem nas suas competências.

No âmbito da sua missão, cabe-lhe realizar operações em qualquer das formas seguintes (artigo 11.º, n.º 2):

- através de cofinanciamento ou participação em empréstimos diretos;
- através de investimento no capital social de uma instituição ou empresa;
- garantindo, como devedor primário ou secundário, no todo ou em parte, empréstimos para desenvolvimento económico;
- empregando os recursos dos Fundos Especiais em conformidade com os acordos que fixem a sua utilização;
- através da prestação de assistência técnica; ou
- através de outros tipos de financiamento que poderão ser determinados pelo Conselho de Governadores, através de um voto por maioria simples.

Para realização de tais operações, são conferidos ao BAII os poderes seguintes (artigo 16.º):

1. O Banco pode angariar fundos, por meio de empréstimos ou outros meios, nos países membros ou noutro lugar, de acordo com as disposições legais pertinentes.
2. O Banco pode comprar e vender títulos que emitiu ou garantiu ou nos quais investiu.
3. O Banco pode garantir títulos nos quais tenha investido, com o intuito de facilitar a sua venda.
4. O Banco pode subscrever ou participar na subscrição de títulos emitidos por qualquer entidade ou empresa para fins compatíveis com a missão do Banco.
5. O Banco pode investir ou depositar fundos que não sejam necessários nas suas operações.
6. O Banco garante que qualquer título emitido ou garantido por si tem uma declaração clara no sentido de que não é uma obrigação de qualquer Governo, a menos que seja efetivamente uma obrigação de um Governo particular e nesse caso assim o indicar.
7. O Banco pode criar e administrar fundos detidos em compromisso para outras partes, desde que tais fundos fiduciários sejam projetados para servir a missão e sejam compatíveis com as competências do Banco, no âmbito de um quadro de fundos fiduciários que terá sido aprovado pelo Conselho de Governadores.
8. O Banco pode estabelecer entidades subsidiárias criadas para servir a missão e que sejam compatíveis com as competências do Banco, apenas com a aprovação do Conselho de Governadores através de um voto por maioria simples, como previsto no artigo 28.º.
9. O Banco pode exercer quaisquer outros poderes e estabelecer as regras e regulamentos que se revelem necessários ou adequados à prossecução da sua missão e competências, em conformidade com as disposições do Acordo.


3. O primeiro dos artigos do Acordo a apreciar é o 46.º, com a epígrafe de Imunidade de jurisdição.

No número 1 deste artigo estabelece-se que o BAII goza de imunidade de jurisdição (imunidade de qualquer processo judicial), salvo nos casos decorrentes de ou em conexão com o exercício das suas competências para angariação de fundos, por meio de empréstimos ou de outros meios, para garantir obrigações, ou para comprar e vender ou subscrever a venda de títulos.

Resulta de tal preceito que, em regra, inexistirá imunidade de jurisdição relativamente às obrigações assumidas pelo Banco perante entidades que não sejam Estados-Membros daquele, na prossecução da respetiva missão de promoção do desenvolvimento económico e de cooperação regional (designadamente no plano da angariação de fundos, através de empréstimos ou outros instrumentos financeiros, no da prestação de garantias, e no da compra, venda ou subscrição de títulos).

Nesse âmbito, a competência dos tribunais estaduais no plano internacional vem definida na segunda parte do n.º 1 do referido artigo: o julgamento incumbirá ao tribunal de jurisdição competente do território do país em que o Banco tenha um escritório, tenha designado um representante para receber citações ou notificações de processos judiciais, ou onde tenha emitido ou avalizado títulos. Tal normativo, apresentando, quanto aos elementos de conexão mencionados, alguma proximidade com as disposições constantes do artigo 62.º, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil, passará a prevalecer sobre estas, tendo em consideração a hierarquia supralegal do direito internacional convencional que decorre do artigo 8.º, n.º 2, da constituição da República Portuguesa[7].

A imunidade de jurisdição terá aplicação, em geral, relativamente a questões alheias às obrigações contraídas pelo Banco na prossecução da sua missão ou às conexas com esta, e relativamente a diferendos de qualquer natureza entre o Banco e qualquer dos seus membros (Estados-Membros), equiparando a estes as respetivas agências ou organismos e os seus representantes diretos ou indiretos.

Conforme se estatui no n.º 2 do artigo 46.º, os Estados Membros não poderão intentar qualquer ação contra o Banco para a resolução das controvérsias que com o mesmo venham a surgir, devendo tais diferendos ser solucionados através de instrumentos de direito internacional resultantes do próprio Acordo, dos estatutos e dos regulamentos do Banco, ou através de fórmulas, designadamente de natureza compromissória, a consignar nos contratos entre eles celebrados[8].

Como instrumentos para resolução de diferendos previstos no próprio Acordo, importa referir os consignados nos artigos 54.º (questões relativas à interpretação ou aplicação do Acordo a dirimir entre o Banco e qualquer dos seus Membros) e 55.º (questões a dirimir entre o Banco e um país que deixou de ser membro, ou entre o Banco e qualquer membro após adoção de uma resolução para encerrar as operações do Banco).

Quanto a mecanismos para resolução de diferendos previstos ou a prever nos estatutos e regulamentos do Banco, nada se poderá adiantar, dado não se dispor de qualquer informação sobre a matéria.


4. Estabelece-se, por outro lado, no artigo 46.º, n.º 3, do Acordo o princípio de que o património do Banco goza de imunidade de execução, a qual só cessará se vier a ser proferida sentença definitiva contra o Banco.

Decorre de tal preceito que o único título executivo admissível em execução a intentar contra o Banco será a sentença transitada em julgado, o que pressupõe a inexistência de imunidade de jurisdição relativamente à questão em litígio na acção condenatória prévia, ou a renúncia a tal imunidade por parte do Banco, nos termos gerais.


5. Resulta do artigo 47.º, n.º 1, do Acordo, na tradução oficiosa facultada ao Conselho[9], que «os bens e ativos do Banco, independentemente de onde se encontrarem e de quem os detenha, gozam de imunidade de busca, requisição, confisco, expropriação ou qualquer outra forma de apreensão ou penhora por ação executiva ou legislativa».

Trata-se de um preceito que pretende transcrever, ipsis verbis, o constante da Secção IV do Artigo VII do Acordo relativo ao Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento - BIRD (vulgarmente conhecido por Banco Mundial) adoptado na Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas, realizada em Bretton Woods de 1 a 22 de julho de 1944[10], cuja redação é a seguinte, na versão portuguesa: «Os bens e valores do Banco, qualquer que seja o lugar onde se encontrem e seja quem for o seu detentor, serão imunes de busca, requisição, confisco, expropriação ou qualquer outra forma de apreensão por acto do Poder Executivo ou do Poder Legislativo».

Visa-se neste preceito, exclusivamente, estabelecer a imunidade irrestrita do património do Banco relativamente a atuações ablativas ou limitativas da propriedade levadas a cabo através de atos de natureza não jurisdicional (atos do poder executivo ou do poder legislativo), já que a imunidade de execução, no plano jurisdicional, resulta do artigo 46.º, n.º 3, do Acordo.

Tendo em consideração que a expressão «qualquer outra forma de apreensão ou penhora por ação executiva» utilizada na tradução oficiosa facultada pela entidade consulente é propícia a gerar confusão com imunidades de natureza jurisdicional, será de toda a conveniência que a mesma seja substituída pela expressão utilizada no Acordo constitutivo do BIRD («qualquer outra forma de apreensão por acto do poder executivo»).


6. Estabelece-se, por outro lado, no artigo 47.º, n.º 2, do Acordo que «os arquivos do Banco e, em geral, todos os documentos a ele pertencentes ou na sua posse, são invioláveis independentemente de onde se encontrarem e de quem os detenha».

Trata-se de uma imunidade de natureza geral e irrestrita, oponível a quaisquer autoridades dos Estados Membros nos planos legislativo, administrativo e judiciário.


7. O artigo 50.º do Acordo reporta-se às imunidades e privilégios dos dirigentes, dos funcionários, dos peritos e consultores do Banco.

Consagram-se relativamente a tais categorias de titulares de órgãos, de funcionários e de agentes do Banco a imunidade de jurisdição reportada exclusivamente a atos de natureza funcional e aos documentos e registos conexos com a função, e várias facilidades no plano administrativo (relacionadas com a nacionalidade estrangeira dos visados) e cambiário.

No que se reporta à imunidade de jurisdição, e como resulta da prática comum no direito internacional, atribui-se ao Banco, no interesse do qual a imunidade é instituída (imunidade de natureza funcional), a possibilidade de renunciar à mesma (item i. do artigo 50.º).


8. As imunidades e privilégios do Estado, no plano do direito internacional, surgiram para garantia do respeito pela soberania quando os seus agentes e os seus bens entram em relação direta com a soberania territorial de um outro Estado, segundo o princípio de que a ausência de qualquer hierarquia entre os Estados exclui que um de entre eles seja submetido a atos de autoridade, inclusive jurisdicionais, de um outro Estado (máxima par in parem non habet jurisdictionem). Torna-se, assim, indispensável estabelecer exceções ao princípio da soberania territorial, as quais são de há muito aceites pelo direito internacional consuetudinário[11], com base, essencialmente, na teoria da igualdade suportada pelo princípio da reciprocidade, refletindo historicamente o respeito por cada Estado da soberania dos outros Estados[12].

Os princípios consuetudinários correspondentes foram, entretanto, objeto de abrangente codificação na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, adotada em Viena em 18 de abril de 1961[13].

Com o advento das organizações internacionais, tendo como membros Estados soberanos, as razões históricas que justificaram a institucionalização das imunidades e privilégios concedidos aos Estados, agravadas pelo facto de os órgãos e serviços de tais organizações terem que funcionar em sedes e delegações situadas nos territórios dos diversos Estados-Membros, determinaram a sua extensão, em maior ou menor grau, a estas organizações.

A consagração de privilégios e imunidades a favor das organizações internacionais, como fenómeno mais recente, tem passado fundamentalmente pela respetiva adoção através da celebração de tratados internacionais entre Estados. A sua generalização, todavia, apontando para uma prática progressiva e universalmente aceite, justifica que a doutrina comece a admitir que múltiplos princípios em tal matéria decorrentes dos instrumentos convencionais (sobretudo no que respeita aos privilégios das Nações Unidas e das suas agências especializadas) passem a integrar um direito internacional consuetudinário incipiente[14].

Paradigmáticas nessa matéria terão de considerar-se, assim, a Convenção sobre os Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 13 de fevereiro de 1946[15], a Convenção sobre os Privilégios e Imunidades das Organizações Especializadas das Nações Unidas e o seu Anexo - IV-UNESCO, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 21 de Novembro de 1947[16], bem como os restantes Anexos a esta Convenção, os quais, no que respeita a Portugal, foram aprovados pela Resolução da Assembleia da República n.º 124/2012, de 25 de setembro.

Considerando que o artigo 105.º da Carta das Nações Unidas estipula que a Organização goza, no território de cada um dos seus membros, dos privilégios e imunidades necessários para atingir os seus objectivos e que os representantes dos membros das Nações Unidas e os funcionários da Organização gozam igualmente dos privilégios e imunidades necessários para exercer com toda a independência as suas funções relacionadas com a Organização, a primeira das referidas Convenções consagra os seguinte privilégios e imunidades a favor da Organização das Nações Unidas:

- imunidade de qualquer procedimento judicial, salvo na medida em que a Organização a ela tenha renunciado expressamente num determinado caso, entendendo-se, contudo, que a renúncia não pode ser alargada a medidas de execução (Artigo II, Secção 2);

- Inviolabilidade das respetivas instalações, não podendo os seus bens e património, onde quer que estejam situados e independentemente do seu detentor, ser objeto de buscas, requisições, confiscos, expropriações ou qualquer outra medida de constrangimento executiva, administrativa, judicial ou legislativa (Artigo II, Secção 3);

- inviolabilidade dos arquivos da Organização e, de um modo geral, todos os documentos que lhe pertençam ou que estejam na sua posse, onde quer que se encontrem (Artigo II, Secção 4):

- Sem estar sujeita a qualquer controlo, regulamentação ou moratória financeiros, a Organização pode possuir fundos, ouro ou divisas de qualquer espécie e deter contas em qualquer moeda; transferir livremente os seus fundos, o seu ouro ou as suas divisas de um país para outro, ou dentro de qualquer país, e cambiar numa outra moeda quaisquer divisas que possua (Artigo II, Secção 5).


As imunidades e privilégios relativos aos funcionários da Organização encontram-se previstos nas Secções 18 a 20 do artigo V da Convenção, com a redação seguinte:

«Secção 18 — Os funcionários da Organização das Nações Unidas:
a) Gozarão da imunidade de qualquer procedimento judicial relativamente aos actos por eles praticados oficialmente (incluindo as suas palavras e escritos);
b) Estarão isentos de qualquer imposto sobre os salários e emolumentos pagos pela Organização das Nações Unidas;
c) Estarão isentos de qualquer obrigação relativa ao serviço nacional;
d) Não estarão sujeitos, assim como os seus cônjuges e os membros da sua família que se encontrem a seu cargo, às disposições que restringem a imigração e às formalidades de registo de estrangeiros;
e) Gozarão, no que diz respeito às facilidades de câmbio, dos mesmos privilégios que os funcionários de categoria equivalente pertencentes às missões diplomáticas acreditadas junto do governo em questão;
f) Gozarão, assim como os seus cônjuges e os membros da sua família que se encontrem a seu cargo, das mesmas facilidades de repatriamento que os enviados diplomáticos em período de crise internacional;
g) Gozarão do direito de importar, livre de encargos, o seu mobiliário e objectos pessoais por ocasião da primeira vez que iniciou funções no país em questão.

Secção 19 — Para além dos privilégios e imunidades previstos na secção 18, o Secretário-Geral e todos os subsecretários-gerais, tanto no que lhes diz respeito como em relação aos seus cônjuges e filhos menores, gozarão dos privilégios, imunidades, isenções e facilidades concedidos, em conformidade com o direito internacional, aos enviados diplomáticos[17].

Secção 20 — Os privilégios e imunidades são concedidos aos funcionários unicamente no interesse das Nações Unidas e não para seu proveito pessoal. O Secretário-Geral poderá e deverá levantar a imunidade concedida a um funcionário em todos os casos em que, em sua opinião, essa imunidade pudesse impedir que fosse feita justiça e desde que ela possa ser levantada sem prejuízo para os interesses da Organização. Relativamente ao Secretário-Geral, o Conselho de Segurança tem competência para pronunciar o levantamento das imunidades.»


9. Análogos privilégios e imunidades foram consagrados relativamente às Organizações Especializadas[18] das Nações Unidas e seus funcionários na Convenção sobre os Privilégios e Imunidades das Organizações Especializadas das Nações Unidas e seus Anexos 1 a 18, acima referidos, organizações essas entre as quais se conta o Banco Mundial (BIRD), com natureza e fins análogos aos do BAII.

Os privilégios e imunidades encontram-se enumerados nos Artigos III, IV e VI, nos termos seguintes:

«Artigo III
Bens, fundos e património
SECÇÃO 4
As organizações especializadas, seus bens e património, onde quer que se encontrem e seja quem for o seu possuidor, gozam de imunidade de jurisdição, salvo na medida em que a ela tenham expressamente renunciado num caso particular. Entende-se no entanto que a renúncia não é extensível a medidas de execução.

SECÇÃO 5
As instalações das organizações especializadas são invioláveis. Os bens e património das organizações especializadas, onde quer que se encontrem e de quem for o possuidor, são isentos de busca, requisição, confisco, expropriação ou qualquer outra forma de interferência executiva, administrativa, judicial ou legislativa.

SECÇÃO 6
Os arquivos das organizações especializadas e, de uma forma geral, todos os documentos que lhe pertençam ou que estejam na sua posse são invioláveis, onde quer que se encontrem.

SECÇÃO 7
Sem que estejam sujeitos a qualquer tipo de controlo, regulamentação ou moratória de natureza financeira:
a) As organizações especializadas podem possuir fundos, ouro ou divisas de qualquer tipo e ter contas em qualquer moeda;
b) As organizações especializadas podem transferir livremente os seus fundos, ouro ou as suas divisas de um país para outro, ou dentro de qualquer país, e converter quaisquer divisas de que sejam detentoras em qualquer outra moeda.

SECÇÃO 9
As organizações especializadas, seu património, rendimentos e outros bens estão:
a) Isentos de todos os impostos directos; fica entendido, no entanto, que as organizações especializadas não requererão isenção de impostos que não sejam mais do que a simples remuneração de serviços de utilidade pública;
b) Isentos de todos os direitos alfandegários e de todas as proibições e restrições de importação ou de exportação no que respeita a objectos importados ou exportados pelas organizações especializadas para seu uso oficial; fica entendido, no entanto, que os artigos importados ao abrigo desta isenção não serão vendidos no território do país no qual tenham sido introduzidos, excepto em condições acordadas com o governo desse país;
c) Isentos de todos os direitos alfandegários e de todas as proibições e restrições de importação ou exportação no que respeita às suas publicações.

Artigo IV
Facilidades de comunicação

SECÇÃO 11
Cada uma das organizações especializadas beneficiará, para as suas comunicações oficiais, no território de qualquer Estado que seja Parte na presente Convenção no que diga respeito a essa organização, de um tratamento não menos favorável do que aquele que é concedido pelo governo desse Estado a qualquer outro governo, incluindo a respectiva representação diploma tica, em matéria de prioridades, tarifas e taxas sobre o correio, cabogramas, telegramas, radiotelegramas, telefotos, comunicações telefónicas e outras comunicações e em matéria de tarifas de imprensa para as informações à imprensa e à rádio.

SECÇÃO 12
A correspondência oficial e as outras comunicações oficiais das organizações especializadas não podem ser objecto de censura.
As organizações especializadas terão o direito de utilizar códigos bem como expedir e receber a sua correspondência por correios ou malas seladas, que gozarão dos mesmos privilégios e imunidades que os correios e malas diplomáticos.
A presente secção não pode de maneira nenhuma ser interpretada como impeditiva da adopção de medidas de segurança apropriadas, a determinar mediante acordo entre o Estado que seja Parte na presente Convenção e uma organização especializada.

Artigo VI
Funcionários
SECÇÃO 19
Os funcionários das organizações especializadas:
a) Gozarão de imunidade de jurisdição quanto aos actos por eles praticados na sua qualidade oficial (incluindo palavras ditas e escritas);
b) Gozarão, no que diz respeito aos salários e emolumentos que lhes são pagos pelas organizações especializadas, das mesmas isenções de impostos que são concedidas aos funcionários das Nações Unidas e nas mesmas condições;
c) Não estarão sujeitos, nem os seus cônjuges e os membros da sua família a seu cargo, às medidas restritivas relativas à imigração nem às formalidades de registo de estrangeiros;
d) Gozarão, no que diz respeito às facilidades de câmbio, dos mesmos privilégios que os membros das missões diplomáticas de nível hierárquico comparável;
e) Gozarão, em período de crise internacional, bem como os seus cônjuges e familiares a seu cargo, das mesmas facilidades de repatriamento que os membros das missões diplomáticas de nível hierárquico comparável;
f) Gozarão do direito de importar, livres de impostos, o seu mobiliário e os seus bens pessoais por ocasião da sua primeira assunção de funções no país em questão.

SECÇÃO 20
Os funcionários das organizações especializadas estarão isentos de toda e qualquer obrigação relativa ao serviço nacional. No entanto, tal isenção ficará, relativamente aos Estados de sua nacionalidade, limitada aos funcionários das organizações especializadas que, por força das suas funções, tenham sido expressamente designadas numa lista elaborada pelo director-geral da organização especializada e aprovada pelo Estado em questão.
Em caso de chamada para o serviço nacional de outros funcionários das organizações especializadas, o Estado em questão concederá, a pedido da organização especializada, os adiamentos de chamada que se possam revelar necessários para evitar a interrupção do serviço essencial.

SECÇÃO 21
Para além dos privilégios e imunidades previstos nas secções 19 e 20, o director-geral de cada organização especializada, bem como qualquer funcionário que actue em nome dele na sua ausência, tanto no que respeita ao próprio como no que respeita ao seu cônjuge e filhos menores, gozará dos privilégios, imunidades, isenções e facilidades concedidos aos enviados diplomáticos, de acordo com o direito internacional.

SECÇÃO 22
Os privilégios e imunidades são concedidos aos funcionários apenas no interesse das organizações especializadas e não para seu benefício pessoal. Cada organização especializada poderá e deverá levantar a imunidade concedida a um funcionário em todos os casos em que, em seu entender, tal imunidade impede que seja feita justiça e possa ser levantada sem prejuízo dos interesses da organização especializada.»


10. As imunidades e privilégios do Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (Banco Mundial) foram, por outro lado, consignadas no Artigo VII dos respetivos Estatutos, cuja versão em vigor resulta da emenda aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 4/89, de 24 de fevereiro de 1989[19].

Tratando-se de uma organização internacional análoga ao BAII, pela respetiva natureza e objetivos, cujos preceitos estatutários, no que respeita designadamente a imunidades e privilégios, o Acordo constitutivo do BAII se limita, na prática, a reproduzir, transcrevem-se seguidamente as secções do referido artigo em que tais imunidades e privilégios se encontram consagrados:

«Secção 3
Situação do Banco no que respeita a processos judiciais
Só poderão ser intentadas acções contra o Banco em tribunal jurisdicional competente nos territórios de um membro onde o Banco possua um departamento ou onde tenha nomeado um representante com o fim de aceitar citações ou notificações judiciais ou onde tenha emitido ou garantido títulos. Contudo, nenhuma acção poderá ser intentada pelos membros ou por pessoas agindo em nome dos referidos membros ou invocando direitos destes. Os bens e valores do Banco, qualquer que seja o lugar onde se encontrem e seja quem for o seu detentor, serão imunes de qualquer forma de apreensão, arresto ou execução, enquanto não for pronunciada uma decisão judicial definitiva contra o Banco.

Secção 4
Imunidade de apreensão
Os bens e valores do Banco, qualquer que seja o lugar onde se encontrem e seja quem for o seu detentor, serão imunes de busca, requisição, confisco, expropriação ou qualquer outra forma de apreensão por acto do poder executivo ou do poder legislativo.

Secção 5
Inviolabilidade dos arquivos
Os arquivos do Banco serão invioláveis.

Secção 6
Imunidade dos valores do Banco em relação a medidas restritas
Na medida necessária para a realização das operações previstas no presente Acordo e sob reserva das disposições do mesmo, todos os bens e valores do Banco serão livres de restrições, regulamentações, fiscalizações e moratórias de qualquer natureza.

Secção 7
Privilégios em matéria de comunicações
Todos os membros concederão às comunicações oficiais do Banco o mesmo tratamento concedido às comunicações oficiais dos outros membros.

Secção 8
Imunidades e privilégios dos agentes e empregados
Todos os governadores, directores executivos, suplentes, agentes e empregados do Banco:
i) Gozarão de imunidade de processo judicial em relação aos actos que realizarem no exercício das suas funções, excepto quando o Banco prescindir dessa imunidade;
ii) Se não forem nacionais do Estado onde exercem as suas funções, gozarão das mesmas imunidades no que respeita a restrições relativas à imigração, formalidades de registo de estrangeiros e obrigações de serviço nacional e beneficiarão das mesmas facilidades em matéria de restrições cambiais que forem concedidas pelos membros aos representantes, funcionários e empregados de categoria correspondente de outros membros;
iii) Ser-lhes-ão asseguradas nas suas deslocações as mesmas facilidades que forem concedidas pelos membros aos representantes, funcionários e empregados de categoria comparável dos outros membros.

Secção 9
Imunidades fiscais
a) O Banco, os seus valores, bens e rendimentos, bem como as suas operações e transacções autorizadas por este Acordo, serão isentos de todos os impostos e de todos os direitos aduaneiros.
O Banco ficará também isento de obrigações relativas à cobrança ou pagamento de qualquer imposto ou direito.
b) Os vencimentos e emolumentos pagos pelo Banco aos seus directores executivos, suplentes, funcionários e empregados que não sejam cidadãos, súbditos ou nacionais do país onde exerçam as suas funções serão isentos de impostos.
c) As obrigações e títulos emitidos pelo Banco (incluindo os respectivos dividendos ou juros), seja quem for o seu detentor, não serão sujeitos a tributação de qualquer natureza:
i) Que discrimine contra essas obrigações ou títulos unicamente por terem sido emitidos pelo Banco; ou
ii) Se a única base jurídica para tal tributação for o lugar ou a moeda em que essas obrigações ou títulos forem emitidos, pagáveis ou pagos, ou a localização de qualquer departamento ou centro de operações mantido no Banco.
d) As obrigações e títulos garantidos pelo Banco (incluindo os respectivos dividendos ou juros), seja quem for o seu detentor, não serão sujeitos a tributação de qualquer natureza:
i) Que discrimine contra essas obrigações ou títulos unicamente por terem sido garantidos pelo Banco; ou
ii) Se a única base jurídica para tal tributação for a localização de qualquer departamento ou centro de operações mantido pelo Banco.»


11. Privilégios e imunidades similares encontram-se estabelecidos, quase ipsis verbis, no Acordo Constitutivo do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento (BERD)[20], cujo objeto, como resulta do respetivo artigo 1.º, consiste, ao contribuir para o progresso e a reconstrução económica dos países da Europa Central e Oriental que se comprometam a respeitar e aplicar os princípios de democracia multipartidária, do pluralismo e da economia de mercado, em favorecer a transição das economias desses países para economias de mercado e neles promover a iniciativa privada e o espírito empresarial.

Tais privilégios e imunidades constam dos artigos 46.º a 52.º do Acordo, que seguidamente se transcrevem:

«Artigo 46.º
Situação do Banco no que respeita a processos judiciais
Poderão ser instauradas acções contra o Banco apenas num tribunal jurisdicional competente situado no território de um país em que o Banco possua um escritório ou onde tenha nomeado um representante para efeitos de aceitação de citações ou notificações judiciais ou onde tenha emitido ou garantido títulos. No entanto, não poderá ser instaurada qualquer acção judicial pelos membros ou por pessoas agindo em nome dos membros ou invocando direitos destes. Os bens e activos do Banco estarão imunes, onde quer que se situem e qualquer que seja o detentor, de qualquer forma de apreensão, penhora, arresto ou execução enquanto não for proferida uma decisão judicial definitiva contra o Banco.

Artigo 47.º
Impenhorabilidade
Os bens e activos do Banco, onde quer que se situem e qualquer que seja o seu detentor, estarão imunes de busca, requisição, confisco, expropriação ou qualquer outra forma de apreensão ou penhora por acto do poder executivo ou do poder legislativo.

Artigo 48.º
Inviolabilidade dos arquivos
Os arquivos do Banco e, de uma forma geral, todos os documentos que lhe pertencem ou que estejam na sua posse serão invioláveis.

Artigo 49.º
Imunidade dos activos do Banco em relação a medidas restritivas
Na medida necessária para a realização do seu objecto e o desempenho das suas funções e sujeito às disposições do presente acordo, todos os bens e activos do Banco serão livres de restrições, regulamentações, controlos e moratórias de qualquer natureza.

Artigo 50.º
Privilégios em matéria de comunicações
Todos os membros concederão às comunicações oficiais do Banco o mesmo tratamento concedido às comunicações oficiais dos outros membros.

Artigo 51.º
Imunidades dos funcionários e agentes
Todos os governadores, administradores, suplentes, funcionários e agentes do Banco, bem como os peritos que efectuem missões por conta deste, gozarão de imunidade em processos judiciais relativos a actos por si realizados no exercício das suas funções, salvo quando o Banco prescindir dessa imunidade, e gozarão da inviolabilidade de todos os seus documentos oficiais. Todavia, esta imunidade não se aplicará à responsabilidade civil de qualquer governador, administrador, suplente, funcionário, agente ou perito do Banco em caso de danos decorrentes de um acidente rodoviário por eles causado.

Artigo 52.º
Privilégios dos funcionários e agentes
1 - Todos os governadores, administradores, suplentes, funcionários e agentes do Banco, bem como os peritos que efectuem missões por conta do Banco:
i) Se não forem nacionais do país onde exercem as suas funções, gozarão das mesmas imunidades no que respeita às restrições relativas à imigração, aos requisitos sobre o registo de estrangeiros e às obrigações de serviço nacional, beneficiarão das mesmas facilidades em matéria de regulamentação cambial que forem concedidas pelos membros aos representantes, funcionários e agentes de categoria correspondente dos outros membros; e
ii) Gozarão, nas suas deslocações, das mesmas facilidades que forem concedidas pelos membros aos representantes, funcionários e agentes de categoria correspondente dos outros membros.
2 - Os cônjuges e os dependentes imediatos dos administradores, administradores suplentes, funcionários, agentes e peritos do Banco que sejam residentes no país em que está estabelecida a sede do Banco poderão ter um emprego nesse país. Os cônjuges e as pessoas a cargo dos administradores, administradores suplentes, funcionários, agentes e peritos do Banco que sejam residentes num país em que esteja estabelecida uma agência ou uma sucursal do Banco poderão ter, na medida do possível e em conformidade com as leis do país, um emprego nesse país. Em ordem a dar execução às disposições do presente número, o Banco negociará acordos específicos com o país em que está estabelecida a sua sede e, se tal for adequado, com os outros países em causa.»


12. Privilégios e imunidades da mesma natureza encontram-se consagrados a favor de instituições financeiras análogas no quadro da União Europeia (Banco Central Europeu e Banco Europeu de Investimento).

Com efeito, e como decorre do Protocolo n.º 7 anexo ao Tratado da União Europeia (Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia), encontram-se previstos no mesmo os privilégios e imunidades seguintes:

«Artigo 1.º
Os locais e as construções da União são invioláveis. Não podem ser objeto de busca, requisição, confisco ou expropriação. Os bens e haveres da União não podem ser objeto de qualquer medida coerciva, administrativa ou judicial, sem autorização do Tribunal de Justiça.

Artigo 2.º
Os arquivos da União são invioláveis.

(…)

Artigo 5.º
As instituições da União beneficiam, no território de cada Estado-Membro, para as comunicações oficiais e para a transmissão de todos os seus documentos, do tratamento concedido por esse Estado às missões diplomáticas.
A correspondência oficial e as outras comunicações oficiais das instituições da União não podem ser censuradas.

(…)

Artigo 10.º
Os representantes dos Estados-Membros que participam nos trabalhos das instituições da União, bem como os seus conselheiros e peritos, gozam, durante o exercício das suas funções e durante as viagens com destino ou em proveniência de local de reunião, dos privilégios, imunidades e facilidades usuais.
O presente artigo é igualmente aplicável aos membros dos órgãos consultivos da União.

Artigo 11.º
No território de cada Estado-Membro e independentemente da sua nacionalidade, os funcionários e outros agentes da União:
a) Gozam de imunidade de jurisdição no que diz respeito aos atos por eles praticados na sua qualidade oficial, incluindo as suas palavras e escritos, sem prejuízo da aplicação das disposições dos Tratados relativas, por um lado, às normas sobre a responsabilidade dos funcionários e agentes perante a União e, por outro, à competência do Tribunal de Justiça da União Europeia para decidir sobre os litígios entre a União e os seus funcionários e outros agentes. Continuarão a beneficiar desta imunidade após a cessação das suas funções.
b) Não estão sujeitos, bem como os cônjuges e membros da família a seu cargo, às disposições que limitam a imigração e às formalidades de registo de estrangeiros.
c) Gozam, no que respeita às regulamentações monetárias ou de câmbio, das facilidades usualmente reconhecidas aos funcionários das organizações internacionais.
d) Têm o direito de importar o mobiliário e bens pessoais, livres de direitos, por ocasião do início de funções no país em causa, e o direito de reexportar o mobiliário e bens pessoais, livres de direitos, aquando da cessação das suas funções no referido país, sem prejuízo, num e noutro caso, das condições julgadas necessárias pelo Governo do país em que tal direito é exercido.
e) Têm o direito de importar, livre de direitos, o automóvel destinado a uso pessoal, adquirido no país da última residência ou no país de que são nacionais, nas condições do mercado interno deste, e de o reexportar, livre de direitos, sem prejuízo, num e noutro caso, das condições julgadas necessárias pelo Governo do país em causa.

(…)

Artigo 15.º
O Parlamento Europeu e o Conselho, por meio de regulamentos adotados de acordo com o processo legislativo ordinário e após consulta às outras instituições interessadas, determinarão as categorias de funcionários e outros agentes da União a que é aplicável, no todo ou em parte, o disposto nos artigos 11.º, 12.º, segundo parágrafo, e 13.º. [21]
Os nomes, qualificações e endereços dos funcionários e outros agentes compreendidos nestas categorias serão comunicados periodicamente aos Governos dos Estados-Membros.

(…)

Artigo 17.º
Os privilégios, imunidades e facilidades são concedidos aos funcionários e outros agentes da União exclusivamente no interesse desta.
Cada instituição da União deve levantar a imunidade concedida a um funcionário ou outro agente, sempre que considere que tal levantamento não é contrário aos interesses da União.

(…)

Artigo 21.º
O presente Protocolo é igualmente aplicável ao Banco Europeu de Investimento, aos membros dos seus órgãos, ao seu pessoal e aos representantes dos Estados-Membros que participem nos seus trabalhos, sem prejuízo do disposto no Protocolo relativo aos Estatutos do Banco.
O Banco Europeu de Investimento fica, além disso, isento de toda e qualquer imposição fiscal e parafiscal, aquando dos aumentos de capital, bem como das diversas formalidades que tais operações possam implicar no Estado da sua sede. Do mesmo modo, a sua dissolução e liquidação não darão origem a qualquer imposição. Por último, a atividade do Banco e dos seus órgãos, desde que se exerça nas condições estatutárias, não dá origem à aplicação do imposto sobre o volume de negócios.

Artigo 22.º
O presente Protocolo é igualmente aplicável ao Banco Central Europeu, aos membros dos seus órgãos e ao seu pessoal, sem prejuízo do disposto no Protocolo relativo aos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu.
O Banco Central Europeu fica, além disso, isento de qualquer imposição fiscal ou parafiscal ao proceder-se aos aumentos de capital, bem como das diversas formalidades que tais operações possam implicar no Estado da sua sede. As atividades do Banco e dos seus órgãos, desde que exercidas de acordo com os Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu, não darão origem à aplicação de qualquer imposto sobre o volume de negócios.»


13. Resulta do exposto que os privilégios e imunidades, designadamente de jurisdição e de execução, que se encontram previstos no Acordo Constitutivo do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, têm recorte análogo aos previstos em múltiplos outros instrumentos de direito internacional convencional a que Portugal se vinculou, relativos a organizações internacionais da mesma natureza e prosseguindo objetivos próximos.

Tais imunidades e privilégios mostram-se adequados e proporcionados, segundo a prática internacional generalizada, às necessidades das respetivas organizações internacionais tendo em vista a prossecução das missões que lhes foram cometidas pelos Estados-Membros nos correspondentes tratados.

A possibilidade de consagração convencional de tal tipologia de imunidades e privilégios a favor das organizações internacionais deve considerar-se presentemente como princípio integrante do direito internacional comum, mostrando-se conforme aos normativos decorrentes do artigo 8.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.

Entende-se, consequentemente, em resposta à matéria da consulta, que os privilégios e imunidades previstos nos artigos 46.º, 47.º e 50.º do Acordo Constitutivo do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura não afrontam qualquer norma ou princípio, designadamente de ordem pública, no plano do nosso ordenamento jurídico-constitucional.


14. Em face do acima exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1.ª – As normas decorrentes dos artigos 46.º, 47.º e 50.º do Acordo Constitutivo do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, caso tal Acordo venha a ser regularmente ratificado e publicado, passarão a vigorar na ordem interna enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português, tendo, no plano hierárquico-normativo, enquanto direito internacional convencional, valor infraconstitucional e supralegal.

2.ª – Os privilégios e imunidades consagrados em tais preceitos a favor do referido Banco, sendo análogos aos conferidos a múltiplas outras organizações internacionais da mesma natureza em tratados internacionais a que o Estado Português se vinculou anteriormente, enquadram-se na prática internacional generalizada dos Estados, sendo por isso admitidos pelo direito internacional comum.

3.ª – Tais privilégios e imunidades não afrontam qualquer norma ou princípio, designadamente de ordem pública, no plano do nosso ordenamento jurídico-constitucional, sendo admitidos pelo artigo 8.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.


Lisboa, 16 de março de 2016



O Vogal do Conselho Consultivo,


(Fernando Bento)





[1] O parecer foi solicitado pelo ofício n.º 686, de 7 de março de 2016, com a referência P.º 188/2016, do Gabinete da Ministra da Justiça.
[2] Publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 66, de 31 de março de 1999.
[3] A redação resulta do texto recebido com o pedido de parecer, constante da Nota Técnica n.º 84/2015/DCI, do Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais do Ministério das Finanças, com o título seguinte: «Tradução oficiosa do Acordo Constitutivo do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura».
[4] Sobre estes conceitos no plano das organizações internacionais, cf. André Gonçalves Pereira – Fausto de Quadros, Manual de Direito Internacional Público, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1997, pp. 418-426.
[5] Na Parte A do Anexo A vêm identificados 37 Estados da Ásia e Oceania.
[6] Na Parte B do Anexo vêm identificados 20 Estados da Europa, América e África, neles se incluindo Portugal.
[7] Sobre a matéria da hierarquia supralegal do direito internacional convencional, cf. André Gonçalves Pereira – Fausto de Quadros, ob. cit., pp. 119-124; Jorge Miranda – Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, pp. 94-95; J. J. Gomes Canotilho – Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, 2007, pp. 259-261.
[8] Cumpre, a este propósito, referir que a tradução facultada pela entidade consulente a este Conselho, no que respeita à segunda parte do número 2 do artigo 46.º do Acordo, não exprime com rigor o sentido do texto do Acordo na versão inglesa, cuja redação é a seguinte: «Members shall have recourse to such special procedures for the settlement of controversies between the Bank and its members as may be prescribed in this Agreement, in the by-laws and regulations of the Bank, or in the contracts entered into with the Bank».
[9] A versão em inglês de tal preceito é a seguinte: «Property and assets of the Bank, wheresoever located and by whomsoever held, shall be immune from search, requisition, confiscation, expropriation or any other form of taking or foreclosure by executive or legislative action».
[10] O Acordo foi aprovado, para adesão, pelo Decreto-Lei n.º 43337, de 21 de novembro de 1960.
[11] Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daillier e Alain Pellet, Direito Internacional Público, 2.ª Edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2003, p. 461.
[12] C. F. Amerasinghe, Principles of the Institutional Law of International Organizations, 2.ª Edição Revista, Cambridge University Press, 2005, pp. 315-316.
[13] A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, foi aprovada pelo Decreto-Lei n.º 48295, publicado no Diário do Governo, 1.ª série, n.º 74, de 27 de Março de 1968, tendo o instrumento de ratificação sido depositado em 11 de Setembro de 1968, conforme o aviso publicado no Diário do Governo, 1.ª série, n.º 253, de 26 de Outubro de 1968. Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 51.º, a Convenção entrou em vigor, relativamente a Portugal, em 11 de Outubro de 1968.
[14] C. F. Amerasinghe, ob. cit., pp. 344-348; Manuel Diez de Velasco Vallejo, Instituciones de Derecho Internacional Público, 18.ª Edição, Tecnos, Madrid, 2013, p. 376.
[15] A Convenção foi aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 38/98, de 31 de julho, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 23/2007, de 1 de fevereiro.
[16] Aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 3/2007, de 1 de fevereiro de 2007, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 23/2007, de 1 de fevereiro.
[17] Cf. Artigos 29.º a 37.º da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 48295, de 27 de Março de 1968.
[18] Por «organizações especializadas» entendem-se, nos termos da Secção 1 do Artigo I, a Organização Internacional do Trabalho, Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, a Organização da Aviação Civil Internacional, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento, a Organização Mundial de Saúde, a União Postal Universal, a União Internacional de Telecomunicações, bem como qualquer outra organização vinculada às Nações Unidas de acordo com os artigos 57.º e 63.º da Carta.
[19] A emenda foi ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 19/89, de 25 de março
[20] Tal Acordo foi aprovado para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 9-A/91, de 20 de março, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 13/91, de 20 de Março.
[21] Cf. Regulamento (CE) n.º 371/2009, do Conselho, de 17 de Novembro de 2008, e Regulamento (Euratom, CECA, CEE) n.º 549/69, de 27 de março de 1969.