Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00001205
Parecer: I000711999
Nº do Documento: PIN2000070107007100
Descritores: ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DE TRABALHO
CONVENÇÃO
TRABALHO INFANTIL
RATIFICAÇÃO
ESCRAVATURA
CRIANÇA
PROSTITUIÇÃO
PORNOGRAFIA
CRIME SEXUAL
TRABALHO FORÇADO
TRÁFICO DE CRIANÇAS
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
RECOMENDAÇÃO
TROCA DE INFORMAÇÃO
PROTECÇÃO DE DADOS
DADOS PESSOAIS
INFORMÁTICA
ILÍCITO DE MERA ORDENAÇÃO SOCIAL
CONTRA-ORDENAÇÃO
SANÇÃO ACESSÓRIA
APLICAÇÃO DA LEI NO ESPAÇO
PRINCÍPIO DA NACIONALIDADE
Livro: 00
Numero Oficio: 965
Data Oficio: 10/12/1999
Pedido: 10/14/1999
Data de Distribuição: 10/14/1999
Relator: ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Sessões: 00
Data Informação/Parecer: 01/07/2000
Sigla do Departamento 1: MJ
Entidades do Departamento 1: SE DA JUSTIÇA
Privacidade: [09]
Indicação 2: ASSESSOR: MARTA PATRÍCIO
Área Temática:DIR CONST * DIR FUND * ORG PODER POL / DIR INFORMAT / DIR INT PUBL * DIR HOMEM.
Ref. Pareceres:P000951987
Legislação:CONST76 ART8 ART16 N2 ART30 N4 ART35 N7 ART276; N2.; RAR 11/98 DE 1998/03/19.; DPR 11/98 DE 1998/03/19.; RAR 20/90 DE 1990/09/12.; DPR 20/90 DE 1990/09/12.; DL 40646 DE 1956/06/16.; DL 42172 DE 1959/03/02.; L 29/78 DE 1978/06/12.; L 65/78 DE 1978/10/13.; D 14046 DE 1927/06/21.; CARTA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA DE 1927/08/26.; LEI DO CONGRESSO DA REPÚBLICA N1544 DE 1924/02/04.; DL 42381 DE 1959/07/13.; CP852 ART328.; CP886 ART328.; CP82 ART4 A B ART5 N1 A B C D E N2 ART6 N1 N2 N3 ART65 N1 N2 ART66 N1 A B C N2 ART67 N1 N3 ART100 N1 N2 ART152 N1 B C ART153 ART154 ART155 N1 B ART158 ART159 A B ART160 ART161 ART169 ART170 ART172 N3 B C D N4 ART176 N1 N2 N3 ART219 N1 ART236 ART237 ART238 ART239 N1 ART242 ART275.; L 174/99 DE 1999/09/21 ART1 N1 N2 N3 N4 N5 N6.; DL 15/93 DE 1993/01/22 ART19 ART21 ART22 ART23 ART24 I ART29 N3 A B.; L 45/96 DE 1996/09/03.; CCIV66 ART122.; L 67/98 DE 1998/10/26.; DL 352/99 DE 1999/10/03 ART7 N1 ART13.; L 60/98 DE 1998/08/27 ART1 ART3 N1 C.; CPP87 ART280 ART281.; L 57/98 DE 1998/08/18 ART5.; L 67/98 DE 1998/10/26 ART8 N3.; DL 433/82 DE 1982/09/14 ART21 N1 A B C D E F G N2 N3 ART21 A.; DL 244/95 DE 1995/09/14.; DL 365/89 DE 1989/09/17.; DL 241/97 DE 1997/09/18 ART16 N2 B ART19 N1 D.; CPUBL90 ART14 N1 C ART34 N1 ART35 N1 A B.; DL 275/98 DE 1998/09/09.; L 31-A/98 DE 1998/07/14 ART21 N1 N2 ART64 ART65.; L 87/88 DE 1988/07/30 ART8 N3 ART36 N1.
Direito Comunitário:
              DIR 95/46/CE DE 1995/10/24 ART8.
Direito Internacional:
              CONV N1 DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO RELATIVA À IDADE MÍNIMA PARA ADMISSÃO A EMPREGO
              CONV DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O DIREITO DAS CRIANÇAS DE 1989/11/20 ART34 A B C ART38 N2 N3
              CONV N29 SOBRE O TRABALHO FORÇADO E OBRIGATÓRIO DE 1930 ART2 N1
              CONV SUPLEMENTAR RELATIVA À ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA DO TRÁFICO DE ESCRAVOS E DAS PRÁTICAS ANÁLOGAS À ESCRAVATURA DE 1956/09/07 ART1
              DUDH ART4.
              PIDCP ART8 N1 N2 N3
              CEDH ART4 N1 N2 N3
              CONV RELATIVA À ESCRAVATURA DE 1956.
              DECLARAÇÃO E PROGRAMA DE ACÇÃO DE VIENA ADOPTADA EM 1993/06/25
              CONV INTERNACIONAL PARA A REPRESSÃO DO TRÁFICO DE MULHERES E CRIANÇAS DE 1921/09/30
              CONV N105 SOBRE A ABOLIÇÃO DO TRABALHO FORÇADO DE 1957/06/05
              CONV DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA O TRÁFICO ILÍCITO DE ESTUPEFACIENTES E DE SUBSTÂNCIAS PSOCOTRÓPICAS DE 1988
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: A - Todas as “piores formas de trabalho infantil” a que se referem as alíneas a), b) e c) do artigo 3.º da Convenção são já proibidas na ordem jurídica portuguesa;

B - A legislação portuguesa prevê e pune como crime todas essas mesmas “piores formas de trabalho infantil”, com as seguintes excepções ou explicitações:

a) Fora do quadro penal do crime de escravidão, o trabalho forçado ou obrigatório previsto na alínea a do artigo 3.º do Convenção é proibido mas não se detecta sancionamento criminal que o cubra completamente;

b) Considerada a pura materialidade da utilização, recrutamento e oferta de uma criança para prostituição, a que se reporta a alínea b) do artigo 3.º da Convenção, bem como o limite de idade para a definição de criança, nos termos do artigo 2.º da mesma, verifica-se que a tutela penal correspondente na ordem jurídica portuguesa, através do artigo 176.º do Código Penal, não é suficiente, em razão da idade da vítima;

c) A mesma insuficiência em razão da idade, ainda com maior diferencial, se detecta em relação ao segmento referente à pornografia do mesmo artigo 3.º, b), já que o artigo 172.º do Código Penal apenas considera menor de 14 anos;

d) No mesmo segmento, não será isenta de dúvidas a cobertura penal de toda a realidade prevista na Convenção, tendo em conta a distinção tripartida “utilização, recrutamento, oferta”, aí efectuada, perante a simples expressão gramatical “utilizar” do artigo 172.º Código Penal;

e) A expressão literal tripartida “utilização, recrutamento ou oferta” de uma criança para actividade ilícitas, do artigo 3.º, c), da Convenção, é, outrossim, mais directamente abrangente que a expressão gramatical única “empregar” do artigo 152.º do Código Penal.

C - As recomendações constantes dos pontos 11. 12. 14. e 15., alínea d), da Recomendação não enfrentam obstáculos na ordem jurídica portuguesa, com as seguintes explicitações:

a) Ponto 11.a) Não é possível antecipar as diversas hipóteses de configuração convencional ou casuística que se venham a perspectivar quanto à troca de informações, devendo sempre respeitar-se o quadro geral de protecção de dados pessoais;

b) Ponto 11.b) Deverá acentuar-se que se entende que os institutos de dispensa de pena e de suspensão provisória do processo não colidem com a recomendação;

c) Ponto 12. À criminalização recomendada neste ponto aplicam-se as considerações realizadas a propósito do artigo 3.º da Convenção;

d) Ponto 14. A nossa legislação não prevê sanção acessória permanente ou definitiva.

e) Ponto 15. A satisfação completa da recomendação poderá exigir adequação da lei penal às situações em que a acção praticada não é punível no país da ocorrência.

Texto Integral: Senhor Secretário de Estado da Justiça,
Excelência:

I


1. A Organização Internacional do Trabalho aprovou por unanimidade, em Junho de 1999, a Convenção n.º 182 e a Recomendação n.º 190, sobre as piores formas do trabalho das crianças.

Tendo em vista o processo de ratificação da Convenção e a submissão da Recomendação à Assembleia da República, o Gabinete do Secretário de Estado da Segurança Social, na orgânica do XIII Governo Constitucional, solicitou ao Gabinete do Ministro da Justiça informação sobre a correspondência de alguns dos pontos daqueles instrumentos com a legislação e prática nacionais.

Sobre esse pedido Vossa Excelência apôs despacho de solicitação de informação-parecer à Procuradoria-Geral da República.

Cumpre, pois, emitir o parecer solicitado por Vossa Excelência, não se cuidando senão do vector de correspondência legal, já que outros são alheios à vocação deste Conselho Consultivo.

II


2. Por ser útil à percepção da delimitação desta informação transcreveremos os pontos 2 e 3 do ofício do Gabinete do Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais:

“2. A ratificação da convenção obriga os Estados a tomar, com a maior urgência, medidas imediatas e eficazes para assegurar a proibição e a eliminação das piores formas de trabalho das crianças. Essas medidas incluirão sanções penais ou, se for caso disso, outras sanções ( artigo 7.º/1).
As piores formas de trabalho das crianças, definidas no artigo 3.º da convenção, incluem “os trabalhos que, pela sua natureza ou pelas condições em que são exercidos, são susceptíveis de prejudicar a saúde, a segurança ou moralidade da criança”, a determinar pela legislação nacional [alínea d) do artigo 3º e n.º 1 do artigo 4º]. A legislação do trabalho concretiza este tipos de trabalho e estabelece as correspondentes sanções.
Relativamente às outras piores formas de trabalho das crianças, solicito por intermédio de V. Exa. a colaboração do Ministério da Justiça a fim de determinar se todas elas são já proibidas pela legislação nacional e as sanções correspondentes.
3. A submissão da recomendação à Assembleia da República deve ser acompanhada de informação sobre a medida em que as suas disposições têm correspondência na lei e na prática nacionais. Nesse sentido, solicito também a colaboração do Ministério da Justiça a fim de determinar em que medida o disposto nos seus parágrafos 11, sobre a cooperação internacional, 12, sobre tutela penal das piores formas de trabalho das crianças, 14 e 15, sobre diversas acções tendentes a assegurar a eliminação das piores formas de trabalho das crianças, tem correspondência na lei e na prática nacionais”.

Ambos os textos, da convenção e da recomendação vêm-nos apresentados nas suas versões inglesa e francesa. Iremos reproduzir, na versão inglesa, o articulado em relação ao qual nos é solicitada posição. No desenvolvimento do parecer retomaremos, por vezes, o articulado em tradução para português da nossa responsabilidade, tradução na qual teremos também em consideração o confronto com a versão francesa.

“Convention 182

Convention Concerning the Prohibition and Immediate Action for the Elimination of the Worst Forms of Child Labour

The General Conference of International Labour Organization
Having been convened at Geneva by the Governing Body of the International Labour Office, and having met in its 87th session on 1 June 1999 [...]
Adopts this seventeenth day of June of the year one thousand nine hundred and ninety-nine the following Convention, which may be cited as the Worst Forms of Child Labour Convention, 1999.

Article 1
Each member which ratifies this Convention shall take immediate and effective measures to secure the prohibition and elimination of the worst forms of child labour as a matter of urgency.

Article 2
For the purposes of this Convention, the term “child” shall apply to all person under the age of 18.

Article 3
For the purposes of this Convention, the term “the worst forms of child labour” comprises:
a) all forms of slavery or practices similar to slavery, such as the sale and trafficking of children, debt bondage and serfdom and forced or compulsory labour, including forced or compulsory recruitment of children for use in armed conflict;
b) the use, procuring or offering of a child for prostitution, for the production of pornography or for pornographic performances;
c) the use, procuring or offering of a child for illicit activities, in particular for the production and trafficking of drugs as defined in the relevant international treaties;
d) work which, by its nature or the circumstances in which is carried out, is likely to harm the health, safety or morals of children.”

“Recommendation 190

Recommendation Concerning the Prohibition and Immediate Action for the Elimination of the Worst Forms of Child Labour
[...]

11. Members should, in so far as it is compatible with national law, cooperate with international efforts aimed at the prohibition and elimination of the worst forms of child labour as a matter of urgency by:
a) gathering and exchanging information concerning criminal offences, including those involving international networks;
b) detecting and prosecuting those involved in the sale and trafficking of children, or in the use, procuring or offering of children for illicit activities, for prostitution, for the production of pornography or for pornographic performances;
c) registering perpetrators of such offences.

12. Members should provide that the following worst forms of child labour are criminal offences:
a) all forms of slavery or practices similar to slavery, such as the sale and trafficking of children, debt bondage and serfdom and forced or compulsory labour, including forced or including forced or compulsory recruitment of children for use in armed conflict;
b) the use, procuring or offering of a child for prostitution, for the production of pornography or for pornographic performances; and
c) the use, procuring or offering of a child for illicit activities, in particular for the production and trafficking of drugs as defined in the relevant international treaties, or for activities which involve the unlawful carrying or use of firearms or other weapons.
[...]

14. Members should also provide as a matter of urgency for other criminal, civil or administrative remedies, where appropriate, to ensure the effective enforcement of national provisions for the prohibition and elimination of the worst forms of child labour, such as special supervision of enterprises which have used the worst forms of child labour, and, in cases of persistent violation, consideration of temporary or permanent revoking of permits to operate.

15. Other measures aimed at the prohibition and elimination of the worst forms of child labour might include the following:
a) informing, sensitizing and mobilizing the general public, including national and local political leaders, parliamentarians and the judiciary;
b) involving and training employers’ and workers’ organizations and civic organizations;
c) providing appropriate training for the government officials concerned, especially inspectors and law enforcement officials, and for other relevant professionals;
d) providing for the prosecution in their own country of the Member’s nationals who commit offences under its national provisions for the prohibitions and immediate elimination of the worst forms of child labour even when these offences are committed in another country;
e) simplifying legal and administrative procedures and ensuring that they are appropriate and prompt;
f) encouraging the development of policies by undertakings to promote the aims of the Convention;
g) monitoring and giving publicity to best practices on the elimination of child labour;
h) giving publicity to legal or other provisions on child labour in the different languages or dialects;
i) establishing special complaints procedures and making provisions to protect from discrimination and reprisals those who legitimately expose violations of the provisions of the Convention, as well as establishing helplines or points of contact and ombudspersons;
j) adopting appropriate measures to improve the educational infrastructure and the training of teachers to meet the needs of boys and girls;
k) as far as possible, taking into account in national programmes of action:
(i) the need for job creation and vocational training for the parents and adults in the families of children working in the conditions covered by the Convention; and
(ii) the need for sensitizing parents to the problem of children working in such conditions.”

III


A Convenção n.º 182 (adiante Convenção)


3. Como resulta do ofício transcrito no ponto II, não é pedido a este Conselho um parecer sobre a conformidade da Convenção com o ordenamento jurídico português em vigor.

O pedido é muito mais limitado, restringindo-se à verificação se as formas de trabalho das crianças previstas nas alíneas a), b) e c) do artigo 3.º são já proibidas pela legislação nacional, e à indicação das sanções que lhes correspondem.

Uma leitura do preâmbulo da Convenção em análise revela-nos imediatamente que ela se insere num longo e persistente caminho de assunção pelas instâncias internacionais de preocupação pelos direitos das crianças.

O preâmbulo considera a necessidade “de complementar a Convenção e a Recomendação Relativa à Idade Mínima para Admissão ao Emprego, 1973”;
Recorda a “resolução respeitante à eliminação do trabalho infantil, adoptada pela Conferência Internacional do Trabalho na sua 83.ª Sessão de 1996”;
Recorda “a Convenção dos Direitos da Criança adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989”;
Recorda “a Declaração sobre os princípios fundamentais no trabalho e o seu acompanhamento, adoptada pela Conferência Internacional do Trabalho na sessão 86, 1998;
Recorda ainda “que algumas das piores formas de trabalho infantil estão cobertas por outros instrumentos internacionais, em particular a Convenção sobre o Trabalho Forçado, 1930, e a Convenção suplementar das Nações Unidas sobre a Abolição da Escravatura e do Tráfico de Escravos e Instituições e Práticas Similares, 1956”.

Há, pois, um trajecto que continua. Detectamos nele quer instrumentos especificamente destinados a cobrir a realidade infantil ou juvenil, quer instrumentos mais amplos onde essa realidade é prevenida, seja abrangida em normas de âmbito alargado, seja por nesses instrumentos haver, por sua vez, normas específicas a contemplá-la.


4. De acordo com o artigo 8.º, n.º 2, da Constituição da República as “normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português”.

Todas as convenções tidas em consideração ou recordadas pela preâmbulo da Convenção, foram regularmente aprovadas e ratificadas por Portugal, encontrando-se, pois, em vigor na ordem interna.

Assim:

Convenção n.º 138 da Organização Internacional do Trabalho, relativa à idade mínima para admissão ao emprego - aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 11/98 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 11/98, ambos de 19 de Março [1];

Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças, adoptada pela Assembleia Geral em 20.11.89, e assinada em Nova Iorque em 26.01.90 – aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 20/90, ambos de 12 de Setembro [2];

Convenção n.º 29 sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório, concluída na 14ª sessão da Conferência Internacional do Trabalho de 10.6.1930 - transposta para a ordem interna pelo Decreto-Lei n.º 40646, de 16.6.56 [3];

Convenção suplementar relativa à Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura, de 7 de Setembro de 1956 - aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 42172, de 2.3.1959 [4].


5. Se a memória do Preâmbulo da Convenção é ilustrativa de um caminho, claramente não é exaustiva dos passos que nesse processo foram sendo dados pela comunidade internacional [5].

No contexto desta informação não interessará fazer todo o percurso histórico que simultaneamente nos dê a actuação das instâncias internacionais e a posição de Portugal no mesmo âmbito repercutindo-se na ordem interna.

Por isso, não se cuidará de fazer uma indicação esgotante de todas os diplomas internacionais a que o Estado Português se vinculou compreendendo as áreas que temos de reflectir. No entanto, é útil a indicação de alguns desses outros instrumentos, com incidência na área em questão e que assumem natureza vinculativa na ordem interna portuguesa.

Apontaremos os seguintes, por lhes irmos fazer referência:

Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948 [6], Declaração que, nos termos do artigo 16.º, n.º 2, da Lei fundamental se constitui como fonte de interpretação e integração dos preceitos constitucionais e legais relativos a direitos fundamentais [7].

Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 16.12.966 - aprovado para ratificação pela Lei n.º 29/78, de 12.6;

Convenção Europeia dos Direitos do Homem, concluída em Roma em 4.11.1950 – aprovada para ratificação pela Lei n.º 65/78, de 13.10

Convenção relativa à Escravatura, de 25 de Setembro de 1926 – aprovada por decreto com força de lei n.º 14046, de 21 de Junho de 1927, confirmada e ratificada por Carta do Presidente da República de 26..08.27 [8];

Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres e Crianças, de 30.9.1921 - aprovada para ratificação pela Lei do Congresso da República n.º 1544, de 4.2.1924, confirmada e ratificada por Carta do Presidente da República da mesma data [9];

Convenção n.º 105 sobre a Abolição do Trabalho Forçado, adoptada na 40ª sessão da Conferência Internacional do Trabalho, de 5.6.57 - transposta para a ordem interna pelo Decreto-Lei n.º 42381, de 13.7.59 [10].

Como se disse, neste conjunto de instrumentos há várias matérias comuns a alguns deles, que, por isso, se contemplam repetidamente, por vezes com simples alteração de termos ou de seguimento expositivo.

No caso de Estados já vinculados por instrumento anterior, as normas vigentes na ordem interna mantêm-se, não se podendo verdadeiramente falar em adição de normas, com sequente adição de direitos, deveres ou obrigações. Mas, a reiteração, além de prevenir eventual cessação de vigência dos anteriores instrumentos, reforça o ideário, o projecto, serve a sua consolidação e aprofundamento.

Iremos, portanto, ver que algumas das normas constantes da Convenção em apreciação já existem na ordem jurídica portuguesa e já existem por pluralidade de vias.


6. Passemos, então, à indagação da proibição na ordem jurídica portuguesa das “piores formas de trabalho infantil” previstas nas três primeiras alíneas do artigo 3.º, bem como, no caso de proibição, do tipo de sanção que lhes corresponde.

Vamos proceder à análise, alínea a alínea.


6.1. Escravatura e práticas análogas

Article 3
For the purposes of this Convention, the term “the worst forms of child labour” comprises:
a) all forms of slavery or practices similar to slavery, such as the sale and trafficking of children, debt bondage and serfdom and forced or compulsory labour, including forced or compulsory recruitment of children for use in armed conflict;”

“Artigo 3.º
Para efeitos desta Convenção, o termo “as piores formas de trabalho infantil” compreende:
a) Todas as formas de escravatura ou práticas análogas, tais como a venda e o tráfico de crianças, a servidão por dívidas e a servidão da gleba, assim como o trabalho forçado ou obrigatório, aí se compreendendo o recrutamento forçado ou obrigatório de crianças com o fim da sua utilização em conflitos armados;”.

Para a proibição da escravatura e da servidão, dispõem em particular as Convenções que enunciámos supra: Convenção relativa à escravatura, de 25 de Setembro de 1926; Convenção suplementar relativa à abolição da escravatura, do tráfico de escravos e das instituições e práticas análogas à escravatura, de 7 de Setembro de 1956.

Para a proibição da venda e tráfico de crianças dispõem em particular a Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres e Crianças, de 30.9.1921.

Para o trabalho forçado ou obrigatório dispõem em particular a Convenção n.º 29 sobre o trabalho forçado ou obrigatório, e a Convenção n.º 105 sobre a abolição do trabalho forçado.

Mas qualquer desta realidades é coberta por instrumentos gerais que as prevêem entre outras figuras.

Assim:

Declaração Universal dos Direitos do Homem
“Artigo 4.º
Ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; a escravatura e o trato dos escravos, sob todas as formas, são proibidos.”;

Convenção Europeia dos Direitos do Homem
“Artigo 4.º
1. Ninguém pode ser mantido em escravatura ou em servidão.
2. Ninguém pode ser constrangido a realizar um trabalho forçado ou obrigatório.
3. Não será considerado «trabalho forçado ou obrigatório»...”;

Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos
“Artigo 8.º
1 - Ninguém será submetido a escravidão; a escravidão e o tráfico de escravos, sob todas as suas formas, são interditos.
2 - Ninguém será mantido em servidão
3 - Ninguém será constrangido a realizar trabalho forçado ou obrigatório.”;

Nenhum destes tratados nem a Declaração contêm em si a proibição de uma conduta e a precisa estatuição sancionatória para a violação da proibição.

Para a verificação do estado da situação perante a realidade legal portuguesa será pois da maior utilidade verificar a existência de normas que cubram a previsão e a sanção. Se elas existirem desnecessário será proceder a uma análise do diferencial dos instrumentos já vinculativos face a esta nova convenção.

Devemos, então, debruçar-nos sobre o Código Penal [11], o que faremos para esta alínea a) do artigo 3.º da Convenção, como, depois, para as restantes.

6.1.a) Escravidão

No que toca a todas as formas de escravatura ou práticas similares elas têm a sua previsão criminal no Capítulo IV do Título I do Livro II, artigos 153.º a 162.º. Tem este Capítulo a epígrafe “Dos crimes contra a liberdade pessoas”.

Nele contemplam-se os crimes de ameaça à liberdade, 153.º, de coacção, 154.º, de coacção grave, 155.º, de sequestro, 158.º, de rapto, 160.º, de tomada de reféns, 161.º e, em especial, o crime de escravidão, no artigo 159.º

“Artigo 159.º
Escravidão
Quem:
a) Reduzir outra pessoa ao estado ou à condição de escravo; ou
b) Alienar, ceder ou adquirir pessoa ou dela se apossar com a intenção de a manter na situação prevista na alínea anterior;
É punido com pena de prisão de 5 a 15 anos.”

O tratamento jurídico da escravidão foi abundante no âmbito quer do Código Penal de 1852, quer do Código Penal de 1886, designadamente em sede de interpretação do artigo 328.º, que previa e punia o cativeiro, mas apenas o cativeiro de homem livre: “Todos os que sujeitarem a cativeiro algum homem livre, serão condenado a prisão...” [12].

Porém, quanto mais se avança no século XX mais vão rareando as referências a jurisprudência sobre casos de escravidão registados em Portugal [13].

Apesar dessa rarefacção, a escravidão veio a ser introduzida como tipo de crime no Código Penal de 1982, então como artigo 161.º.

Ao que parece, impressionados com a inexistência de casos de condenações pelo crime “e por se ter em conta que o direito penal não deve reduzir-se a uma função meramente simbólica [...] foi colocada à Comissão de Revisão do CP 1982 a questão se este tipo legal se devia manter no CP ou se devia ser eliminado” [14].

O tipo de crime acabou por manter-se, passando a constar do artigo 159.º, com uma redução do mínimo da pena que de 8 passou para 5 anos de prisão.

À interpretação do preceito não podem ser alheios os documentos internacionais supra mencionados, designadamente a Convenção sobre a escravatura de 1926 e a Convenção suplementar de 1956.

Da primeira é essencial o entendimento sobre escravatura:

“Artigo 1.º
1.º A escravatura é o estado ou condição de um indivíduo sobre o qual se exerce todos ou quaisquer atributos do direito de propriedade.”

Deve julgar-se que o Código Penal acolhe esta noção, e, inclusive, acolhe expressamente a dicotomia estado ou condição na saliência de que não se trata de um repetição inútil já que “estado é uma situação mais permanente que condição”[15].

A Convenção suplementar de 1956 submete a sua Secção I à epígrafe Instituições e práticas análogas à escravatura, onde inclui, no artigo 1.º, a servidão por dívidas e a servidão da gleba, e ainda, entre o mais, toda a instituição ou prática em virtude da qual uma criança ou um adolescente menor de 18 anos é entregue pelos pais, por um deles ou pelo tutor a outra pessoa, mediante remuneração ou sem ela, com o fim de explorar, quer a pessoa, quer o trabalho da criança ou do adolescente.

Estas condutas que são, agora, igualmente objecto da previsão da alínea a) do artigo 3.º da Convenção em apreciação, na perspectiva apenas da pessoa com menos de 18 anos, subsumem-se à descrição constante da al. b) do artigo 159.º [16].

Está assim prevista a escravatura, ou escravidão [17] no seu sentido restrito, e a servidão por dívidas e a servidão da gleba.

Também nos parece que está previsto o tráfico a que se refere a alínea a) do artigo 3.º da Convenção, na medida em que se prevê e pune a alienação e a aquisição de pessoa ou o seu apossamento com a intenção de a manter no estado ou condição de escravidão, sendo a este tráfico como prática análoga à escravatura que se refere a disposição da Convenção. É o tráfico tendo em consideração que se trata a criança “como uma coisa de que o agente dispõe como sua propriedade” [18].

6.1.b) Trabalho forçado

O trabalho forçado ou compulsivo é ainda escravidão ou prática análoga se a pessoa é para esse efeito “objectiva e facticamente, tratada como coisa, como um ser destituído de dignidade humana e, portanto, como algo que não é titular de personalidade jurídica, mas apenas objecto de direitos, objecto do domínio do agente” [19].

Mas pode ter-se uma leitura mais larga do trabalho forçado ou compulsivo da Convenção, não se confinando à estrutura típica da figura da escravidão, mas vendo nela uma figura autónoma, como aparece, por exemplo, no artigo 4.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem [20], ou no artigo 8.º do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos [21].

Poder-se-á conceptualizar essa figura nos termos em que é feito, na Convenção n.º 29 (sendo que a Convenção n.º 105 não adoptou qualquer conceito autónomo).

“Artigo 2.º
1 - Para os fins da presente Convenção o termo «trabalho forçado ou obrigatório» designará todo o trabalho ou serviço exigido a um indivíduo sob a ameaça de qualquer castigo e para o qual o dito indivíduo não se tenha oferecido de livre vontade.” [22].

Sabe-se que o Conselho da Europa tem tido dificuldade na análise da disposição respectiva [23], e, porventura, outras dificuldades surgirão na análise da que agora vem nesta Convenção n.º 182, a primeira a de saber se deve configurar-se apenas ligada à escravatura, a segunda, no caso negativo, as dificuldades já existentes para a sua conceptualização autónoma.

Nesta segunda interpretação a proibição de trabalho forçado não cabe na previsão do artigo 159.º do Código Penal. Também não se vê no Código Penal qualquer disposição que directa e completamente a previna.

Há pontos de contacto no crime de coacção do artigo 154.º,
“Quem, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade[...]”, crime agravado quando realizado contra pessoa particularmente indefesa em razão da idade (155.º, n.º 1, b),

como, também, com o crime o crime de maus tratos e infracções de regras de segurança, do artigo 152.º

“Artigo 152.º
Maus tratos e infracção de regras de segurança
1 - Quem tendo ao seu cuidado, à sua guarda, sob a responsabilidade da sua direcção ou educação, ou a trabalhar ao seu serviço, pessoa menor ou particularmente indefesa, em razão da idade, deficiência, doença ou gravidez, e:
[...]
b) A empregar em actividades perigosas, desumanas ou proibidas; ou
c) A sobrecarregar com trabalhos excessivos;
É punido com pena de prisão de 1 a 5 anos, se o facto não for punível pelo artigo 144.º”;

Mas não parece que se cubra tipicamente, pelo menos completamente, a figura.

Podemos, pois, avançar que o trabalho forçado ou obrigatório é proibido pela ordem jurídica portuguesa mas sempre que não constitui escravidão não contém esta ordem jurídica sancionamento autónomo para a violação dessa proibição.


6.1.b)1. Acção em conflitos armados

A alínea a) do artigo 3.º da Convenção introduz na espécie trabalho forçado ou compulsivo o recrutamento forçado ou compulsivo de crianças para acção em conflitos armados.

A Convenção dos Direitos da Criança não é tão exigente já que no seu artigo 38.º atenua a exigência de não participação a partir dos 15 anos de idade.

“Artigo 38.º
[...]
2 - Os Estados Partes devem tomar todas as medidas possíveis na prática para garantir que nenhuma criança com menos de 15 anos participe directamente nas hostilidades.
3 - Os Estados Partes devem abster-se de incorporar nas forças armadas as pessoas que não tenham a idade de 15 anos. No caso de incorporação de pessoas de idade superior a 15 anos e inferior a 18 anos, os Estados Partes devem incorporar prioritariamente os mais velhos.”.

A posição da Convenção corresponde à posição que Portugal tem propugnado, conforme se pode verificar do relatório apresentado por Portugal às Nações Unidas, em Julho de 1998, relativo à aplicação da Declaração e Programa de Acção de Viena adoptada em 25 de Junho de 1993, na Segunda Conferência Mundial sobre Direitos Humanos [24].

Portugal, no âmbito do Grupo de Trabalho criado pela Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, que está encarregada de redigir um protocolo Opcional à Convenção dos Direitos da Criança, defendeu a seguinte posição:
“a) A idade mínima para o envolvimento de pessoas em hostilidades deveria ser fixada nos 18 anos;
b) não deverá ser feita qualquer distinção entre participação directa e indirecta nas hostilidades;


c) a idade mínima para o recrutamento obrigatório para as forças armadas deverá ser fixada nos 18 anos” [25].

Esta posição portuguesa encontra-se conforme à sua legislação.

A defesa da Pátria é, constitucionalmente, “direito e dever fundamental de todos os portugueses” - artigo 276.º, n.º 1.

A Constituição remete para a lei ordinária a regulação do serviço militar – artigo 276.º, n.º 2.

A Lei n.º 174/99, de 21 de Setembro, é a Lei do Serviço Militar.

Para o que nos interessa, estabelece este diploma no artigo 1.º:

“Artigo 1.º
Conceito e natureza do serviço militar
1 - A defesa da Pátria é direito e dever fundamental de todos os portugueses
[...]
4 - Em tempo de paz, o serviço militar baseia-se no voluntariado.
5 - O disposto no número anterior não prejudica as obrigações dos cidadãos portugueses inerentes ao recrutamento militar e ao serviço efectivo decorrente de convocação ou de mobilização, nos termos estatuídos na presente lei.
6 - O período de sujeição dos cidadãos portugueses a obrigações militares, nos termos do número anterior, decorre entre o primeiro dia do ano em que completam 18 anos de idade e o último dia do ano em que completam 35 anos de idade.”.

Temos, assim, que o serviço militar obrigatório só pode ser imposto aos cidadãos portugueses e apenas a partir do primeiro dia do ano em que completam 18 anos. Em consequência, o procedimento de recrutamento forçado ou compulsivo referido no final da alínea a) do artigo 3.º da Convenção não tem lugar em Portugal.



6.2. Prostituição e pornografia

“Article 3
For the purposes of this Convention, the term “the worst forms of child labour” comprises:
[...]
b) the use, procuring or offering of a child for prostitution, for the production of pornography or for pornographic performances;”

“Artigo 3.º
Para efeitos desta Convenção, o termo “as piores formas de trabalho infantil” compreende:
[...]
b) A utilização, recrutamento ou oferta de uma criança para prostituição, para a produção de material pornográfico ou para espectáculos pornográficos;”.

A Convenção sobre os Direitos da Criança contém um dispositivo autónomo para a protecção da criança no domínio da exploração e da violência sexuais:

“Artigo 34.º
Os Estados Partes comprometem-se a proteger a criança contra todas as formas de exploração e de violência sexuais. Para esse efeito, os Estados Partes devem, nomeadamente, tomar todas as medidas adequadas, nos planos nacional, bilateral e multilateral para impedir:
a) Que a criança seja incitada ou coagida a dedicar-se a uma actividade sexual ilícita;
b) Que a criança seja explorada para fins de prostituição ou de outras práticas sexuais ilícitas;
c) Que a criança seja explorada na produção de espectáculos ou de material de natureza pornográfica.”.

De notar, que, tal como na presente Convenção, também na Convenção das Nações Unidas entende-se por criança pessoa menor de 18 anos [26].

A previsão criminal em matéria de prostituição e pornografia tem a sua sede no Capítulo V, do Título I do Livro II do Código Penal.

Dedica-se este Capítulo aos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual.


6.2.a) Prostituição

Vejamos as disposições com ligação à previsão da alínea b) do artigo 3.º da Convenção, no segmento da prostituição.

“Artigo 169.º
Tráfico de pessoas
Quem, por meio e violência, ameaça grave, ardil ou manobra fraudulenta, levar outra pessoa à prática, em país estrangeiro, da prostituição ou de actos sexuais de relevo é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.” [27];

“Artigo 170.º
Lenocínio
Quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição ou a prática de actos sexuais de relevo é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos.
Se o agente usar de violência, ameaça grave, ardil ou manobra fraudulenta, ou se aproveitar de incapacidade psíquica da vítima, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.”;

“Artigo 176.º
Lenocínio e tráfico de menores
1 - Quem fomentar, favorecer ou facilitar o exercício da prostituição de menor entre 14 e 16 anos, ou a prática por este de actos sexuais de relevo, é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos.
2 - Quem levar menor de 16 anos à prática, em país estrangeiro, de prostituição ou de actos sexuais de relevo é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
3 - Se o agente usar de violência, ameaça grave, ardil ou manobra fraudulenta, actuar profissionalmente ou com intenção lucrativa, ou se aproveitar de incapacidade psíquica da vítima, ou se esta for menor de 14 anos, é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos.”.

A utilização, recrutamento e oferta de crianças para prostituição, nos termos da primeira parte da alínea b) do artigo 3.º da Convenção, é uma acção objectiva, desconhecedora do processo utilizado para a acção, isto é, desconhecedora da utilização dos meios empregues ( violência, ardil ameaça, etc.) e em que são irrelevantes quaisquer elementos subjectivos dos agentes, desconhecedora de intenção lucrativa ou de profissionalidade, por exemplo.

Para esta acção, acaba por isso, por não nos tocar o disposto nos artigos 169.º e 170.º. Não que neles não possa também estar prevista acção sobre crianças, mas porque neles se exige algo mais que não é previsão da Convenção.

O crime que nos concerne é, então, apenas, o do artigo 176.º

A previsão “fomentar, favorecer ou facilitar o exercício da prostituição” parece cobrir a realidade prevista na Convenção. Além disso, quer os números 1 e 2 para o tráfico de menor de 16 anos, quer o número 3 para a actuação com menor de 14 anos, são crimes na materialidade da Convenção.

Mas esta previsão não é suficiente para cobrir a realidade da Convenção na perspectiva da vítima da acção, em razão da idade.

O artigo 176.º não cobre os menores entre os 16 e 18 anos: “a tutela dos menores entre 16 e 18 anos de idade ocorre, nos termos gerais, por via dos artigos 169.º e 170.º” [28].

Contra esta alcance em razão da idade se manifestaram, aliás, ELIANA GERSÃO [29] e, embora com menor ênfase, FERNANDO FERREIRA RAMOS [30].

6.2.b) Pornografia

A utilização, recrutamento ou oferta de uma criança para a produção de material pornográfico ou para espectáculos pornográficos tem na Convenção a mesma natureza objectiva salientada para a prostituição.

A previsão penal que lhe concerne é a do artigo 172.º.

“Artigo 172.º
Abuso sexual de crianças
[...]
3 – Quem:
b) Actuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa obscena ou de escrito, espectáculo ou objecto pornográficos;
c) Utilizar menor de 14 anos em fotografia, filme ou gravação pornográficos; ou
d) Exibir ou ceder a qualquer título ou por qualquer meio os materiais previstos na alínea anterior;
É punido com pena de prisão até 3 anos.
4 - Quem praticar os actos descritos no número anterior com intenção lucrativa é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos.”.

Não releva para aqui toda a discussão que se opera à volta da alteração que a revisão do Código Penal operada em 1995 veio introduzir nas concepções jurídico-criminais da pornografia, mas parece resultar desse compêndio que a pornografia é apenas punida como uma modalidade de prática sexual com menores e releva quando implique uma actuação sobre o menor de modo a pôr em risco o seu direito à autodeterminação sexual.

Quanto à idade o diferencial por cobrir em relação à Convenção é ainda maior do que o verificado na prostituição, já que se apresenta uma previsão apenas para menores de 14 anos. Fica, portanto, todo o período até aos 18 anos sem previsão penal.

Quanto à actuação punível, há uma diferença substancial de expressão gramatical. De uma distinção tripartida - utilização, recrutamento, oferta - da Convenção, o Código apenas recolhe uma - utilizar.

Não será impossível interpretar-se este utilizar de modo a cobrir o recrutamento e a oferta, mas é evidente que essa expansão exige um tipo de interpretação não tão linear quanto se efectuaria se fosse empregue a tripartição da Convenção. Será, pois, motivo de dúvida.


6.3. Actividades ilícitas em geral; produção e tráfico de estupefacientes.

Article 3
For the purposes of this Convention, the term “the worst forms of child labour” comprises:
[...]
c) the use, procuring or offering of a child for illicit activities, in particular for the production and trafficking of drugs as defined in the relevant international treaties;”

Artigo 3.º
Para efeitos desta Convenção, o termo “as piores formas de trabalho infantil” compreende:
[...]
c) A utilização, recrutamento ou oferta de uma criança para actividades ilícitas, em particular para a produção e tráfico de estupefacientes tal como definidas nos tratados internacionais relevantes;”.


6.3.a) Actividades ilícitas em geral

Quanto a actividades ilícitas em geral, a disposição penal concernente é o já citado artigo 152.º, do Código Penal.

“Artigo 152.º
Maus tratos e infracção de regras de segurança
1 – Quem, tendo ao seu cuidado, à sua guarda, sob a responsabilidade da sua direcção ou educação, ou a trabalhar ao seu serviço, pessoa menor ou particularmente indefesa, em razão da idade, deficiência, doença ou gravidez, e:
[...]
b) A empregar em actividades perigosas, desumanas ou proibidas; ou
c) A sobrecarregar com trabalhos excessivos;
É punido com pena de prisão de 1 a 5 anos, se o facto não for punível pelo artigo 144.º”.

Esta previsão enfrenta o mesmo problema de afunilamento da acção punível por comparação com a Convenção. É punível o empregar menor em actividade proibida, mas parece falecer previsão do recrutamento e da oferta.


6.3.b) Estupefacientes

Na sequência da aprovação da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988 [31] o Decreto –Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro (com última redacção dada pela Lei n.º 45/96, de 3 de Setembro), veio rever a legislação nacional de combate à droga.

Para além de uma medida de precaução consistente na proibição de entrega a menor de certas substâncias e preparações (artigo 19.º) [32], é no Capítulo III, artigos 21.º- 47.º, que se cuida do tráfico, branqueamento e outras infracções.

Genericamente, poderemos dizer que se prevê e pune o cultivo, produção, fabrico, extracção, preparação, oferecimento, colocação à venda, venda, distribuição, compra, cedência, ou por qualquer título o recebimento, o proporcionar a outrem, o transporte, importação, exportação, colocação em trânsito ou ilícita detenção e a diligência para que outrem introduza no comércio (tudo fora dos casos autorização legal) das plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas diferente tabelas anexas ao diploma, que pretendem cobrir as drogas tal como prevenidas nos “tratados internacionais relevantes”, para empregar a linguagem da Convenção.

As penas previstas são penas de prisão – artigos 21 a 24.º

Para além de os menores serem contemplados pelo alcance das disposições genéricas, sublinham-se algumas disposições específicas.

“Artigo 24.º
Agravação
As penas previstas nos artigos 21.º, 22.º e 23.º são aumentadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo se:
[...]
i) O agente utilizar a colaboração, por qualquer forma, de menores ou de diminuídos psíquicos;”;

“Artigo 29.º
Incitamento ao uso de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas
1 – Quem induzir ou instigar outra pessoa, em público ou em privado, ou por qualquer modo facilitar o uso ilícito de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com penas de prisão até três anos ou com pena de multa.
[...]
3 - Os limites mínimo e máximo das penas são aumentados de um terço se:
a) Os factos foram praticados em prejuízo de menor, diminuído psíquico ou de pessoa que se encontrava ao cuidado do agente do crime para tratamento, educação, instrução, vigilância ou guarda.
b) Ocorreu alguma das circunstâncias previstas nas alíneas d), e) ou h) do artigo 24.º” [33].

Poderemos concluir que não só está prevista criminalmente qualquer das condutas a propósito identificadas na Convenção como, pois que existe consonância entre a menoridade legal portuguesa – artigo 122.º do Código Civil – e o conceito de criança do artigo 2.º da Convenção, essas condutas são agravadamente penalizadas.


IV


A Recomendação n.º 190 ( adiante Recomendação)


7. Prosseguiremos, aqui, o esquema de análise seguido para a Convenção.

Atentemos, então, em cada um dos pontos da Recomendação, conforme a sua própria ordem.


7.1.a) Troca de informações

“11. Members should, in so far as it is compatible with national law, cooperate with international efforts aimed at the prohibition and elimination of the worst forms of child labour as a matter of urgency by:
a) gathering and exchanging information concerning criminal offences, including those involving international networks;”

Esta recomendação não é susceptível de uma resposta concretizada. Na verdade, sendo em princípio possível a reunião e troca de informação respeitante a infracções penais, a compatibilidade singular de cada actuação nesse sentido ou de eventuais dispositivos convencionais que venham a ser estabelecidos entre os membros dependerá da sua singular previsão, que não se pode antever.

No essencial, há que ter em atenção o âmbito de protecção estabelecido no artigo 35.º da Constituição da República.

O artigo 35.º, se bem que com a epígrafe “Utilização da informática”, aplica-se aos dados pessoais mesmo não informatizados, em virtude do seu último número: “7. Os dados pessoais constantes de ficheiros manuais gozam de protecção idêntica à prevista nos números anteriores, nos termos da lei.”

Este Conselho por inúmeras ocasiões foi chamado a pronunciar-se sobre a protecção dos dados pessoais [34].

No seu parecer n.º 95/87 [35] foi realizada uma análise muito alargada do âmbito de aplicação deste preceito, para ela se remetendo na perspectiva de futura vinculação de Portugal ou de actuação concreta.

Há que ter em atenção, presentemente, a Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, que transpôs para a ordem interna a Directiva n.º 95/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados.

Justamente neste diploma inscreve-se um dispositivo específico respeitante a “Suspeitas de actividades ilícitas, infracções penais e contra-ordenações” –artigo 8.º

É já tendo em conta esta Lei e as obrigações assumidas entre Portugal e a União Europeia, particularmente no seio da Europol, que o Decreto-Lei n.º 352/99, de 3 de Setembro veio estabelecer uma nova regulamentação dos ficheiros informáticos existentes na Polícia Judiciária.

No artigo 13.º prevê-se:
“No quadro das obrigações assumidas entre Portugal e os restantes países da União Europeia e no âmbito da EUROPOL, pode ser solicitada a Portugal a comunicação de dados pessoais com vista à prevenção e investigação criminal.
Os dados pessoais objecto de comunicação são os constantes do SAPIC relativamente aos processos de droga”.

Como já prevenimos, porém, não é possível qualquer antecipação, em face das muito diversas hipóteses de configuração convencional ou casuística que se podem vir a registar. Só é possível emitir parecer perante um documento normativo que venha a ser proposto ou perante uma actuação concreta.


7.1.b) Acção penal

“11. Members should, in so far as it is compatible with national law, cooperate with international efforts aimed at the prohibition and elimination of the worst forms of child labour as a matter of urgency by:
b) detecting and prosecuting those involved in the sale and trafficking of children, or in the use, procuring or offering of children for illicit activities, for prostitution, for the production of pornography or for pornographic performances;”.

Nos termos constitucionais, ao Ministério Público compete “exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade” - artigo 219.º, n.º 1.

Este princípio constitucional é plasmado no Estatuto do Ministério com a redacção da Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto, em especial nos artigos 1.º e 3.º n.º 1, alínea c).

A lei processual penal prevê duas hipóteses de não accionamento, até final, da acção penal. Trata-se das casos prevenidos nos artigos 280º e 281.º do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º58/98, de 25.8.

No primeiro contempla-se o arquivamento em caso de dispensa de pena, no segundo a suspensão provisória do processo.

No primeiro caso a decisão é ou do Ministério Público, com a concordância do juiz de instrução, ou do juiz de instrução com a concordância do Ministério Público e do arguido; no segundo caso é decisão do Ministério Público com a concordância do juiz de instrução.

Estes institutos não colidem, pelo menos directamente, com a recomendação. É realizada uma acção penal, o que acontece é que ela termina sem a sua fase habitual de julgamento. Considerando as infracções em causa em cada uma dessa situações o legislador entendeu que era possível obter melhores resultados com estes institutos. Por precaução, a adesão a um eventual normativo internacional quanto ao exercício da acção penal sobre os crimes a que respeita a Convenção exigiria prevenção da posição portuguesa.



7.1.c) Registo de dados

“11. Members should, in so far as it is compatible with national law, cooperate with international efforts aimed at the prohibition and elimination of the worst forms of child labour as a matter of urgency by:
c) registering perpetrators of such offences.”

Há que ter a certeza do que se entende por autor, perpetrator. Se se trata de pessoa julgada e condenada como tal, com trânsito em julgado, ou de presumível autor.

Quanto à primeira vigora a Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, que estabelece os princípios gerais que regem a organização e o funcionamento da identificação criminal.

O artigo 5.º prescreve o âmbito do registo criminal em termos tais que satisfazem a intenção da recomendação.

Quanto à segunda hipótese já não se tratará na terminologia do direito português de registo criminal mas de inserção de dados em ficheiro policial a fim de facilitar a investigação criminal.

O artigo 8.º, n.º 3, da Lei n.º 67/98, dispõe: “ O tratamento de dados pessoais para fins de investigação criminal deve limitar-se ao necessário para a prevenção de um perigo concreto ou repressão de uma infracção determinada, para o exercício de competências previstas no respectivo estatuto orgânico ou noutra disposição legal e ainda nos termos de acordo ou convenção internacional de que Portugal seja parte.”

O já referido Decreto-Lei n.º 352/99, veio prever um ficheiro, denominado Sistema de apoio à prevenção e investigação criminal (SAPIC), com os seguintes fins: “O SAPIC destina-se a suportar as actividades de prevenção e investigação criminal no âmbito do tratamento da informação relativa à criminalidade organizada, ao tráfico de estupefacientes, às infracções económico-financeiras e ao crime de furto” – artigo 7.º, n.º 1.

Assim, algumas das realidades a cobrir no contexto da Convenção e da Recomendação já estão previstas – criminalidade organizada, tráfico de estupefacientes.

Em termos a definir em convénio internacional, ou mesmo só mediante diploma interno não haverá obstáculo à inserção de outras realidades abrangidas pela Convenção e pela Recomendação considerado que seja que os valores em questão o justificam.


7.2. Criminalização

“12. Members should provide that the following worst forms of child labour are criminal offences:
a) all forms of slavery or practices similar to slavery, such as the sale and trafficking of children, debt bondage and serfdom and forced or compulsory labour, including forced or including forced or compulsory recruitment of children for use in armed conflict;
b) the use, procuring or offering of a child for prostitution, for the production of pornography or for pornographic performances; and
c) the use, procuring or offering of a child for illicit activities, in particular for the production and trafficking of drugs as defined in the relevant international treaties, or for activities which involve the unlawful carrying or use of firearms or other weapons.”

Existe uma justaposição quase total da previsão da recomendação 12. com a previsão das alíneas a) a c) do artigo 3.º da Convenção.

Apenas se detecta uma área não gramaticalmente coberta no texto da Convenção que é a da parte final da alínea c), da Recomendação. Na verdade, naquele artigo 3.º, a Convenção não exemplifica a actividade enunciada na parte final da alínea c) do 12. da Recomendação. Cremos, no entanto, que ela se deve considerar inscrita na cláusula geral da primeira frase da alínea c) do artigo 3.º.

Também a nossa lei não contém uma disposição específica sobre a utilização de menores para a actividade aí descrita. Todavia, estando tipificada no artigo 275.º do Código Penal a actividade criminosa respeitante a substâncias explosivas ou análogas e armas, cairá na alçada do artigo 152, n.º 1, b), do mesmo compêndio quem utilizar menor para alguma dessas actividades.

Considerada a justaposição, às medidas de criminalização preconizadas neste ponto 12. da Recomendação aplicam-se as considerações tecidas sobre a proibição e punição das “piores formas de trabalho infantil”, a propósito do artigo 3.º da Convenção.


7.3. Revogação temporária ou definitiva de licença de actividade

“14. Members should also provide as a matter of urgency for other criminal, civil or administrative remedies, where appropriate, to ensure the effective enforcement of national provisions for the prohibition and elimination of the worst forms of child labour, such as special supervision of enterprises which have used the worst forms of child labour, and, in cases of persistent violation, consideration of temporary or permanent revoking of permits to operate.”.


7.3.a) Sanção acessória em face de actuação criminosa

Na parte que temos vindo a analisar e que respeita apenas às actividades que constituem prática criminal, há que verificar a parametrização constitucional e o desenvolvimento legal.

Com a revisão constitucional de 1982 passou a ficar inscrito na Constituição que,

“Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos” artigo 30.º, n.º 4.

O mesmo princípio vem expresso no artigo 65.º, n.º 1, do Código Penal.

Este princípio, aliás, não merece discussão no momento presente [36].

Mas se é assim quanto aos efeitos das penas, na consagração da chamada concepção unitária da pena, já nem a Constituição nem a lei impedem a previsão de penas acessórias.

Dispõe o artigo 65.º, n.º 2 do Código Penal:
“2 - A lei pode fazer corresponder a certos crimes a proibição do exercício de determinados direitos ou profissões”

Justamente, duas das sanções acessórias elencadas no Código são a proibição do exercício de função e a suspensão do exercício de função.

“Artigo 66º
Proibição do exercício de função
1. O titular de cargo público, funcionário público ou agente da Administração, que, no exercício da actividade para que foi eleito ou nomeado, cometer crime punido com pena de prisão superior a 3 anos, é também proibido do exercício daquelas funções por um período de 2 a 5 anos quando o facto:
a) For praticado com flagrante e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes;
b) Revelar indignidade no exercício do cargo; ou
c) Implicar a perda da confiança necessária ao exercício da função.
2. O disposto no número anterior é correspondentemente aplicável às profissões ou actividades cujo exercício depender de título público de autorização ou homologação da autoridade pública.
[...]”;

“Artigo 67.º
Suspensão do exercício de função
1. O arguido definitivamente condenado a pena de prisão, que não for demitido disciplinarmente de função pública que desempenhe, incorre na suspensão da função enquanto durar o cumprimento da pena.
[...]
3. O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável a profissões ou actividades cujo exercício depender de título público ou de autorização ou homologação da autoridade pública.”.

As esta penas acessórias há ainda que acrescentar, em especial, a medida de segurança de interdição de actividade.

“Artigo 100.º
Interdição de actividades
1. Quem for condenado por crime cometido com grave abuso de profissão, comércio ou indústria que exerça, ou com grosseira violação dos deveres inerentes, ou dele for absolvido só por falta de imputabilidade, é interdito do exercício da respectiva actividade quando, em face do facto praticado e da personalidade do agente, houver fundado receio de que possa vir a praticar outros factos da mesma espécie.
2. O período de interdição é fixado entre 1 a 5 anos; mas pode ser prorrogado por outro período até 3 anos se, findo o prazo fixado na sentença, o tribunal considerar que aquele não foi suficiente para remover o perigo que fundamentou a medida”
[...]”.

Podemos perceber que não se encontra prevista qualquer pena acessória de natureza permanente ou definitiva, em sede de processo criminal.


7.3.b) Sanção acessória no direito de mera ordenação social

Também o nosso direito contra-ordenacional acolhe apenas sanções acessórias de natureza temporária.

O regime geral do ilícito de mera ordenação social é o do Decreto-lei n.º 433/82, de 14 de Setembro, republicado em 14 de Setembro de 1995, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 244/95, da mesma data, incluindo as alterações que lhe haviam sido introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 365/89, de 17 de Outubro.

No respeito dos pressupostos de aplicação constantes do artigo 21.º A, podem ser aplicadas as sanções previstas no artigo 21.º

“Artigo 21.º
Sanções acessórias
1 - A lei pode, simultaneamente com a coima, determinar as seguintes sanções acessórias, em função da gravidade da infracção e da culpa do agente:
a) Perda de objectos pertencentes ao agente;
b) Interdição do exercício de profissões ou actividades cujo exercício dependa de título público ou de autorização ou homologação de autoridade pública;
c) Privação do direito a subsídio ou benefício outorgado por entidades ou serviços públicos;
d) Privação do direito de participar em feiras ou mercados;
e) Privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos que tenham por objecto a empreitada ou a concessão de obras públicas, o fornecimento de bens e serviços, a concessão de serviços públicos e a atribuição de licenças ou alvarás;
f) Encerramento de estabelecimento cujo funcionamento esteja sujeito a autorização ou licença de autoridade administrativa;
g) Suspensão de autorizações, licenças e alvarás.
2 - As sanções referidas nas alíneas b) a g) do número anterior têm a duração máxima de dois anos, contados a partir da decisão condenatória definitiva.
3 - A lei pode ainda determinar os casos em que deve dar-se publicidade à punição por contra-ordenação.”.

No domínio do direito de mera ordenação social seria desajustado querer traçar um elenco completo de situações que de uma maneira ou de outra podem ter ligação com esta problemática do trabalho infantil. No essencial, aliás, ele é objecto do direito laboral, estando, portanto, fora do âmbito da consulta [37].

Como mera ilustração, podem apontar-se alguns dados legais com hipotética conexão a esta temática para apreender que o nosso direito tem já cobertura para certas situações e pode acolher novos sancionamentos, detectadas situações que os justifiquem.

Escolhemos para o efeito o campo da legislação da comunicação social, mesmo aqui, sem qualquer preocupação de exaustão.

Decreto-Lei n.º 241/97, de 18 de Setembro, que aprova o regime de acesso e de exercício da actividade de operador de rede de distribuição por cabo para uso público.

“Artigo 16.º
Direitos e obrigações
[...]
2 - Constituem obrigações dos operadores de rede de distribuição por cabo:
[...]
b) Não retransmitir emissões televisivas que incluam elementos susceptíveis de prejudicar gravemente o desenvolvimento físico ou mental ou influir negativamente na formação da personalidade das crianças ou adolescentes [...]”;

“Artigo 19.º
Coimas
1 - Sem prejuízo de outras sanções que se mostrem aplicáveis, as violações do presente diploma constituem ilícitos de mera ordenação social, puníveis com as seguintes coimas:
[...]
d) De 1500$00 a 5000$00, no caso de violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 16.º”.

Código da Publicidade, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 330/98, com última redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 275/98, de 9 de Setembro.

“Artigo 14.º
Menores
1 - A publicidade especialmente dirigida a menores deve ter sempre em conta a sua vulnerabilidade psicológica, abstendo-se, nomeadamente, de:
[...]
c) Conter elementos susceptíveis de fazer perigar a sua integridade física ou moral, bem como a sua saúde ou segurança, nomeadamente através de cenas de pornografia ou do incitamento à violência.”;

“Artigo 34.º
Sanções
1 - A infracção ao disposto no presente diploma constitui contra-ordenação punível com as seguintes coimas:
[...]”;

“Artigo 35.º
Sanções acessórias
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, podem ainda ser aplicadas as seguintes sanções acessórias:
a) Apreensão de objectos[...];
b) Interdição temporária, até um máximo de dois anos [...]”.


Lei da Televisão, Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho.

“Artigo 21.º
Limites à liberdade de programação
1 - Não é permitida qualquer emissão que viole os direitos, liberdades e garantias fundamentais, atente contra a dignidade da pessoa humana ou incite á prática de crimes.
2 - As emissões susceptíveis de influir de modo negativo na formação da personalidade das crianças e adolescentes [...] devem ser precedidas de advertência expressa [...] e apenas ter lugar em horário subsequente às 22 horas.
[...]”;

A inobservância do disposto no artigo 21.º constitui contra-ordenação punível com coima – artigo 64.º; além disso pode dar lugar a sanção acessória de suspensão de transmissão, nas diferentes situações referidas no artigo 65.º.

Lei da Rádio, Lei n.º 87/88, de 30 de Julho.

“Artigo 8.º
Liberdade de expressão e informação
[...]
3 – Não é permitida a transmissão de programas ou mensagens que atentem contra a dignidade da pessoa humana, incitem à prática da violência ou sejam contrários à lei penal.
[...]”;

“Artigo 36.º
Suspensão do exercício do direito de antena.
1 - O titular de direito de antena que infringir o disposto no n.º 3 do artigo 8.º [...] é punido, consoante a gravidade da infracção, com a suspensão do exercício do direito por período de três a doze meses, com o mínimo de seis meses em caso de reincidência, sem prejuízo de outras sanções previstas na lei.
[...]” [38].

7.3.c) Desenho sumário das sanções acessórias face à recomendação

As piores formas de trabalho infantil que estão previstas como crime na legislação portuguesa são todas puníveis com pena de prisão, pelo que os autores das mesmas poderão, verificados pelo tribunal os demais requisitos para aplicação de sanção acessória, ser submetidos a alguma delas.

As sanções acessórias de condenação penal apenas podem ser aplicadas pelo tribunal da condenação.

Não se encontra prevista qualquer pena acessória de natureza permanente ou definitiva.

É certo que constitucionalmente só se encontra proibido carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida para penas e medidas de segurança privativas ou restritivas de liberdade ( artigo 30.º , n.º 1), mas a verdade é que também não faz parte da nossa tradição jurídica sanções acessórias que tenham esse carácter [39].

Também o nosso direito contra-ordenacional acolhe apenas sanções acessórias de natureza temporária.

Com esta restrição perante a preconizada sanção definitiva da recomendação, todas as demais preocupações manifestadas na recomendação estão já incorporadas no nosso direito.


7.4. Aplicação da lei penal no espaço

Finalmente, o ponto 15 da Recomendação. Neste ponto está indicado um conjunto de medidas cuja natureza escapa ao alcance de pronúncia deste Conselho. Apenas o constante da alínea d) pode sofrer a nossa atenção.

“15. Other measures aimed at the prohibition and elimination of the worst forms of child labour might include the following:
d)) providing for the prosecution in their own country of the Member’s nationals who commit offences under its national provisions for the prohibitions and immediate elimination of the worst forms of child labour even when these offences are committed in another country;”.

Cremos que o procedimento sugerido nesta alínea só tem campo de aplicação em matéria de procedimento criminal. Só a relevância negativa do atentado a certas regras básicas, por isso previstas em lei penal, poderá justificar o afastamento do princípio da territorialidade na aplicação da lei sancionatória no espaço.

Vejamos, muito sinteticamente, as regras de aplicação no espaço da lei penal portuguesa [40].

O artigo 4.º do Código Penal consagra como princípio geral o princípio da territorialidade.

“Artigo 4.º
Aplicação no espaço: princípio geral
Salvo tratado ou convenção internacional em contrário, a lei penal portuguesa é aplicável a factos praticados:
a) Em território português, seja qual for a nacionalidade do agente; ou
b) A bordo de navios ou aeronaves portugueses.”.

O princípio da territorialidade é, contudo, completado e integrado por outros princípios consagrados no artigo 5.º.

“Artigo 5.º
Factos praticados fora do território nacional
1 - Salvo tratado ou convenção internacional em contrário, a lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional:
a) Quando constituírem os crimes previstos nos artigos 221.º, 262.º a 271.º, 300.º, 301.º, 308.º a 321.º, 325.º a 345.º;
b) Quando constituírem os crimes previstos nos artigos 159.º, 160.º, 169.º, 172.º, 173.º, 176.º e 236.º a 238.º, no n.º 1 do artigo 239.º e no artigo 242.º, desde que o agente seja encontrado em Portugal e não possa ser extraditado;
c) Por portugueses, ou por estrangeiros contra portugueses, sempre que:
I – Os agentes forem encontrados em Portugal;
II – Forem também puníveis pela legislação do lugar em que tiverem sido praticados, salvo quando nesse lugar não se exercer poder punitivo; e
III – Constituírem crime que admita extradição e esta não possa ser concedida; ou
d) Contra portugueses, por portugueses que viverem habitualmente em Portugal ao tempo da sua prática e nele forem encontrados.
e) Por estrangeiros que forem encontrados em Portugal e cuja extradição haja sido requerida, quando constituírem crimes que admitam extradição e esta não possa ser concedida.
2 - A lei portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional que o Estado português se tenha obrigado a julgar por tratado ou convenção internacional.”

Na alínea a) consagra-se o princípio da defesa dos interesses nacionais. Há certos interesses nacionais considerados tão importantes que a lei penal portuguesa pune a sua violação, independentemente da nacionalidade do agente e onde quer que a violação tenha tido lugar.

A alínea b) consagra o princípio da aplicação universal da lei penal, que procura englobar aqueles crimes que todos os Estados têm interesse em punir.

“Há interesses que, fazendo parte do património cultural da Humanidade, devem ser sempre defendidos criminalmente, quem quer que seja o agente e onde quer que se tenha praticado o facto que os viola.” [41].

Também aqui, a lei indica taxativamente os artigos que contêm os tipos legais a considerar. Assim:

- artigo 159.º (escravidão),
- artigo 160.º (rapto),
- artigo 169.º (tráfico de pessoas),
- artigo 172.º (abuso sexual de crianças),
- artigo 173.º (abuso sexual de menores dependentes),
- artigo 176.º (lenocínio e tráfico de menores),
- artigo 236.º (incitamento à guerra),
- artigo 237.º (aliciamento de forças armadas),
- artigo 238.º (recrutamento de mercenários),
- artigo 239.º, n.º 1 (genocídio),
- artigo 242.º (destruição de monumentos).

Todavia, para que este princípio tenha aplicação é necessária a verificação de duas condições cumulativas:

- que o agente seja encontrado em Portugal; e
- que não possa ser extraditado.

A alínea c) consagra o princípio da nacionalidade em virtude do qual se aplica a lei nacional ao agente que tenha praticado o facto fora do território nacional e se encontre no seu país.

Está ligado aos princípios de não extradição de nacionais e da reciprocidade de tratamento.

“Foi, porém, mais longe e consagrou a aplicação da lei penal portuguesa aos factos praticados fora do território nacional por estrangeiros, desde que contra portugueses, subscrevendo assim o princípio da nacionalidade passiva (ao lado da activa). Pretendeu-se, pois, que deixassem de ficar impunes os crimes cometidos contra portugueses fora do território nacional, quando o agente estrangeiro se encontra em Portugal e não pode ser punido no lugar dos factos ou no seu país de origem” [42].

Exige-se que os agentes sejam encontrados em Portugal, que os factos praticados sejam também puníveis pela legislação do lugar da sua prática, a menos que nesse lugar não se exerça o poder punitivo, e ainda que os factos constituam crime que admita extradição e esta não possa ser concedida.

Sobre esta disposição o Autor do Projecto afirmou que «é consequência directa do princípio conhecido e geralmente aceite punire aut dedere: todos aqueles indivíduos que o Estado não pode extraditar devem ser punidos pelas infracções que cometeram fora do território nacional. Deste enunciado já resulta que a disposição tem, assim, como que um duplo campo de incidência: o da chamada nacionalidade activa, abrangendo os crimes praticados por nacionais em território estrangeiro – e cuja exigência de punição no país da nacionalidade resulta directamente do princípio da não extradição de nacionais; e o da chamada nacionalidade passiva, abrangendo os crimes praticados por estrangeiros contra portugueses, fora do território nacional, sempre que, naturalmente, a extradição daqueles não possa ser concedida.

“Do exposto já se conclui que a punição que assim se efectiva tem de estar sujeita a um certo número de pressupostos. Desde logo que os agentes sejam encontrados em Portugal, já que, de outra forma, a punição poderia revelar-se destituída daquela eficácia prática que constitui, justamente, a sua razão de ser. Depois: se um certo país vai punir o seu nacional ou mesmo o estrangeiro por factos praticados no estrangeiro, tal fica a dever-se, como já se disse, ao facto de não o poder extraditar; mas se assim é, evidente se torna que tal punição só terá sentido em relação a factos também puníveis pela lei do lugar da prática do facto. Finalmente, como também já se disse, é preciso que a extradição não possa ser concedida, mas sem prejuízo, como é claro, de que o crime seja um daqueles que, por sua natureza, a admite” [43].

Pela alínea d), a lei penal portuguesa é aplicável a factos praticados fora do território nacional por portugueses, que vivam habitualmente em Portugal à data da sua prática, contra portugueses. Exige-se apenas que o agente seja encontrado em Portugal.

A introdução deste preceito foi pensada para hipóteses excepcionais de fraude à lei penal [44].

Pela alínea e), a lei penal portuguesa é aplicável a factos cometidos fora do território nacional por estrangeiros, desde que os agentes sejam encontrados em Portugal e a sua extradição haja sido requerida, quando constituírem crimes que admitam a extradição e esta não possa ser concedida.

O n.º 2 alarga a aplicação da lei penal portuguesa aos factos ocorridos fora do território nacional, independentemente da nacionalidade dos agentes e das vítimas, desde que, por tratado ou convenção, se tenha obrigado a julgá-los.

Repete-se, a aplicação da lei nacional a crimes praticados fora do território respectivo é sempre uma aplicação subsidiária, dispondo o artigo 6.º:

“Artigo 6.º
Restrições à aplicação da lei penal portuguesa
1 - A aplicação da lei portuguesa a factos praticados fora do território nacional só tem lugar quando o agente não tiver sido julgado no país da prática do facto ou se houver subtraído ao cumprimento total ou parcial da condenação.
2 - Embora seja aplicável a lei portuguesa, nos termos do número anterior, o facto é julgado segundo a lei do país em que tiver sido praticado sempre que esta seja concretamente mais favorável ao agente. A pena aplicável é convertida naquela que lhe corresponder no sistema português, ou, não havendo correspondência directa, naquela que a lei portuguesa prever para o facto.
3 - O regime do número anterior não se aplica aos crimes previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º”.

O n.º 1 condiciona a aplicação da lei penal portuguesa a factos praticados fora do território nacional a uma de duas condições negativas:

- não ter sido o agente julgado no país da prática do facto; ou
- tendo sido julgado no país da prática do facto, se houver subtraído ao cumprimento total ou parcial da condenação.

A restrição à aplicação da lei portuguesa, contida no n.º 1 do artigo 6.º, aplica-se a todos os factos praticados fora do território nacional, o que quer dizer que só se aplica quando o agente não foi julgado no país da prática do facto ou se haja subtraído ao cumprimento total ou parcial da condenação. Portanto, só nestas hipóteses é que é aplicável a lei portuguesa [45].

“Mas, mesmo que se verifiquem as condições negativas consignadas no n.º 1 e, consequentemente, seja aplicável a lei portuguesa, há ainda que distinguir, por força do n.º 2, o seguinte:

- se a lei do país em que o facto foi praticado se mostra concretamente mais favorável ao agente será julgado de acordo com essa lei e a pena aplicável será convertida naquela que lhe corresponder no sistema português ou, não havendo correspondência directa, naquela que a lei prevê para o facto;

- se aquela lei não se mostrar mais favorável, então funciona a regra do n.º 1, aplicando-se a lei portuguesa;

- se a lei do país em que o facto foi praticado se mostra concretamente mais favorável ao agente, ainda assim será aplicável a lei portuguesa se constituir os crimes previstos nos artigos 221.º, 262.º a 271.º, 300.º, 301.º, 308.º a 321.º, 325.º a 345.º que, em nome do princípio da defesa dos interesses nacionais, reclamam sempre a aplicação da lei portuguesa (n.º 3 deste artigo)” [46].

Realizada esta sintética percepção do sistema de aplicação no espaço da lei penal portuguesa, poderemos concluir que a recomendação do ponto 15. d), considerados os diferentes cenários exaustivamente previstos na nossa lei penal, não enfrenta qualquer problema na ordem jurídica portuguesa, sempre que a acção em causa esteja também definida como crime no país da ocorrência.

Já será problemática a situação decorrente de a acção não ser punível no país da prática.

Ora, talvez que seja precisamente nestes casos que mais agudamente se coloque o relevo da recomendação.

Se for esta a perspectiva, só uma nova tipificação dos crimes que não sofrem restrição à aplicação da lei portuguesa, designadamente com alteração do artigo 5.º e ou do artigo 6.º do Código Penal, poderá satisfazer completamente a recomendação.

V


Conclusão:

A - Todas as “piores formas de trabalho infantil” a que se referem as alíneas a), b) e c) do artigo 3.º da Convenção são já proibidas na ordem jurídica portuguesa;

B - A legislação portuguesa prevê e pune como crime todas essas mesmas “piores formas de trabalho infantil”, com as seguintes excepções ou explicitações:

a) Fora do quadro penal do crime de escravidão, o trabalho forçado ou obrigatório previsto na alínea a do artigo 3.º do Convenção é proibido mas não se detecta sancionamento criminal que o cubra completamente;

b) Considerada a pura materialidade da utilização, recrutamento e oferta de uma criança para prostituição, a que se reporta a alínea b) do artigo 3.º da Convenção, bem como o limite de idade para a definição de criança, nos termos do artigo 2.º da mesma, verifica-se que a tutela penal correspondente na ordem jurídica portuguesa, através do artigo 176.º do Código Penal, não é suficiente, em razão da idade da vítima;

c) A mesma insuficiência em razão da idade, ainda com maior diferencial, se detecta em relação ao segmento referente à pornografia do mesmo artigo 3.º, b), já que o artigo 172.º do Código Penal apenas considera menor de 14 anos;

d) No mesmo segmento, não será isenta de dúvidas a cobertura penal de toda a realidade prevista na Convenção, tendo em conta a distinção tripartida “utilização, recrutamento, oferta”, aí efectuada, perante a simples expressão gramatical “utilizar” do artigo 172.º Código Penal;

e) A expressão literal tripartida “utilização, recrutamento ou oferta” de uma criança para actividade ilícitas, do artigo 3.º, c), da Convenção, é, outrossim, mais directamente abrangente que a expressão gramatical única “empregar” do artigo 152.º do Código Penal.

C - As recomendações constantes dos pontos 11. 12. 14. e 15., alínea d), da Recomendação não enfrentam obstáculos na ordem jurídica portuguesa, com as seguintes explicitações:

a) Ponto 11.a) Não é possível antecipar as diversas hipóteses de configuração convencional ou casuística que se venham a perspectivar quanto à troca de informações, devendo sempre respeitar-se o quadro geral de protecção de dados pessoais;

b) Ponto 11.b) Deverá acentuar-se que se entende que os institutos de dispensa de pena e de suspensão provisória do processo não colidem com a recomendação;

c) Ponto 12. À criminalização recomendada neste ponto aplicam-se as considerações realizadas a propósito do artigo 3.º da Convenção;

d) Ponto 14. A nossa legislação não prevê sanção acessória permanente ou definitiva.

e) Ponto 15. A satisfação completa da recomendação poderá exigir adequação da lei penal às situações em que a acção praticada não é punível no país da ocorrência.






[1] O respectivo instrumento de ratificação foi depositado em 20 de Maio de 1998, conforme Aviso n.º 101/99, em Diário da República I Série de 20.08.99. “De acordo com o artigo 2(1) da Convenção, a ratificação por Portugal foi registada com a idade mínima de admissão ao emprego no seu território de 16 anos” ( do Aviso).
[2] O respectivo instrumento de ratificação foi depositado em 21 de Setembro de 1990, conforme Aviso em Diário da República, I Série, de 26.10.90. O n.º 2 do artigo 43.º da Convenção foi alterado pela Resolução n.º 50/155 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 21.12.95. A alteração foi aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 12/98 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º !2/98, ambos de 19 de Março. Esta alteração não tem implicações na temática em apreciação.
[3] O respectivo instrumento de ratificação foi depositado em 26 de Junho de 1956, conforme Aviso em Diário do Governo, I Série, de 06.07.56.
[4] A respectiva carta de confirmação e ratificação foi depositada em 10.08.59, conforme Aviso em Diário do Governo, I Série, de 19.09.59.
[5] No Encontro de Siracusa – 24-28 de Setembro de 1990 - sobre a aplicação da Convenção sobre os Direitos da Criança em relação com o trabalho infantil, M. CHERIF BASSIOUNI observava: “Note-se que desde 1815 foram produzidos 75 instrumentos internacionais para a eliminação da escravatura e práticas análogas. Entre estes, 40 respeitam à regulamentação de conflitos armados. Estes textos proíbem a exploração de mão-de-obra infantil, a escravatura, o tráfico e a venda de crianças. Contudo estas práticas continuam a envolver um grande número de crianças.” Protéger l’enfant sans protéger ses droits? Protecting children or merely granting them unprotected rights , em Revue Internationale de Droit Pénal/International Review of Penal Law, Vol. 62, N.ºs. 3-4, 1991, págs. 729 e 736/7.
[6] O texto oficial português foi publicado no DR, I Série, de 09.03.78, mediante aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
[7] Sobre esta questão, por exemplo, J.J. GOMES CANOTILHO, VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, em anotação ao preceito, e JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV Direitos Fundamentais, 2ª Edição, Coimbra Editora, 1998, págs. 128, 129, 146 e segts..
[8] A respectiva carta de confirmação e ratificação foi depositada em 04.10.27, conforme Aviso em Diário do Governo, I Série, de 02.01.29.
[9] A ratificação foi depositada em 1.12.1923, antes, pois, da publicação da Lei de aprovação e da Carta de Confirmação e Ratificação. A data do depósito é-nos dada no mesmo DG de 4.2.24.
[10] O respectivo instrumento de ratificação foi depositado em 23 de Novembro de 1959, conforme Aviso em Diário do Governo, I Série, de 12.01.60.
[11] Sempre que não se faça qualquer outra referência trata-se do Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, revisto pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março e alterado pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro.
[12] V. por todos LUIS OSÓRIO DA GAMA E CASTRO E OLIVEIRA BATISTA, Notas ao Código Penal Português, 2.ª edição, Vol. 3.º, Coimbra 1924: “Este artigo protege a liberdade individual de resolução e procedimento em geral, contra os atos que tendem a desconhecer no homem a sua liberdade sujeitando-o à escravidão. O cativeiro é o ataque mais formal e violento que se pode fazer à liberdade e dignidade humana – Jordão.” - em anotação ao artigo 328.º
[13] É sintomático que as edições últimas de, por exemplo, o Código Penal anotado de MAIA GONÇALVES não apresentem qualquer anotação do preceito.
[14] AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, anotação ao artigo 159º, em Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora 1999.
[15] M. MAIA GONÇALVES, Código Penal Português, 11.ª Edição, 1997, Almedina Coimbra, em anotação ao artigo e sobre a posição do Prof. Eduardo Correia.
[16] Comentário, loc. cit .
[17] “Designado pelo Autor do respectivo anteprojecto ( Nota: do Código de 1982) por “escravatura”, foi esta denominação substituída pela de “escravidão” –loc. cit.
[18] Comentário, loc. cit.
[19] Idem.
[20] “Artigo 4.º 1 – Ninguém pode ser mantido em escravidão ou servidão. 2 – Ninguém pode ser constrangido a realizar um trabalho forçado ou obrigatório. 3 – Não será considerado “trabalho forçado ou obrigatório” no sentido do presente artigo:[...]”
[21] “Artigo 8.º 1 – Ninguém será submetido a escravidão; a escravidão e o tráfico de escravos, sob todas as formas, são interditos. 2 – Ninguém será mantido em servidão. 3 - Ninguém será constrangido a realizar trabalho forçado ou obrigatório.”
[22] Depois, o n.º 2 excepcionava vários tipos de trabalho: serviço militar, obrigações cívicas, resultante de condenação judicial, em caso de força maior, pequenos trabalhos.
[23] Ver a notícia que nos é dada por IRINEU CABRAL BARRETO em A Convenção Europeia dos Direitos do Homem anotada, anotação ao artigo 4.º, 2ª edição, Coimbra Editora, 1999
[24] Documentação e Direito Comparado, Boletim do Ministério da Justiça, n.ºs 77/78, Lisboa 1999, pág. 141.
[25] Loc. cit. pág. 194.
[26] “Artigo 1.º Nos termos da presente Convenção, criança é todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo.”
[27] Com se vê desta disposição o tráfico de pessoas do nosso Código Penal, não coincide com o tráfico a que se reporta a alínea a) do artigo 3.º da Convenção. Nesta, é o tráfico no interior da figura da escravatura, ali é tráfico para prostituição, descuidando-se de saber em que qualidade jurídica é tratada a pessoa objecto do tráfico.
[28] MARIA JOÃO ANTUNES, Comentário, anotação ao artigo 176.º.
[29] Crimes sexuais contra crianças, especialmente pontos 6 e segts. em Infância e Juventude, Revista do Instituto de Reinserção Social, 97, 2
[30] Notas sobre os crimes sexuais no projecto..., ponto 5, em Revista do Ministério Público, n.º 59.
[31] Resolução da Assembleia da República n.º 29/91 e Decreto do Presidente da República n.º 45/91, de 6 de Setembro de 1991.
[32] “É proibida a entrega a menor de substâncias e preparações compreendidas nas tabelas I-A, II-B e II-C”.
[33] Na alínea e) previne-se que o agente seja médico [...], docente, educador ou trabalhador de estabelecimento de educação ou trabalhador de serviços ou instituições de acção social e o facto for praticado no exercício da sua profissão.
[34] Por ex. Pareceres n.º 71/98, de 19.02.98, n.º91/98, de 06.11.98, 101/97, de 17.07.97, n.º 67/96, de 20.3.97, 76/95, de 08.3.96.
[35] Em Diário da República II Série, n.º 289, de 17-12-90.
[36] MAIA GONÇALVES, ob. cit. “Na verdade, este preceito, introduzido pela revisão constitucional de 1982, veio justamente dar guarida, ao nível da própria lei fundamental, às vozes dos nosso mais reputados penalistas, os quais, em consonância com a doutrina jurídico-penal mais evoluída, vinham pugnando pela eliminação total dos chamados efeitos necessário das penas.” - anotação ao artigo 65.º. Para melhor esclarecimento basta ver-se as obras citadas nesta anotação.
[37] Sempre se dirá, que o regime geral das contra-ordenações laborais é o previsto na Lei n.º 116/99, de 4 de Agosto, com vigência, em regra, desde 1 de Janeiro de 2000 (quanto à entrada em vigor, o artigo 3.º). Neste diploma remete-se para as sanções acessórias previstas no regime geral das contra-ordenações – artigo 14.º, n.º 1.
[38] Neste artigo, ao contrário dos restantes apontados nesta ponto, não estamos em sede de contra-ordenação, mas em sede penal.
[39] O Tribunal Constitucional, no ac. n.º 353/86, processo n.º 85-0172, concluiu que a própria pena acessória de demissão que se encontrava prevista na redacção original do artigo 66.º do Código Penal de 1982 não era perpétua.
[40] Vamos seguir quase textualmente partes do parecer n.º 75/99, de 21.12, deste Conselho.
[41] LEAL-HENRIQUES, SIMA SANTOS, Código Penal, 2.ª Edição, Volume I, Rei dos Livros, pág. 131.
([42]) Ibidem, p.132.
([43]) Cfr. Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, edição da Associação Académica de Lisboa. Pág. 74.
([44]) Cfr. Actas ..., pp. 82-83.
([45]) Manuel António Lopes Rocha, ob. cit., p.126.
([46]) Leal-Henriques, Simas Santos, ob. cit., p. 142.