Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00003245
Parecer: P000042013
Nº do Documento: PPA1605201300400
Descritores: PRODUÇÃO DE ENERGIA ELECTRICA
SECTOR ELÉCTRICO NACIONAL
CENTROS ELECTROPRODUTORES
GARANTIA DE POTÊNCIA
GARANTIA DE ABASTECIMENTO
INCENTIVO AO INVESTIMENTO
MERCADO COMUNITÁRIO
MIBEL
CONVENÇÃO INTERNACIONAL
REGULAMENTO
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
PRINCIPIO DA PRECEDÊNCIA DA LEI
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCIPIO DA TUTELA DA CONFIANÇA
REENVIO NORMATIVO
DIREITO SANCIONATÓRIO
SANÇÃO ADMINISTRATIVA
ACTO VINCULADO
ÓNUS
Livro: 00
Numero Oficio: 692/SEEnergia
Data Oficio: 02/25/2013
Pedido: 02/25/2013
Data de Distribuição: 02/26/2013
Relator: MANUEL MATOS
Sessões: 01
Data da Votação: 05/16/2013
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: SEE
Entidades do Departamento 1: SECRETÁRIO DE ESTADO DA ENERGIA
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 06/12/2013
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 17-07-2013
Nº do Jornal Oficial: 136
Nº da Página do Jornal Oficial: 22567
Indicação 2: ASSESSOR: MARIA JOSÉ RODRIGUES
Área Temática:DIR ADM / DIR CONST / DIR ECON * DIR CONC / DIR INT PUBL
Ref. Pareceres:P000392012Parecer: P000392012
P000662005Parecer: P000662005
P001262005Parecer: P001262005
P000532008Parecer: P000532008
P000352009Parecer: P000352009
P000041996Parecer: P000041996
P000052004Parecer: P000052004
P000801989Parecer: P000801989
P000591995Parecer: P000591995
P000341984Parecer: P000341984
Legislação:DL 172/2006 DE 2006/08/23 ART33-A ; DL 29/2006 DE 2006/02/15 ; DL 264/2007 DE 2007/07/24; PORT 765/2010 DE 2010/08/20 ART11 ; PORT 139/2012 DE 2012/05/14 ; DESP 6795/2012 DE 2012/05/10 IN DR II S N97 DE 2012/05/18; DL 182/95 DE 1995/07/27 ; DL 188/95 DE 1995/07/27 ; DL 198/2003 DE 2003/09/02; DL 153/2004 DE 2004/06/30 ; DL 240/2004 DE 2004/12727; DL 29/2006 DE 2006/02/15 ; DL 104/2010 DE 2010/09/29 ; DL 78/2011 DE 2011/06/20; DL 75/2012 DE 2012/03/26; DL 112/2012 DE 2012/05/23; DL 215-a/2012 DE 2012/10/08; DPR N.º 19-B/2004 DE 2004/04/20 ; DPR N 29/2006 DE 2006/03/26 ; RAR 17/2009 DE 2009/03/23 ; DPR 24/2009 DE 2009/03/23 ; CPADM ART6-A
Direito Comunitário:DIR CONS E PE DE 1996/12/19 QUE ESTABELECE REGRAS COMUNS PARA MERCADO INTERNO ELECTRICIDADE IN JO N 27 DE 1997/01/30 ; DIR CONS E PE IN JO N 176 DE 2003/07/15 ; DIR 2004/85/CE DO CONS DE 2004/06/28; DIR DO PE E CONS DE 2008/01/15;
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:AC TRIB CONST 634/93; AC TRIB CONST 152/02 ; AC TRIB CONST 187/2001; AC TRIB CONST 484/00 ; AC TRIB CONST 12/2012; AC TRIB CONST 72/2011
Documentos Internacionais:ACORDO SANTIAGO COMPOSTELA DE OUTUBRO 2004 ; CIMEIRA IBERICA DE BADAJOZ
Ref. Complementar:ORDEN ITC/2794/2007 DE 27 SEPTIEMBRE ; ORDEN ITC/3801/2008 DE 26 DICIEMBRE

Conclusões: 1.ª – O Decreto-Lei n.º 264/2007, de 24 de julho, veio aditar o artigo 33.º-A ao Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto, através do qual se institui um mecanismo de atribuição de incentivos à garantia de potência disponibilizada pelos centros electroprodutores ao Sistema Elétrico Nacional (SEN), nos termos a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área da energia, visando-se com ele promover a garantia de abastecimento, um adequado grau de cobertura da procura de eletricidade e uma adequada gestão da disponibilidade dos centros electroprodutores;

2.ª – A definição do regime dos serviços de garantia de potência que os electroprodutores em regime ordinário podem prestar ao SEN, suas modalidades e remuneração, constam da Portaria n.º 765/2010, de 20 de agosto, editada ao abrigo do disposto no citado artigo 33.º-A do Decreto-Lei n.º 172/2006, preceito que, de forma expressa, o diploma invoca;

3.ª – O incentivo ao investimento em capacidade de produção de energia elétrica, a longo prazo, uma das modalidades de serviços de garantia de potência, consiste no pagamento de um montante em euros por cada megawatt de potência instalada num determinado centro electroprodutor, devido ao respetivo titular pela colocação à disposição do operador do sistema de determinada potência instalada, a partir do momento em que o centro electroprodutor inicia o seu funcionamento industrial, conforme dispõe o artigo 9.º da Portaria n.º 765/2010;

4.ª – Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 6, da Portaria n.º 765/2010, o direito aos incentivos ao investimento está dependente da obtenção pelos centros electroprodutores abrangidos de uma potência média disponível anual nos períodos tarifários de ponta equivalente a 90 % da capacidade contratada ao abrigo do incentivo ao investimento, sendo o pagamento da remuneração anual correspondente a tais incentivos efetuado aos titulares dos centros electroprodutores pelo operador do sistema em prestações iguais e com periodicidade mensal, nos termos do n.º 5 do mesmo preceito;

5.ª – De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 33.º-A do Decreto-Lei n.º 172/2006, e no artigo 15.º da Portaria n.º 765/2010, os encargos associados ao mecanismo de atribuição de incentivos ao investimento são suportados por todos os consumidores de energia elétrica, através da sua repercussão na tarifa de uso global de sistema, nos termos definidos no Regulamento Tarifário do Setor Elétrico;

6.ª – O Acordo entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha para a Constituição de um Mercado Ibérico da Energia Elétrica (MIBEL) foi firmado em Lisboa, a 20 de janeiro de 2004, substituído pelo Acordo de Santiago de Compostela, firmado em 1 de outubro de 2004, revisto pelo Acordo que Revê o Acordo entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha Relativo à Constituição de um Mercado Ibérico de Energia Elétrica, assinado em Braga em 18 de janeiro de 2008, todos devidamente aprovados e ratificados;

7.ª – A harmonização do setor elétrico de Portugal e de Espanha constitui objetivo programático assumido pelos Estados signatários dos Acordos celebrados, sendo que, em razão das especificidades próprias dos sistemas elétricos de cada país, o desenvolvimento e aprofundamento do MIBEL constitui um processo gradual e continuado;

8.ª – No que respeita aos serviços de garantia de potência, o n.º 7 do artigo 9.º do Acordo celebrado em Santiago de Compostela, na redação conferida pelo Acordo de Braga, de 18 de janeiro de 2008, regendo sobre a harmonização normativa, estabelece que «As Partes comprometem-se a conseguir gradualmente a harmonização no que se refere a serviços de interruptibilidade e compensação de energia reativa, assim como a pagamentos por capacidade», assim se admitindo a existência de diferenças nos regimes jurídicos relativos aos incentivos de potência em Portugal e em Espanha;

9.ª – A regulamentação do regime dos serviços de garantia de potência, em execução do artigo 33.º-A do Decreto-Lei n.º 172/2006, constante da Portaria n.º 765/2010, não incide sobre matéria da competência legislativa reservada da Assembleia da República e não extravasa o âmbito de normação próprio dos regulamentos, fixado no artigo 112.º, n.º 7, da Constituição da República, pelo que não enferma de ilegalidade ou de inconstitucionalidade formal;

10.ª – A determinação da disponibilidade média anual nos períodos tarifários de ponta, períodos que se encontram definidos no artigo 27.º do Regulamento Tarifário do Setor Elétrico, tem assentado em declarações de disponibilidade fornecidas pelos produtores de energia ao operador do sistema e em registos materiais e técnicos dos centros electroprodutores, verificáveis e sujeitos à fiscalização técnica da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) e aos poderes regulatórios da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE);

11.ª – O facto de não se especificarem no n.º 6 do artigo 11.º da Portaria n.º 765/2010 os critérios de cálculo da potência média disponível anual nos períodos tarifários de ponta não determina a ilegalidade dos atos administrativos que ordenam a restituição dos montantes pagos a título de incentivos ao investimento quando não é atingido o limiar de 90% aí previsto;

12.ª – Uma medida administrativa inclui-se no direito sancionatório quando esteja pressuposta a censurabilidade da conduta que está na base da sua aplicação, configurando-se a sanção, nesta situação, como uma reação à violação do direito , à prática de um ato ilícito e censurável;

13.ª – Se um centro electroprodutor de energia elétrica não atinge o limiar mínimo de potência média disponível anual exigido no citado artigo 11.º, n.º 6, da Portaria n.º 765/2010 para a atribuição do incentivo ao investimento, o seu titular não pratica qualquer ato ilícito que deva merecer censura, só que não adquire o direito ao incentivo ao investimento, devendo, consequentemente, sob pena de injusto locupletamento, proceder à restituição dos montantes que antecipadamente tenha recebido a esse título;

14.ª – O ato administrativo que ordena ao titular de centro electroprodutor a restituição da totalidade dos montantes que lhe foram adiantados a título de incentivos ao investimento, verificados os respetivos pressupostos, configura-se como ato vinculado e não constitui uma medida de natureza sancionatória, não se justificando, por isso, o apelo ao princípio da proporcionalidade próprio do direito sancionatório, designadamente do direito sancionatório administrativo;

15.ª – As normas contidas nos artigos 11.º, n.º 6, da Portaria n.º 765/2010 e 19.º da Portaria n.º 251/2012 não contemplam estatuições em matéria sancionatória no âmbito do regime dos incentivos ao investimento, não se verificando o vício da ilegalidade por desconformidade com a norma habilitante contida no artigo 33.º-A do Decreto-Lei n.º 172/2006 ou por violação de qualquer outra norma legal.

16.ª – As mesmas normas, interpretadas no sentido da imposição aos titulares dos centros electroprodutores da restituição integral dos montantes pagos por incentivo ao investimento quando se apure que não foi atingido o limiar mínimo de 90% de potência média disponível anual, conforme exige o n.º 6 do artigo 11.º da Portaria n.º 765/2010, não contendem com princípio da proporcionalidade, ínsito na ideia de Estado de Direito consagrado no artigo 2.º da Constituição da República;

17.ª – O artigo 11.º, n.º 6, da Portaria n.º 765/2010 não considera as indisponibilidades programadas para efeitos do cálculo da disponibilidade média anual, enquanto a correspondente norma do regime jurídico então vigente em Espanha as contempla;

18.ª – Tal diferenciação de regimes não contende com o Acordo MIBEL de Santiago de Compostela, nem com o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 264/2007, de 24 de julho, pelo que a norma regulamentar constante do artigo 11.º, n.º 6, da Portaria n.º 765/2010 não padece, por este motivo, de ilegalidade;

19.ª – Não tem qualquer fundamento expectativa de transposição para o ordenamento jurídico português do regime jurídico espanhol quanto à consideração das indisponibilidades programadas como disponibilidades, para efeitos do cálculo do coeficiente de disponibilidade média anual nos períodos tarifários de ponta;

20.ª – Perante a matéria de facto enunciada em I.2., o ato administrativo que ordena ao titular do centro electroprodutor a restituição da totalidade dos montantes que lhe foram adiantados a título de incentivos ao investimento por não ter sido atingido o coeficiente mínimo de potência média disponível anual, não se tendo considerado, para o respetivo cálculo, as indisponibilidades programadas do centro electroprodutor, não contende com o princípio da confiança previsto no artigo 6.º-A do Código do Procedimento Administrativo;

21.ª – O artigo 11.º, n.º 6, da Portaria n.º 765/2010, na interpretação que é feita, no sentido da não consideração das indisponibilidades programadas como disponibilidades para efeitos do cálculo do coeficiente de disponibilidade média anual nos períodos tarifários de ponta, consagra medida que tem justificação material e é razoável e não arbitrária, não contrariando o princípio da tutela da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito consagrado no artigo 2.º da Constituição da República.

Texto Integral:

Senhor Secretário de Estado da Energia,
Excelência:



I

1. Dignou-se Vossa Excelência solicitar ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República a emissão de parecer sobre a «legalidade da restituição de montantes de incentivo de garantia de potência, atribuídos a centros electroprodutores cuja atividade é exercida em regime de mercado».

2. A questão tem como referência «o enquadramento legal e a factualidade subjacente» cujo texto seguidamente se transcreve[1]:

«I. Breve enquadramento legal: regime jurídico da garantia de potência na vertente do incentivo ao investimento

1. O Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto, estabelece os princípios gerais relativos à organização e funcionamento do Sistema Elétrico Nacional (SEN), aprovados pelo Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de fevereiro, e define o regime jurídico aplicável ao exercício das atividades de produção, transporte, distribuição e comercialização de eletricidade e à organização dos mercados de eletricidade.

2. No quadro da segunda alteração ao Decreto-Lei n.° 172/2006, operada pelo Decreto-Lei n.° 264/2007, de 24 de julho, foi, pela primeira vez, prevista a possibilidade de criação de instrumentos de incentivo à garantia de potência para centros electroprodutores cuja atividade é exercida em regime de mercado.

3. Nos termos do artigo 33,°A então aditado ao Decreto-Lei n.° 172/2006, a criação dos referidos instrumentos destina-se "a promover a garantia de abastecimento, um adequado grau de cobertura da procura de eletricidade e uma adequada gestão da disponibilidade dos centros electroprodutores”, sendo os respetivos encargos "suportados por todos os consumidores de energia elétrica, devendo ser repercutidos na tarifa de uso global de sistema ou noutra tarifa aplicável à globalidade dos consumidores de energia elétrica nos termos a definir no Regulamento Tarifário”, remetendo-se para portaria do membro do Governo responsável pela área da energia a definição dos respetivos termos (cfr. n.os 1 e 2 do artigo 33.°-A).

4. Nesse contexto, foi publicada a Portaria n.° 765/2010, de 20 de agosto, que estabeleceu o enquadramento regulamentar da garantia de potência em Portugal, disciplinando, por um lado, a remuneração do serviço de disponibilidade prestado pelos centros electroprodutores e, por outro, a atribuição de incentivos ao investimento em capacidade de produção.

5. Em concreto, a referida portaria procedeu à determinação, para cada modalidade de incentivo - serviço de disponibilidade e incentivo ao investimento -, (i) os termos e condições da sua prestação, (ii) as entidades que podem participar na qualidade de prestadoras desses serviços e (iii) o respetivo regime de retribuição.

6. De acordo com o disposto no artigo 9.° da Portaria n.° 765/2010, o incentivo ao investimento consiste no pagamento de um montante em euros por cada megawatt (MW) de potência instalada num determinado centro electroprodutor, devido ao respetivo titular pela colocação à disposição do operador do sistema de determinada potência instalada, a qual é paga mensalmente, em prestações iguais, pela REN - Rede Elétrica Nacional, S.A., na qualidade de entidade responsável pela gestão técnica da Rede Nacional de Transporte (operador do sistema).

7. Para o efeito, foram fixados diferentes valores para a remuneração anual de incentivo a atribuir, consoante a data de entrada em funcionamento dos respetivos centros electroprodutores.

8. Concretamente, para as instalações que tenham entrado em funcionamento após 1 de julho de 2007 e em data anterior a 1 de janeiro de 2011, ficou previsto que seria atribuída uma remuneração anual de € 20 000/MW, por um período de 10 anos a partir de 1 de janeiro de 2011 [cfr. alínea a) do n.° 4 do artigo 11.° da Portaria n,° 765/2010].

9. Nos termos do n.° 6 do artigo 11.° da Portaria n.° 765/2010, "Para ter direito a qualquer um dos incentivos ao investimento estabelecidos neste artigo, as instalações deverão ter uma potência média disponível anual nos períodos tarifários de ponta equivalente a 90 % da capacidade contratada ao abrigo do incentivo ao investimento".

10. Em maio de 2012 foi publicada a Portaria n.° 139/2012, de 14 de maio, a qual, com vista à racionalização dos incentivos auferidos pelos agentes do mercado da eletricidade e que oneram a fatura final de energia elétrica, procedeu à revogação da Portaria n.° 765/2010 e à definição de um novo modo e (diferentes) condições de prestação dos serviços de garantia de potência por centros electroprodutores em regime ordinário, a ser concretizados por regulamentação própria (cfr. respetivamente, preâmbulo e n.° 2 do artigo 2.° da Portaria n.° 139/2012).

11. Apesar dessa revogação, ficaram expressamente salvaguardadas as remunerações de serviços de garantia de potência prestados ao abrigo da Portaria n.° 765/2010, cujo pagamento fosse devido até à data da entrada em vigor da Portaria n.° 139/2012 - ou seja, até 1 de junho de 2012 (cfr. respetivamente, n.° 1 do artigo 2.° e artigo 4.° da Portaria n.° 139/2012).

12. Neste contexto, com vista à concretização dos mencionados objetivos e compromissos de implementação de um modelo energético de racionalidade económica, o Governo aprovou a Portaria n.° 251/2012, de 20 de agosto, a qual veio fixar um novo regime de atribuição de incentivos de garantia de potência disponibilizada pelos centros electroprodutores ao SEN, retroagindo a produção dos respetivos efeitos à data da entrada em vigor da Portaria n.° 139/2012.

13. Para além de garantir a aplicação do regime de remuneração previsto na Portaria n.° 765/2010 aos serviços de garantia de potência prestados ao abrigo da mesma, à semelhança do que estava já assegurado na Portaria n.° 139/2012, prevê-se ainda, no n.° 2 do artigo 19.° da Portaria n.° 251/2012, que "Caso a aplicação do regime de remuneração previsto na Portaria n.° 765/2010, de 20 de agosto, resulte na obrigação de restituição de parte ou totalidade dos montantes recebidos por um centro electroprodutor, este tem o prazo de 45 dias úteis a contar da entrada em vigor da presente portaria para proceder a essa restituição".

II. Descrição dos principais factos do recurso hierárquico interposto pela EDP - Gestão de Produção de Energia, S.A., que motivam o presente pedido de parecer

14. A EDP - Gestão de Produção de Energia, S.A. (doravante designada por "EDP") é titular do centro electroprodutor de Lares, localizado em Lares, freguesia de Vila Verde, concelho de Figueira da Foz, com uma potência instalada de 862,6 MW, cujos grupos geradores I e Il entraram em funcionamento em data posterior a 1 de julho de 2007.

15. Nessa qualidade, a EDP apresentou um requerimento para o reconhecimento do seu direito ao incentivo ao investimento, respeitante aos grupos I e Il da referida central, com efeitos a partir de janeiro de 2011, nos termos previstos no artigo 12.° da Portaria n.° 765/2010.

16. No seguimento desse pedido, a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) por ofício n.° 003286, de 1 de abril de 2011, reconheceu o direito ao incentivo ao investimento, tendo atribuído à EDP, a esse título e de acordo com o previsto na Portaria n.° 765/2010, o montante de € 20.000,00/MW por ano.

17. Após a entrega, pela EDP, das declarações de disponibilidade referentes à central termoelétrica de Lares, a REN constatou que, durante o ano de 2011, o Grupo II dessa central teve uma potência média anual nos períodos tarifários de ponta de 72%, não tendo, assim, cumprido o requisito constante do n.° 6 do artigo 11.° da Portaria n.° 765/2010, correspondente a 90% da capacidade contratada ao abrigo do incentivo ao investimento.

18. Perante essa situação, a REN, em cumprimento do disposto no n.° 7 do artigo 11.° da Portaria n.° 765/2010, requereu à DGEG a autorização para repercutir mensalmente na remuneração de 2012 o acerto devido com os valores pagos em 2011, no valor total de € 8.626.600,00.

19. Na sequência dessa proposta, e posteriormente à consulta da Entidade Reguladora dos Serviços Elétricos (ERSE), que emitiu parecer favorável à mesma, a DGEG, por ofício n.° 007997, de 3 de outubro de 2012, determinou a devolução do montante de incentivo pago à EDP em 2011, respeitante ao grupo II da central de Lares, no valor de € 8.626.600,00.

20. Através de carta de 22 de outubro de 2012, a EDP respondeu a esse ofício, tendo contestado a legalidade da decisão de restituição do referido montante.

21. Entretanto, por ofício de 16 de outubro de 2012, a REN comunicou à DGEG o cálculo efetuado para o ano de 2012, em relação ao grupo I da central de Lares, com base nas declarações de disponibilidade para o efeito apresentadas pela EDP, o qual registava uma potência média disponível nos períodos de ponta inferior a 90%, tendo a REN proposto, através desse mesmo ofício, a devolução da totalidade do incentivo ao investimento pago nesse mesmo ano relativo ao grupo I, no valor total de € 3.594.416,65 (três milhões, quinhentos e noventa e quatro mil, quatrocentos e dezasseis euros e sessenta e cinco cêntimos).

22. Na sequência dessa proposta, a DGEG, por ofício de 22 de outubro de 2012, solicitou à EDP que procedesse "à devolução à REN dos montantes recebidos em 2012, no valor de € 3,594.416,65 (três milhões e quinhentos e noventa e quatro mil e quatrocentos e dezasseis euros e sessenta e cinco cêntimos), a título de incentivo ao investimento respeitante ao grupo í da central de Lares", tendo junto a esse ofício a proposta da REN e o parecer da ERSE, no qual se pode ler que " a ERSE nada tem a opor ao entendimento expresso pela DGEG no sentido de que os montantes referidos devem ser devolvidos ao SEN".

23. A EDP respondeu a este ofício por carta de 31 de outubro de 2012, contestando a legalidade da decisão de restituição do referido montante.

24. Posteriormente, por ofício de 2 de novembro de 2012, a DGEG veio notificar a EDP para, ao abrigo do disposto nos artigos 100,° e 101.° do Código do Procedimento Administrativo (CPA), se pronunciar quanto à exigência de restituição dos montantes de € 8.626.600,00 e de € 3.594.416,65, relativos, respetivamente, aos incentivos ao investimento respeitantes ao grupo II da Central de Lares, para o ano de 2011, e ao grupo I da mesma central, para o ano de 2012.

25. A EDP pronunciou-se, em sede de audiência prévia, por carta de 15 de novembro de 2012, entregue na DGEG nessa mesma data.

26. Na sequência dessa pronúncia, a DGEG, através de ofício com data de 10 de dezembro de 2012, veio determinar a devolução ao SEN dos valores de € 8.626.600,00 e de € 3.594.416,65, no prazo de 10 dias após a receção da nota de débito a emitir pela REN.

27. Em 8 de janeiro de 2013, a EDP procedeu ao pagamento dos montantes em causa, no valor total de € 12.221.016,65 (doze milhões, duzentos e vinte e um mil, dezasseis euros e sessenta e cinco cêntimos), tendo feito, no entanto, expressa ressalva dos seus direitos de impugnação.

28. Atento o facto de esses montantes serem devidos aos consumidores nacionais de energia elétrica, a ERSE, na fixação dos proveitos permitidos para atividade de Gestão Técnica Global (levada a cabo pela REN) e nas tarifas do setor elétrico para o ano de 2013, deduziu já o valor correspondente aos montantes entretanto devolvidos pela EDP.

29. Posteriormente a esse pagamento, a EDP veio apresentar junto da DGEG, em 11 de janeiro de 2013, recurso hierárquico dos atos administrativos que ordenaram a restituição dos montantes de incentivo ao investimento de € 8.626.600,00, relativo ao ano de 2011 e ao grupo II da central de Lares, e de € 3.594.416,65, relativo ao ano de 2012 e ao grupo I da central de Lares, notificados por ofícios da DGEG de 3 de outubro de 2012, de 22 de outubro de 2012 e de 10 de dezembro de 2012.

30. Esse requerimento de recurso hierárquico foi notificado à REN para, na qualidade de contrainteressada, se pronunciar sobre o mesmo, ao abrigo do disposto no artigo 171.º do CPA, tendo esta apresentado a sua resposta no dia 14 de fevereiro de 2013.

31. De igual modo, também a DGEG foi notificada para, em igual prazo, se pronunciar sobre o recurso hierárquico interposto, ao abrigo do disposto no n.° 1 do artigo 172.° do CPA, tendo esta emitido pronúncia no sentido da improcedência do mesmo, por entender que os atos administrativos por si praticados não padecem de qualquer vício de invalidade.

32. Nos termos do disposto nos artigos 169.° do CPA, 8.°, n.° 2, e 16.° do Decreto-Lei n.° 86-A/2011» de 12 de julho, e no Despacho n.° 6795/2012, de 10 de maio, publicado no Diário da República, II Série, n.° 97, de 18 de maio de 2012, a decisão sobre o recurso hierárquico interposto pela EDP cabe ao Secretário de Estado da Energia.

III. Delimitação do objeto do parecer ora solicitado: questão jurídica sobre saber se, à luz das normas legais aplicáveis e da Constituição, a verificação, num determinado ano, do incumprimento da exigência mínima de 90% da capacidade contratada de uma determinada instalação, prevista no n.° 6 do artigo 11.° da Portaria n.° 765/2010, pode implicar a restituição integral do montante de incentivo ao investimento atribuído nesse mesmo ano.

33. Através do requerimento de recurso hierárquico melhor identificado supra, a EDP vem requerer a revogação dos atos recorridos, com fundamento na sua nulidade, invocando, para o efeito, a) um vício de natureza formal - violação das garantias de defesa em processo sancionatório - e b) quatro vícios de natureza substantiva - a saber: (i) ilegalidade e inconstitucionalidade do n.° 6 do artigo 11.° da Portaria n.° 765/2010, e do artigo 19.° da Portaria n.° 251/2012; (ii) violação de lei por falta de especificação normativa dos critérios de cálculo da potência média disponível anual nos períodos tarifários de ponta; (iii) violação do disposto no n.° 2 do artigo 19.° da Portaria n.° 251/2012 e do princípio da proporcionalidade; e (iv) violação do princípio da proteção da confiança.

34. Entende a DGEG que todos esses vícios invocados devem ser considerados improcedentes, pelo que a decisão de restituição dos montantes de incentivo ao investimento atribuídos nos anos de 2011 e 2012, respetivamente, aos grupos II e I da central termoelétrica de Lares deve ser mantida.

35. Sem prejuízo da consistência e validade da fundamentação apresentada pela DGEG, com os contributos técnicos da REN, entende o Secretário de Estado da Energia que está aqui em causa uma matéria de elevada relevância, tendo em conta que envolve quantias pecuniárias avultadas com reflexo no preço da eletricidade paga pelos consumidores de energia elétrica.

36. Dito isto, considerando o papel de relevo assumido pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República na uniformização da jurisprudência e na clarificação do direito, justifica-se requerer a intervenção desse órgão quanto à apreciação da questão de fundo, isto é, saber se a restituição é, na perspetiva da estrita legalidade, exigível ou não.

37. Por conseguinte, o objeto do parecer ora solicitado deverá limitar-se à análise da legalidade, sob o ponto de vista material, dos atos que ordenaram a restituição dos montantes de incentivo ao investimento anteriormente pagos à EDP (atos recorridos), por forma a que esse mesmo parecer possa contribuir para a análise dos vícios substantivos invocados pela Recorrente EDP e, bem assim, ser tomado em consideração, ainda que de forma não vinculativa, na decisão final a adotar pelo Secretário de Estado da Energia.

Nesta medida, através do presente pedido de parecer, pretende-se que a Procuradoria-Geral da República se pronuncie sobre a questão de saber se, à luz das normas legais aplicáveis e da Constituição, a verificação, num determinado ano, do incumprimento da exigência mínima de 90% da capacidade contratada, prevista no n.° 6 do artigo 11.° da Portaria n.° 765/2010, pode implicar a restituição integral do montante de incentivo atribuído nesse mesmo ano»[2].

3. No recurso hierárquico invoca-se a ilegalidade dos atos administrativos que determinaram a restituição das quantias recebidas a título de incentivo ao investimento, alegando-se, no que respeita aos fundamentos de ordem material, sucessivamente que:

- «[A] norma do artigo 11.º, n.º 6, da Portaria n.º 765/2010, de 20 de agosto, e em consequência a norma do artigo 19.º da Portaria n.º 251/2012, de 20 de agosto, são ilegais por introduzirem inovações relevantes em matéria de poder sancionatório pela Administração não previstas nem contempladas no artigo 33.º-A do Decreto-Lei n.º 172/2006, ou em qualquer outra norma legal, padecendo ainda de inconstitucionalidade orgânica e formal por extravasarem do âmbito de normação próprio dos regulamentos, fixado no artigo 112.º, n.º 7, da Constituição.»

- «[O] artigo 11.º, n.º 6, da Portaria n.º 765/2010, ao não autorizar a consideração das indisponibilidades programadas, viola também o princípio da harmonização dos mecanismos de remuneração da garantia de potência entre os dois países Ibéricos, consagrado em tratado internacional e em diploma legislativo.»

- «[O] artigo 11.º, n.º 6, da Portaria n.º 765/2010 não especifica os critérios do cáculo da “potência média disponível anual nos períodos tarifários de ponta”, a que se refere essa mesma disposição, carecendo, também nessa medida, de base legal, sendo certo que está em causa a definição de pressupostos do exercício de um poder sancionatório.»

- «[O]s atos recorridos (…), a ter-se verificado qualquer incumprimento dos pressupostos de atribuição do incentivo ao investimento, são manifestamente desproporcionais, violando, desde logo, o disposto no próprio artigo 19.º, n.º 2, da Portaria n.º 251/2012, e contrário ao princípio da confiança.»

4. A «análise da legalidade, sob o ponto de vista material, dos atos que ordenaram a restituição dos montantes de incentivo ao investimento anteriormente pagos à EDP» (ou «a questão de saber se, à luz das normas legais aplicáveis e da Constituição, a verificação, num determinado ano, do incumprimento da exigência mínima de 90% da capacidade contratada, prevista no n.° 6 do artigo 11.° da Portaria n.° 765/2010, pode implicar a restituição integral do montante de incentivo atribuído nesse mesmo ano») será empreendida tendo como roteiro os fundamentos invocados pela entidade recorrente, há pouco elencados, e por base os parâmetros de constitucionalidade e de legalidade que se convocaram no número anterior.

Cumpre, pois, emitir parecer, ao qual foi atribuída natureza urgente[3].

II

1. Muito recentemente, o Conselho Consultivo teve o ensejo de referenciar o quadro legislativo mais relevante do setor da energia elétrica tarefa empreendida no parecer n.º 39/2012, de 21 de março de 2013[4], retomando tratamento já dispensado sobre a matéria no parecer n.º 66/2005, de 30 de junho de 2005 [5], no parecer n.º 126/2005, de 11 de maio de 2006[6], no parecer n.º 53/2008, de 12 de fevereiro de 2009[7], e no parecer n.º 35/2009, de 15 de abril de 2010[8].

A propósito do processo de liberalização do setor elétrico verificado entre nós, afirmou-se então, que o seu aprofundamento se fez com um conjunto de sete diplomas, publicados em 1995 – os Decretos-Leis n.os 182/95 a 188/95, todos de 27 de julho – que introduziram importantes alterações na atividade de produção, transporte e distribuição de energia elétrica, antecipando as orientações traçadas pela Diretiva n.º 96/92/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de dezembro de 1996[9] que estabeleceu regras comuns para o mercado interno da eletricidade.

Este novo enquadramento inscreveu-se num movimento mais vasto, de que a Diretiva n.º 96/92/CE constituiu corolário no plano comunitário, e que teve como objetivo essencial a criação de um mercado concorrencial da eletricidade.

Considerou-se que só a criação de um mercado interno do setor elétrico permitiria “racionalizar a produção, o transporte e a distribuição da eletricidade, reforçando simultaneamente a segurança de abastecimento e a competitividade da economia europeia e a proteção do ambiente”[10].

À Diretiva n.º 96/92/CE sucedeu a Diretiva n.º 2003/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho [[11]], que visa concretizar plenamente o mercado interno no setor da eletricidade, aprofundando o percurso já trilhado pela anterior Diretiva. Em todas as disposições comunitárias está presente o propósito de consolidar o modelo concorrencial, sem prejuízo do cumprimento dos requisitos de serviço público [[12]].

2. Com a publicação dos Decretos-Leis n.os 198/2003, de 2 de setembro, 153/2004, de 30 de junho, e 240/2004, de 27 de dezembro, visou-se o aprofundamento da tendência liberalizadora e concorrencial, com a redução do Sistema Elétrico de Abastecimento Público (SEP).

3. Por fim, reconhecendo que as alterações legislativas ocorridas em 2003 e 2004 haviam assumido caráter transitório, foi publicado o Decreto-
-Lei n.º 29/2006, de 15 de fevereiro, que estabelece os princípios gerais relativos à organização e funcionamento do sistema elétrico nacional, bem como ao exercício das atividades de produção, transporte, distribuição e comercialização de eletricidade e à organização dos mercados de eletricidade, transpondo para a ordem jurídica interna os princípios da citada Diretiva n.º 2003/54/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, que fixou regras comuns para o mercado interno da eletricidade.


Como se afirma no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 29/2006, «o novo quadro estabelece um sistema elétrico integrado, em que as atividades de produção e comercialização são exercidas em regime de livre concorrência, mediante a atribuição de licenças, e as atividades de transporte e distribuição são exercidas mediante a atribuição de concessões de serviço público».

O Decreto-Lei n.º 29/2006 foi objeto de sucessivas alterações[13], interessando destacar as que foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 78/2011, de 20 de junho, diploma que procedeu à transposição da Diretiva n.º 2009/72/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho, relativa ao mercado interno da eletricidade[14].

Como se dá conta no preâmbulo, «adotam-se medidas no sentido do reforço da disciplina da separação de atividades de produção e comercialização e a operação das redes de transporte como meio para atingir o estabelecimento de um mercado energético interno na União Europeia integrado que permita a implementação de uma concorrência de mercado mais eficaz», sendo de destacar também o aprofundamento das regras para garantir a proteção dos consumidores, ou seja dos clientes finais de eletricidade[15].

4. O Decreto-Lei n.º 215-A/2012, de 8 de outubro, veio a proceder à «revisão global» do Decreto-Lei n.º 29/2006, visando-se assegurar «de forma completa, integral e harmonizada, a transposição da Diretiva n.º 2009/72/CE» e a atualização daquele diploma «em consideração das vicissitudes entretanto ocorridas no panorama energético nacional» (preâmbulo).

O diploma contém a versão atual consolidada das bases gerais da organização e funcionamento do Sistema Elétrico Nacional (SEN), bem como das bases gerais aplicáveis ao exercício das atividades de produção, transporte, distribuição e comercialização de eletricidade e à organização dos mercados de eletricidade.

O seu artigo 4.º enuncia o objetivo e princípios gerais das atividades abrangidas pelo diploma, estabelecendo, no que particularmente releva para o objeto da consulta, que
«Artigo 4.º
Objetivo e princípios gerais
1 – O exercício das atividades abrangidas pelo presente decreto-
-lei tem como objetivo fundamental contribuir para o desenvolvimento e para a coesão económica e social, assegurando, nomeadamente, a oferta de eletricidade em termos adequados às necessidades dos consumidores, quer qualitativa quer quantitativamente.

2 – O exercício das atividades abrangidas pelo presente decreto-
-lei deve obedecer a princípios de racionalidade e eficiência dos meios a utilizar, contribuindo para a progressiva melhoria da competitividade e eficiência do SEN, no quadro da realização do mercado interno de energia, tendo em conta a utilização racional dos recursos, a sua preservação, a manutenção do equilíbrio ambiental e a proteção dos consumidores.

3 – O exercício das atividades previstas no presente decreto-lei processa-se com observância dos princípios da concorrência, sem prejuízo do cumprimento das obrigações de serviço público.
4 – O exercício das atividades de produção e de comercialização de eletricidade processa-se em regime de livre concorrência.
5 – O exercício das atividades de transporte e de distribuição de eletricidade processa-se em regime de concessão de serviço público, em exclusivo, nos termos definidos em diploma específico.
[…].»

De entre as obrigações de serviço público no exercício das atividades abrangidas contempladas no artigo 5.º, merece destaque as que se enunciam na alínea a) do seu n.º 3: a segurança, a regularidade e a qualidade do abastecimento.

O exercício da atividade de produção de eletricidade, atividade particularmente em foco na consulta, é livre, «ficando sujeito à obtenção de licença ou, nos casos previstos em legislação complementar, à realização de comunicação prévia junto das entidades administrativas competentes» (artigo 15.º).

Por sua vez, a produção de eletricidade pode ser efetuada em regime ordinário ou em regime especial, considerando-se produção em regime ordinário a atividade de produção que não esteja abrangida por um regime especial (artigos 16.º e 17.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 29/2006, na sua versão atual).

O artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 29/2006, na redação introduzida pelo citado Decreto-Lei n.º 215-A/2012, estabelece que se considera produção em regime especial «a atividade de produção sujeita a regimes jurídicos especiais, tais como a produção de eletricidade através de cogeração e de recursos endógenos, renováveis e não renováveis, a microprodução, a miniprodução e a produção sem injeção de potência na rede, bem como a produção de eletricidade através de recursos endógenos, renováveis e não renováveis, não sujeita a regime jurídico especial».

5. No desenvolvimento dos princípios constantes do Decreto-Lei n.º 29/2006, o Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto[16], estabelece o regime jurídico aplicável às atividades de produção, transporte, distribuição e comercialização de eletricidade.

6. O esforço de liberalização, reafirmado pelo Decreto-Lei n.º 172/2006, que, sob o impulso do direito comunitário, tem vindo a ser feito no mercado elétrico, traduziu-se, desde logo, pela separação ou desagregação das atividades da fileira elétrica (unbundling).

Como, a este propósito, salienta PEDRO GONÇALVES, «impunha-se, antes de mais, distinguir e, sobretudo, separar entre si as atividades elétricas – a produção, o transporte e a distribuição – e, simultaneamente, separar a rede (adstrita ao transporte e à distribuição), por um lado, da produção e, por outro lado, do serviço de fornecimento de eletricidade a clientes»[17].

Por força dos Decretos-Leis n.os 29/2006 e 172/2006, a energia elétrica converteu-se, refere o mesmo autor, num «bem de mercado», rompendo-se, em termos definitivos, «a histórica ligação da eletricidade aos conceitos e à racionalidade do monopólio e dos direitos exclusivos»[18].

A liberalização foi, porém, a possível, acabando por abranger «apenas as tarefas situadas a montante e a jusante da transmissão (transporte e distribuição)»[19], ou seja, as atividades de produção e de comercialização. Fora do quadro da concorrência ficaram as atividades de transporte e de distribuição, confiadas a entidades concessionárias, em regime de exclusivo[20]/[21].

Refira-se, entretanto, uma observação que tem sido salientada a propósito do incremento e efeitos práticos das medidas de liberalização do setor elétrico. Como refere SUZANA TAVARES DA SILVA, «a doutrina vem salientando o facto de se tratar a eletricidade como um produto semelhante a outros sem atender às suas especificidades (necessidade de concorrência de um conjunto diverso de fatores – operação em tempo real, acerto entre oferta e procura, etc –, de uma vasta gama de matérias primas energéticas – carvão, fuel, gás, urânio – e de energias primárias – vento, água, luz), criando ficticiamente um mercado que dificilmente pode subsistir num regime liberalizado»[22]. A intervenção do Estado, prossegue a autora, «é apontada como necessária para garantir a segurança no abastecimento – sem a “tutela pública” é provável o desinvestimento nas unidades de produção menos rentáveis e nas infraestruturas, aumentando o risco de blackout [-] –, as obrigações de serviço público (preços acessíveis, universalidade do fornecimento), a transparência dos preços e até mesmo a saúde económica das empresas – de que os custos de transição para a concorrência [[23]] e o novo “mecanismo de remuneração da garantia de potência” são um exemplo claro»[24].

7. A garantia de potência ou garantia de abastecimento decorre do caráter não armazenável da eletricidade, facto que obriga a que em todo o momento a eletricidade que seja procurada seja igual à que se produza – igualação instantânea entre produção e consumo.

A garantia de potência deverá assegurar que exista suficiente potência disponível no sistema elétrico para satisfazer a procura em todo o momento. Os momentos mais críticos do sistema são os da procura nas horas de ponta, impondo-se que, para satisfazer toda essa procura, haja centrais que só entrem em funcionamento nesses períodos. Será necessário garantir que essas centrais estejam disponíveis para abastecer tal procura, embora se reconheça que a instalação destes centros electroprodutores apresente maiores riscos uma vez que os rendimentos obtidos são mais voláteis[25]. Estamos, pois, perante um mecanismo que garante e protege o consumidor contra o risco de uma falta de fornecimento de eletricidade (apagão), pelo que a garantia de potência de um sistema mede a fiabilidade que tem de existir por forma a que o fornecimento elétrico se processe de forma continuada e «sem apagões»[26].

Como é referido em documento elaborado pelo Conselho de Reguladores do MIBEL[27]:

«A fiabilidade do abastecimento de energia elétrica pode decompor-se em três dimensões complementares e interrelacionadas que são, porém, suficientemente diferenciadas (…):

- Segurança: refere-se à disponibilidade de capacidade de produção suficiente e à existência de procedimentos de operação adequados para garantir uma operação segura dos recursos no curto prazo. Estes aspetos de curto prazo prendem-se com a otimização dos tempos de resposta da produção, com o controlo de frequência, com a gestão dos gradientes de subida/descida de carga, com as margens de reserva, etc.

- Disponibilidade: refere-se à existência de produção no curto prazo, que resulta em, boa medida, da planificação da operação da capacidade já instalada no sistema, isto é, uma dimensão com impacto na fiabilidade do abastecimento do curto ao médio prazo [-].

- Suficiência: refere-se à existência de suficiente capacidade de produção instalada e/ou prevista para responder aos requisitos da procura no longo prazo.»

A necessidade de estabelecer um mecanismo de garantia de abastecimento prende-se com as características próprias do mercado de eletricidade, algumas já enunciadas, que melhor se evidenciam em texto da REN, cuja nota introdutória se considera útil reproduzir, para melhor compreensão da realidade presente nesta consulta[28]:

«A reestruturação e a liberalização do setor elétrico vieram alterar de forma substancial os processos de decisão, nomeadamente ao nível das decisões de investimento em centrais de produção de energia elétrica, que passaram de processos centralizados de planeamento de longo prazo para processos em que os agentes económicos decidem quando e quanto investir, no quadro de referência das políticas energéticas em vigor.

«O mercado da eletricidade continua, porém, a conter características próprias que condicionam o seu funcionamento e o tornam diferente de muitos outros mercados. Por um lado, a oferta tem de igualar a procura em tempo real, não permitindo a arbitragem intertemporal que a capacidade de armazenamento do produto habitualmente permite noutros mercados. Por outro lado, a procura é, em geral, pouco elástica porque a maioria dos consumidores não estão expostos à evolução dos preços de mercado em tempo real. Apenas os grandes consumidores, que possuem equipamento de medida adequado, e os comercializadores que operam diretamente no mercado estão sujeitos a estes preços, os restantes consumidores pagam tarifas reguladas ou preços estabelecidos pelos seus comercializadores, que não refletem, com a mesma dinâmica, os preços de mercado.

«Num contexto de mercado liberalizado, os incentivos adequados ao investimento em centrais de produção têm sido objeto de debate e controvérsia ainda longe de estar terminada.

«Num mercado puro de energia com preços baseados em custos marginais, e havendo necessidade de garantir em permanência uma reserva de capacidade, o preço que se forma não assegura os encargos totais das centrais de produção, pelo que, só em períodos de escassez de oferta, quando os preços apresentam picos acentuados, inaceitáveis de serem repercutidos nos consumidores, é que os produtores recuperam os seus investimentos na totalidade.

«Estes mercados de curto prazo apresentam preços voláteis e, apesar de a teoria económica demonstrar que o sinal económico transmitido pelos preços que se formam nestes mercados ser adequado e incentivar o investimento atempado em novos recursos, a realidade demonstra que a aversão dos investidores ao risco em setores extremamente capital intensivos, conjugada com a existência de barreiras à entrada de potenciais novos investidores (barreiras administrativas relativas ao licenciamento, por exemplo), ou ainda a imposição regulatória de limites aos preços de mercado, traduz-se, na prática, em investimentos inferiores aos necessários. Ou seja, à volatilidade de preços de mercado do lado da procura, fenómeno característico de curto prazo, corresponde a aversão ao risco dos agentes por investimentos muito elevados e com períodos de retorno também elevados, fenómeno característico do longo prazo.

«Se o mercado fosse essencialmente baseado em contratos de longo prazo estabelecidos diretamente entre consumidores e produtores, haveria menos risco quer para produtores quer para consumidores. Os consumidores teriam preços mais estáveis e os investidores veriam a sua rentabilidade assegurada através destes contratos de longo prazo.

«No entanto, o desenvolvimento dos mercados a prazo não se tem revelado suficiente para assegurar o investimento adequado em novas centrais de produção. A principal razão para este fraco desempenho dos mercados a prazo prende-se com o facto dos consumidores não sentirem necessidade de estabelecer este tipo de contratos, não só por não estarem sujeitos diretamente aos preços dos mercados diários, mas também por terem horizontes temporais de decisão curtos, não compatíveis com a contratação de muito longo prazo.

«Há ainda outros motivos que condicionam a contratação a prazo. Com efeito, dado o elevado número de pequenos consumidores existentes no mercado, os contratos de longo prazo são maioritariamente estabelecidos entre produtores e comercializadores e não diretamente com os consumidores. Ora, num mercado liberalizado, em que se pretende fomentar a concorrência ao nível da comercialização de energia elétrica e no qual os consumidores têm o direito de escolha do seu fornecedor sem barreiras à mudança, os comercializadores, que detêm contratos de longo prazo com os produtores, não conseguem “transferir” as obrigações contratuais que estabeleceram a montante, para os consumidores. De facto, logo que o preço de mercado se torne inferior ao dos contratos a prazo, os consumidores tendem a mudar de fornecedor, deixando o comercializador com uma base menor de clientes para garantir os seus contratos a prazo.

«É neste contexto de mercado da eletricidade, constituído por contratação a prazo (mercado de futuros ou contratação bilateral) e por mercados de curto prazo (diário e intradiário), onde os incentivos ao investimento adequado em novas centrais de produção parecem não surgir “naturalmente”, que se discute a necessidade de estabelecer um mecanismo de garantia de abastecimento.»

Têm sido apontados diversos mecanismos para garantir a segurança de abastecimento, cuja caracterização nos dispensamos de fazer, interessando convocar e examinar o regime legal instituído entre nós. O que se fará de seguida.


III

1. O mecanismo da garantia de potência foi instituído pelo Decreto-
-Lei n.º 264/2007, de 24 de julho, que aditou o artigo 33.º-A ao Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto.


Como se refere no respetivo preâmbulo, «a concorrência no mercado ibérico grossista de produção de eletricidade requer igualdade de condições em ambos os sistemas ibéricos. Assim, torna-se necessário proceder à harmonização do regime de remuneração da garantia de potência, procurando criar incentivos para garantir um adequado grau de cobertura entre procura e oferta e uma adequada disponibilidade dos centros electroprodutores que agora passam a ser operados em regime de mercado».

É o seguinte o teor do artigo 33.º-A, aditado pelo citado Decreto-Lei n.º 264/2007:
«Artigo 33.º-A
Garantia de potência
1 - Com vista a promover a garantia de abastecimento, um adequado grau de cobertura da procura de eletricidade e uma adequada gestão da disponibilidade dos centros electroprodutores é definido, nos termos constantes em portaria do membro do Governo responsável pela área da energia, um mecanismo de atribuição de incentivos à garantia de potência disponibilizada pelos centros electroprodutores ao SEN.
2 - Os encargos associados ao mecanismo de atribuição de incentivos à garantia de potência devem ser suportados por todos os consumidores de energia elétrica, devendo ser repercutidos na tarifa de uso global de sistema ou noutra tarifa aplicável à globalidade dos consumidores de energia elétrica nos termos a definir no Regulamento Tarifário.»

Deste preceito, retira-se a previsão de um mecanismo de atribuição de incentivos à garantia de potência disponibilizada pelos centros electroprodutores ao sistema elétrico nacional (SEN).

A finalidade deste instrumento está bem expressa no n.º 1. Visa-se promover a garantia de abastecimento, um adequado grau de cobertura da procura de eletricidade e uma adequada gestão da disponibilidade dos centros electroprodutores.

Os encargos associados ao mecanismo previsto para atribuição de incentivos à garantia de potência devem ser suportados por todos os consumidores de energia elétrica, devendo ser repercutidos na tarifa de uso global de sistema ou noutra tarifa aplicável à globalidade dos consumidores de energia elétrica nos termos a definir no Regulamento Tarifário.

Por último, é expressamente relegada para portaria do membro do Governo responsável pela área da energia a definição e regulamentação do regime de remuneração dos serviços de garantia de potência.

2. Essa tarefa foi empreendida pela Portaria n.º 765/2010, de 20 de agosto, diploma que, invocando expressamente o citado artigo 33.º-A do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto, visa estabelecer «o regime dos serviços de garantia de potência que os centros electroprodutores em regime ordinário podem prestar ao Sistema Elétrico Nacional (SEN), especificando os termos e condições da sua prestação, as entidades que podem participar na qualidade de prestadoras desses serviços e o respetivo regime de retribuição» (artigo 1.º).

2.1. Como, de novo, se afirma na sua nota preambular, «[a] instituição de instrumentos de incentivo à garantia de potência tem por fundamento essencial, do ponto de vista da política energética, as vantagens decorrentes de se assegurar um adequado grau de cobertura da procura pela oferta de energia elétrica e uma adequada disponibilidade dos centros electroprodutores, visando um nível de garantia de abastecimento de energia elétrica adequado para o Sistema Elétrico Nacional (SEN) numa ótica de médio e de longo prazo.»

Pretende-se ainda, com a entrada em funcionamento do mercado ibérico da eletricidade, «promover um nível apropriado de harmonização desta matéria entre os sistemas elétricos dos dois países ibéricos, de modo a evitar a criação de distorções ao enquadramento da atuação dos respetivos agentes, particularmente no que respeita aos incentivos ao investimento em instalações de produção de energia elétrica e à disponibilidade de capacidade de produção dessa energia».

2.2. A garantia de potência assume as modalidades previstas no artigo 2.º desta Portaria:

- Serviço de disponibilidade;
- Incentivo ao investimento.

2.2.1. De acordo com o disposto no artigo 3.º, n.º 1, deste diploma, o serviço de disponibilidade consiste na colocação à disposição da entidade responsável pela gestão técnica da Rede Nacional de Transporte de Eletricidade (operador do sistema) da disponibilidade de determinada capacidade de produção de um centro electroprodutor em regime ordinário, num horizonte temporal predeterminado igual ou inferior a um ano.

O serviço de disponibilidade é prestado pelas entidades titulares dos centros electroprodutores em regime ordinário, podendo compreender diferentes produtos, incluindo a disponibilidade de potência correspondente às instalações hidráulicas com capacidade de regularização que contribuam para garantir um volume mínimo de reserva nas albufeiras (n.º 2).

A gestão da prestação do serviço de disponibilidade é atribuída ao operador do sistema, o qual deve promover essa gestão tendo em conta as necessidades de disponibilidade de capacidade do SEN a médio prazo e atuando de acordo com critérios de transparência e eficiência (n.º 4).

Conforme dispõe o artigo 5.º, n.º 1, deste diploma, a prestação do serviço de disponibilidade fica sujeita a contratação bilateral entre o operador do sistema e o titular do centro electroprodutor.

E, de acordo com o artigo 6.º, sobre a remuneração do serviço de disponibilidade, «o montante máximo anual destinado a remunerar o serviço de disponibilidade é fixado até 1 de novembro do ano antecedente por despacho do membro do Governo responsável pela área de energia, mediante metodologia de cálculo harmonizada no âmbito do mercado ibérico de eletricidade (MIBEL) (n.º 1).

A gestão da faturação do serviço de disponibilidade é efetuada pelo operador do sistema (n.º 2 do artigo 6.º).

O artigo 7.º versa sobre o não cumprimento do contrato do serviço de disponibilidade, dispondo que:
«Artigo 7.º
Não cumprimento do contrato do serviço de disponibilidade
1 - O procedimento de verificação do cumprimento do contrato para cada tipo de serviço de disponibilidade e de determinação das sanções aplicáveis ao seu não cumprimento é aprovado por despacho do membro do Governo responsável pela área de energia, sob proposta da ERSE.
2 - O não cumprimento de um contrato de prestação de serviço de disponibilidade deve ser comunicado pelo operador do sistema à DGEG, imediatamente após a verificação da situação geradora do não cumprimento.
3 - O não cumprimento da prestação do serviço de disponibilidade por um centro electroprodutor fica sujeito, salvo em caso de força maior, à aplicação de uma penalização proporcional à sua gravidade, podendo ainda ser determinado, por despacho do membro do Governo responsável pela área de energia, o impedimento da candidatura do centro electroprodutor em causa para a prestação daquele serviço durante um máximo de dois períodos anuais imediatamente subsequentes.»

2.2.2. O incentivo ao investimento em capacidade de produção constitui o serviço de garantia de potência implicado nesta consulta. O seu regime encontra-se regulado na secção III da Portaria n.º 765/2010 que examinamos de seguida naquilo que se considera mais relevante para o objeto deste parecer.

A definição deste instrumento consta do artigo 9.º, com o seguinte teor:
«Artigo 9.º
Incentivo ao investimento
O incentivo ao investimento em capacidade de produção de energia elétrica, a longo prazo, consiste no pagamento de um montante em euros por cada megawatt de potência instalada num determinado centro electroprodutor, devido ao respetivo titular pela colocação à disposição do operador do sistema de determinada potência instalada, a partir do momento em que o centro electroprodutor inicia o seu funcionamento industrial.»

O artigo 10.º desta Portaria enuncia quais os centros electroprodutores abrangidos, dispondo que:
«Artigo 10.º
Centros electroprodutores abrangidos
1 - São abrangidos pelo regime de incentivo ao investimento os centros electroprodutores em regime ordinário, localizados no território de Portugal Continental que disponham de uma potência instalada igual ou superior a 50 MW que tenham entrado em funcionamento industrial há menos de 10 anos e que não estejam sujeitos ao regime dos custos de manutenção do equilíbrio contratual estabelecido no Decreto-Lei n.º 240/2004, de 27 de dezembro.
2 - O regime de incentivo ao investimento é igualmente aplicável aos aumentos de capacidade instalada com potência reversível resultantes do reforço de potência de centros electroprodutores hídricos, cuja entrada em funcionamento industrial ocorra após a entrada em vigor da presente portaria, ainda que a entrada em funcionamento das instalações originais tenha ocorrido antes do período previsto no número anterior e mesmo que as instalações originais estejam sujeitas ao regime dos custos de manutenção do equilíbrio contratual estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 240/2004, de 27 de dezembro.
3 - O membro do Governo responsável pela área de energia pode autorizar a aplicação do regime de incentivo ao investimento em relação:

a) A centros electroprodutores em regime ordinário com potência instalada igual ou superior a 50 MW não incluídos nos números anteriores, desde que esses centros electroprodutores tenham sido objeto de ampliações ou de alterações relevantes que requeiram um investimento significativo;
b) A novas instalações de produção de energia elétrica com tecnologias prioritárias para o cumprimento dos objetivos de política energética e de segurança do abastecimento.

4 - Para os efeitos do disposto no número anterior, compete ao membro do Governo responsável pela área de energia fixar, em cada caso, o montante, o prazo e a data a partir da qual o titular do centro electroprodutor beneficia do incentivo ao investimento.»

O artigo 11.º deste diploma versa sobre o montante do incentivo ao investimento, interessando conhecer o seu teor:
«Artigo 11.º
Montante do incentivo ao investimento
1 - O montante anual do incentivo ao investimento aplicável em relação aos centros electroprodutores que não sejam titulares de licença de exploração à data de entrada em vigor da presente portaria é calculado em função do índice de cobertura aplicável ao centro electroprodutor, de acordo com a seguinte fórmula:

Se IC < 1,1; II = 28 000
Se 1,1 ≤ IC; II = 193 000 - 150 000 x IC

em que:

IC é o índice de cobertura;

II é o incentivo anual ao investimento em capacidade de produção a longo prazo, expresso em (euro)/MW, o qual não pode ter valores negativos.

2 - A remuneração dos centros electroprodutores abrangidos pelo regime do incentivo ao investimento deve ser constante e fixada para o período aplicável nos termos do número seguinte, em função do montante anual correspondente ao índice de cobertura estabelecido pela DGEG, nos termos do artigo 14.º, para o ano em que tenha ocorrido a atribuição da licença de produção do centro electroprodutor.
3 - A remuneração correspondente ao incentivo ao investimento para centros electroprodutores que iniciem o seu funcionamento industrial a partir de 1 de janeiro de 2011 é atribuída durante 10 anos, contados a partir da data de início do respetivo funcionamento industrial.
4 - Às instalações que tenham entrado em funcionamento industrial há menos de 10 anos e em data anterior a 1 de janeiro de 2011 é atribuída uma remuneração anual de (euro) 20 000/MW, nos seguintes termos:

a) Para as instalações industriais que tenham entrado em funcionamento industrial após 1 de julho de 2007, por um período de 10 anos a partir de 1 de janeiro de 2011;
b) Para as instalações industriais que tenham entrado em funcionamento industrial em data anterior a 1 de julho de 2007, a partir de 1 de janeiro de 2011 e até 1 de julho de 2017.

5 - O pagamento da remuneração anual correspondente ao incentivo ao investimento é efetuado aos titulares dos centros electroprodutores pelo operador do sistema em prestações iguais e com periodicidade mensal.
6 - Para ter direito a qualquer um dos incentivos ao investimento estabelecidos neste artigo, as instalações deverão ter uma potência média disponível anual nos períodos tarifários de ponta equivalente a 90 % da capacidade contratada ao abrigo do incentivo ao investimento.
7 - A DGEG validará, sob proposta do operador de sistema e depois de ouvida a ERSE, o cálculo da potência média disponível anual, sendo que, para o caso dos centros produtores hídricos, o cálculo deverá ter também em conta a potência disponível, em cada data, em função da cota do aproveitamento.»

Das disposições transcritas, na economia desta consulta cumprirá sublinhar que:

- O incentivo ao investimento se traduz-se no pagamento de um montante em euros por cada megawatt de potência instalada num determinado centro electroprodutor, devido ao respetivo titular pela colocação à disposição do operador do sistema de determinada potência instalada, a partir do momento em que o centro electroprodutor inicia o seu funcionamento industrial.

- O pagamento da remuneração anual correspondente ao incentivo ao investimento é efetuado aos titulares dos centros electroprodutores pelo operador do sistema em prestações iguais e com periodicidade mensal.

- Para ter direito ao incentivo ao investimento estabelecidos neste artigo, as instalações deverão ter uma potência média disponível anual nos períodos tarifários de ponta equivalente a 90 % da capacidade contratada ao abrigo do incentivo ao investimento.

- A Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) validará, sob proposta do operador de sistema e depois de ouvida a ERSE, o cálculo da potência média disponível anual.


De acordo com o disposto no artigo 12.º, n.º 1, da Portaria n.º 765/2010, o direito ao incentivo ao investimento em capacidade de produção de energia elétrica a longo prazo carece de um ato de reconhecimento mediante despacho da DGEG.

Importa recordar ainda que, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 33.º-A do Decreto-Lei n.º 172/2006, os encargos associados ao mecanismo de atribuição de incentivos à garantia de potência, onde se inclui o incentivo ao investimento, devem ser suportados por todos os consumidores de energia elétrica, devendo ser repercutidos na tarifa de uso global de sistema ou noutra tarifa aplicável à globalidade dos consumidores de energia elétrica nos termos a definir no Regulamento Tarifário.

A Portaria n.º 765/2010 também alude ao financiamento dos pagamentos por garantia de potência, estabelecendo que ele será feito de acordo com o previsto no Regulamento Tarifário (artigo 15.º).

Ora, nos termos do disposto no artigo 54.º do Regulamento Tarifário, os custos com o mecanismo de garantia de potência são recuperados na tarifa de Uso Global do Sistema (UGS). Tais custos constituem precisamente uma das parcelas (parcela III) desta tarifa.

3. A Portaria n.º 765/2010 veio a ser revogada pela Portaria n.º 139/2012, de 14 de maio, diploma que «procede à revogação do regime de prestação de serviços de garantia de potência dos centros electroprodutores ao Sistema Elétrico Nacional e do respetivo mecanismo de remuneração, estabelecendo ainda os princípios orientadores da regulamentação do regime de subsidiação substituto» (artigo 1.º).

Como se dá conta no respetivo preâmbulo, a edição da Portaria n.º 139/2012 resultou do compromisso, assumido pelo Estado Português no âmbito do Programa de Assistência Financeira acordado com a União Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu, no sentido «de tomar medidas que limitem os sobrecustos associados à produção de energia elétrica em regime ordinário». A retribuição dos serviços de garantia de potência constitui, segundo se afirma na mesma nota preambular, «uma parcela dos custos de produção elétrica em regime ordinário com impacto direto no consumidor final, dado que é repercutida nas tarifas de acesso às redes, que constituem um dos fatores que compõem o preço final da energia elétrica. A cessação do mecanismo de garantia de potência e a sua reformulação encontram-se especificamente previstas no Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica».

O artigo 2.º deste diploma prevê um conjunto de disposições transitórias, estabelecendo no seu n.º 1 que a revogação do regime de prestação de serviços de garantia de potência dos centros electroprodutores ao SEN e do respetivo mecanismo de remuneração não afeta as remunerações de serviços de garantia de potência prestadas ao abrigo da Portaria n.º 765/2010, de 20 de agosto, cujo pagamento deva ocorrer até 1 de junho de 2012, data da sua entrada em vigor.

O modo e as condições em que serão prestados serviços de garantia de potência por centros electroprodutores em regime ordinário, bem como a subsidiação a esta atividade, serão objeto de regulamentação, que deverá ser publicada no prazo de 45 dias após a data de entrada em vigor da mesma portaria (n.º 2).

4. A Portaria n.º 251/2012, de 20 de agosto, consagra o regime atual de atribuição de incentivos à garantia de potência disponibilizada pelos centros electroprodutores ao Sistema Elétrico Nacional (SEM)

Como se refere no seu preâmbulo, «o incentivo ao investimento destina-se a apoiar a realização no território de Portugal continental de novos investimentos em aproveitamentos hidroelétricos, mais capital-intensivos do que os dos centros electroprodutores térmicos, mediante a atribuição de uma compensação durante os primeiros anos de exploração».

A economia da consulta dispensa a análise do regime de incentivos ao investimento contido na Portaria n.º 251/2012, diploma que, como expressamente se afirma, foi editado ao abrigo do disposto no artigo 33.º-A do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto, com as alterações subsequentemente introduzidas.

Importa, isso sim, convocar as disposições contidas no artigo 19.º desta Portaria, preceito que, inserido no capítulo V, relativo às disposições finais e transitórias, trata da remuneração dos serviços de garantia de potência anteriormente prestados nos seguintes termos:


«Artigo 19.º
Remuneração dos serviços de garantia de potência anteriormente prestados
1 - Aos serviços de garantia de potência prestados ao abrigo da Portaria n.º 765/2010, de 20 de agosto, até à entrada em vigor da Portaria n.º 139/2012, de 14 de maio, é aplicável o regime de remuneração previsto na Portaria n.º 765/2010, de 20 de agosto.
2 - Caso a aplicação do regime de remuneração previsto na Portaria n.º 765/2010, de 20 de agosto, resulte na obrigação de restituição de parte ou totalidade dos montantes recebidos por um centro electroprodutor, este tem o prazo de 45 dias úteis a contar da entrada em vigor da presente portaria para proceder a essa restituição.»

IV
1. O Mercado Ibérico de Eletricidade (MIBEL) constitui uma iniciativa conjunta dos Governos de Portugal e Espanha, visando a construção de um mercado regional de eletricidade[29].

O processo de convergência dos sistemas elétricos português e espanhol foi formalmente iniciado com a celebração do "Protocolo de colaboração entre as Administrações espanhola e portuguesa para a criação do Mercado Ibérico de Eletricidade", assinado em 14 de novembro de 2001. Nesse documento, os dois países estabeleceram as bases necessárias para o início da cooperação entre as diversas entidades com responsabilidades no enquadramento do setor - administrações, reguladores e operadores - tendo em vista a harmonização das condições de participação dos agentes económicos no âmbito do MIBEL.

Nesse Protocolo ficou estabelecido que «Até 31 de março de 2002, as autoridades de regulação dos setores elétricos de Espanha e Portugal deverão apresentar um modelo de organização do Mercado Ibérico de Eletricidade que tenha em conta os objetivos acima mencionados, a legislação comunitária aplicável, a experiência recente de funcionamento dos mercados elétricos em ambos os países e as boas práticas de regulação».

As entidades reguladoras dos dois países ibéricos – a Comisión Nacional de Energia (CNE) e a ERSE – elaboraram o documento designado «Modelo de Organização do Mercado Ibérico de Eletricidade», de março de 2002[30].

De entre os princípios orientadores do modelo de organização e regulação do MIBEL, tem interesse para o objeto do parecer destacar o princípio do gradualismo, segundo o qual «o correto funcionamento de um mercado grossista de eletricidade à escala ibérica, em 1 de janeiro de 2003, não implica a imediata harmonização de todos os aspetos relativos ao setor elétrico – o processo de harmonização pode ser gradual e não necessita de ser completo».

Posteriormente, na XVIII Cimeira Luso-Espanhola, realizada em Valência, em outubro de 2002, ficou decidido o modelo de organização do MIBEL, assente na existência do Operador de Mercado Ibérico (OMI) e foram estabelecidas as principais metas de concretização do MIBEL. As conclusões dessa cimeira permitiam prefigurar a construção do MIBEL como uma abordagem intermédia regional do processo de integração dos mercados nacionais num mercado único europeu, segundo um modelo de construção faseada, assente em três eixos principais:

- Estabelecimento de uma plataforma física de suporte do mercado regional ibérico, apoiada no desenvolvimento das infraestruturas de transporte e na articulação da planificação energética e das redes de transporte;
- Harmonização dos enquadramentos legais e regulatórios das condições económicas de participação no MIBEL e dos procedimentos de operação dos sistemas;
- Harmonização das condições económicas de participação no mercado, através da convergência das metodologias de definição das tarifas, dos custos de transição para a concorrência, das condições de acesso às interligações, do grau de abertura dos mercados e da criação de um Operador de Mercado Ibérico (OMI).

Na XIX Cimeira Luso-Espanhola, realizada na Figueira da Foz, em novembro de 2003, os Ministros da Economia de Portugal e Espanha assinaram um Memorando de Entendimento relativo às condições necessárias para a concretização do MIBEL.

Entre essas condições, foi prevista a assinatura de um Acordo Internacional, o qual formalizaria a criação de um mercado ibérico de eletricidade, marcando o arranque do processo de integração dos sistemas elétricos de Portugal e Espanha.

2. O Acordo entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha para a Constituição de um Mercado Ibérico da Energia Elétrica foi firmado em Lisboa, a 20 de janeiro de 2004[31]. Nele foi definido um programa de integração dos respetivos mercados de eletricidade, em direção a um mercado comum aos dois países. O Acordo consolidou os alicerces da construção desse mercado, traçando as linhas gerais de desenvolvimento do projeto, não só ao nível legislativo e regulamentar, mas também ao nível das próprias soluções operacionais do mercado.

Um dos aspetos mais relevantes deste Acordo foi o reconhecimento recíproco de agentes, ou seja, sendo concedido o estatuto de produtor, comercializador ou outro, por parte de um país, implicaria o reconhecimento automático pelo outro país, conferindo igualdade de direitos e obrigações a esse agente. Para além desta determinação, este Acordo veio também estabelecer as bases do novo mercado[32].

Como fatores de integração do modelo de funcionamento do MIBEL, foram previstos os dois pólos responsáveis pela gestão dos mercados organizados, no período anterior à criação do OMI:

a. O OMEL (pólo espanhol), responsável pela gestão do mercado diário e intradiário;
b. O OMIP (pólo português), responsável pela gestão dos mercados a prazo.

Nos termos deste Acordo, o arranque do MIBEL e o início do funcionamento integrado dos dois pólos do MIBEL deveria ocorrer a 20 de abril de 2004.

No entanto, diversas circunstâncias de caráter político e legal impediram a concretização do projeto de arranque do MIBEL a 20 de abril de 2004, tendo conduzido à decisão, dos dois Governos, de procederem a uma revisão do projeto de constituição do MIBEL, o que veio a ser formalizado com a assinatura de um novo Acordo Internacional.

3. Este Acordo foi firmado em 1 de outubro de 2004, em Santiago de Compostela[33] e substitui o Acordo firmado a 20 de janeiro, introduzindo alguns ajustamentos na organização do MIBEL, nomeadamente:

- Obriga as partes a desenvolver, de forma coordenada, a legislação necessária ao funcionamento de um mercado integrado;
- Consagra o princípio da tendencial harmonização tarifária;
- Estabelece quais as entidades que podem participar no MIBEL;
- Formaliza a constituição de um Operador de Mercado Ibérico único, e as fases que levarão à sua criação;
- Estabelece limites à organização societária dos operadores de mercado, tendo em vista a sua integração;
- Prevê a existência de mecanismos de financiamento dos Operadores de Mercado, nomeadamente por via tarifária, tendo em vista o seu futuro autofinanciamento;
- Define as modalidades de contratação no MIBEL;
- Prevê a adoção de medidas de promoção de liquidez e concorrência no MIBEL;
- Estabelece as competências do Conselho de Reguladores do MIBEL (que integra os reguladores sectoriais dos dois países), do Comité de Agentes de Mercado (que integra representantes de todas as entidades intervenientes no mercado) e do Comité de Gestão Técnica e Económica do MIBEL (que integra os Operadores de Mercado e de Sistema dos dois países);
- Define os mecanismos de regulação, consulta, supervisão e gestão do MIBEL, bem como do regime jurídico relativo a infrações, sanções e jurisdição competente[34].

O objeto deste Acordo está enunciado no seu artigo 1.º nos seguintes termos:
«Artigo 1.º
Objeto
1 - O objeto do presente Acordo é a criação e o desenvolvimento de um mercado de eletricidade comum às Partes, designado «mercado ibérico da energia elétrica», doravante designado «MIBEL», como um marco de um processo de integração dos sistemas elétricos de ambos os países.
2 - O MIBEL é formado pelo conjunto dos mercados organizados e não organizados nos quais se realizam transações ou contratos de energia elétrica e se negoceiam instrumentos financeiros que têm como referência essa mesma energia, bem como por outros que venham a ser acordados pelas Partes.
3 - A criação de um mercado ibérico da energia elétrica implica o reconhecimento de um mercado único da eletricidade por ambas as Partes, no qual todos os agentes terão igualdade de direitos e obrigações.
4 - Ambas as Partes ficam obrigadas a desenvolver e modificar, de forma coordenada, a legislação e regulamentação interna necessária para permitir o funcionamento do MIBEL.
5 - O MIBEL iniciará o seu funcionamento antes de 30 de junho de 2005, com o livre e igual acesso das entidades das duas Partes aos mercados.
6 - Com a celebração do presente Acordo, as Administrações Públicas nacionais de cada uma das Partes comprometem-se a cumprir as obrigações decorrentes da existência de um mercado ibérico da energia elétrica.»

O funcionamento do MIBEL deverá basear-se nos princípios de transparência, livre concorrência, objetividade e liquidez, autofinanciamento e auto-organização dos mercados (artigo 2.º, n.º 1), ficando sujeitas aos direitos e obrigações resultantes da sua criação todas as entidades que atuam no mercado elétrico de ambas as Partes, bem como qualquer outra entidade que, direta ou indiretamente, intervenha no sistema elétrico de cada um dos países, incluindo-se nessas entidades, designadamente, os produtores de energia elétrica, ou seja, as pessoas singulares ou coletivas cuja função é produzir energia elétrica, bem como construir, operar e manter as centrais de produção, tanto para consumo próprio como para consumo de terceiros [artigo 3.º, n.os 1 e 2, alínea a)].

Este Acordo contém uma disposição específica que se relaciona com objeto desta consulta, pois versa sobre a garantia de abastecimento. Trata-se do artigo 15.º que dispõe:
«Artigo 15.º
Garantia de abastecimento
1 - No âmbito do funcionamento do MIBEL, as Partes comprometem-se a atuar segundo o princípio da solidariedade, que deve ser exercido em caso de emergência, nomeadamente quando esteja em causa a garantia do abastecimento energético no espaço do MIBEL.
2 - Sem prejuízo do estabelecido no número anterior, cada uma das Partes poderá, em caso de emergência no seu espaço, tomar as medidas adequadas para garantir o seu abastecimento energético.
3 - Da adoção dessas medidas deverá ser, com a maior brevidade e se possível antes do início da execução das mesmas, informada a autoridade nacional da outra Parte.
4 - A atuação em caso de emergência, que deverá obedecer ao princípio da solidariedade, nos termos do n.º 1, será objeto de protocolos adicionais.»

O Acordo de Santiago de Compostela, reconhecendo as dificuldades e a morosidade da resolução dos obstáculos que impediram o arranque a 20 de abril, bem como a inconveniência de promover o arranque do MIBEL num quadro de instabilidade suscetível de condicionar o seu sucesso, determinou que o arranque do MIBEL se deveria processar até 30 de junho de 2005.

Não obstante o compromisso assumido, dificuldades várias ligadas a fatores do foro político e legal[35] não ultrapassadas não permitiram o arranque oficial do MIBEL no prazo previsto.

4. Em 24 e 25 de novembro de 2006, aquando da realização da XXII Cimeira Luso-Espanhola em Badajoz, os Governos de Portugal e Espanha reafirmaram o seu empenho no aprofundamento do Mercado Ibérico de Eletricidade (MIBEL), no seu alargamento ao Mercado Ibérico do Gás Natural (MIBGAS) e na criação de um acordo que permita a realização das reservas petrolíferas e de gás natural no espaço ibérico.

Os dois Governos decidiram solicitar aos Diretores Gerais de Energia um plano de compatibilização regulatória a apresentar até 28 de fevereiro de 2007, que deveria incluir para os distribuidores ou comercializadores de último recurso de ambos os países um modelo comum de contratação de energia, à vista e a prazo, a realizar no âmbito do OMI – Operador de Mercado Ibérico.

Os Governos de Portugal e Espanha decidiram ainda, designadamente, solicitar ao Conselho de Reguladores uma revisão da proposta de mecanismo de interligações e uma proposta de mecanismo para garantia de potência, no respeito pelas especificidades próprias de cada país, a apresentar até 31 de maio de 2007.

No sentido de aprofundar o MIBEL e em linha com o Acordo de Santiago de Compostela e as decisões da Cimeira Ibérica de Badajoz, os Governos de Portugal e de Espanha estabeleceram, em 8 de março de 2007, um plano de compatibilização regulatória baseado em seis iniciativas nucleares.

Uma dessas iniciativas respeita ao objeto deste parecer:

«A harmonização dos mecanismos de garantia de potência tendo em consideração as especificidades de cada sistema a implementar até julho de 2007» (frisado nosso).

5. Finalmente, cumpre dar conta do Acordo Que Revê o Acordo entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha Relativo à Constituição de um Mercado Ibérico de Energia Elétrica, assinado em Braga em 18 de janeiro de 2008[36].

Este Acordo introduz algumas modificações ao Acordo de 1 de outubro de 2004, assinado em Santiago de Compostela, cumprindo fazer referência à nova redação dada ao artigo 9.º que passa a versar sobre a «Harmonização normativa» ao nível das tarifas mas não só.

Nos termos do n.º 7 dessa disposição, na nova redação:

«7 – As Partes comprometem-se a conseguir gradualmente a harmonização no que se refere a serviços de interruptibilidade e compensação de energia reativa, assim como a pagamentos por capacidade» (frisado nosso).

O Conselho de Reguladores do MIBEL elaborou e apresentou em maio de 2007 a sua Proposta sobre um «Mecanismo de Garantia de Abastecimento», documento oportunamente já citado a propósito da caracterização dos instrumentos de garantia de potência[37].

6. Como refere PEDRO GONÇALVES, o MIBEL, em conformidade com o disposto no Acordo de outubro de 2004 – Acordo de Santiago de Compostela – «é formado pelo conjunto dos mercados organizados e não organizados [[38]] nos quais se realizam transações ou contratos de energia elétrica e se negoceiam instrumentos financeiros. Uma das coordenadas decisivas do Acordo, conexa com o sentido da instituição de um mercado único de eletricidade nos dois Países, assenta na afirmação da igualdade de direitos e obrigações de todos os agentes intervenientes e da livre concorrência entre as entidades do MIBEL»[39].

A harmonização do setor elétrico de Portugal e de Espanha, constitui um objetivo programático assumido nos acordos celebrados aos quais estão vinculados. No entanto, é notório que os setores elétricos dos dois países ibéricos apresentam diferenças significativas entre si, desde logo ao nível das fontes de produção de energia elétrica, sendo bem diversa a dimensão dos mercados e do consumo de cada país.

Daí que um dos princípios orientadores do modelo de organização e regulação do MIBEL adotado, tenha sido precisamente o princípio do gradualismo para o mercado grossista de eletricidade, segundo o qual o seu funcionamento não implica a imediata harmonização de todos os aspetos relativos ao setor elétrico. O processo de harmonização pode ser gradual e não necessita de ser completo. Trata-se de um processo em desenvolvimento e, portanto, não encerrado.

Relativamente ao tema que nos ocupa – instrumentos de garantia de potência – já foi referenciada a solicitação dos Governos de Portugal e Espanha ao Conselho de Reguladores do MIBEL no sentido da apresentação de uma proposta de um mecanismo de garantia de potência que contemplasse as especificidade próprias dos sistemas elétricos de cada país. Ou seja, em plena vigência do Acordo de Santiago de Compostela, os Países outorgantes convocam as especificidades próprias dos sistemas elétricos de cada um para a definição de um mecanismo de garantia de potência, onde se incluem, recorda-se, os incentivos ao investimento.

O princípio do gradualismo quanto à implementação de instrumentos de garantia de potência encontra-se expressamente consagrado no artigo 9.º do Acordo celebrado em Santiago de Compostela, na redação que lhe foi conferida pelo Acordo assinado em Braga em 18 de janeiro de 2008. Recorde-se que, nos termos do n.º 7 dessa disposição, os Estados signatários (Portugal e Espanha) comprometem-se a conseguir gradualmente a harmonização no que se refere a serviços de interruptibilidade e compensação de energia reativa, assim como a pagamentos por capacidade.

Como, a este propósito, refere VITOR SANTOS, «[o] desenvolvimento e aprofundamento do MIBEL constitui um processo gradual e continuado que integra, quer a visão política e regulatória, quer a visão dos vários interessados no setor elétrico, em particular os consumidores e a indústria. A integração das várias visões e perspetivas é efetuada, quase sempre, através da utilização privilegiada de processos transparentes de consulta pública», sublinhando ainda que «[o] processo de harmonização e construção do MIBEL tem sido desenvolvido de forma gradual e por mútuo acordo entre Espanha e Portugal, estando subjacente uma contribuição ativa de ambos os países na construção do Mercado Interno de Energia (MIE)»[40].

V

1. Expostos os elementos que se reputam de maior relevo para o exame das questões suscitadas nesta consulta, é tempo de tratar da invocada ilegalidade ou inconstitucionalidade da norma do artigo 11.º, n.º 6, da Portaria n.º 765/2010, de 20 de agosto, e em consequência a norma do artigo 19.º da Portaria n.º 251/2012, de 20 de agosto, por, alegadamente, «introduzirem inovações relevantes em matéria de poder sancionatório pela Administração não previstas nem contempladas no artigo 33.º-A do Decreto-
-Lei n.º 172/2006, ou em qualquer outra norma legal, padecendo ainda de inconstitucionalidade orgânica e formal por extravasarem do âmbito de normação próprio dos regulamentos, fixado no artigo 112.º, n.º 7, da Constituição» e ainda por porque «o artigo 11.º, n.º 6, da Portaria n.º 765/2010 não especifica os critérios do cálculo da “potência média disponível anual nos períodos tarifários de ponta”, a que se refere essa mesma disposição (…), sendo certo que está em causa a definição de pressupostos do exercício de um poder sancionatório».


2. O princípio da legalidade deixou de ter «uma formulação unicamente negativa (como no período do Estado Liberal), para passar a ter uma formulação positiva, constituindo o fundamento, o critério e o limite de toda a atuação administrativa»[41]. A subordinação jurídica traduzida pelo princípio da legalidade significa que a atuação da Administração não pode contrariar o direito vigente – preferência de lei – exigindo-se ainda que tenha fundamento numa norma jurídica – precedência de lei.

Vejamos, pois, se se verifica a invocada desconformidade com a Constituição e com a lei do artigo11.º, n.º 6, da Portaria n.º 765/2010, de 20 de agosto – disposição normativa editada pelo Governo, enquanto órgão superior da administração pública, atuando um poder regulamentar que lhe compete no exercício da função administrativa [artigos 182.º e 199.º, alínea c), da Constituição da República].

Como se refere em parecer deste corpo consultivo[42], «o fundamento jurídico do poder regulamentar externo assenta na lei». E, citando, a este propósito, AFONSO QUEIRÓ:

«O poder regulamentar é um poder público - e não há poder público que não seja o poder supremo (a Constituição ou a lei) ou que não se baseie no poder supremo. A lei constitucional ou ordinária é o poder ou a fonte de todos os poderes. O poder regulamentar, como poder público, não pode, pois, deixar de ter o seu fundamento jurídico na lei (constitucional ou comum), expressa ou implicitamente»[43].

O princípio da primariedade ou precedência da lei relativamente à atividade regulamentar encontra afirmação no n.º 7 do artigo 112.º da Constituição da República que dispõe:

«7 – Os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjetiva e objetiva para a sua emissão.»

Comentando o texto constitucional, escrevem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA:

«O princípio da primariedade ou precedência da lei é claramente afirmado no n.º 7 [do artigo 112.º], onde se estabelece: (a) a precedência da lei relativamente a toda a atividade regulamentar; (b) o dever de citação da lei habilitante por parte de todos os regulamentos. Esta dupla exigência torna ilegítimos, não só os regulamentos carecidos de habilitação legal, mas também os regulamentos que, embora com provável fundamento legal, não individualizam expressamente este fundamento»[44].

Devendo todos os regulamentos mencionar as leis que os legitimam, a falta dessa menção traduz a ausência de um elemento constitucionalmente necessário, pelo que tais regulamentos padecem de inconstitucionalidade formal.

Constituindo os regulamentos normas emanadas do exercício da função administrativa, nunca é demais sublinhar, pela sua particular relevância, o princípio da legalidade administrativa que se analisa nas suas duas dimensões fundamentais: o princípio da primazia, ou da prevalência da lei e o princípio da reserva legal, significando o primeiro que os atos da administração (de qualquer uma das administrações públicas) não podem contrariar as leis e o segundo que esses atos têm de se fundar em lei [45].

Os regulamentos, como salienta MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, «são sempre desenvolvimento ou execução de uma norma anterior, a lei» constituindo, portanto, «normas derivadas ou secundárias em relação a uma disciplina privada que é a disciplina legal»[46].

Assim, ocorre a ilegalidade não só dos regulamentos emitidos sem habilitação legal, como também dos que, legalmente habilitados, não indiquem expressamente a sede legal da habilitação.

«A conexão entre a lei e o regulamento envolve a delimitação entre reserva de lei horizontal e reserva de lei vertical, definindo-se ali as matérias que, segundo os preceitos constitucionais, devem ser objeto de regulamentação através de atos com força e valor da lei, e aqui o critério densificador do princípio da primariedade ou precedência de lei em relação à atividade regulamentar.

A imposição legal de expressa referência à lei que visam regulamentar exprime o caráter instrumental do poder regulamentar e os limites estritos do seu exercício [[47]].

Com efeito, as fontes legislativas, situando-se fora da Administração, assumem-se como limite externo à sua atividade regulamentar.

Além disso, certas regras emanadas da própria Administração, em conformidade com o respetivo grau de solenidade ou de hierarquia dos órgãos emitentes, são suscetíveis de se assumir como limite interno à sua atividade regulamentar.

Conflituando as normas regulamentares de execução com a lei ordinária, resolver-se-á o conflito à luz do critério da prevalência desta, por constituir o fundamento natural daquelas [[48]].

A natureza do vício suscetível de afetar os regulamentos depende do tipo de requisito formal ou substancial violado, sendo configurável a ineficácia e a invalidade [[49]].

A ineficácia decorre, por exemplo, de omissão de publicação dos regulamentos do Governo no Diário da República (artigo [119.º], nº 1, alínea h), e n.º 2, da CPR).

Qualquer outro tipo de violação dos requisitos formais ou materiais relativos aos regulamentos gera a sua invalidade por ilegalidade lato sensu, que pode traduzir-se em inconstitucionalidade se ocorrer a violação de preceitos constitucionais, ou em ilegalidade stricto sensu se a violação for de normas de lei ordinária»[50].

3. No que concerne à dependência dos regulamentos em relação à lei, a doutrina distingue os regulamentos complementares ou de execução e os regulamentos independentes ou autónomos.

Os regulamentos complementares ou de execução «desenvolvem ou aprofundam a disciplina jurídica constante de uma lei. E, nessa medida, completam-na, viabilizando a sua aplicação aos casos concretos[51], sendo, como já se afirmou, ilegais os que contrariem o disposto na lei que desenvolvem ou executam, já que a lei prevalece sobre os regulamentos, sendo ainda insuscetíveis de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, revogar ou suspender qualquer preceito de lei, bem como alargar ou reduzir o seu âmbito - artigo 112.º, n.º 5, 2.ª parte, da Constituição.

Os regulamentos independentes ou autónomos são aqueles que os órgãos da Administração Pública elaboram com vista à realização das suas próprias atribuições.

4. Como já foi dito, o Decreto-Lei n.º 264/2007, de 24 de julho, veio a instituir um mecanismo de garantia de potência com o aditamento do artigo 33.º-A ao Decreto-Lei n.º 172/2006.

Tal preceito estabelece os elementos que se reputam essenciais para a definição desse mecanismo. Assim, pretende-se (a) a definição de um mecanismo que possibilite «promover a garantia de abastecimento, um adequado grau de cobertura da procura de eletricidade e uma adequada gestão da disponibilidade dos centros electroprodutores»; (b) os destinatários ou beneficiários desse instrumento serão os centros electroprodutores em regime ordinário; (c) os encargos associados ao mecanismo de remuneração de garantia de potência deverão ser suportados por todos os consumidores de energia elétrica, sendo repercutidos na tarifa de uso global do sistema ou noutra tarifa aplicável; (d) a definição concreta do mecanismo de remuneração de garantia de potência é expressamente relegada para portaria do membro do Governo responsável pela área da energia.

A Portaria n.º 765/2010, de 20 de agosto, veio dar execução à previsão legal do citado artigo 33.º-A, preceito que expressamente invoca.

A imposição legal de expressa referência à lei que visa a citada Portaria visa regulamentar encontra-se, pois, cumprida, respeitando-se, neste aspeto, o n.º 7 do artigo 112.º da Lei Fundamental.

5. Consideramos também que a regulamentação do regime dos serviços de garantia de potência operada pela Portaria n.º 765/2010 não extravasa o âmbito de normação próprio dos regulamentos, fixado no artigo 112.º, n.º 7, da Constituição.

Tendo presente a classificação dos regulamentos em função da sua dependência à lei há pouco efetuada, a Portaria n.º 760/2010 pode bem integrar-se na categoria dos regulamentos de execução ou complementares.

Por seu lado, parece-nos que o artigo 33.-A do Decreto-Lei n.º 172/2006 revela características associadas à figura jurídica do reenvio normativo (remissão normativa) na medida em que remete para a Administração a edição de normas regulamentares da disciplina, que nos seus traços essenciais, ele estabelece.

Como o Conselho Consultivo tem, por diversas vezes, ponderado, o preceito do n.º 5 do artigo 112.º da Constituição não proíbe os chamados reenvios normativos (ou remissões normativas), designadamente, como se disse, nos casos em que a lei remete para a Administração a edição de normas regulamentares executivas ou complementares da disciplina por ela estabelecida. Através deste reenvio normativo, a lei prossegue não só o objetivo de autorização ou habilitação da Administração para editar regulamentos (função habilitante), mas também o de execução ou complementação material da normação legal (função normativa).

A lei de remissão (ou de reenvio) é uma lei de regulação (ou disciplina) material - só que incompleta, posto que, só com a norma remitida, consubstancia a totalidade da regulação material[52].

6. Reafirmando princípio já enunciado, o regulamento de execução, tendo em conta a sua função instrumental de concretizar ou pormenorizar a lei em que se funda, terá de ser considerado ilegal sempre que nele se contenha qualquer norma contra ou praeter legem, isto é, cujo conteúdo disponha em contrário ou para além da disciplina legislativa [53].

No caso que nos ocupa, tendo presente a assinalada remissão normativa operada no artigo 33.º-A do Decreto-Lei n.º 172/2006, entendemos que a regulamentação do regime dos serviços de garantia de potência constante da Portaria n.º 765/2010 não incide sobre matéria da competência legislativa reservada da Assembleia da República e não extravasa o âmbito de normação próprio dos regulamentos, fixado no artigo 112.º, n.º 7, da Constituição.

7. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 33.º-C do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto, o membro do Governo responsável pela área da energia fixa, mediante portaria, os termos e procedimentos a observar na verificação da disponibilidade dos centros electroprodutores, sempre que seja um fator considerado no cálculo da remuneração, subsidiação ou comparticipação de custos dos centros electroprodutores. A disponibilidade é considerada, nomeadamente, no cálculo dos incentivos à garantia de potência, como se prevê no n.º 2 do mesmo preceito.

A portaria a que se alude foi recentemente publicada. Trata-se da Portaria n.º 172/2013, de 3 de maio, diploma que, nos termos do seu artigo 1.º «estabelece o regime de verificação da disponibilidade dos centros electroprodutores».

Conforme consta do processo:

«Os dados utilizados para determinar a potência média disponível nos períodos tarifários de ponta de cada um dos grupos da central são os das respetivas declarações de disponibilidade, oportunamente fornecidos pelo Operador da central de Lares à REN, no âmbito da sua função de gestão técnica global do SEN. São, portanto, dados perfeitamente conhecidos do Operador da central.
Esses dados consideram todos os períodos em que a potência de cada um dos grupos tenha estado parcial ou totalmente indisponível, tal como impõe o disposto no […] n.º 6 do artigo 11.º da Portaria n.º 765/2010, de 20 de agosto, em que o patamar dos 90% estabelece o nível mínimo de eficácia operacional de cada grupo no que respeita à disponibilização ao sistema de capacidade de produção».

O facto de não se especificarem no n.º 6 do artigo 11.º da Portaria n.º 765/2010 todos os critérios de cálculo da potência média disponível anual nos períodos tarifários de ponta não determina a ilegalidade dos atos administrativos que ordenam a restituição dos montantes pagos a título de incentivos ao investimento, por alegada violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição, e no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo.

Para além de não estar aqui em causa o exercício de um poder sancionatório cujos pressupostos devessem ser definidos, tópico que se examinará no capítulo seguinte, o certo é que o artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 172/2006[54] consagra um conjunto de deveres dos electroprodutores titulares de licença de produção, designadamente (a) enviar à DGEG e à ERSE os dados informativos referentes ao funcionamento e à exploração do centro electroprodutor; (b) permitir e facilitar o acesso das entidades fiscalizadoras às suas instalações, facultando-lhes as informações e os dados necessários ao exercício da sua atividade de fiscalização; (c) permitir e facilitar o acesso às suas instalações para efeitos da verificação da disponibilidade do centro electroprodutor, ao abrigo do disposto no artigo 33.º-C [n.º 1, alíneas i), k), l)].

Se bem vemos, a determinação da disponibilidade média anual nos períodos tarifários de ponta, períodos que se encontram definidos no artigo 27.º do Regulamento Tarifário do Setor Elétrico, assenta sobre registos materiais e técnicos controlados pelos electroprodutores e verificáveis pelo operador do sistema, sujeitos ainda aos poderes de fiscalização técnica da DGEG (cfr. artigo 31.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 172/2006) e aos poderes regulatórios que competem à ERSE[55].

VI

1. Afirma-se que as normas dos artigos 11.º, n.º 6, da Portaria n.º 765/2010, de 20 de agosto, e 19.º da Portaria n.º 251/2012, também de 20 de agosto, são ilegais por introduzirem inovações relevantes em matéria de poder sancionatório pela Administração não previstas nem contempladas no artigo 33.º-A do Decreto-Lei n.º 172/2006, ou em qualquer outra norma legal, padecendo ainda de inconstitucionalidade formal por extravasarem do âmbito de normação próprio dos regulamentos, fixado no artigo 112.º, n.º 7, da Constituição».

Recorde-se que o artigo 11.º, n.º 5, da Portaria n.º 765/2010 estabelece que o pagamento da remuneração anual correspondente ao incentivo ao investimento é efetuado aos titulares dos centros electroprodutores pelo operador do sistema em prestações iguais e com periodicidade mensal.

E o n.º 6 do mesmo diploma determina que:

«6 - Para ter direito a qualquer um dos incentivos ao investimento estabelecidos neste artigo, as instalações deverão ter uma potência média disponível anual nos períodos tarifários de ponta equivalente a 90 % da capacidade contratada ao abrigo do incentivo ao investimento.»

A não verificação da potência média disponível anual equivalente à percentagem exigida implica a restituição dos montantes que foram pagos mensalmente a título de incentivo ao investimento ao centro electroprodutor.

Assumirá a disposição transcrita natureza sancionatória? Assumirá natureza sancionatória o ato administrativo que ordene a restituição dos montantes que foram sendo pagos mensalmente em caso de não verificação da potência média disponível anual estabelecida no citado n.º 6 do artigo 11.º da Portaria n.º 765/2010?

2. Colhendo a definição proposta por L. CARVALHO FERNANDES, dir-se-á que, «[e]m termos gerais, pode definir-se sanção como toda a consequência desfavorável imposta pelo Direito no caso de violação de uma norma jurídica. A sanção constitui, assim, uma reação da ordem jurídica face a comportamentos que se não conformam com o modelo definido pelas suas normas e que, como tal, constituem uma infração a um dever (tomada esta palavra em sentido muito amplo) por ela imposto. Deste modo a sanção surge como uma consequência imediata da imperatividade da norma, no sentido de que, se os deveres por ela definidos se destinam a ser observados, é natural que a sua inobservância acarrete uma consequência desfavorável para o violador»[56].

Uma vez que nos encontramos no domínio da atividade administrativa, há que convocar, no que se afigura de essencial para o objeto do parecer e tendo presente a urgência do mesmo, o regime sancionatório administrativo.

Como refere DIOGO FREITAS DO AMARAL, «os “atos punitivos” são aqueles que impõem a alguém – indivíduo ou pessoa coletiva – uma sanção de caráter administrativo». Para o mesmo autor, «sempre o poder executivo foi considerado (…) como sendo titular de um “poder sancionatório administrativo”, que se caracteriza por: (a) pertencer à Administração Pública; (b) ser exercido por meio de sanções aplicadas por ato administrativo; (c) ser atuado através de um procedimento administrativo; (d) ter objeto o castigo de ilícitos menos graves do que os crimes, e ter por efeito a aplicação de sanções menos severas do que as penas criminais estabelecidas no Código Penal; e, enfim, (e) ser um poder administrativo submetido ao controlo jurisdicional dos tribunais»[57]:

Quanto às espécies de sanções administrativas, referencia o mesmo autor as sanções disciplinares internas e externas, as sanções administrativas institucionais e corporativas, as sanções administrativas municipais, as sanções administrativas previstas no chamado direito de mera ordenação social.

«Em todos estes casos – e outros haverá porventura, além dos referidos –, estamos em presença de comportamentos ilícitos de particulares que violam normas do Direito Administrativo (geral ou especial), e por isso ficam sujeitos ao poder sancionatório da Administração Pública»[58].

MARCELO MADUREIRA PRATES referencia também o caráter punitivo da sanção administrativa ao defini-la como «a medida punitiva prevista em ato normativo, que pode ser aplicada diretamente pela Administração no âmbito das suas relações jurídicas gerais, a quem, sem justificação, deixe de cumprir um dever administrativo certo e determinado normativamente imposto»[59].

Para este autor, a opção pela expressão medida punitiva visa precisamente «deixar claro que a sanção administrativa é pena, é castigo, no sentido de representar uma privação imposta por uma autoridade sancionadora a todo aquele que é responsável pela prática de um ilícito no domínio administrativo»[60].

Uma medida administrativa inclui-se no direito sancionatório quando esteja pressuposta a censurabilidade da conduta que está na base da sua aplicação. Nesta situação, a sanção constitui uma reação à violação do direito, à prática de um ato ilícito e censurável[61].

3. A Portaria n.º 765/2010 prevê duas modalidades de serviços de garantia de potência a prestar pelos centros electroprodutores ao sistema elétrico nacional (SEN): o serviço de disponibilidade e o incentivo ao investimento (artigo 2.º).

Cada um desses mecanismos obedece a regras próprias e específicas.

3.1. Assim, o serviço de disponibilidade assenta em um contrato firmado entre o operador do sistema e o titular do centro electroprodutor em regime ordinário nos termos do qual este se compromete a colocar à disposição daquela entidade (operador do sistema) da disponibilidade de determinada capacidade de produção, conforme artigos 3.º, n.º 1, e 5.º, n.º 1, da Portaria n.º 765/2010.

Nos termos do artigo 7.º do mesmo diploma, o não cumprimento desse contrato, ou seja, o incumprimento da prestação do serviço de disponibilidade por um centro electroprodutor, sujeita o seu titular a uma penalização proporcional à sua gravidade.

Nesta situação, prevê-se a aplicação de uma sanção precisamente porque se evidencia um incumprimento de um compromisso contratualmente assumido. A sanção a aplicar constitui a resposta e a censura à ilicitude em que o incumprimento se traduz.

Tendo em conta a natureza sancionatória aqui evidenciada, faz todo o sentido que se convoque a regra da proporcionalidade, aliás, expressamente consagrada no n.º 3 do citado artigo 7.º.

Na verdade, sendo certo que o princípio da proporcionalidade se aplica em todas as relações da Administração com os particulares, nos termos dos artigos 266.º, n.º 2, da Constituição e 5.º do Código do Procedimento Administrativo, ele assume uma particular relevância no âmbito do direito sancionatório, na determinação da medida da sanção aplicável.

3.2. O incentivo ao investimento (incentivo à disponibilidade) em capacidade de produção de energia elétrica, a longo prazo, consiste, conforme estabelece o artigo 9.º da Portaria n.º 765/2010, no pagamento de um montante em euros por cada megawatt de potência instalada num, determinado centro electroprodutor.

O pagamento é devido ao titular desse centro electroprodutor pela colocação à disposição do operador do sistema de determinada potência instalada.

Nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 11.º da citada Portaria, o pagamento dessa remuneração é anual, sendo, no entanto, efetuado aos titulares dos centros electroprodutores abrangidos em prestações iguais e com periodicidade mensal. Ou seja, prevê-se que o titular do centro electroprodutor receba antecipadamente a remuneração devida anualmente, em prestações mensais.

No entanto, o n.º 6 do citado artigo 11.º consagra uma regra que importa reter, tal o relevo que assume. O direito aos incentivos ao investimento somente se constitui se as instalações tiverem uma potência média disponível anual nos períodos tarifários de ponta equivalente a 90% da capacidade contratada, devendo reter-se que os «períodos tarifários de ponta» se encontram identificados no artigo 27.º do Regulamento Tarifário do Setor Elétrico[62].

O surgimento do direito ao incentivo encontra-se, assim, como que sujeito à verificação de uma condição suspensiva (cfr. artigo 270.º do Código Civil), aqui constituída pela verificação daquele limiar mínimo de 90% de disponibilidade média anual.

Só depois de validado o cálculo da potência média disponível anual pela DGEG, sob proposta do operador do sistema, nos termos do artigo 11.º, n.º 7, se determinará se foi atingido o limiar de 90% exigido no n.º 6 do mesmo preceito.

A obtenção de uma disponibilidade média anual de 90% revela características associadas à figura jurídica do ónus, entendido como o «comportamento necessário para o exercício de um direito ou realização de um interesse próprio». Como refere ANA PRATA, trata-se de «figura distinta do dever, porque o comportamento não é aqui obrigatoriamente imposto por lei: está na disponibilidade da pessoa realizá-lo ou não, sabendo tão-somente que a sua realização é condição necessária para o exercício de um seu direito, para a obtenção de uma vantagem, para a realização de um seu interesse ou para evitar uma desvantagem (que não é, em qualquer caso, uma sanção)»[63].

Como se alega na resposta ao recurso hierárquico, «no incentivo ao investimento, a disponibilidade média anual de 90% constitui um ónus do produtor, que, ou o preenche e tem direito ao incentivo, ou não o preenche e, portanto, não tem direito ao incentivo».

4. Das considerações produzidas, podemos concluir que o ato administrativo que determina a restituição pelo titular do centro electroprodutor dos montantes dos incentivos ao investimento pagos mensalmente, quando se constata que não foi atingido o limiar de 90% de disponibilidade média anual, não assume natureza sancionatória.

A ordem de restituição não se configura como sanção aplicável à prática de qualquer infração pelo titular do centro electroprodutor ou à prática, pelo mesmo, de qualquer ato de incumprimento que mereça ser juridicamente censurado.

Cumprirá sublinhar que «[o] produtor não tem nenhuma obrigação, à luz do regime deste incentivo ao investimento, a ter ou manter a central dentro de um limiar médio anual de disponibilidade de, pelo menos 90% (ou 100%, ou 50%, ou outro), nem a restituição resulta do incumprimento desta obrigação ou de qualquer outra obrigação ou dever que esteja sancionado com tal restituição»[64].

A ordem de restituição deve-se, simplesmente, à circunstância de o regime definido na Portaria n.º 765/2010 consagrar o pagamento antecipado do incentivo ao investimento durante todos os meses do ano a que respeita, sendo certo que o apuramento da disponibilidade média anual, que é a que releva para a constituição do direito ao incentivo, só pode ser realizado no final desse período temporal.

Se um centro electroprodutor de energia elétrica não atinge o valor mínimo de potência média disponível anual exigido no citado artigo 11.º, n.º 6, da Portaria n.º 765/2010, o seu titular não adquire o direito ao incentivo ao investimento. Consequentemente, os montantes que (antecipadamente) tenha recebido mensalmente, a esse título, deverão ser objeto de restituição sob pena de injusto locupletamento ou de enriquecimento sem causa (cfr. artigo 473.º do Código Civil).

Nesta perspetiva, o ato que ordena ao produtor a restituição da totalidade dos montantes que lhe foram adiantados a título de incentivos ao investimento, verificados os respetivos pressupostos, configura-se como ato vinculado, não havendo lugar à convocação de quaisquer critérios de discricionariedade, não fazendo ainda sentido o apelo à regra da proporcionalidade própria do direito sancionatório administrativo.

As normas contidas nos artigos 11.º, n.º 6, da Portaria n.º 765/2010 e 19.º da Portaria n.º 251/2012 não contemplam estatuições em matéria sancionatória no âmbito do regime dos incentivos ao investimento, não se verificando o vício da ilegalidade por desconformidade com a norma habilitante contida no artigo 33.º-A do Decreto-Lei n.º 172/2006 ou decorrente da violação de qualquer outra norma legal.

5. Invoca-se ainda a inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 11.º, n.º 6, da Portaria n.º 765/2010 e 19.º da Portaria n.º 251/2012, tal como a Administração (DGEG) as interpreta e aplica, ao determinar a «restituição da totalidade do incentivo ao investimento sem considerar a gravidade do incumprimento assacado» ao titular do centro electroprodutor, sentido que se considera «contrário ao princípio da proporcionalidade, ínsito na ideia de Estado de Direito consagrado no artigo 2.º da Constituição».

A alegação da violação do princípio da proporcionalidade assenta na ideia de que «[está] em causa a aplicação de uma sanção administrativa». Perante essa perspetiva, alega-se não ser «admissível, à luz do princípio constitucional da proporcionalidade, a determinação de que o incumprimento do pressuposto do incentivo ao investimento, fixado no artigo 11.º, n.º 6, da Portaria n.º 765/2010, conduza automaticamente à devolução da totalidade do montante recebido a esse propósito, sem estabelecer qualquer relação entre a gravidade do incumprimento e o montante da restituição a efetuar».

Nenhum ato, seja legislativo, regulamentar, administrativo, judicial está imune ao princípio da proporcionalidade já que este assume a natureza de princípio geral de direito.

Encontrando-se disperso por vários preceitos constitucionais, o princípio da proporcionalidade está implícito no princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2.º da Lei Fundamental.

No que particularmente releva para a economia do parecer, há que convocar o artigo 266.º, n.º 2, da Constituição, onde este princípio está enunciado, como «princípio material informador e conformador da atividade administrativa»[65], e no artigo 5.º do Código do Procedimento Administrativo.

Como pondera DIOGO FREITAS DO AMARAL, «está fortemente ancorada a ideia de que, num Estado de Direito democrático, as decisões ou medidas tomadas pelos poderes públicos não devem exceder o estritamente necessário para a realização do interesse público». O princípio da proporcionalidade é, para este autor, «o princípio segundo o qual a limitação de bens ou interesses privados por atos dos poderes públicos deve ser adequada e necessária aos fins concretos que tais atos prosseguem, bem como tolerável quando confrontada com aqueles fins»[66].

Constituindo padrão de toda a atividade administrativa, a Administração – salientam J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA – «deve prosseguir os fins legais, os interesses públicos, primários e secundários, segundo o princípio da justa medida, adotando, dentre as medidas necessárias e adequadas para atingir esses fins e prosseguir esses interesses, aquelas que impliquem menos gravames, sacrifícios ou perturbações à posição jurídica dos administrados»[67].

O princípio, na definição apontada, desdobra-se em três dimensões essenciais: adequação, necessidade e razoabilidade (proporcionalidade em sentido restrito).

Segundo MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS:

«A adequação proíbe a adoção de condutas administrativas inaptas para a prossecução do fim que concretamente visam atingir.
A necessidade proíbe a adoção de condutas administrativas que não sejam indispensáveis para a prossecução do fim que concretamente visam atingir (impondo, portanto, que, de entre diversos meios igualmente adequados, seja escolhido o menos lesivo para os interesses públicos e/ou privados envolvidos).
A razoabilidade proíbe que os custos da atuação administrativa escolhida como meio de prosseguir um determinado fim sejam manifestamente superiores aos benefícios que sejam de esperar da sua utilização»[68].

Estas exigências em que o princípio da proporcionalidade, em sentido lato, se desdobra têm, naturalmente, sido assinaladas pelo Tribunal Constitucional. Como se refere no acórdão n.º 634/93, citado no acórdão n.º 187/01[69], invocando a doutrina:

«"O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adotar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos)."»

Como também se lê no acórdão do mesmo Tribunal n.º 484/00, citando doutrina nacional:

«O princípio do excesso [ou princípio da proporcionalidade] aplica-se a todas as espécies de atos dos poderes públicos. Vincula o legislador, a administração e a jurisdição. Observar-se-á apenas que o controlo judicial baseado no princípio da proporcionalidade não tem extensão e intensidade semelhantes consoante se trate de atos legislativos, de atos da administração ou de atos de jurisdição. Ao legislador (e, eventualmente, a certas entidades com competência regulamentar) é reconhecido um considerável espaço de conformação (liberdade de conformação) na ponderação dos bens quando edita uma nova regulação. Esta liberdade de conformação tem especial relevância ao discutir-se os requisitos da adequação dos meios e da proporcionalidade em sentido restrito. Isto justifica que perante o espaço de conformação do legislador, os tribunais se limitem a examinar se a regulação legislativa é manifestamente inadequada.»

6. A exigência de restituição da totalidade do incentivo ao investimento antecipadamente pago aos titulares dos centros electroprodutores quando se apure que não foi atingido o limiar mínimo de 90% de potência média disponível anual, conforme exige o questionado n.º 6 do artigo 11.º da Portaria n.º 765/2010, não consubstancia qualquer violação do princípio da proporcionalidade que se deixou caracterizado.

Como já se disse, a exigência da restituição integral dos montantes pagos a título de incentivos ao investimento não constitui aplicação de uma sanção administrativa, nem se lhe equipara. Consequentemente, não há, manifestamente, que, ponderar, à luz do princípio da proporcionalidade, «a gravidade do incumprimento assacado» na medida em que, como também já foi dito, não se observa aqui qualquer situação de incumprimento por parte do produtor.

Neste domínio, a discricionariedade não funciona, devendo a Administração atuar vinculadamente, sob pena de violação do princípio da legalidade e do interesse público.

A restituição integral dos incentivos, verificados os respetivos pressupostos normativos, apresenta-se, pois, como uma medida adequada, necessária, razoável e compreensível à luz das finalidades que subjazem à instituição de um mecanismo de incentivo à potência com as características do incentivo ao investimento.

O artigo 11.º, n.º 6, da Portaria n.º 765/2010, assim interpretado, não constitui regulação manifestamente inadequada, não enfermando do vício de inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade.

VII

1. Cumpre agora tratar da questão de saber se «o artigo 11.º, n.º 6, da Portaria n.º 765/2010, ao não autorizar a consideração das indisponibilidades programadas, viola também o princípio da harmonização dos mecanismos de remuneração da garantia de potência entre os dois países Ibéricos, consagrado em tratado internacional [Acordo de Santiago de Compostela] e em diploma legislativo [artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 264/2007, de 24 de julho, “interpretado (…) à luz do respetivo preâmbulo]».

2. A desconformidade ou contradição entre as leis internas e os tratados, no quadro de uma prevalência das normas de Direito Internacional sobre as leis internas, tem sido examinada pela doutrina portuguesa.

JORGE MIRANDA expressa a opinião segundo a qual «a desconformidade entre normas dos dois tipos não se reconduz a inconstitucionalidade» O que está em causa é, primariamente, «a contradição entre duas normas não constitucionais, não é a contradição entre uma norma ordinária e uma norma constitucional; o art. 8.º, n.º 2, da Lei Fundamental não rege a relação ou a situação jurídica – ele encerra, sim, o princípio abstrato de adstrição das normas legais às normas convencionais»[70]: Pelo que, para o autor, «[a] desconformidade entre norma legal e norma convencional não determina a invalidade mas a ineficácia jurídica»[71].

Também ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA e FAUSTO DE QUADROS consideram que «a lei interna, anterior ou posterior, que contrarie uma convenção internacional, para além de (…) constituir o Estado português em responsabilidade internacional, é ineficaz»[72].

A alegada discrepância com normação contida em instrumento convencional regularmente ratificado por Portugal (Acordo de Santiago de Compostela) radica numa disposição de natureza regulamentar, mais precisamente o artigo 11.º, n.º 6, a Portaria n.º 765/2010.

Ora, se uma norma legal deve ser conforme a uma norma de direito internacional convencional, por maioria de razão essa conformidade deve existir quando se trate de uma norma regulamentar, tendo em consideração a dimensão que assume o princípio da legalidade.

3. Vejamos, pois, se o artigo 11.º, n.º 6, da citada Portaria n.º 765/2010 infringe qualquer norma ou princípio legal, designadamente, se contende com alguma regra ou princípio acolhido no Acordo firmado entre Portugal e Espanha em Santiago de Compostela, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 23/2006 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 29/2006, de 23 de março de 2006.

Como se proclama no seu artigo 1.º, o objeto deste Acordo é a criação e o desenvolvimento de um mercado de eletricidade comum aos dois países ibéricos, designado «mercado ibérico da energia elétrica», ou «MIBEL», como um marco de um processo de integração dos sistemas elétricos de ambos os países.

O princípio da harmonização encontra-se, depois, bem presente nos n.os 3 e 4 do mesmo preceito:


«3 – A criação de um mercado ibérico da energia elétrica implica o reconhecimento de um mercado único da eletricidade por ambas as Partes, no qual todos os agentes terão igualdade de direitos e obrigações.
4 – Ambas as Partes ficam obrigadas a desenvolver e modificar, de forma coordenada, a legislação e regulamentação interna necessária para permitir o funcionamento do MIBEL.»

Como oportunamente se referiu[73], a harmonização do setor elétrico de Portugal e de Espanha, constitui um objetivo programático assumido nos acordos celebrados aos quais estes Estados estão vinculados.

No entanto, como também se disse, os setores elétricos dos dois países ibéricos apresentam diferenças significativas entre si e especificidades próprias, pelo que um dos princípios orientadores do modelo de organização e regulação do MIBEL adotado é o princípio do gradualismo para o mercado grossista de eletricidade, segundo o qual o seu funcionamento não implica a imediata harmonização de todos os aspetos relativos ao setor elétrico. Ou seja, o processo de harmonização pode ser gradual e não necessita de ser completo, pois se trata de um processo em desenvolvimento e, portanto, não encerrado.

Relativamente aos instrumentos de garantia de potência também se deu nota da recomendação dada pelos Governos de Portugal e Espanha ao Conselho de Reguladores do MIBEL no sentido da apresentação de uma proposta de um mecanismo de garantia de potência que contemplasse as especificidades próprias dos sistemas elétricos de cada país. Como então se disse, em plena vigência do Acordo de Santiago de Compostela, os Países outorgantes convocam as especificidades próprias dos sistemas elétricos de cada um para a definição de um mecanismo de garantia de potência, onde se incluem, recorda-se, os incentivos ao investimento.

O princípio do gradualismo quanto à implementação de instrumentos de garantia de potência encontra-se agora expressamente consagrado no artigo 9.º do Acordo celebrado em Santiago de Compostela, na redação conferida pelo Acordo assinado em Braga em 18 de janeiro de 2008[74], devidamente ratificado.

Nos termos do n.º 7 dessa disposição, os Estados signatários (Portugal e Espanha) comprometem-se a conseguir gradualmente a harmonização no que se refere a serviços de interruptibilidade e compensação de energia reativa, assim como a pagamentos por capacidade.

Não decorrendo do Acordo MIBEL que a harmonização dos regimes jurídicos português e espanhol sobre o regime de remuneração da garantia de potência, onde se incluem os incentivos ao investimento, seja completa e esteja concluída, é perfeitamente justificável que o regime regulado na Portaria n.º 765/2010 não seja coincidente com o regime consagrado na legislação espanhola.

Diga-se que, no essencial esse regime é idêntico. De facto, ao tempo em que foi aprovada a Portaria n.º 765/2010, o regime espanhol contemplava uma disposição com conteúdo idêntico para o incentivo ao investimento (“incentivo a la inversión”)[75].

4. A falta de harmonização invocada no regime remuneratório dos incentivos ao investimento reside no facto de o artigo 11.º, n.º 6, da Portaria n.º 765/2010 não considerar as indisponibilidades programadas[76] para efeitos do cálculo da disponibilidade média anual, enquanto a norma espanhola as contemplava ao estabelecer que no cálculo da potência média disponível anual «no se contabilizarán las indisponibilidades programadas, siempre y cuando éstas hayan sido acordadas con el Operador del Sistema».

Esta dissonância não contende com o Acordo MIBEL de Santiago de Compostela já que, expressamente a partir das alterações que lhe foram introduzidas pelo Acordo assinado em Braga em 2008, se admite que a harmonização no domínio dos incentivos de potência seja gradual.

Ou seja, a não previsão no n.º 6 do artigo 11.º da Portaria n.º 765/2010 das indisponibilidades programadas para o cálculo do limiar mínimo de 90% da disponibilidade média anual não contraria o Acordo MIBEL celebrado entre Portugal e Espanha, tal como não ofende tal Acordo o regime espanhol que consagra diferente regime neste domínio da remuneração do mecanismo de garantia de potência. A este propósito, e neste âmbito, cumpre sublinhar que não encontramos fundamentos para aceitar o argumento de uma pretensa ascendência normativa do direito espanhol sobre o direito português que, em sede de interpretação, possa suportar a afirmação de que a regulação contida na Portaria n.º 765/2010 infringe o Acordo MIBEL que vincula Portugal e Espanha.

5. Diga-se, por fim, que o questionado n.º 6 do artigo 11.º da Portaria n.º 765/2010 também não contende com o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 264/2007, de 24 de julho.

Este diploma que, segundo o respetivo sumário oficial «Altera os Decretos-Leis n.os 240/2004, de 27 de dezembro, e 172/2006, de 23 de agosto, concretizando um conjunto de medidas destinadas à implementação de uma nova etapa na concretização e aprofundamento do Mercado Ibérico de Eletricidade (MIBEL), enuncia no artigo 1.º o seu objeto nos seguintes termos:
«Artigo 1.º
Objeto
O presente decreto-lei estabelece um conjunto de disposições destinadas a promover o desenvolvimento do Mercado Ibérico da Eletricidade (MIBEL), as quais respeitam ao processo de cessação antecipada dos contratos de aquisição de energia (CAE) a que se refere o Decreto-Lei n.º 240/2004, de 27 de dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 199/2007, de 18 de maio, à aquisição de eletricidade pelo comercializador de último recurso e à criação de um mecanismo de garantia de potência.».

Como se vê, nada se dispõe quanto à harmonização dos regimes de garantia de potência no âmbito do MIBEL, não se descortinando, portanto, qualquer infração a este preceito pelo n.º 6 do artigo 11.º da Portaria n.º 765/2010.

O princípio da harmonização dos mecanismos de remuneração da garantia de potência, assumido no Acordo de Santiago de Compostela, após as alterações introduzidas pelo Acordo de Braga (2008) não implica, como já foi dito, uma total coincidência de regimes. De facto, importa relembrar que, atentas as especificidades próprias de cada sistema, há necessidade de enquadrar os tratamentos jurídicos diferenciados à luz das especificidades de cada um dos dois países signatários do Acordo MIBEL o que pode justificar, em diversas situações, maior liberdade de conformação legislativa.

E este critério tem consagração expressa no artigo 33.º-A do Decreto-Lei n.º 172/2006, aditado pelo Decreto-Lei n.º 264/2007, onde se refere que a garantia de potência visa «promover a garantia de abastecimento, um adequado grau de cobertura da procura de eletricidade e uma adequada gestão da disponibilidade dos centros electroprodutores». É também por ter em consideração aquelas especificidades próprias de cada sistema que o preâmbulo da Portaria n.º 765/2010 alude à promoção de «um nível apropriado de harmonização desta matéria entre os sistemas elétricos dos dois países ibéricos».

VIII

1. Cumpre enfrentar a última questão: apurar se os atos que ordenaram a restituição dos montantes pagos a título de incentivos ao investimento, «a ter-se verificado qualquer incumprimento dos pressupostos [da sua] atribuição», violam o princípio da confiança, previsto no artigo 6.º-A do Código do Procedimento Administrativo, e se o artigo 11.º, n.º 6, da Portaria n.º 765/2010, na interpretação que é feita, no sentido da não consideração das indisponibilidades programadas como disponibilidades para efeitos do cálculo do coeficiente de disponibilidade média anual nos períodos tarifários de ponta, é «contrário ao princípio da tutela da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição».

Invoca-se, para sustentar tal conclusão, «o princípio da igualdade de direitos entre os operadores no mercado elétrico de Portugal e Espanha, bem como o princípio da harmonização entre os regimes de garantia de potência de ambos os países» estabelecidos no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 264/2007 e no Acordo de Santiago de Compostela relativo à constituição de um mercado ibérico de energia elétrica celebrado entre Portugal e Espanha.

Insiste-se no argumento de que «no regime espanhol as indisponibilidades programadas não são consideradas para efeitos de cálculo do limiar de 90% da potência disponível anual», enquanto em Portugal, «o regime da Portaria n.º 765/2010 é pura e simplesmente omisso sobre a matéria».

Por isso, alega-se, «considerando, por um lado, a inexistência de quaisquer critérios no regime português quanto aos critérios de cálculo da potência média disponível anual, e considerando, por outro lado, que as indisponibilidades programadas são relevantes para apurar o limiar de 90% da potência média disponível no regime espanhol, sendo ainda relevantes para outros efeitos no próprio sistema elétrico nacional, era expectável que a DGEG as viesse a considerar».

Apontam-se ainda elementos de facto relativos a comunicações havidas entre a recorrente e a REN e a DGEG.

Antes de prosseguir, cumpre advertir que, nos termos do disposto no artigo 37.º, alínea a), do Estatuto do Ministério Público, este parecer restringe-se a matéria de legalidade e não vincula os tribunais no âmbito de eventuais litígios originados com a situação relatada.

2. A confiança representa um valor inestimável, apresentando-se como «um elemento imprescindível na manutenção do grupo social». Na sua falta, como observa ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, «qualquer sociedade humana se esboroa. Em termos interpessoais, a confiança instalada coloca os protagonistas à mercê uns dos outros: o sujeito confiante abranda as suas defesas, ficando vulnerável. Seguidamente, todos os investimentos, sejam eles económicos ou meramente pessoais, postulam a credibilidade das situações: ninguém dá hoje, para receber (apenas) amanhã, se não houver confiança nos intervenientes e nas situações»[77].

Segundo MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, «o princípio da tutela da confiança visa salvaguardar os sujeitos jurídicos contra atuações injustificadamente imprevisíveis daqueles com quem se relacionem»[78], sendo a isto que o artigo 6.º-A, n.º 2, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo se refere quando afirma que se deve ponderar «a confiança suscitada na contraparte pela atuação em causa».

No caso que nos é apresentado e tendo por base os elementos fácticos registados no ponto I, consideramos não se evidenciar violação do princípio da confiança, suscetível de constituir fundamento de responsabilidade civil do Estado.

Como tem sido afirmado ao longo deste parecer, o Acordo MIBEL, particularmente após a revisão operada pelo Acordo de Braga de 2008, admite a existência de dissonâncias entre os regimes de Portugal e Espanha no âmbito dos mecanismos de remuneração da garantia de potência, tendo em conta as especificidades próprias de cada um dos sistemas elétricos e, bem assim, a circunstância de a desejável harmonização de regimes dever ser gradual.

Por isso mesmo, não tem qualquer fundamento uma expectativa traduzida na transposição do modelo espanhol para o ordenamento jurídico português tanto mais que a regulamentação existente entre nós, constante da Portaria n.º 765/2010, sobre a remuneração das modalidades de garantia de potência é manifestamente clara e precisa.

Assim, o incumprimento do serviço de disponibilidade pelo titular do centro electroprodutor determina a aplicação de uma penalização proporcional à sua gravidade (artigo 7.º), enquanto o direito ao pagamento da remuneração anual correspondente ao incentivo ao investimento somente se constitui com a verificação de uma potência média disponível anual nos períodos tarifários de ponta equivalente a 90% da capacidade contratada ao abrigo deste instrumento (artigo 11.º, n.º 6).

Esta normação, reafirma-se, pauta-se pela clareza, desde logo quando ela se confronta com o regime que, sobre o mesmo objeto, vigorava então em Espanha, em moldes diferentes no que se refere à (não) consideração das indisponibilidades programadas.

3. Vejamos agora se o artigo 11.º, n.º 6, da Portaria n.º 765/2010, na interpretação que é feita, no sentido da não consideração das indisponibilidades programadas como disponibilidades para efeitos do cálculo do coeficiente de disponibilidade média anual nos períodos tarifários de ponta, é «contrário ao princípio da tutela da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição».

O Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado que o princípio do Estado de direito democrático (consagrado no artigo 2.º da Constituição) postula uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas.

Como se lê no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 12/2012:

«Não obstante, de forma a respeitar a liberdade conformativa do legislador, necessária para que possa responder às necessidades de interesse público que a cada momento se façam sentir, não é possível entender que qualquer normação inovadora possa considerar-se violadora do princípio da segurança jurídica na vertente analisada. Isso só sucederá em relação a uma normação “que, por sua natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático”. No acórdão n.º 287/90 (publicado in Diário da República, II Série, de 20-02-1991), o Tribunal Constitucional procurou concretizar quando ocorria uma afetação inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa, de expectativas jurídicas, apontando dois critérios:

"a) a afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas deles constantes não possam contar; e ainda,
b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no nº 2 do artigo 18º da Constituição, desde a 1ª revisão)”»[79].

Pelo primeiro critério, a afetação de expectativas será extraordinariamente onerosa. Pelo segundo, que deve acrescer ao primeiro, essa onerosidade torna-se excessiva, inadmissível ou intolerável, porque injustificada ou arbitrária.

Ora, a norma contida no n.º 6 do artigo 11.º da Portaria n.º 765/2010, na interpretação segundo a qual as indisponibilidades programadas são consideradas para efeitos de cálculo da potência média disponível, como indisponibilidades, não afeta de forma inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa, as expectativas legítimas dos destinatários da mesma.

E a normação portuguesa teve seguramente em conta as especificidades do sistema elétrico nacional e o interesse público traduzido no não agravamento da tarifa de eletricidade já que, como dispõem os artigos 33.º-A do Decreto-Lei n.º 272/2006 e 15.º da Portaria n.º 765/2010, os custos com o financiamento dos pagamentos por garantia de potência são repercutidos na tarifa e suportados por todos os consumidores de energia elétrica.

Nesta perspetiva, a norma questionada, na interpretação que lhe é dada, consagra uma solução medida que tem justificação material e é razoável e não arbitrária.







IX

Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:


1.ª – O Decreto-Lei n.º 264/2007, de 24 de julho, veio aditar o artigo 33.º-A ao Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto, através do qual se institui um mecanismo de atribuição de incentivos à garantia de potência disponibilizada pelos centros electroprodutores ao Sistema Elétrico Nacional (SEN), nos termos a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área da energia, visando-se com ele promover a garantia de abastecimento, um adequado grau de cobertura da procura de eletricidade e uma adequada gestão da disponibilidade dos centros electroprodutores;

2.ª – A definição do regime dos serviços de garantia de potência que os electroprodutores em regime ordinário podem prestar ao SEN, suas modalidades e remuneração, constam da Portaria n.º 765/2010, de 20 de agosto, editada ao abrigo do disposto no citado artigo 33.º-A do Decreto-Lei n.º 172/2006, preceito que, de forma expressa, o diploma invoca;

3.ª – O incentivo ao investimento em capacidade de produção de energia elétrica, a longo prazo, uma das modalidades de serviços de garantia de potência, consiste no pagamento de um montante em euros por cada megawatt de potência instalada num determinado centro electroprodutor, devido ao respetivo titular pela colocação à disposição do operador do sistema de determinada potência instalada, a partir do momento em que o centro electroprodutor inicia o seu funcionamento industrial, conforme dispõe o artigo 9.º da Portaria n.º 765/2010;

4.ª – Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 6, da Portaria n.º 765/2010, o direito aos incentivos ao investimento está dependente da obtenção pelos centros electroprodutores abrangidos de uma potência média disponível anual nos períodos tarifários de ponta equivalente a 90 % da capacidade contratada ao abrigo do incentivo ao investimento, sendo o pagamento da remuneração anual correspondente a tais incentivos efetuado aos titulares dos centros electroprodutores pelo operador do sistema em prestações iguais e com periodicidade mensal, nos termos do n.º 5 do mesmo preceito;

5.ª – De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 33.º-A do Decreto-Lei n.º 172/2006, e no artigo 15.º da Portaria n.º 765/2010, os encargos associados ao mecanismo de atribuição de incentivos ao investimento são suportados por todos os consumidores de energia elétrica, através da sua repercussão na tarifa de uso global de sistema, nos termos definidos no Regulamento Tarifário do Setor Elétrico;

6.ª – O Acordo entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha para a Constituição de um Mercado Ibérico da Energia Elétrica (MIBEL) foi firmado em Lisboa, a 20 de janeiro de 2004, substituído pelo Acordo de Santiago de Compostela, firmado em 1 de outubro de 2004, revisto pelo Acordo que Revê o Acordo entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha Relativo à Constituição de um Mercado Ibérico de Energia Elétrica, assinado em Braga em 18 de janeiro de 2008, todos devidamente aprovados e ratificados;

7.ª – A harmonização do setor elétrico de Portugal e de Espanha constitui objetivo programático assumido pelos Estados signatários dos Acordos celebrados, sendo que, em razão das especificidades próprias dos sistemas elétricos de cada país, o desenvolvimento e aprofundamento do MIBEL constitui um processo gradual e continuado;

8.ª – No que respeita aos serviços de garantia de potência, o n.º 7 do artigo 9.º do Acordo celebrado em Santiago de Compostela, na redação conferida pelo Acordo de Braga, de 18 de janeiro de 2008, regendo sobre a harmonização normativa, estabelece que «As Partes comprometem-se a conseguir gradualmente a harmonização no que se refere a serviços de interruptibilidade e compensação de energia reativa, assim como a pagamentos por capacidade», assim se admitindo a existência de diferenças nos regimes jurídicos relativos aos incentivos de potência em Portugal e em Espanha;

9.ª – A regulamentação do regime dos serviços de garantia de potência, em execução do artigo 33.º-A do Decreto-Lei n.º 172/2006, constante da Portaria n.º 765/2010, não incide sobre matéria da competência legislativa reservada da Assembleia da República e não extravasa o âmbito de normação próprio dos regulamentos, fixado no artigo 112.º, n.º 7, da Constituição da República, pelo que não enferma de ilegalidade ou de inconstitucionalidade formal;

10.ª – A determinação da disponibilidade média anual nos períodos tarifários de ponta, períodos que se encontram definidos no artigo 27.º do Regulamento Tarifário do Setor Elétrico, tem assentado em declarações de disponibilidade fornecidas pelos produtores de energia ao operador do sistema e em registos materiais e técnicos dos centros electroprodutores, verificáveis e sujeitos à fiscalização técnica da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) e aos poderes regulatórios da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE);

11.ª – O facto de não se especificarem no n.º 6 do artigo 11.º da Portaria n.º 765/2010 os critérios de cálculo da potência média disponível anual nos períodos tarifários de ponta não determina a ilegalidade dos atos administrativos que ordenam a restituição dos montantes pagos a título de incentivos ao investimento quando não é atingido o limiar de 90% aí previsto;

12.ª – Uma medida administrativa inclui-se no direito sancionatório quando esteja pressuposta a censurabilidade da conduta que está na base da sua aplicação, configurando-se a sanção, nesta situação, como uma reação à violação do direito , à prática de um ato ilícito e censurável;

13.ª – Se um centro electroprodutor de energia elétrica não atinge o limiar mínimo de potência média disponível anual exigido no citado artigo 11.º, n.º 6, da Portaria n.º 765/2010 para a atribuição do incentivo ao investimento, o seu titular não pratica qualquer ato ilícito que deva merecer censura, só que não adquire o direito ao incentivo ao investimento, devendo, consequentemente, sob pena de injusto locupletamento, proceder à restituição dos montantes que antecipadamente tenha recebido a esse título;

14.ª – O ato administrativo que ordena ao titular de centro electroprodutor a restituição da totalidade dos montantes que lhe foram adiantados a título de incentivos ao investimento, verificados os respetivos pressupostos, configura-se como ato vinculado e não constitui uma medida de natureza sancionatória, não se justificando, por isso, o apelo ao princípio da proporcionalidade próprio do direito sancionatório, designadamente do direito sancionatório administrativo;

15.ª – As normas contidas nos artigos 11.º, n.º 6, da Portaria n.º 765/2010 e 19.º da Portaria n.º 251/2012 não contemplam estatuições em matéria sancionatória no âmbito do regime dos incentivos ao investimento, não se verificando o vício da ilegalidade por desconformidade com a norma habilitante contida no artigo 33.º-A do Decreto-Lei n.º 172/2006 ou por violação de qualquer outra norma legal.

16.ª – As mesmas normas, interpretadas no sentido da imposição aos titulares dos centros electroprodutores da restituição integral dos montantes pagos por incentivo ao investimento quando se apure que não foi atingido o limiar mínimo de 90% de potência média disponível anual, conforme exige o n.º 6 do artigo 11.º da Portaria n.º 765/2010, não contendem com princípio da proporcionalidade, ínsito na ideia de Estado de Direito consagrado no artigo 2.º da Constituição da República;

17.ª – O artigo 11.º, n.º 6, da Portaria n.º 765/2010 não considera as indisponibilidades programadas para efeitos do cálculo da disponibilidade média anual, enquanto a correspondente norma do regime jurídico então vigente em Espanha as contempla;

18.ª – Tal diferenciação de regimes não contende com o Acordo MIBEL de Santiago de Compostela, nem com o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 264/2007, de 24 de julho, pelo que a norma regulamentar constante do artigo 11.º, n.º 6, da Portaria n.º 765/2010 não padece, por este motivo, de ilegalidade;

19.ª – Não tem qualquer fundamento expectativa de transposição para o ordenamento jurídico português do regime jurídico espanhol quanto à consideração das indisponibilidades programadas como disponibilidades, para efeitos do cálculo do coeficiente de disponibilidade média anual nos períodos tarifários de ponta;

20.ª – Perante a matéria de facto enunciada em I.2., o ato administrativo que ordena ao titular do centro electroprodutor a restituição da totalidade dos montantes que lhe foram adiantados a título de incentivos ao investimento por não ter sido atingido o coeficiente mínimo de potência média disponível anual, não se tendo considerado, para o respetivo cálculo, as indisponibilidades programadas do centro electroprodutor, não contende com o princípio da confiança previsto no artigo 6.º-A do Código do Procedimento Administrativo;

21.ª – O artigo 11.º, n.º 6, da Portaria n.º 765/2010, na interpretação que é feita, no sentido da não consideração das indisponibilidades programadas como disponibilidades para efeitos do cálculo do coeficiente de disponibilidade média anual nos períodos tarifários de ponta, consagra medida que tem justificação material e é razoável e não arbitrária, não contrariando o princípio da tutela da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito consagrado no artigo 2.º da Constituição da República.

ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 16 DE MAIO DE 2013.


Maria Joana Raposo Marques Vidal – Manuel Pereira Augusto de Matos (Relator) – Fernando Bento – Maria Manuela Flores Ferreira – Paulo Joaquim da Mota Osório Dá Mesquita – Alexandra Ludomila Ribeiro Fernandes Leitão – Maria de Fátima da Graça Carvalho.










[1] O enquadramento normativo e a factualidade relevante constam do ofício n.º 992, de 25-02-2013 (Ref.ª: Ent.: 692/SEEnergia; Proc. N.º 10.13/13), redigido na sequência do Despacho de Vossa Excelência n.º 1/GSEEnergia/2013.
[2] Reproduzem-se os trechos assinalados a negrito e a itálico como no original.
[3] O parecer foi distribuído por despacho de Sua Excelência o Vice-Procurador-Geral da República, de 20 de março de 2013.
Posteriormente, foi junto ao processo um parecer sobre o regime jurídico do instituto da garantia de potência elaborado pelo Professor Doutor António Pinto Monteiro, solicitado pela EDP – Gestão da Produção de Energia, S.A., e um ofício do Chefe de Gabinete de Vossa Excelência contendo elementos sobre o regime jurídico da Portaria n.º 765/2010 (ofício n.º 2359, de 02.05.2013; ENT: 692/SEEnergia – PROC. N.º 10.13/13).
[4] Homologado e publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 87, de 7 de maio de 2013.
[5] Publicado no Diário da República, II série, n.º 167, de 31 de agosto de 2005.
[6] Publicado no Diário da República, II série, n.º 51, de 13 de março de 2007.
[7] Publicado no Diário da República, II série, n.º 124, de 30 de junho de 2009.
[8] Inédito.
[9] Jornal Oficial (JO), n.º 27, de 30 de janeiro de 1997
[10] Dos considerandos preambulares da referida Diretiva.
[11] Jornal Oficial (JO), n.º 176, de 15 de julho de 2003. Essa Diretiva foi alterada pelas Diretivas n.os 2004/85/CE, do Conselho, de 28 de junho de 2004, e 2008/3/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de janeiro de 2008, apenas quanto à aplicação de certas disposições à Estónia (JO, n.º 236, de 7 de julho de 2004, e JO, n.º 17, de 22 de janeiro de 2008, respetivamente).
[12] Cf. considerandos preambulares da citada Diretiva.
[13] O diploma foi alterado pelos Decretos-Leis n.os 104/2010, de 29 de setembro, 78/2011, de 20 de junho (com republicação), 75/2012, de 26 de março, 112/2012, de 23 de maio, e 215-A/2012, de 8 de outubro (com republicação).
[14] JO, n.º 211, de 14 de agosto de 2009.
[15] Tem-se acompanhado o parecer n.º 39/2012, já referenciado.
[16] Alterado pelos Decretos-Leis n.os 237-B/2006, de 18 de dezembro, 199/2007, de 18 de maio, 226-A/2007, de 31 de maio, 264/2007, de 24 de julho, 23/2009, de 20 de janeiro, 104/2010, de 29 de setembro, e 215-B/2012, de 8 de outubro (republicação).
[17] Regulação, Eletricidade e Telecomunicações – Estudos de Direito Administrativo da Regulação, Coimbra Editora, 2008, pp. 76-77.
[18] PEDRO GONÇALVES, “As concessões no setor elétrico”, Temas de Direito da Energia, Cadernos O Direito, n.º 3, 2008, coordenação de JORGE MIRANDA e CARLA AMADO GOMES, pp. 185-214.
[19] PEDRO GONÇALVES, Regulação, Eletricidade e Telecomunicações, cit., p. 79.
[20] Sobre os motivos, de ordem física, ambiental, de entre outros, v. PEDRO GONÇALVES, ob. cit. na nota anterior, p. 80.
[21] Sobre a evolução legislativa do setor elétrico em Portugal e sua caracterização, v. também SUZANA TAVARES DA SILVA, “MIBEL: o início do embuste”, RevCEDOUA – Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, n.º 2/2004, pp. 31-47, e “O MIBEL e o mercado interno de energia”, Temas de Direito da Energia, Cadernos O Direito, n.º 3, 2008, Almedina, pp. 279-308, JOÃO MIRANDA, “O regime jurídico de acesso às atividades de produção e de comercialização no setor energético nacional”, Temas de Direito da Energia, Cadernos O Direito, n.º 3, 2008, cit., pp. 119-138, e NUNO DE OLIVEIRA GARCIA e INÊS SALEMA, “As taxas de regulação económica no setor da eletricidade”, As Taxas de Regulação Económica em Portugal, coordenação de SÉRGIO VASQUES, Almedina, pp. 271-294, especialmente pp. 278-
-280.

[22] “O MIBEL e o mercado interno de energia”, Temas de Direito da Energia, Cadernos O Direito, n.º 3, 2008, cit., p. 288.
[23] No parecer n.º 39/2012 o Conselho procedeu ao exame de um conjunto de questões suscitadas com os denominados custos de manutenção do equilíbrio contratual (CMEC), medidas compensatórias instituídas na sequência da cessação dos contratos de aquisição de energia (CAE) e cujo regime jurídico se contém no Decreto-Lei n.º 240/2004, de 27 de dezembro.
[24] “O MIBEL e o mercado interno de energia”, Temas de Direito da Energia, Cadernos O Direito, n.º 3, 2008, cit., pp. 288-289.
[25] Acompanhou-se o estudo de PEDRO MONTOYA INSAUSTI, “Nuevo modelo regulatório de la garantia de potencia basado en mecanismos de mercado”, Universidade Pontificia Comillas, Madrid, Septiembre de 2006, acessível em http://www.iit.upcomillas.es/pfc/resumenes/450846681cdde.pdf.
[26] PEDRO MONTOYA INSAUSTI, estudo citado.
[27] “Proposta do Conselho de Reguladores sobre um Mecanismo de Garantia de Abastecimento”, 31 de maio de 2007, disponível em http://www.mibel.com/index.php?mod=pags&mem=detalle&relmenu=88&relcategoria=1057&idpag=97&lang=pt.
[28] Disponível em http://www.cne.es/cne/doc/mercados/Consulta-MIBEL-REN-may07.pdf.
[29] Acompanha-se neste segmento expositivo, com transcrições, textos produzidos sobre a «construção e desenvolvimento» do MIBEL, disponíveis no portal da ERSE, em http://www.erse.pt/pt/mibel/construcaoedesenvolvimento/Paginas/2001.aspx.
[30] Documento acessível no Portal da ERSE, em http://www.erse.pt/pt/mibel/construcaoedesenvolvimento/Documents/Modelo%20MIBEL.pdf.
[31] Aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 33-A/2004 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 19-B/2004, de 20 de abril de 2004.
[32] Acompanha-se, de novo, textualmente, o documento da ERSE referenciado na nota 28.
[33] Aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 23/2006 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 29/2006, de 23 de março de 2006.
[34] Documento da ERSE já referenciado.
[35] Referenciadas no documento da ERSE que se vem acompanhando.
[36] Aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 17/2009 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 24/2009, de 23 de março de 2009.
[37] Supra II.7. e nota 26.
[38] «Os mercados organizados do MIBEL são os mercados a prazo, os mercados diários e os mercados intradiários; os mercados não organizados são compostos por contratos bilaterais entre as entidades do MIBEL».
[39] Regulação, Eletricidade e Telecomunicações – Estudos de Direito Administrativo da Regulação, Coimbra Editora, p. 89. Sobre a «arquitetura do MIBEL», v. SUZANA TAVARES DA SILVA, “MIBEL: o início do embuste”, RevCEDOUA – Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, n.º 2/2004, cit., p. 37, e “O MIBEL e o mercado interno de energia”, Temas de Direito da Energia, Cadernos O Direito, n.º 3, cit., p. 289.
[40] Intervenção, na qualidade de presidente do conselho de administração da ERSE, na Conferência do Conselho de Reguladores do MIBEL sobre “Os Novos Desafios do MIBEL”, realizada em Lisboa em 1 de junho de 2010, texto disponível em http://www.erse.pt/pt/imprensa/noticias/2010/Documents/Apresenta%C3%A7%C3%B5es%20MIBEL/Painel%201/Vitor%20Santos%20-%20ERSE.pdf.
[41] DIOGO FREITAS DO AMARAL, JOÃO CAUPERS, JOÃO MARTINS CLARO, JOÃO RAPOSO, MARIA DA GLÓRIA DIAS GARCIA, PEDRO SIZA VIEIRA e VASCO PEREIRA DA SILVA, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 6.ª edição, 2007, Almedina, p. 40. Sobre este princípio, v. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, volume II, 2011, 2.ª edição, com a colaboração de PEDRO MACHETE e LINO TORGAL, Almedina, 2007, pp. 49-52, e MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, tomo I, Dom Quixote, p. 153.
[42] Parecer n.º 4/96, de 16 de junho de 1996, publicado em Pareceres, volume V, edição da Procuradoria-Geral da República, pp. 59 e segs. V. parecer 5/2004, de 1 de julho de 2004 (Diário da República, 2.ª série, n.º 195, de 18 de agosto de 2004.
[43] “Teoria dos regulamentos”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, 2.ª parte, Janeiro-
-Março de 1986, ano I (2.ª série), n.º 1, pp. 11 e 12.

[44] Constituição da República Portuguesa Anotada, volume II, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, p. 75.
[45] Cfr. JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Sobre os Regulamentos Administrativos e o Princípio da Legalidade, Livraria Almedina, Coimbra, 1987, pp. 131-132.
[46] Direito Administrativo, edição da AAFDL, 1977, p. 198.
[47] Parecer deste corpo consultivo, n.º 80/89, de 15 de fevereiro de 1990, publicado no Diário da República, II Série, de 11 de julho de 1990.
[48] JOSÉ LAMEGO, "A Invalidade dos Regulamentos Estaduais e sua impugnação Contenciosa"; Revista Jurídica, n.º 8, Out/Dez., 1986, pp. 104-107.
[49] ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, vol. I, Coimbra, 1984, pp. 143 e segs., que neste ponto acompanharemos de perto.
[50] Citou-se o parecer n.º 59/95, de 9 de novembro de 1995, inédito.
[51] FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, volume II, com a colaboração de PEDRO MACHETE e LINO TORGAL, cit. p. 185.
[52] V. pareceres n.os 34/84, de 20 de junho de 1984 (Diário da República, 2.ª série, n.º 230, de 3 de outubro de 1984, 27/88, de 27 de outubro de 1988, e 4/96, já citado.
[53] MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, edição da AAFDL, 1977, p. 200. Para FREITAS DO AMARAL, «os regulamentos de execução são, tipicamente, regulamentos “secundum legem”, sendo portanto ilegais se colidirem com a disciplina fixada na lei, de que não podem ser senão o aprofundamento» (Curso de Direito Administrativo, volume II, com a colaboração de PEDRO MACHETE e LINO TORGAL, cit., p. 186).
[54] Este diploma estabelece o regime jurídico aplicável às atividades de produção, transporte, distribuição e comercialização de eletricidade, bem como à operação logística de mudança de comercializador, à organização dos respetivos mercados e aos procedimentos aplicáveis ao acesso àquelas atividades.
[55] A questão da determinação da disponibilidade, cujo coeficiente constitui um dos fatores a considerar no cálculo do montante do ajustamento anual afeto à compensação devida pela cessação antecipada dos contratos de aquisição de energia (CAE) foi também examinada no citado parecer n.º 39/2012, tendo-se concluído que tal tarefa «não tem de se basear exclusivamente nas declarações de disponibilidade dos centros electroprodutores, devendo resultar de todo o conjunto de diligências instrutórias, quer das previstas no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 240/2004, quer daquelas que a entidade instrutora considere necessárias para a sua exata verificação» (conclusão 15.ª).
[56] “Sanção jurídica”, Polis – Enciclopédia VERBO da Sociedade e do Estado, p. 598.
[57] Curso de Direito Administrativo, Volume II, com a colaboração de PEDRO MACHETE e LINO TORGAL, cit., pp. 284-285.
[58] Ob. cit., p. 285.
[59] Sanção Administrativa Geral: Anatomia e Autonomia, Almedina, 2005, p. 54.
[60] Ibidem. Sobre este tópico, v. ROSENDO DIAS JOSÉ, “Sanções Administrativas”, Revista de Direito Público, Ano V, n.º 9, 1991, pp. 37 e segs.
[61] V. JOSÉ ANTÓNIO VELOSO, “Sobre a natureza não-sancionatória da revogação da autorização das instituições de crédito e outras questões de fiscalização de atividades reservadas: algumas notas de justificação de decisões legislativas”, Direito e Justiça, Revista da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, volume XIV, 2009, tomo 1, pp. 63 e segs. De entre outros aspetos, lembra o autor que, neste domínio, «a regulamentação a título de pena só abrange os casos de ilicitude, não podendo abranger os de perda superveniente dos pressupostos de autorização sem ocorrência de factos ilícitos» (ob. cit., p. 65).
[62] Disponível no Portal ERSE.
[63] Dicionário Jurídico, volume I, 5.ª edição, Almedina, p. 1009.
[64] Citou-se um trecho da resposta deduzida ao recurso hierárquico.
[65] J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume II, cit., p. 801.
[66] Curso de Direito Administrativo, Volume II, com a colaboração de PEDRO MACHETE e LINO TORGAL, cit., pp. 141-142.
[67] Constituição da República Portuguesa Anotada, volume II, cit., p. 801.
[68] Direito Administrativo Geral, Tomo I, Dom Quixote, 2004, p. 208.
[69] V. também, de entre outros, o acórdão n.º 152/02. Todos estes acórdãos encontram-se disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20010187.html. Sobre o princípio da proporcionalidade, v. J.J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, Almedina, pp. 266-272, e JORGE REIS NOVAIS, Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Reimpressão, 2011, Coimbra Editora, pp. 178-186.
[70] Curso de Direito Internacional Público, 3.ª edição, revista e atualizada, Principia, 2006, pp.182.
[71] Ibidem.
[72] Manual de Direito Internacional Público, 3.ª edição, Almedina, p. 123. Para estes autores, «a sanção para a lei interna que viole uma convenção internacional só pode ser a da ineficácia ou da inaplicabilidade. Quer dizer que os tribunais deverão recusar-se a aplicar aquela lei enquanto o tratado em causa vincular Portugal» (ob. cit., p. 123, nota). Sobre esta questão, v. PAULO OTERO, Legalidade e Administração Pública – O Sentido da Vinculação Administrativa à Juridicidade, Almedina, pp. 594-601, onde se defende a paridade hierárquico-normativa entre convenções internacionais e leis internas.
[73] Supra IV.6.
[74] Acordo que revê o Acordo entre a República Portuguesa e o Reino da Espanha relativo à Constituição de um Mercado Ibérico da Energia Elétrica (MIBEL).
[75] Segundo a Orden ITC/2794/2007, de 27 de septiembre, na redação conferida pela Orden ITC/3860/2007, de 28 de diciembre:

«Para tener derecho a cualquiera de los incentivos a la inversión establecidos en los párrafos anteriores, las instalaciones de generación deberán acreditar una potencia media disponible semestral equivalente al 75 por ciento de su potencia neta.»

Na sequência de alteração introduzida pela Orden ITC/3801/2008, de 26 de diciembre, por la que se revisan las tarifas elétricas a partir de 1 de enero de 2009, esta disposição passou a ter a seguinte redação:

«A partir de 1 de abril de 2009, para tener derecho a cualquiera de los incentivos a la inversión establecidos en los párrafos anteriores, las instalaciones de generación deberán acreditar una potencia media disponible anual equivalente al 90 por ciento de su potencia neta en el periodo tarifario 1, definido en el apartado 3.3 del anexo II de la Orden ITC/2794/2007, de 27 de septiembre, por la que se revisan las tarifas elétricas a partir de 1 de octubre de 2007.

En el cálculo anterior no se contabilizarán las indisponibilidades programadas, siempre y cuando éstas hayan sido acordadas con el Operador del Sistema».
[76] Correspondentes aos períodos para manutenção, previamente comunicados e aceites pelo gestor técnico global do sistema, que determinam a paragem do centro electroprodutor ou de um ou vários dos seus grupos geradores e implicam que a respetiva potência instalada líquida não esteja disponível.
[77] Tratado de Direito Civil Português, I, Parte geral, Tomo I, 1999, Almedina, p. 188.
[78] Direito Administrativo Geral, Tomo I, cit., p. 216.
[79] Desenvolvendo o princípio da confiança, v., de entre muitos outros, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 287/90, n.º 303/90,128/2009, 188/2009, 3/2010, 72/2011.