Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00003204
Parecer: P000142012
Nº do Documento: PPA01062012001400
Descritores: CONTRATO DE AQUISIÇÃO DE EQUIPAMENTO MILITAR
CONTRATO ADMINISTRATIVO
MORA
PENALIDADES CONTRATUAIS
ACTUALIZAÇÃO DE PREÇO
INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
Livro: 00
Numero Oficio: 1676/CG
Data Oficio: 04/20/2012
Pedido: 04/23/2012
Data de Distribuição: 04/24/2012
Relator: ALEXANDRA LEITÃO
Sessões: 01
Data da Votação: 06/01/2012
Tipo de Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Sigla do Departamento 1: MDN
Entidades do Departamento 1: MINISTRO DA DEFESA NACIONAL
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 06/12/2012
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 13-09-2012
Nº do Jornal Oficial: 178
Nº da Página do Jornal Oficial: 31345
Indicação 2: ASSESSOR:ISABEL CAPELA
Conclusões:
1. Na interpretação de um negócio jurídico e, em especial, de um contrato, mesmo que se trate de um negócio formal, deve atender-se não só à vontade das partes, tal como foi declarada, mas também a outros elementos, designadamente: o conjunto das cláusulas contratuais; a finalidade prática do negócio; o comportamento das Partes na fase pré-negocial e na execução do negócio jurídico; as circunstâncias de tempo e de lugar da sua celebração e os lugares paralelos com outra(s) relações negociais entre as Partes.

2. O Contrato de Aquisição de submarinos celebrado entre o Estado português e o German Submarine Consortium é um contrato administrativo, pelo que, na ausência de legislação específica sobre a respetiva interpretação, a mesma é regulada pelos princípios gerais do Direito Administrativo e, subsidiariamente, pelas restantes normas de Direito Administrativo e, na falta destas, pelo Direito Civil.

3. A aplicação dos artigos 236.º a 239.º do CC depende de se concluir que, em cada caso concreto, aqueles preceitos se adequam ao sistema do Direito Administrativo, que é caracterizado pela funcionalização à prossecução do interesse público e à procedimentalização da atividade administrativa contratual, que contrastam com a autodeterminação de fins que preside à contratação privada.

4. A aplicação de penalidades ao abrigo do disposto na Cláusula 44.ª, n.º 1, do Contrato de Aquisição obriga a que a atualização do preço para efeitos de quantificação daquela penalidade seja efetuada nos termos da alínea a) do n.º 1 da Cláusula 12.ª, com base no Anexo 14, uma vez que apenas esta está indexada ao valor efetivamente recebido pelo Fornecedor como contrapartida da prestação dos bens - 832.851.816 € - aspeto que resulta da factualidade constante da Consulta.

5. A atualização do preço ao abrigo do Anexo 14 deve ser efetuada desde 1 de janeiro de 2004 até à data em que a meta de progresso – no caso a entrega de cada um dos submarinos - deveria ter sido realizada, sendo que esta última é que varia consoante a data da entrada em vigor do Contrato, de acordo com os quadros constantes daquele Anexo.

6. Para efeitos do preenchimento da fórmula de cálculo constante do n.º 1 da Cláusula 44.ª, o período de mora é de 59 (cinquenta e nove) dias de atraso no caso do primeiro submarino e 19 (dezanove) dias de atraso no caso do segundo.

7. O Estado português pode proceder à aplicação, junto do Fornecedor, das penalidades contratuais pelo atraso na entrega dos submarinos e pelo incumprimento definitivo das especificações técnicas até ao momento da liberação da caução, o que, por sua vez, deve ocorrer até 30 dias após o fim do período de garantia da Cláusula 34.ª – um ano a contar da receção provisória -, nos termos do n.º 6 da Cláusula 8.ª.

Texto Integral:


Senhor Ministro da Defesa Nacional
Excelência:


I – Apresentação da Consulta

Sua Excelência o Senhor Ministro da Defesa Nacional solicitou ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República a emissão de parecer urgente sobre as seguintes questões, relativas ao cumprimento do contrato de aquisição de dois submarinos diesel elétricos com sistema AIP celebrado entre o Estado português e o German Submarine Consortium (adiante designado GSC) celebrado em 21 de abril de 2004[1]:

a) A aplicação de penalidades ao abrigo do disposto na Cláusula 44.ª, n.º 1, do contrato de aquisição obriga a que a atualização do valor de aquisição dos submarinos seja efetuada apenas com base no Anexo 14, apenas com base no Anexo 15 ou com base em ambos os anexos?;

b) A atualização do preço ao abrigo do Anexo 14 deve ser efetuada nos mesmos termos e com os mesmos limites com que foi feita inicialmente, ou seja, contando-se desde a data da celebração do contrato e até à data da respetiva entrada em vigor, ou em termos distintos?;

c) Qual o prazo de que dispõe o Estado português para poder proceder junto do fornecedor à aplicação das penalidades contratuais pelo atraso verificado nas entregas dos dois submarinos e correspondente material complementar de bordo, bem como pelo incumprimento definitivo de especificações técnicas?


Na Consulta são fornecidos alguns elementos, que se analisarão no decurso do presente Parecer, sendo ainda salientado que a urgência se fica a dever à “circunstância de o Ministério da Defesa Nacional pretender, por cautela jurídica, tomar uma decisão a respeito da matéria descrita a seguir até à data da receção definitiva do segundo submarino, que se prevê tenha lugar no próximo mês de Junho”.

Ora, a matéria descrita reconduz-se, genericamente, ao atraso na entrega dos dois submarinos por parte do GSC:
- o primeiro submarino foi entregue em 17 de junho de 2010 (entendendo-se como entrega a data da receção provisória) quando deveria ter sido entregue ao Estado português em 3 de janeiro de 2010 (neste caso, as Partes reconheceram a existência de uma situação de força maior por um período de dezasseis dias), e;
- o segundo foi entregue em 22 de dezembro de 2010 quando deveria tê-lo sido em 3 de setembro de 2010.

As questões colocadas prendem-se com a determinação do montante das penalizações em caso de mora, o que pressupõe saber quais as regras aplicáveis às mesmas, quer no que respeita às respetivas atualizações, quer ao prazo para exercer esse direito junto do Fornecedor (expressão que será também utilizada no presente Parecer para referir o GSC).

Cumpre, então, emitir o pretendido parecer, com a urgência solicitada, nos termos das disposições conjugadas da alínea a) do artigo 37.º do Estatuto do Ministério Público e dos artigos 3.º e 14.º, n.º 1, do Regimento do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República.



II – Razão de ordem

Para responder às três questões formuladas pelo Consulente, o presente Parecer centrar-se-á, essencialmente, na interpretação do clausulado do Contrato de Aquisição (adiante designado Contrato), não se afigurando necessário analisar de novo a questão do procedimento pré-contratual e toda a problemática associada ao Contrato de Contrapartidas.

No Parecer 4/2010, votado na sessão de 4 de maio de 2010, homologado em 30 de maio de 2011[2], é expressamente referido o seguinte:

“5. Abordemos agora a questão subjacente à pergunta 19 – «implicações práticas do recurso à via judicial, normal e/ou urgente, na entrega/RP dos submarinos (pode o Estado recusar a entrega/RP dos submarinos)?»

Do que vem de ser dito, deverá retirar-se que, não havendo consequências na execução do Contrato de Aquisição decorrentes da execução do Contrato de Contrapartidas, não haverá, consequentemente, implicações na receção dos submarinos.

Isto é, a problemática da receção dos submarinos tem de ser apreciada no âmbito do Contrato de Aquisição.

Sabido que não compete ao Conselho Consultivo averiguar matéria de facto, nada mais podemos dizer a esse propósito.”

E, mais adiante:

“6. A resposta à 20.ª pergunta resultará já implicitamente das respostas às perguntas antes analisadas.

Portanto, dir-se-á que não, o Estado Português com base em incumprimento definitivo do Contrato de Contrapartidas não pode exigir a redução da sua contraprestação no Contrato de Aquisição.”

Finalmente, conclui-se:

“20.ª conclusão – E o incumprimento definitivo (total) do Contrato de Contrapartidas confere ao Estado o direito às indemnizações nele estipuladas, mas não lhe permite exigir a redução da sua contraprestação no Contrato de Aquisição (cfr. cláusula 19.ª do Contrato de Contrapartidas)”.

Sendo assim, é apenas com base no Contrato de Aquisição e legislação eventualmente aplicável que as questões colocadas pelo Consulente devem ser respondidas.

Para tanto, o presente Parecer desenvolver-se-á em torno dos seguintes aspetos:

(i) Análise das cláusulas do Contrato de Aquisição com relevância para a problemática sub judice;
(ii) Regras aplicáveis à atualização de preços para efeitos da quantificação das penalidades a que se refere a Cláusula 44.ª;
(iii) Regime de contagem do prazo da atualização do preço ao abrigo do Anexo 14;
(iv) Prazo para o Estado português proceder junto do Fornecedor à aplicação das penalidades contratuais pelo atraso verificado nas entregas dos dois submarinos e correspondente material complementar de bordo, bem como pelo incumprimento definitivo de especificações técnicas.


III - Análise das cláusulas do Contrato de Aquisição


1. O Contrato de Aquisição de dois submarinos e respetivos fornecimentos complementares de bordo e fornecimento complementar de terra foi celebrado entre o Estado português e o GSC em 21 de abril de 2004, tendo entrado em vigor em 24 de setembro de 2004, de acordo com o disposto na Cláusula 57.ª[3].

Como se referiu supra, a resposta às questões formuladas no âmbito da presente Consulta dependem, quase exclusivamente, da interpretação do Contrato de Aquisição, pelo que, apesar da prolixidade de algumas delas, se justifica transcrever as cláusulas relevantes:

“Cláusula 6.ª
(Autonomia dos bens integrados no fornecimento)
1 – Salvo nos casos e para os efeitos em que no presente contrato se disponha diversamente, o fornecimento dos seguintes bens constitui um todo uno e indivisível:
a) Primeiro submarino e respetivo fornecimento complementar de bordo;
b) Segundo submarino e respetivo fornecimento complementar de bordo;
c) Fornecimento complementar de terra.
2 – Sempre que tenha havido cumprimento parcial relevante das obrigações de fornecimento de bens previstos no número anterior ou o Estado entenda que há probabilidade séria de o mesmo vir a ocorrer, pode prescindir da referida unidade e indivisibilidade em relação ao fornecimento de um ou de vários dos mencionados bens, isolados ou em conjunto, mediante comunicação escrita ao Fornecedor.
3 – Para os efeitos do número anterior, considera-se cumprimento parcial relevante a receção provisória, com respeito por todas as exigências contratuais aplicáveis, dos bens previstos em cada alínea do n.º 1.
4 – Caso seja exercida a faculdade prevista no n.º 2, todas as disposições contratuais e disposições legais relevantes quanto à validade, à modificação, à extinção, à transmissão da posse ou da propriedade, bem como a quaisquer outras vicissitudes contratuais ou obrigações ou deveres das Partes, excetuando o pagamento do preço final global, são aplicáveis com autonomia relativamente ao bem ou bens cujo fornecimento tenha sito autonomizado.

Cláusula 10.ª
(Preço)
1 – O fornecimento dos bens referidos nas alíneas a) a c) do n.º 1 da Cláusula 6.ª é remunerado pelo “preço base global” de 769.324.800 € (setecentos e sessenta e nove milhões, trezentos e vinte e quatro mil e oitocentos euros), atualizável nos termos da Cláusula 12.ª; o preço resultante das atualizações ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 1 da Cláusula 12.ª constitui o “preço final global”, determinado de acordo com os anexos 14 e 15.
2 – O preço base unitário de cada bem integrado no fornecimento consta do Anexo 17.
3 – (…)
4 – (…)
Cláusula 12.ª
(Atualização do preço)
1 – Os montantes que compõem o preço base global indicado no n.º 1 da Cláusula 10.ª são submetidos a dois tipos de atualizações, nos termos dos anexos 14 e 15:
a) Atualização na data prevista para a emissão de cada certificado de cálculo do valor de referência da meta de progresso, nos termos do Anexo 14;
b) Atualização na data de cumprimento integral das obrigações de fornecimento dos bens a que se refere o n.º 1 da Cláusula 6.ª, nos termos do Anexo 15.
2 – No caso de a emissão do certificado de cálculo do valor de referência da meta de progresso ocorrer em momento posterior ao previsto no Anexo 13 por facto imputável ao Fornecedor, não se aplica a atualização prevista na alíena a) do número anterior relativamente ao período de tempo que mediar entre a data inicialmente prevista, de acordo com aquele anexo, e a data em que efetivamente ocorra a emissão do certificado de cálculo do valor de referência da meta de progresso.

Cláusula 13.ª
(Pagamento do Preço)
O preço final global do fornecimento é integralmente pago no prazo de 5 dias após a assinatura do protocolo de aceitação relativo à receção provisória do último dos bens previstos no n.º 1 da Cláusula 6.ª.
Cláusula 17.ª
(Prazo de execução contratual)
1 – O Fornecedor obriga-se a cumprir os seguintes prazos:
a) Entrega do primeiro submarino e respetivo fornecimento complementar de bordo: 63 meses e 10 dias após a data da entrada em vigor do presente contrato, com exceção do Aprestamento Final (Final Outfit), o qual será concluído no prazo de 64 meses e 10 dias após a data da entrada em vigor do presente contrato[4];
b) Entrega do segundo submarino e respetivo fornecimento complementar de bordo: 71 meses e 10 dias a contar da data da entrada em vigor do presente contrato, conforme meta de progresso 12B, com exceção da verificação da meta de progresso 13B, a qual será concluída 77 meses após a data da entrada em vigor do presente contrato[5];
c) Entrega dos bens compreendidos no fornecimento complementar de terra: nos prazos indicados nos anexos 4, 5 e 16, consoante a natureza do bem;
d) (…)
2 – (…)
3 – (…)
Cláusula 19.ª
(Atrasos nas entregas de bens)
1 – Considera-se haver mora do Fornecedor quanto à obrigação de entrega dos bens objeto do presente contrato decorrido que seja o prazo previsto para a mesma sem que o Fornecedor cumpra tal obrigação, por facto que lhe seja imputável.
2 – Quando a mora relativa à entrega de um bem exceder 11 meses, tem o Estado o direito de considerar como definitivamente incumprida a obrigação do Fornecedor quanto ao fornecimento desse bem.
3 – Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, caso o Estado comunique ao Fornecedor manter o interesse no cumprimento da obrigação, o Fornecedor permanece vinculado a tal cumprimento e à entrega dos correspondentes bens.
4 – As situações de mora e de incumprimento definitivo previstas na presente cláusula têm as consequências previstas nas cláusulas 44.ª a 46.ª, consoante o caso.
Cláusula 29.ª
(Receção provisória dos submarinos e respetivo fornecimento complementar
de bordo)
1 – Cada um dos submarinos e respetivo fornecimento complementar de bordo será objeto de receção provisória autónoma pelo Estado, a qual ocorrerá no estaleiro do Fornecedor em Kiel e/ou em Emden, na Alemanha.
2 – A receção provisória dos bens referidos no número anterior ocorre após a realização dos correspondentes testes de aceitação no mar (SAT), nos termos previstos no Anexo 2, e a assinatura dos respetivos certificados, ficando, porém, condicionada à conclusão com sucesso das ações de formação a que se refere a Cláusula 28.ª.
3 – A receção provisória é atestada através da assinatura de um protocolo de aceitação.
4 – (…)
5 – (…)
6 – (…)
Cláusula 31.ª
(Transferência da posse e da propriedade)
1 – Com a assinatura dos protocolos de aceitação mediante os quais se atesta a receção provisória dos bens integrados nos fornecimentos previstos na Cláusula 6.ª, transfere-se para o Estado a posse de tais bens, assim como o risco de deterioração ou perecimento dos submarinos, sem prejuízo das obrigações de garantia que impendem sobre o Fornecedor nos termos da Cláusula 34.ª.
2 – Sem prejuízo do n.º 2 da Cláusula 6.ª, a propriedade sobre os bens integrados nos fornecimentos previstos no n.º 1 da mesma cláusula apenas se transmite para o Estado após a receção provisória, nos termos das cláusulas 27.ª e 29.ª, consoante o caso, do último dos bens aí em causa, seja ele qual for.
3 – (…)
4 – (…)
5 – (…)
Cláusula 33.ª
(Receção definitiva)
1 – A receção definitiva dos bens integrados nos fornecimentos previstos no n.º 1 da Cláusula 6.ª depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
a) Para o primeiro submarino: Termo do período de garantia de um ano a contar da receção provisória e termo de um ano após a verificação da meta de progresso 12 A nos termos do Anexo 13, sem prejuízo da necessidade de aceitação específica posterior, pelo Estado, de cada acessório, equipamento ou de outro componente cujo prazo de garantia não tenha ainda expirado[6];
Para o segundo submarino: Termo do período de garantia de um ano a contar da receção provisória e termo um ano após a verificação da meta de progresso 13 B nos termos do Anexo XIII, sem prejuízo da necessidade de aceitação específica posterior, pelo Estado, de cada acessório, equipamento ou de outro componente cujo prazo de garantia não tenha ainda expirado[7];
b) Cumprimento pelo Fornecedor de todas as suas obrigações de garantia definidas na Cláusula 34.ª e no Anexo 11.
2 – A receção definitiva é notificada por escrito ao Fornecedor, mas presume-se como verificada se o Estado não emitir, no prazo de 45 dias a contar do termo do período de garantia, declaração em sentido contrário, com especificação dos defeitos de que padeçam os bens fornecidos.
Cláusula 42.ª
(Incumprimento)
1 – Em caso de mora, incluindo situações de cumprimento defeituoso ou não cumprimento de qualquer obrigação prevista neste contrato e respetivos anexos, pode o Estado notificar o Fornecedor, conferindo-lhe um prazo razoável para cumprir pronta e integralmente a obrigação em causa.
2 – Se o Fornecedor não cumprir pronta e integralmente a obrigação em causa no prazo indicado nos termos do número anterior, pode o Estado declarar o incumprimento definitivo de tal obrigação e de outras que lhe sejam dependentes.
Cláusula 43.ª
(Consequências do incumprimento de especificações técnicas)
1 – O incumprimento definitvo, pelo Fornecedor, de especificações técnicas a que se encontre contratualmente vinculado tem as seguintes consequências, consoante o caso:
a) Tratando-se de especificações técnicas para cujo incumprimento se preveja a aplicação de penalidades, nos termos do n.º 1 do Anexo 3, aplica-se a penalidade prevista nesse mesmo n.º 1;
b) Tratando-se de especificações técnicas que se não encontrem associadas a penalidades e estejam previstas no n.º 2 do Anexo 3, o Estado pode recusar a receção provisória do submarino em causa e, verificando-se os pressupostos da alínea d) do n.º 1 da Cláusula 45.ª, pode resolver o presente contrato ou optar por reduzir o preço final global do submarino, devendo, neste caso, o valor da redução ser determinado por acordo das Partes ou, na falta deste, mediante arbitragem;
c) Tratando-se de especificações técnicas que se não encontrem associadas a penalidades nem estejam previstas no n.º 2 do Anexo 3, a missão de fiscalização e acompanhamento deve notificar o Fornecedor do incumprimento em causa, indicando, caso tal seja possível, as medidas corretivas a tomar; seguidamente, as Partes devem tentar a resolução consensual da divergência; caso tal tentativa não tenha êxito, qualquer das Partes pode solicitar a realização de uma perícia por um perito designado pela Lloyd’s Register of Shiping, a qual tem como objeto único e exclusivo a apreciação do cumprimento, ou não, por parte do Fornecedor, da especificação técnica em causa; a perícia deve estar concluída no prazo de 10 dias a contar da data em que a missão de fiscalização e acompanhamento tenha notificado o Fornecedor do incumprimento; caso o relatório da perícia conclua no sentdo de ter havido incumprimento por parte do Fornecedor, deve este adotar as medidas corretivas necessárias; se não o fizer em prazo razoável, o Estado pode acionar, na devida proporção, a caução de bom e pontual cumprimento prevista na Cláusula 7.ª.
2 – O regime previsto no n.º 1 é aplicável quer tenha havido incumprimento efetivo por parte do Fornecedor, quer este declare que não pode ou não poderá cumprir as especificações técnicas em causa, independentemente de tal declaração ser proferida antes ou depois dos testes em fábrica, a cais ou no mar (FAT, HAT ou SAT) a que haja lugar.
3 – Os montantes das penalidades previstas no Anexo 3 que sejam fixados em valores absolutos serão atualizados desde 1 de janeiro de 2004 até à data em que o seu pagamento seja devido, com aplicação da fórmula, prevista no Anexo 15 relativa à alínea a) do n.º 1 da Cláusula 12.ª.
Cláusula 44.ª
(Penalidades por mora)
1 – Pelos dias de mora, nos termos estabelecidos no n.º 1 da Cláusula 19.ª, depois de decorridos 3 meses após o termo do prazo de entrega dos bens integrados nos fornecimentos previstos no n.º 1 da Cláusula 6.ª, de acordo com a Cláusula 17.ª, o Fornecedor paga ao Estado, a título de penalidade, o montante que resultar do produto da percentagem obtida através da aplicação da seguinte fórmula pelo preço dos referidos bens cuja entrega se encontre atrasada, devidamente atualizado nos termos da Cláusula 12.ª:

m = (X / 240)2 x 5%

m = percentagem a multiplicar pelo preço dos bens cuja entrega se encontre atrasada para se obter o montante da penalidade relativa a X dias de mora

X = número de dias de mora após o decurso de 3 meses mencionado no proémio deste número

2 – O Estado pode compensar os créditos de que seja titular em virtude da aplicação das penalidades previstas na presente cláusula com o pagamento do preço final global do fornecimento.
Cláusula 50.ª
(Contagem dos prazos)
1 - Salvo quando expressamente se disponha em sentido contrário, os prazos previstos em dia no presente contrato e os seus anexos correspondem a dias de calendário e são contínuos, correndo em sábados, domingos e dias feriados e não se suspendendo nem interrompendo em férias.
2 – Salvo quando expressamente se disponha em sentido contrário, os prazos previstos em meses no presente contrato e seus anexos correspondem a meses de calendário e termina[m] às 24 horas do último dia do mês correspondente ao dia em que o prazo teve início; caso o último mês não compreenda dia correspondente, o prazo terminará no último dia desse mês[8].”


2. Refira-se que o Contrato não remete para qualquer legislação nacional ou da União Europeia, nem determina a aplicação supletiva de qualquer normativo, sem prejuízo de, naturalmente, as regras gerais sobre cumprimento das obrigações serem aplicáveis, em caso de lacuna e sempre com as devidas adaptações.

Por outro lado, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 14/98, de 30 de janeiro[9], que aprovou o Programa Relativo à Aquisição de Submarinos destinados à Marinha Portuguesa (adiante designado PRAS) prevendo a aquisição de três submarinos diesel elétricos, nada acrescenta ao regime constante do próprio Contrato, como resulta dos artigos 38.º e 41.º do PRAS, aprovado em anexo à Resolução n.º 14/98, acima referida.

O mesmo acontece com a Resolução do Conselho de Ministros n.º 183/2003, de 25 de novembro, que homologou a adjudicação do Contrato de aquisição ao GSC.

3. Das cláusulas acima transcritas e sem prejuízo de uma análise mais detalhada a propósito da resposta a cada uma das questões colocadas na Consulta (v. infra os pontos IV, V e VI), resulta que:

a) No Contrato de Aquisição ficou previsto que o primeiro submarino fosse entregue ao Estado português 63 meses e 10 dias após a entrada em vigor do Contrato, ou seja, a 3 de janeiro de 2010, e o segundo 71 meses e 10 dias a contar dessa mesma data, ou seja, a 3 de setembro de 2010 [Cláusula 17.ª, n.º 1, alíneas a) e b)];

b) Cada submarino seria objeto de receção provisória autónoma pelo Estado, mediante assinatura de um protocolo de aceitação, antecedido da realização de testes (Cláusula 29.ª);

c) Sendo assim, o cumprimento dos prazos referidos supra é aferido por referência à data da receção provisória, o que veio a ocorrer em 17 de junho de 2010 no caso do primeiro submarino (neste caso, as Partes reconheceram a existência de uma situação de força maior por um período de dezasseis dias) e em em 22 de dezembro de 2010 para o segundo submarino;

d) Ficou ainda acordado que as penalidades por mora na entrega dos submarinos só seriam aplicadas se o atraso excedesse os três meses, sendo certo que se este excedesse os onze meses, tal conferiria ao Estado português o direito a resolver o Contrato (Cláusulas 19.ª e 44.ª);

e) Após o decurso desses três meses, há lugar à aplicação de penalidades, e estas só podem ter em conta o atraso verificado após essa dilação. Por outras palavras: esses três meses não contam como mora, uma vez que a fórmula estabelecida para contabilizar as penalidades estabelece como factor “X” o “número de dias de mora após o decurso de 3 meses mencionado no proémio deste número”, logo, só são tidos em conta os dias posteriores a esses três meses;

f) As penalidades são quantificadas com base numa fórmula obtida por referência ao preço atualizado de acordo com a Cláusula 12.ª (Cláusula 44.ª);

g) O preço acordado para o fornecimento dos bens é de € 769.324.800, atualizável nos termos da Cláusula 12.ª, sendo o preço estipulado inicialmente o “preço base global” e o que resulta das atualizações o “preço final global” (Cláusula 10.ª);

h) Há dois tipos de atualizações, as previstas em cada meta de progresso e a que se aplica no fim, após o cumprimento integral das obrigações de fornecimento dos bens (Cláusula 12.ª);

i) O preço final global deve ser pago no prazo de cinco dias a contar do protocolo de aceitação da receção provisória do último dos bens (Cláusula 13.ª);

j) A posse dos submarinos transfere-se para o Estado com a assinatura dos referidos protocolos e a propriedade com a receção provisória do último bem, seja ele qual for (Cláusula 31.ª);

k) Um ano após a receção provisória de cada um dos bens (prazo de garantia constante da Cláusula 34.ª) ocorrerá a receção definitiva dos mesmos (Cláusula 33.ª).

Cumpre, agora, analisar separadamente cada uma das três questões colocadas na Consulta.


IV - Regras aplicáveis à atualização de preços para efeitos da quantificação das penalidades a que se refere a Cláusula 44.ª

4. Quanto a este problema, a questão que é concretamente apresentada a este Conselho é a de saber se “[A] aplicação de penalidades ao abrigo do disposto na Cláusula 44.ª, n.º 1, do contrato de aquisição obriga a que a atualização do valor de aquisição dos submarinos seja efetuada apenas com base no Anexo 14, apenas com base no Anexo 15 ou com base em ambos os anexos?”

Por outras palavras, trata-se de determinar se a remissão genericamente efetuada, na Cláusula 44.ª, para a Cláusula 12.ª, ambas acima transcritas na íntegra, se refere à alínea a) ou à alínea b) desta cláusula, e, consequentemente, a atualização do preço para efeitos de quantificação do montante da penalidade a aplicar ao Fornecedor é feito com base no Anexo 14 ou no Anexo 15.

No Anexo 14, a atualização do preço base global é efetuada aquando da verificação, através da emissão do respetivo certificado, de cada meta de progresso (ou “milestone”), que corresponde ao cumprimento de fases intermédias do Contrato, cujo entrega está calendarizada nos quadros constantes daquele Anexo.

O Anexo 15, por sua vez, ocorre na data de cumprimento integral das obrigações de fornecimento dos bens e tem em conta uma fórmula de cálculo que inclui, na equação matemática em causa, uma parcela relativa ao montante fixo de juros que o Estado português tem de suportar com o financiamento do Contrato de Aquisição (n.ºs 1 e 2 do Anexo 15)[10].

4.1. No pedido de Parecer, o Consulente salienta, exatamente quanto a esta matéria, que:

“A dúvida torna-se mais premente quando praticamente a totalidade das cláusulas que se referem a atualizações do preço ou a limites pecuniários que tenham em consideração o preço dos bens adquiridos pelo Estado português se reporta expressamente apenas à alínea a) do n.º 1 da Cláusula 12.ª.
(…)
Por outro lado, e não menos relevante, a atualização prevista na alínea b) do n.º 1 da Cláusula 12.ª pressupõe a aplicação do Anexo 15 ao contrato de aquisição, que, por sua vez, inclui a fórmula de cálculo dos juros suportados pelo Estado português com o financiamento do contrato de aquisição. Por isso, e teoricamente, a aplicação desse Anexo 15 conduzirá a um montante de penalidades contratuais mais elevado do que aquele que resultaria da aplicação do Anexo 14.
(…)
É importante ter presente que (…) o modelo de financiamento previsto no contrato de aquisição resulta de uma iniciativa do Estado português, enquanto alternativa à proposta apresentada pelo GSC. Enquanto que o contrato de aquisição prevê que o pagamento dos submarinos seja efetuado, na sua globalidade, após a respetiva entrega pelo GSC, o modelo inicialmente proposto pelo GSC previa a realização de pagamentos parciais e sucessivos, por parte do Estado português, ao GSC, mesmo durante a fase de construção dos submarinos.

Nesta perspetiva, os sucessivos pagamentos periódicos efetuados ao GSC, por ocasião de cada milestone, de acordo com o modelo de financiamento vertido no contrato de aquisição, correspondem à contraprestação que é devida ao GSC. Correspondem, pois, a pagamentos parciais e sucessivos do preço dos bens que o Estado português adquiriu ao GSC. Mas os juros assumidos pelo Estado português perante as instituições financiadoras não têm tal natureza e, de acordo, com os elementos disponíveis, não se inserem na contraprestação que o GSC propôs no procedimento e que lhe é devida pela aquisição dos submarinos. Correspondem, isso sim, a encargos do Estado português decorrentes do mencionado modelo de financiamento e não representam uma contraprestação devida ao consórcio GSC – sem prejuízo do regime previsto no contrato de aquisição para a determinação do valor das diversas prestações e da subsequente compensação.

Nesta linha, a fixação das penalidades por indexação ao custo global dos submarinos, considerando, igualmente, os juros pagos pelo Estado português às entidades financiadoras, pode implicar um desvio ao modelo tradicional de indexação das penalidades ao valor da contraprestação real recebida pela entidade sujeita às mesmas penalidades. Ou seja, se se assumisse a aplicação simultânea das atualizações previstas nos Anexos 14 e 15, as penalidades contratuais seriam calculadas em função de um valor superior ao que o GSC efetivamente recebeu ao abrigo do contrato celebrado com o Estado português.”


Apesar de longa, esta transcrição afigura-se necessária, por um lado, para compreender certos aspetos relacionados com a negociação ocorrida entre o Estado e o Fornecedor, e, por outro lado, porque o Consulente apresenta no pedido de Parecer vários argumentos em favor de uma das soluções.

É, designadamente, de salientar o facto de resultar claramente da parte final desta transcrição que o preço final global a pagar pelo Estado português nos termos da Cláusula 13.ª do Contrato é feito à entidade bancária e não ao Fornecedor, sendo que este última apenas recebe o preço base global com as atualizações resultantes da alínea a) do n.º 1 da Cláusula 12.ª.

Isto mesmo é corroborado por informações posteriormente obtidas por este Conselho, oriundas da Direcção-Geral de Infra-estruturas da Defesa, que também se transcrevem pela enorme pertinência que assumem na economia do presente Parecer:
“- se o preço final global foi pago no prazo previsto no contrato (5 dias, segundo a Cláusula 13.ª)?
O pagamento final global foi pago no prazo previsto no contrato. O Estado efeutou o pagamento de 1.000.971.869 € (mil milhões, novecentos e setente e um mil, oitocentos e sessenta e nove euros) ao consórcio bancário no dia 28 de Dezembro de 2010.
- se o preço final é igual ao valor pago ao fornecedor ou se há diferença por via da imputação de custos de financiamento?
O preço final global não é igual ao valor prago ao fornecedor. O fornecimento dos bens objeto do contrato foi remunerado pelo “preço base global” de 769.324.800 € (setecentos e sessenta e nove milhões, trezentos e vinte e quatro mil e oitocentos euros), atualizável nos termos da cláusula 12.ª, o qual veio a constituir o “preço final global” no montante de 832.851.816 € (oitocentos e trinta e dois milhões, oitocentos e cinquenta e um mil, oitocentos e dezasseis euros). Tendo presente a necessidade de financiamento dos encargos resultantes da construção dos submarinos, o Estado contratualizou um Swap agreement com o consórcio bancário CSFB/ESI, do que resultou um encargo liquidado a este consórcio, à data da aceitação provisória do 2.º submarino (22 de Dezembro de 2010), com recurso a financiamento externo à LPM, no montante de de 1.000.971.869 € (mil milhões, novecentos e setente e um mil, oitocentos e sessenta e nove euros).”

Daqui retira-se um elemento que é pressuposto essencial do presente Parecer: a de que o “preço final global” não corresponde ao valor pago ao Fornecedor como contrapartida pelos bens – isso é o “preço base global”, ainda que atualizado -, mas sim ao somatório deste preço (832.851.816 €) com os custos de financiamento assumidos pelo Estado português junto da entidade bancária (168.120.053 €, correspondentes à diferença entre 1.000.971.869 € e 832.851.816 €)-

Refira-se, finalmente, ainda que, de acordo com informação constante da Consulta, o Fornecedor deu a sua concordância à aplicação de penalidades se as mesmas forem indexadas ao preço atualizado de acordo com o Anexo 14, mas não se as mesmas tiverem em conta o preço atualizado nos termos do Anexo 15.

5. A interpretação de um Contrato deve ter em conta quer a própria letra das cláusulas, não só daquelas que são diretamente aplicáveis ao caso em apreço, mas também de outras que utilizam os mesmos conceitos e expressões, quer aspetos relativos à teleologia das cláusulas e à razão de ser das soluções nelas vertidas.

5.1. Quanto ao primeiro aspeto, é tradicional distinguir uma conceção subjetivista e uma conceção objetivista quanto à interpretação dos negócios jurídicos, consoante se considere que aquela deve procurar encontrar a vontade real das Partes[11], ou, pelo contrário, o sentido que a declaração tem para “os membros de uma comunidade de pessoas (...) ou para um membro dessa comunidade, considerado como um terceiro, um declarante ou declaratário normal ou razoável, colocado na situação concreta em que se encontrava o declaratário[12].

No artigo 236.º do Código Civil (adiante designado CC) consagra-se uma solução sobre cuja qualificação a doutrina diverge: há Autores que a consideram subjetivista[13], outros objetivista[14] e outros ainda eclética, por proporcionar um equilíbrio das posições do declarante e do declaratário[15].

A verdade é que, independentemente da posição adotada, do artigo 236.º do CC resulta que a vontade real do autor do negócio jurídico não determina, por si só, o sentido decisivo do mesmo. Este encontra-se, isso sim, no sentido “que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”, sem prejuízo de “[S]empre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida” (n.ºs 1 e 2 do preceito).

Isto significa que o teor da declaração deve ser integrada pelo conjunto das circunstâncias de facto – quer anteriores à declaração, quer simultâneas – que permitam descobrir as verdadeiras intenções do autor[16].

Por isso, o ponto de vista do declaratário hipotético é abandonado se o declaratário real apreendeu, em função dessas circunstâncias, o verdadeiro sentido da declaração. Trata-se, então, do sentido subjetivo comum[17].

Justifica-se, contudo, analisar em que termos estas considerações se aplicam aos contratos, visto que a sua formação nem sempre se processa segundo o modelo proposta e aceitação, nem é inevitável que a aceitação se limite a uma mera concordância com a proposta[18].

De facto, um contrato resulta, talvez na maior parte das vezes, da subscrição de um mesmo texto escrito, exigido por lei ou adotado livremente pelas partes, não deixando, por isso, de haver duas declarações de diferente autoria[19].

Num primeiro momento, estas são objeto de interpretação autónoma, de acordo com o ponto de vista de cada um dos declaratários, mas, num segundo momento lógico, procura-se o consenso, “resultado de um processo hermenêutico que consiste na comparação entre os sentidos juridicamente relevantes de cada uma das declarações contratuais e na averiguação da sua concordância”[20].

Essa averiguação deve atender às “variantes mais complexas (em que se encadeiam – segundo diversas combinações – convites a contratar, propostas parcialmente rejeitadas, contrapostas, cláusulas contratuais gerais, enunciados constituintes de uma diálogo concentrado), pela demonstração de que as declarações de cada uma das partes inserem os componentes contratuais comuns e as remissões concordantes suficientes para que os respetivos projetos contratuais se considerem realizados e conformes”[21].

Trata-se de uma análise que se afigura necessária no caso sub judice.

5.2. Nos termos do artigo 238.º, nos negócios formais - categoria em que se insere o Contrato em apreço, como se demonstrará infra – “não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 1)[22], embora “[E]sse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das Partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade” (n.º 2).

A maior relevância atribuída ao texto do documento, que se traduz num reforço do objetivismo[23], não afasta, no entanto, o recurso a outros elementos interpretativos extrínsecos ao documento, surgindo apenas como limite à validade de certos sentidos que possam ser encontrados[24].

Esses outros elementos incluem, desde logo[25]:
- o conjunto ou a totalidade do negócio jurídico ou do contrato, no quadro de uma interpretação complexiva das declarações e das cláusulas;
- a finalidade prática do negócio;
- o comportamento das Partes na fase pré-negocial e na execução do negócio jurídico;
- as circunstâncias de tempo e de lugar da sua celebração;
- os lugares paralelos com outra(s) relações negociais entre as Partes.

Ora, é na análise destes outros elementos da interpretação que assume importância o segundo conjunto de aspetos referidos supra, ou seja, a teleologia das cláusulas e a razão de ser das soluções nelas vertidas.

Quanto a estes aspetos, não pode deixar de se tomar em consideração os factos relatados na Consulta e, designadamente, que, aquando das negociações, ficou claro que o modelo acordado, resultante de uma proposta do Estado português, segundo o qual o pagamento dos submarinos seria efetuado, na sua globalidade, após a respetiva entrega é uma alternativa à solução apresentada pelo GSC, que previa a realização de pagamentos parciais e sucessivos mesmo durante a fase de construção dos submarinos.

E que, em ambas as soluções, o preço corresponde a uma contraprestação devida ao Fornecedor, pelo que esse preço não pode incluir os juros assumidos pelo Estado português. É matéria à qual se retornará infra.

Por sua vez, a necessidade de atender ao conjunto ou à totalidade do negócio jurídico ou do contrato, no quadro de uma interpretação complexiva das declarações e cláusulas, implica que se analise em que sentido a expressão em causa foi utilizada noutras cláusulas deste Contrato. Esta é uma tarefa que se impõe no âmbito da presente Consulta e que nos propomos realizar no ponto 7. do presente Parecer.

5.3. Finalmente, nos casos duvidosos, o artigo 237.º do CC determina que: “[E]m caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.”

Tal aplica-se, designadamente, quando o intérprete, colocado na posição do real declaratário, atribuiria, com igual plausibilidade, dois ou mais sentidos a uma declaração[26]. Nesta situação, aplica-se supletivamente o critério constante do preceito acima referido.


Este critério tem, aliás, uma aplicação especialmente justificada no caso dos contratos administrativos, pelas razões que melhor se exporão subsequentemente.

6. O Contrato em apreço assume a natureza de contrato administrativo – como ficou demonstrado no Parecer 4/2010 deste Conselho, já citado[27] -, razão pela qual a sua interpretação obedece a princípios e regras específicos do Direito Administrativo, tendo de se analisar em que medida e com que adaptações as regras de Direito Civil, acima referidas, lhe são aplicáveis.

O Código dos Contratos Públicos (adiante designado CCP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro[28] - aqui referido apenas atendendo ao seu caráter tendencialmente omnicompreensivo ao nível do regime jurídico dos contratos administrativos, na medida em que não é aplicável ao Contrato sub judice, atendendo ao disposto no artigo 16.º do respetivo diploma preambular[29] - não contém nenhuma disposição relativa à interpretação dos contratos administrativos.

O artigo 280.º do CCP, que se transcreve de seguida, define o Direito aplicável aos contratos administrativos:
“Artigo 280.º
Direito aplicável
1 - Na falta de lei especial, as disposições do presente título são aplicáveis às relações contratuais jurídicas administrativas.
2 - As disposições do presente título são subsidiariamente aplicáveis às relações contratuais jurídicas administrativas reguladas em especial no presente Código ou em outra lei, sempre que os tipos dos contratos não afastem as razões justificativas da disciplina em causa.
3 - Em tudo quanto não estiver regulado no presente Código ou em lei especial e não for suficientemente disciplinado por aplicação dos princípios gerais de direito administrativo, são subsidiariamente aplicáveis às relações contratuais jurídicas administrativas, com as necessárias adaptações, as restantes normas de direito administrativo e, na falta destas, o direito civil.”

Ora, como a matéria da interpretação dos contratos administrativos não está regulada no CCP, aplica-se à mesma, em primeiro lugar, os princípios gerais do Direito Administrativo e, subsidiariamente, as restantes normas de Direito Administrativo e, na falta destas, o Direito Civil. Trata-se de uma recepção material e não formal da lei civil, que deve, por isso, ser interpretada à luz do sistema de Direito Administrativo.

Assim, a aplicação dos artigos 236.º a 239.º do CC depende de se concluir que, em cada caso concreto, as mesmas se adequam ao sistema do Direito Administrativo, que é caracterizado pela funcionalização à prossecução do interesse público e à procedimentalização da atividade administrativa contratual, que contrastam com a autodeterminação de fins que preside à contratação privada[30].

Estas características conduzem a uma maior objetivação da interpretação do Contrato, à qual não deixam de se aplicar, apesar disso, os n.ºs 1 e 2 do artigo 236.º do CC ex vi o artigo 280.º, n.º 3, do CCP[31].

Do mesmo modo, também o artigo 238.º do CC é aplicável aos contratos administrativos, na medida em que estes são negócios formais. Consideram-se negócios formais ou solenes aquele para os quais a lei prescreve a necessidade da observância de determinada forma ou formalidades.

Enquanto que nos contratos privados, o princípio geral em matéria de formalismo negocial é o princípio da liberdade declarativa ou liberdade de forma ou consensualidade, nos termos do art. 219º do CC, não é essa a regra nos contratos administrativos, relativamente aos quais a lei impõe a forma escrita, quer nos termos do artigo 94.º do CCP[32], quer, antes de este entrar em vigor, de acordo com o artigo 184.º do Código do Procedimento Administrativo (adiante designado abreviadamente CPA)[33].

Por sua vez, o artigo 237.º, relativo aos critérios de resolução de casos duvidosos, também se aplica aos contratos administrativos, tanto mais que, tratando-se de contratos onerosos – como acontece na hipótese vertente – a solução do preceito do CC, que aponta para a solução que conduza ao maior equilíbrio das prestações, é exatamente a mesma que resulta do artigo 281.º do CCP, que se transcreve de seguida:
“Artigo 281.º
Proporcionalidade e conexão material das prestações contratuais
O contraente público não pode assumir direitos ou obrigações manifestamente desproporcionados ou que não tenham uma conexão material directa com o fim do contrato.”

Mais: deve mesmo presumir-se que o conteúdo contratual reflete um equilíbrio financeiro entre as Partes, sob pena de dar azo à reposição desse equilíbrio, nos termos do artigo 282.º do CCP[34].

Refira-se, aliás, que, no que respeita à interpretação, a relação jurídica constituída pelo contrato administrativo assume natureza paritária, na medida em que o contraente público não tem o poder de impor unilateralmente nenhuma solução. Nesta matéria, as declarações do contraente público são meras declarações negociais, “pelo que, na falta de acordo do co-contratante, o contraente público apenas pode obter os efeitos pretendidos através do recurso à ação administrativa comum” (artigo 307.º, n.º 1, do CCP)[35].

Sendo assim, os elementos que podem ser utilizados na interpretação dos contratos administrativos são os seguintes[36]:
- elementos linguísticos (a letra do texto, entendida como o conjunto ou a totalidade do negócio jurídico ou do contrato, no quadro de uma interpretação complexiva das declarações e cláusulas);
- elementos genéticos (constantes do procedimento pré-contratual)[37];
- elementos sistemáticos (intrínsecos e extrínsecos);
- elementos retirados dos comportamentos das Partes.

Estes elementos convergem com o que acima se referiu como aspetos a ter em conta na interpretação dos contratos de Direito Civil (cfr. o ponto 5.2.), pelo que a este elenco se deve acrescentar a finalidade prática do negócio[38], as circunstâncias de tempo e de lugar da sua celebração e os lugares paralelos com outra(s) relações negociais entre as Partes.

Como refere EMILIO BETTI, “[A] interpretação estabelece o conteúdo e reconstrói o significado de declarações e comportamentos, atentando também para os factos antecedentes e os consequentes que a eles se conectam, e, em particular, considerando as negociações que geram a conclusão do negócio, bem como os modos de conduta que posteriormente se prestou em observância ao negócio concluído”[39].

7. Cumpre, agora, proceder à análise da primeira questão colocada pelo Consulente: saber se “[A] aplicação de penalidades ao abrigo do disposto na Cláusula 44.ª, n.º 1, do contrato de aquisição obriga a que a atualização do valor de aquisição dos submarinos seja efetuada apenas com base no Anexo 14, apenas com base no Anexo 15 ou com base em ambos os anexos?”

7.1. Começando pelos argumentos de natureza linguística, tendo em conta a totalidade das cláusulas contratuais, a noção de preço utilizada no n.º 1 da Cláusula 44.ª, sendo equívoca, parece estar mais próxima do conceito de “preço base global” do que de “preço final global”.

De facto, o preceito refere-se ao “preço dos referidos bens cuja entrega se encontre atrasada”, isto é, o preço de 769.324.800 € (setecentos e sessenta e nove milhões, trezentos e vinte e quatro mil e oitocentos euros), referido na Cláusula 10ª, e que é o valor da prestação a fornecer pelo GSC.

Se se tomasse em consideração, para efeitos da quantificação da penalidade da Cláusula 44.ª, o “preço final global”, ou seja, aquele que resulta das atualizações nos termos dos Anexos 14 e 15, a penalidade não teria como padrão o valor da contraprestação.

Mais: numa análise da totalidade do Contrato, no quadro de uma interpretação complexiva das respetivas cláusulas, verifica-se que em todas as disposições nas quais está em causa a quantificação de obrigações do Fornecedor, estas estão indexadas ao preço base global e não ao preço final global.

Tal acontece:
- para efeitos de determinação do valor da caução, que é fixada em 5% do preço base global (Cláusula 7.ª, n.º 1);
- para aumento ou redução posterior do valor da caução (Cláusula 8.ª, n.ºs 1 e 2);
- para definição dos valores que o seguro a fazer pelo Fornecedor deve cobrir [Cláusula 36.ª, n.º 2, alínea b)];
- para limitar a responsabilidade do Fornecedor, que nunca pode ser obrigado a pagar indemnizações de valor superior a uma determinada percentagem do preço base global, após a atualização a que se refere a alínea a) do n.º 1 da Cláusula 12.ª (Cláusula 41.ª, n.ºs 1 e 3).

Isto significa que dos argumentos sistemáticos intrínsecos da interpretação do texto do Contrato resulta que as obrigações e responsabilidades do Fornecedor são sempre quantificadas através de uma fórmula aplicada ao preço base global, não havendo razões para concluir de forma diferente quanto às penalidades por mora.

7.2. Ainda à luz dos elementos de natureza linguística, assume igualmente relevância fundamental o sentido em que a expressão “atualização” é utilizado na Cláusula 44.ª, recorrendo para a determinação do mesmo aos lugares paralelos retirados de outras disposições contratuais que remetam também para a Cláusula 12.ª.

No texto do Contrato encontram-se referências a atualizações nas seguintes Cláusulas:
- Cláusula 8.ª, n.º 4, alínea c), sobre aumento da caução quando haja lugar a atualizações ao abrigo da Cláusula 12.ª e do Anexo 15;
- Cláusula 12.ª, que determina o alcance dos dois tipos de atualizações, ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 1 e dos Anexos 14 e 15, respetivamente;
- Cláusula 36.ª, n.º 2, alínea b) para determinação dos valores que o seguro deve cobrir, referindo-se ao preço base global atualizado de acordo com a Cláusula 12.ª, sem esclarecer qual das alíneas do n.º 1 desta cláusula se deve aplicar;
- Cláusula 41.º, n.ºs 1 e 3, sobre limitação da responsabilidade do Fornecedor, identificando expressamente a alínea a) do n.º 1 da Cláusula 12.ª;
- Cláusula 43.ª, n.º 3, a propósito das penalidades pelo incumprimento de especificações técnicas, sendo que o preceito manda aplicar a atualização da alínea a) do n.º 1 da Cláusula 12.ª, embora remeta para o Anexo 15;
- Cláusula 44.ª, sobre as penalidades por mora, que remete genericamente para a Cláusula 12.ª, e;
- Cláusula 46.ª, n.º 1, alínas a) e b) e n.º 2, a propósito da indemnização por resolução por parte do Estado, que determina a aplicação da atualização da alínea a) do n.º 1 da Cláusula 12.ª e do Anexo 14 .

A expressão atualização encontra-se em diversas cláusulas do Contrato, sendo que apenas numa delas se refere explicitamente o Anexo 15 [na Cláusula 8.ª, n.º 4, alínea c), apesar de remeter para toda a Cláusula 12.ª] e nas restantes a remissão é sempre ou para a alínea a) do n.º 1 da Cláusula 12.ª[40] ou para esta disposição em geral, sem especificação de nenhuma das alíneas (como acontece, exatamente, na Cláusula 44.ª, da qual se ocupa o presente Parecer).

No pedido de Parecer, o Consulente analisou com algum pormenor estes lugares paralelos, em termos que se afiguram muito pertinentes e, por isso, se transcrevem de seguida:

“Não menos importante, e sem prejuízo da própria cláusula do preço, parece ser a circunstância de apenas três outras remeterem, em termos genéricos, para o n.º 1 da Cláusula 12.ª do contrato de aquisição, sem a especificação de qual(is) a(s) alínea(s) relevante(s) para o efeito: (i) Cláusula 8.ª, n.º 4, alínea c); (ii) Cláusula 36.ª, n.º 2, alínea b); (iii) Cláusula 44.ª, n.º 1. Excluindo esta última por estar subjacente à presente consulta, as restantes disposições não permitem identificar qualquer relevância na aplicação do Anexo 15.
Com efeito, no primeiro caso, está em causa o reforço das garantias bancárias, que sempre se reportam ao valor do fornecimento. E esse não inclui os custos de financeiros. Aliás, a mesma disposição faz referência ao Anexo 15, o que apenas pode ser tido como um erro de escritax. Por outro lado, no que se reporta à Cláusula 36.ª, n.º 2, apenas se mostra concebível a remissão para o Anexo 14, na medida em que essa cláusula se aplica até à receção provisória e o Anexo 15, por definição, aplica-se apenas depois de a receção provisória ter ocorrido. Assim, neste último caso, a aplicação do Anexo 15 é inclusivamente incompatível com a norma em questão relativa a seguros.
Sendo esses os casos de remissão genérica para a Cláusula 12.ª, existem várias outras disposições com idêntica remissão e todas elas reportadas à alínea a) do n.º 1 daquela disposição. E não existe qualquer remissão para a alínea b) do n.º 1 da Cláusula 12.ª”

Não se pode deixar de acompanhar estas considerações, às quais se devem acrescentar dois argumentos decisivos.

Em primeiro lugar, todas as cláusulas que se prendem com responsabilidades e outras obrigações do Fornecedor devidas por incumprimento, cumprimento defeituoso ou mora determinam que os respetivos montantes são aferidos em função do preço base global atualizado de acordo com a alínea a) do n.º 1 da Cláusula 12.ª e o Anexo 14. É o caso da Cláusula 41.º, n.ºs 1 e 3, da Cláusula 43.ª, n.º 3, e da Cláusula 46.ª, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2 – esta última quanto à limitação da responsabilidade do Fornecedor.

Ora, mal se compreenderia que em todos os casos acima referidos, as obrigações e penalidades sejam indexadas ao valor do preço atualizado de acordo com o Anexo 14 e apenas no caso das penalidades por mora da Cláusula 44.ª, essa atualização se fizesse de acordo com o Anexo 15 ou com ambos.

Aliás, sendo a responsabilidade do Fornecedor limitada a um montante máximo definido em percentagem do preço atualizado nos termos do Anexo 14, não faria sentido que as penalidades por mora – que concorrem para esse montante máximo – fossem indexadas a um preço atualizado de acordo com o Anexo 15.

Em segundo lugar – aspeto também salientado na Consulta – as penalidades são aplicadas aquando da receção dos bens em atraso e não no final do Contrato quando todas as obrigações neste previstas se encontram integralmente cumpridas, sendo que o Anexo 15 se aplica apenas neste último momento temporal.

Por isso mesmo é que as penalidades são, obviamente, de montante diferente para cada um dos submarinos, uma vez que a duração do atraso na entrega dos mesmos foi também diferente – o que não ocorreria se a penalidade fosse indexada ao preço final global com a atualização do Anexo 15.

7.3. Quanto aos elementos genéticos, retirados do procedimento pré-contratual e, em especial, da negociações entre as Partes, bem como dos elementos sistemáticos extrínsecos, sobretudo de natureza teleológica, assumem particular relevância as considerações tecidas na Consulta sobre o resultado das negociações entre o Estado português e o GSC no sentido de se adotar o modelo sugerido pelo primeiro, de um pagamento final, em vez de pagamentos parciais e sucessivos.

Este pagamento final não pode, por isso, conforme entendimento comum das Partes, incluir os encargos assumidos pelo Estado português no âmbito do Contrato de Financiamento.

Efetivamente, o pagamento final é o correspondente ao valor da contraprestação a que o Fornecedor está obrigado, sendo que os juros assumidos pelo Estado português perante as instituições financiadoras não têm tal natureza, embora, naturalmente, integrem a totalidade do encargo que o Estado vai suportar.

Por outras palavras: embora o encargo total assumido pelo Estado português corresponda ao preço final global – que é pago à entidade bancária e que, como se referiu supra, é de 1.000.971.869 € - apenas parte deste é a contrapartida pela prestação a que o co-contratante particular está adstrito e, portanto, é devido a este – correspondente ao preço base global atualizado, ou seja, 832.851.816 €. A restante parte desse preço final global é composta pelos juros dos empréstimo contraídos pelo Estado junto dos financiadores.

Refira-se que o teor da Cláusula 13.ª não informa este entendimento, porquanto a mesma se refere ao momento do pagamento do preço final global do fornecimento, não determinando que esse pagamento seja feito ao Fornecedor. Na realidade, nesta disposição contratual nada é dito quanto à entidade à qual é efetuado esse pagamento.

E o Consulente enviou a este Conselho comprovativos que confirmam que o Fornecedor recebeu um pagamento no valor de 832.851.816 € e o pagamento final global – de 1.000.971.869 € - foi efetuado à entidade bancária.

Ora, a penalidade a aplicar ao Fornecedor só pode ser indexada, logicamente, ao valor que este vai receber e não ao custo total do Contrato.

Isso mesmo foi salientado pelo Consulente quando referiu que “[A] fixação das penalidades por indexação ao custo global dos submarinos, considerando, igualmente, os juros pagos pelo Estado português às entidades financiadoras, pode implicar um desvio ao modelo tradicional de indexação das penalidades ao valor da contraprestação real recebida pela entidade sujeita às mesmas penalidades.”

E, de acordo com os termos do pedido de Parecer, esta indexação resultou clara nas negociações ocorridas entre o Estado português e o GSC antes da celebração do Contrato, o que terá permitido, aliás, a obtenção de acordo quanto ao modelo de pagamento final, proposto pelo Estado, em detrimento da realização de pagamentos parciais e sucessivos, solução preconizada pelo Fornecedor.

Por isso, o elemento decorrente da fase da formação do Contrato aponta no sentido da aplicação à Cláusula 44.ª da fórmula de atualização constante da alínea a) do n.º 1 da Cláusula 12.ª, com base no Anexo 14.

7.4. No mesmo sentido, verifica-se que a atualização prevista na alínea a) do n.º 1 da Cláusula 12.ª é aplicável no momento do cumprimento de cada uma das metas de progresso.

Ora, a entrega de cada um dos submarinos é, exatamente, uma meta de progresso, de acordo com o Anexo 13 ao Contrato: a entrega do primeiro submarino corresponde à “milestone” 11A e a do segundo submarino à “milestone” 12B (conforme, respetivamente, os quadros da pág. 8 e da pág. 9 deste Anexo).

Ora, estando em causa o cumprimento atrasado de metas de progresso, está em causa, claramente, a atualização prevista na alínea a) do n.º 1 da Cláusula 12.ª, efetuada de acordo com o Anexo 14, com base no preço base global.

7.5. Refira-se ainda que em caso de dúvida insanável por se considerarem igualmente plausíveis os três entendimentos – aplicação do Anexo 14, do Anexo 15 ou de ambos -, o critério consagrado no artigo 237.º do CC apontaria para a primeira solução, uma vez que é a que conduz ao maior equilíbrio das prestações.

De facto, não parece justo que o Fornecedor pague uma penalidade cujo montante tenha em conta a atualização do preço incluindo os juros que o Estado tem de pagar por empréstimos contraídos perante terceiros.

7.6. Finalmente, cumpre ainda salientar um outro argumento, que, mesmo não se adotando uma conceção essencialmente subjetivista quanto à interpretação dos negócios jurídicos, assume uma importância decisiva.

Ainda que subsistissem dúvidas quanto à interpretação da Cláusula 44.ª, a verdade é que, tendo em conta o que é referido na Consulta, existe acordo entre as Partes quanto à aplicação apenas da atualização prevista no Anexo 14, o que pode valer como interpretação autêntica[41] do que os contraentes quiseram estipular na Cláusula 44.ª.

É verdade que existem dois eventuais obstáculos a este entendimento.

Por um lado, o facto de as Partes estarem de acordo quanto a uma determinada interpretação do Contrato não afasta a aplicação das regras sobre interpretação do negócio jurídico, acima referidas, atendendo, desde logo, ao seu caráter imperativo[42].

Isto significa que, tratando-se de um negócio formal, a interpretação encontrada por comum acordo dos contraentes tem de ter um mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso, nos termos do artigo 238.º, n.º 1, do CC – o que ocorre, manifestamente, no caso em apreço[43].

Efetivamente, havendo uma “comum intenção” das Partes, esta só não deverá ser tida em conta se não puder, de modo algum ser reconhecida nas declarações contratuais expressas[44].

Ora, na hipótese sub judice, a Cláusula 44.ª comporta o sentido encontrado por acordo entre os contraentes.

A segunda objeção resultaria da circunstância de se tratar, como já se referiu supra, de um contrato administrativo, pelo que a interpretação não estaria na disponibilidade das Partes nos mesmos termos em que acontece nos contratos civis, na medida em que aqueles contratos visam a prossecução de fins públicos.

Por isso, a disponibilidade do contraente público para aceitar interpretações menos favoráveis para o interesse público está limitada pelos princípios e regras gerais de Direito Administrativo e pelo dever de boa administração.

A entidade administrativa contratante não pode, por exemplo, renunciar a direitos ou interesses que lhe sejam devidos contratualmente, visto que tal podia pôr em causa aqueles princípios e regras.

Efetivamente, no âmbito das relações jurídico-administrativas não é permitido às Partes assumir responsabilidades que não lhes sejam imputáveis ou abandonar todas as suas pretensões sem contrapartidas, porque tal seria considerado uma liberalidade[45], violando também os princípios da legalidade e da proporcionalidade.

Este problema coloca-se com grande pertinência, por exemplo, a propósito das transações, judiciais e extrajudiciais[46], mas, mesmo nestes casos, tem de se admitir alguma margem de liberdade na negociação, visto que a transação, enquanto contrato compositivo, comporta sempre uma renúncia parcial a um crédito por parte da Administração[47]. Neste sentido, há que ponderar a própria incerteza sobre a decisão judicial, a sua morosidade e as vantagens da obtenção de uma solução imediata do litígio[48].

Sendo assim, caso subsistisse alguma dúvida, a decisão de aplicar a atualização constante do Anexo 14 em vez da que resulta do Anexo 15 pode ter em conta outros fatores, tais como a circunstância de a fórmula de cálculo constante do Anexo 15 implicar custos acrescidos com a contratação de uma instituição financeira cuja remuneração estaria integralmente a cargo do Estado, de acordo com o n.º 5 deste Anexo, bem como os custos de um provável litígio, em tribunal arbitral, com o Fornecedor.

8. Pelo exposto, à questão colocada na alínea a) da Consulta deve responder-se que, com base nos elementos interpretativos acima analisados, a atualização a remissão operada pela Cláusula 44.ª, para efeitos da quantificação das penalidades a aplicar, deve ter-se como efetuada para a alínea a) do n.º 1 da Cláusula 12.ª e para o Anexo 14.


V - Regime de contagem do prazo para a atualização do preço ao abrigo do Anexo 14

9. A segunda questão colocada no pedido de Parecer era a de saber se “[A] atualização do preço ao abrigo do Anexo 14 deve ser efetuada nos mesmos termos e com os mesmos limites com que foi feita inicialmente, ou seja, contando-se desde a data da celebração do contrato e até à data da respetiva entrada em vigor, ou em termos distintos?;

O Consultente admite, portanto, que essa atualização seja feita “contando-se desde a data de celebração do contrato e até à data da respetiva entrada em vigor”. Não nos parece, contudo, que seja assim.

9.1. Do Anexo 14 resulta que essa atualização se deve fazer desde 1 de janeiro de 2004 até à data em que a “milestone” deveria ter sido realizada, sendo que esta última é que varia consoante a data da entrada em vigor do Contrato, de acordo com os quadros constantes daquele Anexo.

Estes quadros estão indexados às possíveis datas de entrada em vigor do Contrato, entre 1 de janeiro de 2004 e 29 de julho de 2004, estando previsto que se o Contrato entrasse em vigor depois desta data – o que veio, efetivamente, a acontecer, visto que tal ocorreu em 24 de setembro de 2004 -, as Partes calculariam os valores, de acordo com a mesma fórmula, corrigidos com o prazo contado desde esta última data.

Atendendo à complexidade da matéria, justifica-se transcrever os números 1 e 2 do Anexo 14, que a regulam:

“1. A fórmula com base na qual se procede à atualização dos montantes do preço base global, nos termos da alínea a) do n.º 1 da Cláusula 12.ª, é a seguinte:

Mri = Mi * (1+3,5%) (Di – Jan.04)/365

Os respetivos termos têm o seguinte significado:
Mri – Valor de referência da meta de progresso i
Mi -Valor, por referência ao preço base global, de cada meta de progresso i
(Di – Jan.04)/365 – Número de dias decorridos entre o dia 1 de janeiro de 2004 e a data prevista no Anexo 13 para a realização de cada meta de progresso i.
2. Para efeitos do número anterior, os valores de referência de cada meta de progresso passarão a ser os constantes da tabela, de entre as seguintes, que se torne aplicável em função da que vier a ser data de entrada em vigor do contrato. Caso o contrato não entre em vigor até 29 de julho de 2004, as partes calcularão os valores a constarem da tabela, que integrará o presente anexo, com base na data de entrada em vigor do contrato de acordo com a fórmula acima.”

Por isso, aplicando este raciocínio – até porque a entrega de cada um dos submarinos corresponde, exatamente, a diferentes metas de progresso, como se referiu supra, com base no Anexo 13 - o período para a atualização deve ser contado desde 1 de janeiro de 2004 até à data da entrega de cada um dos submarinos.

A solução consagrada na Cláusula 43.ª, relativa ao incumprimento definitivo das especificações técnicas, concretamente no seu n.º 3, corrobora este entendimento.

Aquela disposição determina que “[O]s montantes das penalidades previstas no Anexo 3 que sejam fixados em valores absolutos serão atualizados desde 1 de janeiro de 2004 até à data em que o seu pagamento seja devido, com aplicação da fórmula, prevista no Anexo 15 relativa à alínea a) do n.º 1 da Cláusula 12.ª”[49].

Ou seja, a propósito das especificações técnicas em falta, o Contrato estabelece que as penalidades são indexadas ao preço atualizado desde 1 de janeiro de 2004 até à data em que o pagamento das mesmas seja devido e não até à data da entrada em vigor do Contrato.

9.2. Apesar de, nos termos do n.º 2 da Cláusula 12.ª, se referir que, em caso de atraso na meta de progresso (“milestone”) por facto imputável ao Fornecedor “não se aplica a atualização prevista na alíena a) do número anterior relativamente ao período de tempo que mediar entre a data inicialmente prevista, de acordo com aquele anexo, e a data em que efetivamente ocorra a emissão do certificado de cálculo do valor de referência da meta de progresso”, esta solução não se pode aplicar à atualização que ocorre para efeitos da quantificação da penalidade a aplicar nos termos da Cláusula 44.ª.

É que, enquanto na Cláusula 12.ª se está a contabilizar a atualização do preço que o Estado vai pagar ao Fornecedor, pelo que este não pode ser beneficiado pelo seu atraso – como aconteceria se a atualização ocorresse à data da entrega da “milestone” em mora -, no caso da Cláusula 44.ª, a atualização é para efeitos da quantificação do montante da penalização aplicável ao Fornecedor por atraso na entrega dos bens.

Assim, faz todo o sentido que, estando em causa a penalização do Fornecedor, esta seja indexada ao preço atualizado à data da efetiva entrega do bem em mora.

Cumpre, agora, quantificar o período em mora para cada submarino.

O primeiro submarino deveria ter sido entregue – contando-se como data da entrega a data da receção provisória – em 3 de janeiro de 2010 e foi entregue em 17 de junho de 2010, tendo as Partes reconhecido a existência de uma situação de força maior por um período de dezasseis dias.

Por sua vez, o segundo submarino deveria ter sido entregue a 3 de setembro de 2010 e tal veio a ocorrer em 22 de dezembro de 2010.

Ora, como na Cláusula 44.ª se estabelece que as penalidades só seriam aplicadas se o atraso excedesse os três meses e após o decurso dos mesmos [cfr. supra as alíneas d) e e) do ponto III.3.] temos que[50]:

No primeiro submarino o atraso só se começa a contar a partir de 19 de abril de 2010 (3 de janeiro de 2010 + 3 meses = 3 de abril de 2010 + 16 dias = 19 de abril de 2010). Trata-se, portanto, de 59 (cinquenta e nove) dias de atraso, que corresponde à diferença entre 19 de abril de 2010 e 17 de junho de 2010.

No segundo submarino o atraso começa-se a contar a partir de 3 de dezembro de 2010 (3 de setembro de 2010 + 3 meses = 3 de dezembro de 2010), pelo que existem 19 (dezanove) dias de atraso, que correspondem à diferença entre 3 de dezembro de 2010 e 22 de dezembro de 2010.

9.3. Assim, a atualização deve contar-se desde 1 de janeiro de 2004 até à data em que cada submarino foi, efetivamente, entregue.

Relembrando que a fórmula constante do n.º 1 da Cláusula 44.ª é a seguinte:
m = (X / 240)2 x 5%

m = percentagem a multiplicar pelo preço dos bens cuja entrega se encontre atrasada para se obter o montante da penalidade relativa a X dias de mora

X = número de dias de mora após o decurso de 3 meses mencionado no proémio deste número

Deve entender-se que a atualização do preço a que se refere o item “m” é com base no período que decorre entre 1 de janeiro de 2004 e a data da entrega de cada submarino, sendo o “X” o número de dias de mora – 59 dias e 19 dias, respetivamente, no caso do primeiro e do segundo submarinos.


VI - Prazo para o Estado português proceder junto do Fornecedor à aplicação das penalidades contratuais pelo atraso verificado nas entregas dos dois submarinos e correspondente material complementar de bordo, bem como pelo incumprimento definitivo das especificações técnicas

10. Finalmente, a última questão colocada na Consulta é saber “[Q]ual o prazo de que dispõe o Estado português para poder proceder junto do fornecedor à aplicação das penalidades contratuais pelo atraso verificado nas entregas dos dois submarinos e correspondente material complementar de bordo, bem como, pelo incumprimento definitivo de especificações técnicas?”

Quanto a isto, o Consulente refere que “[T]em-se entendido que o prazo a adotar deverá ser até à receção definitiva do 2.º submarino, que se prevê ocorrer em 1 de julho de 2012, sendo certo que estamos perante obrigações contratuais, o que poderá conduzir a um prazo mais alargado.”

Contudo, não existe nenhuma cláusula no Contrato que estabeleça esta regra.

Aliás, no Contrato não há nenhuma indicação quanto ao prazo para aplicação das penalidades estabelecidas na Cláusula 44.ª.

Na ausência de uma norma desse tipo, afigura-se relevante o disposto na Cláusula 8.ª, n.º 6, sobre liberação da caução, que se transcreve de seguida:

“6 – O Estado promove a liberação da caução no prazo de 30 dias após o fim do período de garantia a que se refere a Cláusula 34.ª, desde que, nessa data, se não encontre pendente de resolução qualquer reclamação do Estado contra o Fornecedor por incumprimento de obrigações contratuais relacionadas com o presente contrato, com exceção da obrigação de assistência técnica ao período de garantia.”

Daqui retira-se que as penalidades podem ser aplicadas até à liberação da caução – e, naturalmente, em vez desta.

Ou seja: se houver problemas de incumprimento, mora ou cumprimento defeituoso pendentes, o Estado não deve liberar a caução.

Ora, como o prazo máximo para a liberação de caução é 30 dias após o fim do período de garantia da Cláusula 34.ª, esse é também o termo do prazo para aplicar as penalidades.

Refira-se que o período de garantia é de um ano a contar da receção provisória, nos termos da parte final do n.º 1 da Cláusula 34.ª, sendo que é no fim do período de garantia que deve ocorrer a receção definitiva, de acordo com o disposto na Cláusula 33.ª, acima transcrita.

Esta solução é confirmada pelo n.º 6 do artigo 43.º da Resolução do Conselho de Ministros n.º 14/98, acima citada, que determina o seguinte:

“6 – O Estado promove a liberação da caução a que se refere o presente artigo no prazo de 30 dias a contar do cumprimento de todas as obrigações contratuais por parte do adjudicatário.”

Assim, o termo do prazo para o Estado aplicar as penalidades é de um mês após a receção definitiva, não liberando a caução e, eventualmente, aproveitando esta para dela deduzir o montante das penalidades.

Esta mesma solução aplica-se ao incumprimento definitivo das especificações técnicas, nos termos da Cláusula 43.ª, visto que esta disposição não contém nenhuma regra sobre essa matéria.

Saliente-se, contudo, que só há lugar ao pagamento de penalidades por este incumprimento se as especificações em causa se incluírem na alínea a) do n.º 1 daquela Cláusula, acima citada.

E, por outro lado, ainda sobre o problema das especificações técnicas, atendendo à total ausência, na Consulta, de elementos sobre esta matéria, este Conselho limitar-se-à a referir a questão do momento da sua aplicação, não cuidando de saber quais as consequências pelo seu incumprimento.

Acrescente-se, aliás, que todas as matérias tratados no presente Parecer, analisadas de acordo com os elementos fornecidos pelo Consulente, não afastam a existência, eventualmente, de outras situações de incumprimento, cumprimento defeituoso ou mora.


VII – Conclusões

Termos em que se retiram as seguintes conclusões:

1. Na interpretação de um negócio jurídico e, em especial, de um contrato, mesmo que se trate de um negócio formal, deve atender-se não só à vontade das partes, tal como foi declarada, mas também a outros elementos, designadamente: o conjunto das cláusulas contratuais; a finalidade prática do negócio; o comportamento das Partes na fase pré-negocial e na execução do negócio jurídico; as circunstâncias de tempo e de lugar da sua celebração e os lugares paralelos com outra(s) relações negociais entre as Partes.

2. O Contrato de Aquisição de submarinos celebrado entre o Estado português e o German Submarine Consortium é um contrato administrativo, pelo que, na ausência de legislação específica sobre a respetiva interpretação, a mesma é regulada pelos princípios gerais do Direito Administrativo e, subsidiariamente, pelas restantes normas de Direito Administrativo e, na falta destas, pelo Direito Civil.

3. A aplicação dos artigos 236.º a 239.º do CC depende de se concluir que, em cada caso concreto, aqueles preceitos se adequam ao sistema do Direito Administrativo, que é caracterizado pela funcionalização à prossecução do interesse público e à procedimentalização da atividade administrativa contratual, que contrastam com a autodeterminação de fins que preside à contratação privada.

4. A aplicação de penalidades ao abrigo do disposto na Cláusula 44.ª, n.º 1, do Contrato de Aquisição obriga a que a atualização do preço para efeitos de quantificação daquela penalidade seja efetuada nos termos da alínea a) do n.º 1 da Cláusula 12.ª, com base no Anexo 14, uma vez que apenas esta está indexada ao valor efetivamente recebido pelo Fornecedor como contrapartida da prestação dos bens - 832.851.816 € - aspeto que resulta da factualidade constante da Consulta.

5. A atualização do preço ao abrigo do Anexo 14 deve ser efetuada desde 1 de janeiro de 2004 até à data em que a meta de progresso – no caso a entrega de cada um dos submarinos - deveria ter sido realizada, sendo que esta última é que varia consoante a data da entrada em vigor do Contrato, de acordo com os quadros constantes daquele Anexo.

6. Para efeitos do preenchimento da fórmula de cálculo constante do n.º 1 da Cláusula 44.ª, o período de mora é de 59 (cinquenta e nove) dias de atraso no caso do primeiro submarino e 19 (dezanove) dias de atraso no caso do segundo.

7. O Estado português pode proceder à aplicação, junto do Fornecedor, das penalidades contratuais pelo atraso na entrega dos submarinos e pelo incumprimento definitivo das especificações técnicas até ao momento da liberação da caução, o que, por sua vez, deve ocorrer até 30 dias após o fim do período de garantia da Cláusula 34.ª – um ano a contar da receção provisória -, nos termos do n.º 6 da Cláusula 8.ª.


ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 1 DE JUNHO DE 2012.


Fernando José Matos Pinto Monteiro – Alexandra Ludomila Ribeiro Fernandes Leitão (Relatora) – Maria de Fátima da Graça Carvalho (com declaração de voto em anexo) – Manuel Pereira Augusto de Matos – Fernando Bento – Maria Manuela Flores Ferreira – Paulo Joaquim da Mota Osório Dá Mesquita – José Carlos Lopes.


(Maria de Fátima da Graça Carvalho)

Voto o parecer, mas reservo a minha posição quanto às considerações e conclusão constantes da segunda parte do ponto 7.6., referente à margem de ponderação da Administração relativamente à aplicabilidade (hipotética) de uma actualização decorrente do Anexo 15, em função dos custos acrescidos com o necessário recurso a uma instituição financeira e com um possível litígio, em tribunal arbitral.

Apesar de a questão não se colocar in casu, visto que se concluiu pela não aplicabilidade do anexo 15, penso que se trata de uma questão que ultrapassa o âmbito deste parecer e que releva antes de juízos de oportunidade. De qualquer modo, penso também que sempre haveria que ter em consideração outros interesses e princípios que a Administração deve prosseguir, não me parecendo com eles consentânea, uma renúncia ao exercício de direitos e interesses previstos no contrato, com fundamento na onerosidade inerente a esse exercício, quando tal onerosidade resulta do estipulado nas cláusulas desse mesmo contrato e seus Anexos (designadamente a cláusula 5 do anexo 15, que exige que os cálculos nele previstos sejam feitos por uma instituição financeira), tal como a própria Administração o outorgou.





[1] O pedido de Parecer foi remetido para a Procuradoria-Geral da República pelo Ofício n.º 1676/CG, de 20 de abril de 2012, tendo sido objeto de despacho de distribuição à Relatora em 24 de abril de 2012.
[2] Publicado no Diário da República, II série, de 7 de julho de 2011.
[3] Todas as Cláusulas mencionadas referem-se ao Contrato de Aquisição, se não houver outra indicação.
[4] Redação dada pela Alteração n.º 1 ao Contrato de Aquisição, celebrada numa data entre 19 de janeiro de 2005 e 21 de janeiro de 2005, segundo infomação obtida junto do Ministério da Defesa Nacional, sem que fosse possível, no entanto, concretizar a data exata.
[5] Redação dada pela Alteração n.º 5 ao Contrato de Aquisição, celebrada em 20 de dezembro de 2010.
[6] Redação dada pela Alteração n.º 1 ao Contrato de Aquisição, indentificada supra.
[7] Redação dada pela Alteração n.º 5 ao Contrato de Aquisição, identificada supra.
[8] Redação dada pela Alteração n.º 4 ao Contrato de Aquisição, celebrada em 19 de março de 2009.
[9] Com as alterações introduzidas pelas Resoluções n.º 100/99, de 1 de setembro, e n.º 67/2003, de 5 de maio.
[10] O Estado português recorreu a um modelo de financiamento baseado em dois Swaps – um celebrado entre o Fornecedor e o consórcio bancário formado pelo Credit Suisse First Bond (75%), e pelo Banco Espírito Santo (25%) (Swap Fornecedor), e outro celebrado entre o Estado português e o mesmo Consórcio Bancário (Swap República) – e uma cessão de créditos, todos celebrados no dia 4 de junho de 2004.
[11] V. EDUARDO SANTOS JÚNIOR, Sobre a Teoria da Interpretação dos Negócios Jurídicos, AAFDL, Lisboa, 1988, pág. 118.
[12] V. FERRER CORREIA, Erro e Interpretação na Toria do Negócio Jurídico, Almedina, Coimbra, 2.ª Edição, 4.ª reimpressão, 2001, pág. 304.
[13] V. CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, volume III, 5.ª Edição, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2010, págs. 447 e seguintes.
[14] FERRER CORREIA, op. cit., pág. 309 e PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, pág. 223, embora estes Autores salientem que se trata de um objetivismo “temperado por uma salutar restrição de inspiração subjetivista”.
[15] V. OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil: Teoria Geral, volume II, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, pág. 191.
[16] V. FERRER CORREIA, op. cit., pág, 308.
[17] V. FERRER CORREIA, op. cit., pág. 309.
[18] Questão que é equacionada por CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, “Interpretação do Contrato”, in O Direito, Ano 124.º, IV, 1992, pág. 637.
[19] V. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, op. cit., pág. 644.
[20] V. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, op. cit., pág. 648.
[21] V. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, op. cit., pág. 648.
[22] Sob pena de se desvirtuarem os preceitos imperativos sobre a forma do negócio jurídico, como salienta ERICH DANZ, A Interpretação dos Negócios Jurídicos, Arménio Amando Editora, Coimbra, 1941, pág. 211, mas sem prejuízo de na interpretação se atenderem a aspetos e circunstâncias exteriores ao contrato.
[23] Neste sentido, v. OLIVEIRA ASCENSÃO, op. cit., pág. 193.
[24] V. EDUARDO SANTOS JÚNIOR, op. cit., págs. 153 e 154.
[25] EDUARDO SANTOS JÚNIOR, op. cit., págs. 190 e seguintes.
[26] V. EDUARDO SANTOS JÚNIOR, op. cit., pág. 197.
[27] Efetivamente, neste Parecer refere-se o seguinte: “Do que acaba de se referir, resulta a verificação de poderes administrativos de autoridade de fiscalização do modo de execução do contrato. É certo que este poder aparece normalmente associado a outros poderes, em regra, aos poderes de direção e aplicação de sanções e, no caso, não se retira dos contratos que se tenha estipulado a via administrativa, ou seja, por ato administrativo, para este efeito (…) De todo o modo, temos de considerar que se previram poderes da administração, que, de acordo com o disposto no artigo 180.º do CPA, são poderes de autoridade (…) Por outro lado, como já vimos, nas cláusulas compromissórias dos Contratos de Aquisição e de Contrapartidas, é feita uma remissão para o artigo 181.º do CPTA. Não se trata, é certo, de uma remissão para o regime substantivo dos contratos administrativos regulado no CPA, ou, nomeadamente, uma remissão para o artigo 180.º do CPA. Porém, face a tudo o que se tem explanado sobre a Reforma do Contencioso Administrativo, parece dever ver-se naquela remissão um entendimento quanto à natureza do contrato (…) Naturalmente, pode dizer-se que não há uma total sobreposição entre “contratos públicos” e contratos administrativos. Mas, para além de não se poder ignorar que o regime pré-contratual integra o contrato e influi directamente no regime contratual material, no contexto, aquela remissão pressupõe o acolhimento da natureza administrativa dos contratos (…) Por fim, considerando o tipo de bens objecto de aquisição (especialmente, os submarinos) e o sector de actuação da administração e que se destinam (defesa nacional), não será difícil convocar aqui o “ambiente do direito administrativo”, critério de administratividade dos contratos, densificado por PEDRO GONÇALVES, como já acima se referiu. É apodítico que, no caso vertente, se impõe que o regime dos contratos assegure a prevalência do interesse público ou a primazia da lógica da função sobre a lógica do contrato.” Salienta-se ainda que “[N]ão pode, porém deixar de se notar que a tendência de publicização ou administrativização da actividade contratual da Administração espelhada na Reforma do Contencioso Administrativo, foi, de alguma forma reconhecida pelo CCP ao considerar expressamente como administrativos os contratos de aquisição e locação de bens móveis (artigos 437.º a 449.º) e de aquisição de serviços (artigos 450.º a 454.º). Assim, à luz do CCP os contratos seriam de imediato contratos administrativos”.
[28] Com as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.º 34/2009, de 6 de fevereiro, n.º 223/2009, de 11 de setembro, n.º 278/2009, de 2 de outubro, e n.º 131/2010, de 14 de dezembro.
[29] Este preceito estabelece que “[O] Código dos Contratos Públicos só é aplicável aos procedimentos de formação de contratos públicos iniciados após a data da sua entrada em vigor e à execução dos contratos que revistam a natureza de contrato administrativo celebrados na sequência de procedimentos de formação iniciados após essa data, salvo o disposto no n.º 2 do artigo 18.º”. Ora, o CCP entrou em vigor em 30 de julho de 2008 e o Contrato foi celebrado em 21 de abril de 2004.
[30] V., neste sentido, MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo III, 2.ª Edição, D. Quixote, Lisboa, 2009, pág. 387.
[31] V. MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, op. cit., pág. 387.
[32] Nos termos deste artigo, “…o contrato deve ser reduzido a escrito através da elaboração de um clausulado em suporte papel ou em suporte informático com a aposição de assinaturas electrónicas”, salvo nos casos do artigo 95.º, que afasta a exigência de contrato escrito ou admite a sua dispensa nos casos nele especificados.
[33] Este preceito estabelecia que “[O]s contratos administrativos são sempre celebrados por escrito, salvo se a lei estabelecer outra forma.”
[34] Neste sentido, MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, op. cit., pág. 388. Referindo que a interpretação das cláusulas obscuras num contrato administrativo não pode ser uma “interpretação privilégio” para a Administração, v. LEON SZKLAROWSKY, “Interpretação dos Contratos Administrativos”, in Revista Portuguesa de Direito do Consumo, n.º 19, 1999, pág. 44.
[35] Esta solução, que já resultava do artigo 186.º, n.º 1, do CPA, é a única compatível com o princípio de que “tanto o poder de fixar com obrigatoriedade o sentido do contrato como o de declarar com força obrigatória a sua validade ou invalidade integram-se materialmente no exercício da função jurisdicional que a presente Constituição reserva aos tribunais”, como refere SÉRVULO CORREIA, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Almedina, Coimbra, 1987, pág. 730.
[36] V. MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, op. cit., pág. 388.
[37] Designadamente, as peças do procedimento – programa do concurso, cadernos de encargos, proposta do adjudicatário, etc – e as negociações posteriores eventualmente ocorridas, se o procedimento em causa as admitir.
[38] Mais importante ainda nos contratos administrativos, nos quais o elemento causal e finalístico assume maior importância, uma vez que estes contratos são sempre celebrados com vista à prossecução do interesse público.
[39] V. EMILIO BETTI, Interpretação da Lei e dos Atos Jurídicos, tradução portuguesa, 1.ª Edição, Martins Fontes Ed., São Paulo, 2007, pág. 347.
[40] É verdade que a Cláusula 43.ª, n.º 3, refere a aplicação da alínea a) do n.º 1 da Cláusula 12.ª, embora remeta para o Anexo 15, o que só pode ser um erro de escrita, pelas razões que serão apresentadas infra.
x Esse erro de escrita ocorre, por exemplo, no n.º 3 da Cláusula 43.ª do contrato de aquisição, que determina a aplicação “(…) da fórmula, prevista no Anexo 15, relativa à alínea a) do n.º 1 da Cláusula 12.ª”. Ora, o anexo a que se reporta essa alínea a) do n.º 1 da Cláusula 12.ª é o 14 e não o 15. E nenhum sentido faria assumir que o erro de escrita estaria na alínea invocada, na medida em que nenhuma justificação existiria para a remissão exclusiva para a alínea b), não existindo qualquer outro caso em que apenas essa alínea seja aplicável.
[41] Esta expressão é utilizada por EMILIO BETTI, op. cit., pág. 155, exatamente a propósito da interpretação dos negócios jurídicos, como consequência da autonomia privada, que permite aos contratantes, por acordo, determinar a interpretação a dar a um contrato.
[42] Como salienta EDUARDO SANTOS JÚNIOR, op. cit., pág. 106.
[43] E, mesmo assim, o n.º 2 do artigo 238.º do CC admite que o sentido pode valer “se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade”.
[44] V. EMILIO BETTI, op. cit., pág. 383.
[45] Neste sentido, v. JEAN-DAVID DREYFUS, Contribution a une Théorie Génerale des Contrats entre Personnes Publiques, Paris, 1997, pág. 459.
[46] Como nota FRANÇOISE DUCAROUGE, « Le Juge Administratif et les Modes Alternatifs de Règlement des Conflits : Transaction, Médiation, Conciliation et Arbitrage en Droit Public Français », in Revue Française de Droit Administratif, n.º 12, volume 1, 1996, pág. 87.
[47] Como já defendemos antes. V. ALEXANDRA LEITÃO, Contratos Interadminisrativos, Almedina, Coimbra, 2011, pág. 538.
[48] Em sentido próximo, v. JOÃO TABORDA DA GAMA, “Contrato de Transacção no Direito Administrativo e Fiscal”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles, volume V, obra coletiva, Coimbra, 2003, págs. 640 e 660.
[49] Já se referiu supra que a remissão para o Anexo 15 não pode deixar de se tratar de um erro de escrita, atendendo à circunstância de se mencionar a alínea a) do n.º 1 da Cláusula 12.ª e não a respetiva alínea b).
[50] E tendo em conta as regras sobre contagem dos prazos constantes da Cláusula 50.ª, acima transcrita.