Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002330
Parecer: P001072003
Nº do Documento: PPA200520040010700
Descritores: DESPEJO ADMINISTRATIVO
DIREITO DE OCUPAÇÃO
OCUPAÇÃO A TÍTULO PRECÁRIO
CASA ECONÓMICA
HABITAÇÃO
PATRIMÓNIO AUTÁRQUICO
PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL
CÂMARA MUNICIPAL
ÓRGÃO EXECUTIVO
COMPETÊNCIA
COMPETÊNCIA IMPLÍCITA
DECISÃO
DELIBERAÇÃO
DELEGAÇÃO DE PODERES
AUTOTUTELA EXECUTIVA
REVOGAÇÃO TÁCITA
CADUCIDADE
Livro: 00
Numero Oficio: 5186
Data Oficio: 09/25/2003
Pedido: 09/30/2003
Data de Distribuição: 10/23/2003
Relator: BARRETO NUNES
Sessões: 01
Data da Votação: 05/20/2004
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: MCOTA
Entidades do Departamento 1: SE DA ADMNISTRAÇÃO LOCAL
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 08/17/2005
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 22-09-2005
Nº do Jornal Oficial: 183
Nº da Página do Jornal Oficial: 13752
Indicação 2: ASSESSOR:LUBÉLIA HENRIQUES
Área Temática:DIR ADM * ADM PUBL / DIR CIV * TEORIA GERAL
Ref. Pareceres:P000681991Parecer: P000681991
P000141964Parecer: P000141964
P001071980Parecer: P001071980
P000801989Parecer: P000801989
P000951998Parecer: P000951998
P000381991Parecer: P000381991
P001601983Parecer: P001601983
P000401994Parecer: P000401994
P003282000Parecer: P003282000
P000441998Parecer: P000441998
P000952002Parecer: P000952002
P000061995Parecer: P000061995
P0005919998
Legislação:CRP76 ART115 ART 65 ART235 ; D 35106 DE 1945/11/06 ART12; DL 34486 DE 1945/04/06; DL 310/88 DE 1988/09/05; L 169/99 DE 1999/09/18 ART68 ; L 159/99 DE 1999/09/14 ART13; DL 555/99 DE 1999/12/16 ART92; DL 177/2001 DE 2001/06/04 ; dl 797/76 DE 1976/11/06 ; DL 419/77 DE 1977/10/04 ; DL 23052 DE 1933/09/23 ; DL 101/71 DE 1971/03/24; CPA ART29 ART144; CCIV66 ART9 ; DL 1000/84 DE 1984/03/29 ;
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:AC TRIB CONST 374/2002
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1ª - Não obstante a revogação do Decreto-Lei nº 34486 de 6 de Abril de 1945, o Decreto nº 35106, de 6 de Novembro do mesmo ano, que o regulamentou, mantém-se em vigor, continuando a regular no seu artigo 12º o despejo dos ocupantes, a título precário, das casas para famílias pobres pertencentes aos municípios;
2ª - Compete à câmara municipal ordenar o despejo dos ocupantes a título precário das casas para famílias pobres pertencentes aos municípios, nos termos dos artigos 12º e 13º do Decreto nº 35106, e 64º, nº 7, alínea d), da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro;
3ª - A competência referida na conclusão anterior pode ser delegada no presidente da câmara, ao abrigo do disposto nos artigos 64º, nº 7, alínea d), e 65º, nº 1, da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro;
4ª - A execução dos despejos referidos nas anteriores conclusões cabe na competência do presidente da câmara, através dos respectivos serviços, coadjuvados, se necessário, pelas forças policiais.

Texto Integral:

Senhor Secretário de Estado da Administração
Local,
Excelência:


I

Dignou-se o antecessor de Vossa Excelência solicitar a este corpo consultivo parecer relativo à competência para ordenar o despejo de ocupantes, a título precário, de fogos municipais destinados a famílias pobres, nos termos do artigo 12º do Decreto nº 35106, de 6 de Novembro de 1945 ([1]).

Cumpre emitir o devido parecer.


II

1. Para o enquadramento possível da problemática suscitada, importa previamente conhecer o seu contexto, a colher dos elementos enviados.

2. A consulta surgiu, então a propósito da competência para ordenar o despejo de ocupantes, a título precário, de casas destinadas a famílias pobres, que são propriedade da Câmara Municipal do Porto, nos casos a que se refere o artigo 12º do Decreto nº 35106, de 6 de Novembro de 1945 ([2]).

2.1. A questão tem o longo historial já anteriormente enfocado, que seguidamente enunciaremos por ordem cronológica, tendo começado com uma «proposta» de um vereador ([3]) da Câmara Municipal do Porto, datada de 7 de Julho de 2003, onde, em síntese, propõe, no âmbito das competências delegadas no presidente da câmara municipal, ao abrigo da alínea d) do nº 7 do artigo 64º da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro, que aprovou o quadro de competências e regime de funcionamento dos órgãos das autarquias locais, a exclusão da competência específica de proceder a despejos de habitações municipais.

2.1.1. Seguiu-se nova «proposta», agora de dois outros vereadores da mesma câmara municipal ([4]), datada de 10 de Julho de 2003, de sentido em parte idêntico ao da primeira.

2.1.2. Por fim, a solicitação do Presidente da Câmara Municipal do Porto, o advogado-síndico elaborou uma «informação», datada de 17 de Julho de 2003, sobre as propostas dos vereadores anteriormente enunciadas, e onde, em síntese, sustenta que a competência em apreço cabe ao presidente da câmara, mas que, como a questão é complexa, sugere consulta ao órgão tutelar, o que mereceu aquiescência superior.

2.2. Na sequência deste pedido de parecer, a Subdirectora-Geral da Direcção-Geral das Autarquias Locais elaborou uma informação técnica onde concluiu:

«a) A competência para proceder ao despejo sumário está cometida ao presidente da câmara, na sequência de deliberação camarária que tenha ordenado a beneficiação ou demolição de construções, em situações que o legislador expressamente especifica [cfr. alínea n) do nº 2, do artigo 68º da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro, alterada e republicada pela Lei nº 5-A/2001, de 4 de Junho];
b) Compete ao órgão executivo ordenar o despejo administrativo previsto no artigo 92º do DL nº 555/99, de 16 de Dezembro, alterado e republicado pelo DL nº 177/2001, de 4 de Junho;
c) A competência para ordenar o despejo de “arrendatários” de habitações, propriedade da Câmara Municipal do Porto, ocupadas a título precário, prevista no artigo 12º do Decreto 35106, de 6 de Novembro de 1945, não está legalmente prevista;
d) É nosso entendimento, e recorrendo-se ao conceito de competência implícita, que também nas situações õe despejo de ocupantes de fogos municipais, ocupados a título precário, a entidade competente para determinar o despejo é a câmara municipal.»

2.2.1. Sobre esta informação recaiu o seguinte parecer da Directora--Geral das Autarquias Locais ([5]):

«Considerando que:
- A competência para determinar o “despejo” dos ocupantes nos casos a que se refere o Decreto nº 35106, de 6-11-1945, não está prevista.
- Contrariamente ao defendido na presente I.T., entendemos que não se trata de uma competência implícita e que inexiste qualquer paralelismo com as situações de despejo previstas no Decreto-Lei nº 169/99, de 18 de Setembro e no Decreto-lei nº 555/99, de 16 de Dezembro.
- O artigo 12º do Decreto nº 35106 prevê pressupostos objectivos para o “despejo”, pelo que, em nossa opinião, sempre que se verifique um daqueles pressupostos, o presidente da câmara municipal poderá executar o despejo dos ocupantes.
Com efeito, competindo ao presidente da câmara municipal executar o despejo na sequência de deliberação camarária nas situações referidas nos pontos 6 e 7 dessa informação ([6]), parece-nos igualmente que, nas situações em que o legislador expressamente prevê que, verificados determinados pressupostos, há lugar a despejo de ocupantes de fogos municipais, caberá ao presidente proceder à sua execução.
Trata-se de uma questão que, de acordo com os pareceres que chegaram ao meu conhecimento, não é pacífica, uma vez que, mesmo nos casos em que as conclusões são idênticas, os argumentos aduzidos não são coincidentes.
Permitimo-nos propor que se solicite parecer ao Conselho Cons ltivo da Procuradoria-Geral da República sobre a seguinte questão:
“A quem compete a decisão e execução do despejo dos ocupantes de fogos municipais nas situações previstas no artigo 12º do Decreto nº 35106, de 6-11-1945?”.»

2.3. Finalmente, sobre este parecer recaiu o seguinte despacho do antecessor de Vossa Excelência ([7]):

«1 – Concordo com o parecer da Sr.ª Directora-Geral.
2 – Dê-se conhecimento ao Sr. Presidente da Câmara do Porto.»


III

1. O presente parecer tem então por objecto a questão da competência para ordenar o despejo dos ocupantes de casas municipais destinadas a famílias pobres, ocupadas a título precário, nas situações previstas no artigo 12º do Decreto nº 35106, de 6 de Novembro de 1945 ([8]).


Ora, nalguns dos textos que anteriormente sintetizamos ([9]), concretamente nas propostas dos vereadores, suscitou-se a questão da «duvidosa legalidade» do referido Decreto nº 35106.

A análise desse diploma, nomeadamente do regime que instituiu, da posição jurídica dos ocupantes das «casas para alojamento de famílias pobres» e da sua eventual revogação tácita, face à revogação expressa do Decreto-Lei nº 34486 ([10]), foi já objecto de um Parecer deste corpo consultivo.

Referimo-nos ao Parecer nº 68/91, de 20 de Maio de 1991 ([11]), que mantém pertinente actualidade, atendendo a que, desde a sua prolação até ao presente momento, não surgiram alterações legislativas, nem foi proferida jurisprudência ou produzida doutrina que conduzissem a solução diversa.

2. Ora, antes de avançarmos para a abordagem concreta da questão em apreço, recordaremos algumas passagens mais pertinentes do Parecer aludido no ponto anterior.

Começaremos pelas conclusões que o dito Parecer nº 68/91 logrou obter:

«1. A ocupação das casas para famílias pobres construídas e propriedade das Misericórdias ao abrigo do Decreto-Lei nº 34486, de 6 de Abril de 1945, e do Decreto nº 35106, de 6 de Novembro do mesmo ano, que o regulamentou, é, de harmonia com os artigos 3º e 1º, respectivamente, destes diplomas, concedida a título precário, mediante licença passada pela entidade proprietária, não sendo, em face do regime legal neles definido, qualificável como arrendamento;
2. (...);
3. Os regulamentos devem, em princípio, considerar-se tacitamente revogados – ou feridos de caducidade – se for revogada ou substancialmente modificada a lei regulamentada; mas se a lei revogada for substituída por outra, a última continua a ser regulamentada pelo regulamento antigo, mantendo-se este em vigor, na medida em que não seja com ela incompatível;
4. A revogação expressa do Decreto-Lei nº 34486, de 6 de Abril de 1945, pelo artigo 22º do Decreto-Lei nº 310/88, de 5 de Setembro, não afectou, em conformidade com a conclusão 3., o regulamento daquele diploma consubstanciado no Decreto nº 35106, de 6 de Novembro de 1945;
5. Na verdade, o Decreto-Lei nº 797/76, de 6 de Novembro, acolheu a disciplina do Decreto nº 35106, confiando-lhe a regulamentação normativa da atribuição, pelos serviços municipais de habitação, das casas de famílias pobres construídas pelas Misericórdias ao abrigo do Decreto-Lei nº 34486 e na titularidade dominial destas instituições, de modo que a conexão assim criada entre os dois diplomas colocou o Decreto nº 35106 ao abrigo da revogação tácita – ou da caducidade – que o atingiria mercê da revogação aludida na conclusão 4.;
6. A vigência do Decreto nº 35106 não foi sequentemente impedida pelo Decreto-Lei nº 419/77, de 4 de Outubro, cujo artigo 3º postula, ao invés, a sua aplicabilidade às casas referidas nas conclusões 1. e 5.;
7. O Decreto-Lei nº 310/88, de 5 de Setembro, também não afectou a vigência do mesmo regulamento de 1945, até por se restringir às casas para famílias pobres construídas e propriedade dos municípios, verificando-se, aliás, neste âmbito, que o artigo 4º, em reforço da plena compatibilidade entre os dois diplomas, pressupõe igualmente a aplicação do mesmo regulamento enquanto as casas não forem alienadas;
8. Não obstante, pois, a revogação do Decreto-Lei nº 34486 aludida na conclusão 4., o Decreto nº 35106 continuou a regular, nos seus artigos 8º e 12º, respectivamente, a actualização das rendas e o despejo dos ocupantes das casas identificadas nas conclusões 1. e 5.».

3. O Decreto-Lei nº 34486 surgiu, segundo o seu relatório preambular, para solucionar o problema da habitação das classes trabalhadoras através das chamadas «casas económicas» e «casas para alojamento de famílias pobres» pertencentes às autarquias e Misericórdias, com mudança gradual das «pequenas casas desmontáveis» em habitações definitivas e do regime de ocupante para proprietário.

3.1. O diploma referido no ponto anterior compreendia um conjunto de sete normas que fixavam o regime legal da construção das habitações, uma das quais definia a posição jurídica dos respectivos ocupantes.

Referimo-nos ao artigo 3º, que mereceu a seguinte redacção:

«A ocupação das habitações será concedida a título precário, mediante licença passada pelo corpo administrativo ou Misericórdia, nas condições expressamente consignadas em regulamento a publicar pelo Ministro do Interior.»

Este normativo foi praticamente reproduzido no artigo 1º do Decreto 35106, que regulamentou o já mencionado artigo 3º do Decreto nº 34486.

Outros normativos do Decreto nº 35106 mostram-se pertinentes à elaboração do presente Parecer, funcionando como exemplos os artigos 12º e 13º, que oportunamente merecerão redobrada atenção.

3.2. Quanto à posição jurídica dos ocupantes das «casas para alojamento de famílias pobres», referida na conclusão 1ª do Parecer nº 68/91, a mesma não é compaginável com a relação contratual do arrendamento mas com o regime específico da ocupação a título precário, ou seja, o da provisoriedade e transitoriedade da situação que os diplomas em apreço acolhem, embora orientada finalisticamente para uma situação definitiva.

Aliás, já no Parecer nº 14/64 ([12]) este Conselho pronunciara-se no sentido de que a relação estabelecida entre o proprietário e ocupante no regime do Decreto-Lei nº 34486 não deve ser qualificada como arrendamento.

Com efeito, consignou-se neste último Parecer que «[a]lém deste, o texto referido merece ainda outro reparo, dado que, dos três tipos de casa a que alude, apenas um – casas de renda económica – permite o arrendamento. O regime estabelecido para as casas económicas é, fundamentalmente, o da propriedade resolúvel (art. 35º do Decreto-Lei nº 23052 de 23 de Setembro de 1933) (x) e a ocupação das casas para famílias pobres é concedida a título precário, mediante licença (art. 3º do Decreto-Lei nº 34486)».

Também no Parecer nº 107/80 (x1), aludindo-se a parecer do Auditor Jurídico do Ministério do Equipamento Social e do Ambiente que concluía pela inaplicabilidade do Decreto-Lei nº 445/74, de 12 de Setembro, à "utilização de habitações construídas e atribuídas a categorias restritas de pessoas ao abrigo de esquemas de habitação social e mediante outros títulos que não o arrendamento", esclarecia-se no rodapé:

«Têm-se em vista as habitações destinadas ao alojamento de famílias pobres a ocupar a título precário, mediante licença passada pelo corpo administrativo ou misericórdia (arts. 1º e 3º do Decreto-Lei nº 34486, de 6/4/45), sob a forma de alvará, cujas condições especiais respeitantes à sua atribuição e ocupação, nomeadamente a fixação de renda, se mostram fixadas pelo Decreto nº 35106, de 6/11/45 (...)».

4. As conclusões 3ª a 8ª do Parecer nº 68/91 reportam-se à questão da revogação expressa do Decreto-Lei nº 34486, e suas consequências, designadamente se a mesma teria «arrastado a caducidade», ou operado a «revogação tácita» do Decreto nº 35106, de 6 de Novembro de 1945, que o regulamentou, e sobre o qual incide, mais precisamente sobre a competência para ordenar o despejo a que alude o seu artigo 12º, o objecto do presente Parecer.

O referido Parecer analisou toda a legislação conexa com o problema da habitação social subsequente a 1945 até aos nossos dias ([13]) e concluiu que o Decreto nº 35106 se mantinha em vigor.

E prosseguindo, agora numa abordagem mais técnico-jurídica, perguntava-se no Parecer nº 68/91 se revogado expressamente o Decreto- -Lei (diploma habilitante) ainda que não revogado o Decreto (diploma habilitado), não seria este igualmente atingido pela queda da habilitação?

A questão não parece assim tão líquida.

Na verdade, consignou-se textualmente no Parecer que vimos acompanhando o seguinte:

«Sabe-se não ser em geral concebível o "exercício do poder regulamentar sem fundamento jurídico numa específica lei anterior", à qual "cumpre a função de habilitação legal necessária para se dar cumprimento ao princípio da primariedade ou da precedência da lei", como tal devendo ser expressamente citada no reguramento [artigo 115º, nº 7, da Constituição ([14])], de modo a redundar, corolariamente, na sua ilegitimidade a carência de habilitação legal ou a falta de individualização da lei habilitante (x2).

«E a imperatividade da expressa referência nos regulamentos à lei que visam regulamentar – observou-se já em parecer deste corpo consultivo (x3) – "exprime o rigor do carácter instrumental do poder regulamentar e dos limites estritos do seu exercício e visa patentear esse nexo".

«Mas não, porventura, mais do que isto».

E mais à frente:

«"Uma vez entrados em vigor – pondera-se –, os regulamentos, se não forem entretanto alterados, suspensos, revogados pura e simplesmente ou substituídos por outros, ou ainda anulados, terão eficácia por tempo indefinido, ou até à verificação da condição resolutiva ou do termo final que neles hajam sido apostos (autoderrogação)?

«"A revogação e a modificação do regulamento podem ser expressas ou tácitas, conforme o regulamento ou lei posterior declarem que revogam ou modificam um regulamento anterior ou se limitam a regular a mesma matéria de forma inovativa. Nesta hipótese requere-se um trabalho interpretativo, porventura difícil e melindroso, para estabelecer quais são as normas que, afinal de contas, foram derrogadas pelas normas novas".

«Particulariza-se, ademais, que os "regulamentos de execução devem considerar-se tacitamente revogados se for revogada ou substancialmente modificada a lei regulamentada". Mas, "se houver apenas incompatibilidade parcial entre a nova lei e o regulamento precedente, este sobreviverá na medida em que se harmonizar com ela – salvo se outra for a vontade apurada do legislador"».

«"O regulamento caduca também – escreve-se – se for revogada a lei que ele vinha complementar ou executar, caso esta não seja substituída por outra. Portanto, se havia um regulamento de execução ou complementar de uma lei, e se essa lei foi revogada e não foi substituída por outra, o regulamento caduca. Se a tal lei foi substituída por outra, o regulamento manter-se-á em vigor em tudo o que não seja contrário à nova lei".»

E prossegue o Parecer nº 68/91, fazendo consignar a final, quanto a esta matéria, que «um semelhante fenómeno se verifica no nosso caso», a que se segue a análise de toda a legislação subsequente já anteriormente abordada e a conclusão de que «[r]evogado, portanto, e de algum modo substituído o Decreto-Lei nº 34486 mediante o Decreto-Lei nº 310/88, de maneira nenhuma pode afirmar-se incompatibilidade – a inversa é que é verdadeira – entre este e o Decreto nº 35106».

5. Concluindo-se pela vigência deste último diploma, o despejo das casas continuará a ter lugar de acordo com o regime definido no seu artigo 12º, se este, concretamente, não tiver sido derrogado por legislação posterior, o que mais à frente se indagará.

A propósito, o artigo 12º dispõe o seguinte:
«Artigo 12º
Os ocupantes das casas podem ser desalojados sempre que se verifique não terem necessidade de ocupar a casa ou se tornem indignos do direito de ocupação que lhes foi concedido.
§ 1.º O disposto neste artigo aplica-se especialmente aos moradores:
1.º Que deixem de efectuar o pagamento das rendas dentro dos quinze dias posteriores à data do seu vencimento;
2.º Que possuírem casa própria na mesma localidade e tenham possibilidade legal de a ocupar;
3.º Que pelo seu comportamento provoquem escândalo público;
4.º Que se recusem a patentear a casa ao representante da entidade proprietária incumbido de superintender no respectivo agrupamento;
5.º Que não mantenham em bom estado de asseio a casa e terreno anexo;
6.º Que procedam de forma a criar risco para a segurança e salubridade do prédio.
§ 2.º O despejo das casas será feito pela polícia de segurança pública ou pela autoridade policial do concelho, a requisição da entidade proprietária» ([15]).

Deste artigo, enquanto fundamento do despejo, constam a desnecessidade de ocupação das casas e a indignidade subsequente ao exercício do direito de ocupação, enumerando-se, no § 1º, a título meramente exemplificativo, como decorre da utilização do advérbio «especialmente», algumas dessas situações.

E no § 2º regula-se o modo de execução do despejo.

5.1. No artigo que vimos enfocando – o 12º do Decreto nº 35106 –confrontamo-nos com a figura do despejo administrativo ([16]), que SÉRVULO CORREIA ([17]) define como «um poder de autotutela executiva de utilização multímoda, de modo algum circunscrita à execução de deliberações ou decisões que hajam posto termo à vigência de contratos de arrendamento».

E sublinha o mesmo autor que ao qualificá-lo como autotutela executiva, «como forma de execução coerciva que é, o despejo administrativo pressupõe sempre uma prévia decisão administrativa que imponha a desocupação» ([18]).

5.2. Finalmente, importa elencar o artigo 13º, dada a relevância que vai ter na evolução do presente parecer, e que dispõe sobre a tramitação do recurso a interpor das «deliberações» das entidades proprietárias sobre distribuição das casas e seu despejo.

5.3. Retomando a análise do artigo 12º do Decreto nº 35106, o despejo a que alude é uma providência em tudo semelhante ao previsto no artigo 8º do Decreto-Lei nº 23465, de 18 de Janeiro de 1934, diploma que determina que o Estado possa despejar os arrendatários dos seus prédios, rústicos e urbanos ou mistos, cedidos a título precário, quando isso lhe convier, e que assim dispõe ([19]):
«Artigo 8º
As pessoas colectivas ou os particulares que tenham para seu uso bens do Estado, cedidos a título precário, e ainda os que os ocuparem sem título são obrigados a entregá-los dentro do prazo de sessenta dias a contar do aviso postal que receberem da repartição competente, sob pena de serem despejados imediatamente pela autoridade administrativa ou policial, sem direito a qualquer indemnização.»

Ora, este Conselho Consultivo teve há algum tempo o ensejo de se pronunciar no sentido da vigência e da conformidade constitucional do citado dispositivo ([20]), formulando, neste segundo aspecto, considerandos válidos também pama o presente caso ([21]).

Na verdade e em suma, o acto do despejo sumário – sem decisão prévia dos tribunais – «não pode qualificar-se como acto jurisdicional, configurando-se antes como acto administrativa».

Ao ordenar o despejo, «o autor do acto não tem por fim dirimir imparcialmente qualquer conflito de interesses, visando a realização do direito e da justiça, mas antes satisfazer o interesse público acautelado nesse preceito e cuja prossecução a lei põe a seu cargo».

Trata-se, pois, de um acto que se insere «na função administrativa, pelo que deve ser decretado pela Administração e não pelos tribunais» ([22]).

Sendo assim, a doutrina sumariada colhe, «mutatis mutandis», para o despejo prevenido no artigo 12º, § 2º, do Decreto nº 35106.

De tudo quanto se acabou de expor, tendo em vista a economia do presente Parecer, importa concluir que não obstante a revogação do Decreto-Lei nº 34486, de 6 de Abril de 1945, o Decreto nº 35106, de 6 de Novembro do mesmo ano, que o regulamentou, continuou a regular, no artigo 12º, o despejo dos ocupantes, a título precário, das casas pertencentes aos municípios, se, entretanto, tal normativo não tiver sido derrogado por legislação posterior, conforme já anteriormente se referiu.


IV

1. Depois deste excurso, nomeadamente pelo Parecer nº 68/91, de 20 de Maio, do qual se extrai, relevantemente, além do mais, que o Decreto nº 35106 se encontra em vigor, é chegado o momento de avançar para a análise que sobeja da questão que nos vem ocupando, ou seja, da questão da competência para ordenar o despejo a que alude o seu artigo 12º ([23]), já que é sobre os referidos diploma e normativo que a mesma vai incidir.

1.1. O Código do Procedimento Administrativo consagra o princípio da legalidade da competência, dispondo no nº 1 do artigo 29º, sob a epígrafe «Irrenunciabilidade e inalienabilidade», que «[a] competência é definida por lei ou por regulamento, e é irrenunciável e inalienável, sem prejuízo do disposto quanto à delegação de poderes e à substituição».

Competência diz-se «do complexo dos poderes-deveres jurídicos públicos que uma norma de direito administrativo confere ao Estado ou a um ente público menor e distribui pelos seus vários órgãos» ([24]) ou do «conjunto de poderes funcionais que a lei confere para a prossecução das atribuições das pessoas colectivas públicas» ([25]) ou, ainda, do «conjunto de funções ou poderes funcionais conferidos por lei ao órgão da pessoa colectiva a que pertence, com vista ao desempenho das atribuições desta» ([26]).

«O conceito de competência dá assim a medida das actividades que, de acordo com o ordenamento jurídico, corresponde a cada órgão» ([27]).

Segundo FREITAS DO AMARAL ([28]), do já referido princípio da legalidade da competência «decorrem alguns corolários da maior importância:

a) A competência não se presume: isto quer dizer que só há competência quando a lei inequivocamente a confere a um dado órgão. Esta regra tem a excepção da figura da “competência implícita”, adiante referida;
b) A competência é imodificável: nem a Administração nem os particulares podem alterar o conteúdo ou a repartição da competência estabelecidos por lei;
c) A competência é irrenunciável e inalienável: os órgãos administrativos não podem em caso algum praticar actos pelos quais renunciem aos seus poderes ou os transmitam para outros órgãos da Administração ou para entidades privadas. Esta regra não obsta a que possa haver hipóteses de transferência do exercício de competência – designadamente, a delegação de poderes e a concessão – nos casos e dentro dos limites em que a lei o permitir (Código do Procedimento Administrativo, art. 29º, nºs 1 e 2)».

1.2. Quanto às espécies de competências e suas classificações, mais concretamente, no que ora releva, quanto ao modo de atribuição legal da competência, esta pode ser explícita ou implícita.

«Diz-se que a “competência” é “explícita” quando a lei a confere por forma directa e clara; pelo contrário, é “implícita” a competência que apenas é deduzida de outras determinações legais ou de certos princípios gerais de Direito público, como por ex. “quem pode o mais pode o menos”; toda a lei que impõe a prossecução obrigatória de um fim permite o exercício dos poderes minimamente necessários para esse objectivo”» ([29]).

Ainda sobre esta classificação anotam J. M. SANTOS BOTELHO, A. PIRES ESTEVES e J. CÂNDIDO DE PINHO ([30]), que «[e]m direito público, contrariamente ao que sucede no direito privado, onde a capacidade é regra, a competência dos órgãos não se presume, antes deve estar outorgada de forma expressa ou claramente implícita por norma jurídica para que possa ser considerada legalmente existente» ([31]).

2. Já anteriormente referimos que, de harmonia com o artigo 1º do Decreto nº 35106, a ocupação das habitações nos termos do Decreto-Lei nº 34486, de 6 de Abril de 1945, é concedida a título precário, mediante licença da entidade proprietária, sob a forma de alvará.

Essas habitações para famílias pobres constituem património do município – «os municípios são a autarquia local por excelência» ([32]) – do qual, como adiante melhor se verá, a câmara municipal é o órgão executivo colegial com competência para conceder tais licenciamentos.

Ora, segundo o princípio do paralelismo ou identidade das formas, aliás consagrado no artigo 144º do Código do Procedimento Administrativo ([33]), enquanto princípio geral de direito administrativo, se a lei estabelece uma determinada forma e uma determinada competência para a prática do acto, entende-se, se não houver lei a dispor em sentido diferente, que o acto contrário a este também deve seguir a mesma forma, sendo da competência do mesmo órgão ([34]).

Desse modo, caso não haja lei a dispor em sentido contrário, o despejo previsto no artigo 12º do Decreto nº 35106 caberá na competência do órgão que concedeu a licença de ocupação.

3. Vigorando no direito administrativo princípios como os do paralelismo e da legalidade da competência, sendo que esta não se presume, salvo nas hipóteses da competência implícita, vejamos, em reforço da tese que se avança, se o próprio Decreto nº 35106 contém alguma disposição que também contribua para a solução da questão sub judice.

Ora, como já vimos no ponto III, o Decreto nº 35106 não contém qualquer previsão que solucione directamente a questão da competência para ordenar os despejos previstos no seu artigo 12º.

Porém, uma previsão parece também apontar um caminho.

Referimo-nos ao artigo 13º, que dispõe:
«Artigo 13º
Das deliberações das entidades proprietárias sobre distribuição das casas e seu despejo cabe recurso para o Ministro do Interior, com efeito suspensivo, o qual deverá ser interposto no prazo de oito dias, a partir da data da sua aprovação».

É uma norma que deve ser imediatamente interpretada, tendo em vista a solução da problemática enfocada.

4. Previamente, porém, não será despiciendo trazer à colação o artigo 9º do Código Civil, aplicável nas várias áreas do ordenamento jurídico, incluindo a do Direito Administrativo.

Na verdade, sob a epígrafe «Interpretação da lei», diz-nos este normativo:

«1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.»

A transcrita disposição consagra princípios desenvolvidos pela doutrina ([35]) ao longo dos tempos, que este corpo consultivo, em inúmeros Pareceres ([36]), vem acolhendo e que, seguidamente, procuraremos sintetizar.

Aliás, fá-lo-emos acompanhando um recente Parecer deste Conselho ([37]).

Assim,

«Interpretar uma norma não é mais do que fixar o sentido e alcance com que há-de valer, determinando o sentido decisivo (x4).

«A letra ou o texto da norma é, naturalmente, o ponto de partida de toda a interpretação, constituindo a apreensão literal do texto já interpretação, embora incompleta, tornando-se sempre necessária uma “tarefa de interligação e valoração que escapa ao domínio literal” (x5).

«Pode dizer-se que na actividade interpretativa, a letra da lei funciona simultaneamente como ponto de partida e limite de interpretação, sendo-lhe assinalada uma dimensão negativa que é a de eliminar tudo quanto não tenha qualquer apoio ou cor espondência ao menos imperfeita no texto.

«Note-se por m que a lei é antes de mais “um ordenamento de relações que mira a satisfazer certas necessidades e deve interpretar-se no sentido que melhor responda a essa finalidade, e portanto em toda a plenitude que assegure tal tutela”.

«Por conseguinte, para determinar o alcance de uma lei, o intérprete não pode limitar-se ao “sentido aparente e imediato que resulta da conexão verbal; é indagar com profundeza o pensamento legislativo, descer da superfície verbal ao conceito íntimo que o texto encerra e desenvolvê-lo em todas as direcções possíveis (...). A missão do intérprete é justamente descobrir o conteúdo real da norma jurídica, determinar em toda a amplitude o seu valor, penetrar o mais que é possível (...) na alma do legislador, reconstruir o pensamento legislativo. Só assim a lei realiza toda a sua força de expansão e representa na vida social uma verdadeira força normativa” (x6).

«Desta forma, na tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal intervêm elementos sistemáticos, históricos, racionais e teleológicos (x7).

«O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam questões paralelas; compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretada no ordenamento geral, assim como a sua concordância com o espírito ou a unidade intrínseca do sistema.

«O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pela edição da norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.

«Na função de interpretação, socorrendo-se dos instrumentos dogmáticos referidos, o intérprete não se deve restringir a uma leitura imediatista do texto da norma, aceitando o sentido que, aparentemente, daí imediatamente decorre, mas deve combinar todos esses elementos numa tarefa de conjunto de modo a descobrir o sentido decisivo da norma (x8)”».

A final, culminando a exegese, o intérprete atingirá um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação: interpretação declarativa; interpretação extensiva; interpretação restritiva.

5. Já o dissemos, o texto da lei é o ponto de partida, a primeira referência, da interpretação normativa.

Ora, o já recenseado artigo 13º do Decreto nº 35106 contém um termo que de algum modo pode contribuir para a solução que nos parece mais justa e razoável.

Referimo-nos ao termo deliberação, que desde sempre corresponde à utilização de «uma linguagem técnico-jurídica especial» ([38]), através da qual o legislador «se pode expressar com mais precisão, e cujo uso o dispensa de muitos esclarecimentos circunstanciais».

Na verdade, ensina MARCELLO CAETANO ([39]) ([40]) que, «[s]egundo a nomenclatura usada sobretudo pelo Código Administrativo, e que toma em consideração o tipo de órgão de que os actos dimanam, se o acto provém de um órgão singular, é decisão, se provém de um órgão colegial, é deliberação.

«Os termos decisão e deliberação não são sinónimos de acto administrativo: também são aplicáveis aos actos internos (técnicos) e aos actos que aprovam regulamentos ou posturas.

«Embora a palavra despacho possa significar “resolução” em sentido amplo (v.g. o despacho do Conselho de Ministros), será mais rigoroso considerá-lo sinónimo de “decisão”».

Também FREITAS DO AMARAL, debruçando-se sobre a mesma questão ([41]), afirma: «Decisão e deliberação: há quem distinga estes dois termos entendendo que “decisões” são as resoluções dos órgãos singulares e “deliberações”, as dos órgãos colegiais (x9). Quer-nos parecer, porém, que é mais correcto admitir que todo o acto administrativo é uma decisão (x10), sendo a deliberação o processo específico usado nos órgãos colegiais para tomar decisões».

Do exposto, pode concluir-se que o termo deliberação, ao não conter qualquer ambiguidade técnico-jurídica – «cada palavra tem o seu significado ou os seus significados» ([42]) – reporta-se sempre a um acto proferido por órgão colegial.

Em consequência, no presente caso, também o argumento literal aponta, inequivocamente, para a competência de um órgão colegial para ordenar o despejo previsto no artigo 12º do Decreto nº 35106.

Acresce, segundo o nº 3 do artigo 9º do Código Civil, que o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas, já que, «só quando razões ponderosas, baseadas noutros subsídios interpretativos, conduzem à conclusão de que não é o sentido mais natural e directo da letra que deve ser acolhido, deve o intérprete preteri-lo» ([43]).

5.1. De igual modo, a utilização desse termo no texto legal, na falta de qualquer outro texto explícito ([44]), arrasta consigo a competência implícita de um órgão colegial para a prática do acto, dada a sua inequivocidade técnico-jurídica.

5.2. Por fim, caso fosse necessário recorrer a uma interpretação actualista («condições específicas do tempo em que a lei é aplicada», na terminologia do nº 1 do artigo 9º do Código Civil), a solução não poderia deixar de ser a mesma.

Na verdade, o despejo, in casu de habitações sociais, envolve aspectos que podem colidir directamente com direitos consagrados constitucionalmente.

Referimo-nos concretamente ao direito à habitação, que o artigo 65º, nºs 1 e 2, alínea b), da Constituição vigente consagra ([45]) ([46]).

Ora questão tão relevante como a do despejo na habitação social – «casas destinadas ao alojamento de famílias pobres», segundo os Decreto- -Lei nº 34486 e Decreto nº 35106 –, que poderá contender, como se disse, com princípios constitucionais, deverá dimanar, no âmbito do poder local, que compreende órgãos executivos colegiais e singulares, de um órgão colegial ([47]), e não de um órgão singular, salvaguardando-se, é certo, a hipótese da delegação de poderes, se ao caso couber, mas sempre controlável pelo órgão delegante, como adiante melhor se verá.

5.3. Resta-nos concluir nesta parte que, in casu, a solução da questão passa pela interpretação declarativa do artigo 12º conjugado com o artigo 13º, ambos do Decreto nº 35106, porquanto resulta não só do princípio do paralelismo, já anteriormente enfocado, mas, também, do texto da lei, ao comportar inequivocamente esse único sentido, a competência implícita de um órgão colegial do município para ordenar o despejo a que o referido normativo alude.


V

1. Aqui chegados, a nossa análise irá incidir sobre os actuais órgãos dos municípios e suas competências, em cuja legislação poderá colher-se contributo decisivo para o apuramento do órgão do município competente, tendo em vista a solução da problemática que nos ocupa.

1.1. Presentemente, a Constituição da República Portuguesa ([48]), no título VIII, que consagra o poder local, dispõe no artigo 235º, sob a epígrafe «Autarquias locais», que a organização democrática do Estado compreende a existência de autarquias locais (nº 1) e que as autarquias locais são pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas (nº 2).

Por sua vez, o artigo 236º, sob a epígrafe «Categorias de autarquias locais e divisão administrativa», dispõe que no continente as autarquias locais são as freguesias, os municípios e as regiões administrativas (nº 1).

Finalmente, o artigo 237º, sob a epígrafe «Descentralização administrativa», dispõe que as atribuições e a organização das autarquias locais, bem como a competência dos seus órgãos, serão reguladas por lei, de harmonia com o princípio da descentralização administrativa (nº 1).

Segundo J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA ([49]), «[a] descentralização administrativa postula a difusão das tarefas públicas, mediante a devolução de atribuições e de poderes a entidades públicas autónomas situadas abaixo do Estado. Ela consiste essencialmente numa dividão vertical de poderes entre o Estado e entes públicos autónomos infraestaduais, nomeadamente os de carácter territorial, justamente as autarquias locais».

Acresce que «[a] descentralização administrativa implica a autonomia administrativa, em sentido estrito, isto é, a competência para a prática de actos administrativos definitivos e executórios e a não sujeição das autarquias e dos seus órgãos a uma dependência hierárquica, em relação ao Estado ou autarquias de grau superior, sem prejuízo da tutela (art. 243º)» ([50]).

Por fim, não será despiciendo referenciar que o artigo 237º da Constituição remete para a lei (reserva de lei) a matéria das competências dos órgãos autárquicos, embora esta assuma a natureza de reserva relativa de competência legislativa, já que a própria Lei Fundamental, no nº 1 do artigo 165º, dispõe que é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre diversas matérias, salvo autorização ao Governo, v. g., quanto ao «[e]statuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais», de harmonia com a sua alínea q) ([51]).

2. Na vertente da densificação infra-constitucional, enquanto corolário da descentralização administrativa, foi publicada a Lei nº 159/99, de 14 de Setembro ([52]), que estabeleceu o quadro de transferência de atribuições e competências para as autarquias locais e, logo em seguida, numa primeira fase dessa transferência, a Lei nº 169/99, de 18 de Setembro ([53]), que estabeleceu o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias.

De harmonia com a Lei nº 159/99, os municípios dispõem de inúmeras atribuições, sendo uma delas do domínio da habitação (artigo 13º, nº 1, alínea i).

No mesmo domínio, ainda no âmbito do referido diploma, compete aos órgãos municipais «[f]omentar e gerir o parque habitacional de arrendamento social» [artigo 24º, alínea d)].

Por sua vez, a Lei nº 169/99, dispõe no nº 2 do artigo 2º que os órgãos representativos do município são a assembleia municipal e a câmara municipal ([54]).

De harmonia com o artigo 41º da Lei nº 169/99, que tem por epígrafe «Natureza», a assembleia municipal é o órgão deliberativo do município, funcionando «como um autêntico parlamento municipal» ([55]), não desempenhando funções executivas, nem funções de gestão ([56]).

Por sua vez, o artigo 56º da mesma Lei, sob a epígrafe «Natureza e constituição», diz-nos que «1 – A câmara municipal é constituída por um presidente e por vereadores, um dos quais designado vice-presidente, e é o órgão executivo colegial do município, eleito pelos cidadãos recenseados na sua área».

À câmara municipal chama-se corpo administrativo, sendo que «no direito português, esta expressão designa todo o órgão colegial executivo encarregado da gestão permanente dos assuntos de uma autarquia local», sendo, por isso, «o corpo administrativo do município» ([57]).

2.1. Segundo J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA ([58]) «[o] órgão executivo do município é a câmara e não o seu presidente. Embora a Constituição tenha expressamente previsto a figura do presidente da câmara, ele não é um órgão autónomo da administração municipal. O órgão executivo do município é a câmara como órgão colegial (v. também, art. 241º - 1). Não é, portanto possível conferir ao presidente, por via legal, competência originária para o exercício de atribuições municipais, podendo contudo a câmara delegar-lhe uma parte das suas competências, nos casos previstos na lei. Por isso, a atribuição directa de poderes ao presidente – ainda que sob a figura de «delegação tácita», operada directamente pela lei, independentemente de qualquer acto de delegação da CM (Decreto-Lei nº 100/84, art. 52º) – não tem fundamento constitucional, mesmo quando se admite que a CM possa fazer cessar a delegação, ou reapreciar as decisões do presidente, em via de recurso. A abertura legal veio permitir, na prática, transições silenciosas de um regime de colegialidade para um regime de presidencialismo municipal, com violação do «princípio da conformidade funcional», relativamente aos órgãos autárquicos. A composição pluripartidária do executivo impõe a colegialidade municipal na tomada de decisões, pelo que a «presidencialização» se traduz na monopolização e na expropriação monopartidária das decisões»).

No entanto, hoje em dia, a doutrina vem-se inclinando maioritariamente em sentido contrário, na linha do que FREITAS DO AMARAL tem defendido. Segundo este autor, «[n]ão é pelo facto de a Constituição ou as leis qualificarem o Presidente da Câmara como órgão, ou não, que ele efectivamente é ou deixa de ser órgão do município: ele será órgão ou não, conforme os poderes que a lei lhe atribuir no quadro do estatuto jurídico do município» ([59]).

E prossegue o mesmo autor:

«Hoje isso é ainda mais patente à luz da nova redacção dada pela Lei nº 18/91, de 12 de Junho, aos artigos 52º e 53º da LAL: com esta alteração, não só aumentaram substancialmente os casos de competência própria como foi eliminada a figura fictícia da delegação tácita, transformando a maior parte dos casos em que essa figura se aplicava em casos de pura e simples competência própria.
O Presidente da Câmara é hoje um órgão de vasta competência executiva, a figura emblemática do município, e o verdadeiro chefe da administração municipal: pretender negá-lo é contraditório com o sistema de eleição directa do Presidente da Câmara estabelecido na legislação portuguesa» ([60]) ([61]).

E se assim era à luz da Lei nº 100/84, de 29 de Março, ([62]), presentemente o artigo 68º da Lei nº 169/99 consagra um leque ainda mais alargado de competências próprias do presidente da câmara.

2.2. Na referida legislação – Leis nºs 159/99 e 169/99 –, no âmbito das competências da assembleia municipal, da câmara municipal e do presidente da câmara, não vem consagrada qualquer disposição que incida directamente nobre a habitação social.

Porém, neste último diploma, quanto à câmara municipal, merecem enfoque as seguintes competências:

- a da alínea f) do nº 2 do artigo 64º onde se estatui que lhe compete, no âmbito do planeamento e do desenvolvimento, «[c]riar, construir e gerir instalações, equipamentos (...) integrados no património municipal»;

- a da alínea d) do nº 7 do artigo 64º, onde lhe é conferido o exercício das «demais competências legalmente conferidas, tendo em vista o prosseguimento normal das atribuições do município».

Por sua vez, no leque de competências do presidente da câmara, previsto no artigo 68º, merecem destaque as seguintes competências:

- no nº 1, as alíneas a), que lhe confere competência para representar o município em juízo e fora dele e b), que lhe permite executar as deliberações da câmara municipal;

- no nº 2, as alíneas h), que o manda promover todas as acções necessárias à administração corrente do património municipal e à sua conservação e n), esta, nomeadamente, que lhe permite ordenar o despejo sumário dos prédios cuja expropriação por utilidade pública tenha sido declarada ou cuja demolição ou beneficiação tenha sido deliberada, nos termos da alínea anterior e da alínea c) do nº 5 do artigo 64º, mas, nesta última hipótese, só quando na vistoria se verificar a existência de risco iminente de desmoronamento ou a impossibilidade de realização das obras sem grave prejuízo para os moradores dos prédios.

Por fim, não será despiciendo trazer à colação o nº 3 do mesmo artigo 68º onde vem estatuído que «[s]empre que o exijam circunstâncias excepcionais e urgentes e não seja possível reunir extraordinariamente a câmara, o presidente pode praticar quaisquer actos da competência desta, mas tais actos ficam sujeitos a ratificação, na primeira reunião realizada após a sua prática, sob pena de anulabilidade».

2.3. Nenhuma previsão emerge da lei, por conseguinte, que atribua competência explícita à câmara municipal ou ao presidente da câmara para ordenar o despejo a que alude o artigo 12º do Decreto nº 35106.

E competência implícita?

Sabe-se que a alínea n) do nº 2 do artigo 68º da Lei nº 169/99, confere ao presidente da câmara competência para «ordenar o despejo sumário dos prédios cuja expropriação por utilidade pública tenha sido declarada ou cuja demolição ou beneficiação tenha sido deliberada (...)» ([63]).

Porém, em sede interpretativa, tem-se por pacífico que a letra (o enunciado legislativo) é o ponto de partida, mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do nº 2 do artigo 9º do Código Civil: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) «que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» ([64]).

Em consequência, como exemplo, fazer uma interpretação extensiva ([65]) daquela alínea n) do artigo 68º da Lei nº 169/99, de modo a que abarque a competência para ordenar o despejo a que alude o artigo 12º do Decreto nº 35106, acarretaria uma clara violação do pensamento legislativo, já que tal entendimento não tem, sequer, suporte mínimo na letra da lei e muito menos no seu espírito.

Na verdade, o mencionado normativo exige uma prévia «declaração» de expropriação por utilidade pública – da competência do ministro a cujo departamento compete a apreciação final do processo ou, no âmbito da administração local, da assembleia municipal, através de deliberação ([66]) –, ou uma prévia «deliberação» de demolição ou beneficiação, enquanto suportes da competência do presidente da câmara para o despejo sumário.

Tal «declaração» de expropriação, por regra proveniente da Administração central ou local, assim como a «deliberação» de demolição ou beneficiação, porque provêm de um órgão colegial, acabam por ter sentido e força similares ou idênticas às «deliberações» da câmara municipal nos despejos a que aludem os artigos 12º do Decreto nº 35106 e 92º do Decreto--Lei nº 555/99.

Daí que, nos primeiro e segundo casos (despejos subsequentes a declaração de expropriação e a deliberação de demolição ou beneficiação) a competência caiba explicitamente ao presidente da câmara e nos restantes casos à câmara municipal, sendo a do despejo previsto no artigo 12º do Decreto 35106 uma competência implícita e a do artigo 92º do Decreto-Lei nº 555/99 uma competência explícita.

Quanto a esta matéria convém, também, não esquecer o anteriormente elencado princípio do paralelismo ou da identidade das formas, enquanto princípio geral do direito administrativo, segundo o qual se a lei atribuir determinada competência para a prática de um acto a um órgão a este deve também caber a competência para o acto contrário, salvo se houver legislação em sentido contrário.

Ora, in casu, se a lei atribui competência à câmara municipal (órgão executivo, por excelência, do município, que é a entidade proprietária das casas) para emitir a licença de ocupação de casas para pobres nos termos do artigo 1º do Decreto nº 35106, será esse mesmo órgão o competente para ordenar o despejo previsto no artigo 12º do mesmo diploma, por inexistir legislação em sentido contrário, de acordo, exactamente, com o princípio do paralelismo ([67]).

Em suma:

- por um lado, o corpo do artigo 12º ([68]) do Decreto nº 35106, de 6 de Novembro de 1945, não foi derrogado pela Lei nº 169/99, pelo que continua em vigor;

- por outro lado, cabe na competência da câmara municipal a deliberação para ordenar o despejo a que alude o já citado artigo 12º do Decreto nº 35106.


VI

Resta-nos abordar a questão da delegação de poderes.

1. Referiu-se oportunamente que o artigo 29º, nº 1 do Código do Procedimento Administrativo dispõe que a «competência é definida por lei ou por regulamento, e é irrenunciável e inalienável, sem prejuízo do disposto quanto à delegação de poderes (...)».

Decorre da referida norma que as regras da irrenunciabilidade e da inalienabilidade reportam-se exclusivamente à titularidade da competência, nada obstando a que, em certos casos, a competência possa ser delegada.

1.1. Para FREITAS DO AMARAL ([69]) «a “delegação de poderes” (ou “delegação de competência”) é o acto pelo qual um órgão da administração, normalmente competente para decidir em determinada matéria, permite, de acordo com a lei, que outro órgão ou agente pratiquem actos administrativos sobre a mesma matéria».

Ainda para o mesmo autor ([70]), «[s]ão três os requisitos da delegação de poderes:

a) Em primeiro lugar, é necessário uma lei que preveja expressamente a faculdade de um órgão delegar poderes noutro: é a chamada lei de habilitação.
«Porque a competência é irrenunciável e inalienável, só pode haver delegação de poderes com base na lei: por isso, a própria Constituição declara que nenhum “órgão de soberania, de região autónoma ou de poder local pode delegar os seus poderes noutros órgãos, a não ser nos casos e nos termos expressamente previstos na Constituição e na lei” (CRP, art. 114º, nº 2) ([71]). Mas o artigo 29º do Código do Procedimento Administrativo acentua bem que os princípios da irrenunciabilidade e da inalienabilidade da competência não impedem a figura da delegação de poderes (nºs 1 e 2);
b) Em segundo lugar, é necessária a existência de dois órgãos, ou de um órgão e um agente, da mesma pessoa colectiva pública, ou de dois órgãos de pessoas colectivas públicas distintas, dos quais um seja o órgão normalmente competente (o delegante) e outro, o órgão eventualmente competente (o delegado);
c) por último, é necessária a prática do acto de delegação propriamente dito, isto é, o acto pelo qual o delegante concretiza a delegação dos seus poderes no delegado, permitindo-lhe a prática de certos actos na matéria sobre a qual é normalmente competente».

1.2. Quanto à natureza jurídica da delegação de poderes, a doutrina vem entendendo maioritariamente, enquanto consagração da tese da transferência de exercício que «a delegação de poderes não é uma alienação, porque o delegante não fica alheio à competência que decida delegar, nem é uma autorização, porque antes de o delegante praticar o acto de delegação o delegado não é competente: a competência advém-lhe do acto de delegação, e não da lei de habilitação. Por outro lado, a competência exercida pelo delegado com base na delegação de poderes não é uma competência própria, mas uma competência alheia (do delegante). Logo a delegação de poderes constitui uma transferência do delegante para o delegado: não, porém, uma transferência da titularidade dos poderes, mas uma transferência do exercício dos poderes» ([72]) ([73]).

1.3. O Código do Procedimento Administrativo acolheu a definição de delegação de poderes que FREITAS DO AMARAL vem defendendo, dispondo no artigo 35º o seguinte:
Artigo 35º
«Da delegação de poderes

1 – Os órgãos administrativos normalmente competentes para decidir em determinada matéria podem, sempre que para tal estejam habilitados por lei, permitir, através de um acto de delegação de poderes, que outro órgão ou agente pratique actos administrativos sobre a mesma matéria.
2 – (...)
3 – (...)»

Segue-se o artigo 36º, que tem por epígrafe «Da subdelegação de poderes».

Por sua vez, o artigo 37º, dispõe:
Artigo 37º
«Requisitos do acto de delegação
1 – No acto de delegação ou subdelegação deve o órgão delegante ou subdelegante especificar os poderes que são delegados ou subdelegados ou quais os actos que o delegado ou subdelegado podem praticar.
2 – Os actos de delegação e subdelegação de poderes estão sujeitos a publicação no Diário da República ou, tratando-se da administração local, no boletim da autarquia, e devem ser afixados nos lugares do estilo quando tal boletim não exista».

Finalmente, mostra-se pertinente o artigo 40º:

Artigo 40º
«Extinção da delegação ou subdelegação
A delegação e a subdelegação de poderes extinguem-se:
a) Por revogação do acto de delegação ou subdelegação;
b) Por caducidade, resultante de se terem esgotado os seus efeitos ou da mudança dos titulares dos órgãos delegante ou delegado, subdelegante ou subdelegado».

2. Vimos supra, no ponto II-2.1., que a Câmara Municipal do Porto, ao abrigo das disposições legais em vigor, delegou no seu Presidente as competências constantes na alínea d) do nº 7 do artigo 64º da Lei 169/99, com a redacção que lhe é dada pela Lei nº 5-A/2002, ou seja, «exercer as demais competências legalmente conferidas, tendo em vista o prosseguimento normal das atribuições do município».

Entre essas competências foi delegada no presidente da câmara a de ordenar os despejos previstos no artigo 12º do Decreto 35106, de 6 de Novembro de 1945 – de referir que este diploma não contém qualquer norma que explícita ou implicitamente regule tal matéria.

O artigo 64º da LAL regula as inúmeras competências das câmaras municipais, sendo as previstas no nº 1, do âmbito da organização e funcionamento dos seus serviços e da gestão corrente; as do nº 2, do âmbito do planeamento e do desenvolvimento; as do nº 3, do âmbito consultivo; as do nº 4, do âmbito do apoio a actividades de interesse municipal; as do nº 5, em matéria de licenciamento e fiscalização; as do nº 6, as que respeitam às suas relações com outros órgãos autárquicos; e as do nº 7, as correspondentes às seguintes alíneas: a) elaborar e aprovar posturas e regulamentos em matérias da sua competência exclusiva; b) administrar o domínio público municipal, nos termos da lei; c) propor, nos termos da lei, a declaração de utilidade pública, para efeitos de expropriação; d) exercer as demais competências legalmente conferidas, tendo em vista o prosseguimento normal das atribuições do município.

Por sua vez, o artigo 65º, sob a epígrafe «Delegação de competências», dispõe, no que ora releva:

«1 – A câmara pode delegar no presidente a sua competência, salvo quanto às matérias previstas nas alíneas a), h), i), j), o) e p) do nº 1, a), b), c) e j) do nº 2, a) do nº 3 e a), b), d) e f) do nº 4, no nº 6 e nas alíneas a) e c) do nº 7 do artigo anterior.
2 – (...)
3 - (...)
4 – A câmara municipal pode a todo o tempo fazer cessar a delegação.
5 – (...)
6 – (...)
7 – (...)».

Acerca do nº 1 do referido artigo 65º escreveu JOÃO PAULO ZBYSZEWSKI ([74]) que «o legislador estabeleceu um núcleo de competências que devem ser exercidas colegialmente e que, em consequência, não podem ser delegadas. Numa perspectiva histórica, verificamos que este núcleo tem vindo a aumentar através das sucessivas leis de atribuições e competências das autarquias locais».

E mais à frente: «Neste artigo faz-se depender da existência de norma habilitante, a possibilidade da delegação de competências. Este requisito encontra-se preenchido pelo nº 1 do presente artigo».

O nº 1 deste artigo 65º diz-nos as competências da câmara municipal que podem ser delegadas no presidente no âmbito da Lei nº 169/99. A essas serão de acrescentar as competências que legislação avulsa delegue explícita ou implicitamente no presidente da câmara, como é o caso, por exemplo, da prevista no artigo 5º, nº 1 ([75]), do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico da urbanização e edificação.

Por outro lado, o mesmo artigo, também no nº 1, enumera as competências da câmara municipal que não podem ser delegadas, sendo de salientar, no que ora releva, as previstas nas alíneas a) e c) do nº 7.

De fora, no referido nº 7, no que se nos afigura pertinente, fica a alínea d), que, como já se disse, preceitua que compete à câmara municipal «[e]xercer as demais competências legalmente conferidas, tendo em vista o prosseguimento normal das atribuições do município».

Em consequência, são delegáveis pela câmara municipal no respectivo presidente todas as competências previstas em legislação avulsa, salvo aquelas que tal legislação avulsa afaste explícita ou implicitamente.

É esse, em suma, o caso que nos ocupa, ou seja, o da competência da câmara municipal para ordenar os despejos previstos em legislação avulsa, concretamente no Decreto nº 35106, a qual pode ser delegada no presidente da câmara, já que o mesmo diploma não a proíbe explícita ou implicitamente.

VII

1. Embora nos pareça que o objecto do Parecer se esgota com a problemática anteriormente enfocada, por ser a que suscitou e justificou dúvidas à autarquia, o certo é que no respectivo pedido se aflora também a questão da competência para a execução do despejo nas situações previstas no artigo 12º do Decreto nº 35106.

Ora o próprio diploma dá-nos resposta explícita à questão no § 2º do referido artigo, que dispõe: «O despejo das casas será feito pela polícia de segurança pública ou pela autoridade policial do concelho, a requisição da entidade proprietária».

Só que tal disposição, quanto aos municípios, deverá merecer uma leitura actualizada, articulada e conjugada com a alínea b) do nº 1 do artigo 68º da Lei nº 169/99, por dispor que compete ao presidente da câmara municipal «executar as deliberações da câmara municipal», presentemente através de funcionários dos respectivos serviços, com a coadjuvação, se necessário, das forças policiais ([76]).

Esta disposição mais não é do que a consagração legal da autotutela executiva, enquanto privilégio de que goza a Administração local ([77]).

Na verdade, ordenados os despejos, perante a recusa dos particulares em cumprir esses actos impositivos, depois de lhe terem sido devidamente notificados, os municípios podem impor coercivamente a execução, após notificação prévia das ordens de execução aos particulares ([78]).

2. Aliás, este Conselho, ainda recentemente, teve oportunidade de se pronunciar sobre tão relevante problemática, em Parecer já anteriormente referenciado ([79]), de que nos limitaremos a enunciar, em síntese, algumas das suas mais pertinentes conclusões.

Assim, na 1ª, concluiu-se que os municípios gozam do poder de executar coercivamente os seus actos impositivos, de demolição e despejo, pelas formas e nos termos previstos na lei.

Na 2ª, que a execução coactiva administrativa deverá respeitar os direitos fundamentais.

Na 3ª, que na falta de consentimento de entrada no domicílio dos cidadãos, será necessária autorização judicial.

Na 4ª, que a execução do acto administrativo, enquanto actividade da própria Administração, deverá ser executada pelos serviços das entidades que as proferem.

Por fim, na 5ª, concluiu-se que as forças policiais têm o dever de coadjuvar, quando tal se mostre necessário.


VIII

Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1ª - Não obstante a revogação do Decreto-Lei nº 34486 de 6 de Abril de 1945, o Decreto nº 35106, de 6 de Novembro do mesmo ano, que o regulamentou, mantém-se em vigor, continuando a regular no seu artigo 12º o despejo dos ocupantes, a título precário, das casas para famílias pobres pertencentes aos municípios;

2ª - Compete à câmara municipal ordenar o despejo dos ocupantes a título precário das casas para famílias pobres pertencentes aos municípios, nos termos dos artigos 12º e 13º do Decreto nº 35106, e 64º, nº 7, alínea d), da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro;

3ª - A competência referida na conclusão anterior pode ser delegada no presidente da câmara, ao abrigo do disposto nos artigos 64º, nº 7, alínea d), e 65º, nº 1, da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro;

4ª - A execução dos despejos referidos nas anteriores conclusões cabe na competência do presidente da câmara, através dos respectivos serviços, coadjuvados, se necessário, pelas forças policiais.









([1]) Através do ofício nº 5186, de 25 de Setembro de 2003, com registo de entrada na Procuradoria-Geral da República datado do dia 30 seguinte. O ofício foi feito acompanhar dos seguintes documentos: a) um parecer da Directora-Geral das Autarquias Locais, seguido de despacho do Secretário de Estado da Administração Local, datado de 25 de Setembro de 2003; b) uma informação da Subdirectora-Geral das Autarquias Locais (nº 5253, P.º 241/03, 26.08.03); c) um pedido de parecer do Presidente da Câmara Municipal do Porto (OF/156/03/GAP, 04-08-2003); d) duas propostas de vereadores da mesma Câmara Municipal, a primeira datada de 7 de Julho e a segunda de 10 do mesmo mês, ambas de 2003; e) uma informação do advogado-síndico, também da Câmara Municipal do Porto.
([2]) O Decreto nº 35106, segundo o seu preâmbulo, destinou-se a executar o disposto no artigo 3º do Decreto-Lei nº 34486, de 6 de Abril de 1945, «sobre ocupação de casas destinadas a famílias pobres». Por sua vez, o Decreto-Lei nº 34486, entretanto revogado pelo Decreto-Lei nº 310/88, de 5 de Setembro, autorizou o Governo «a promover, no prazo de cinco anos, por intermédio dos corpos administrativos e Misericórdias, a construção de 5000 casas destinadas ao alojamento de famílias pobres nos centros populacionais do continente e ilhas adjacentes», dispondo o corpo do seu artigo 3º que «[a] ocupação das habitações será concedida a título precário, mediante licença passada pelo corpo administrativo ou Misericórdia, nas condições expressamente consignadas em regulamento a publicar pelo Ministério do Interior».
([3]) Vereador Rui Sá.
([4]) Vereadores Orlando Gaspar e Isabel Oneto.
([5]) Já referido na nota 1.
([6]) No ponto 6 consignou-se o seguinte:
«Em matéria de despejos apenas a alínea n) do nº 2 do art. 68º contempla uma previsão normativa sobre esta matéria, competindo ao presidente da câmara ordenar o despejo sumário dos prédios nas seguintes condições:
a) Em que a expropriação por utilidade pública tenha sido declarada;
b) Em que a demolição ou beneficiação tenha sido deliberada, relativamente a obras, construções ou edificações efectuadas por particulares ou pessoas colectivas, sem licença ou com inobservância das condições dela constantes, dos regulamentos, das posturas municipais ou de medidas preventivas, de normas provisórias, de áreas de construção prioritária, das áreas de desenvolvimento urbano prioritário e de planos municipais de ordenamento do território plenamente eficazes;
c) Em que a demolição total ou parcial tenha sido deliberada em virtude das construções ameaçarem ruína ou constituírem perigo para a saúde ou segurança das pessoas, verificada na sequência de vistoria que tenha constatado a existência de risco iminente de desmoronamento ou a impossibilidade de realização das obras sem grave prejuízo para os moradores dos prédios».
Por sua vez, no ponto 7 consignou-se o seguinte:
«Por sua vez, o art. 92º do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 177/2001, de 4 de Junho, que prevê o denominado despejo administrativo, estatui ser competência da câmara municipal o despejo nos casos seguintes.
a) Execução de obras de conservação necessárias à correcção de más condições de segurança ou de salubridade;
b) Demolição total ou parcial das construções que ameacem ruína ou ofereçam perigo para a saúde pública e para a segurança das pessoas.»
([7]) Datado de 25 de Setembro de 2003.
([8]) O artigo 12º do Decreto nº 35106 tem a seguinte redacção:
«Os ocupantes das casas podem ser desalojados sempre que se verifique não terem necessidade de ocupar a casa ou se tornem indignos do direito de ocupação que lhes foi concedido.
§ 1º O disposto neste artigo aplica-se especialmente aos moradores:
1º Que deixem de efectuar o pagamento das rendas dentro de quinze dias posteriores à data do seu vencimento;
2º Que possuírem casa própria na mesma localidade e tenham possibilidade legal de a ocupar;
3º Que pelo seu comportamento provoquem o escândalo público;
4º Que se recusem a patentear a casa ao representante da entidade proprietária incumbido de superintender no respectivo agrupamento;
5º Que não mantenham em bom estado de asseio a casa e terreno anexo;
6º Que procedam de forma a criar risco para a segurança e salubridade do prédio.
§ 2º O despejo das casas será feito pela polícia de segurança pública ou pela autoridade policial do concelho, a requisição da entidade proprietária».
([9]) Cfr. propostas referidas no ponto II-2.1. e II-2.1.1.
([10]) Cfr. nota 2.
([11]) O referido Parecer nº 68/91, inédito, teve por objecto apurar a legislação aplicável aos “bairros sociais” de que são titulares inúmeras Misericórdias e outras Instituiçõs Particulares de Solidariedade Social, que foram regulados pelos Decreto-Lei nº 34486, de 6 de Abril de 1945, Decreto nº 35106, de 6 de Novembro de 1945, e Decreto-Lei nº 49033, de 28 de Maio de 1969, nomeadamente se se encontrava em vigor o determinado nos referidos diplomas legais ou se seria de aplicar o regime geral dos contratos de arrendamento para habitação, no tocante à revisão dos valores das rendas.
([12]) Votado na sessão de 19 de Junho de 1964, inédito.
(x) Neste sentido, PINTO LOUREIRO, Tratado da Locação, vol. I, pág. 247, nota 2.
(x1) De 24 de Julho de 1980, "Diário da República", II Série, nº 18, de 22 de Janeiro de 1981 e "Boletim do Ministério da Justiça", nº 304, pág. 114 (cfr. ponto 1º e nota 6).
([13]) Nomeadamente, no Parecer nº 68/91 focaram-se diplomas tão distantes no tempo como o Decreto-Lei nº 41470, de 23 de Dezembro de 1957, a Portaria nº 343/74, de 29 de Maio, o Decreto-Lei nº 797/76, de 6 de Novembro, o Decreto Regulamentar nº 50/77, de 11 de Agosto, e, finalmente, o Decreto-Lei nº 310/88, 8e 5 de Setembro, o qual, como já se disse, no seu artigo 22º revogou o Decreto-Lei nº 34486, mas não, também, o Decreto nº 35106.
([14]) Corresponde ao actual artigo 112º, nº 8, da Constituição (redacção proveniente da Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro – quarta revisão constitucional, não alterado pela última revisão, constante da Lei Constitucional nº 1/2001, de 12 de Dezembro).
(x2) Parecer deste Conselho nº 68/87, de 24 de Março de 1988, Diário da República, II Série, nº 221, de 23 de Setembro de 1988, pág. 8830.
(x3) Parecer nº 80/89, de 15 de Fevereiro de 1990, Diário citado, II Série, nº 158, de 11 de Julho de 1990, pág. 7680.
([15]) O Decreto nº 35106, no artigo 12º, utiliza as expressões «desalojados», no corpo do nº 1, e «despejo», no § 2º. As referidas expressões têm significado idêntico, embora a primeira seja de utilização mais corrente e a segunda de cariz mais técnico-jurídico, maxime de âmbito processual. ANA PRATA, no Dicionário Jurídico, 3.ª edição – revista e actualizada (reimpressão), Almedina, Coimbra, 1998, pág. 342, diz-nos que despejo é o «desalojamento forçado dos prédios que ocupam os arrendatários, e acção tendente a tal fim». Daí que, doravante, por economia, utilizemos apenas a expressão despejo.
([16]) Acerca do despejo administrativo este Conselho tem-se pronunciado com alguma frequência. Cfr., por exemplo, os Pareceres nºs 95/98, de 8 de Julho de 1999, inédito, 38/91, de 21 de Novembro de 1991, publicado no Diário da República, II Série, nº 99, de 28 de Abril de 1995, 160/83, de 27 de Outubro de 1983, publicado no Diário da República, II Série, nº 19, de 23 de Janeiro de 1984, 190/79, de 6 de Dezembro de 1979, publicado no Diário da República, II Série, nº 94, de 22 de Abril de 1980.
([17]) «Arrendamentos pelo Estado – Empresa Pública de Águas de Lisboa – Restituição provisória de posse», in Colectânea de Jurisprudência, Ano XVI, tomo V – 1991, págs. 42.
([18]) Ibidem.
([19]) Outros diplomas há com disposições de teor aproximado. É o caso, por exemplo, do Decreto-Lei nº 101/71, de 24 de Março, onde se inserem disposições relativas a atenuar as consequências resultantes do desalojamento de inquilinos por parte das caixas sindicais de previdência e das caixas de reforma ou de previdência, quando instaladas em edifício próprio, e que necessitem da parte por eles ocupada para as suas instalações ou serviços, o qual, no artigo 2º, nº 2, dispõe que «[s]e o arrendatário despedido não desocupar o prédio no termo do prazo, aplicar-se-á o disposto no artigo 3º do Decreto-Lei nº 23465, de 18 de Janeiro de 1934», sendo que este artigo 3º tem regime idêntico ao do artigo 8º; cfr., também, os artigos 8º e 9º, nº 2, do Decreto nº 507-A/79, de 24 de Dezembro, cuja numeração foi objecto de rectificação publicada no Diário da República, I Série – nº 168, de 23 de Julho de 1980
([20]) Parecer nº 38/91, de 21 de Novembro de 1991.
([21]) Nesta matéria continuamos a acompanhar com alguma proximidade o Parecer nº 68/91.
([22]) No mesmo sentido, pode consultar-se o acórdão do Tribunal Constitucional nº 374/02, de 26 de Setembro de 2002, processo nº 321/01, retirado do endereço www.tribunalconstitucional.pt, assim sintetizado em Arrendamento Urbano, de JORGE ALBERTO ARAGÃO SEIA, 7ª edição, revista e actualizada, Almedina, Coimbra, 2003, pág. 167: «I – O artigo 8º do Dec.-Lei nº 23465, de 18 de Janeiro de 1934 – que não foi revogado pelo Dec.-Lei nº 507-A/79, de 24 de Dezembro, (anteriormente Dec. Nº 139- -A/79, de 24 de Dezembro), e é o diploma que hoje regula o arrendamento a particulares de bens do domínio privado do Estado –, ao dispor que os particulares (ou as pessoas colectivas) que tenham para seu uso bens do Estado, que este lhes tenha cedido a título precário, são obrigados a entregá-los no prazo de 60 dias (...) sob pena de serem imediatamente despejados pela autoridade administrativa ou policial, sem direito a qualquer indemnização não é inconstitucional. II – De facto, tal norma não viola a reserva do juiz, pois o que ela permite, não é que se ponha termo, por via administrativa (e, assim, sem recurso aos tribunais), a uma relação jurídica de natureza locatícia, mas tão-somente que a administração recupere a posse dos bens imóveis cujo uso cedeu a título precário, por razões de interesse público, quando, por este ter deixado de existir, aquela não se justifique mais. III – Tal norma também não viola o direito à h bitação, pois neste domínio o cidadão não é titular de um direito imediato a uma prestação efectiva, judicialmente exercitável, mas antes de um direito cuja efectividade se encontra colocada sob reserva do possível, só podendo o seu cumprimento ser exigido nas condições e nos termos definidos pela lei (...) IV – (...)».
([23]) Questão diversa, já abordada no Parecer nº 95/98, de 8 de Julho de 1999, inédito, é a da competência para executar coercivamente os actos impositivos, de demolição e despejo sumários, ordenados pelos municípios, ao abrigo dos Decretos-Leis nºs 23465, de 18 de Janeiro de 1934 e 45133, de 13 de Julho de 1963.
([24]) Cfr. AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ, entrada «competências», Dicionário Jurídico da Administração Pública, volume II, 1965, Atlântida Editora, Coimbra, pág. 524.
([25]) Cfr. FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. 1º, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2003,, pág. 604.
([26]) Cfr. JOSÉ MANUEL SANTOS BOTELHO, AMÉRICO PIRES ESTEVES e JOSÉ CÂNDIDO DE PINHO, Código do Procedimento Administrativo, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2002, pág. 197.
([27]) Ibidem.
([28]) Ob. cit., págs. 608 e 609.
([29]) Cfr. FREITAS DO AMARAL, ob. cit., pág. 610.
([30]) Ob. cit., pág. 197.
([31]) No mesmo sentido, AGUSTÍN A. GORDILLO, Teoria General del Derecho Administrativo, Instituto de Estudios de Administración Local, Madrid, 1984, pág. 208; ALLAN R. BREWER CARIAS, Principios del Procedimiento Administrativo, Editorial Civitas, S.A., págs. 82 e 83; JORGE MIRANDA, entrada «Órgãos do Estado», em Dicionário Jurídico da Administração Pública, JOÃO PEDRO FERNANDES e AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ, 1965, Atlântida Editora, págs. 254 e 255.
([32]) Na expressão do acórdão do Tribunal Constitucional nº 358/92, publicado no Diário da República, I Série-A, nº 21, de 26 de Janeiro de 1993, citado por ANTÓNIO CÂNDIDO DE OLIVEIRA, Direito das Autarquias Locais, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, pág. 257.
([33]) Dispõe este normativo: «São de observar na revogação dos actos administrativos as formalidades exigidas para a prática do acto revogado, salvo nos casos em que a lei dispuser de forma diferente».
([34]) Em relação à revogação, a regra firmada pela generalidade da doutrina é a do paralelismo de forma entre o acto revogatório e o acto revogado. Cfr., neste sentido, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Almedina, Coimbra, 1980, volume I, págs. 609 e 610, FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Almedina, Coimbra, 2003, vol. II, pág. 460, e ROBIN DE ANDRADE, A Revogação dos Actos Administrativos, Atlântida Editora, Coimbra, 1969, págs. 330 a 344. No mesmo sentido, por todos, o Parecer deste Conselho nº 40/94-C, de 26 de Setembro de 2002, publicado no Diário da República, II Série nº 11, de 14 de Janeiro de 2003, que, aliás, seguimos de perto. Cfr., ainda, na jurisprudência, entre outros, os acórdãos do STA de 14 de Janeiro de 1992, proc. nº 28922; de 28 de Fevereiro de 1991, Proc. nº 26012, e de 28 de Outubro de 1986, proc. nº 14061.
([35]) De entre a extensa doutrina relativa à interpretação da lei elencamos a seguinte, mais impressiva: MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE/FRANCISCO FERRARA, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis / Interpretação e aplicação das Leis, 3.ª edição, Arménio Amado, Coimbra, 1978; JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 6.ª edição revista, Almedina, Coimbra, 1991, páginas 410 e segs.; BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, págs. 181 e segs.
([36]) Entre muitos outros, elencamos os seguintes: Parecer nº 328/2000, de 16 de Agosto de 2000; Parecer nº 44/98, de 24 de Setembro de 1998; Parecer nº 95/2002, de 24 de Outubro de 2002.
([37]) Parecer n.º 95/2002, de 24 de Outubro de 2002, inédito.
(x4) A questão da interpretação tem ocupado com frequência a atenção deste Conselho. Cfr., entre outros, o Parecer nº 328/2000, que refere variados pareceres anteriores sobre a matéria.
(x5) Cfr. Parecer nº 61/91, de 14 de Maio de 1992, (Diário da República, II Série, n.º 274, de 26 de Novembro de 1992) e Parecer nº 62/97, de 26 de Fevereiro de 1998 (Diário da República, II Série, n.º 193, de 31 de Julho de 1998). Sobre a interpretação da lei, cfr., entre outros, os Pareceres nºs 66/95, de 20 de Março de 1996, n.º 8/98, de 7 de Outubro de 1998 (Diário da República, II Série, n.º 64, de 17 de Março de 1999), 70/90, de 27 de Janeiro de 2000, (Diário da República, II Série, n.º 115, de 18 de Maio de 2000), 328/2000, de 16 de Agosto, 36/2002, de 2 de Maio, e 326/2000, de 29 de Maio de 2002.
(x6) Cfr. FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, 4.ª edição, Arménio Amado, Coimbra, 1989, traduzido por MANUEL DE ANDRADE, pág. 128.
(x7) Cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1987, 2.ª reimpressão, página 182, e OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 4.ª edição, 1987, páginas 345 ss.
(x8) Cfr. os Pareceres deste Conselho nºs 62/97 e 19/2002.
([38]) Cfr. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 3ª edição, tradução de José Lamego, Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, pág. 451.
([39]) Manual de Direito Administrativo, 10ª edição, Volume I, Lisboa, 1980, pág. 443.
([40]) Já no Manual de Direito Administrativo, Universidade Editora, Lisboa, Tomo I, 1937, págs. 117 e 118, MARCELLO CAETANO referia os órgãos colegiais como órgãos deliberativos. Também ARAÚJO BARROS e CARLOS GRILO (dentro da orientação de JOSÉ CARLOS MARTINS MOREIRA), Direito Administrativo, edição da Casa do Castelo, Coimbra, 1939, pág. 106, associavam as deliberações aos órgãos colegiais.
([41]) Ob. cit., 2ª edição, volume I, Almedina, Coimbra, 2003, pág. 599.
(x9) Cfr. MARCELLO CAETANO, Manual, I, p. 443.
(x10) Neste sentido, ver o artigo 120º do CPA.
([42]) Cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11ª edição, Almedina, Coimbra, 2001, pág. 382.
([43]) Cfr. J. BAPTISTA MACHADO, ob. cit., 13ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2002, pág. 189.
([44]) Segundo JORGE MIRANDA, entrada «Órgãos do Estado», Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol. VI, Lisboa,1994, pág. 255, os «poderes implícitos de um órgão não podem brigar com os poderes explícitos e implícitos de quaisquer outros».
([45]) Ver infra, nota 48.
([46]) A Constituição de 1933, vigente à data em que foi publicado o Decreto nº 35106, não consagrava o direito à habitação.
([47]) Já assim sucedia ao tempo em que foram publicados os diplomas de 1945 que nos ocupam no presente parecer, por força do disposto nos artigos 44º e 45º, nº 7, do Código Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 31095, de 31 de Dezembro de 1940, no que concerne às atribuições das câmaras municipais (as competências nesta matéria couberam à legislação avulsa, como a da situação em apreço).
Este diploma não previa sequer a delegação de quaisquer poderes da câmara municipal no respectivo presidente, prevendo, apenas, delegação de poderes do presidente da câmara no chefe da secretaria e no vice-presidente, nos termos dos artigos 77º, § 2º e 81º.
([48]) Segundo o texto oficial publicado com a Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro, depois da quarta revisão constitucional, no Diário da República nº 218, I Série-A, de 20 de Setembro de 1997, não alterado pela Lei Constitucional nº 1/2001, de 12 de Dezembro, depois da quinta revisão constitucional.
([49]) Cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, págs. 886.
([50]) Ibidem.
([51]) Ibidem, págs. 886 e 669.
([52]) A Lei nº 159/99 dispõe no nº 1 do artigo 4º que «O conjunto de atribuições e competências estabelecido no Capítulo III desta lei-quadro será progressivamente transferido para os municípios nos quatro anos subsequentes à sua entrada em vigor. Por sua vez, o artigo 12.º da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçame to do Estado para 2004, dispõe que «É prorrogado até 31 de Dezembro de 2004 o prazo previsto no n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, para a transferência de competências para os municípios».
([53]) A Lei nº 169/99 foi profundamente alterada pela Lei nº 5-A/2002, de 11 de Janeiro, a qual foi depois rectificada pela Declaração nº 4/2002, publicada no Diário da República nº 31, de 6 de Fevereiro de 2002 e pela Declaração nº 9/2002, publicada no Diário da República, nº 54, de 5 de Março de 2002.
([54]) O mesmo diz o artigo 250º da Constituição.
([55]) Cfr. FREITAS DO AMARAL, ob. cit., pág. 490, e ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA, Direito Administrativo das Autarquias Locais, 3ª edição, Lisboa, 1993, pág. 182.
([56]) Cfr. FREITAS DO AMARAL, ibidem, pág. 492.
([57]) Ibidem, págs. 492 e 493.
([58]) Cfr. ob. cit., págs. 907 e 908.
([59]) Cfr. ob. cit., pág. 496, e Parecer nº 6/95, de 29 de Março de 1995, inédito.
([60]) Ob. cit., págs. 496 e 497.
([61]) No mesmo sentido, A. CÂNDIDO DE OLIVEIRA, ob. cit., págs. 315 e 316.
([62]) O Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março, que reviu a Lei nº 79/77, de 25 de Outubro, foi alterado pela Lei nº 18/91 no sentido da actualização e reforço das atribuições das autarquias locais e da competência dos respectivos órgãos [no uso da autorização conferida ao Governo pela alínea a) do artigo 1º da Lei nº 19/83, de 6 de Setembro].
([63]) Já, porém, o artigo 92º do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, que foi objecto da Declaração de Rectificação nº 5-B/2000, de 29 de Fevereiro, publicada no Diário da República nº 50, depois alterado pelo Decreto-Lei nº 177/2001, de 4 de Junho e que estabelece o regime jurídico da urbanização e edificação, dispõe no nº 1 que «[a] câmara municipal pode ordenar o despejo sumário dos prédios ou de parte de prédios nos quais haja de realizar-se as obras referidas nos nºs 2 e 3 do artigo 89º, sempre que tal se mostre necessário à execução das mesmas», e no nº 3, também pertinente à situação em apreço, que «[a] deliberação que ordene o despejo (...)»
([64]) Cfr. J. BAPTISTA MACHADO, ob. cit., 13ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2002, pág. 189.
([65]) Dá-se a interpretação extensiva quando «o intérprete chega à conclusão de que a letra do texto fica aquém do espírito da lei, que a fórmula verbal adoptada peca por defeito, pois diz menos do que aquilo que se pretendia dizer. Alarga ou estende então o texto, dando-lhe um alcance conforme ao pensamento legislativo, isto é, fazendo corresponder a letra da lei ao espírito da lei» – J. BAPTISTA MACHADO, ob. cit., pág. 185.
([66]) Cfr. artigo 14º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro.
([67]) Mais uma vez, por se nos afigurar pertinente, importa relembrar o artigo 13º do Decreto nº 35106, segundo o qual «[d]as deliberações das entidades proprietárias sobre distribuição das casas e seu despejo (...)», o que significa que a entidade que delibera a distribuição das casas é a mesma que delibera o despejo.
([68]) Aliás, o mesmo sucede com o seu §º 1º.
([69]) Cfr. ob. cit., págs. 661 a 664.
([70]) Ibidem.
([71]) Corresponde ao actual artigo 111º, nº 2, da Constituição.
([72]) Cfr. FREITAS DO AMARAL, ob. cit., págs. 678 e seguintes, precisamente, pág. 680.
([73]) ROGÉRIO SOARES, Direito Administrativo, págs. 107 e 108, defende a tese da alienação, segundo a qual, em síntese, a delegação de poderes é um acto de transmissão ou alienação de competência do delegante para o delegado.
Por sua vez, ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA (Da Delegação de poderes em Direito Administrativo, 1960, págs. 23 a 29) e MARCELLO CAETANO, ob. cit., 10ª edição, Almedina, Coimbra, volume I, págs. 226 e segs., defendem a tese da autorização, segundo a qual, em síntese, a competência do delegante não é alienada nem transmitida, no todo ou em parte, para o delegado.
Finalmente, PAULO OTERO, A Competência delegada no Direito Administrativo português, edição da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1987, págs. 187 e seguintes, defende uma tese que se pode sintetizar do seguinte modo (nesta parte acompanharemos de perto a síntese de FREITAS DO AMARAL, ob. cit. págs. 688 e 689): a) é a própria lei de habilitação que confere ao potencial delegado a titularidade dos poderes que declara serem-lhe delegáveis, mas condiciona o exercício desses poderes a um acto específico do delegante; b) ao invés do que diz a tese da autorização, o delegado não recebe da lei de habilitação a capacidade de exercício dos poderes delegáveis: recebe apenas a respectiva titularidade (ou capacidade de gozo). A delegação de poderes é o acto que atribui ao delegado a faculdade de exercer os poderes de que já é titular pela lei de habilitação, mas que sem ela não pode exercer; c) pelo acto de delegação, o delegante não perde a faculdade de exercer a sua competência própria, antes alarga essa possibilidade ao delegado; d) o mesmo se passa na subdelegação: o subdelegado recebe a competência da lei e a faculdade de a exercer do delegado/subdelegante; este, por sua vez, é titular da competência delegada ope legis, e ao subdelegar não perde o seu exercício, antes o alarga ao subdelegado.
([74]) Cfr. Regime das Atribuições e Competências Das Autarquias Locais, Lex, Lisboa, 2001, pág. 113.
([75]) O nº 1 do artigo 5º dispõe: «1 – A concessão da licença prevista no nº 2 do artigo anterior é da competência da câmara municipal, com faculdade de delegação no presidente e de subdelegação deste nos vereadores».
([76]) Com interesse para a problemática, veja-se, por exemplo, o que se passa no âmbito do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 177/2001, de 4 de Junho, que estabeleceu o regime jurídico da urbanização e da edificação, e onde, no artigo 94º, nº 3, dispõe que «no exercício da actividade de fiscalização, o presidente da câmara municipal é auxiliado por funcionários municipais com formação adequada, a quem incumbe preparar e executar as suas decisões», e no nº 4, que «o presidente da câmara municipal pode ainda solicitar colaboração de quaisquer autoridades administrativas ou policiais».
([77]) Sobre esta matéria, ver J. M. SANTOS BOTELHO, A. PIRES ESTEVES e J. CÂNDIDO DE PINHO, ob. cit., págs. 934, 935.
([78]) Cfr., neste sentido, o Parecer nº 95/98, de 8 de Julho de 1999, inédito, já mencionado na nota 23.
([79]) Referimo-nos ao Parecer referido na nota anterior.