Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002847
Parecer: P001082006
Nº do Documento: PPA150320070010800
Descritores: MEDIDAS DE POLÍCIA
MEIOS COERCIVOS
CÃES POLICIAIS
CINOTECNIA
ARMA DE FOGO
OPERAÇÃO POLICIAL
MANUTENÇÃO DA ORDEM E SEGURANÇA PÚBLICA
GNR
PSP
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Livro: 00
Numero Oficio: 3667
Data Oficio: 11/27/2006
Pedido: 11/30/2006
Data de Distribuição: 11/30/2006
Relator: BARRETO NUNES
Sessões: 01
Data da Votação: 03/15/2007
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: MAI
Entidades do Departamento 1: SEA E DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 04/09/2007
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 16-05-2007
Nº do Jornal Oficial: 94
Nº da Página do Jornal Oficial: 12919
Indicação 2: ASSESSOR:MARIA JOSÉ RODRIGUES
Área Temática:DIR CONST* DIR FUND ; DIR CRIM; DIR INT PUBL * DIR HOMEM ;
Ref. Pareceres:P001622003Parecer: P001622003
P000091996Parecer: P000091996
P000952003Parecer: P000952003
Legislação:CRP76 ART272 ART266; DL 317/85 DE 1985/08/02; D 572/72 DE 1972/12/22; DL 231/93 DE 1993/06/26; DL 61/88 DE 1988/02/27; DL 231/93 DE 1993/06/26; DL 15/2002 DE 2002/01/24; PORT 265/93 DE 1993/07/03; DL 216/2006 DE 2006/10/30; L 5/99 DE 1999/01/27 ; DL 137/2002 DE 2002/05/16 ; DL 457/99 DE 1999/11/05 ; RES 37/2002 DE 2002/02/07 ; CEDH ; PORT 972/98 DE 1998/11/16 ; L 5/2006 DE 2006/02/23
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:
Documentos Internacionais:RES DA ASS PARL DO CE DE 1979/05/08 ; RES 34/169 DA ASSEMB GERAL NU DE 1979/12/17
Ref. Complementar:
Conclusões: 1.ª – Nos termos da Constituição da República Portuguesa, a polícia tem por funções defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos, remetendo-se para a lei a tipificação das medidas de polícia, que não devem ser utilizadas para além do estritamente necessário (artigo 272.º, n.os 1 e 2);
2.ª – A prevenção dos crimes, incluindo a dos crimes contra a segurança do Estado, só pode fazer-se com observância das regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos (artigo 272.º, n.º 3);
3.ª – A Constituição apenas consagra que a lei fixe o regime das forças de segurança, não exigindo que sejam tipificados os meios coercivos que utilizem na aplicação das medidas de polícia (artigo 272.º, n.º 4);
4.ª – A lei ordinária – Decreto-Lei n.º 457/99, de 5 de Novembro – só tipifica e regula autonomamente como meio coercivo a utilizar pelas forças de segurança na aplicação das medidas de polícia as situações de recurso às armas de fogo em acções policiais;
5.ª – O uso da força, nomeadamente através da utilização pelos agentes policiais de cães de intervenção táctica em operações policiais da competência da GNR e da PSP (binómio cinotécnico policial), na captura de criminosos especialmente perigosos e na manutenção ou reposição da ordem pública, encontra fundamento legal nas respectivas leis orgânicas (artigos 30.º da LOGNR, e 4.º da LOFPSP);
6.ª – A utilização de cães de intervenção táctica pelas forças policiais na captura de criminosos especialmente perigosos e na manutenção da ordem pública, deve, em qualquer caso, salvaguardar o princípio da dignidade humana e os direitos fundamentais dos cidadãos, e pautar-se pelo respeito dos princípios da necessidade, da exigibilidade e da proporcionalidade.

Texto Integral:
Senhor Secretário de Estado Adjunto
e da Administração Interna,
Excelência:

I

Dignou-se Vossa Excelência solicitar a este corpo consultivo, com carácter de urgência, a emissão de parecer sobre matéria relacionada com a legalidade de utilização de cães de intervenção táctica em operações policiais, tendo em vista fixar as condições e os limites daquele uso pelas forças de segurança[1].

Cumpre emiti-lo.

II

A acompanhar o pedido de consulta encontra-se um parecer do Sr. Auditor Jurídico, do qual se destacam as seguintes passagens[2]:

«1. O Senhor Chefe do Estado-Maior-General da Guarda Nacional Republicana, referindo a necessidade de conceber e apresentar um projecto para consolidar a formação e certificar os cursos de “Binómios Cinotécnicos de Intervenção Táctica” e reconhecendo a existência de dúvidas sobre a “legalidade da utilização de cães de intervenção táctica numa operação policial para minimizar os possíveis danos que um indivíduo perigoso possa causar”, solicitou, directamente, ao Senhor Procuradoria-Geral da República, que sobre esta matéria fosse emitido parecer do Conselho Consultivo (...).
2. (...)
3. Crê-se que a questão suscitada pelo Comando-Geral da Guarda Nacional Republicana é inteiramente pertinente e relevante, porque a Guarda Nacional Republicana e a Polícia de Segurança Pública dispõem de “unidades cinotécnicas” nos respectivos dispositivos operacionais.
E se não se levantam grandes dúvidas, no que concerne à adequação da utilização dos cães em “operações policiais de busca e salvamento” – estamos a pensar em actuações no âmbito da protecção civil, na sequência de desastres naturais, como são os terramotos, as inundações, os desmoronamentos, etc.... –, já o mesmo não acontece com a utilização de cães de intervenção táctica em “operações policiais para captura de criminosos especialmente perigosos” ou em “operações policiais de manutenção ou reposição da ordem pública”.
4. Torna-se, assim, necessário, face ao disposto no art. 272.º, n.os 2 e 3, da Constituição da República, analisar a questão da “legalidade da utilização de cães de intervenção táctica”, e firmar doutrina acerca das “condições e limites” de tal utilização pelas forças de segurança (GNR e PSP)
(...)»

III

«Cinotecnia», vocábulo composto de «cino» e «tecnia», poderá definir-se, embora sem rigor científico, como o estudo da origem, a vida e a evolução da família canidae (que integra, hoje em dia, o cão, o lobo, o coiote e o chacal)[3]. Por sua vez, actividade cinotécnica poderá significar o adestramento ou técnica de treino e utilização de cães pelo homem[4].


1. Na legislação com que nos confrontamos, uma das primeiras referências à utilização de cães pelas forças policiais surge no Decreto-Lei n.º 317/85, de 2 de Agosto, que estabelece normas a que deve submeter-se a profilaxia médica da raiva e as medidas de polícia sanitária, conjunto este integrado no Programa Nacional de Luta e de Vigilância Epidemiológica da Raiva Animal. Neste diploma, os cães são classificados nas categorias A, B e C, englobando a primeira os cães destinados exclusivamente, entre outros fins, a «[s]erviços militares, militarizados e policiais» [artigo 2.º, n.º 1, alínea c)][5]/[6].

Concretamente relacionado com a actividade cinotécnica temos o Decreto-Lei n.º 231/93, de 26 de Junho, que aprovou a Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, e cujo artigo 63.º, sob a epígrafe «Unidades», refere que a Escola Prática da Guarda (EPG) é uma das unidades da Guarda Nacional Republicana (n.º 1), articulando-se «em subunidade de comando e serviços, direcção de instrução e grupos de Instrução que integram subunidades de formação pessoal, de formação de condutores e de formação cinotécnica» (n.º 2)[7].

O artigo seguinte – 64.º –, sob a epígrafe «Escola Prática», acrescenta no n.º 1 que a Escola Prática da Guarda é uma unidade especialmente vocacionada para a formação moral, cultural, física, militar e técnico-profissional dos oficiais, sargentos e praças e ainda para a actualização e valorização dos seus conhecimentos, e no n.º 2 que a Escola Prática «[é] responsável pela instrução cinotécnica e pela aquisição de cães, em colaboração com a chefia do Serviço Veterinário»[8].


2. Para melhor nos situarmos na problemática do parecer, mostra-se oportuno transcrever o seguinte despacho do General Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana, datado de 1 de Julho de 1997:

«1. Aprovo para utilização na Guarda Nacional Republicana, o Manual de Normas para Utilização e Emprego Operacional das Equipas Cinotécnicas da Guarda, constituído por um volume.
2. Este Manual é classificado de Reservado e a informação que contém, só pode ser facultada ao pessoal estranho à Guarda, mediante autorização do Comando.»

Do Manual referido[9], destacamos as seguintes passagens:

«1. Finalidade
a. As presentes Normas têm como finalidade uniformizar a forma de utilização e o emprego operacional das equipas cinotécnicas.
b. Para além do seu principal objectivo, estas Normas constituem ainda um precioso auxiliar para todos os graduados com funções de comando, a quem estão ou possam vir a ser atribuídos estes meios, facultando-lhes a obtenção de um conhecimento mais complexo das suas potencialidades, adequada utilização e normalização de procedimentos.
c. Não é do âmbito destas Normas falar de pormenores do treino que, pela sua especificidade, é remetida para a missão da Subunidade cinotécnica da Guarda – Companhia Cinotécnica.

2. Generalidades
a. Interesse policial do cão
Ao longo dos séculos a sombra do Homem projectou-se num animal doméstico – o cão, cuja importância foi objecto permanente de atenção de homens das letras e das ciências, artistas e militares, naturalistas e filósofos, que lhe endereçaram pensamentos e citações, tornando-o ímpar na nossa História Universal.
(...)
Vejamos alguns exemplos da sua utilidade: guia de cegos, procura de pessoas perdidas, salvando afogados, buscando soterrados sob a neve ou entre ruínas, guardando pessoas e bens, vigiando propriedades, combatendo ao lado do seu tratador, dando caça a malfeitores, farejando drogas ocultas ou objectos perdidos, etc...
Hoje, mais do que nunca, a cinofilia vem alargando o seu âmbito, conquistando cada vez mais novos adeptos e entusiastas.
Quer nos países onde a cinotécnia fez história, quer naqueles onde ela atingiu já um processo evolutivo considerável, a presença dos cães nas Forças Policiais é também hoje uma realidade, fruto da sua versatilidade entre outras vantagens que se podem enumerar:
— Manutenção económica;
— Qualidades peculiares;
— Substituição do homem no desempenho de determinadas missões com eficiência e garantia de êxito;
— Desempenho de missões específicas que só aos cães podem ser confiadas;
— Economia de pessoal;
— Efeitos psicológicos;
— Alistamentos por períodos de dez anos sem quaisquer pretensões ou reivindicações.
Fica assim demonstrada a importância da sua utilização em acções de âmbito policial, realçando-se, uma vez mais, o extraordinário valor que o cão representa, como mais um meio para o cumprimento da missão.
Importa ainda realçar que os cães são “armas psicológicas”, que se podem utilizar de forma preventiva ou repressiva, para legítima defesa ou para vencer resistências ao cumprimento das respectivas ordens legais.

b. Especialidades dos Cães na GNR
Após a fase de adaptação e treino nos respectivos cursos de especialização, os cães são classificados em:
– Cão Patrulha;
– Cão Detector de Droga;
– Cão Detector de Explosivos;
– Cão de Busca e Salvamento (em Catástrofes e Avalanches).
No decorrer do curso, cada cão evidencia o seu complexo conjunto de instintos e comportamentos, que, aliados às características genéticas, nos vão permitir seleccioná-los para diversas “sub-especialidades”.
a. O objectivo do seu treino consiste basicamente na potencialização ou regulação desses mesmos instintos.
b. Assim, podemos encontrar no mesmo cão, potencialidades com níveis variáveis, que permitirão a sua utilização quer como cão patrulha, pisteiro ou na manutenção da ordem pública (MOP).
No caso particular dos cães detectores, sejam eles de droga ou explosivos, a opção actual assenta na escolha de exemplares vocacionados para uma só especialidade, ou seja, para detecção de drogas ou de explosivos.
c. Raças de cães utilizados na GNR
(...)

3. Organização e Funcionamento
a. A Secção Cinotécnica
(1) Características
A “Célula Cinotécnica”, organicamente designada por Secção Cinotécnica, é caracterizada por um efectivo cino, variável quanto ao número de binómios e às especialidades dos cães, estando esta variação dependente da missão da Unidade à qual estão atribuídas.
Quanto ao efectivo: O efectivo mínimo de uma Secção Cinotécnica é de dois binómios, podendo o seu limite máximo variar entre seis – (Secção Cino “padrão”) e oito binómios.
Quanto às especialidades: O critério da escolha das especialidades dos cães está dependente da missão, podendo assim variar entre dois cães detectores de droga ou seis cães, sendo neste caso, quatro patrulhas.
(2) Comando
O Comando da Secção Cinoténica está atribuído ao graduado cinotécnico – (Cabo Cino) ou, na sua ausência, ao tratador mais antigo.
(...)
(3) Enquadramento, Localização e Dependências
(...)

b. Tratadores Cinotécnicos
(...)
(2) Estágios na especialidade de cães detectores de droga – estágio em drogas duras, (...)
(c). Reciclagens
(...)
(3) Princípios de Conduta Geral
(...)
(e) Em caso algum o tratador permitirá que o seu cão seja desviado para missões que não sejam de serviço ou que pela sua natureza lhe competem;
(f) Elementos estranhos ao cão, quando se dirijam ao tratador acompanhado do mesmo, no caso particular de cães patrulha, deverão parar à distância que por aquele lhes for indicada, sob pena de o mesmo não se poder responsabilizar pela acção (defensiva) do cão;
(...)
(4) Situações dos Tratadores Cinotécnicos
(a) Prontidão Operacional
(...)
(b) Situações de excepção
(...)

c. Instrução das Equipas Cinotécnicas
(...)

d. Serviço Interno
(...)

e. Pedidos das Equipas Cinotécnicas
Face à características deste meio, o emprego dos cães reveste-se de vários condicionalismos.
(...)
– Missões Pré-Planeadas
- As constantes no plano operacional das Unidades:
Ex. – OP/Segurança;
– OP/Patrulhamento;
– OP/Droga (rotina);
– OP/Explosivos.
– Missões Inopinadas
- De carácter urgente e indispensáveis ao cumprimento de uma acção específica:
Ex. – OP/Pistagem;
– OP/MOP[10];
– OP/Det. Explosivos;
– OP/Dest. Droga;
– OP/Busca e Salvamento.
(...).

f. Alimentação e Higiene Individual dos Cães e dos Canis
(...)

g. Material e equipamentos Cinotécnicos
(...)

h. Meios Auto Cino
(...)

i. Beneficiamento de Cadelas (cobrição)

j. Documentos Individuais dos Cães

k. Registo de Actividades Cinotécnicas
(1) Registo do Serviço Diário
(...)
(2) Relatório de Actividade Operacional
(...)

m. Inspecção Cinotécnica
(...)

4. Missões a Atribuir às Equipas Cinotécnicas
a. Missões a atribuir às Equipas Cinotécnicas
(...)
b. Características das Missões
(1) Missões de Patrulhamento
(...)
(2) Missões de Guarda
(...)
(3) Missões de Pistagem
Definição – As equipas cinotécnicas patrulha especializadas no seguimento de pistas/rastos são destinadas à localização de pessoas desaparecidas (Ex: menores, pessoas idosas, dementes), ou na procura de indivíduos suspeitos, residentes na área da ocorrência, ou que nela se tenham escondido ou deslocado a pé.
(...)
Características – É bem conhecido o facto de os cães possuírem o mais alto desenvolvimento do olfacto, sendo por vezes capazes de descobrir um indivíduo, seguindo na sua pista (rasto) muitas horas depois. É certo que o homem, tal como os outros animais, exala um cheiro que é específico para cada pessoa. Este odor é de exalação constante e conserva-se no caminho seguido pelo indivíduo. Além deste odor, o vestuário, o calçado, o equipamento, etc..., também exalam um cheiro próprio e ainda fica aquele cheiro proveniente do dobrar ou quebrar da vegetação pisada e de pequenos insectos esmagados;
- O termo “pista” não é perfeitamente exacto porque não se trata de um traço linear mas sim de um “volume” de odor, volume esse constantemente submetido a variações;
- O sentido olfactivo dos cães é profundamente sensível e torna-os capazes de seguirem constantemente essas variações. Os cães recebem o cheiro trazido pelo ar que respiram e que entra em contacto com as delicadas membranas que revestem o nariz;
Isto indica portanto que o grau de eficiência está directamente relacionado com a concentração do cheiro que fica no ar e esta concentração varia com determinados factores como sejam a temperatura, o estado higrométrico de atmosfera, a evaporação, o vento e a natureza do terreno.

(4) Missões de Manutenção da Ordem Pública (MOP)
Definição – As equipas cinotécnicas, quando utilizadas em missões de MOP, são constituídas por cães patrulha, cujo treino específico visa potenciar, de forma controlada, os impulsos genéticos e traços de carácter.
Vantagens – Os cães constituem “armas” preciosas, cuja utilização criteriosa e oportuna muito poderão contribuir para os êxitos das missões de MOP.
- Salientam-se como vantagens:
- Grande efeito psicológico;
- Economia de pessoal;
- Qualidades peculiares.
- Desvantagens:
- De ordem Táctica - Agressividade do meio (cão)
- De Ordem Operacional - Sempre que se verifique o aumento dos meios de violência utilizados pelo adversário.

Procedimentos de utilização
Quando
– Enquadrando-se perfeitamente no princípio da aplicação da MÍNIMA FORÇA, a utilização das equipas cinotécnicas/MOP, está dependente da avaliação criteriosa que o Comandante da Força deve efectuar, a fim de determinar as vantagens, face às situações concretas que se lhe deparem.
Não obstante o cão ser considerado um meio violento, entende-se que o seu posicionamento como elo da cadeia de força, deve situar-se imediatamente antes do uso do bastão, dado que apenas em situações de excepção, os danos causados por um cão podem ser considerados graves ou provocam a morte do adversário;
- A utilização das equipas cinotécnicas patrulha, em missões de MOP, tem particular interesse em acções de controlo de distúrbios civis, de natureza defensiva e até mesmo ofensiva.
– Como:
- A articulação das equipas cinotécnicas/MOP faz-se em reforço, quer de forças de Unidades Territoriais quer em conjugação com os pelotões operacionais do Bat. Operacional do RI.
– Onde:
Dispositivos Fixos
- Considera-se vantajosa a utilização de equipas cinotécnicas MOP no caso das BARRAGENS, sejam elas de Interdição e / ou Canalização, Filtrante ou de Estrada.
Dispositivos Móveis
- Para os dispositivos tipo VAGA os cães MOP devem ser utilizados imediatamente antes do uso dos bastões.
Na CARGA, constituem igualmente um precioso reforço de meios, posicionando-se ao nível quer do escalão de choque, em apoio ou reserva.
– Condicionantes:
De Ordem Táctica
- O emprego das equipas cinotécnicas/MOP está condicionado em situações onde o factor “agressividade” (cão) pode colidir com objectivos de ordem táctica, como no caso dos Dispositivos Fixos (cordões estáticos, alas, etc...);
- Apenas no caso dos Cordões de Marcha, em que a situação táctica é de neutralidade e preventiva, a presença de equipas cinotécnicas é desaconselhável.
De ordem Operacional
- A utilização das equipas cinotécnicas/MOP, em missões de controlo de distúrbios civis, apresenta-se limitada ao nível operacional sempre que os meios de violência empregues pelo adversário, assumam proporções desaconselháveis ou incompatíveis, pondo em perigo a integridade física do binómio Homem-Cão.
São exemplos desta situação, os agentes incendiários (cocktail Molotov e outros...) lançamento para o pavimento de objectos contundentes e traumáticos para os cães, (vidros, arremesso de pedras, bastões, etc...), líquidos incendiários, gasolina, petróleo, outros... Igualmente, a utilização de granadas de gás lacrimogéneo (CS) por parte das Nossas Forças, pode condicionar o empenhamento das equipas cinotécnicas/MOP.
Total de Equipas (MOP)
(...)
(5) Missões de Detecção de Droga
(...)
(6) Missões de Detecção de Explosivos».


3. No que concerne à Polícia de Segurança Pública, a especialidade de cinotécnico surge com o Despacho de 3 de Abril de 2002[11], cujo teor é o seguinte:

«Art. 1.º - CRIAÇÃO DA ESPECIALIDADE DE CINOTÉCNICO E RESPECTIVO DISPOSITIVO NA PSP

1. No desempenho da actividade policial, a utilização de canídeos devidamente adestrados permite que o agente de autoridade disponha de um meio coercivo intermédio entre a força muscular e o recurso à arma de fogo. Também, em termos preventivos, o patrulhamento efectuado com binómios cinotécnicos potencia um reforço dos efeitos persuasivos, dissuasores e tranquilizadores da presença policial.

2. Em vertentes mais especificadas da actividade policial, também a utilização de meios cinotécnicos se torna actualmente imprescindível. No âmbito da missão da P.S.P., tal verifica-se nas vertentes de investigação de crimes de tráfico de estupefacientes, de busca e salvamento de soterrados e na detecção de explosivos.

3. Assim, é criada na P.S.P. a especialidade de cinotecnia com as vertentes de:
a) Policiamento e Ordem Pública;
b) Busca de Estupefacientes;
c) Busca de Explosivos e
d) Busca para Salvamento.

4. O dispositivo nacional da especialidade de cinotecnia na P.S.P. é constituído por:
a) Uma subunidade central (Grupo Operacional Cinotécnico) na dependência do Corpo de Intervenção, responsável por:
(1) Aquisição, treino, avaliação e actualização periódica dos meios cinotécnicos;
(2) Formação específica de tratadores de canídeos;
(3) Exercício das competências técnicas de cinotecnia legalmente atribuídas à PSP e
(4) Manutenção de um efectivo cinotécnico operacional próprio;
b) Brigadas Cinotécnicas na dependência do Comando Metropolitano do Porto, do Comando Regional da Madeira e dos Comandos de Polícia e Equiparados.
5. Para o exercício da especialidade de cinotecnia e implementação do respectivo dispositivo, a atribuição de meios será efectuada de acordo com o seguinte quadro: (...)».

3.1. Ainda no âmbito da PSP, Corpo de Intervenção, Grupo Operacional Cinotécnico, temos conhecimento de uma Norma de Execução Permanente (NEP) do respectivo Comandante, cuja cópia se encontra por datar, e cujo teor, contém de mais relevante, o seguinte:
«A – Introdução
O Grupo Operacional Cinotécnico é uma Subunidade do Corpo de Intervenção da Polícia de Segurança Pública, que está integrada na Unidade Operacional e tem como missão principal a aplicação de canídeos nas operações policiais.
(...)
O Grupo Operacional Cinotécnico compreende nas suas actividades as seguintes vertentes cinotécnicas:
> Patrulhamento e Ordem Pública;
> Busca e Detecção de Explosivos;
> Busca e Detecção de Estupefacientes;
> Busca e Salvamento em Escombros e Grandes Áreas;
> Intervenção Táctica;
> Demonstrações;
> Acções de Formação no Exterior.
B – Organização
(...)
C – Horários
(...)
D – Viaturas e Instalações
(...)

3.2. Numa «Informação» do referido Grupo Operacional Cinotécnico da PSP, datada de 19 de Maio de 2005, relacionada com a utilização de canídeos em policiamentos desportivos e (ou) afins, diz-se, de relevante que «a aplicação de binómios cinotécnicos conjuntamente com outras forças, requer um aumento do cuidado na integração e na aproximação ao canídeo, estando estabelecido que, no dispositivo, os canídeos ocupam a parte frontal da formação, podendo ser colocados na parte de trás da formação, segundo o critério. Nesta disposição, todos os elementos policiais do dispositivo ou fora dele, devem ter o cuidado de passar a 2 ou 3 metros dos canídeos, vindo da frente ou da parte de trás, devendo-se aumentar a distância se o grau de agitação dos canídeos for grande. O comportamento de cuidado dos elementos policiais será directamente proporcional ao grau de agitação dos cães, sendo proibido todo e qualquer movimento brusco junto à cabeça dos cães».

3.3. Também do Comando do Grupo Operacional Cinotécnico, temos conhecimento de um Projecto de Norma de Aplicação Operacional dos Meios Cinotécnicos (Proposta do GOC n.º 150/2006), que abrange matérias como (1) Policiamento e manutenção de ordem pública, (2) Busca e salvamento de pessoas, (3) Busca de matérias explosivas (4) Busca de produtos estupefacientes.

3.4. No âmbito de Normas de Execução Permanente (NEP) da Direcção Nacional da Polícia de Segurança Pública, sob o título «Policiamento e Ordem Pública», e assunto «Limites ao Uso de Meios Coercivos», com data de 1 de Junho de 2004[12], encontramos Normas sobre os Limites ao Uso de Meios Coercivos, em cuja introdução são salientados os artigos 1.º (princípio da dignidade humana), 24.º e 25.º (princípio da garantia do direito à vida e à integridade), 27.º (princípio da liberdade e segurança pessoal), 272.º, n.º 1 (princípio da defesa de legalidade e da garantia da segurança interna e dos direitos dos cidadãos), 272.º, n.º 2 (princípios da necessidade, da adequação e da proibição do excesso), todos da Constituição. São ainda enfocadas, no âmbito do Código Penal, as causas de exclusão da ilicitude e da culpa, para além do diploma que regula o recurso a armas de fogo e a Lei de Organização e Funcionamento da PSP.

Esta NEP encontra-se dividida em 5 capítulos:

Capítulo 1 – Parte geral
Capítulo 2 – Meios coercivos de baixa potencialidade letal
Capítulo 3 – Meios coercivos de elevada potencialidade letal
Capítulo 4 – Fugas, perseguições e imobilização forçada de veículos motorizados
Capítulo 5 – Disposições finais.

No capítulo 1, o n.º 1 estabelece que a NEP se aplica ao pessoal com funções policiais de todos os Comandos, Unidades e Estabelecimentos de Ensino, Órgãos e Serviços da PSP.

O n.º 2 traz-nos definições, entendendo-se, na alínea a), «por uso de meios coercivos o recurso à simples força física ou à utilização de materiais, equipamentos, armas e/ou técnicas, tendentes a anular qualquer ameaça actual (iminente ou em execução) e ilícita ou quando tal se afigure estritamente necessário e na medida exigida para atingir um objectivo legalmente previsto»; na alínea b), «por uso de meios coercivos de baixa potencialidade letal o emprego de equipamentos ou técnicas que, em princípio, sendo utilizados nos termos da presente NEP, são insusceptíveis de provocar a morte», sendo que «o emprego indevido deste tipo de meios pode provocar a morte ou lesões graves»; e na alínea c) «para além dos meios coercivos previstos no capítulo 3, consideram-se de elevada potencialidade letal os demais meios que sejam utilizados por forma ou sobre áreas corporais, de que possam resultar a morte ou lesões físicas graves de carácter permanente».

O n.º 3 refere os «princípios», sublinhando, na alínea a) – legalidade – que «o pessoal da PSP está obrigado a respeitar os princípios e as disposições da Constituição, das leis gerais e dos diplomas estatutários, à luz dos quais deve ser interpretada e aplicada a presente NEP», e na alínea b) – necessidade –, que a utilização de meios coercivos susceptíveis de afectar a vida ou a integridade dos cidadãos constitui a “ultima ratio” da actuação dos agentes da autoridade», acrescentando que «sem prejuízo do disposto na Lei em matérias de causas de exclusão da ilicitude e da culpa, apenas deve ser usada a força quando não seja possível garantir de outra forma o cumprimento das obrigações legalmente impostas aos elementos policiais, nomeadamente para: (1) efectuar detenções; (2) ultrapassar resistência à execução de ordem ou serviço policial legais e legítimos; (3) evitar fugas de indivíduos presos ou detidos; (4) garantir a execução de actos administrativos emanados por autoridade competente; (5) garantir a manutenção da ordem, segurança e tranquilidade públicas».

A alínea c) do n.º 3 – adequação – dispõe que a medida a tomar deve ser idónea, apta, para atingir um fim legalmente permitido; a alínea d) – proibição de excesso – que o confronto dos direitos individuais com os interesses protegidos pelas normas que impõem à polícia o dever de actuar para atingir determinado fim, exige que seja escolhida a menos gravosa e lesiva das medidas idóneas para tal. Por fim, a alínea e) – proporcionalidade (em sentido estrito) – acrescenta que tem que existir uma relação de razoabilidade e justa medida entre as vantagens decorrentes do uso de meios coercivos pela polícia, na prossecução do interesse público, e os inerentes sacrifícios dos interesses privados (em termos de relação custo- -benefício, a medida tem que ser aceitável ou tolerável.

Seguidamente, o n.º 4 traz-nos os «factores a considerar no uso de meios coercivos», que deve ser sempre avaliado segundo regras de prudência, moderação e bom senso e depende das condições específicas que caracterizam determinada situação.

Deve atender-se, entre outros, aos seguintes factores, para além da gravidade da infracção: relativamente aos intervenientes não policiais (número de indivíduos envolvidos, grau de cooperação/resistência, utilização de qualquer objecto ou arma e o seu tipo, envergadura, força física e capacidade para ofender, idade, eventual influência de álcool ou drogas, antecedentes conhecidos); e relativamente aos elementos policiais (número de elementos policiais envolvidos no local, tipo de armas e meios materiais imediatamente disponíveis, envergadura e força física, domínio das técnicas de defesa ou de arte marcial).

O n.º 5 refere os graus de ameaça e níveis de força, entendendo-se por «grau de ameaça o nível de perigo resultante da possibilidade de ocorrência de acções violentas, ou de acções violentas já concretizadas, por infractores, dirigidas aos elementos policiais ou a terceiros», devendo o grau de ameaça ser «aferido com base em percepções razoavelmente fundamentadas em factos concretos», entendendo-se por nível de força «o tipo de reacção que – assegurando, dentro do possível, a integridade física dos elementos policiais ou de terceiros – se revela necessário para anular determinado grau de ameaça».

Os graus de ameaça são: nulo, ameaça baixo, ameaça médio e ameaça elevado.

Quanto aos níveis de força são: muito baixo, baixo, médio, e elevado. É referida ainda a escalada nos níveis de força.

No n.º 6 surge a classificação corporal para efeitos traumáticos não provocados por arma de fogo: áreas verdes, amarelas ou vermelhas.

No capítulo 2 – meios coercivos de baixa potencialidade letal – importa referir que o n.º 1 dispõe que «em acto de serviço, os elementos policiais apenas podem utilizar as armas e meios de baixa potencialidade letal que tenham sido distribuídos ou constem de lista a aprovar pela DN da PSP.

Na alínea d) do n.º 1 diz-se que «a escalada nos níveis de força, com recurso a armas e meios de baixa potencialidade letal corresponde à seguinte ordem:

1) Técnicas de “mãos vazias” de restrição ou impacto;
2) Algemas metálicas ou outros dispositivos de algemamento;
3) Gases neutralizantes (gases CS ou OC);
4) Armas ou dispositivos eléctricos imobilizantes ou atordoantes;
5) Bastão policial;
6) Munições menos letais».

Na alínea e) do n.º 1 acrescenta-se que «são igualmente considerados armas e meios de baixa potencialidade letal:

1) Dispositivos Flash Bang;
2) Canhões de água;
3) Canídeos;
4) Sistemas de imobilização de veículos em fuga».

Os n.os 2 a 13 deste capítulo reportam-se aos diversos níveis de força, atrás discriminados. Na medida em que a utilização de cães pelas forças policiais se deve situar antes do uso do bastão, importa reflectir na modalidade que imediatamente a antecede e no próprio uso do bastão.

A anteceder o uso do bastão temos a utilização de armas ou dispositivos eléctricos imobilizantes ou atordoantes, que vêm assim definidas:

«a. Este tipo de armas ou dispositivos desferem descargas eléctricas de potência e efeitos controlados, visando a incapacitação instantânea e temporária de suspeitos;
b. Estas armas ou dispositivos devem ser transportadas em bolsa própria para o efeito;
c. Não devem ser desnecessariamente empunhados como meios intimidatórios, excepto se esse empunhamento se destinar a evitar o seu uso efectivo;
d. Regras de utilização:
1) Se possível, o infractor deve ser avisado da natureza eléctrica da arma ou dispositivo e da intenção de utilização;
2) Devem ser utilizados sobre as áreas corporais verdes e amarelas, em ciclos curtos, cessando a sua utilização logo que se obtenha o resultado pretendido de sujeição do visado;
3) A aplicação nas áreas corporais vermelhas, com excepção das situadas na parte posterior do tronco, é considerada uso de meios coercivos letal.
e. Se possível, os elementos policiais devem manter o controlo dos visados, de forma a evitar que estes sofram lesões resultantes de eventuais quedas desamparadas no chão;
f. A utilização destas armas ou dispositivos deve ser seguida de algemagem imediata dos suspeitos, aproveitando os efeitos atordoantes instantâneos.

No que concerne ao uso do bastão, a NEP diz o seguinte:

a. Constitui o meio básico de aplicação de técnicas de impacto, podendo ser igualmente utilizado como meio de controlo, restrição e condução de pessoas;
b. Sempre que não esteja a ser utilizado, deve ser transportado no respectivo coldre ou outro dispositivo adequado, exceptuando-se os casos em que os elementos policiais se façam transportar em viaturas e o bastão provoque manifesto incómodo;
c. O bastão não deve ser empunhado como meio intimidatório, excepto se esse acto se destinar a evitar o uso efectivo do mesmo;
d. Regras de utilização:
1) O bastão não deve ser usado com objectivo diferente daquele a que se destina, nem empunhado por parte diversa da destinada a esse fim;
2) Os impactos desferidos com o bastão devem visar, prioritariamente, as áreas corporais VERDES;
3) Revelando-se os impactos nas áreas corporais VERDES manifestamente ineficazes, podem ser desferidos impactos nas áreas AMARELAS;
4) Independentemente das áreas corporais visadas, os impactos devem ser aplicados de cima para baixo e em trajectórias oblíquas relativamente ao visado;
5) Durante da execução do impacto, o cotovelo do braço que empunha bastão, não deve, por princípio, ultrapassar a altura do ombro;
6) São proibidos impactos nas áreas VERMELHAS, excepto nas situações que se enquadrem no disposto no ponto 5.1.4 do capítulo anterior. Impactos nestas áreas são considerados utilização de meios coercivos de elevada potencialidade letal.

Quanto aos canídeos, o ponto 6 deste capítulo 2 retrata-os assim:

«a) Os cães especialmente treinados para acções de polícia são designados cães policiais;
b) Os cães policiais podem ser usados em qualquer serviço policial, nomeadamente em patrulhamento, investigação criminal e manutenção e reposição da ordem pública;
c) Regras de utilização:
1) O cão policial é sempre operado e conduzido por um elemento policial especializado, designado como tratador, sendo o conjunto cão policial/tratador designado binómio cinotécnico policial;
2) O cão policial deve ser permanentemente conduzido “à trela”, de forma a garantir o seu controlo efectivo e permanente;
3) No decurso de acções policiais, o cão policial apenas pode ser solto no âmbito de perseguições ou buscas dirigidas a pessoas evadidas, e a suspeitos da prática de crimes a que corresponda uma pena máxima superior a 3 anos de prisão, no interior de edifícios ou em espaços abertos;
4) Nos casos em que o cão policial seja solto, o tratador ou outros elementos policiais envolvidos devem acompanhar de perto as acções do mesmo;
5) Logo que possível, o cão policial deve ser novamente atrelado.
d. A definição dos procedimentos técnicos concretos é da responsabilidade do Comandante do Grupo Operacional Cinotécnico do Corpo de Intervenção, que é igualmente responsável pela coordenação técnica e formação de todos os binómios ou unidades cinotécnicas policiais existentes na PSP».

No capítulo 3 vêm referidos os meios coercivos de elevada potencialidade letal, nomeadamente as armas de fogo, e no capítulo 4 a matéria que se relaciona com fugas, perseguições e imobilização forçada de veículos motorizados.

No capítulo 5, no âmbito das disposições finais, anota-se, de relevante, «que todos os elementos policiais devem ter presente que as situações de recurso à força, especialmente a armas de fogo ou se provocarem lesões, são apreciadas a posteriori por entidades habilitadas para realizar uma análise pormenorizada aos seus comportamentos, tendo como parâmetro de referência a legalidade, necessidade, adequação, proibição do excesso, proporcionalidade, oportunidade e exigibilidade da situação em concreto».


4. Tendo em atenção a delimitação do objecto do parecer e tudo quanto se acabou de explanar acerca das normas para utilização e emprego operacional das equipas cinotécnicas pelas forças policiais, que são sempre constituídas por binómios homem/cão, mostra-se oportuno fazer uma recensão do que de mais relevante se relaciona com a perseguição e captura de indivíduos perigosos e com a manutenção da ordem pública, para oportunamente nos debruçarmos sobre as questões da legalidade e das condições e limites dessa utilização. Assim:

a) No âmbito das polícias, existem equipas cinotécnicas especializadas no seguimento de pistas/rastos, destinadas à localização de indivíduos suspeitos, que se tenham escondido em determinada área;
b) Existem também equipas cinotécnicas especializadas em missões de manutenção da ordem pública, constituídas por cães patrulha, cujo treino específico visa potenciar, de forma controlada, os impulsos genéticos e traços de carácter;
c) Sendo os cães considerados meios de baixa potencialidade letal, apresentam como vantagens, no que ora releva, o grande efeito psicológico que causam, bem como outras qualidades peculiares não discriminadas, e como desvantagens, de ordem táctica, a sua agressividade, e, de ordem operacional, quando se verifica o aumento dos meios de violência utilizados pelo adversário;
d) No que concerne aos meios de utilização, não obstante o cão ser considerado um meio violento, entende-se que o seu posicionamento como elo da cadeia de força deve situar-se, nos dispositivos tipo “vaga”, imediatamente antes do uso do bastão, e nos dispositivos tipo “carga”, ao nível do escalão de choque, em apoio ou reserva, dado que apenas em situações de excepção, os danos causados por um cão podem ser considerados graves ou provocam a morte do adversário;
e) Considera-se vantajosa a utilização de equipas cinotécnicas em barragens, sejam elas de interdição ou canalização filtrante, ou de estradas;
f) O emprego das equipas cinotécnicas/MOP encontra-se condicionado em situações onde o factor «agressividade» do cão pode colidir com objectivos de ordem táctica, como no caso dos «dispositivos fixos»;
g) No caso dos «cordões de marcha» é desaconselhável a presença de equipas cinotécnicas, dado que a situação táctica é de neutralidade e preventiva;
h) A utilização das equipas cinotécnicas/MOP em missões de controlo de distúrbios civis apresenta-se limitada ao nível operacional sempre que os meios de violência empregues pelo adversário assumam proporções desaconselháveis ou incompatíveis, pondo em perigo a integridade física do binómio homem/cão.


IV

No âmbito do direito comparado, localizámos legislação relacionada com a actividade cinotécnica pelas forças de segurança nos países mais próximos[13].


1. Em Espanha, a Guarda Civil está autorizada a utilizar cães- -polícia desde 1948.

Por força de uma disposição de 31 de Março de 1949, criaram-se postos e destacamentos com cães para perseguir de forma mais organizada “bandoleros e malhechores”, e para ter melhor controlo nas zonas de fronteira e costas.

A Escola de Adestramento de cães-polícia da Guardia Civil foi criada pela Ordem Ministerial de 19 de Abril de 1951.

No ano de 1982, a Guardia Civil criou o “Serviço Cinológico”, com o fim de apoiar as Unidades Operativas do Corpo, reportando-se a aspectos técnicos e próprios do Serviço, como busca de pessoas desaparecidas, intervenção em catástrofes, localização de drogas e explosivos, resgates na montanha e qualquer outra actividade em que as características próprias da missão e a especial preparação dos animais sejam adequadas para obter resultados com o seu cumprimento, buscando o objectivo principal de proteger o livre exercício dos Direitos e Liberdades, e garantir a Segurança dos Cidadãos.

Merece destaque a parte relacionada com o perfil de guias de cães, que deverão ter bom temperamento e adequado equilíbrio físico e mental, boa força física, carácter tranquilo e sereno, ao mesmo tempo que enérgico, qualidades de constância, paciência, vontade e coragem, sensibilidade e carinho para com os animais, e valentia para saber impor-se ao seu cão em todos os momentos e situações.

Também a Secção de Guias Caninos da Comissão Geral de Segurança Cidadã, criada em 1945 tem funções relacionadas com a localização de explosivos (serviços de carácter preventivo e ameaças de bomba, reais ou simuladas), colaboração e apoio com os Grupos de estupefacientes de toda a Espanha, defesa e acompanhamento, como a dissuasão de alteradores da ordem pública em encontros de futebol ou outros acontecimentos de massas considerados conflituosos e de alto risco, localização de pessoas sepultadas em escombros devido a catástrofes naturais ou provocadas, detecção de pessoas nos incêndios, que é a última especialidade criada por esta Secção.


2. Em França, também existe formação cinotécnica no âmbito das forças de segurança, devendo os mestres ou condutores de cães reunir requisitos como, por exemplo, a voluntariedade, condições médicas mínimas, aptidão em todos os locais e em todos os serviços, aptidão de visão nocturna e para efectuar marchas de mais de 10 Km.

A actividade das equipas cinotécnicas incide, nomeadamente, na detecção de explosivos em bagagens, em sede da aviação civil, sendo exemplo a Instrução de 28 de Junho de 2002, NOR: EQUA021010138J, com referência aos artigos L. 282-8, R. 213-1, R.213-10, R. 213-11 e R. 282-6, do Código da Aviação Civil.


3. Em Itália, o «Servizio Cinofili dell’Arma dei Carbinieri» foi instituído em Junho de 1957, tendo por fim assegurar o emprego de condutores carabineiros de cães na actividade da polícia judiciária de investigação, de socorro em áreas sensíveis e em todas as operações nas quais tal investigação seja considerada um suporte eficaz.

Com algum interesse, localizámos um Decreto «del Capo della Polizia», relativo à racionalização dos Institutos de Instrução, de 10 de Fevereiro de 2006, relacionado com os serviços a cavalo da Polícia de Estado e a instituição de uma «Squadra cinofila», para a gestão dos cães de polícia.

Também, com algum interesse, localizámos a Lei de 23 de Agosto de 1993, n.º 349, relativa a normas em matéria de actividade cinotécnica[14], cujo artigo 1.º define actividade cinotécnica, para os fins da referida lei, como a actividade virada para a criação, de selecção e de adestramento da raça canina.


4. Por fim, localizámos a Resolução da Assembleia Geral da l’O.I.P.C – Interpol, reunida na sua 74.ª sessão, em Berlim (Alemanha), de 19 a 2 de Setembro de 2005, que teve por objecto a «Cooperação internacional em matéria de formação cinotécnica» e se relaciona com a ameaça internacional que representa o terrorismo e a aquisição de cães de detecção de explosivos nos países da África Oriental.

V
Recuperando que o presente parecer tem por objecto a utilização de cães de intervenção táctica em «operações policiais para captura de criminosos especialmente perigosos» ou em «operações policiais de manutenção ou reposição da ordem pública», com equipas constituídas por binómios homem/cão, onde se conjuga a racionalidade/responsabilidade dos primeiros com a irracionalidade/irresponsabilidade dos segundos, o controlo das situações concretas ficará sempre dependente da actuação do Homem, no caso nas vestes de agente policial.

Consequentemente, de imediato, faremos incidir o nosso estudo sobre o significado de polícia[15], a que se seguirá a análise das normas que regem a actividade das entidades policiais e, mais concretamente, daquelas que utilizam equipas cinotécnicas.


1. MARCELLO CAETANO entende por polícia «o modo de actuar da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das actividades individuais susceptíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por objecto evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que as leis procuram prevenir»[16].

Por polícia administrativa geral, o Autor designa a «actividade policial que visa a observância e a defesa da ordem jurídica globalmente considerada»[17].

Por sua vez, SÉRVULO CORREIA, define polícia, em sentido funcional, como «a actividade da Administração Pública que consiste na emissão de regulamentos e na prática de actos administrativos e materiais que controlam condutas perigosas dos particulares com o fim de evitar que estas venham ou continuem a lesar bens sociais cuja defesa preventiva através de actos de autoridade seja consentida pela Ordem Jurídica»[18].

Citando o Parecer n.º 162/2003:

«MARCELLO CAETANO destaca várias notas distintivas do conceito de políciax.
Trata-se, em primeiro lugar, de um modo de actividade administrativa, materialmente distinto das decisões judiciais e da actividade legislativa; e de actuação de autoridade, o que pressupõe o exercício de um “poder condicionante de actividades alheias, garantido pela coacção, isto é, por execução prévia.
A polícia administrativa representa, em segundo lugar, uma forma de intervenção no exercício de actividades individuais, implicando, por consequência, a existência de normas de conduta dos particulares e a eventualidade da sua violação por estes.
Uma terceira nota acentua que as actividades individuais em que a polícia intervém circunscrevem-se àquelas que sejam susceptíveis de fazer perigar interesses gerais; só aquilo que constitui “perigo susceptível de projectar-se na vida pública interessa à polícia”; não o que “apenas afecte interesses privados ou a intimidade das existências pessoais”, “enquanto não crie o risco de uma perturbação da ordem, de segurança, da moralidade, da saúde públicas”.
Em quarto lugar, o objecto próprio da polícia administrativa é da prevenção dos danos sociais, consistindo esta primordialmente em impedir as acções aptas à sua produção, ou, verificada esta, em restringir e evitar a ampliação do dano.
Por último, os danos sociais a prevenir devem constar da lei, sendo este “o elemento jurídico fundamental do instituto da polícia. O Autor justifica:
“A multiplicidade proteiforme das actividades individuais perigosas não permite que as leis prevejam todas as oportunidades em que as autoridades policiais hajam de actuar e os modos pelos quais devem fazê-lo. Nasce daí o carácter normalmente discricionário dos poderes de polícia. Mas num regime de legalidade tais poderes têm de ser jurídicos. Este carácter é-lhes garantido pelo menos por dois traços: fazerem parte de uma competência conferida por lei e visarem a realização de fins legalmente fixados”»x1.

Por fim, ainda acompanhando o Parecer n.º 162/2003:

«SÉRVULO CORREIA, considera que a passagem – com a entrada em vigor da Constituição de 1976 – de “um Estado de legalidade formal” a um Estado de direito democrático não prejudica a validade da construção teórica de MARCELLO CAETANO»x2.


2. A actividade de «Polícia» encontra-se consagrada no artigo 272.º da Constituição, que dispõe:
«Artigo 272.º
Polícia
1. A polícia tem por funções defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos.
2. As medidas de polícia são as previstas na lei, não devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário.
3. A prevenção dos crimes, incluindo a dos crimes contra a segurança do Estado, só pode fazer-se com observância das regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
4. A lei fixa o regime das forças de segurança, sendo a organização de cada uma delas única para todo o território nacional.»

Segundo GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA[19], «[o]s princípios aqui previstos são (...) princípios gerais aplicáveis a todos os tipos de polícias, de forma a abranger: (a) a polícia administrativa em sentido restrito; (b) a polícia de segurança; (c) a polícia judiciária. É neste sentido indiscutivelmente que aponta a definição constitucional (n.º 1), cujo âmbito normativo abrange qualquer das polícias referidas. A definição de polícia é tendencialmente funcional e teleológica, pois acentua a forma de acção ou actividade da Administração destinada à defesa da legalidade democrática, da segurança interna e da segurança dos cidadãos. O facto, porém, de a polícia se inserir no âmbito da Administração pública significa estar aqui subjacente um conceito orgânico de polícia, isto é, o conjunto de órgãos e institutos encarregados da actividade de polícia».

E prosseguem, um pouco mais à frente:

«A definição do conceito de legalidade democrática (n.º 1) apresenta algumas dificuldades, pois, apesar de ele ser utilizado em várias outras disposições constitucionais (...), não são transparentes os seus contornos. A distinção aqui feita entre defesa da legalidade democrática e garantia da segurança interna mostra que a primeira não coincide com a função tradicional de defesa da “ordem pública”, que abrangia a defesa da tranquilidade (manutenção da ordem na rua, lugares públicos, etc.), da segurança (prevenção de acidentes, defesa contra a catástrofes, prevenção de crimes) e da salubridade (águas, alimentos, etc.).
O sentido mais consentâneo com o contexto global do preceito estará, porventura, ligado à ideia de garantia de respeito e cumprimento das leis em geral, naquilo que concerne à vida da colectividade»[20].

A Constituição, conforme sublinha SÉRVULO CORREIA[21], «autoriza portanto uma concepção ampla dos fins da polícia. Estes serão afinal todos aqueles interesses gerais, protegidos por lei, que possam ser sujeitos a um risco de dano por condutas individuais cuja perigosidade seja controlável através do exercício de competências administrativas».

Porém, o n.º 1 do artigo 272.º da Constituição não deixará de abranger a ordem pública na sua apontada dimensão tradicional (tranquilidade, segurança e salubridade).

Na verdade, a este propósito, conforme já opinou este Conselho[22]:

«Numa fórmula breve, pode de facto dizer-se que a polícia administrativa representa o “conjunto das intervenções da Administração que tendem a impor à livre acção dos particulares a disciplina exigida pela vida em sociedade (-), orientando-se pelo escopo referencial de “prevenir os atentados à ordem pública”.
E a ordem pública que a polícia tem funcionalmente por fim assegurar caracteriza-se em regra por três vectores:
a) pelo seu carácter principalmente material, posto que se trata de evitar desordens visíveis;
b) pelo seu carácter público, já que a polícia não tutela matérias do foro privado nem o próprio domicílio pessoal, salvo na medida em que as actividades que aí se desenrolem tenham reflexos no exterior (regulamentação do barulho causado por aparelhagens sonoras, higiene de imóveis);
c) pelo seu carácter limitado, são três os itens tradicionais da ordem pública: tranquilidade (manutenção da ordem na rua, nos lugares públicos, luta contra o ruído); segurança (prevenção de acidentes e flagelos, humanos ou naturais); salubridade (salvaguarda da higiene pública).»

Retomando a companhia de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA:

«É também função da polícia defender os direitos dos cidadãos (n.º 1, in fine). Trata-se de uma das vertentes da obrigação de protecção pública dos direitos fundamentais – que deve ser articulada com o direito de segurança (art. 27.º-1) –, constituindo o Estado na obrigação de proteger os cidadãos contra a agressão de terceiros aos seus direitos. Deste modo, os direitos dos cidadãos não são apenas um limite da actividade da polícia (n.º 2); constituem também um dos próprios fins dessa função»[23].

Acerca do n.º 2 do artigo 272.º da Constituição, salientam os mesmos autores[24] os dois importantes princípios materiais nele vertidos relativamente às medidas de polícia: o princípio da tipicidade legal e o princípio da proibição do excesso, os quais, oportunamente, merecerão mais profunda reflexão, na medida em que se irão reflectir no objecto do parecer.

Por fim, acerca do n.º 3 do mesmo comando constitucional, prosseguem[25]:

«(...) alude-se à prevenção dos crimes como função de polícia não sendo totalmente líquido o sentido dessa fórmula. Cabem aqui, tipicamente as funções de vigilância e prevenção criminal (em sentido estrito). Através das funções de vigilância, procura-se impedir que sejam transgredidas as limitações impostas pelas normas e actos das autoridades para defesa da segurança interna, da legalidade democrática e direitos dos cidadãos; todavia, caso não existam normas que atribuam às autoridades de polícia poderes especiais, a função de vigilância tem de desenvolver-se sem perturbação dos direitos dos cidadãos. De igual modo, a função de prevenção criminal traduzida na adopção de medidas adequadas para certas infracções de natureza criminal, não pode recorrer a procedimentos limitativos da liberdade e da segurança fora dos casos expressamente admitidos pela Constituição ou da lei (cfr. arts. 27.º e 28.º[26]). Medidas de prevenção de crimes serão apenas medidas de protecção de pessoas e bens, vigilância de indivíduos e locais suspeitos, mas não podem ser medidas de limitação dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
O conceito sobre regras gerais sobre polícia (n.º 3) oferece também algumas dificuldades. Como tais são de entender, em primeiro lugar, os princípios materiais e constitucionais de polícia (princípio da legalidade, princípio da proibição do excesso, princípio do respeito dos direitos fundamentais). Em segundo lugar, a actividade da polícia só pode desenvolver-se quando existem tarefas de polícia, isto é, deve subordinar-se ao princípio da vinculação funcional enunciado no n.º 1 (defesa da legalidade democrática, garantia da segurança interna e defesa dos direitos dos cidadãos). Em terceiro lugar, a actividade de polícia há-de obedecer a regras muito estritas quanto à utilização de armas de fogo, dado o risco que isso implica para a vida dos cidadãos (cfr. nota II ao art. 25.º)[27]. Finalmente, o desenvolvimento da actividade de polícia está sujeita ao princípio da responsabilidade do Estado (art. 22.º).»


3. A matéria de «Polícia», nomeadamente no que concerne aos princípios referidos de actuação policial, encontra-se densificada em diversa legislação infra-constitucional, da qual, de imediato, merece destaque a Lei de Segurança Interna, aprovada pela Lei n.º 20/87, de 12 de Junho[28].

A segurança interna vem definida no artigo 1.º, correspondendo à actividade desenvolvida pelo Estado para garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, proteger pessoas e bens, prevenir a criminalidade e contribuir para assegurar o normal funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e o respeito pela legalidade democrática (n.º 1), sendo que a segurança interna se exerce nos termos da lei, designadamente da lei penal e processual penal, das leis orgânicas das polícias e serviços de segurança (n.º 2), e visando especialmente as medidas previstas nesta lei proteger a vida e a segurança das pessoas, a paz pública e a ordem democrática contra a criminalidade violenta ou altamente organizada, designadamente sabotagem, espionagem ou terrorismo (n.º 3).

Acrescenta o artigo 2.º, no tocante aos princípios fundamentais, que a actividade de segurança interna se pautará pela observância das regras gerais de polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias e pelos demais princípios do Estado de direito democrático (n.º 1), sendo as medidas de polícia as previstas na lei, não devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário (n.º 2).

O artigo 5.º, por sua vez, indica os deveres gerais e especiais de colaboração, apontando aos cidadãos o dever de colaborar na prossecução dos fins de segurança interna, observando as disposições preventivas estabelecidas na lei, acatando as ordens e mandados legítimos das autoridades e não obstruindo o normal exercício das competências dos funcionários e serviços de segurança (n.º 1).

Por fim, o artigo 16.º estabelece medidas de polícia (n.º 1), remetendo para os estatutos e diplomas orgânicos das forças e serviços de segurança a respectiva tipificação (n.º 2), apontando, a título exemplificativo as seguintes:

«a) Vigilância policial de pessoas, edifícios e estabelecimentos por período de tempo determinado;
b) Exigência de identificação de qualquer pessoa que se encontre ou circule em lugar público ou sujeito a vigilância policial;
c) Apreensão temporária de armas, munições e explosivos;
d) Impedimento de entrada em Portugal de estrangeiros indesejáveis ou indocumentados;
e) Accionamento da expulsão de estrangeiros do território nacional.»


4. No que concerne propriamente às «Polícias», temos em primeiro lugar o Decreto-Lei n.º 231/93, de 26 de Junho[29], que aprovou a Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana (GNR).

O artigo 1.º define a GNR como a força de segurança constituída por militares organizados num corpo especial de tropas.

O artigo 2.º, por sua vez, dispõe que a GNR, como missão geral, entre outras, tem de garantir, no âmbito da sua responsabilidade, a manutenção da ordem pública, assegurando o exercício dos direitos, liberdades e garantias [alínea a)], manter e restabelecer a segurança dos cidadãos e da propriedade pública, privada e cooperativa, prevenindo ou reprimindo os actos ilícitos contra eles cometidos [alínea b)], auxiliar e proteger os cidadãos e defender e preservar os bens os bens que se encontrem em situações de perigo, por causas provenientes da acção humana ou da natureza [alínea g)].

Mais à frente, o artigo 29.º, no desenvolvimento do comando constitucional supra referido, acentuando a aplicação das medidas de polícia «nos termos previstos na Constituição e na lei», tipifica-as assim:
«Artigo 29.º
Medidas de polícia
1 – Constituem medidas de polícia aplicáveis nos termos e condições previstos na Constituição e na lei:
a) A vigilância policial de pessoas, edifícios e estabelecimentos por períodos de tempo determinados;
b) A exigência de identificação de qualquer pessoa que se encontre ou circule em lugar público ou aberto ao público ou sujeita a vigilância policial;
c) A apreensão temporária de armas, munições e explosivos;
d) As restrições à liberdade de circulação, determinada por motivos de ordem pública ou tendo em vista garantir a segurança de pessoas e bens.
2 – Consideram-se medidas especiais de polícia, que, sob pena de nulidade, devem ser imediatamente comunicadas à autoridade judiciária competente para sua apreciação e confirmação, as seguintes:
a) O encerramento temporário de paióis, depósitos ou fábricas de armamento ou explosivos e respectivos componentes;
b) O encerramento temporário de estabelecimentos destinados à venda de armas ou explosivos.
c) A cessação da actividade de empresas, grupos, organizações ou associações que se dediquem a acções de criminalidade altamente organizada, designadamente de sabotagem, espionagem ou terrorismo ou a preparação, treino ou recrutamento de pessoas para aqueles fins.»

Segue-se o artigo 30.º, dirigido ao uso dos meios coercivos de que dispõe a GNR, o qual, porém, ao contrário do que sucede com as medidas de polícia, cuja tipificação, como acabamos de ver, é exigida pela Constituição, aparece desligado de qualquer imposição constitucional, mas apenas legal – «nos termos e limites da lei» – no que concerne à tipificação dos respectivos meios. Estabelece o seguinte:
«Artigo 30.º
Meios coercivos
1 – Nos termos e limites da lei, os militares da Guarda podem fazer uso dos meios coercivos de que dispõem nas circunstâncias seguintes:
a) Para repelir uma agressão iminente ou em execução, em defesa própria ou de terceiros;
b) Para vencer a resistência violenta à execução de um serviço no exercício das suas funções e manter o princípio da autonomias, depois de ter feito aos resistentes intimação de obediência e após esgotados outros meios para o conseguir;
c) Para efectuar a captura de indivíduos evadidos de estabelecimentos de detenção pela prática ou que sejam destinatários de mandatos de detenção pela prática de crime a que corresponda pena de prisão superior a três anos ou impedir a fuga de qualquer indivíduo legalmente preso ou detido.
3 – (...)»
4.1. A propósito de meios coercivos, o n.º 2 do artigo 27.º, da parte III, da Portaria n.º 722/85, de 25 de Setembro, que aprovou o Regulamento Geral do Serviço da GNR, prevê o uso de pistola e bastão nas localidades e de espingarda e sabre nos campos, embora não especificando o modo da sua utilização.


5. Pertinente mostra-se ainda o Decreto-Lei n.º 265/93, de 31 de Julho[30], que aprovou o Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, do qual convém destacar o seguinte normativo:
«Artigo 13.º
Uso de meios adequados
1 – O militar da Guarda defende e respeita, em todas as circunstâncias, a vida e a integridade física e moral, a dignidade das pessoas e utiliza a persuasão como método de actuação, só fazendo uso da força em caso de absoluta necessidade.
2 – O militar da Guarda deve usar os meios que a prudência e as circunstâncias lhe ditarem para, como agente da força pública, manter ou restabelecer a ordem.
3 – O militar da Guarda deve utilizar a força só nos casos expressamente previstos na lei, utilizando as armas unicamente para:
a) Repelir uma agressão iminente ou em execução, em defesa própria ou de terceiros;
b) Vencer a resistência violenta à execução de um serviço no exercício das suas funções e manter a autoridade depois de ter feito aos resistentes intimação e inequívoca de obediência, e após esgotados todos os outros meios possíveis para o conseguir.»

Na interpretação deste normativo, pode concluir-se que o militar pode utilizar os meios coercivos ao seu dispor[31], na aplicação das medidas de polícia expressamente previstas na Constituição e na lei.


6. Por sua vez, a Lei n.º 5/99, de 27 de Janeiro, aprovou a Lei de Organização e Funcionamento da Polícia de Segurança Pública[32], omitindo qualquer referência à actividade cinotécnica.

O artigo 1.º, sob a epígrafe «Natureza» estabelece que a Polícia de Segurança Pública (PSP) é uma força de segurança com a natureza de serviço público dotado de autonomia administrativa, que tem por funções defender a legalidade democrática, garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos, nos termos do disposto na Constituição e na lei.

Por sua vez, o artigo 2.º define as competências da PSP:
«Artigo 2.º
Competências
1 - Em situações de normalidade institucional, as atribuições da PSP são as decorrentes da legislação de segurança interna e, em situações de excepção, as resultantes da legislação sobre defesa nacional e sobre estado de sítio e estado de emergência.
2 - No quadro da política de segurança interna, são objectivos fundamentais da PSP, sem prejuízo das atribuições legais de outras entidades, com observância das regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos:
a) Promover as condições de segurança que assegurem o normal funcionamento das instituições democráticas, bem como o exercício dos direitos e liberdades e o respeito pelas garantias fundamentais dos cidadãos;
b) Garantir a manutenção da ordem, segurança e tranquilidade públicas;
c) Prevenir a criminalidade e a prática dos demais actos contrários à lei e aos regulamentos;
d) Prevenir a criminalidade organizada e o terrorismo, em coordenação com as demais forças e serviços de segurança;
e) Garantir a execução dos actos administrativos emanados da autoridade competente que visem impedir o incumprimento da lei ou a sua violação continuada;
f) Garantir a segurança das pessoas e dos seus bens;
g) Prosseguir as atribuições que lhe forem cometidas por lei em matéria de processo penal;
h) Garantir a segurança rodoviária, nomeadamente através do ordenamento, fiscalização e regularização do trânsito;
i) Garantir a segurança nos espectáculos desportivos e equiparados;
j) Prosseguir as atribuições que lhe forem cometidas por lei em matéria de licenciamento administrativo;
l) Participar na segurança portuária e das orlas fluvial e marítima, nos termos definidos por lei;
m) Garantir a segurança das áreas ferroviárias;
n) Prestar ajuda às populações e socorro aos sinistrados e apoiar em especial os grupos de risco;
o) Participar em missões internacionais, nos termos definidos pelo Governo;
p) Cooperar com outras entidades que prossigam idênticos fins;
q) Colher as notícias dos crimes, descobrir os seus agentes, impedir as consequências dos crimes e praticar os demais actos conexos;
r) Contribuir para a formação e informação em matéria de segurança dos cidadãos;
s) Prosseguir as demais atribuições fixadas na lei.
3 - É atribuição exclusiva da PSP, em todo o território nacional, o controlo do fabrico, armazenamento, comercialização, uso e transporte de armas, munições e substâncias explosivas e equiparadas que não pertençam às Forças Armadas e demais forças e serviços de segurança.
4 - É atribuição exclusiva da PSP, em todo o território nacional, garantir a segurança pessoal dos membros dos órgãos de soberania e de altas entidades nacionais ou estrangeiras, bem como de outros cidadãos quando sujeitos a situação de ameaça relevante.
5 - É atribuição especial da PSP, no âmbito da segurança aeroportuária, adoptar as medidas de prevenção e repressão dos actos ilícitos contra a aviação civil.»

Depois, o artigo 4.º, destacando a sua aplicação «nas condições e termos da Constituição e da lei», na sequência do comando constitucional anteriormente enfocado – o artigo 272.º – tipifica, a título meramente exemplificativo[33], as seguintes medidas de polícia:
«Artigo 4.º
Medidas de polícia
1 – No âmbito das suas atribuições, a PSP utiliza as medidas de polícia legalmente previstas, e aplicáveis nas condições e termos da Constituição e da lei, não podendo impor restrições ou fazer uso dos meios de coerção, para além do estritamente necessário, designadamente:
a) Vigilância organizada de pessoas, edifícios e estabelecimentos por período de tempo determinado;
b) Exigência de prova de identificação de qualquer pessoa que se encontre ou circule em lugar público ou aberto ao público ou sujeita a vigilância policial, nos termos do Código de Processo Penal;
c) Apreensão temporária de armas, munições e explosivos;
d) Encerramento temporário de paióis, depósitos ou fábricas de armamento ou explosivos e respectivos componentes;
e) Revogação ou suspensão de autorizações aos titulares dos estabelecimentos referidos na alínea anterior;
f) Encerramento temporário de estabelecimentos destinados à venda de armas ou explosivos.
2 - As medidas previstas nas alíneas d), e) e f) do número anterior são, sob pena de nulidade, imediatamente comunicadas ao tribunal competente e apreciadas pelo juiz, em ordem à sua validação.
3 - Os meios coercivos só poderão ser utilizados nos seguintes casos:
a) Para repelir uma agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos, em defesa própria ou de terceiros;
b) Para vencer resistência à execução de um serviço no exercício das suas funções, depois de ter feito aos resistentes intimação formal de obediência e esgotados que tenham sido quaisquer outros meios para o conseguir.
4 - A PSP pode utilizar armas de qualquer modelo e calibre.
5 - O recurso à utilização de armas de fogo é regulado em diploma específico.»

Anote-se que vêm tipificadas as medidas de polícia e a parametricidade de utilização dos meios coercivos. Já, porém, os concretos meios coercivos ao dispor da PSP não vêm tipificados, com excepção do recurso à utilização de armas de fogo. A justificação vem da própria Constituição que exige a tipificação das medidas de polícia, ao contrário dos meios coercivos, não consagrados na mesma, deixando-os ao critério do legislador ordinário.

Por sua vez, o artigo 5.º, no âmbito da dirimição de conflitos limita a acção da PSP, ainda que requisitada, à manutenção da ordem pública, afastando-a dos de natureza privada.

Mais à frente, o capítulo IV (artigos 72.º e 73.º) é dedicado ao «Corpo de Intervenção», que é uma unidade de reserva da PSP, especialmente preparada para acções de manutenção e reposição de ordem pública, combate a situações de violência concertada, colaboração com outras forças policiais na manutenção da ordem, na acção contra a criminalidade violenta e organizada, na protecção de instalações importantes e na segurança de altas entidades, e na colaboração com os comandos no patrulhamento.

O capítulo V (artigos 74.º e 75.º) destina-se ao Grupo de Operações Especiais, uma unidade também de reserva da PSP, destinada, fundamentalmente, a combater situações de violência declarada, cuja resolução ultrapasse os meios normais de actuação.

6.1. No âmbito da PSP, e a propósito de meios coercivos, a Portaria n.º 810/89, de 13 de Setembro, que aprovou o respectivo plano de uniformes, prevê no artigo 11.º que o pessoal da PSP fará uso de cassetete, pingalim e pistola ou revólver, dispondo o n.º 1 do artigo 12.º, que, entre outro equipamento, utilizará algemas. Porém, não vem especificado o modo de utilização destes meios coercivos.


7. Na sequência do expendido, mostra-se ainda pertinente trazer à colação o Decreto-Lei n.º 457/99, de 5 de Novembro, que aprovou o regime de utilização de arma de fogo e explosivos pelas forças e serviços de segurança, e que recupera, no seu preâmbulo, o n.º 2 do artigo 266.º da Constituição, segundo o qual «[o]s órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé».

Acrescenta o mesmo preâmbulo que «é pacificamente aceite que também os agentes da função policial só podem empregar a força quando tal se afigure estritamente necessário e na medida exigida para o cumprimento do seu dever», e que «[s]e os princípios mencionados, designadamente os da necessidade e da proporcionalidade, são as balizas de qualquer intervenção pela força, são-no, ainda, com maior premência de acatamento, quando está em causa a utilização de um dos instrumentos mais sensíveis da força, a arma de fogo».

Neste diploma, dispõe o n.º 1 do artigo 1.º, que se aplica às situações de recurso a arma de fogo em acção policial, e o n.º 2 que a acção policial é entendida como a que for desenvolvida pelas entidades e agentes previstos pelo Código de Processo Penal, no exercício das funções que legalmente lhes estiverem cometidas.

Por sua vez, o artigo 2.º consagra os princípios da necessidade e da proporcionalidade, estabelecendo que o recurso a arma de fogo só é permitido em caso de absoluta necessidade como medida extrema quando outros meios menos perigosos se mostrem ineficazes, e desde que proporcionado às circunstâncias, sendo que em tal caso o agente deve esforçar-se por reduzir ao mínimo as lesões e danos e respeitar e preservar a vida humana.

O n.º 1 do artigo 3.º fixa as situações em que é permitido o recurso a arma de fogo, definindo o n.º 2 os casos de recurso a arma de fogo contra pessoas, o qual só é permitido desde que, cumulativamente, a respectiva finalidade não possa ser alcançada nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, e se verifique uma das circunstâncias que se seguida e taxativamente enumera, ou seja, (a) para repelir a agressão actual ilícita dirigida contra o agente ou terceiros, se houver perigo iminente de morte ou ofensa grave à integridade física; (b) para prevenir a prática de crime particularmente grave que ameace vidas humanas; (c) para proceder à detenção de pessoa que represente essa ameaça e que resista à autoridade ou impedir a sua fuga.

O artigo 4.º refere-se à imposição de advertência prévia no caso de recurso a arma de fogo sempre que a natureza do serviço e as circunstâncias o permitam, aventando-se a hipótese do tiro para o ar e acrescentando-se que contra um ajuntamento de pessoas a advertência deve ser repetida; por fim, com interesse, o artigo 8.º regula a utilização de explosivos.


8. Comum às duas entidades policiais que têm actividade cinotécnica – GNR e PSP –, foi publicado o Código Deontológico do Serviço Policial, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 37/2002, de 7 de Fevereiro de 2002[34], que vem ao encontro da Resolução n.º 690, da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, de 8 de Maio de 1979, e da Resolução n.º 34/169, da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 17 de Dezembro de 1979.

De harmonia com a respectiva nota preambular, este Código regista a sua adopção pelos profissionais da PSP e da GNR, cometendo ao Ministério da Administração Interna a respectiva divulgação pública, e prevê um módulo de formação em matéria de deontologia do serviço policial, com carácter obrigatório nos currículos dos cursos de formação, prática e superior, ministrados aos agentes das forças de segurança. Visa promover a qualidade do serviço policial, reforçar o prestígio e a dignidade das Forças de Segurança, bem como contribuir para a criação das condições objectivas e subjectivas que, no âmbito da acção policial, garantam o pleno exercício dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

A relevância deste Código justifica a transcrição de algumas das suas normas. Assim:
«Artigo 1.º
Âmbito de aplicação
O presente Código Deontológico aplica-se aos militares da Guarda Nacional Republicana (GNR) e ao pessoal da Polícia de Segurança Pública (PSP), adiante designados membros das Forças de Segurança, no âmbito do exercício das suas funções policiais.
Artigo 2.º
Princípios fundamentais
1 – Os membros das Forças de Segurança cumprem os deveres que a Lei lhes impõe, servem o interesse público, defendem as instituições democráticas, protegem todas as pessoas contra actos ilegais e respeitam os direitos humanos.
2 – Como zeladores pelo cumprimento da lei, os membros das forças de segurança cultivam e promovem os valores do humanismo, justiça, integridade, honra, dignidade, imparcialidade, isenção, probidade e solidariedade.
3 – Na sua actuação, os membros das forças de segurança devem absoluto respeito pela Constituição da República Portuguesa, pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pela legalidade comunitária, pelas convenções internacionais, pela lei e pelo presente Código.
4 – Os membros das forças de segurança que actuem de acordo com as disposições do presente Código têm direito ao apoio activo da comunidade que servem e ao devido reconhecimento por parte do Estado.
Artigo 3.º
Respeito pelos direitos fundamentais da pessoa humana
1 – No cumprimento do seu dever, os membros das forças de segurança promovem, respeitam e protegem a dignidade humana, o direito à vida, à liberdade, à segurança e demais direitos fundamentais de toda a pessoa, qualquer que seja a sua nacionalidade ou origem, a sua condição social ou as suas convicções políticas, religiosas ou filosóficas.
2 – Em especial, têm o dever de, em qualquer circunstância, não infligir, instigar ou tolerar actos cruéis, desumanos ou degradantes.»
Seguem-se os artigos 4.º «Respeito pelos direitos fundamentais de pessoa detida», 5.º «Isenção e imparcialidade», 6.º «Integridade, dignidade e probidade», 7.º «Correcção na actuação», 8.º «Adequação, necessidade e proporcionalidade do uso da força», 9.º «Obediência», 10.º «Responsabilidade», 11.º «Sigilo», 12.º «Cooperação na administração da justiça», 13.º «Solidariedade na acção», e 14.º «Preparação individual».

Destes, merece especial destaque o artigo 8.º, por nele, apesar de fazer menção ao uso de armas de fogo, virem consagrados os princípios constitucionais da legalidade e da proporcionalidade ou da proibição do excesso, ínsitos no artigo 272.º da Constituição, e que estabelece o seguinte:
Artigo 8.º
Adequação, necessidade e proporcionalidade do uso da força
1 – Os membros das forças de segurança usam os meios coercivos adequados à reposição da legalidade e da ordem, segurança e tranquilidade públicas só quando estes se mostrem indispensáveis, necessários e suficientes ao bom cumprimento das suas funções e estejam esgotados os meios de persuasão e de diálogo.
2 - Os membros das forças de segurança evitam recorrer ao uso da força, salvo nos casos expressamente previstos na lei, quando este se revele legítimo, estritamente necessário, adequado e proporcional ao objectivo visado.
3 - Em especial, só devem recorrer ao uso de armas de fogo, como medida extrema, quando tal se afigure absolutamente necessário, adequado, exista comprovadamente perigo para as suas vidas ou de terceiros e nos demais casos taxativamente previstos na lei.»


9. Compulsando o quadro legislativo acabado de recensear, relacionado com medidas de polícia e meios coercivos ao dispor das polícias, constatamos o seguinte:

a) Na Constituição (artigo 272.º) é remetida para a legislação ordinária a tipificação das medidas de polícia, cuja utilização não deve ultrapassar o estritamente necessário, assim se consagrando os princípios da legalidade e da proporcionalidade ou da proibição do excesso;

b) Na Lei de Segurança Interna (artigo 2.º), onde se estabelece que devem ser respeitados os direitos, liberdades e garantias e tudo quanto caracteriza o Estado de direito democrático, as medidas de polícia previstas na lei não devem ser utilizadas para além do estritamente necessário, o que também corresponde à consagração dos princípios referidos na alínea anterior;

c) De igual modo, no que concerne aos militares da Guarda Nacional Republicana, vêm consagrados os mesmos princípios no respectivo Estatuto (artigo 13.º), já que só deve ser usada a força em caso de absoluta necessidade e nos casos expressamente previstos na lei;

d) Por sua vez, a Polícia de Segurança Pública, de acordo com a respectiva Lei de Organização e Funcionamento (artigo 4.º), utiliza as medidas de polícia legalmente previstas, e aplicáveis nas condições e termos da Constituição e da lei, não podendo impor restrições ou fazer uso dos meios de coerção, para além do estritamente necessário, o que igualmente corresponde à consagração dos princípios da legalidade e da proporcionalidade;

e) GNR e PSP, em situações excepcionais, podem usar armas de fogo em acções policiais, que são consideradas meios coercivos de elevada potencialidade letal, o que parece permitir, por maioria de razão, a admissibilidade de utilização de meios coercivos de baixa potencialidade letal, como é o caso dos canídeos;

f) Por fim, o Código Deontológico do Serviço Policial começa por remeter para o absoluto respeito pela Constituição da República Portuguesa, pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pela legalidade comunitária, pelas convenções internacionais, pela lei e pelo próprio Código, consagrando, em seguida, princípios como os da adequação, necessidade e proporcionalidade no uso da força (artigos 2.º e 8.º);

g) Nos diplomas elencados, apenas se encontra tipificado o modo de utilização de armas de fogo pelas polícias, prevendo, também, a lei o uso de algemas, cassetete e pingalim pela PSP, e de bastão policial e sabre pela GNR, sem que, porém, especifique o modo dessa utilização, cuja regulamentação, desses e de outros meios coercivos, nomeadamente, no que ora releva, de cães de intervenção táctica, ficou ao critério de normas internas.


9.1. No seguimento do que se acabou de expor, designadamente na última das alíneas, importa discorrer, embora abreviadamente, sobre a questão da qualificação jurídica dos meios coercivos a utilizar pelas polícias.

Nesse conspecto, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), que Portugal ratificou e se encontra em vigor[35], garante um conjunto de direitos fundamentais, com a consequente obrigação para os Estados-membros do dever de os reconhecer a toda a pessoa, tipificando-os nas respectivas jurisdições. Particularmente, estando em causa o direito à vida, reconhecido pelo artigo 2.º da Convenção, o Tribunal Europeu tem entendido que incumbe aos Estados uma obrigação positiva de tomar todas as medidas necessárias à protecção da vida, o que implica, antes do mais, o dever primordial de elaborar um quadro legislativo e administrativo visando uma eficaz prevenção, dissuadindo a possibilidade de que a vida seja colocada em perigo[36].

A expressão quadro legislativo apela à noção de lei, que o Tribunal tem interpretado em sentido material, incluindo textos de valor infra-legislativo e o direito não escrito[37]. Tratando-se do direito escrito, a noção de lei corresponde ao texto em vigor tal como as jurisdições competentes o interpretaram[38], devendo a lei não só ser acessível como também dela seja possível prever as suas consequências.

A lei deve, pois, comungar das características da clareza, previsão e acessibilidade.

Por outro lado, quando se trate de usar a força, a jurisprudência do Tribunal tem incidido quase exclusivamente sobre situações em que está em causa o uso de armas de fogo e o risco que ocorre para a vida, sendo afirmado que, em tal caso, o seu uso é reservado ao estritamente necessário para acautelar cada um dos fins que se pretendem salvaguardar com a previsão das alíneas a) a c) do n.º 2 do artigo 2.º da Convenção; a força usada deve ser estritamente proporcional a tais fins[39].

Estes princípios são válidos para quaisquer situações que envolvam o uso de meios coercivos que possam revelar-se letais[40]. Nesse sentido, mesmo que o uso de canídeos só seja susceptível de causar danos passíveis de ser considerados graves ou que provoquem a morte do adversário, em situações de excepção[41], e que seja considerado «um meio de baixa potencialidade letal», mas que pode provocar a morte ou lesões graves se usada de forma indevida[42], o respeito pela jurisprudência do Tribunal Europeu que vincula Portugal, nos termos do artigo 46.º, n.º 1, da Convenção Europeia, parece aconselhar a emissão de normação, que revista eficácia externa, sobre a mencionada matéria.

Uma tal providência adequar-se-ia, também, aos Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei[43] onde se apela a que «[o]s Governos e os organismos de aplicação da lei devem adoptar e aplicar regras sobre a utilização da força e de armas contra as pessoas, por parte dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei».

VI
Conforme constatámos nos pontos antecedentes, as «polícias» que utilizam canídeos em algumas das suas intervenções tácticas são a GNR e a PSP. Nas duas corporações existem equipas cinotécnicas. A legislação e demais regulamentação sobre esta matéria, nomeadamente regulamentos internos[44], não pecando pela abundância, privilegiam e pormenorizam a respectiva organização e funcionamento.

Assim, temos como assente que a actuação cinotécnica compreende sempre binómios homem/cão, com o primeiro, tratador, a conduzir o segundo à trela e sem açaime[45]. A sua utilização sucede, por regra, à utilização de armas ou dispositivos eléctricos imobilizantes ou atordoantes, e antecede o uso do bastão policial, quando se verifica, por conseguinte, um grau elevado de aproximação e de possível contacto e (ou) confronto físico.

Importa analisar a utilização de cães de intervenção táctica à luz de «operações policiais para captura de criminosos especialmente perigosos» e de «operações policiais de manutenção ou reposição da ordem pública».

De imediato, na sequência do comando constitucional supra evidenciado – artigo 272.º –, depois densificado em toda a legislação infra- -constitucional igualmente recenseada, constatamos que as medidas de polícia, cujo fundamento se alicerça na defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, se balizam entre a tipicidade legal (legalidade) e a proibição do excesso, pautando-se esta última pela vinculação a princípios como os da necessidade, da exigibilidade e da proporcionalidade, que já mereceram pronúncia perfunctória, mas sobre os quais irá recair uma nossa análise mais profunda.

Já no que concerne aos meios coercivos a utilizar pelas polícias na aplicação das medidas de polícia (armas ou outros meios), constatamos que os mesmos, com excepção do recurso às armas de fogo, não se encontram especificamente tipificados na legislação ordinária, mas apenas em regulamentos internos, sem que isso acarrete violação de qualquer comando constitucional, por a Constituição não os consagrar. O que a legislação infraconstitucional exige é que o uso dos meios coercivos não ultrapasse o estritamente necessário.


1. Quanto ao princípio da tipicidade legal, temos como assente que as medidas de polícia são as previstas na lei, nos termos consignados no n.º 2 do artigo 272.º da Constituição. Este princípio, no que às polícias concerne, significa que os actos de polícia, além de terem um fundamento necessário na lei, devem corresponder a medidas ou procedimentos individualizados e com conteúdo suficientemente definido na lei, independentemente da natureza dessas medidas. Assim, quer sejam regulamentos gerais emanados das autoridades de polícia, decisões concretas e particulares (autorizações, proibições, ordens), medidas de coerção (utilização de força, emprego de armas) ou operações de vigilância, todos os procedimentos de polícia estão sujeitos ao princípio da precedência da lei e da tipicidade legal[46].

A este propósito, JOAN JOSEP QUERALT e ELENA JIMENEZ QUINTANA[47], referindo-se ao princípio de habilitação legal policial vigente no País vizinho, assinalam que «tal princípio é consequência do princípio institucional, constitucionalmente reconhecido, de legalidade, a que a Administração Pública, no caso a actividade de polícia de segurança, deve submeter-se. Isso pressupõe que a disposição administrativa ou judicial seja exequível e, além disso, que o seja dentro dos princípios inspiradores do nosso ordenamento jurídico. Ao contrário do que sucede noutros ordenamentos nos quais está específica e determinantemente regulado tanto o uso da coacção directa por parte da Polícia como os meios lícitos a empregar, no Direito espanhol está ausente uma configuração similar a nível legal (...). Para o que aqui interessa, retenha-se, pois, que toda a ingerência da Administração Pública requer: i) a sua cobertura legal, já que sem ela não pode falar-se de habilitação legal para actuar, e ii) já que não existe uma descrição dos meios materiais a utilizar segundo os diversos casos, o limite da sua actuação será dado pelo respeito da dignidade da pessoa».

No caso que nos ocupa, conforme oportuna recensão, a legislação das «polícias» regula especificadamente a respectiva actuação policial, fixando competências, meios de actuação e medidas de polícia. Já quanto à utilização de armas ou outros meios de coerção pelas forças policiais, o legislador apenas remete para legislação específica a utilização de armas de fogo, na sequência natural, da especial perigosidade de tais armas letais[48]. Quanto às restantes armas, designadas como de baixa potencialidade letal, os termos da sua utilização mostram-se circunscritos a regulamentos internos, como são os casos de despachos (no caso da GNR) e de normas de execução permanente (no caso da PSP).

Neste conspecto, a Constituição apenas reserva o princípio da tipicidade às medidas de polícia, não abarcando os meios coercivos a utilizar pelas polícias, deixando a respectiva regulação ao critério do legislador infra--constitucional.


2. Por sua vez, o princípio da proibição do excesso significa que as medidas de polícia devem obedecer aos requisitos da necessidade, exigibilidade e proporcionalidade. Trata-se de reafirmar, de forma enfática, o princípio constitucional fundamental em matéria de actos públicos potencialmente lesivos de direitos fundamentais e que consiste em que eles só devem ir até onde seja imprescindível para assegurar o interesse público em causa, sacrificando no mínimo os direitos dos cidadãos. Nesta sede isto significa que o emprego de medidas de polícia deve ser sempre justificado pela estrita necessidade e que não devem utilizar-se medidas gravosas quando medidas mais brandas seriam suficientes para cumprir a tarefa[49]/[50].

Na lição de FREITAS DO AMARAL[51], «[o] principio da proporcionalidade constitui uma manifestação constitutiva do princípio do Estado de Direito (artigo 2.º da CRP). Na verdade, está fortemente ancorada a ideia de que, num Estado de Direito democrático, as medidas dos poderes públicos não devem exceder o estritamente necessário para a realização do interesse público».

No entender deste Autor, «[a] proporcionalidade é o princípio segundo o qual a limitação de bens ou interesses privados por actos dos poderes públicos deve ser adequada e necessária aos fins concretos que tais actos prosseguem, bem como tolerável quando confrontada com aqueles fins».

E prossegue:

«A definição evidencia as três dimensões essenciais do princípio:
— adequação;
— necessidade;
— equilíbrio».

Acerca da adequação diz-nos que significa que a medida tomada deve ser causalmente ajustada ao fim que se propõe atingir. Procura-se deste modo verificar a existência de uma relação entre duas variáveis: o meio, instrumento, medida, solução, de um lado; o objectivo ou finalidade, do outro.

Quanto à necessidade, ainda segundo FREITAS DO AMARAL, significa que, para além de idónea para o fim que se propõe alcançar, a medida administrativa deve ser, dentro do universo das abstractamente idóneas, a que lese em menor medida os direitos e interesses dos particulares.

Por fim, quanto à vertente do equilíbrio ou da proporcionalidade em sentido estrito, exige que os benefícios que se esperam alcançar com uma medida administrativa adequada e necessária suplantem, à luz de certos parâmetros materiais, os custos que ela por certo acarretará. E, citando VITALINO CANAS, acrescenta o mesmo Autor que «procura avaliar-se se o acto praticado, na medida em que implica uma escolha valorativa, isto é, o sacrifício de certos bens a favor de outros, é correcto, é válido à luz de parâmetros materiais»[52].

Culmina FREITAS DO AMARAL: «se uma medida concreta não for simultaneamente adequada, necessária e equilibrada ao fim tido em vista, com a sua adopção, ela será ilegal por desrespeito do princípio da proporcionalidade».

Ainda acerca do mesmo princípio acrescentam MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS[53] que «[p]ela sua densificação doutrinal e jurisprudencial, o princípio da proporcionalidade (art. 266.º, 2 CRP e art. 5.º, 2 CPA, com diversas concretizações específicas: arts. 18.º, 2 e 19.º, 4 CRP; art. 3.º, 2 CPA), constitui, porventura, o mais apurado parâmetro de controlo da actuação administrativa ao abrigo da margem de livre decisão».

Para estes Autores o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três dimensões, que são a adequação, necessidade (ou proibição do excesso) e razoabilidade (ou proporcionalidade em sentido restrito), e acrescentam que «a preterição de qualquer uma das três dimensões envolve a preterição global da proporcionalidade: assim, para que uma actuação administrativa não seja desproporcional ela não pode ser, nem inadequada, nem desnecessária, nem desrazoável. Perante a preterição de uma delas, não vale sequer a pena analisar as demais: uma actuação inadequada nunca pode logicamente ser necessária; a circunstância de uma actuação ser razoável não a salva da desproporcionalidade se for excessiva».

Temos assim que as medidas de polícia, beneficiando embora de uma certa margem de discricionaridade, balizar-se-ão sempre entre o cumprimento de princípios como o da tipicidade legal e o da proibição do excesso, consubstanciando-se este numa actuação proporcional, ou seja, adequada, necessária e equilibrada.

Já no que concerne aos meios coercivos a utilizar pelas polícias na aplicação das medidas de polícia, exceptuando o uso de armas de fogo em acções policiais, que se submeterão às regras previstas no Decreto-Lei n.º 457/99, de 5 de Novembro, terão como baliza a proibição do excesso, nos termos consagrados constitucionalmente e na respectiva legislação avulsa.

VII

Apuradas legislação e doutrina atinentes ao objecto do parecer, é tempo de respondermos às questões que nele são colocadas.

Assim, concretamente, preocupa a entidade consulente a «legalidade da utilização de cães de intervenção táctica» em «operações policiais para captura de criminosos especialmente perigosos» e em «operações policiais de manutenção ou reposição da ordem pública», questionando, em seguida, as «condições e limites» dessa utilização pelas forças de segurança.


1. No que concerne à utilização de cães de intervenção táctica a mesma tem fundamento legal, nomeadamente, na Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, resultando a sua restante regulamentação de normas de cariz interno, por conseguinte despidas de eficácia externa, como são os despachos e as normas de execução permanente das respectivas cadeias hierárquicas.

É certo que nenhum comando legal, para além do referido, consagra expressamente a possibilidade de utilização de cães, em operações policiais, para aplicação de medidas de polícia.

Porém, admitindo a classificação dos meios coercivos de utilização policial como de baixa e de elevada potencialidade letal, emerge, no âmbito destas últimas, as mais gravosas, a utilização de armas de fogo que, dada a sua perigosidade, mereceram, inclusive, a edição de legislação avulsa, no caso o Decreto-Lei n.º 457/99, de 5 de Novembro, aplicável «às situações de recurso a arma de fogo em acção policial», por força do n.º 1 do seu artigo 1.º.

Anote-se que a Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, que aprovou o novo regime jurídico das armas e suas munições define «”[e]quipamentos, meios militares e material de guerra” os equipamentos, armas, engenhos, instrumentos, produtos ou substâncias fabricados para fins militares e utilizados pelas Forças Armadas e forças e serviços de segurança» [alínea h) do n.º 5 do artigo 2.º], classificando como armas, munições e acessórios da classe A «[o]s equipamentos, meios militares e material de guerra» [alínea a) do n.º 2 do artigo 3.º], mas excluindo as actividades relativas a armas e munições destinadas às Forças Armadas, às forças dos serviços de segurança, etc., do âmbito da sua aplicação (artigo 1.º, n.º 2).

Já no que concerne a algumas das armas ou meios coercivos consideradas na NEP da PSP[54] como de baixa potencialidade letal, como sejam gases neutralizantes[55], armas ou dispositivos eléctricos imobilizantes ou atordoantes[56], munições menos letais, dispositivos Flash Bang, canhões de água, canídeos e sistemas de imobilização de veículos em fuga, exceptuando algemas e bastões, não existe normação ordinária que as preveja, resultando a permissividade, ponderação e legalidade da sua utilização das normas que regulam a actividade das respectivas polícias, v. g. os artigos 21.º, n.º 1, 22.º, e 30.º, da LOGNR e n.os 1, 3, 4 e 5 do artigo 4.º da LOFPSP.

No que concerne à GNR, os normativos acabados de recensear estabelecem, respectivamente, que «[o]s militares da Guarda, no cumprimento das suas missões, utilizam o armamento que lhes for distribuído», «(...) têm direito à detenção, uso e porte de armas de qualquer natureza, sendo, no entanto, obrigados ao seu manifesto quando sejam de sua propriedade», e «[n]os termos e limites da lei, os militares da Guarda podem fazer uso dos meios coercivos de que dispõem (...)».

Por sua vez, na LOFPSP, os n.os 1, 3, 4 e 5 do artigo 4.º, estabelecem, respectivamente, que «[n]o âmbito das suas atribuições, a PSP utiliza as medidas de polícia legalmente previstas, e aplicáveis nas condições e termos da Constituição e da lei, não podendo impor restrições ou fazer uso dos meios de coerção para além do estritamente necessário (...)», «[o]s meios coercivos só poderão ser utilizados (...)», «[a] PSP pode utilizar armas de qualquer modelo e calibre» e que «[o] recurso à utilização de armas de fogo é regulado em diploma específico», o que, visto o texto constitucional, traduz suficiência para conferir legalidade à utilização de armas e outros meios coercíveis pelas polícias, como, no que ora releva, é o caso da utilização de canídeos.

No âmbito da hermenêutica jurídica resta acrescentar que, se as armas de fogo podem ser utilizadas, em situações excepcionais, pelas forças policiais em acções policiais, entendidas estas como as que forem desenvolvidas pelas entidades e agentes nos casos previstos no Decreto-Lei n.º 457/99, de 5 de Novembro, no exercício das funções que legalmente lhe estiverem cometidas (cfr. artigo 1.º, n.º 2, do mesmo diploma)[57], afigura-se-nos que também as armas ou outros meios coercivos de menor potencialidade letal poderão ser utilizadas nas mesmas intervenções e noutras de menor gravosidade. Na verdade, não seria razoável que as polícias, em determinadas situações, pudessem utilizar armas de fogo e não pudessem utilizar outro tipo de armamento ou outros meios de coacção menos gravosos, como é o caso dos canídeos.

No entanto, deverá anotar-se que os canídeos poderão produzir danos tão lesivos como os das armas de fogo, o que deverá implicar a existência de normas concretas que previnam a sua utilização abusiva.

Podemos, então, concluir que, embora nenhuma disposição legal o consagre expressamente, a utilização de cães de intervenção táctica pelas polícias tem apoio legal, por caber no sentido abrangente de «meios coercivos» de que dispõem as mesmas polícias, previstos nas correspondentes normas das respectivas leis orgânicas, v. g., os artigos 30.º da LOGNR, e 4.º, n.º 1, parte final, e n.º 3, da LOFPSP.


2. Quanto às «condições» e «limites» da utilização de canídeos pelas forças de segurança na perseguição de indivíduos especialmente perigosos, os elementos legais e doutrinais que fomos coligindo ao longo do parecer permitem-nos já responder ao questionado.

2.1. No que concerne às «condições», a actividade em apreço deverá circunscrever-se sempre ao binómio cinotécnico policial, ou seja, à utilização de cães acompanhados por tratadores.

À semelhança do que vem previsto para o uso de armas de fogo, a utilização de canídeos pelas polícias deverá pautar-se sempre pelo respeito aos princípios da igualdade, proporcionalidade, necessidade, justiça, imparcialidade e da boa fé.

Por outro lado, o agente policial deverá a utilizar a força, no caso o canídeo, apenas quando tal se afigure necessário e na medida exigida para o cumprimento do dever.

Na mesma actuação, o agente policial, enquanto integrante do binómio cinotécnico, deverá respeitar os direitos, liberdades e garantias constitucionalmente previstos para os cidadãos.

Consequentemente, o quadro normativo interno, mesmo na perseguição de indivíduos especialmente perigosos, suscita reservas que o canídeo, dada a sua irracionalidade, actue isolada e autonomamente, podendo tornar-se desproporcionado e excessivo que, em algum momento, seja largado pelo tratador, ressalvando-se uma hipotética situação de legítima defesa na eventualidade de ocorrer perigo de vida ou da integridade física do agente ou de terceiros[58].

2.2. No que concerne às operações policiais de «manutenção ou reposição da ordem pública»[59], revertendo para o explicitado no ponto anterior, entendemos que também o uso da trela deverá ser permanente, não devendo o tratador permitir a aproximação excessiva do canídeo aos «manifestantes», quedando-se a sua utilização pelo efeito fortemente dissuasor ou persuasor, já que, de outro modo, a intervenção poderá tornar- -se excessiva e desproporcionada, com eventuais consequências danosas em terceiros.

Na verdade, localizando-nos, por exemplo, perante uma alteração da ordem pública consubstanciada numa manifestação violenta ou hostil, onde a exaltação, o descontrolo e a altercação são habituais, os cães, para além da utilização de outros meios coercivos menos gravosos e antes da utilização de outros mais gravosos, poderão servir como medida de controlo, impedindo o avanço ou provocando o recuo dos manifestantes.

Mas, convém acentuá-lo de novo, a utilização dos cães neste tipo de intervenção deverá ser sempre controlada, de modo a evitar que provoquem danos desproporcionados e (ou) excessivos.


3. Fixemo-nos, por fim, mais concretamente, nos «limites» da utilização de cães de intervenção táctica.

Tais limites serão, em primeiro lugar, os previstos na Constituição, no âmbito dos direitos e deveres fundamentais. Nomeadamente, sublinharemos os artigos 13.º (Princípio da igualdade), 21.º (Direito de resistência), 25.º (Direito à integridade pessoal), 27.º (Direito à liberdade e à segurança), 45.º (Direito de reunião e de manifestação).

Em segundo lugar, no âmbito da Lei de Segurança Interna, não será despiciendo salientar o n.º 3 do artigo 2.º, ao dispor que a prevenção dos crimes só pode fazer-se com observância das regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Em terceiro lugar, no âmbito do Código Deontológico do Serviço Policial, deve salientar-se o respeito pelos Direitos Fundamentais da pessoa humana e, em especial o dever de, em quaisquer circunstâncias, não infligirem, instigarem ou tolerarem actos cruéis, desumanos ou degradantes (artigo 3.º), que correspondem a um conjunto de situações que a utilização de canídeos poderia facilitar. Ainda no âmbito deste Código, no que concerne concretamente a meios coercivos adequados à reposição da legalidade e da ordem, segurança e tranquilidade públicas, os mesmos só deverão ser utilizados quando se mostrem indispensáveis, necessários e suficientes ao bom cumprimento das respectivas funções e só quando estejam esgotados os meios de persuasão e diálogo (artigo 8.º).

3.1. Sobre esta matéria, convém salientar que a utilização desproporcionada e excessiva dos canídeos pelos respectivos tratadores, da qual resultem ofensas em terceiros, para além de eventual responsabilidade disciplinar, poderá implicar a prática, entre outros, inclusive mais gravosos, de crimes como os dos artigos 143.º (Ofensas à integridade física simples) e 144.º (Ofensa à integridade física graves), na medida em que o animal poderá ter sido usado como instrumento de agressão.

De qualquer modo, por um lado, a verificarem-se factos constitutivos de crime ou infracção disciplinar, o agente poderá sempre beneficiar de causas de exclusão da ilicitude, que afastem a punibilidade do facto, se ocorrer causa justificativa.

A exclusão da ilicitude vem prevista no artigo 31.º do Código Penal, nomeadamente se o facto tiver sido praticado em legítima defesa, no exercício de um direito, no cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima da autoridade, ou com o consentimento do interesse do titular do interesse jurídico tutelado.

Por outro lado, poderá também ser excluída a culpa do agente nas previsões dos artigos 16.º, se se verificar erro sobre as circunstâncias do facto, e 17.º, se houver erro sobre a ilicitude, não sendo também despiciendo referir os casos de excesso de legítima defesa, de estado de necessidade desculpante e de obediência indevida desculpante, dos artigos 33.º, 35.º e 37.º, todos do Código Penal.

VIII
Referimos oportunamente, a propósito da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a necessidade de elaboração de um quadro legislativo com eficácia externa, que regule de forma adequada o uso de meios coercivos a utilizar pelas polícias, nomeadamente, no que ora releva, quanto à utilização de canídeos[60].

Uma tal providência normativa, adequada à ordem jurídica interna e aos comandos constitucionais conexos, poderá acolher muitos dos princípios que fundamentaram a edição do diploma que regula o recurso às armas de fogo em operações policiais, e, também, parte das regras que hoje em dia, embora internamente, regulam a matéria do uso de meios coercivos no âmbito das polícias.

Por um lado, remetendo para o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 457/99, de 5 de Novembro, relativo ao uso de armas de fogo pelas polícias, lembrámos, por exemplo, o respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da necessidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé, a que acresce o dever de a força ser empregue apenas quando tal se afigure necessário e na medida exigida para o cumprimento do dever.

Lembrámos, também, a necessidade de explicitar e desenvolver condicionantes ao uso de canídeos que tenham em consideração aos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente previstos, enfatizando especialmente a salvaguarda da vida humana até ao extremo possível, através da concretização de exigências acrescidas e mais restritivas do uso do aludido meio coercivo contra as pessoas.

Pertinente será, ainda, que o próprio agente policial, na acção policial, beneficie de um quadro mais claro de procedimentos, que lhe facilite em cada momento crítico a adopção do comportamento mais adequado ao desempenho da sua missão.

Por outro lado, não será despiciendo acrescentar que as normas internas que presentemente disciplinam a utilização de meios coercivos, nomeadamente, no caso, de canídeos pela GNR e pela PSP (despachos e NEP’s), dada a sua minúcia e pormenorização, poderão também servir como referência para a elaboração de necessária normação externa. Nesse conspecto, recordámos aspectos positivos, embora necessitados de maior clarificação e rigor, como os da classificação dos meios coercivos em baixa e alta potencialidade letal, os da discriminação das diversas missões e operações, e os dos procedimentos de utilização dos aludidos meios. Porém, outros modos de actuação deverão merecer excepcional cautela e ponderação, como, é o caso de o tratador, em determinadas situações, poder largar o cão, uma medida que, à partida, poderá ser incompatível com a vinculação aos princípios anteriormente referidos e ao respeito pela salvaguarda dos direitos fundamentais dos cidadãos.

Em suma, apesar de, com a legislação existente, se nos afigurar legítima a utilização de canídeos pelas forças policiais, somos levados a concluir que haverá toda a conveniência na ponderação de necessária clarificação, através de adequado enquadramento legislativo.

IX

Em face do exposto formulam-se as seguintes conclusões:

1.ª – Nos termos da Constituição da República Portuguesa, a polícia tem por funções defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos, remetendo-se para a lei a tipificação das medidas de polícia, que não devem ser utilizadas para além do estritamente necessário (artigo 272.º, n.os 1 e 2);

2.ª – A prevenção dos crimes, incluindo a dos crimes contra a segurança do Estado, só pode fazer-se com observância das regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos (artigo 272.º, n.º 3);

3.ª – A Constituição apenas consagra que a lei fixe o regime das forças de segurança, não exigindo que sejam tipificados os meios coercivos que utilizem na aplicação das medidas de polícia (artigo 272.º, n.º 4);

4.ª – A lei ordinária – Decreto-Lei n.º 457/99, de 5 de Novembro – só tipifica e regula autonomamente como meio coercivo a utilizar pelas forças de segurança na aplicação das medidas de polícia as situações de recurso às armas de fogo em acções policiais;

5.ª – O uso da força, nomeadamente através da utilização pelos agentes policiais de cães de intervenção táctica em operações policiais da competência da GNR e da PSP (binómio cinotécnico policial), na captura de criminosos especialmente perigosos e na manutenção ou reposição da ordem pública, encontra fundamento legal nas respectivas leis orgânicas (artigos 30.º da LOGNR, e 4.º da LOFPSP);

6.ª – A utilização de cães de intervenção táctica pelas forças policiais na captura de criminosos especialmente perigosos e na manutenção da ordem pública, deve, em qualquer caso, salvaguardar o princípio da dignidade humana e os direitos fundamentais dos cidadãos, e pautar-se pelo respeito dos princípios da necessidade, da exigibilidade e da proporcionalidade.




[1] Cfr. ofício datado de 27 de Novembro de 2006, entrado nesta Procuradoria-Geral da República no dia 30 seguinte.
[2] Parecer n.º 410-G/06, de 27 de Junho de 2006.
[3] Cfr. estudo intitulado «A origem do Cão», no site da GNR, no qual se pode ler que «o treino dos cães na Guarda Nacional Republicana baseia-se na transformação do trabalho numa brincadeira disciplinada e resulta da interacção do animal com o seu tratador e na sua vontade constante de procurar, deste, aprovação e estímulo. Por exemplo, uma “boneca” impregnada do cheiro da substância a detectar. E este treino é efectuado simplesmente a partir da brincadeira que todos os cães quase instintivamente fazem do atira e busca. A primeira fase do treino é efectuada com o tratador brincando com o seu cão, atirando a boneca e fazendo com que este lha traga, inicialmente para perto, depois cada vez mais longe, até que a boneca é escondida e dada a indicação ao animal de que ela terá sido atirada pelo que deverá ser encontrada».
[4] Os vocábulos «cinotecnia» e «cinotécnica» não constam dos nossos mais recentes dicionários, v. g. os da Academia das Ciências e Houaiss.
[5] O n.º 2 do artigo 3.º deste Decreto-Lei estabelece que «[p]ara os cães dos serviços militares, militarizados ou policiais não é obrigatório o licenciamento, mas apenas o registo privativo interno sob responsabilidade desses serviços». Por sua vez, o n.º 2 do artigo 11.º, cuja epígrafe é «Obrigatoriedade do uso de coleira ou de peitoral» estabelece que «[o]s animais referidos no n.º 7 do artigo 17.º deste diploma legal deverão ser portadores de marcas ou sinais que permitam a sua fácil identificação», e o n.º 7 do artigo 17.º que «[o]s cães pertencentes às autoridades militares, militarizadas ou policiais e os encerrados em laboratórios e reservados a estudo estão dispensados de licença de detenção, posse e circulação».
[6] Anote-se que já o Decreto n.º 572/72, de 29 de Dezembro, que aprovou o Estatuto da Polícia de Segurança Pública de Moçambique, previa a existência de cães de polícia e um centro de instrução de cães de polícia.
[7] Realce da nossa autoria.
[8] Idem.
[9] Do qual foi facultado um exemplar à Procuradoria-Geral da República, a coberto do ofício n.º 9085, de 7 de Dezembro de 2006, do Chefe do Estado-Maior da Guarda Nacional Republicana.
[10] Manutenção da Ordem Pública.
[11] Publicado na Ordem de Serviço n.º 07 – da DN/PSP, de 3 de Abril de 2002.
[12] N.º OPSEG/DEPOP/01/05.
[13] Os elementos seguidamente seleccionados foram fornecidos pelo Gabinete de Documentação e Direito Comparado (ofício n.º 684/2006, de 21 de Dezembro de 2006), e serão objecto de tradução livre.
[14] Publicado em Gazz, UFF. 10 de Setembro de 1993, n.º 213.
[15] Matéria em que acompanharemos de perto, por vezes textualmente, o Parecer n.º 162/2003, de 27 de Março de 2003, publicado no Diário da República, II Série, n.º 74, de 27 de Março de 2003. Para um maior desenvolvimento do conceito de polícia, afigura-se--nos oportuna a consulta de Estudos de Direito de Polícia, 1.º Volume, Seminário de Direito Administrativo de 2001/2002, sob a regência de Jorge Miranda, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2003.
[16] Manual de Direito Administrativo, vol. II, 9.ª edição (Reimpressão), Livraria Almedina, Coimbra, 1980, p. 1150.
[17] Ob. cit., p. 1154. O mesmo Autor refere depois as polícias administrativas especiais, que «são actividades policiais que tem por objecto a observância e a defesa de determinados sectores da ordem jurídica, como sejam a saúde pública (polícia sanitária), a economia nacional (polícia económica), os transportes públicos (polícia de transportes), o uso dos meios de comunicação (polícia de viação), a prestação do trabalho (polícia do trabalho), etc.»
[18] Entrada «Polícia», em Dicionário Jurídico da Administração Pública, volume IV, Lisboa, 1994, p. 394; em sentido constitucional ou orgânico, segundo este Autor, polícia é «todo o serviço administrativo que, nos termos da lei, tenha como tarefa exclusiva ou predominante, o exercício de uma actividade policial» (loc. cit., p. 406).
x Ob. cit., pp. 1150-1153; sintetizamos neste passo, explanação constante do ponto III, 1, do Parecer do Conselho Consultivo n.º 9/96-B/Complementar, de 25 de Março de 1999 (Diário da República, II Série, n.º 24, de 29 de Janeiro de 2003); cfr. igualmente o Parecer n.º 95/2003, de 6 de Novembro de 2003, ponto V.1.»
x1 São de MARCELLO CAETANO, Manual..., cit., pág. 1153, as citações precedentes; do mesmo Autor, v., também, Princípios Fundamentais do Direito Administrativo, Reimpressão da edição Brasileira de 1977, 1.ª Reimpressão Português, Livraria Almedina, Coimbra, 1966, pp. 271-272.
x2 Loc. cit., p. 402.
[19] Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, p. 955.
[20] Idem.
[21] Loc. cit. p. 402.
[22] Parecer n.º 9/96-A/Complementar, de 2 de Dezembro de 1998, Diário da República, II Série, n.º 1, de 3 de Janeiro de 2000.
[23] Idem, pp. 955-956.
[24] Idem, p. 956.
[25] Idem, pp. 956-957.
[26] O artigo 27.º da Constituição tem por epígrafe: «Direito à liberdade e à segurança», e o 28.º: «Prisão preventiva».
[27] Na anotação II ao artigo 25.º da Constituição..., p. 177, (Direito à integridade pessoal), presentemente na anotação III ao mesmo artigo, da 4.ª edição revista, volume I, 2007, p. 455 anotam GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, a p. 177, que «[e]ste direito vale, naturalmente, não apenas contra o Estado mas, igualmente, contra qualquer outra pessoa. No que respeita ao Estado (e aos poderes públicos em geral), são vários os planos em que ele é relevante: (a) no plano da legislação, não podendo a lei penal determinar qualquer pena cruel, degradante ou desumana (penas que eram comuns até às revoluções liberais); (b) no plano da investigação criminal, não sendo lícitas nem a tortura, nem nenhuma prática atentatória da integridade moral (v. g., administração de “soro da verdade”) ou física (agressões, etc.); (c) no plano das instituições prisionais, hospitalares e equiparadas, sendo vedados os tratamentos degradantes ou desumanos; (d) no plano das medidas de polícia, devendo estas evitar riscos desnecessários ou desproporcionados (cfr. art. 272.º-2) para a integridade física dos cidadãos (...)».
[28] Rectificada pela Declaração publicada no Diário da República, I Série, n.º 185, de 13 de Agosto de 1987, e complementada pelo Decreto-Lei n.º 61/88, de 27 de Fevereiro, que criou o Gabinete Coordenador de Segurança, o qual foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 149/2001, de 7 de Maio.
[29] Com a Rectificação n.º 138/93, de 31 de Julho, e alterado pelos Decretos-Leis n.os 298/94, de 24 de Novembro, 188/99, de 2 de Junho, e 15/2002, de 29 de Janeiro.
[30] Alterado pelos Decretos-Leis n.os 297/98, de 28 de Setembro, 188/99, de 2 de Junho, 119/2004, de 29 de Janeiro, 159/2005, de 20 de Setembro, com a Rectificação n.º 79/2005, de 7 de Novembro, e 216/2006, de 30 de Outubro.
[31] Como veremos infra (ponto V-7), apenas a utilização de armas de fogo (para além de algemas pela PSP e bastão e sabre pela GNR) resulta de lei específica, balizando-se a utilização dos restantes meios coercivos pelos princípios da necessidade e da proporcionalidade.
[32] Rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 6/99, Diário da República, I Série-A, de 16 de Fevereiro de 1999, e alterada pelo Decreto-Lei n.º 137/2002, de 16 de Maio de 2002.
[33] Outras medidas de polícia, para além das exemplificadas na norma em apreço, terão também que estar tipificadas, por força do artigo 272.º da Constituição.
[34] Cfr. Diário da República, I Série-B, de 28 de Fevereiro de 2002.
[35] Ratificada pela Lei n.º 65/78, de 16 de Junho.
[36] Ver, entre outros, o Acórdão de 30 de Novembro de 2004, Öneryildiz c. Turquia, (queixa n.º 48939/99), Recueil des Arrets et décisions, 2004-XII, pp. 1-78, § 89, reafirmando jurisprudência pacífica neste domínio.
[37] Ver, entre outros, o Acórdão de 26 de Abril de 1979, Sunday Times c. Reino Unido, Recueil..., n.º 30, § 47.
[38] Ver, entre outros, o Acórdão de 24 de Abril de 1990, Kruslin c. França, Recueil..., 176-A, § 29.
[39] Cfr. Acórdão de 20 de Maio de 1999, Ogur c. Turquia, Recueil..., 1999-III, § 78.
[40] MICHELE DE SALVIA, Compendium de la CDHE, vol. I – Jurisprudence 1960 à 1962, Editions N. P. Engel – Kehl – Strasbourg – Arlington Va., 2003, p. 76, afirma: «La préparation et la conduite d’operations de maintien de lórdre, au cours desquelles les forces armées ou la police sont obligées de faire usage d’une force qui peut se révéler meurtiére, font l’object d’un examen scrupuleux. Ainsi, en ce qui concerne des affrontements entre forces de l’ordre et opposants armés, les agents de l’Etat, en choisissant les moyens et les méthodes a employer ; se doivent de prendre toutes les précautions nécessaires afin d’éviter de provoquer accidentellement la mort de civils, ou a tout le moins de réduire ce risque».
[41] Ver, supra, ponto II.2, Manual aprovado por Despacho do General Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana, de 1 de Julho de 1997, 4. Missões a atribuir às Equipas Cinotécnicas: b. Características das Missões: (4) Missões de Manutenção e Ordem Pública (MOP).
[42] Cfr. n.º 2, alínea b), da Norma de Execução Permanente OPSEG/DEPOP/01/05, supra ponto III.3.4.
[43] Adoptados pelo Oitavo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, realizado em Havana, Cuba, de 27 de Agosto a 7 de Setembro de 1990, disponíveis no site Internet http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhuniversais/dhaj-pcjp-20.html.
[44] Regulamentos internos são aqueles em que a sua eficácia se esgota no seio da própria instituição, sem se repercutir para o exterior, tendo uma eficácia unilateral. Sobre esta matéria, ver, por todos, FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, com a colaboração de Lino Torgal, Vol. II, Livraria Almedina, Coimbra, 2003, pp. 163-166, e 176-177.
[45] Anote-se que a Portaria n.º 972/98, de 16 de Novembro, estabelece normas relativas à utilização de canídeos pelas entidades de segurança privada, sendo que neste caso os animais, enquanto meio complementar de segurança privada, são, necessariamente, acompanhados por pessoal de vigilância, e devem ser conduzidos à trela e usar açaime funcional devidamente colocado (artigo 2.º).
[46] GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., p. 956.
[47] Manual de Policia Judicial, Ministério de Justicia, Secretaria General Técnica, Centro de Publicaciones, Madrid, 1987, pp. 111-112, em tradução livre.
[48] Cfr. o já referido Decreto-Lei n.º 457/99, de 5 de Novembro, que aprovou o regime de utilização de armas de fogo e explosivos pelas forças e serviços de segurança. Por sua vez, a Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, aprovou o novo regime jurídico das armas e suas munições, a qual, por força do n.º 2 do artigo 1.º, excluiu do seu âmbito de aplicação «as actividades relativas a armas e munições destinadas às Forças Armadas, às forças e serviços de segurança, bem como a outros serviços públicos cuja lei expressamente as exclua, bem como aquelas que se destinem exclusivamente a fins militares».
[49] GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob.cit., p. 956.
[50] Sobre este princípio, no direito comparado, ver VITALINO CANAS, «O princípio da proibição do excesso na Constituição: arqueologia e aplicações», Perspectivas Constitucionais – Nos 20 anos da Constituição de 1976, organização de JORGE MIRANDA, Coimbra Editora, 1977, pp. 323-357.
[51] Com a colaboração de LINO TORGAL, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Livraria Almedina, Coimbra, 2003pp. 127 e seguintes.
[52] Princípio da proporcionalidade, DJAP, VI, Lisboa, 1996, p. 128. [53] Direito Administrativo Geral, Introdução e princípios fundamentais, Tomo I, Dom Quixote, Lisboa, 2004, pp. 207-209.
[54] Cfr. pp. 15-22, e concretamente a pp. 18-19.
[55] Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, diploma do qual são excluídas «as forças e serviços de segurança», «aerossol de defesa» é um tipo de arma entendido como «todo o contentor portátil de gases comprimidos cujo destino seja unicamente o de produzir descargas de gases momentaneamente neutralizantes da capacidade agressora».
[56] No diploma referido na nota anterior, alínea n) do n.º 1 do artigo 1.º, «arma eléctrica» é um tipo de arma entendido como «todo o sistema portátil alimentado por força energética e destinado unicamente a produzir descarga eléctrica momentaneamente neutralizante da capacidade motora humana».
[57] O artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 457/99, de 5 de Novembro, tem por epígrafe e define os «Princípios da necessidade e da proporcionalidade» e o artigo 3.º estabelece os casos em que pode recorrer-se às armas de fogo, explicitando a captura ou fuga de pessoas suspeitas em determinadas condições, a prisão de pessoas evadidas, a manutenção da ordem pública, etc.
[58] Anote-se o cariz por ventura permissivo e desproporcionado das normas da NEP da PSP transcritas a p. 21, alíneas 3) e 4), ao preverem que «[n]o decurso de acções policiais, o cão policial apenas pode ser solto no âmbito de perseguições ou buscas dirigidas a pessoas evadidas, e a suspeitos da prática de crimes a que corresponda uma pena máxima superior a 3 anos de prisão, no interior de edifícios ou em espaços abertos», apesar de «[n]os casos em que o cão policial seja solto, o tratador ou outros elementos policiais deve[rem] acompanhar de perto as acções do mesmo».
[59] Segundo JOSÉ FERREIRA DE OLIVEIRA, A Manutenção da Ordem Pública em Portugal, ISCPSI, 2000, p. 13, a ordem pública consiste no «conjunto das condições externas necessárias ao regular funcionamento das instituições e ao pleno exercício do s direitos individuais».
[60] Cfr. Ponto IV-9.1.