Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00003176
Parecer: P000302011
Nº do Documento: PPA04122014003000
Descritores: ASSOCIAÇÃO DE EMPREGADORES
ASSOCIAÇÃO PATRONAL
DIREITOS DAS ASSOCIAÇÕES
FINS DA ASSOCIAÇÃO
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
CARÁCTER ECONÓMICO E SOCIAL
INTERVENÇÃO NO MERCADO
ACTIVIDADE ECONÓMICA
DEFESA DA CONCORRÊNCIA
Área Temática:DIR ADM * ADM PUBL * ASSOC PUBL / DIR CIV * DIR TRAB*
Ref. Pareceres:P000082006Parecer: P000082006
Legislação:CCIVIL ART158-A, ART160, ART182, ART280; DL 215-C/75 DE 1975/04/30 ART5 N2; L 99/2003 DE 2003/08/27 ART506 A ART523; L 7/2009 DE 2009/02/12 ART440, ART441, ART443, ART445; DL 329-B/74 DE 1974/07/10; DL 443/74 DE 1974/09/12; DL 23049 DE 23/09; DL 695/74 DE 1974/12/05; L 18/2003 DE 2003/06/11 ART1, ART2, ART4, ART5, ART6, ART8; DL 219/2006 DE 2006/11/02; DL 18/2008 DE 2008/01/29; L 52/2008 DE 2008/08/28; L 46/2011 DE 2011/06/24; L 19/2012 DE 2012/05/08 ART3, ART9, ART10, ART11, ART36; DL 307/2007 DE 2007/08/31 ART16
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:AC TRL DE 9/06/1996 REC 3248; AC STJ DE 15/10/1996 P 96B244; AC TRP DE 28/02/2005 P 550484
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1.ª – As associações de empregadores, anteriormente designadas associações patronais, agregam os empresários, enquanto empregadores, com a função primordial de defesa e promoção dos seus interesses profissionais e atuando como interlocutores das associações sindicais na dialética do trabalho;

2.ª – A regulação das associações patronais, após abril de 1974, quis romper com o modelo dos grémios do regime corporativo, erradicando os poderes para disciplinar e regular o mercado, bem como de atividade económica;

3.ª – Com efeito, as funções de representação cometidas às associações de empregadores são incompatíveis com o seu papel de empresário, que implica interesses próprios, sejam da mesma natureza dos seus associados, sejam diferentes;

4.ª – Por força do disposto no n.º 3 do artigo 443.º do Código do Trabalho, é proibido às associações de empregadores produzirem ou comercializarem bens ou serviços ou de qualquer modo intervir no mercado, sem prejuízo do direito de prestarem serviços aos seus associados;

5.ª – Assim, decorre da interpretação conjugada do n.º 3 e da alínea b) do n.º 1 do artigo 443.º do Código do Trabalho que:

i) A prestação de serviços só se pode dirigir aos próprios associados, estando vedada a prestação de serviços a terceiros;
ii) Os serviços têm de ter, simultaneamente, caráter económico e social;
iii) A atividade da associação de empregadores não pode traduzir-se nunca numa atividade empresarial, designadamente, produzindo ou comercializando bens ou serviços no domínio da própria atividade económica dos seus associados, ou a montante ou a jusante dessa atividade;

6.ª – Não é, pois, admissível, ao invés do que acontece, em princípio, com as associações em geral, às associações de empregadores prosseguirem atividades económicas com vista à obtenção de fundos para a prossecução dos seus fins;

7.ª – Os serviços a prestar pelas associações de empregadores, direta ou indiretamente, aos seus associados têm, portanto, de ter interesse económico e repercussão social, estando, ainda, em causa, o apoio que aquelas associações profissionais, podem/devem fornecer aos seus associados;

8.ª – Mas os serviços referidos na conclusão anterior podem traduzir-se em serviços vários, como sejam, serviços jurídicos ou serviços de formação e informação;

9.ª – As participações de associações de empregadores em sociedades comerciais com atividade no mercado em geral são ilícitas por violação da proibição constante do referido n.º 3 do artigo 443.º do Código do Trabalho.

Texto Integral:

Senhora Procuradora-Geral da República ,
Excelência:






I

Determinou o antecessor de Vossa Excelência a emissão de parecer pelo Conselho Consultivo sobre a questão colocada pelo então Procurador da República Coordenador das Varas e Juízos Cíveis de Lisboa relativamente a eventual desatualização de anterior Parecer (P.8/2006, de 13 de julho de 2006) – legalidade da atuação da Associação Nacional de Farmácias.

Cumpre, pois, emitir o parecer.


II

1. Com vista ao adequado enquadramento da consulta, importa fazer referência ao despacho proferido no Processo Administrativo n.º 781/2009 B da Procuradoria da República de Lisboa – Varas e Juízos Cíveis, que esteve na base do pedido da presente consulta.

Ali, começa-se por referir:

«O Processo Administrativo teve origem nas participações formalizadas pelo INFARMED e pela APIFARMA e destina-se a apreciar a legalidade da atuação da Associação Nacional de Farmácias (ANF) ao alargar a sua esfera de atuação a outras atividades de natureza empresarial.
Concretamente, está em apreciação a eventual ilicitude decorrente do facto de ter passado a ser proprietária e/ou a deter participações sociais em diversas empresas ou sociedades gestoras de participações sociais e/ou em sociedades que oferecem os seus serviços no mercado designadamente, a participação social detida pela ANF na “Glintt-Global Intelligent Technologies, SGPS, S.A.” que, nos termos da comunicação oportunamente feita à CMVM, ascendia a 49,94% do capital social, por intermédio das sociedades “Farminveste, SGPS, Lda” e “Farminveste, S.A.”.
Está também em causa a apreciação da eventual ilicitude das participações detidas pela ANF noutras empresas no grupo Glintt, designadamente na “Glintt – Business Solutions, Lda” e na “Glintt – Business Process Outsourcing, S.A.”, bem como nas empresas “Almus, Lda”, “Alliance Healthcare Participações, SGPS, Unipessoal, Lda” e “Alliance Healthcare, S.A.”.
Segundo o entendimento perfilhado pelos participantes – o INFARMED e a APIFARMA – , a participação, porventura ilícita, da ANF no capital social de outras sociedades comerciais, pode constituir fundamento de dissolução da associação, por prossecução dos fins por meios ilícitos e por violação da ordem pública (cfr. art.º 182.°, n.º 2, alíneas c) e d), do Código Civil), ou pode constituir fundamento para ser formulado um eventual pedido de exclusão dos sócios cujas participações sejam imputáveis à ANF, ao abrigo do disposto no art.º 172.° do Código das Sociedades Comerciais, visando a obtenção de uma decisão pelo tribunal que decrete essa exclusão e a consequente condenação das sociedades comerciais em causa a amortizar, adquirir ou a fazer adquirir tais participações, sob pena de dissoIução».

E após aludir-se, designadamente, ao recorte evolutivo da norma relativa aos direitos e/ou atribuições das associações de empregadores e bem assim às diferentes interpretações defendidas pela doutrina e pela jurisprudência, sugerindo-se a emissão de novo parecer por este órgão consultivo, são elaboradas as seguintes questões:

«1) A proibição prevista no corpo do art.° 443.°, n.º 3, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, de não poder dedicar-se à produção ou comercialização de bens ou serviços ou de qualquer modo intervir no mercado deve cessar quando o objetivo da atuação das associações de empregadores seja o de prestar serviços económico ou sociais aos seus associados?
2) O que deve ser entendido como prestação de serviços económico e sociais aos associados? Os serviços económicos e sociais a prestar aos associados podem ser alternativos ou, pelo contrário, devem revestir, simultaneamente, caráter económico e matriz social?
3) A expressão contida na lei atualmente em vigor – prestação de serviços económico e sociais aos associados – deve ser interpretada no sentido de abranger apenas e só a prestação de serviços diretamente aos associados, por exemplo, jurídicos ou a mera prestação de informações fiscais, económicas, estudos de mercado…ou pode envolver a própria atuação no mercado por intermédio de sociedades criadas ou participadas pelas associações de empregadores, desde que essa atuação seja norteada com o objetivo último de proporcionar benefícios económicos e sociais aos associados?
4) Em face do novo quadro legislativo é lícito às associações de empregadores poder exercer outras atividades instrumentais, atuando genericamente no mercado, produzindo ou comercializando bens e serviços a terceiros e não apenas aos seus associados – por intermédio de sociedades criadas ou por elas participadas – com o objetivo de obter benefícios económicos adicionais, mesmo sob a forma de distribuição de lucros ou de dividendos, que posteriormente poderão ser afetos à satisfação dos fins das associações?
5) Na afirmativa, a criação de sociedades ou a detenção de participações sociais pelas associações de empregadores deve ser limitada a sociedades cujo objeto seja próximo, afim ou conexo com o das associações de empregadores e dos seus associados ou, pelo contrário, podem as associações de empregadores também criar ou deter participações em sociedades cujo objeto seja estranho ao da sua atividade, desde que o objetivo último seja o de colher proventos económicos para posteriormente os afetar à satisfação dos fins da associação e dos seus associados?
6) Podem as associações de empregadores criar ou deter participações sociais em sociedades gestoras de participações sociais?
7) Caso as associações de empregadores possam criar ou participar no capital social de sociedades comerciais que atuem genericamente no mercado, produzindo ou comercializando bens ou serviços a terceiros, e não apenas aos seus associados, quais os limites a essa intervenção em face do novo quadro legislativo? Os limites devem ser aferidos em função da proporção do valor da participação? Na afirmativa, deve a participação no capital social ser limitada a um valor mínimo, insuficiente para determinar o sentido da gestão empresarial e impedir a manipulação das regras da concorrência, por exemplo, inferior a 50%, ou pode a participação social das associações de empregadores ser mesmo superior a esse valor?
8) Se a detenção do capital social permitida for inferior a 50%, como apreciar a licitude da atuação das associações de empregadores em sociedades cujo capital esteja dividido por um grande número de sócios e acionistas, quando é certo que a determinação do sentido da gestão empresarial pode ser assegurado, nesses casos, por uma participação social inferior a 50%? E como apreciar a licitude da participação das associações de empregadores quando estas detenham capital social em sociedades comerciais anónimas, não admitidas à negociação nos mercados, e com ações ao portador, não registadas?»

Este é, portanto, o objeto do parecer.


2. Cabe também atentar nas participações mencionadas naquele despacho[1].


2.1. Assim, a APIFARMA – Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (doravante APIFARMA) expressa a sua apreensão face ao aprofundamento e ao alargamento das atividades empresariais que a ANF tem vindo a desenvolver através do vasto número de sociedades por si controladas e, com maior gravidade, a atividade no âmbito da produção, da importação e da comercialização de medicamentos genéricos, nomeadamente através da sociedade Almus[2].

E, remetendo para o parecer de Vital Moreira, faz um sucinto realce de algumas das suas conclusões:

«a. As associações de empregadores estão impedidas de “participar, direta ou indiretamente, em atividades económicas que vão para além da estrita prestação de serviços aos seus associados (e somente a eles), não podendo designadamente dedicar-se à produção para o mercado, designadamente à produção, importação ou distribuição dos produtos comercializados pelos estabelecimentos associados, nem tampouco o podendo fazer por intermédio de empresas por si detidas ou participadas”.

b. As associações de empregadores apenas podem prestar serviços aos seus associados “mas não entrar na produção e fornecimento dos próprios bens ou serviços que constituem o objeto da atividade destes. As associações de empregadores só podem prestar serviços aos seus associados, estando-lhe vedada a prestação de serviços a terceiros, ou seja, ficando excluída a transformação dessa atividade de prestação de serviços numa atividade empresarial…” .

c. “A proibição de intervenção no mercado, no sentido por nós defendido, visa evitar que as associações de empregadores possam dar uso à privilegiada posição que dispõem junto dos seus associados no sentido de obter vantagens patrimoniais para a atividade empresarial que prossigam em situação de privilégio face às demais empresas que operem nesse setor de atividade; noutra perspetiva, a proibição de intervenção no mercado visa ainda evitar que as associações de empregadores, juntamente com os seus associados, pratiquem atos restritivos ou de distorção da concorrência”.

d. “A extensa lista de atividades empresariais a que a ANF se dedica por via das múltiplas sociedades que criou ou em que participa, permite concluir pela ilegalidade de tal atuação, por força da incompatibilidade de funções inerente à proibição de exercício de atividades económicas e de intervenção de mercado legalmente imposta, já que não é conciliável, e por isso a lei o proíbe, a defesa dos interesses dos seus associados, com a defesa dos interesses de principal acionista da empresa em que se participa”».

Requer, pois, a APIFARMA que sejam desencadeados «os mecanismos judiciais tendentes à condenação da ANF a abster-se de violar – em rigor, de continuar a violar – as leis democraticamente aprovadas, bem como outros mecanismos legais, nomeadamente os previstos no artigo 182.º do Código Civil».

2.2. Por seu turno, o INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P. (doravante INFARMED) expõe a situação de ilícita participação pela ANF em sociedade gestora de participações sociais e, bem assim, em sociedades que oferecem os seus serviços ao mercado.

E explicita:

«Está em causa a legitimidade da participação social detida pela ANF na Glintt – Global Intelligent Technologies, SGPS, S.A., que, nos termos de comunicação efetuada à CMVM no dia 9 de abril de 2010, ascendia a 49,94% do capital social, percentagem detida através da Farminveste, SGPS, Lda. e da Farminveste,S.A. Estão ainda em causa as participações ilicitamente detidas pela ANF noutras empresas do grupo Glintt, incluindo a Glint – Business Solutions, Lda. e a Glintt –Business Process Outsourcing, S.A.
A ilegalidade das referidas participações é clara.
A ANF é, como é sabido e resulta dos Estatutos, uma associação de empregadores, submetendo-se ao regime geral do Código do Trabalho, cujo artigo 443.º, n.º 3 proíbe a produção ou comercialização de bens ou serviços, bem como qualquer outra forma de intervenção no mercado, sem prejuízo da prestação de serviços com caráter económico e social aos seus associados. Ora, há muito que está assente que a participação (direta ou indireta) em sociedades fica abrangida, a não ser que se trate de sociedades que se limitam a prestar serviços de caráter económico e social aos associados apenas.
Sucede, não obstante, que o art. 6.°, al. q), dos Estatutos da ANF permite a esta associação “constituir ou fazer parte de sociedades, qualquer que seja a sua forma ou natureza, cuja atividade possa contribuir para uma mais eficaz prossecução dos fins da Associação”.
Como bem se vê, esta cláusula prevê um objeto contrário à lei e é, por isso, nula, nos termos do artigo 280.º do Código Civil. Recai, pois, sobre o Ministério Público o dever de pedir a declaração de nulidade nos termos do art.º 158.º - A do Código Civil.
Mas, para além da nulidade da cláusula dos Estatutos, verifica--se, presentemente, situação mais grave, consistente na efetiva e ilícita participação da ANF em sociedades que oferecem serviços e bens ao mercado nos termos gerais em que as sociedades comerciais o fazem. Está, assim, a ser violado o Código do Trabalho, que restringe, injuntivamente, o objeto das associações de empregadores. Com efeito, as sociedades participadas supra referidas não se limitam – bem longe disso – a oferecer bens e a prestar serviços aos associados da ANF, antes o fazendo ao mercado em geral. A ilegalidade é inequívoca.
Com efeito, nos termos típicos de uma sociedade gestora de participações sociais, o objeto da Glintt – Global Intelligent Technologies, SGPS, S.A. é a gestão de participações sociais como forma indireta de exercício da atividade económica.
Por sua vez, a Glintt – Business Solutions, Lda. tem como objeto, de acordo com os seus Estatutos (cláusula 2.ª),

a) a gestão e a prestação de serviços de assessoria e consultadoria informática, a prestação de serviços de consultadoria de gestão/organização e engenharia e manutenção de sistemas informáticos, arquitetura de sistemas de informação e comunicações, a prestação de serviços de desenvolvimento de software, bem como a importação, a exportação, representação, compra, venda e revenda, aluguer, distribuição e, bem assim, o comércio em geral, a prestação de serviços de instalação e a manutenção de equipamentos de informática, produtos de software, material ativo de comunicação, robótica, equipamento auxiliar de farmácia, equipamentos de segurança, mobiliário de farmácia, material de iluminação, cablagem e consumíveis de informática;
b) a prestação de serviços de consultoria em organização e gestão empresarial, merchadising e imagem corporativa e a prestação de serviços de formação, bem como a prestação de serviços de gestão, recrutamento, seleção e consultadoria de recursos humanos;
c) a gestão e realização de projetos de engenharia e de obras, a execução de projetos de construção, a prestação de serviços de arquitetura, a instalação de redes, manutenção de edifícios, bem como a execução de trabalhos de construção civil e fornecimentos a execuções de trabalhos de cablagem para eletricidade, dados e voz, a execução de trabalhos de instalação elétrica, a fiscalização de obras e sua manutenção, por conta própria ou por terceiros;
d) a prestação de serviços de segurança privada e atividades conexas, nomeadamente a exploração e gestão de centrais de receção e monitorização de alarmes, bem como a conceção, instalação, gestão e manutenção e exploração de sistemas de segurança”.

O objeto da Glintt – Business Process Outsourcing, S.A. é, por seu lado, a prestação de serviços técnicos de backoffice, assessoria, suporte e apoio logístico a atividades tecnológicas e de processamento e produção documental; fornecimento de serviços e know-how a empresas na área das novas tecnologias.
Assim, é evidente que a ANF, ao participar, de forma direta ou indireta, nestas sociedades, está a ultrapassar os limites legais ao seu objeto, havendo, pois, ilicitude dessa participação».

Assim, o INFARMED solicita a intervenção do Ministério Público, no sentido não só de pedir judicialmente a declaração de nulidade da cláusula dos estatutos da ANF, mas também, e sobretudo, de requerer judicialmente a exclusão da ANF ou das suas participadas das sociedades em que detém ilicitamente participações sociais em causa.


3. Entretanto a Autoridade da Concorrência havia também solicitado à Procuradoria-Geral da República a reapreciação da atividade da Associação Nacional das Farmácias através de ofício datado de 1 de julho de 2010 e que a seguir se reproduz:

«A Autoridade da Concorrência (AdC) criada pelo Decreto-Lei n.° 10/2003, de 18 de janeiro, tem por missão assegurar o cumprimento das regras da concorrência, no respeito pela economia de mercado e de livre concorrência, tendo em vista o funcionamento eficiente dos mercados, a repartição eficaz dos recursos e os interesses dos consumidores.
Neste contexto a AdC segue de perto os diversos mercados, com o propósito de garantir a existência de uma concorrência não falseada entre os vários agentes, em benefício do consumidor.
No âmbito do acompanhamento que tem vindo a desenvolver nos mercados da farmácia e do medicamento tem esta Autoridade sido confrontada, amiúde, com alegações de condutas ilícitas por parte da Associação Nacional das Farmácias (ANF). Com efeito, dos mais diversos quadrantes é reportado que aquela Associação, por si ou através das sociedades comerciais que direta ou indiretamente detém e que compõem o autodesignado “Universo ANF”, extravasa os limites da legalidade na sua atuação.
Em consequência, tem a Autoridade apreciado – em sede de controlo de operações de concentração de empresas e no âmbito de processos contraordenacionais – diversos comportamentos concretos imputados à ANF ou às empresas que integram o grupo económico que lidera.
Para além destas intervenções de cunho concreto, necessariamente limitadas no objeto, algumas preocupações relativas à atividade da ANF e respetivo enquadramento têm vindo a merecer um exame atento da AdC no âmbito dos seus poderes de supervisão e de regulamentação.
Neste contexto, recebeu a AdC, em 2009, um Parecer do Prof. Doutor Vital Moreira, emitido a pedido da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA), no qual é abordada uma matéria que tem suscitado problemas não apenas sob a ótica dos princípios e regras em que assenta uma economia de mercado e de concorrência não falseada, mas também a nível civil, laboral e, possivelmente constitucional (cf. Parecer em anexo).
Trata-se da matéria relativa à proibição das associações de empregadores se dedicarem à produção ou comercialização de bens ou serviços ou de qualquer modo intervirem no mercado, salva a prestação de serviços de caráter económico e social aos seus associados – constante, entre outras, das normas do artigo 443.º do Código do Trabalho (2009).
Não se ignora que o tema foi, no passado, objeto de tratamento jurisprudencial e do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República. Não obstante, atentos os desenvolvimentos factuais entretanto ocorridos, consubstanciados, entre outras circunstâncias, no reforço significativo da atividade empresarial da ANF em diversos segmentos de mercado, bem como as alterações legislativas operadas, entende-se poder ser necessária uma reapreciação do mesmo, com vista à clarificação da (i)legalidade da atuação daquela Associação no âmbito do quadro normativo mencionado.
Neste sentido, paralelamente à intervenção desta Autoridade, em desenvolvimento nos termos supra referidos, sujeita-se o assunto à consideração de V. Exa., para os efeitos tidos por convenientes, por se entender poder o mesmo enquadrar-se nas atribuições e competências da Procuradoria-Geral da República.
Naturalmente, fica a AdC disponível para toda a colaboração que possa revelar-se necessária, solicitando-se, em contrapartida, que seja comunicada a esta Autoridade a informação relativa a quaisquer desenvolvimentos relevantes que possam existir no tratamento da questão.»

E o pedido da Autoridade da Concorrência, após análise, em 10 de outubro de 2011, por parte do Gabinete de Sua Excelência o Procurador-Geral da República[3], viria posteriormente a ser junto ao dossiê relativo à presente consulta.


III


Antes de avançar, importa, ainda, dar conta de anteriores interpretações sobre a intervenção no mercado das associações de empregadores, em especial da ANF, e que se prendem justamente com a atuação do Ministério Público.


1.1. No que concerne à jurisprudência, então no domínio do Decreto-Lei n.º 215-C/75, de 30 de abril, o Tribunal da Relação de Lisboa entendeu no seu Acórdão de 9 de junho de 1996, proferido no recurso n.º 3248:

«I – A proibição do n.º 2 do art. 5.º do D-L 215-C/75 cessa sempre que as associações patronais ou as suas uniões, federações e confederações atuem com a finalidade de prestar serviços aos seus associados ainda que por intermédio de instituições que eles criem com esse objetivo.

II – Assim, não viola aquela proibição a disposição dos Estatutos da CIP segundo a qual passou a fazer parte do elenco das suas atribuições constituir ou fazer parte de quaisquer sociedades, qualquer que seja a sua forma ou natureza, no país ou no estrangeiro, cuja atividade possa contribuir para uma mais eficaz prossecução dos fins da Confederação.»[4]

E pode, designadamente, ler-se naquele acórdão:

«A questão que se coloca reconduz-se a saber se a alínea n) do n.° 1 do art. 4.º dos Estatutos da apelada contraria ou não o disposto no n.° 2 do art. 5.° do Dec-Lei n.° 215-C/75, de 30 de abril.
Está assente com interesse para a decisão que por deliberação tomada em assembleia geral da ré, realizada em 23/03/90, foram alterados os seus estatutos, tendo, para além do mais, sido aditada ao n.º 1 do art. 4.º a alínea n), nos termos do qual passou a fazer parte do elenco das suas atribuições “…constituir ou fazer parte de quaisquer sociedades, qualquer que seja a sua forma ou natureza, no país ou no estrangeiro, cuja atividade possa contribuir para uma mais eficaz prossecução dos fins da Confederação”.
Resulta do disposto no n.º 2 do art. 5.º do citado Dec-Lei n.º 215-C/75 que as associações patronais, suas uniões, federações e confederações não podem dedicar-se à produção ou comercialização de bens ou serviços ou de qualquer modo intervir no mercado, sem prejuízo do disposto na al. b) do número 1 do mesmo preceito.
Nesse normativo estabeleceu-se, em princípio, duas proibições quanto às associações patronais, suas uniões, federações e confederações:

a) A proibição de exercerem atividades industriais ou comerciais; e
b) A proibição de intervirem no mercado seja por que modo for.

A primeira proibição é uma emanação do chamado princípio da especialidade consagrado no n.°1 do art.º 160.º do C.Civil no sentido de que às pessoas coletivas – associações ou fundações – apenas lhe é licito praticar atos que se relacionem com a prossecução do fim ou fins para que se constituíram, sendo que os fins que as confederações e associações patronais podem prosseguir se encontrem fixados taxativamente no n.º 1 do referido art. 5.°, a saber: celebrar convenções coletivas de trabalho; prestar serviços aos seus associados ou criar instituições para esse efeito; e defender e promover a defesa dos direitos e interesses das entidades patronais representadas.
A “ratio” da segunda proibição é a de impedir que esses organismos – associações patronais e confederações usem o poder que lhes advém de representaram, em regra, um grande número de empresários para condicionarem ou manipularem o mercado violando ou distorcendo as regras da concorrência mediante, v.g. acordos que firmarem com produtores, armazenistas ou retalhistas fixado para os bens ou serviços preços superiores aos que alcançariam através do livre funcionamento do mercado; ou adotando medidas que dificultassem o crescimento de novas empresas.
Segundo o Ministério Público, a participação da ré em sociedades a constituir permite que esta intervenha no mercado de uma forma indireta em concorrência com outras sociedade, o que o legislador pretendeu evitar.
Carece de razão, a nosso ver.
Com efeito o n.º 2 do art.º 5.° ressalva expressamente o disposto na alínea b) do n.º 1 do mesmo preceito onde se estabelece que às associações patronais, suas uniões federações e confederações é lícito prestar serviços aos seus associados ou criar instituições para esse efeito.
VaIe isso por dizer que a proibição cessa sempre que elas atuem com a finalidade de prestar serviços aos seus associados ainda que por intermédio de instituições que elas criem com esse objetivo, cabendo no conceito genérico de “instituições” as sociedades; o que se não consente é que participem ou constituam sociedades que em atenção ao seu objeto não possam proporcionar benefício aos seus filiados.
Ora, o que a disposição estatutária posta em crise permite é que a ré constitua ou participe em sociedades cuja atividade possa contribuir para uma mais eficaz prossecução dos seus fins e, com consequência, para proporcionar benefícios aos seus associados.
Desta feita, do lançamento de novas iniciativas empresariais só poderão resultar vantagens para o regular funcionamento do mercado e da concorrência, em perfeita sintonia com a razão de ser do preceito em análise que atrás deixamos indicada.


1.2. Também, à luz do Decreto-Lei n.º 215-C/75, o Supremo Tribunal de Justiça no seu, já referido, Acórdão de 15 de outubro de 1996[5], prolatado no Processo n.º 96B244, considerou que «[u]ma associação patronal não está impedida de adquirir participações societárias, pelo menos quando respeitem a sociedades que, em atenção ao seu objeto, possam proporcionar benefícios aos seus associados»[6].

No caso, como se dá conta no aresto, o Ministério Público havia intentado no tribunal da Comarca de Lisboa (Tribunal Cível) ação declarativa ordinária contra «ANF – Associação Nacional das Farmácias», pedindo que fosse decretada a extinção da Ré, nos termos previstos no artigo 182.º, n.º 2, alínea c), do Código Civil, por esta prosseguir sistemática e reiteradamente o seu fim por meios ilícitos, e alegando, para o efeito, em resumo:

«Sendo a R. uma associação patronal, constituiu, com outros, duas sociedades anónimas denominadas «Farmindústria– Sociedade Produtora de Medicamentos, SA» e «Farmatrading– Produtos Farmacêuticos, Limitada», que têm por objeto social a produção e a comercialização – e outras atividades conexas com estas – de especialidades farmacêuticas e outros produtos vendidos a farmácias.
As duas mencionadas sociedades vêm exercendo atividade condizente com os respetivos objetos sociais, e a atividade que vem sendo desenvolvida pela associação patronal ora R. é ilegal, uma vez que infringe a norma imperativa constante do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 215-C/75, de 30 de abril, diploma este que define o Regime Jurídico das Associações Patronais.»

Ora, no Acórdão, que concluiu não existir violação daquele n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 215-C/75, pode ler-se, a dado passo:

«Como ressalta da redação da norma do n.º 2 do artigo 5.º, fixam-se nela duas proibições no que tange às associações patronais:
A primeira delas – a proibição de exercerem atividades industriais ou comerciais – resulta do princípio da especialidade, em virtude do qual as pessoas coletivas dispõem apenas de capacidade para a prática de atos que tenham relação com o seu fim estatutário, sendo certo que nos fins das associações patronais, referidos no n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 215-C/75, não figura o exercício de atividades industriais ou comerciais.
A segunda delas – a proibição de intervirem no mercado – tem como fim obstar a que as associações patronais usem o seu poder para, no interesse dos seus associados, condicionarem ou manipularem o mercado, violando assim as regras da concorrência.
ac) Através da matéria fáctica apurada, como bem se notou no Acórdão em apreço, não pode concluir-se que a ANF, ora recorrida, «por si e como tal», esteja a dedicar-se à produção ou à comercialização de bens ou serviços ou atue de maneira que acabe por intervir no mercado.
A crítica feita ao primeiro fundamento da decisão não é pertinente, porque advém do equívoco de a recorrida exercer a atividade de produção e comercialização de bens ou serviços pelo menos indiretamente, através das sociedades nos autos identificadas.
Ora não se vê que tal tenha acontecido ou esteja a acontecer, já que apenas se provou que a ANF interveio na constituição dessas sociedades, subscrevendo e realizando parte do capital de cada uma delas, o que é manifestamente insuficiente para nos possibilitar adesão ao entendimento do Recorrente.
É certo que as sociedades em questão – «Farmindústria» e «Farmatrading» [cfr. 2) e 5) de Factos provados] – vêm exercendo atividade condizente com os respetivos objetos sociais [cfr. 8), 3), 4), 6) e 7)] de Factos provados], mas isso em nada colide com o especial estatuto da Associação que é a R., nem com as normas legais e estatutárias por que tem de nortear a sua própria atividade.
Na sua qualidade de sócia das sociedades mencionadas, nada impede a ANF de beneficiar da eventual distribuição de lucros das mesmas ou de vir a suportar prejuízos delas, já que a lei o não proíbe em qualquer das suas normas.
Mas, como corretamente se salienta no Acórdão recorrido, «em primeira linha, prejuízos ou lucros são das sociedades constituídas», entes jurídicos «a se», com individualidade própria e autónoma em relação à ANF.
Aliás, as proibições estabelecidas no n.° 2 do artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 215-C/75 não são de caráter absoluto, pois que aí se estatui que elas deverão ser observadas «sem prejuízo do disposto na alínea b)», alínea que, por sua vez, dispõe caber às associações patronais, do tipo da ora recorrida, «prestar serviços aos seus associados ou criar instituições para esse efeito».
A esta luz não se vê como reprovar àquela associação o ter atuado como atuou ao intervir na constituição das referidas sociedades e ao subscrever e realizar parte importante do capital de ambas. E que, dado o objeto dessas sociedades, está bem evidenciado nos autos que, agindo como agiu, a ANF não teve senão em vista satisfazer o dever supra mencionado de «prestar serviços aos seus associados».
E, como se diz na decisão em recurso, «uma associação patronal não está impedida de adquirir participações societárias pelo menos quando respeitem a sociedades que, em atenção ao seu objeto, possam proporcionar benefícios aos seus associados».
ad) Ao contrário do entendimento do Recorrente nesta matéria, e tal como consta do douto Parecer junto, em especial de fls. 322 a 325 e 332 dos autos, cremos não ser necessário fazer-se a prova de que as sociedades em causa prestam efetivamente serviços aos associados da ANF, bastando tão-somente a possibilidade de os prestarem, que, «in casu», resulta direta e imediatamente do seu objeto».

E, mais à frente, explicita-se:

«Tendo a «Farmindústria» como principal finalidade a «produção e venda de especialidades, produtos farmacêuticos...» e visando a «Farmatrading» «a importação, representação, armazenamento, comercialização e exportação de especialidades, produtos farmacêuticos...», está bem evidenciada, podendo até dizer-se que é notória, a direta possibilidade de os associados da ANF obterem benefícios da atuação dessas duas sociedades».

Em suma, o Supremo Tribunal de Justiça, entendeu que basta que as sociedades criadas pela ANF ou em que adquirem participações possam prestar serviços ou proporcionar benefícios aos seus associados, não sendo necessário fazer prova de que esses serviços são efetivamente prestados.


1.3. Tomando também já em consideração o n.º 2 do artigo 510.º do Código do Trabalho de 2003[7], o Tribunal da Relação do Porto no seu Acórdão de 28 de fevereiro de 2005, no Processo 550484[8], entendeu, porém, que o artigo dos estatutos da Confederação da Indústria Portuguesa (CIP), na parte em que admitia a possibilidade de «prestação de serviços a terceiros», violava o n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 215-C/75, bem como a norma dos estatutos que permitia à Ré «[c]onstituir e ou participar no capital de outras empresas, qualquer que seja a sua forma jurídica, mesmo que de diferentes objetos sociais desde que tal seja autorizado pela assembleia geral»[9].

Este acórdão traduz uma inflexão da posição do Supremo Tribunal de Justiça e em geral da jurisprudência antecedente conhecida.

Aliás, esse afastamento é explicitado diretamente no acórdão:

«No Acórdão do STJ de 15.10.1996, ponderou-se que a participação em sociedades comerciais de uma associação patronal era legítima, porque a associação poderia assim proceder, por, nos termos do art. 5.º, n.º 2, da LAP, ser lícita a prestação de serviços aos seus associados, através da criação de institutos para esse efeito.
Pensamos que a Lei não quer que aquele “risco” possa existir, porque acabaria por aproximar o regime de associações de escopo não lucrativo, do típico regime das sociedades comerciais».

No entanto, deve referir-se, que no acórdão se admite que «para evitar essa proibição de “intervenção no mercado”, e reconhecendo que às associações, como a Ré, é legítimo obterem, além das receitas dos seus associados, outras que advenham da sua atuação no mercado, a participação das associações de empregadores ou patronais, se possa fazer intervindo no capital de outras empresas, desde que tenham elas objeto social afim, ou muito próximo, do escopo associativo e desde que essa intervenção não conduza à obtenção de posições maioritárias, ou de controle no capital social das empresas onde a intervenção se fizer, ou nas que forem constituídas, pois, se assim não for, haverá “intervenção no mercado”».


2. O Conselho Consultivo, como se viu, já foi anteriormente convocado a pronunciar-se sobre a legalidade da atuação da ANF, dessa feita, a pedido de Sua Excelência o Ministro da Saúde[10], face à então recente aquisição de 49% do capital social duma empresa distribuidora de medicamentos, a Alliance Unichem, tendo mais 2% sido adquiridos pela José de Mello Participações, empresa em que a ANF igualmente participava.

No pedido de consulta, conquanto fosse referido o Acórdão de 15 de outubro de 1996 do Supremo Tribunal de Justiça, invocou-se, em seu apoio, o Decreto-Lei n.º 215-C/75 ter sido revogado pelo Código do Trabalho, os estatutos da ANF terem sido alterados, a ANF ter procedido a novas aquisições de outras empresas e, finalmente a Lei da Concorrência ter igualmente sido alterada em 2003.

No Parecer n.º 8/2006 foram formuladas as conclusões que, de seguida, se reproduzem:

1.ª – Por força do disposto no artigo 510.º n.º 1, alínea b), e n.º 2, do Código do Trabalho, as associações de empregadores não podem dedicar-se à produção ou comercialização de bens ou serviços ou de qualquer forma intervir no mercado, sem prejuízo do direito de prestarem serviços aos seus associados;

2.ª – Para efeitos de tal disposição legal, o conceito de serviços não se restringe à mera prestação do resultado de um trabalho intelectual ou manual, conforme o previsto no artigo 1154.º do Código Civil, englobando, ao invés, qualquer prestação, de atividades ou de outros bens, intelectuais ou materiais, que se mostre idónea para prosseguir a defesa e a promoção dos interesses empresariais dos seus associados;

3.ª – A aquisição, por uma associação de empregadores que laboram exclusivamente no mercado retalhista, de participações sociais em empresas grossistas do mesmo ramo pode integrar-se no referido conceito de prestação de serviços, desde que, com tal aquisição, se vise, direta ou indiretamente, defender ou promover os interesses empresariais dos seus associados;

4.ª – Na medida em que, no âmbito de tais participações sociais, a associação de empregadores possa determinar o sentido da gestão empresarial de uma ou mais empresas grossistas, a mesma, ainda que visando a defesa e promoção dos interesses dos seus associados, não poderá interferir no funcionamento do mercado respetivo em violação das regras legais que disciplinam a concorrência;

5.ª – A cláusula constante dos estatutos de uma associação de empregadores que laboram no comércio retalhista de medicamentos (Associação Nacional de Farmácias), nos termos da qual esta poderá «[c]onstituir ou fazer parte de sociedades, qualquer que seja a sua forma ou natureza, cuja atividade possa contribuir para uma mais eficaz prossecução dos fins da associação», não viola o disposto no artigo 510.º, n.º 2, do Código do Trabalho;

6.ª – Sendo tal associação de empregadores titular de 100% e de 30%, respetivamente, do capital social de duas empresas, as quais vêm a adquirir, respetivamente, 49% e 2% do capital social de outra empresa que se dedica ao comércio grossista de medicamentos, estas aquisições, ainda que realizadas por influência direta daquela associação, e desde que visando a defesa e a promoção dos interesses empresariais dos seus associados, não integram, só por si, violação do disposto no referido preceito legal;

7.ª – O prazo de quinze dias consignado no artigo 513.º, n.º 4, do Código do Trabalho, é um prazo de caducidade, cujo decurso impede o Ministério Público, por si próprio, de intentar a ação judicial prevista em tal preceito; tal não obstará, todavia, a que possa intentar tal ação em representação do Estado ou de outra pessoa coletiva pública que legalmente possa representar, desde que estes tenham um interesse legítimo em invocar a nulidade dos estatutos de uma determinada associação de empregadores (artigos 182.º e 183.º do Código Civil).»


Um dos argumentos decisivos na doutrina do parecer, em sintonia com o citado Acórdão do STJ, é o de que a proibição de intervir no mercado cessa quando as associações de empregadores atuem com a finalidade de prestar serviços aos seus associados, ainda que por intermédio de instituições que criem para esse efeito.

Daí que, se tenha entendido que «a aquisição, por uma associação de empregadores que laboram exclusivamente no mercado retalhista, de participações sociais em empresas grossistas do mesmo ramo possa integrar-se no referido conceito de prestação de serviços, desde que, com tal aquisição, vise, direta ou indiretamente, defender ou promover os interesses empresariais dos seus associados».

Assim, em alguma medida, admite-se a intervenção no mercado desde que a coberto da prestação de serviços aos associados.

Não será despiciendo aludir, desde já, aos votos de vencido em que se questiona justamente aquele “conceito” de prestação de serviços.

Num dos votos de vencido[11], pode ler-se:

«[…] parece elementar que não poderão os empregadores prosseguir os fins essenciais de cada um ou de vários deles – os fins em vista dos quais cada um deles ganhou existência – através de uma figura jurídica com as características das associações de empregadores, tal como não poderão estas associações, simultaneamente com as suas finalidades próprias, prosseguir outros interesses com natureza idêntica aos dos seus associados, separadamente ou em sociedade com eles.»

E, mais à frente, frisa-se:

«O intento da lei é, aqui, o de evitar a confusão entre associação e associados. Em primeiro lugar, porque essa confusão irremediavelmente prejudicará a função de representação legal reconhecida às associações de empregadores, função que constitui interesse não disponível por estas. Em segundo lugar, porque essa confusão gerará, inevitavelmente, conflitos de interesses (cfr. o artigo 481.º, relativo às associações sindicais). É essa a razão de uma norma como a do n.º 2 do artigo 517.º, da qual se infere sem dificuldade que a associação não pode interferir na atividade económica exercida pelos empregadores associados.»

Para depois se concretizar:

«Ora bem, a aquisição de uma participação social no capital de uma empresa distribuidora de medicamentos, a esta luz, transforma a Associação Nacional de Farmácias numa entidade interessada na comercialização de produtos, e entidade que intervém no mercado próprio das farmácias – não vende medicamentos ao público mas distribui ou e vende medicamentos às farmácias associadas. A situação assim desenhada é paralela daquela que ocorreria se, por hipótese, a ANF fosse proprietária de farmácias.»

Em outro voto de vencido[12], escreve-se que «a circunstância de as operações serem levadas a cabo de forma indireta, através de uma sociedade controlada, ou em que se tem uma posição relevante, não deixa de pôr em causa o interesse subjacente à norma [artigo 510.º, n.º 2, do Código do Trabalho de 2003], que é a garantia de normalidade do funcionamento do mercado, posta em causa pela posição assumida pela instituição em causa».

Permite-se-nos, ainda, a referência a um dos outros votos de vencido, onde a dado passo se pode ler:

«Afirma-se no parecer (III, 7.1.) que a intervenção no mercado por parte das associações de empregadores tem, um limite interno e um limite externo: o limite interno consiste na prestação de serviços aos associados – a intervenção no mercado só é lícita quando estiver em causa a prestação de serviços aos associados; o limite externo traduz-se na interferência «no regular funcionamento do mercado respetivo em violação das regras legais que disciplinam a concorrência» (cfr. conclusão 4.ª)

Ora, considero que há igualmente intervenção ilícita no mercado quando uma associação de empregadores vai além da mera prestação de serviços aos associados e passa a atuar no mercado, facultando bens ou serviços a outros operadores que não apenas aos seus associados.

Isto é, a intervenção das associações de empregadores no mercado só é permitida quando e enquanto estiver em causa apenas a prestação de serviços aos associados; tudo o que for para além disso constitui uma atuação ilícita, ainda que não exista infração das regras da concorrência nem violação do princípio do livre funcionamento do mercado.

Entendo, assim, que o funcionamento do tal limite externo deve ser antecipado, por forma a abranger as situações em que uma associação de empregadores, a coberto da prestação de serviços aos associados, desenvolve uma atividade empresarial autónoma, que tem como destinatários tanto os associados como terceiros»[13].


3. Apesar do acima citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e bem assim da doutrina veiculada pelo Parecer n.º 8/2006 «assiste-se, pois, a alguma diversidade de posições relativamente à matéria sob consulta, manifestando-se o dissenso, como vimos, no âmbito mesmo daquele parecer.

Refira-se, ainda, que em bom rigor não se poderá falar da eventual desatualização do Parecer n.º 8/2006, uma vez que não foi homologado, nem por outra forma tornada obrigatória a sua doutrina.

De todo o modo, após a sua prolação, há uma nova factualidade – a ANF alargou a sua esfera de atuação – e também um novo quadro legislativo – especialmente o novo Código do Trabalho[14] (doravante Código do Trabalho de 2009, ou apenas Código do Trabalho).


IV


Interessa, agora, atentar no normativo que nas últimas quatro décadas regulou a matéria relativa às associações patronais, hoje, designadas associações de empregadores.

Isto é, essencialmente, o Decreto-Lei n.º 215-C/75, o Código do Trabalho de 2003 que revogou aquele diploma, e o atual Código do Trabalho.


1. Parece, contudo, relevante, antes do mais, fazer referência, ainda que brevemente, aos seus antecedentes históricos, seguindo aqui, em alguma medida, o percurso do Parecer n.º 8/2006.

Assim, começa-se, justamente, por também citar Vital Moreira[15], que «dilucidou exaustivamente o corporativismo»:

«Foi no seguimento da revolta de 28 de maio de 1926 que se criaram as condições políticas em que veio a surgir, em 1933, a organização corporativa. Contudo, a Ditadura, criação de um movimento sem programa, não foi capaz, no período 1926-30, de uma política económica coerente. Mas foi já nesse período, com a proibição da greve e a eliminação da CGT, que se preparou a via da solução da questão social.
Somente no período 1930-33, com a estabilização financeira, surgiu a construção de um programa corporativo. A grande crise do capitalismo refletia-se em Portugal, afetando gravemente os produtos de exportação: vinho, conservas. E foi precisamente nesses setores que se constituíram as primeiras organizações prefigurando a organização corporativa: consórcio das conservas de peixe, grémio dos exportadores do vinho do porto. Criaram-se os primeiros órgãos de coordenação económica do Estado. Instituiu-se o regime de condicionamento industrial. A experiência italiana era apontada como exemplo a seguir.
Foi no período 1933-1940 que se lançaram as bases jurídicas e organizatórias do corporativismo. Na mesma data em que a nova Constituição entrou em vigor (23/10/33)[16] foram promulgados os textos legislativos fundamentais da nova organização económico-social: Estatuto do Trabalho Nacional (DL23048), estatutos dos grémios obrigatórios (Decreto-Lei 23049), dos sindicatos (DL23050), das casas do povo (DL23051). Logo após, os regimes básicos dos grémios facultativos (Decreto-Lei 24715, de 3/12/34), dos grémios da lavoura (L1957, de 20/5/37), das casas dos pescadores (L1953, de 11/3/37), finalmente das corporações (Decreto-Lei 29110, de 12/11/38) – (as federações e uniões não foram regulamentadas)».

E prossegue aquele Autor:

«No quadro desta legislação teve lugar o lançamento da estrutura primária e intermediária da organização corporativa.
As relações de trabalho passaram a ser, embora lentamente, regulamentadas por contrato coletivo. Os grémios – praticamente apenas os obrigatórios – passaram, embora em menor medida, a disciplinar a economia.
Contudo, foi nesse mesmo período de lançamento da organização corporativa que foram desenvolvidos os organismos de coordenação económica (Decreto-Lei 26757), de 8/7/36), como órgãos estaduais da administração económica. É certo que lhes era atribuído caráter precário, devendo ser integrados nas corporações logo que estas fossem criadas. Isso nunca veio a acontecer e esses organismos ganharem progressivamente importância».

E, noutro lugar[17], explicita Vital Moreira:

«Foi o Estatuto do Trabalho Nacional, de 1933, que veio dar às corporações o poder de estabelecer normas gerais e obrigatórias sobre a disciplina interna e a coordenação de atividades, se bem que mediante o «assentimento do Estado» (art. 43.º). Esse regime manteve-se na Lei n.º 2086, de 22-8-1956, que criou as corporações. Mas esse assentimento estadual «nunca lhes foi concedido» (A. Silva Leal, 1979:229), e as corporações mal passaram de corpos consultivos do Estado e de concertação e de arbitragem de conflitos entre o patronato e os trabalhadores nelas «representados». À margem deste esquema foram sendo instituídos os grémios obrigatórios em alguns setores da agricultura, comércio e indústria, dotados de extensos poderes de intervenção administrativa na vida económica. Foi por eles que passou a verdadeira administração corporativa da economia do Estado Novo. Na verdade, muitos dos grémios obrigatórios pouco se distinguiam dos «organismos de coordenação económica»; estavam submetidos a intenso controlo do Estado e frequentemente eram submetidos a regime de comissão administrativa; as funções e meios de uns e outros eram semelhantes[18]

Mais à frente[19], sintetiza aquele Autor:

«Os primeiros organismos corporativos das atividades económicas nasceram com extensos poderes de regulação e disciplina. Eram os grémios obrigatórios, no domínio da agricultura, indústria e comércio, estabelecidos ao abrigo do Decreto-Lei n°23 049, de 23-9-1933.»

Prossegue aquele Autor:

«O corporativismo económico foi essencialmente um esquema auxiliar de uma economia administrativamente controlada, quer quanto à iniciativa económica (por meio do «condicionamento industrial»), quer quanto à liberdade de empresa e de concorrência (por meio de monopólios legais, fixação de preços, etc.). Quando detiveram funções de regulação económica, os organismos corporativos aproximaram-se frequentemente da figura dos cartéis. Referindo-se especialmente aos grémios obrigatórios – os únicos com funções de regulação e intervenção no mercado – um autor escreveu que alguns eram «verdadeiros escritórios comerciais coletivos, quase cartéis» (Henriques de Almeida. 1960:23).»

O regime corporativo, atribuía, pois, aos grémios obrigatórios, representantes dos agremiados, poderes para disciplinar o mercado, coordenando-o e regulamentando-o, designadamente no âmbito das atividades comerciais e industriais.

Ainda, nas palavras de Vital Moreira[20]:

«[…] além de funções de representação profissional de empregadores e de empresários e da função de regulação das relações económicas (através de regulamentos e de acordos interprofissionais) e das relações laborais (através de convenções coletivas de trabalhos), os grémios, especialmente os obrigatórios e os grémios da lavoura, detinham também funções diretamente económicas, tanto a montante dos setores que representavam (por exemplo, no fornecimento de meios de produção aos associados) como a jusante dos mesmos (por exemplo, na comercialização da produção dos seus membros).
É evidente que esta intervenção económica direta dos grémios corporativos não suscitava nenhum problema no âmbito da ordem económica do Estado Novo, dado que não estávamos no âmbito de uma economia de mercado baseada na concorrência, mas sim de uma “economia administrada”, baseada no “condicionamento industrial”, no controlo administrativo dos preços e numa regulação essencialmente hostil à própria ideia de concorrência. Dai que as atividades económicas dos grémios nunca tivessem sido, nem pudessem ser, questionadas por poderem afetar a concorrência nesses setores».

Apesar de, sobretudo a partir de 1965, se notar um movimento de modernização do sistema de leis do trabalho[21], a política corporativista prosseguiu até ao 25 de abril de 1974, «altura em que se iniciou a rutura que culminou com a nova legislação em áreas como as dos mercados e das associações patronais, entre outras»[22].


2. A mudança de regime haveria de refletir-se, obviamente, no Decreto-Lei n.º 215-C/75. Porém, previamente, como se escreve no Parecer n.º 8/2006:

«[…] já no programa do 1.º Governo Provisório[23] se alertava para a necessidade da “[e]xtinção progressiva do sistema corporativo e sua substituição por um aparelho administrativo adaptado às novas realidades políticas, económicas e sociais”.

Logo em seguida, o Decreto-Lei n.º 329-A/74, de 10 de julho, veio estabelecer os regimes a que passaram a poder ser submetidos os preços dos bens ou serviços vendidos no mercado interno, e criar a Secretaria de Estado do Abastecimento e Preços, reconhecendo no seu preâmbulo, “a necessidade crescente de uma atuação governamental com o objetivo de garantir o regular funcionamento dos mercados e assegurar a definição de uma política geral de preços integrada numa política anti-inflacionista de caráter global, em conformidade com o estabelecido no programa do Governo Provisório”.

A extinção não imediata mas progressiva do sistema corporativo nota-se neste diploma ao dispor no n.º 1 do artigo 1.º que os preços de bens ou serviços vendidos no mercado interno passaram a poder ser submetidos a regimes como os de preços máximos, controlados, declarados, contratados, de margens de comercialização fixadas e de preços livres, e no n.º 5 que o regime de preços contratados facultava às empresas, grupos de empresas ou associações patronais de negociarem com o Governo condições específicas para alteração de preços, acrescentando o n.º 1 do artigo 7.º que os pedidos de revisão dos preços de bens ou serviços sujeitos aos regimes definidos nas alíneas a), b) e e) do artigo 1.º deviam ser dirigidos à Direção-Geral de Preços pelas associações patronais ou, na sua falta, pelas entidades interessadas.

A referência às associações patronais prossegue, agora com o Decreto-Lei n.º 329-B/74, de 10 de julho, que criou, no âmbito da Secretaria de Estado do Abastecimento e Preços a Direção-Geral de Preços, ao permitir-lhes a inclusão de três representantes escolhidos pelas mesmas na Comissão Consultiva de Preços, em grandes grupos da atividade económica como são os da agricultura, indústria e energia, comércio e serviços.

Recordando no respetivo preâmbulo que nas linhas de orientação do Programa do Governo Provisório se contava a “extinção do sistema corporativo e a sua substituição por um aparelho administrativo adaptado às novas realidades políticas, económicas e sociais” foi entretanto editado o Decreto-Lei n.º 443/74, de 12 de setembro, que extinguiu os organismos corporativos dependentes do Ministério da Economia e previu a transferência das suas funções mais importantes de intervenção e disciplina na vida económica, bem como dos valores que constituíam o seu património, para organismos de coordenação económica – cfr. artigos 1.º e 2.º[24].

Ainda segundo o mesmo texto preambular foi consagrado o princípio da transferência, por despacho do Ministro da Economia, das amplas funções em matéria de disciplina das atividades económicas dos respetivos setores que tinham sido cometidas aos organismos corporativos a partir de Decreto-Lei n.º 23049, de 23 de setembro de 1933, para outras entidades, “que serão, fundamentalmente, os organismos de coordenação económica das diversas Secretarias de Estado, não só das funções mais importantes de intervenção e disciplina na vida económica, mas também dos valores que constituem o seu património (…)”».

Deve, outrossim, sublinhar-se que, ainda, no ano de 1974, foi editado o Decreto-Lei n.º 695/74, de 5 de dezembro[25], que conferia às entidades patronais o direito de se constituírem em associações patronais para a defesa e formação dos seus interesses empresariais (cfr. n.º 1 do artigo 1.º), podendo ler-se no seu preâmbulo:

«Considerando a necessidade de estabelecer para as associações patronais regime jurídico, de acordo com os princípios da liberdade de constituição, inscrição, organização democrática interna e independência face ao Estado;
Considerando a conveniência de distinguir nas associações o aspeto da representação profissional, que compete exclusivamente a entidades patronais, do aspeto de representação económica que compete genericamente a empresários, sem prejuízo da legislação que venha a regulamentar este último».

E o seu artigo 5.º estatuía já:

«Art. 5.º Dentro do seu objeto e fim, as associações patronais podem prestar serviços aos seus associados ou criar instituições para esse efeito, mas não podem dedicar-se à produção ou comercialização de bens ou serviços ou de qualquer modo intervir no mercado.»


3. A rutura de regimes refletiu-se, como se disse, no Decreto-Lei n.º 215-C/75 (conhecido como Lei das Associações Patronais ou LAP), que conferia às entidades patronais o direito de se constituírem em associações patronais para defesa e promoção dos seus interesses empresariais (cfr. n.º 1 do artigo 1.º).

Este diploma, que se apresentava, aliás, também como transitório[26] e veio a estar em vigor durante quase três décadas, é proveniente do Conselho da Revolução e surge a par com os Decretos-Leis nos 215-A/75[27] e 215-B/75[28], igualmente de 30 de abril, que reconheciam, respetivamente, a Intersindical Nacional e o exercício da liberdade sindical por parte dos trabalhadores.

Segundo o seu preâmbulo, o Decreto-Lei n.º 215-C/75 foi editado por se considerar, além da «necessidade de estabelecer para as associações patronais regime jurídico de acordo com os princípios da liberdade de constituição, inscrição, organização democrática interna e independência face ao Estado», designadamente «que a fixação de remunerações e restantes direitos e obrigações decorrentes do contrato de trabalho, pela via de convenção coletiva, exige a regulamentação dos requisitos a que devem obedecer os respetivos sujeitos, em termos de se garantir a sua representatividade e, em geral, a liberdade de associação».

Como refere António Monteiro Fernandes[29], «[a] LAP surgiu, em 1975, claramente inspirada no propósito de, por um lado, gizar um instrumento idóneo de representação coletiva dos empregadores – de acordo com a preocupação de criar condições de existência de interlocutores válidos para a negociação com as associações sindicais – e por outro, substituir a complexa rede de organismos patronais (os grémios) existentes no contexto de regime corporativo, não só como instrumentos de representação de interesses nas relações coletivas, mas também como meios de controlo recíproco do Estado e das atividades económicas privadas».

Atentando no articulado, dispunha o artigo 2.º que «[a]s associações patronais elaboram os seus estatutos e regulamentos, elegem os seus corpos gerentes, organizam a sua gestão e atividade e formulam o seu programa de ação», consagrando, portanto, a autorregulação.

E no que, ora, particularmente nos interessa, o artigo 5.º estabelecia:

«Art. 5.º – 1. Compete às associações patronais, suas uniões, federações e confederações:

a) Celebrar convenções coletivas de trabalho;
b) Prestar serviços aos seus associados ou criar instituições para esse efeito;
c) Defender e promover a defesa dos direitos e interesses das entidades patronais representadas.

2. Os organismos referidos no número anterior, sem prejuízo do disposto na alínea b), não podem dedicar-se à produção ou comercialização de bens ou serviços ou de qualquer modo intervir no mercado.»

Decorre daqui que as atribuições das associações patronais se dividem em dois tipos: as atinentes às relações laborais dos seus associados, desde logo, a função primordial da representação e defesa dos direitos e interesses profissionais/empresariais, bem como a função de celebrar convenções coletivas de trabalho; e as que se relacionam com a prestação de serviços aos associados, designadas por Pedro Romano Martinez como extralaborais[30].

Mas, deve sublinhar-se, não cabe às associações patronais competências em matéria de regulação e funcionamento do mercado.


4. O Decreto-Lei n.º 215-C/75, como já referiu, foi revogado pela Lei n.º 99/2003, que aprovou o Código do Trabalho (Código do Trabalho de 2003), passando, porém, o regime jurídico, das associações patronais, agora designadas associações de empregadores, a constar dos artigos 506.º a 523.º[31] daquele Código.

Note-se, contudo, que as soluções adotadas foram de um modo geral as mesmas do diploma de 1975.

De todo o modo, para além da alteração da designação, merecem destaque algumas alterações.

Assim, o princípio da independência foi consagrado expressamente no artigo 507.º, cujo teor era seguinte:
«Artigo 507.º
Autonomia e independência
1 – As associações de empregadores são independentes do Estado, dos partidos políticos, das instituições religiosas e de quaisquer associações de outra natureza, sendo proibida qualquer ingerência destes na sua organização e direção, bem como o seu recíproco financiamento.
2 – O Estado pode apoiar as associações de empregadores nos termos previstos na lei.
3 – O Estado não pode discriminar as associações de empregadores relativamente a quaisquer outras entidades associativas.»

Ainda no domínio da independência, foi estabelecido um regime de incompatibilidade no artigo 509.º:
«Artigo 509.º

Independência
É incompatível o exercício de quaisquer cargos de direção em partidos políticos, instituições religiosas ou outras associações relativamente às quais exista conflito de interesses com o exercício de cargos de direção de associações de empregadores.»

É de realçar que, no artigo 508.º atinente a noções, aparece pela primeira vez a noção legal de associação de empregadores, que é definida como uma «organização permanente de pessoas, singulares ou coletivas, de direito privado, titulares de uma empresa, que tenham, habitualmente, trabalhadores ao seu serviço».

Na economia da consulta, interessa-nos naturalmente, o artigo 510.º:
«Artigo 510.º

Direitos

1 – As associações de empregadores têm, nomeadamente, o direito de:

a) Celebrar convenções coletivas de trabalho;
b) Prestar serviços aos seus associados;
c) Participar na elaboração de legislação do trabalho;
d) Iniciar e intervir em processos judiciais e em procedimentos administrativos quanto a interesses dos seus associados, nos termos da lei;
e) Estabelecer relações ou filiar-se em organizações internacionais de empregadores.

2 – As associações de empregadores, sem prejuízo do disposto na alínea b) do número anterior, não podem dedicar-se à produção ou comercialização de bens ou serviços ou de qualquer modo intervir no mercado.»

Constata-se, desde logo, que as atribuições das associações de empregadores são apresentadas sob a forma de direitos.

Como escreve Luís Gonçalves da Silva[32], «[…] o artigo 510.º do CT 2003, determinador dos fins a prosseguir pela associação de empregadores, diferencia-se do preceito fonte (artigo 5.º da LAP), pois correspondia à adaptação do artigo 477.º do CT 2003, onde se indicam os “direitos” das associações sindicais».

E acrescenta:

«Refira-se ainda que – em 2003 – deixou de se aludir à “competência” das associações, pois estão em causa os direitos e obrigações necessários e convenientes para a prossecução do fim, nos termos prescritos no artigo 160.º do CC»[33].

Em relação ao texto do Decreto-Lei n.º 215-C/75, nota-se, ainda, a introdução do caráter exemplicativo do elenco, o abandono da expressão «ou criar instituições para o efeito» na alínea b) do n.º 1 e a introdução de três atribuições (nas alíneas c), d) e e) do n.1)

Finalmente, verifica-se que foi eliminado o texto da alínea c) do n.º 1 do artigo 5.º da LAP que estabelecia, como se assinalou, a função primordial das associações – “defender e promover a defesa dos direitos e interesses das entidades patronais representadas”.

Tal, contudo, não se terá revestido de qualquer significado face à formulação do direito de associação plasmada logo no n.º 1 do artigo 506.º[34].


5. O regime jurídico das associações de empregadores constante do Código do Trabalho de 2003, a que vimos de nos referir, teve uma vida bem mais curta do que o de 75, pois foi substituído pelo estabelecido no Código do Trabalho de 2009.

Deve, contudo, dizer-se que, materialmente, são poucas as diferenças.

Ressalta, agora, sim a regulação conjunta das associações sindicais e das associações de empregadores na Secção III (“Associações sindicais e associações de empregadores”) do Capítulo I (“Estruturas de representação coletiva dos trabalhadores”) do Subtítulo I (“Sujeitos”) do Título III (“Direito coletivo”) – artigos 440.º e ss.[35].

Tal apresentará mais visível o papel das associações de empregadores como interlocutores dos sindicatos na dialética laboral.

Recorde-se que, apesar das associações de empregadores não terem merecido a mesma atenção na Constituição da República Portuguesa que mereceram as associações sindicais[36], sempre se lhes foi reconhecendo paralelamente o direito de auto-organização[37].

Ora, no Código do Trabalho de 2009, nos termos do artigo 445.º, com a epígrafe “Princípios de autorregulamentação, organização e gestão democráticas”, «[a]s associações sindicais e as associações de empregadores regem-se por estatutos e regulamentos por elas aprovados, elegem livre e democraticamente os titulares dos corpos sociais e organizam democraticamente a sua gestão e atividade».

Ao regime de incompatibilidade refere-se, logo a seguir, o n.º 1 do artigo 446.º[38].

E importa, naturalmente, considerar o artigo 441.º, que, após a consagração do direito de associação no artigo 440.º[39], estabelece:
«Artigo 441.º

Regime subsidiário
1 – As associações sindicais e as associações de empregadores estão sujeitas ao regime geral do direito de associação em tudo o que não contrarie este Código ou a natureza específica da respetiva autonomia.
2 – Não são aplicáveis a associações sindicais e a associações de empregadores as normas do regime geral do direito de associação suscetíveis de determinar restrições inadmissíveis à respetiva liberdade de organização.»

Cabe, agora, atentar no artigo 443.º atinente aos direitos das associações:
«Artigo 443.º

Direitos das associações
1 – As associações sindicais e as associações de empregadores têm, nomeadamente, o direito de:

a) Celebrar convenções coletivas de trabalho;
b) Prestar serviços de caráter económico e social aos seus associados;
c) Participar na elaboração da legislação do trabalho;
d) Iniciar e intervir em processos judiciais e em procedimentos administrativos quanto a interesses dos seus associados, nos termos da lei;
e) Estabelecer relações ou filiar-se, a nível nacional ou internacional, em organizações, respetivamente, de trabalhadores ou de empregadores

2 – As associações sindicais têm, ainda, o direito de participar nos processos de reestruturação da empresa, especialmente no respeitante a ações de formação ou quando ocorra alteração das condições de trabalho.
3 – As associações de empregadores não podem dedicar-se à produção ou comercialização de bens ou serviços ou de qualquer modo intervir no mercado, sem prejuízo do disposto na alínea b) do n.º 1.»

Conforme sublinha Luís Gonçalves da Silva, este artigo «[c]orresponde, com alterações, nos artigos 477.º e 510.º do CT 2003, tendo resultado da junção dos preceitos que a expressão “caráter económico e social” relativamente aos serviços a prestar (alínea b)) também se passa a aplicar às associações de empregadores»[40].

A natureza dos serviços a prestar é um aspeto que deverá convocar a nossa reflexão.

Outro aspeto, que, aliás, se relaciona com aquele, tem a ver com a alteração da ordem dos segmentos no agora n.º 3 (correspondente ao n.º 2 do artigo 510.º do Código do Trabalho de 2003).

A expressão «sem prejuízo do disposto na alínea b)» passou a figurar no final da norma.

E como se pode observar, de imediato, a restrição constante do n.º 3 do artigo 443.º só é aplicável às associações de empregadores.


6. Na presente consulta, interessa-nos atentar, particularmente, nos aspetos a que acabámos de fazer referência – a qualificação dos serviços a prestar e a mudança de lugar da expressão «sem prejuízo do disposto…» –, já que estas são, aliás, as alterações que as normas respetivas sofreram desde a lei de 1975, com exceção, como já se assinalou, da supressão, no Código do Trabalho de 2003, da expressão «ou criar instituições para esse efeito» na alínea relativa à prestação de serviços aos associados.

Antes, porém, de se ensaiar o devido aprofundamento destas questões, importa fazer uma referência, ainda que breve, ao regime das associações, em geral, ou, melhor, das pessoas coletivas.


7. Recorde-se o que estabelece o artigo 160.º do Código Civil:
«Artigo 160.º

Capacidade
1. A capacidade das pessoas coletivas abrange todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins.
2. Excetuam-se os direitos e obrigações vedados por lei ou que sejam inseparáveis da personalidade singular.»

A generalidade da doutrina vê no n.º 1 deste artigo a consagração do princípio da especialidade.

Porém, já Pires de Lima/Antunes Varela referiam:

«Não obstante a especialização consagrada neste artigo quanto à capacidade de gozo de direitos, admite-se que a pessoa coletiva pratique atos convenientes à prossecução dos seus fins. Estes atos podem afastar-se, quanto ao seu objeto, dos fins da pessoa coletiva, como a organização duma festa com o fim de angariar fundos para a coletividade.
Consagra-se, por conseguinte, o princípio da especialidade, mas com uma larga atenuação do seu rigor.»[41]

Menezes Cordeiro[42] dá, justamente, conta de que «[a] doutrina subsequente a 1966, confrontada com uma consagração legal tardia do princípio da especialidade, no artigo 160.º/1 do Código Civil, tentam minorar o seu alcance»[43].

E conclui este Autor: «o denominado princípio da especialidade não restringe, hoje, a capacidade das pessoas coletivas: tal como emerge do artigo 160.º/1, ele diz-nos, no fundo, que todos os direitos e obrigações são, salvo exceções abaixo referidas, acessíveis às pessoas coletivas»[44].

As limitações serão as ditadas pela natureza das coisas e as legais[45].

Menezes Cordeiro, como outros autores, separa as proibições legais do problema da (in)capacidade. «Pode acontecer que a prática de determinado negócio de inscreva, perfeitamente, nas finalidades coerentes de certa pessoa coletiva (ou de certa categoria de pessoas coletivas) mas que, não obstante, o legislador proíba a sua celebração. Pode ainda suceder que o legislador proíba um ato e, depois, o venha, sucessivamente, a permitir e a proibir de novo: não corresponderia a uma Ciência do Direito harmónica e estável considerar que a capacidade de gozo de certa sociedade se modificou, sucessivamente, ao abrigo de alterações legislativas…»[46].

Mais recentemente, anota António Agostinho Guedes:

«Não está em causa, portanto, a capacidade de ser titular de direitos e obrigações das pessoas coletivas pois estas possuem a aptidão de ser titular de direitos e obrigações a partir do momento que lhes é atribuída personalidade jurídica, nos termos legais; está em causa, sim, a (im)possibilidade de praticarcertos atos»[47].

Vejamos então, à luz do atual entendimento do princípio da especialidade, a questão da atividade económica das associações em geral.

Convocamos de novo Menezes Cordeiro que, a propósito do exercício de atividades comerciais, escreve:

«I. As pessoas coletivas regidas pelo Código Civil, mais propriamente as associações e as fundações, não têm por fim o lucro: dos associados, no primeiro caso (157.°) e, em geral, no segundo (188.°/1). Trata-se, aliás, de um aspeto que mereceria reforma: ele corresponde à velha (mas criticável) ideia nacional de que a busca do lucro e o êxito económico são condenáveis.
Tecnicamente, as associações e fundações não são consideradas comerciantes. Podem, porém, praticar atos de comércio e desenvolver atuações lucrativas[…]. É mesmo desejável que assim suceda, sob pena de deverem viver de donativos, sendo improdutivas.

II. O fundamento jurídico do exercício de atividades comerciais por parte das associações e fundações está, simplesmente, na sua capacidade jurídica tendencialmente plena: abrange tudo o que for necessário e conveniente para a prossecução dos seus fins, na linguagem do artigo 160.°/1. Ora quaisquer fins são convenientemente servidos com a obtenção de meios materiais que lhe possam ser afetos. Sucede, porém, que o exercício de várias atividades sensíveis está regulamentado: exigindo-se, designadamente, que a pessoa que a elas se dedique assuma a forma de sociedade anónima (caso dos bancos[…]). Deparamos, nessa altura, com uma restrição legal expressa.

III. A capacidade tendencialmente plena de que dispõem as pessoas coletivas habilita-as a exercer atividades comerciais: diretamente, através de um estabelecimento adequado[…] ou indiretamente, participando em sociedades comerciais que detenham tal estabelecimento. Esta última possibilidade é, hoje, muitas vezes usada por associações de grande porte, como modo de prestar bens e serviços em condições favoráveis, aos seus associados».

Com efeito, a faculdade de organizar atividades económicas, seja diretamente, seja através da criação de sociedades, deverá ser considerada legítima, nos amplos termos consentidos pelo princípio da especialidade dos fins.

Fins que não podem ser outra coisa que não o escopo estatutário[48].

Assim, às associações em geral não está vedada a prossecução de atividades económicas desde que necessárias ou convenientes à realização dos seus fins, mas essas atividades não podem, obviamente, ser em si mesmas o fim das associações.

A atividade económica tem de ter natureza meramente instrumental. Caso contrário, é a própria natureza da pessoa coletiva que está em causa.

E há que considerar as limitações acima referidas, designadamente, as legais.


8.1. Ora, no caso das associações de empregadores, temos, justamente, a proibição de atividade económica constante do n.º 3 do artigo 443.º do Código do Trabalho, que, como já se frisou, com uma pequena alteração, manteve a restrição constante do n.º 2 do artigo 510.º do Código do Trabalho de 2003 e, anteriormente, do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 215-C/75.

Também já se fez notar que nos diplomas legais pós 25 de Abril de 1974 se quis romper com o modelo dos grémios no regime corporativo.

Com efeito, a acumulação de funções de representação de interesses dos seus associados com funções de disciplina e regulação da economia, bem como de intervenção direta na atividade económica, conduziu a abusos.

Foi, portanto, intenção do legislador erradicar as funções de disciplina e regulação do mercado e de atividade económica.

Os elementos histórico e teleológico apresentam-se, assim, relevantes na interpretação ainda, hoje, do artigo 443.º do Código do Trabalho.

E podemos até acrescentar que a sua inserção sistemática, bem como o seu texto, regulando conjuntamente os direitos, agora um pouco mais explícitos, das associações sindicais e das associações de empregadores, evidenciam a sua função primordial de defesa coletiva dos respetivos interesses.

As associações de empregadores e as associações de trabalhadores são interlocutores na dialética do trabalho.

E as funções de representação das associações de empregadores são incompatíveis com o seu papel de empresário, que implica interesses próprios, sejam da mesma natureza dos seus associados, sejam diferentes.

Com efeito, o princípio geral de independência das associações de empregadores relativamente a interesses alheios à representação dos interesses dos seus associados, que vimos refletido em disposições normativas supra referidas – n.º 1 do artigo 446.º e n.º 1 do artigo 405.º, ex vi n.º 2 do artigo 446.º, todos do Código do Trabalho –, afasta a sua intervenção no mercado.

Caso contrário, teríamos a possibilidade não só de situações de conflitos de interesses, como de dependência suscetíveis de pôr em causa a liberdade de associação.


8.2. Acresce que a pequena alteração que o legislador introduziu no atual Código (no n.º 3 do artigo 443.º) terá retirado algum significado ao que se escreveu no Parecer n.º 8/2006 sobre o n.º 2 do artigo 510.º do Código do Trabalho de 2003:

«[…], acerca da remissão nele prevista, mais concretamente sobre a técnica legislativa em que se insere, não será despiciendo recordar a lição de BATISTA MACHADO sobre esta matéria, que depois de nos dar a sua noção de «remissão», acrescenta, pertinentemente, em nota de fim de página, o seguinte:

“Remissões com um sentido bem diferente encontramo-las em certos “operadores linguísticos” muito frequentemente utilizados pelo legislador. São exemplos disso certas técnicas que servem para estabelecer entre duas normas a relação de regra a exceção, ou então para assinalar a prioridade de uma das normas sobre a outra. Assim, quando o legislador ao enunciar um artigo começa por prevenir: “Sem prejuízo do disposto em...”, isto significa em regra que a norma a que se faz referência, seja ela anterior ou posterior, tem primazia sobre a que se vai enunciar ou que esta não afasta o regime daquela (que será porventura um regime-regra, ou um regime especial que se quer salvaguardar, ou, então, um regime – consequência jurídica – cumulável com o agora estatuído). Inversamente, o “operador linguístico” que, no início de um preceito, diz: “Não obstante o disposto em...”, significará em regra que se vai estabelecer um regime excecional ou um regime especial relativamente ao regime contido na norma a que se faz referência”[49].

Acolhendo este entendimento, embora com a devida cautela, não nos parece de desprezar que na situação em apreço a prevenção legislativa “sem prejuízo do disposto em...” implique que a norma a que se faz referência tenha primazia sobre a que se vai enunciar, permitindo que uma associação de empregadores preste serviços aos seus associados, possibilitando-lhe, desse modo, a intervenção no mercado».

Ora, a alteração da sequência dos segmentos introduzida no n.º 3 do artigo 443.º do atual Código do Trabalho, passando a expressão «sem prejuízo do disposto na alínea b) do n.º 1» para a parte final da norma, parece-nos, com efeito, fazer questionar essa ideia de primazia.


8.3. Em suma, face ao que se vem de dizer, temos no n.º 3 do artigo 443.º do Código do Trabalho uma proibição do exercício de atividades económicas dirigida às associações de empregadores.

Esta é a regra – «[a]s associações de empregadores não podem dedicar-se à produção ou comercialização de bens ou serviços ou de qualquer modo intervir no mercado».

Assiste, porém, às associações de empregadores – como às associações sindicais – o direito de prestar serviços aos associados previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 443.º do Código do Trabalho e, aliás, como se referiu, expressamente ressalvado no segmento final do n.º 3 daquele artigo.

A propósito deste direito, escreve Pedro romano Martinez:

«A lei confere às associações de empregadores – tal como aos sindicatos – o direito de prestar serviços aos associados, mas a contrario e atendendo à limitação constante do n.º 3 do art. 443.º do CT2009, está-lhes vedado não só a produção de bens como também o exercício do comércio de bens com os associados, assim, a associação pode prestar serviços jurídicos aos associados, mas não pode produzir ou comprar bens da produção dos associados para revenda ou adquirir bens para vender aos associados.
Tendo em conta esta limitação legal, cabe atender de novo ao princípio da especialidade (art. 160.° do CC). Por força do n.° 3 do art. 443.° do CT2009, está vedado por lei às associações de empregadores o direito de exercer atividades industriais e comerciais e de prestar serviços a terceiros ou mesmo a associados, neste último caso que não tenham caráter económico e social (art. 160.°, n.º 2 do CC)»[50].

Considerou aquele Autor que as associações de empregadores, quando prestam serviços aos seus associados, não podem, mesmo indiretamente, intervir no mercado estando limitadas à prestação de serviços de caráter económico e social[51].

E mais à frente, sintetiza:

«Voltando aos exemplos antes referidos (serviços jurídicos, económicos e fiscais), pode continuar a entender-se que a associação de empregadores tem o direito de prestar tais serviços aos seus associados; assim, nada obsta a que a associação de empregadores tenha um serviço jurídico que presta assistência aos seus associados ou um serviço de acompanhamento fiscal e de análise de mercado. Mas às associações de empregadores, para além das limitações decorrentes da lei geral, está-lhes vedado:

1) Prestar serviços a não associados;
2) Produzir bens, mesmo destinados a associados;
3) Comercializar bens, mesmo em relação a associados;
4) Criar instituições (v.g. sociedades) para prestar serviços aos associados e a terceiros;
5) Prestar serviços aos associados sem caráter económico e social (p. ex., distribuição de propaganda eleitoral para eleições legislativas);
6) Intervir no mercado, tanto por via da produção de bens, da comercialização de bens ou da prestação de serviços, como por outras formas (p. ex., mediante acordos com produtores e distribuidores para fixação de preços ou estabelecendo qualquer entrave ao livre funcionamento do mercado)»[52].

António Monteiro Fernandes critica a formulação do n.º 2 do artigo 440.º do Código do Trabalho, que assinala às associações de empregadores fins de defesa e promoção dos seus interesses empresariais, pois os interesses dos empregadores enquanto empresários «transcendem largamente o domínio das relações de trabalho»[53].

Assim, segundo este Autor a associação de empregadores não é uma simples associação de empresários, «é, mais propriamente um “sindicato de empregadores”, dotado de uma disciplina legal paralela à das associações de trabalhadores e capacitado, fundamentalmente, para agir no terreno das relações coletivas de trabalho»[54].

E, no que concerne ao artigo 443.º do Código do Trabalho, escreve:

«[…] para além da negociação coletiva, podem também as associações de empregadores prestar serviços aos seus associados (por exemplo, assistência jurídica ou apoio técnico-económico) ou criar instituições para o mesmo efeito desde que essa prestação não assuma o caráter de atividade empresarial. Esta com efeito, é inteiramente vedada (ainda que em termos cuja amplitude se afigura mal definida), quer às associações de empregadores quer às instituições que criam na sua dependência (art. 443.º/3). Parece ser sobretudo o risco de cartelização da atividade económica que o legislador pretende prevenir. Repare-se, com efeito, que não existe interdição idêntica para as associações sindicais.
Assinale-se que o mesmo preceito também veda as associações empregadores a intervenção no mercado por qualquer modo, tendo por certo em vista o afastamento de mecanismos próprios da organização corporativa, como os dos grémios da lavoura, que eram sobretudo organismos reguladores da produção agrícola»[55].

Também Luís Gonçalves da Silva, em anotação já citada, entende, a propósito da prestação de serviços, que a intervenção das associações de empregadores terá de ficar circunscrita ao mercado dos associados[56].

Vejamos então.

Da interpretação conjugada do n.º 3 e da alínea b) do n.º 1 do artigo 443.º do Código do Trabalho afigura-se-nos decorrer, face aos elementos interpretativos já expostos, que:

i) A prestação de serviços só se pode dirigir aos próprios associados, estando vedada a prestação de serviços a terceiros;
ii) Os serviços têm de ter caráter económico e social;
iii) A atividade da associação de empregadores não pode traduzir-se numa atividade empresarial, designadamente, produzindo ou comercializando bens ou serviços no domínio da própria atividade económica dos seus associados, ou a montante ou a jusante dessa atividade.

Já não se vê obstáculo a que a prestação de serviços aos seus associados se possa fazer mediatamente, por exemplo, através de constituição das sociedades, apesar de nos Códigos do Trabalho ter desaparecido a expressão «ou criar instituições para o efeito» que constava do artigo 5.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 215-C/75, no seguimento, aliás, do entendido, como vimos, há pouco, por Monteiro Fernandes, e afastando-nos, portanto, da leitura restritiva feita por Romano Martinez.

À laia de síntese, nos dizeres de Vital Moreira, que acompanhamos:

«As associações de empregadores podem, naturalmente, prestar aos seus associados, a título gratuito ou oneroso, serviços jurídicos, financeiros, fiscais, de informação e de formação, de assistência informática, e toda uma panóplia de outros serviços colaterais tendentes a facilitar e apoiar a sua atividade, incluindo por exemplo planos complementares de saúde e de pensões, de desporto e de lazer, contratação de seguros e de outros serviços. E podem fazê-lo em “administração direta”, ou indiretamente, mediante veículos adrede criados por elas, ou através da contratualização externa desses serviços a operadores no mercado»[57].

Todavia, as associações de empregadores, conforme já se assinalou, não podem prestar esses mesmos serviços a terceiros.

E, obviamente, a prestação de serviços aos associados não se pode traduzir numa ingerência no mercado dos associados ou em outra atividade económica.

Assim, a intervenção das associações de empregadores que extravase a prestação de serviços aos associados nos termos expostos é uma atuação ilícita, «ainda que não exista infração das regras da concorrência nem violação do princípio do livre funcionamento do mercado»[58].

Para Vital Moreira, a proibição de intervenção no mercado constante do n.º 3 do artigo 443.º do Código do Trabalho «constitui uma norma de regulação ex-ante[…], que atua antes e independentemente da existência de comportamentos sancionáveis»[59].

Mas se a proibição encontra também razão de ser na defesa da concorrência, podemos naturalmente depararmo-nos com situações que violem também regras da concorrência.


V


1. Nesta perspetiva, será útil convocar o que, a dado passo, se escreve sobre a figura da concorrência no Parecer n.º 8/2006:

«A alínea f) do artigo 81.º da Constituição da República comete ao Estado, entre as suas incumbências prioritárias, «[a] de assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a contrariar as formas de organização monopolistas e a reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral»[60].

O princípio da concorrência «é uma das ideias-base da constituição económica comunitária»[61], assumindo-a a «“Constituição Portuguesa como valor objetivo ou constelação de valores objetivos da ordem constitucional”, passando o Estado “ de garante de direitos subjetivos, que supostamente assegurariam a livre concorrência, (…) a defensor da concorrência para o que lhe compete ditar regras que assegurem o estado de concorrência”; assim entendido, “o princípio da concorrência é um princípio jurídico fundamental da organização económica portuguesa”[62]»[63].

«E sobretudo após a adesão de Portugal à Comunidade Europeia a intensidade deste princípio na ordem jurídica interna tem-se vindo a afirmar, mercê das suas instituições próprias e disposições normativas originárias e derivadas que se impõem aos Estados membros»[64].

Aliás, «[n]o plano do direito comunitário, a liberdade de concorrência constitui igualmente um dos princípios fundamentais da ordem jurídica comunitária, da constituição económica comunitária” [no Tratado institutivo da Comunidade Europeia, veja-se a consagração do princípio da liberdade da concorrência nos arts. 3.º, n.º 1, al. g) e 4.º, n.º 1”]»[65].

[…] Como refere Mariano Pego, «[n]o plano da teoria, a concorrência é o instrumento que permite a distribuição ótima dos recursos e um maior grau de satisfações económicas individuais e coletivas, razão por que se poderia dizer que ela tem por fundamento o interesse do consumidor. Deste jeito, a estrutura concorrencial não seria apenas uma das formas de obter a máxima satisfação do consumidor, mas a única forma possível»[66].

E prossegue, «[m]as é necessário ir mais longe, passar do campo económico para o espaço político. Na verdade, como os objetivos da concorrência se confundem com os sistemas de livre economia de mercado, aquela também há de receber deste sistema uma justificação política. A concorrência surge agora como garantia de igualdade de oportunidades que a todo o homem deve assistir na vida social enquanto condição da livre expressão da sua personalidade; e ressuma, outrossim, como garantia de um sistema equilibrado de desconcentração de poderes, em que os particulares não se possam indevidamente constranger, e em que o Estado, confinado às suas essenciais, permaneça imune ao domínio e influência de grupos de particulares»[67].

Em suma, segundo Pedro de Albuquerque, «se são estes os fins da concorrência, e se eles trespassam os alicerces da vida da comunidade, já se compreende que os Estados se tenham sentido legitimados a intervir em ordem a assegurar as condições para que a concorrência se possa exercer sem constrições – e um dos meios de intervenção é justamente a disciplina da defesa da concorrência»[68].

Por fim, retomando a companhia de Mariano Pego, não será despiciendo acentuar que «o direito da concorrência é uma das formas de condicionar o poder económico. Assente esta conexão, e retomando o modo como o poder económico era tradicionalmente tratado na doutrina – que estabelecia três planos diversos, sem qualquer fundamento comum: isto é, plano da relação entre a empresa e os seus operários; plano do mercado, isto é, da posição da empresa perante concorrentes e consumidores; plano das relações entre as (grandes) empresas ou grupos económicos e o Estado –, podemos dizer que o dispositivo legal de defesa da concorrência toca o segundo plano referido, diz respeito à influência que as empresas e grupos podem ter sobre o mercado»[69]».


2.1. No Parecer n.º 8/2006 fazia-se, ainda, referência aos diplomas legais mais recentes relativos à defesa da concorrência, com particular destaque para a Lei n.º 18/2003, de 11 de junho[70], então em vigor, afigurando-se-nos com interesse fazer, agora, também uma referência aos preceitos mais significativos no domínio da presente consulta.

Assim, no n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 18/2003, definia-se o seu âmbito de aplicação «a todas as atividades económicas exercidas, com caráter permanente ou ocasional, nos setores privado, público e cooperativo».

A noção de empresa era dada no artigo 2.º:
«Artigo 2.°
Noção de empresa

1 – Considera-se empresa, para efeitos da presente lei, qualquer entidade que exerça uma atividade económica que consista na oferta de bens ou serviços num determinado mercado, independentemente do seu estatuto jurídico e do modo de funcionamento.
2 – Considera-se como uma única empresa o conjunto de empresas que, embora juridicamente distintas, constituem uma unidade económica ou que mantêm entre si laços de interdependência ou subordinação decorrentes dos direitos ou poderes enumerados no n.° 1 do artigo 10.º».

Os artigos 4.º e 5.º respeitavam a práticas proibidas:
«Artigo 4.º
Práticas proibidas
1 – São proibidos os acordos entre empresas, as decisões de associações de empresas e as práticas concertadas entre empresas, qualquer que seja a forma que revistam, que tenham por objeto ou como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional, nomeadamente os que se traduzam em:

a) Fixar, de forma direta ou indireta, os preços de compra ou de venda ou interferir na sua determinação pelo livre jogo do mercado, induzindo, artificialmente, quer a sua alta quer a sua baixa;
b) Fixar, de forma direta ou indireta, outras condições de transação efetuadas no mesmo ou em diferentes estádios do processo económico;
c) Limitar ou controlar a produção, a distribuição, o desenvolvimento técnico ou os investimentos;
d) Repartir os mercados ou as fontes de abastecimento;
e) Aplicar, de forma sistemática ou ocasional, condições discriminatórias de preço ou outras relativamente a prestações equivalentes;
f) Recusar, direta ou indiretamente, a compra ou venda de bens e a prestação de serviços;
g) Subordinar a celebração de contratos à aceitação de obrigações suplementares que, pela sua natureza ou segundo os usos comerciais, não tenham ligação com o objeto desses contratos.

2 – Exceto nos casos em que se considerem justificadas, nos termos do artigo 5.°, as práticas proibidas pelo n.° 1 são nulas.

Artigo 5.º

Justificação das práticas proibidas
1 – Podem ser consideradas justificadas as práticas referidas no artigo anterior que contribuam para melhorar a produção ou a distribuição de bens e serviços ou para promover o desenvolvimento técnico ou económico desde que, cumulativamente:

a) Reservem aos utilizadores desses bens ou serviços uma parte equitativa do benefício daí resultante;
b) Não imponham às empresas em causa quaisquer restrições que não sejam indispensáveis para atingir esses objetivos;
c) Não deem a essas empresas a possibilidade de eliminar a concorrência numa parte substancial do mercado dos bens ou serviços em causa.

2 – As práticas previstas no artigo 4.° podem ser objeto de avaliação prévia por parte da Autoridade da Concorrência, adiante designada por Autoridade, segundo procedimento a estabelecer por regulamento a aprovar pela Autoridade nos termos dos respetivos estatutos.
3 – São consideradas justificadas as práticas proibidas pelo artigo 4.° que, embora não afetando o comércio entre os Estados membros, preencham os restantes requisitos de aplicação de um regulamento comunitário adotado ao abrigo do disposto no n.° 3 do artigo 81.° do Tratado que institui a Comunidade Europeia.
4 – A Autoridade pode retirar o benefício referido no número anterior se verificar que, em determinado caso, uma prática por ele abrangida produz efeitos incompatíveis com o disposto n.º 1.»

Assim, às práticas proibidas pelo n.º 1 do artigo 4.º, excetuando as que se considerem justificadas, corresponde a sanção da nulidade, por força do disposto no n.º 2 daquele artigo.

Segue-se o artigo 6.º atinente ao abuso da posição dominante:
«Artigo 6.°

Abuso de posição dominante

1 – É proibida a exploração abusiva, por uma ou mais empresas, de uma posição dominante no mercado nacional ou numa parte substancial deste, tendo por objeto ou como efeito impedir, falsear ou restringir a concorrência.
2 – Entende-se que dispõem de posição dominante relativamente ao mercado de determinado bem ou serviço:

a) A empresa que atua num mercado no qual não sofre concorrência significativa ou assume preponderância relativamente aos seus concorrentes;
b) Duas ou mais empresas que atuam concertadamente num mercado, no qual não sofrem concorrência significativa ou assumem preponderância relativamente a terceiros.

3 – Pode ser considerada abusiva, designadamente:

a) A adoção de qualquer dos comportamentos referidos no n.° 1 do artigo 4.°;
b) A recusa de facultar, contra remuneração adequada, a qualquer outra empresa o acesso a uma rede ou a outras infra-estruturas essenciais que a primeira controla, desde que, sem esse acesso, esta última empresa não consiga, por razões factuais ou legais, operar como concorrente da empresa em posição dominante no mercado a montante ou a jusante, a menos que a empresa dominante demonstre que, por motivos operacionais ou outros, tal acesso é impossível em condições de razoabilidade.»

E refira-se também o artigo relativo à concentração de empresas:
«Artigo 8.º

Concentração de empresas

1 – Entende-se haver uma operação de concentração de empresas, para efeitos da presente lei:

a) No caso de fusão de duas ou mais empresas anteriormente independentes;
b) No caso de uma ou mais pessoas singulares que já detenham o controlo de pelo menos uma empresa ou de uma ou mais empresas adquirirem, direta ou indiretamente, o controlo da totalidade ou de partes de uma ou de várias outras empresas.

2 – A criação ou aquisição de uma empresa comum constitui uma operação de concentração de empresas, na aceção da alínea b) do número anterior, desde que a empresa comum desempenhe de forma duradoura as funções de uma entidade económica autónoma.
3 – Para efeitos do disposto nos números anteriores o controlo decorre de qualquer ato, independentemente da forma que este assuma, que implique a possibilidade de exercer, isoladamente ou em conjunto, e tendo em conta as circunstâncias de facto ou de direito, uma influência determinante sobre a atividade de uma empresa, nomeadamente:

a) Aquisição da totalidade ou de parte do capital social;
b) Aquisição de direitos de propriedade, de uso ou de fruição sobre a totalidade ou parte dos ativos de uma empresa;
c) Aquisição de direitos ou celebração de contratos que confiram uma influência preponderante na composição ou nas deliberações dos órgãos de uma empresa.

4 – Não é havida como concentração de empresas:

a) A aquisição de participações ou de ativos no quadro do processo especial de recuperação de empresas ou de falência;
b) A aquisição de participações com meras funções de garantia;
c) A aquisição por instituições de crédito de participações em empresas não financeiras, quando não abrangida pela proibição contida no artigo 101.° do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 298/92, de 31 de dezembro.»


2.2. Como se disse, a Lei n.º 18/2003 foi revogada pela Lei n.º 19/2012, que, presentemente, estabelece o regime jurídico da concorrência, mantendo-se o mesmo âmbito de aplicação (cfr. artigo 2.º).

A noção de empresa, que também não apresenta alterações, consta agora do artigo 3.º que estabelece:
«Artigo 3.°

Noção de empresa

1 – Considera-se empresa, para efeitos da presente lei, qualquer entidade que exerça uma atividade económica que consista na oferta de bens ou serviços num determinado mercado, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento.
2 – Considera-se como uma única empresa o conjunto de empresas que, embora juridicamente distintas, constituem uma unidade económica ou mantêm entre si laços de interdependência decorrentes, nomeadamente:

a) De uma participação maioritária no capital;
b) Da detenção de mais de metade dos votos atribuídos pela detenção de participações sociais;
c) Da possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou de fiscalização;
d) Do poder de gerir os respetivos negócios.»

No Capítulo II (“Práticas restritivas da concorrência”), interessa-nos, especialmente, os artigos 9.º, 10.º e 11.º:
«Artigo 9.º

Acordos, práticas concertadas e decisões
de associações de empresas

1 – São proibidos os acordos entre empresas, as práticas concertadas entre empresas e as decisões de associações de empresas que tenham por objeto ou como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional, nomeadamente os que consistam em:

a) Fixar, de forma direta ou indireta, os preços de compra ou de venda ou quaisquer outras condições de transação;
b) Limitar ou controlar a produção, a distribuição, o desenvolvimento técnico ou os investimentos;
c) Repartir os mercados ou as fontes de abastecimento;
d) Aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes, colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência;
e) Subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de prestações suplementares que, pela sua natureza ou de acordo com os usos comerciais, não têm ligação com o objeto desses contratos.

2 – Exceto nos casos em que se considerem justificados, nos termos do artigo seguinte, são nulos os acordos entre empresas e as decisões de associações de empresas proibidos pelo número anterior.

Artigo 10.º

Justificação de acordos, práticas concertadas e decisões de associações de empresas

1 – Podem ser considerados justificados os acordos entre empresas, as práticas concertadas entre empresas e as decisões de associações de empresas referidas no artigo anterior que contribuam para melhorar a produção ou a distribuição de bens ou serviços ou para promover o desenvolvimento técnico ou económico desde que, cumulativamente:

a) Reservem aos utilizadores desses bens ou serviços uma parte equitativa do benefício daí resultante;
b) Não imponham às empresas em causa quaisquer restrições que não sejam indispensáveis para atingir esses objetivos;
c) Não deem a essas empresas a possibilidade de eliminar a concorrência numa parte substancial do mercado dos bens ou serviços em causa.

2 – Compete às empresas ou associações de empresas que invoquem o benefício da justificação fazer a prova do preenchimento das condições previstas no número anterior.
3 – São considerados justificados os acordos entre empresas, as práticas concertadas entre empresas e as decisões de associações de empresas proibidos pelo artigo anterior que, embora não afetando o comércio entre os Estados membros, preencham os restantes requisitos de aplicação de um regulamento adotado nos termos do disposto no n.° 3 do artigo 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
4 – A Autoridade da Concorrência pode retirar o benefício referido no número anterior se verificar que, em determinado caso, uma prática abrangida produz efeitos incompatíveis com o disposto no n.º 1.
Artigo 11.º

Abuso de posição dominante

1 – É proibida a exploração abusiva, por uma ou mais empresas, de uma posição dominante no mercado nacional ou numa parte substancial deste.
2 – Pode ser considerado abusivo, nomeadamente:

a) Impor, de forma direta ou indireta, preços de compra ou de venda ou outras condições de transação não equitativas;
b) Limitar a produção, a distribuição ou o desenvolvimento técnico em prejuízo dos consumidores;
c) Aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes, colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência;
d) Subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de prestações suplementares que, pela sua natureza ou de acordo com os usos comerciais, não tenham ligação com o objeto desses contratos;
e) Recusar o acesso a uma rede ou a outras infraestruturas essenciais por si controladas, contra remuneração adequada, a qualquer outra empresa, desde que, sem esse acesso, esta não consiga, por razões de facto ou legais, operar como concorrente da empresa em posição dominante no mercado a montante ou a jusante, a menos que esta última demonstre que, por motivos operacionais ou outros, tal acesso é impossível em condições de razoabilidade.»

No que concerne aos acordos entre empresas e as decisões de associações de empresas proibidos pelo n.º 1 do artigo 9.º, excetuando os casos em que se considerem justificados, nos termos do artigo 10.º, são, pois, nulos por força do disposto no n.º 2 daquele artigo 9.º

Mantém-se, assim, a sanção da nulidade.

Refira-se, ainda, inserto no Capítulo III (“Operações de concentração de empresas”), Secção I (“Operações sujeitas a controlo”), o artigo 36.º:
Artigo 36.°

Concentração de empresas

1 – Entende-se haver uma concentração de empresas, para efeitos da presente lei, quando se verifique uma mudança duradoura de controlo sobre a totalidade ou parte de uma ou mais empresas, em resultado:

a) Da fusão de duas ou mais empresas ou partes de empresas anteriormente independentes;
b) Da aquisição, direta ou indireta, do controlo da totalidade ou de partes do capital social ou de elementos do ativo de uma ou de várias outras empresas, por uma ou mais empresas ou por uma ou mais pessoas que já detenham o controlo de, pelo menos, uma empresa.

2 – A criação de uma empresa comum constitui uma concentração de empresas, na aceção da alínea b) do número anterior, desde que a empresa comum desempenhe de forma duradoura as funções de uma entidade económica autónoma.
3 – Para efeitos do disposto nos números anteriores, o controlo decorre de qualquer ato, independentemente da forma que este assuma, que implique a possibilidade de exercer, com caráter duradouro, isoladamente ou em conjunto, e tendo em conta as circunstâncias de facto ou de direito, uma influência determinante sobre a atividade de uma empresa, nomeadamente:

a) A aquisição da totalidade ou de parte do capital social;
b) A aquisição de direitos de propriedade, de uso ou de fruição sobre a totalidade ou parte dos ativos de uma empresa;
c) A aquisição de direitos ou celebração de contratos que confiram uma influência determinante na composição ou nas deliberações ou decisões dos órgãos de uma empresa.

4 – Não é havida como concentração de empresas:

a) A aquisição de participações ou de ativos pelo administrador de insolvência no âmbito de um processo de insolvência;
b) A aquisição de participações com meras funções de garantia;
c) A aquisição de participações por instituições de crédito, sociedades financeiras ou empresas de seguros em empresas com objeto distinto do objeto de qualquer um destes três tipos de empresas, com caráter meramente temporário e para efeitos de revenda, desde que tal aquisição não seja realizada numa base duradoura, não exerçam os direitos de voto inerentes a essas participações com o objetivo de determinar o comportamento concorrencial das referidas empresas ou que apenas exerçam tais direitos de voto com o objetivo de preparar a alienação total ou parcial das referidas empresas ou do seu ativo ou a alienação dessas participações, e desde que tal alienação ocorra no prazo de um ano a contar da data da aquisição, podendo o prazo ser prorrogado pela Autoridade da Concorrência se as adquirentes demonstrarem que a alienação em causa não foi possível, por motivo atendível, no prazo referido.»



VI


Aqui chegados, é tempo de se ensaiar as respostas às perguntas colocadas na presente consulta.


1. A 1.ª pergunta, recorde-se é a seguinte:

«1) A proibição prevista no corpo do art. 443.°, n.º 3, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, de não poder dedicar-se à produção ou comercialização de bens ou serviços ou de qualquer modo intervir no mercado deve cessar quando o objetivo da atuação das associações de empregadores seja o de prestar serviços económico ou sociais aos seus associados?»

Ora, face ao já explanado[71], a resposta não pode deixar de ser negativa.

Não pode aqui relevar a possibilidade da prestação de serviços aos associados para afastar a proibição das associações de empregadores intervirem no mercado

Aliás, a entender-se, deste modo, ficaria, na prática, esvaziada de sentido a proibição constante, hoje, do n.º 3 do artigo 443.º do Código do Trabalho.

Enunciadas que foram as razões que justificam e fundamentam esta proibição, e considerando em geral os vários elementos de interpretação, temos que as associações de empregadores não podem dedicar-se à produção de serviços para o mercado e muito menos intervir concorrencialmente com a atividade dos seus associados, ou a montante ou a jusante dessa atividade.

Como vimos, as associações de empregadores, reguladas pelo Código do Trabalho, têm como função primordial a defesa e promoção dos interesses empresariais – ou melhor, profissionais – dos seus associados, atuando como interlocutores das associações sindicais.

É-lhes reconhecido, extralaboralmente, o direito de prestar serviços aos seus associados, mas, naturalmente, os destinatários dos serviços só podem ser os associados.


2. Na sequência, atente-se agora na 2.ª questão que apresenta duas subquestões:

«2) O que deve ser entendido como prestação de serviços económico e sociais aos associados? Os serviços económicos e sociais a prestar aos associados podem ser alternativos ou, pelo contrário, devem revestir, simultaneamente, caráter económico e matriz social?»

Ora, começando precisamente pela 2.ª subquestão, de acordo com o já exposto no presente excurso, a resposta deverá ser afirmativa.

E não será despiciendo lembrar, ainda, os dizeres de Eduardo Paz Ferreira/Ana Perestrelo de Oliveira[72]:

«As associações de empregadores podem, é certo, desenvolver funções extralaborais, mas apenas a título secundário: em, particular é-lhes permitida a prestação de serviços de caráter económico, e social aos seus associados, que podem só indiretamente ter repercussões no domínio laboral. Porém, o artigo 443.º/3 veda às associações de empregadores o direito de exercer atividades industriais e comerciais e prestar serviços a terceiros. Impede-se, inclusive, a prestação de serviços aos próprios associados se não apresentarem caráter económico e social. Visa-se, assim, como dissemos, concentrar a associação nas suas funções laborais – o que, designadamente, justifica a referida regra da impenhorabilidade dos bens, por exemplo – assim como evitar a preterição de regras de direito da concorrência.
Resulta, portanto, do Código do Trabalho a proibição de prestação de serviços, direta ou indiretamente, quer a terceiros, quer aos associados salvo com caráter económico e social. Em consequência, tem-se afirmado um absoluto impedimento de constituição de sociedades (ou outras entidades) para prestar serviços a terceiros. Veda-se ainda, por outro lado, quaisquer outras formas de intervenção no mercado (v.g., acordos com produtores/distribuidores para a fixação de preços).
Estes limites colocados ao objeto das associações de empregadores têm já longa tradição, como dissemos. O Código do Trabalho não só os confirmou como até acentuou, quando confrontada a legislação anterior. Com efeito, o artigo 443.º/1, b), do CT restringe a prestação de serviços aos associados àqueles serviços de «caráter económico e social», enquanto no anterior Código do Trabalho, de 2003, se admitia a prestação de serviços aos associados, sem se especificar quais os serviços admissíveis. Se à luz da anterior legislação era já duvidoso qual o âmbito dos serviços cuja prestação nas relações internas era aceite, hoje resulta da lei a exigência de os serviços, além de interesse económico, terem repercussão social».

Os serviços a prestar têm, portanto, de ter interesse económico e repercussão social.

Embora se trate de serviços designados de extralaborais, está, ainda, em causa, o apoio que as associações de empregadores, enquanto associações profissionais, podem/devem fornecer aos seus associados[73].

Serão assim, serviços de caráter económico e social, por exemplo, serviços jurídicos, serviços de formação e de informação ou serviços de assistência informática.


3. A 3.ª questão foi equacionada nos seguintes termos:

«3) A expressão contida na lei atualmente em vigor – prestação de serviços económico e sociais aos associados – deve ser interpretada no sentido de abranger apenas e só a prestação de serviços diretamente aos associados, por exemplo, jurídicos ou a mera prestação de informações fiscais, económicas, estudos de mercado…ou pode envolver a própria atuação no mercado por intermédio de sociedades criadas ou participadas pelas associações de empregadores, desde que essa atuação seja norteada com o objetivo último de proporcionar benefícios económicos e sociais aos associados?»

Face ao que se disse anteriormente, a resposta já terá sido dada.

De todo o modo, frise-se a prestação de serviços prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 443.º do Código do Trabalho apenas pode ter como destinatários os associados.

Agora, a prestação de serviços aos associados poderá ser feita diretamente pela associação de empregadores ou individualmente, mediante, por exemplo sociedades criadas para o efeito.


4. A 4.ª pergunta, lembre-se também, é a seguinte:

«4) Em face do novo quadro legislativo é lícito às associações de empregadores poder exercer outras atividades instrumentais, atuando genericamente no mercado, produzindo ou comercializando bens e serviços a terceiros e não apenas aos seus associados – por intermédio de sociedades criadas ou por elas participadas – com o objetivo de obter benefícios económicos adicionais, mesmo sob a forma de distribuição de lucros ou de dividendos, que posteriormente poderão ser afetos à satisfação dos fins das associações?»

A resposta a esta pergunta afigura-se-nos não poder deixar de considerar-se já dada ou até mesmo prejudicada.

Como vimos, o objetivo de obter benefícios económicos adicionais será admissível nos termos supra referidos para as associações em geral[74].

Mas o mesmo não se verifica relativamente às associações de empregadores, face à proibição do n.º 3 do artigo 443.º do Código do Trabalho.

Será, porventura, pertinente fazer a este respeito uma referência à Associação Nacional das Farmácias, pois, conquanto não seja referida nas questões que nos foram colocadas, não se ignora as situações que estão na base da presente consulta.

Desde logo, impõe-se um pequeno apontamento para recordar que justamente no setor farmacêutico encontramos um regime de incompatibilidade que visa a proteção do mesmo tipo de valores que também encontramos no artigo 443.º do Código do Trabalho.

Com efeito, o Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de agosto[75], que, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 20/2007, de 12 de junho, estabelece o regime jurídico das farmácias de oficina, dispõe no artigo 16.º:
«Artigo 16.°

Incompatibilidades
Não podem deter ou exercer, direta ou indiretamente, a propriedade, a exploração ou a gestão de farmácias:

a) Profissionais de saúde prescritores de medicamentos;
b) Associações representativas das farmácias, das empresas de distribuição grossista de medicamentos ou das empresas da indústria farmacêutica, ou dos respetivos trabalhadores;
c) Empresas de distribuição grossista de medicamentos;
d) Empresas da indústria farmacêutica;
e) Empresas privadas prestadoras de cuidados de saúde;
f) Subsistemas que comparticipam no preço dos medicamentos.»

No que concerne à atuação da Associação Nacional de Farmácias[76], não cabendo, é certo, a este órgão consultivo indagar matéria de facto, não pode deixar-se de notar, face aos elementos referenciados na presente consulta, em especial o organograma reproduzido supra[77], o alargamento das suas atividades por várias empresas, constituindo, aliás, o designado Universo ANF[78].

E mesmo sem melhor apuramento verifica-se que essas empresas atuam em geral no mercado.

Assim, parece que será de considerar a ilicitude das participações da ANF nessas sociedades.


5. Prossegue a 5.ª pergunta:

«5) Na afirmativa, a criação de sociedades ou a detenção de participações sociais pelas associações de empregadores deve ser limitada a sociedades cujo objeto seja próximo, afim ou conexo com o das associações de empregadores e dos seus associados ou, pelo contrário, podem as associações de empregadores também criar ou deter participações em sociedades cujo objeto seja estranho ao da sua atividade, desde que o objetivo último seja o de colher proventos económicos para posteriormente os afetar à satisfação dos fins da associação e dos seus associados?»

Esta pergunta, face ao dito anteriormente, está, naturalmente, prejudicada.


6. A 6.ª pergunta é a seguinte:

«6) Podem as associações de empregadores criar ou deter participações sociais em sociedades gestoras de participações sociais?»

A resposta a esta pergunta remete-nos para o respondido a propósito da 1.ª e da 3.ª questões.

Isto é, a intervenção das associações de empregadores, seja direta, seja indireta, apenas pode ter como destinatários os associados.


7. Finalmente, recordem-se, em conjunto, as 7.ª e 8.ª questões:

«7) Caso as associações de empregadores possam criar ou participar no capital social de sociedades comerciais que atuem genericamente no mercado, produzindo ou comercializando bens ou serviços a terceiros, e não apenas aos seus associados, quais os limites a essa intervenção em face do novo quadro legislativo? Os limites devem ser aferidos em função da proporção do valor da participação? Na afirmativa, deve a participação no capital social ser limitada a um valor mínimo, insuficiente para determinar o sentido da gestão empresarial e impedir a manipulação das regras da concorrência, por exemplo, inferior a 50%, ou pode a participação social das associações de empregadores ser mesmo superior a esse valor?
8) Se a detenção do capital social permitida for inferior a 50%, como apreciar a licitude da atuação das associações de empregadores em sociedades cujo capital esteja dividido por um grande número de sócios e acionistas, quando é certo que a determinação do sentido da gestão empresarial pode ser assegurado, nesses casos, por uma participação social inferior a 50%? E como apreciar a licitude da participação das associações de empregadores quando estas detenham capital social em sociedades comerciais anónimas, não admitidas à negociação nos mercados, e com ações ao portador, não registadas?»

Dada a contextualização das questões, estas têm de se considerar prejudicadas[79].

No entanto, afigura-se-nos não ser despiciendo mesmo no domínio estrito do mercado dos associados ponderar a eventual violação de regras da concorrência a que acima aludimos. Mas esta é uma perspetiva que, neste momento, extravasa a consulta.


VII


Em face ao exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1.ª – As associações de empregadores, anteriormente designadas associações patronais, agregam os empresários, enquanto empregadores, com a função primordial de defesa e promoção dos seus interesses profissionais e atuando como interlocutores das associações sindicais na dialética do trabalho;

2.ª – A regulação das associações patronais, após abril de 1974, quis romper com o modelo dos grémios do regime corporativo, erradicando os poderes para disciplinar e regular o mercado, bem como de atividade económica;

3.ª – Com efeito, as funções de representação cometidas às associações de empregadores são incompatíveis com o seu papel de empresário, que implica interesses próprios, sejam da mesma natureza dos seus associados, sejam diferentes;

4.ª – Por força do disposto no n.º 3 do artigo 443.º do Código do Trabalho, é proibido às associações de empregadores produzirem ou comercializarem bens ou serviços ou de qualquer modo intervir no mercado, sem prejuízo do direito de prestarem serviços aos seus associados;

5.ª – Assim, decorre da interpretação conjugada do n.º 3 e da alínea b) do n.º 1 do artigo 443.º do Código do Trabalho que:

i) A prestação de serviços só se pode dirigir aos próprios associados, estando vedada a prestação de serviços a terceiros;
ii) Os serviços têm de ter, simultaneamente, caráter económico e social;
iii) A atividade da associação de empregadores não pode traduzir-se nunca numa atividade empresarial, designadamente, produzindo ou comercializando bens ou serviços no domínio da própria atividade económica dos seus associados, ou a montante ou a jusante dessa atividade;

6.ª – Não é, pois, admissível, ao invés do que acontece, em princípio, com as associações em geral, às associações de empregadores prosseguirem atividades económicas com vista à obtenção de fundos para a prossecução dos seus fins;

7.ª – Os serviços a prestar pelas associações de empregadores, direta ou indiretamente, aos seus associados têm, portanto, de ter interesse económico e repercussão social, estando, ainda, em causa, o apoio que aquelas associações profissionais, podem/devem fornecer aos seus associados;

8.ª – Mas os serviços referidos na conclusão anterior podem traduzir-se em serviços vários, como sejam, serviços jurídicos ou serviços de formação e informação;

9.ª – As participações de associações de empregadores em sociedades comerciais com atividade no mercado em geral são ilícitas por violação da proibição constante do referido n.º 3 do artigo 443.º do Código do Trabalho.


ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 04 DE DEZEMBRO DE 2014.


Maria Joana Raposo Marques Vidal – Maria Manuela Flores Ferreira (Relatora) – Paulo Joaquim da Mota Osório Dá Mesquita – (Com voto de vencido em anexo). – Alexandra Ludomila Ribeiro Fernandes Leitão – Luís Armando Bilro Verão – Maria de Fátima da Graça Carvalho – Manuel Pereira Augusto de Matos (Com voto de vencido em anexo). – Fernando Bento (Com voto de vencido em anexo).


(Paulo Joaquim da Mota Osório Dá Mesquita)
Votei vencido pelas razões que se passam a enunciar.


§ I Antes do mais, importa sublinhar que nesta declaração pretende-se, apenas, explicitar o afastamento relativamente ao parecer em aspetos nucleares das respetivas conclusões e fundamentação, num exercício drasticamente condicionado pelos tempos de vista, estudo e deliberação de pareceres do Conselho Consultivo por parte dos membros que não são relatores.
A consulta visou um determinado escopo claramente recortado que, na nossa perspetiva, impunha uma abordagem distinta da adotada na sua fundamentação e conclusões.
Com efeito, pretendeu-se que este Conselho reapreciasse a doutrina do parecer n.º 8/2006, de 13-7-2006[80], pelo que, metodologicamente, tendo presente o referido lastro, devia-se neste novo parecer:
1- Voltar a abordar a temática do parecer n.º 8/2006 e, consequentemente, reafirmar a respetiva doutrina ou afastar-se da mesma em pontos determinados o que exigia uma clara e inequívoca identificação dos pontos e fundamentos da rotura;
2- Analisar as alterações legislativas supervenientes das normas relevantes e explicitar de forma inequívoca se as mesmas determinam prescrições diferenciadas quanto às questões anteriormente tratadas e, nessa hipótese, os motivos e os pontos objeto de alteração legal;
3- Na medida em que o tema se reporta a restrições de direitos, caso se preconizasse que o Código do Trabalho de 2009 introduzia novos constrangimentos relativamente à atividade das associações empresariais tinha ainda de se analisar o problema relativo à aplicação da lei no tempo (sendo certo que o motivo direto e expresso da consulta, as participações sociais da ANF se reporta a factos anteriores ao referido Código do Trabalho de 2009);
4- Reportando-se a consulta a um problema específico da Associação Nacional de Farmácias (ANF) especificamente referido na fundamentação da consulta, era, ainda, exigível que, caso a doutrina do parecer fosse no sentido de uma maior restrição da respetiva atividade, se determinasse as implicações para a atuação do Ministério Público atendendo, nomeadamente, à existência de caso julgado quanto a anterior iniciativa desse órgão do Estado interposta contra a ANF e julgada improcedente;
5- Sendo certo que os aspetos referidos nos pontos 3 e 4 exigiriam uma ponderação especificada na resposta às oito perguntas expressamente formuladas na consulta, sem olvidar que têm um direto destinatário, como resulta da fundamentação do parecer n.º 8/2006, bem como das conclusões 5.ª e 6.ª desse parecer diretamente reportadas a participações sociais da ANF.
§ II Ao nível dos pressupostos hermenêuticos que determinaram as conclusões 5.ª, 6.ª, 7.ª e 9.ª de que se discorda, antes do mais, importa ter presente que o parecer não se pronuncia sobre a problemática das regras da concorrência nem dos constrangimentos específicos à intervenção no mercado regulado dos medicamentos (vejam-se as respetivas conclusões). Matéria que, contudo, está subjacente a muita da argumentação desenvolvida por outras entidades junto do Ministério Público relativamente à associação, a ANF, e que está no epicentro da controvérsia que fundamentou de forma expressa o pedido de nova pronúncia deste órgão consultivo.
A questão analisada no parecer reportou-se exclusivamente à regra do Código de Trabalho restritiva da atividade económica de associações de empregadores por via do princípio da especialidade.
Domínio em que foram defendidas de forma motivada três posições distintas no parecer n.º 8/2006 — a menos restritiva pela maioria de então, a mais restritiva nos votos de vencido de José Luis Paquim Pereira Coutinho e António Leones Dantas e intermédia no voto de vencido de Alberto Esteves Remédio —paradigmáticas, nos seus desencontros, dos termos do problema. O que impunha, na nossa perspetiva, no plano metodológico que a rotura com a posição firmada no parecer anterior (e no caso foi diametralmente oposta) exigisse um diálogo argumentativo com todo o discurso de fundamentação então expresso no parecer e o da posição intermédia firmada num dos votos de vencido.
Para não estender excessivamente este voto (atentos ainda os constrangimentos referidos acima) iremos aderir à posição então expressa por Alberto Esteves Remédio e, com a devida vénia, transcrever uma parte da sua argumentação:
«Admito […] que a prestação de serviços aos associados não se restrinja ao conceito civilista de prestação de serviço (artigos 1154.º a 1156.º do Código Civil) nem à mera satisfação de interesses sócio-profissionais, podendo ainda abranger a satisfação de necessidades económicas e, neste âmbito, o fornecimento de bens.
«Todavia, a prestação de serviços aos associados constituirá sempre o critério retor da intervenção no mercado por parte das associações de empregadores. […]
«Afirma-se no parecer (III, 7.1.) que a intervenção no mercado por parte das associações de empregadores tem, um limite interno e um limite externo: o limite interno consiste na prestação de serviços aos associados – a intervenção no mercado só é lícita quando estiver em causa a prestação de serviços aos associados; o limite externo traduz-se na interferência “no regular funcionamento do mercado respetivo em violação das regras legais que disciplinam a concorrência” (cfr. conclusão 4.ª).

«Ora, considero que há igualmente intervenção ilícita no mercado quando uma associação de empregadores vai além da mera prestação de serviços aos associados e passa a atuar no mercado, facultando bens ou serviços a outros operadores que não apenas aos seus associados.
«Isto é, a intervenção das associações de empregadores no mercado só é permitida quando e enquanto estiver em causa apenas a prestação de serviços aos associados; tudo o que for para além disso constitui uma atuação ilícita, ainda que não exista infração das regras da concorrência nem violação do princípio do livre funcionamento do mercado.
«Entendo, assim, que o funcionamento do tal limite externo deve ser antecipado, por forma a abranger as situações em que uma associação de empregadores, a coberto da prestação de serviços aos associados, desenvolve uma atividade empresarial autónoma, que tem como destinatários tanto os associados como terceiros.
«Nestes casos, a prestação de serviços aos associados descaracteriza-se e passa a assumir “o caráter de atividade empresarial”, a qual “é inteiramente vedada (ainda que em termos cuja amplitude se afigura mal definida)” (Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13.ª ed., 2006, pp. 709-710).
«Não será, na verdade, tarefa isenta de dificuldades a enunciação de um critério claro que permita destrinçar, em relação às associações de empregadores, as intervenções no mercado lícitas das ilícitas.

«Afigura-se-nos que haverá, com certeza, uma intervenção no mercado ilícita sempre que a associação de empregadores, direta ou indiretamente, (i) obtenha posições maioritárias ou de controlo do capital social das empresas constituídas ou participadas (ii) e estas se não limitem a prestar serviços aos seus associados, mesmo que, em qualquer dessas situações, não chegue a haver violação das regras de concorrência nem interferência no regular funcionamento do mercado.»
O parecer, aparentemente, parece, ainda, considerar que o Código do Trabalho de 2009 dará novo sustento à posição agora preconizada. Em sentido contrário, entendemos que esse diploma não introduziu dados novos a este nível, e as meras referências literais não encontram suporte no elemento histórico-teleológico, sintetizando, como se refere no próprio parecer relativamente ao regime de 2003 (e de 1975), «materialmente são poucas as diferenças» de regimes. As variações semânticas, derivam de uma alteração da sistemática-formal sem que exista um qualquer reforço dos constrangimentos da margem de atuação das associações de empregadores relativamente às opções político-legislativas de 1975 — em pleno PREC, num diploma do IV Governo Provisório chefiado por Vasco Gonçalves sendo ministro do trabalho José da Costa Martins.
A tese preconizada de que por força da letra da lei «os serviços a prestar têm, portanto, de ter interesse económico e repercussão social», não tem qualquer suporte no elemento histórico-teleológico. Acresce, que o próprio parecer deixa por esclarecer o conceito que adota de «repercussão social», em especial do substantivo feminino repercussão, bem como as implicações da exigência de preenchimento cumulativo de «interesse económico» e «repercussão social» — exigência que, aliás, se articula com dificuldade com a ilustração estabelecida na conclusão 8.ª.
§ III Ainda que se concordasse com a doutrina deste novo parecer, nomeadamente, com as restrições genéricas e absolutas de direitos de associações de empregadores estabelecidas nas conclusões 5.ª, 7.ª e 9.ª, teria sempre de se lavrar declaração de voto discordante na medida em que se considera que não foram satisfeitas as exigências metodológicas identificadas acima nos pontos 3, 4 e 5 do § I do presente voto. Aspetos fundamentais, especialmente quando a presente consulta opera por solicitação do Procurador-Geral da República visando o exercício do poder diretivo em que ressalta a importância de uma função preventivo-primária, que se traduz na emanação de um comando que constituirá a fonte de decisões sobre determinadas questões[81].
O poder diretivo genérico visa o reforço da unidade nacional de atuação e pode compreender a definição de objetivos ou de condições de ação. As diretivas sobre condições de ação, onde se incluem as que sistematizam regras advenientes da interpretação jurídica da lei que deve ser seguida pelos procuradores, como se visa no caso deste parecer, trabalham sobre dados de facto ligados ao passado, supondo muitas vezes um prévio trabalho teórico de natureza jurídica, que, contudo, não afasta a exclusividade da responsabilidade do decisor quanto à opção precetiva[82]. Daí que o órgão supra-ordenador assuma um importante papel de redução da complexidade no prosseguimento de uma função teórico jurídica[83].
Redução da complexidade que exige a extração de corolários da posição expressa, pelo menos, quanto à situação exposta que determinou a consulta. Tanto mais que no parecer n.º 8/2006, com cuja doutrina o presente parecer rompeu, as conclusões 5.ª e 6.ª constituem uma extração clara de consequências da posição jurídica então expressa (relativamente à qual se formularam outros entendimentos a partir de interpretações divergentes expressas nos votos de vencido então lavrados).
Na nossa leitura, o parecer não logrou estabelecer orientações claras em termos de interpretação e aplicação das normas legais que constituem condições de ação dos magistrados do Ministério Público no domínio objeto da consulta, não cumprindo de forma plena o seu papel, acima referido, de redução da complexidade e a resposta a questões jurídico-práticas deve constituir o núcleo da atividade deste ente consultivo[84].
Comandos sobre condições de ação que carecem de análises sistematizadas das necessidades de uniformização ou clarificação de procedimentos, bem como das implicações operativas e jurídico-práticas que devem determinar uma intervenção com vista ao esclarecimento de dúvidas e/ou à superação da aplicação desigual da lei (no caso através de um instrumento normativo intra-orgânico, mas que, noutras situações, podia dirigir-se ao impulso da uniformização da jurisprudência, recorde-se que estamos a referir uma matéria onde houve uma decisão transitada que julgou improcedente ação proposta pelo MP contra a ANF, da mais alta instância judicial, baseada numa interpretação antagónica à da tese agora preconizada pelo Conselho).




(Fernando Bento) – Voto vencido o presente parecer, na medida em que a sua fundamentação e as respetivas conclusões (com excepção da 4.ª) contrariam as conclusões extraídas no parecer n.º 8/2006 deste Conselho, que votei favoravelmente.

Sem prejuízo de melhor estudo, admito que o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, tenha vindo, no seu artigo 443.º, n.º 1, alínea b), a restringir o âmbito dos serviços que as associações de empregadores podem prestar aos respetivos associados, limitando-os aos que tenham natureza económica e social, contrariamente ao que anteriormente resultava do artigo 5.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 215-C/75, de 30 de abril, e do artigo 510.º, n.º 1, alínea b), do Código do Trabalho de 2003, preceitos estes que não continham idêntica limitação.

Trata-se, todavia, de matéria que não é objeto de tratamento no parecer.

Anota-se, entretanto, que o facto de este Conselho, com o presente parecer, passar a perfilhar entendimento oposto ao que decorria do parecer n.º 8/2006 e da jurisprudência dos tribunais superiores, não deverá fazer esquecer a realidade com que o Ministério Público se continua a deparar: o mesmo encontra-se vinculado pelo caso julgado decorrente do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido na ação oportunamente intentada contra a Associação Nacional de Farmácias (Acórdão de 15 de outubro de 1996 – Processo n.º 96B244), devendo extrair daí as correspondentes consequências no plano de novas ações a intentar.


(Manuel Pereira Augusto de Matos) Vencido, pelas razões que passo a expor.


1. Como salienta PEDRO ROMANO MARTINEZ, comentando o artigo 506.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, «as associações de empregadores enquadram-se no regime comum das associações, previsto nos artigos 167.º e ss. do CC, porque tanto a sua génese como as respetivas funções não apresentam especificidades relevantes»[85].

Nesta perspetiva, e perante a referência feita no artigo 157.º do Código Civil às «associações que não tenham por fim o lucro económico dos associados», pode justamente inferir-se, como ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, que «a contrario elas poderiam visar o lucro económico próprio ou o de seus associados»[86]. A associação, prossegue este autor, «deve ter meios económicos para prosseguir os seus objetivos. Faz, assim, todo o sentido […] admitir que ela possa desenvolver atividades lucrativas»[87]

A capacidade jurídica das pessoas coletivas encontra-se consagrada no artigo 160.º, n.º 1, do Código Civil, nos termos do qual, «ela abrange todos os direitos e obrigações necessárias ou convenientes à prossecução dos seus fins». Enuncia-se aqui o designado princípio da especialidade, aliás, em «termos muito amplos», pois admite, conforme assinala JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, «todas as situações jurídicas que sejam convenientes à prossecução dos seus fins»[88]. No entanto, ainda segundo este autor, para evitar que «praticamente tudo passa[sse] a ser possível», o princípio da especialidade «só ganha verdadeira relevância se se sustentar que são estranhos à pessoa coletiva os atos dos seus representantes que se afastarem dos seus fins, ou do objeto social»[89].

Ou seja, a capacidade de gozo das pessoas coletivas, designadamente das associações, sofre de diversas limitações, permitindo-me aqui destacar as limitações decorrentes da lei (limitações legais).

2. Ora, neste âmbito releva o que se dispõe no artigo 443.º, n.º 3, do Código do Trabalho.

Nos termos desta disposição, as associações de empregadores não podem dedicar-se à produção ou comercialização de bens ou serviços ou de qualquer modo intervir no mercado, sem prejuízo do disposto na alínea b) do n.º 1.

A proibição do exercício de atividades industriais (produção de bens) ou comerciais (comercialização de bens) resulta do princípio da especialidade, em virtude do qual, como se considera no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de outubro de 1996, referenciado no parecer, «as pessoas coletivas dispõem apenas de capacidade para a prática de atos que tenham relação com o seu fim estatutário», sendo certo que, muito embora a enumeração dos direitos contida no artigo 443.º do Código do Trabalho não seja exaustiva, há que reconhecer que sempre, desde o regime estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 215-C/75, de 30 de abril, o exercício de atividades daquele tipo (indústria e comércio) não integrava os fins das associações patronais, agora associações de empregadores.

A segunda limitação – proibição de intervirem no mercado – tem por fim, como também se afirma no citado acórdão, «obstar a que as associações patronais [agora associações de empregadores] usem o seu poder para, no interesse dos seus associados, condicionarem ou manipularem o mercado, violando assim as regras da concorrência».

Ou seja «as associações de empregadores, relativamente à sua capacidade (…) encontram-se limitadas no que respeita à sua intervenção no mercado, tanto através da comercialização de bens como da prestação de serviços. Em suma, são associações de Direito Civil e não sociedades comerciais, pelo que tal intervenção terá de ficar circunscrita ao mercado dos associados»[90].

Na situação subjacente a esta consulta, está a apreciação da legalidade da atuação de uma associação de empregadores – a Associação Nacional de Farmácias (ANF) que terá «[alargado] a sua esfera de atuação a outras atividades de natureza empresarial», questionando-se «a eventual ilicitude decorrente do facto de ter passado a ser proprietária e/ou a deter participações sociais em diversas empresas ou sociedades gestoras de participações sociais e/ou em sociedades que oferecem os seus serviços no mercado…». Alude-se depois a um designado «Universo ANF».

No parecer n.º 8/2006 deste corpo consultivo, cuja «eventual desatualização» se suscita, foi solicitada resposta para, entre outras, as seguintes questões:

«a) Pode o n.º 2 do artigo 510.º do Código do Trabalho ser interpretado no sentido de que a proibição das associações interferirem no mercado cessa quando elas atuem com o objetivo de prestarem serviços aos associados?

b) Ou, pelo contrário, deve a mesma disposição ser interpretada no sentido de que a possibilidade de prestar serviços aos associados cessa quando da mesma resultar interferência no mercado a que os mesmos se dedicam?

c) Nos termos da mesma disposição legal, não é interferência no mercado a detenção pela ANF, de 49% do capital duma empresa que vende medicamentos por grosso, acrescida da detenção de mais 2% por outra empresa em que a associação já participa em 30%, sendo que o mercado relevante é o mercado de medicamentos que as farmácias vendem a retalho?

d) Pode ser considerado como prestação de serviços às farmácias associadas, a venda de medicamentos por uma empresa grossista detida pela Associação Nacional de Farmácias, empresa essa que vende também os mesmos medicamentos a outros grossistas ou retalhistas existentes no mesmo mercado?

e) Podem os Estatutos da ANF conter uma cláusula em que se determina que, para a prossecução dos seus fins, “deve constituir ou fazer parte de sociedades, qualquer que seja a sua forma ou natureza, cuja atividade possa contribuir para uma mais eficaz prossecução dos fins da Associação”, sem qualquer limitação de “intervenção no mercado das farmácias e do medicamento?
[…]»

O Conselho Consultivo, por maioria, concluiu:

«1.ª – Por força do disposto no artigo 510.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do Código do Trabalho, as associações de empregadores não podem dedicar-se à produção ou comercialização de bens ou serviços ou de qualquer forma intervir no mercado, sem prejuízo do direito de prestarem serviços aos seus associados;

2.ª – Para efeitos de tal disposição legal, o conceito de serviços não se restringe à mera prestação do resultado de um trabalho intelectual ou manual, conforme o previsto no artigo 1154.º do Código Civil, englobando, ao invés, qualquer prestação, de atividades ou de outros bens, intelectuais ou materiais, que se mostre idónea para prosseguir a defesa e a promoção dos interesses empresariais dos seus associados;

3.ª – A aquisição, por uma associação de empregadores que laboram exclusivamente no mercado retalhista, de participações sociais em empresas grossistas do mesmo ramo pode integrar-se no referido conceito de prestação de serviços, desde que, com tal aquisição, se vise, direta ou indiretamente, defender ou promover os interesses empresariais dos seus associados;

4.ª – Na medida em que, no âmbito de tais participações sociais, a associação de empregadores possa determinar o sentido da gestão empresarial de uma ou mais empresas grossistas, a mesma, ainda que visando a defesa e promoção dos interesses dos seus associados, não poderá interferir no funcionamento do mercado respetivo em violação das regras legais que disciplinam a concorrência;

5.ª – A cláusula constante dos estatutos de uma associação de empregadores que laboram no comércio retalhista de medicamentos (Associação Nacional de Farmácias), nos termos da qual esta poderá «[c]onstituir ou fazer parte de sociedades, qualquer que seja a sua forma ou natureza, cuja atividade possa contribuir para uma mais eficaz prossecução dos fins da associação», não viola o disposto no artigo 510.º, n.º 2, do Código do Trabalho;

6.ª – Sendo tal associação de empregadores titular de 100% e de 30%, respetivamente, do capital social de duas empresas, as quais vêm a adquirir, respetivamente, 49% e 2% do capital social de outra empresa que se dedica ao comércio grossista de medicamentos, estas aquisições, ainda que realizadas por influência direta daquela associação, e desde que visando a defesa e a promoção dos interesses empresariais dos seus associados, não integram, só por si, violação do disposto no referido preceito legal».

O signatário aderiu à posição que fez vencimento nesse parecer. Muito embora, tenha sido emitido na vigência do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, não se vislumbram fundamentos para alterar esse entendimento.

Presentemente, vigora o Código do Trabalho de 2009 que introduziu algumas alterações ao regime anterior. Uma delas, mais significativa (ou não) para o caso, traduziu-se na redação conferida à alínea b) do n.º 1 do artigo 443.º: as associações sindicais e as associações de empregadores têm o direito de «prestar serviços de caráter económico e social aos seus associados». Na versão anterior, a norma correspondente, contida no artigo 510.º, n.º 1, alínea b), falava no direito conferido às associações de empregadores de «prestar serviço aos seus associados».

Esta disposição assume inegável relevo já que ela configura uma limitação à proibição decretada pelo n.º 3 do artigo 443.º do atual Código do trabalho. Nos termos deste preceito, correspondente ao n.º 2 do artigo 510.º do Código do Trabalho de 2003, as associações de empregadores não podem dedicar-se à produção ou comercialização de bens ou serviços ou de qualquer modo intervir no mercado, sem prejuízo do disposto na alínea b) do n.º 1, onde se estabelece que que lhes é lícito prestar serviços aos seus associados de caráter económico e social.

A proibição presente no n.º 3 do citado artigo 443.º não é, nesta medida, absoluta, como observa M. HENRIQUE MESQUITA, em comentário (concordante) ao citado acórdão do STJ[91]. A proibição a que tal disposição sujeita as associações de empregadores cessa sempre que elas atuem com o fim de prestar serviços de caráter económico e social aos seus associados – serviços esses que, como afirma aquele autor, «tanto podem ser prestados diretamente pelas próprias associações, como por intermédio de instituições que elas criem com esse objetivo»[92].

As conclusões supra reproduzidas do parecer n.º 8/2008 e respetivos fundamentos mantêm, a meu ver, inteira atualidade e validade, não obstante as alterações pontuais que o Código do Trabalho de 2009 introduziu. A este propósito, a meu ver, a referência que agora é feita aos «serviços de caráter económico» a prestar pelas associações de empregadores ter-se-á devido à opção do legislador em consagrar uma disposição comum relativa aos direitos que, de entre outros, se reconhecem às associações laborais. Ora, relativamente às associações sindicais aquela referência já constava na lei sindical de 1975 [artigo 4.º, alínea b), do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de abril]. De todo o modo, afigura-se-me que a nova redação é clarificadora, pois que, passa a constar expressamente, sem margem para dúvidas, que as associações de empregadores estão legitimadas a prestar aos seus associados serviços com aquela natureza (natureza económica), isto é, serviços suscetíveis de expressão pecuniária.

Aos serviços económicos que as associações de empregadores podem prestar aos seus associados acrescerão os serviços de índole social (serviços sociais).

Discorda-se, consequentemente, do entendimento firmado no parecer no sentido de estes serviços terem de revestir «simultaneamente caráter económico e social», ou «de ter interesse económico e repercussão social», no sentido defendido.

Como nota final, afigura-se-me conveniente convocar novamente o citado acórdão do STJ para salientar, para além da relevância jurídica da decisão aí proferida, as implicações que podem decorrer, em sede de caso julgado, numa eventual ação que o Ministério Público decida instaurar perante a situação fáctico-jurídica que está descrita nesta consulta e que, de certo modo, a despoletou. Recorda-se que no recurso decidido pelo STJ estava em causa uma ação proposta pelo Ministério Público contra a Associação Nacional de Farmácias em que se pedia a sua extinção, nos termos do artigo 182.º, n.º 2, alínea c), do Código Civil, por alegada prossecução sistemática e reiterada do seu fim por meios ilícitos: uma atividade traduzida na constituição de duas sociedades anónimas tendo por objeto social a produção e a comercialização – e outras atividades conexas – de especialidades farmacêuticas e outros produtos vendidos em farmácias.













[1] De que nos foram enviadas cópias, bem como dos pareceres jurídicos que as acompanharam e a que naturalmente será dada a devida atenção.
[2] Participação datada de 19 de maio de 2009 e recebida na Procuradoria-Geral da República no dia 25 do mesmo mês.
[3] Da informação consta, aliás, o seguinte esquema atinente ao “Universo ANF”:
[4] Sumário editado e publicado pela Coletânea de Jurisprudência, Ano XXI, Tomo III, 1996, pág. 111.
[5] Publicado na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 130.º, n.os 1380, págs. 202-211 e 1381, págs. 240-249, com “ Anotação” de M. Henrique Mesquita e com o seguinte sumário:
«Sumário: – I. As associações patronais «não podem dedicar-se à produção ou comercialização de bens ou serviços ou de qualquer modo intervir no mercado»:
artigo 5.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 215-C/75, de 30 de abril.– II. A proibição do exercício de atividades industriais ou comerciais decorre do princípio da especialidade, em virtude do qual as pessoas coletivas dispõem apenas de capacidade para a prática de atos que tenham relação com os seus fins estatutários, fins esses que, no tocante às associações patronais, só podem ser indicados no n.º 1 do artigo 5.º do citado diploma legal.– III A proibição de as associações patronais intervirem no mercado tem por fim obstar a que usem o seu poder para, no interesse dos associados, condicionarem ou manipularem o mercado, violando assim as regras da concorrência. – IV. Uma associação patronal pode adquirir participações no capital de sociedades comerciais, porque quem exerce a atividade correspondente ao objeto social não é a associação, mas sim as sociedades a que as participações respeitem. – V. Se uma associação patronal participar, como sócia, na constituição de uma sociedade que possa prestar serviços aos membros da associação, a licitude do ato de participação decorre da alínea b) do n.º 1 do artigo 5.º do mesmo diploma legal, onde se estabelece que compete às associações patronais «prestar serviços aos seus associados ou criar instituições para esse efeito», devendo entender-se que no conceito genérico de instituições se abrangem as sociedades.»

[6] Cfr. sumário publicado em www.dgsi.pt.
[7] Aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto.
[8] Vide www.dgsi.pt.
[9] No sumário do acórdão consigna-se:
I – O princípio da especialidade, consagrado no art.° 160.º, n.º 1, do Código Civil, na aceção mais comum, significa que as pessoas coletivas, como as associações, apenas podem desfrutar de direitos e assumir obrigações necessárias ou pertinentes aos fins para que se constituíram.
II – Quer o n.º 2 do art.° 5.º do revogado DL n.º 215-C/75, de 30/4 – “Lei das Associações Patronais” – quer o n.º 2 do art.° 510.º do recente Código do Trabalho, vedam às associações de empregadores, ou associações patronais, o dedicarem-se à produção ou comercialização de bens ou serviços, ou a sua intervenção “de qualquer modo no mercado”, sem prejuízo do direito de prestarem serviços aos seus associados.
III – Para evitar essa proibição de “intervenção de qualquer modo no mercado”, e reconhecendo que às associações como a Ré, é legitimo obterem, além das receitas dos seus associados, outras que advenham da sua atuação no mercado, para que a participação das associações de empregadores ou patronais, se possa fazer, intervindo no capital de outras empresas, é indispensável que as participadas tenham objeto social afim, ou muito próximo, do escopo associativo das participantes, desde que essa intervenção, não conduza à obtenção de posições maioritárias, ou de controlo, no capital social das empresas onde a intervenção se fizer, ou nas que forem constituídas, pois, se assim não for, haverá “intervenção no mercado”.
IV – A prestação de serviços a terceiros – admitida como receita de associações de empregadores – consagrada nos estatutos só é válida se se referir, apenas, a serviços inerentes ao escopo societário.
V – Enfermam de nulidade os estatutos de uma associação patronal, ou de empregadores, que violem o afirmado em III) e IV).»

[10] Parecer n.º 8/2006, de 13 de julho de 2006, que não foi, porém, homologado pela entidade consulente.
[11] Apresentado por José Luís Paquim Pereira Coutinho.
[12] António Leones Dantas.
[13] Alberto Esteves Remédio.
[14] Aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro.
[15] Direito Corporativo, Tópicos das lições do ano letivo de 1971-72 na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Unitas, Cooperativa Académica de Consumo, Coimbra – 1975, pp. 126 e seguintes.
[16] Segundo o § 1.º do artigo 5.º da Constituição de 1933, «[a] forma do regime é a República Corporativa, baseada na igualdade dos cidadãos perante a lei, no livre acesso de todos os Portugueses aos benefícios da civilização e na participação dos elementos estruturais da Nação na política e na administração geral e local». Mais à frente, o título IV, nos artigos 16.º e 17.º, e título V, no artigo 20.º, eram dedicados aos organismos corporativos.
[17] Autorregulação Profissional e Administração Pública, Livraria Almedina, Coimbra – 1997, pág. 141.
[18] Em certa altura manifestou-se um movimento no sentido de retirar aos grémios obrigatórios as suas funções de regulação económica e de intervenção nos mercados, transferindo-as para organismos do Estado e integrando aqueles na organização corporativa comum (Henriques de Almeida, 1960: 20ss) O Decreto-lei n°32 293, de 2-6-1959, providenciou nesse sentido, estabelecendo que as funções de coordenação económica dos grémios e federações obrigatórias, poderiam ser «reduzidas, simplificadas ou, quando necessário, transferidas para outros serviços» (art.º 1.º). Mas os resultados não foram visíveis.

[19] Autorregulação …, ob. cit., pág. 143.
[20] Parecer já referido junto com o pedido de consulta.
[21] Vide António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina, outubro 2012, 16.ª edição, págs. 35 e 36.
[22] Parecer n.º 8/2006.
[23] Que iniciou funções em 16 de maio de 1974.
[24] Na sequência da edição do Decreto-Lei n.º 443/74, de 12 de setembro, localizamos diversos despachos ministeriais que extinguiram grémios. Como exemplos, temos que o Ministro da Economia proferiu o Despacho de 28 de dezembro de 1974, que tornou efetiva a extinção dos Grémios dos retalhistas de Mercearia do Norte, Centro e Sul, dando destino aos respetivos valores e direitos e ao respetivo pessoal, publicado no Diário da República, I Série, 2.º Suplemento, de 31 de dezembro de 1974. Algum tempo depois, o Ministro para o Planeamento e Coordenação Económica, da Agricultura e Pescas e do Trabalho proferiu o Despacho de 13 de maio de 1975, que desanexou das Federações dos Grémios da Lavoura de Portalegre, Évora e Baixo Alentejo as Fábricas de Extração e Refinação de Óleos Vegetais e de Rações e Baterias de Silos, transferindo para o Instituto de Reorganização Agrária todo o património respeitante àquelas unidades fabris.


[25] Revogado pelo Decreto-Lei n.º 215-C/75.
[26] O artigo 18.º estatuía que o diploma seria revisto no prazo máximo de um ano, a contar da data da sua publicação.
[27] Revogado pelo Decreto-Lei n.º 773/76, de 27 de outubro.
[28] Revogado pelo Código do Trabalho de 2003.
[29] Ob. cit., pág. 604, nota de rodapé 2.
[30] Direito do Trabalho, 2010, 5.ª edição, págs. 1193 e ss. Vide também o já referido parecer de Vital Moreira.
[31] Integravam o Capítulo II (“Associações de empregadores”) do Subtítulo I (“Sujeitos”) do Titulo III (“Direito Coletivo”).
[32] Código do Trabalho Anotado, Pedro Romano Martinez/Luís Miguel Monteiro/Joana Vasconcelos/Pedro Madeira de Brito/Guilherme Dray/Luís Gonçalves da Silva, Almedina, 2013, 9.ª edição, pág. 908.
[33] Ibidem.
[34] O texto do artigo 506.º na íntegra era o seguinte:
«Artigo 506.°

Direito de associação

1 – Os empregadores têm o direito de constituir associações para defesa e promoção os seus interesses empresariais.
2 – No exercício do direito de associação, é garantida aos empregadores, sem qualquer discriminação, a liberdade de inscrição em associação de empregadores que, na área da sua atividade, os possa representar.
3 – As associações de empregadores abrangem federações, uniões e confederações.
4 – Os estatutos das federações, uniões ou confederações podem admitir a possibilidade de representação direta de empregadores não representados em associações de empregadores.»
[35] Mais precisamente na Subsecção I (“Disposições preliminares”) – artigos 440.º a 444.º – e na Subsecção II (“Constituição e organização das associações”) – artigo 445.º a 456.º
[36] Estabelecem os artigos 55.º e 56.º (redação fixada na 4.ª Revisão Constitucional – Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de setembro):
«Artigo 55.º

(Liberdade sindical)
1.É reconhecida aos trabalhadores a liberdade sindical, condição e garantia da construção da sua unidade para defesa dos seus direitos e interesses.
2.No exercício da liberdade sindical é garantido aos trabalhadores, sem qualquer discriminação, designadamente:

a) A liberdade de constituição de associações sindicais a todos os níveis;
b) A liberdade de inscrição, não podendo nenhum trabalhador ser obrigado a pagar quotizações para sindicato em que não esteja inscrito;
c) A liberdade de organização e regulamentação interna das associações sindicais;
d) O direito de exercício de atividade sindical na empresa;
e) O direito de tendência, nas formas que os respetivos estatutos determinarem.

3. As associações sindicais devem reger-se pelos princípios da organização e da gestão democráticas, baseados na eleição periódica e por escrutínio secreto dos órgãos dirigentes, sem sujeição a qualquer autorização ou homologação, e assentes na participação ativa dos trabalhadores em todos os aspetos da atividade sindical.
4. As associações sindicais são independentes do patronato, do Estado, das confissões religiosas, dos partidos e outras associações políticas, devendo a lei estabelecer as garantias adequadas dessa independência, fundamento da unidade das classes trabalhadoras.
5. As associações sindicais têm o direito de estabelecer relações ou filiar-se em organizações sindicais internacionais.
6. Os representantes eleitos dos trabalhadores gozam do direito à informação e consulta, bem como à proteção legal adequada contra quaisquer formas de condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo das suas funções.»
«Artigo 56.º

(Direitos das associações sindicais e contratação coletiva)
1. Compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem.
2. Constituem direitos das associações sindicais:

a) Participar na elaboração da legislação do trabalho;
b) Participar na gestão das instituições de segurança social e outras organizações que visem satisfazer os interesses dos trabalhadores;
c) Pronunciar-se sobre os planos económico-sociais e acompanhar a sua execução;
d) Fazer-se representar nos organismos de concertação social, nos termos da lei;
e)Participar nos processos de reestruturação da empresa, especialmente no tocante a ações de formação ou quando ocorra alteração das condições de trabalho.

3. Compete às associações sindicais exercer o direito de contratação coletiva, o qual é garantido nos termos da lei.
4. A lei estabelece as regras respeitantes à legitimidade para a celebração das convenções coletivas de trabalho, bem como à eficácia das respetivas normas.»
[37] Aliás, a Convenção n.º 87 da Organização Internacional do Trabalho – “Convenção sobre a Liberdade Sindical e a Proteção do Direito Sindical” –, ratificada pela Lei n.º 45/77, de 7 de julho, e que entrou em vigor em Portugal, em 14 de outubro de 1978, estabelece no seu artigo 3.º :
«Artigo 3.º
1. As organizações de trabalhadores e de entidades patronais têm o direito de elaborar os seus estatutos e regulamentos administrativos, de eleger livremente os seus representantes, organizar a sua gestão e a sua atividade e formular o seu programa de ação.
2. As autoridades públicas devem abster-se de qualquer intervenção suscetível de limitar esse direito ou de entravar o seu exercício legal.»
[38]
«Artigo 446.°
Autonomia e independência das associações
1 – O exercício de cargo de direção de associação sindical ou de associação de empregadores é incompatível com o exercício de qualquer cargo de direção em partido político, instituição religiosa ou outra associação relativamente à qual exista conflito de interesses.»

[39]
«Artigo 440.º
Direito de associação

1 – Os trabalhadores têm o direito de constituir associações sindicais a todos os níveis para defesa e promoção dos seus interesses sócio-profissionais.
2 – Os empregadores têm o direito de constituir associações de empregadores a todos os níveis para defesa e promoção dos seus interesses empresariais.
3 – As associações sindicais abrangem sindicatos, federações, uniões e confederações.
4 – As associações de empregadores abrangem associações, federações, uniões e confederações.
5 – Os estatutos de federações, uniões e confederações podem admitir a representação direta de trabalhadores não representados por sindicatos, ou de empregadores não representados por associações de empregadores.»

[40] Ob.cit., pág. 908.
[41] Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição revista e atualizada, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 165.
[42] Tratado do Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo III, Pessoas, Almedina, 2004, págs. 591 e ss., onde trata a problemática da capacidade, designadamente, a origem do princípio da especialidade.
[43] Ob. cit., pág. 595.
[44] Ob. cit., pág. 597.
[45] Ibidem.
[46] Ob. cit., pág. 599.
[47] Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, pág. 352.
[48] Vide António Agostinho Guedes, ob. cit., pág. 353.
[49] Ibidem [Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra], p. 107, sendo o itálico da nossa autoria.
[50] Ob. cit., pág. 1195.
[51] Ob. cit., pág. 1198.
[52] Ob. cit., pág. 1199.
[53] Ob. cit., pág. 603.
[54] Ob. cit., pág. 606.
[55] Ob. cit., pág. 608.
[56] Ob. cit., pág. 909.
[57] Parecer já citado.
[58] Cfr. Voto vencido (Esteves Remédio) do Parecer n.º 8/2006.
[59] Parecer citado.
Ver também Autorregulação…, cit., pág.34.
[60] Alínea que decorre da Lei de Revisão Constitucional n.º 1/2004, de 24 de junho (6.ª revisão constitucional). Anteriormente, na vigência das 4.ª e 5.ª revisões constitucionais, as de 1997 e 2001, a mesma redação constava da alínea e) do artigo 81.º
[61] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Anotada, 3.ª edição revista, p. 400.
[62] Manuel Afonso Vaz, Direito Económico – A ordem económica portuguesa, 4.ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, 1998, pág. 235 e 236.
[63] Cfr. Parecer n.º 81/2004, Diário da República, II Série, de 24 de fevereiro de 2005.
[64] Idem.
[65] Cfr. José Paulo Fernandes Mariano Pego, A Posição Dominante no Direito da Concorrência, Almedina, Coimbra, 2001, p. 10 que cita Gomes Canotilho e Vital Moreira, Fundamentos da Constituição, Coimbra, 1991, pp. 159-161.
[66] Ob. cit., p. 12.
[67] Ibidem.
[68] Cfr. «Direito Português da Concorrência», Revista da Ordem dos Advogados, Ano 50, Lisboa, dezembro de 1990, pp. 557-669.
[69] Ibidem, p.13.
[70] A Lei que aprovou o regime jurídico da concorrência foi alterada pelos Decretos-Leis nos 219/2006, de 2 de novembro, e 18/2008 de 29 de janeiro, e pelas Leis nos 52/2008, de 28 de agosto, e 46/2011, de 24 de junho, tendo sido revogada pela Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, sem prejuízo de disposto no seu artigo 98.º
[71] Cfr. Parte IV, especialmente, pontos 8.1, 8.2 e 8.3.
[72] “A (i)legitimidade da criação ou participação em sociedades comerciais por associações de empregadores: consequências jurídicas”, Estudos em homenagem ao Professor Doutor Alberto Xavier, volume III, organizadores: Eduardo Paz Ferreira/Heleno Taveira torres/Clotilde Celorico Palma, Almedina, fevereiro 2013, pág. 211.
Vide, também, o parecer junto com o pedido de consulta.
[73] Da pesquisa de direito comparado efetuada, encontrámos apenas, com algum interesse, as seguintes disposições do Código do Trabalho francês:
«Article L2132-5
Les syndicats professionnels peuvent:
1.º Créer et administrer des centres d’informations sur les offres et les demandes d’emploi;
2.º Créer, administrer et subventionner des institutions professionnelles de prévoyance, des organismes d’éducation, de formation, de vulgarisation ou de recherche dans les domaines intéressant la profession;
3.º Subventionner des sociétés coopératives de production ou de consommation, financer la création d’habitations à Ioyer modéré ou l’acquisition de terrains destinés à la réalisation de jardins ouvriers ou d’activités physiques et sportives.
Article L2132-6

Les syndicats professionnels peuvent constituer entre leurs membres des caisses spéciales de secours mutueis et de retraites.
Les fonds de ces caisses sont insaisissables dans les limites déterminées par le code de a mutualité.
Toute personne qui se retire d’un syndicat conserve le droit d’être membre des soclétés de secours mutuels et de retraite pour la vieillesse à l’actif desquelles elIe a contribué par des cotisations ou versement de fonds.»
[74] Cfr. Parte IV, ponto 7.
[75] Por diversas vezes alterado.
[76] A Associação Nacional das Farmácias foi constituída em outubro de 1975, a partir da estrutura do Grémio Nacional das Farmácias (Cfr. site da ANF)
De acordo com a redação originária do n.º 1 do artigo 1.º dos seus estatutos (publicados no BMT, III Série, n.º 239, de 15 de outubro de 1975), «[a] Associação Nacional das Farmácias é uma associação constituída nos termos do Decreto-Lei n.º 215-C/75, de 30 de abril».
Os estatutos da ANF sofreram ao longo dos anos várias alterações e, segundo a pesquisa efetuada, através do Boletim do Trabalho e Emprego, a última republicação terá ocorrido, na sequência da alteração aprovada em assembleia geral realizada no dia 15/11/2007, tendo, porém, sido posteriormente publicadas alterações.
Na redação de 2007, pode ler-se no artigo 1.º :«A Associação Nacional das Farmácias é uma associação representativa dos proprietários de farmácia».
[77] Cfr. final da parte II.
[78] O organograma encontra-se em prospeto de 23 de setembro de 2010, disponível no sítio http:/web3.CMVM.PT.
[79] Pode, de todo o modo, referir-se que a Autoridade da Concorrência, como, aliás, ela própria dá conta, tem apreciado – em sede de controlo de operações de concentração de empresas e no âmbito de processos contraordenacionais – diversos comportamentos concretos imputados à ANF ou às empresas que integram o grupo económico que lidera.
[80] O qual, à data do presente parecer não se encontra acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf, subsistindo apenas na «área reservada».
[81] Com mais desenvolvimento, e distinção relativamente à função repressivo-resolutiva, Paulo Dá Mesquita, Direção do inquérito penal e garantia judiciária, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, pp. 295-317 e Processo Penal, prova e sistema judiciário, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, pp. 263-293, e diagramas n.ºs 4 e 6 a pp. 371 e 372.
[82] Sendo publicado no Diário da República nos termos do artigo 12.º, nº 3, do EMP. Diretivas do Procurador-Geral da República que podem repercutir-se de forma transparente na conformação do processo decisório singular do magistrado que assume a intervenção no processo, por essa via reforçada no plano da legitimação pela fonte da diretiva e a própria unidade de atuação prosseguida.
[83] Cf. Niklas Luhmann, Legitimation durch Verfahren, 1975 [tr. it. de Sergio Siragusa da 2ª ed. do original alemão (1ª ed. data de 1969) com o tít. Procedimenti giuridici e legitimazione sociale, Milano, Giuffrè, 1995] pp 130-133. Em síntese, ao nível do poder de supra-ordenação no Ministério Público, a função preventivo-primária do Procurador-Geral da República, na aceção aqui adotada, corresponde ao poder de direção traduzido na emanação de um comando que constituirá a fonte de futuras decisões do Ministério Público sobre determinadas questões recortadas nesse ato, relacionando-se, em primeira linha, com o reforço da unidade de atuação. No caso presente a consulta que originou este parecer visa um comando relativo às condições de ação (e não a objetivos), o que devia conformar o trabalho técnico a empreender pelo Conselho Consultivo.
[84] Vertente em que se exige um recorte fenomenológico, suscetível de ser realizado numa matéria como a que foi objeto da consulta, que se apresenta essencial para uma tomada de posição com fundamentação própria do Conselho sobre os específicos problemas jurídico-práticos (o que exige um aprofundamento autónomo e distinto da recensão de opiniões doutrinárias).
[85] Código do Trabalho Anotado, PEDRO ROMANO MARTINEZ, LUÍS MIGUEL MONTEIRO, JOANA VASCONCELOS, PEDRO MADEIRA DE BRITO, GUILHERME DRAY, LUÍS GONÇALVES DA SILVA, 2.ª edição revista, 2004, Almedina, pp. 725-726.
[86] Tratado de Direito Civil Português, I – Parte Geral Tomo III, 2.ª Edição, 2007, Almedina, p. 707.
[87] Idem, ibidem.
[88] Direito Civil e Teoria Geral, Volume I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2000, p. 263.
[89] Idem, ibidem.
[90] PEDRO ROMANO MARTINEZ, ob.cit., p. 729.
[91] Publicado na Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 130.º, n.os 3880 e 3881, p. 244.
[92] Entendo que assume inteira atualidade este entendimento, não obstante o atual Código do Trabalho, tal como o anterior, não reproduzir o segmento «ou criar instituições para esse efeito» que constava da alínea b) do n.º 1, do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 215-
-C/75.