Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00001129
Parecer: I001001998
Nº do Documento: PIN200009050010000
Descritores: CONVENÇÃO INTERNACIONAL
CORRUPÇÃO
CONSELHO DA EUROPA
AUXÍLIO MÚTUO EM MATÉRIA PENAL
FUNCIONÁRIO PÚBLICO
CARGO POLÍTICO
SECTOR PRIVADO
SEGREDO BANCÁRIO
CRIME POLÍTICO
AGENTE PÚBLICO ESTRANGEIRO
Livro: 00
Numero Oficio: 6958
Data Oficio: 12/14/1998
Pedido: 12/22/1998
Data de Distribuição: 01/14/1998
Relator: CÂNDIDA DE ALMEIDA
Sessões: 00
Data Informação/Parecer: 09/05/2000
Sigla do Departamento 1: MJ
Entidades do Departamento 1: MIN DA JUSTIÇA
Privacidade: [09]
Indicação 2: ASSESSOR:MARIA JOSÉ RODRIGUES
Área Temática:dir const * dir fund / dir crim / Tratados / dir proc penal /
Ref. Pareceres:P000161993
Legislação:Const76 art32 art34 ; DL 371/83 de 1983/10/06 ; CP82 art372 art256 art374 art335 art367 art109 art112 ; L 36/94 de 1994/09/29 art5 ; L 34/87 de 1987/07/16 art16 art18 ; DL 20-A/90 de 1990/01/15; DL 144/99 de 1999/08/31; DL 28/84 de 1984/01/20; DL 295-A/90 de 1990/09/21; L 21/00 de 2000/08/10; CPP87 art139 art125 ; L 59/98 de 1998/08/25 ; L 263/99 de 1999/07/14; DL 298/92 de 1992/12/31 art78 ; L 90/99 de 1999/07/10 ;
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:
Documentos Internacionais:
              Prog de acção contra a corrupção do CE de 1996 ;
              Conferencia de lima de 1997 ;
              Conv sobre luta contra corrupção de agente publico estrangeiro nas transações internac de 17 -12-1997 ratif DPR 19/2000 de 2000/03/31;
              Conv relat ao branqueamento, detecção apreensão e perda dos prod do crime do CE aprov pela RAR 70/97 e ratif DPR 73/97 de 1997/12/13 ;
              Conv das NU contra o trafico ilicito de estupefac e subs psicot aprov RAR 29/91 de 1991/09/06 e DPR 45/91 de 1991/09/06 .
Ref. Complementar:
Conclusões: 1º - Interessa juridicamente a Portugal a Convenção Penal contra a Corrupção, como instrumento eficaz e célere na prevenção e combate a este tipo de criminalidade, no plano internacional;
2º - Os preceitos da referida Convenção não colidem com a ordem jurídica portuguesa, impondo-se, no entanto, a introdução de algumas iniciativas legislativas ou alterações na lei penal em vigor:
a) Para satisfação dos compromissos assumidos nos artigos 5º a 11º da Convenção, impõe-se a alteração do conceito estrito de funcionário a que fazem apelo, como elemento típico do crime de corrupção, os artigos 372º a 374º do Código Penal e 16º a 18º da Lei nº 34/87, de 16 de Julho, com referência à definição contida nos artigos 386º do citado Código Penal, 4º e 5º do Decreto-Lei nº 371/83, de 6 de Outubro e 2º e 3º da já referida Lei nº 34/87;
b) Para integral cumprimento do compromisso assumido pelas Partes no artigo 12º da Convenção, mostra-se necessária se proceda à alteração dos elementos típicos do crime de tráfico de influência, previsto e punido pelo artigo 335º do Código Penal, por forma a contemplar os comportamentos previstos na primeira parte daquele artigo 12º da Convenção;
c) Previsão da responsabilidade penal das pessoas colectivas de modo a dar satisfação ao conteúdo do artigo 18º da Convenção;
d) Consagração clara na lei da possibilidade de declaração de perdimento de bens cujo valor corresponda ao do produto do crime, tal como vem prevista no artigo 25º da Convenção em causa
3º Portugal deverá proceder à reserva previsto no artigo 37º nº 3 da Convenção.

Texto Integral:

Senhor Ministro da Justiça,

Excelência:

Foi solicitada a este Conselho Consultivo informação/parecer acerca da Convenção Penal sobre Corrupção, elaborada sob a égide do Conselho da Europa.

Atesto o que dispõe o artigo 37º do Estatuto do Ministério Público, vertido na Lei nº 60/98, de 27 de Agosto a competência deste corpo consultivo conforma-se à emissão de parecer técnico de legalidade e adequação da Convenção em causa aos princípios fundamentais do ordenamento jurídico português em geral e constitucionais em especial.

Cumpre emitir esse parecer.


II

No preâmbulo da Convenção ora em análise traçam-se os objectivos nucleares a alcançar pelos Estados membros do Conselho da Europa, bem como os outros Estados signatários da mesma, perante a constatação solicitada de que a corrupção constitui uma ameaça para o Estado de direito, a democracia e os direitos Humanos, mira os princípios de boa administração de igualdade e justiça sociais, falseia a concorrência, entrava o desenvolvimento económico e faz perigar a estabilidade das instituições democráticas e os fundamentos morais da sociedade.

Face a estas ameaças à própria sobrevivência dos estados enquanto Estados de direito e democráticos, os signatários da Convenção, estão convictos de que a eficácia da luta contra este tipo de crime só pode resultar de uma cooperação internacional concretização deste objectivo, decidiram aqueles Estados subscrever a presente Convenção, relevando os recentes desenvolvimentos que contribuíram para uma maior consciência da ligação e cooperação, a nível internacional, na luta contra a corrupção destacando as acções levadas a efeito pelas Nações Unidas, o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, a Organização Mundial de Comércio, a Organização dos Estados Americanos, a OCDE e a União Europeia;

Apelam do Programa de Acção contra a corrupção, adoptado pelo Comité dos Ministros do Conselho da Europa, em Novembro de 1996, na sequência de recomendações da 19ª Conferência dos Ministros Europeus da Justiça (La Valette, 1994);

Recordam. Ainda a Resolução nº 1, adoptada pelos Ministros europeus de Justiça aquando da sua 21ª Conferência em Praga, no ano de 1977, que apela a uma execução célere daquele Programa de Acção e que recomenda, em particular, a elaboração de uma Convenção Penal contra a Corrupção que previsse a incriminação coordenada das infracções no âmbito da Corrupção, uma corrupção reforçada no procedimento contra tais infracções e um mecanismo de acompanhamento eficaz aberto a todos os Estados, membros e não membros, em situação de igualdade;

Têm presente, ainda, que os Chefes de Estado e de Governo do Conselho da Europa decidiram, por ocasião da sua Segunda Cimeira, em Estrasburgo, em 10 e 11 de Outubro de 1997, procurar respostas comuns aos desafios colocados pela constatação de uma corrupção crescente e que, por isso, adoptaram um Plano de Acção que, tendo em vista promover a cooperação dos Estados na luta contra aquele tipo de crime incluindo as suas ligações ao crime organizado e ao branqueamento de capitais, encarregou o Comité dos Ministros de garantir a urgente elaboração de instrumentos jurídicos internacionais, em conformidade com o já referido Progresso de Acção contra a corrupção;

Relembram ainda que a Resolução (97)24 sobre os vinte(20) Princípios Directores para a luta contra a Corrupção, adoptada em 6 de Novembro de 1997, pelo Comité dos Ministros, aquando da sua 101ª Sessão, sublinha também a necessidade da rápida elaboração de instrumentos jurídicos internacionais em execução do Programa de Acção contra a Corrupção;

Presentes todos estes considerados e visando a adopção por ocasião da 102ª Sessão do Comité dos Ministros, a 4 de Maio de 1998, da Resolução (98)7, outorgando o Acordo parcial alargado que cria o “Grupo de Estados contra a Corrupção-Greco,” que tem por objectivo aperfeiçoar a capacidade dos seus membros na luta contra a corrupção, os Estados Membros do Conselho da Europa e outros Estados signatários lograram elaborar a Convenção aqui objecto de análise.

Portugal é membro do Conselho da Europa e vem prosseguindo já, no âmbito da sua jurisdição interna, “uma política de pragmático combate à corrupção e de moralização dos comportamentos administrativos ([1]).

Os objectivos a alcançar com a presente Convenção coincidem em pleno com os perseguidos e projectados nas sucessivas conferências internacionais contra a corrupção (IACC) que têm acontecido desde 1981, primeiro nos Estados Unidos da América, Distrito de Colômbia e depois em Nova Iorque, (1985) Hong-Kong (1987), Sidney (1981), Amesterdão (1991) Cancun (1993), Beifing (1995), Lima (1997) e Durban (1991), sendo que ao menos na 8ª Conferência, que decorreu em Lima, contou com a presença de representantes do Conselho da Europa ([2]).

Os objectivos definidos no preâmbulo da Convenção ora em análise não são, pois, incompatíveis com os princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa na qual, aliás, se prossegue já mesmo escopo que com a tradicional previsão e punição ao Código Penal de certos comportamentos como crime de corrupção, - artigos 372º a 375º - que com a agilização e eficácia na prevenção e investigação do ilícito que se pretendeu introduzir com a Lei nº 36/94, de 29 de Setembro. – estabelece medidas de combate à corrupção e criminalidade económica e financeira ([3]).

Poder-se-á desde já, afirmar então que da apreciação na generalidade da Convenção sub judice, resulta ser de fundamental interesse para Portugal a sua assinatura, enquanto instrumento essencial ao combate eficaz e célere do crime de corrupção que com a sistemática transformação do Mundo numa aldeia global, vai estendendo os seus tentáculos a toda a Comunidade Internacional, cada vez mais disseminado e sustentado pelos senhores do crime, estruturados e fortificados no crime organizado e sem fronteiras.

E, assim sendo, passaremos a analisar, na especialidade, o articulado da Convenção em causa.


III

A presente convenção desdobra-se em 42 artigos distribuídos em 5 capítulos, assim epigrafados:

Capítulo I – Terminologia

Capítulo II – Medidas a tomar a nível nacional

Capítulo III – Acompanhamento da aplicação

Capítulo IV – Cooperação Internacional

Capítulo V – Disposições finais.

O capítulo I – Da terminologia – acontece apenas um artigo – 1º que trata das definições.

De acordo com a alínea a), a expressão agente público é interpretada por referência à definição de “funcionário”, “funcionário público”, “presidente da …….”, “ministro “ ou “juiz” utilizada no direito interno do estado em que a pessoa em causa exerce essa função e conforme é aplicada no seu direito penal;

Alínea b) esclarece que o termo “juiz” utilizado na alínea a) engloba também os magistrados do Ministério Público e as pessoas que exercem funções judiciais;

A alínea c) explicita que o Estado que estaria nos processos que impliquem um agente público de outro Estado, só poderá aplicar e define de agente público na medida em que esta fôr compatível com o seu direito interno.

A alínea d) estipula que a expressão “pessoa colectiva” designa qualquer entidade que detenha esse estatuto nos termos do direito interno aplicável, à excepção dos Estados ou outras entidades públicas no exercício das prerrogativas de poderes públicos, bem como as organizações internacionais públicas.

As referências terminológicas utilizadas neste artigo 1º não ofendem princípios jurídicos fundamentais e têm correspondência no direito interno penal, como é o caso da definição de funcionário constante do artigo 386º do Código Penal, ainda com referência, por força do nº 3 deste preceito, à Lei nº 34/87, de 16 de Julho, que contém os princípios gerais sobre os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos.

Por outro lado, nenhuma dificuldade de interpretação suscita este artigo, pelo que nada a opor à sua consagração.

O capítulo II, sob a epígrafe “Medidas a tomar a nível nacional, contem-se nos artigos 2º a 23, inclusive.

O artigo 2º versa a corrupção activa de agentes públicos nacionais e determina que cada Parte contratante adoptará as medidas legislativas e outras que entenda necessárias para classificar como infracções penais nos termos do seu direito interno, a promessa, a oferta ou entrega, praticadas internacionalmente, por qualquer pessoa, directa ou indirectamente de vantagens indevidas a qualquer um dos seus agentes públicos em benefício próprio ou de terceiros, para que aquele pratique ou se abstenha de praticar um acto no exercício das suas funções.

A lei penal portuguesa já contempla actuações como as aqui objectivadas, no artigo 374º do Código Penal.

O artigo 3º versa a Corrupção passiva de agentes públicos nacionais, dispondo que cada parte adoptará as medidas legislativas e outras que entenda necessárias para classificar como infracção penal, nos termos do seu direito interno, sempre que quer praticados internacionalmente, o pedido ou o recebimento por qualquer um dos seus agentes públicos, directa ou indirectamente de quaisquer vantagens indevidas em benefício próprio ou de terceiros, bem como a aceitação de uma oferta ou promessa de uma tal vantagem, para que tal agente pratique ou se abstenha de praticar um acto no exercício das suas funções.

Também estas actuações estão previstas no Código Penal Português como crime praticados por funcionários, distinguindo, porém, o legislador português a corrupção passiva para acto ilícito – artigo 372º - da corrupção passiva para acto lícito – artigo 373º;

Não está prevista, na lei interna penal portuguesa, a criminalização de actos que objectivamente preencham o conceito de corrupção mas praticados por agentes públicos estrangeiros. Aliás, esta consideração contraria o tradicional tipo legal de crime consagrado na lei portuguesa que sempre fez depender o elemento subjectivo do crime da qualidade de funcionário – ou equiparado –português.

Mas, nenhum princípio fundamental da ordem jurídica, maxime dos que têm consagração constitucional, são violados com a extensão do conceito ora ensaiado.

Aliás, esta norma será uma das nucleares contempladas na Convenção tendo em vista a prossecução do interesse comum das Partes na luta conjugada e eficaz contra a corrupção.

Nada a opor, portanto à disposição em causa levando Portugal, se assinar e ratificar a Convenção, proceder à introdução legislativa de normas prevendo como corrupção os actos praticados por agentes públicos estrangeiros.

O artigo 6º, sob a epígrafe Corrupção de ……. De assembleias públicas estrangeiras, prevê a adopção de medidas legislativas ou outras para que as práticas defendidas nos artigos 2º e 3º sejam criminalizadas quando cometidas por membros de qualquer assembleia pública no exercício de poderes legislativos ou administrativos no território de qualquer outro estado.

Valem aqui por inteiro as considerações acabadas de registar relativamente aos preceitos antecedentes e, pelas mesmas razões ali expostas, nada a opor à disposição ora em análise.

O artigo 7º, sob a epígrafe Corrupção activa no Sector privado, prevê a criminalização, quando praticadas intencionalmente, no âmbito de uma actividade comercial, a promessa, a oferta ou a entrega, directa ou indirectamente, de quaisquer vantagens indevidas a quaisquer pessoas que dirijam ou trabalhem para entidades do sector privado, em benefício próprio ou de terceiros, para que tais pessoas pratiquem ou se abstenham de praticar um acto com violação dos seus deveres.

Outro abalo profundo da tradicional consagração do crime de corrupção, tal como tem sido conceptualizado na lei, na doutrina e na jurisprudência.

O elemento típico objectivo do crime vem sendo pacificamente referido ………. E durante anos a um funcionário público, depois estendendo a agente equiparado. Agora prevê-se no normativo em causa que Cada Parte contratante estenda e abranja no crime de corrupção as pessoas do sector privado. É uma revolução que se pretende introduzir na tradicional descrição dos elementos títulos do crime de corrupção.

Mas esta opção era já perseguida nas várias Conferências Internacionais contra a Corrupção, sendo tratada particularmente na 8ª Conferência ocorrida em Lima, 1997.

O mesmo se passa com a pretendida incriminação dos actos de corrupção passiva no sector privado a que alude o artigo 8º, da corrupção de funcionários de organizações internacionais prevista no artigo 9º, de corrupção de membros de assembleias parlamentares internacionais, contemplada no artigo 10º e a corrupção de juizes e funcionários de tribunais internacionais.

Traduzindo uma autêntica revolução na cristalização concepção interna do crime de corrupção, tal como foi congeminado, elaborado conceptualmente na lei e tratado e interpretado na doutrina e jurisprudência adequadas, não violam, no entanto, os preceitos referidos qualquer princípio fundamental do ordenamento jurídico português que obrigue à sua rejeição. Pelo contrário, a tanto o que dispõe o nº 3 do artigo 8º da Constituição da república Portuguesa e é cada vez maior e mais profunda prevalência dos organismos internacionais na decisão de questões e assuntos supra nacionais, isto é, que interessam a uma comunidade mais vasta que a delimitada pelas fronteiras de cada País, cada vez mais inserido na Aldeia Global em que o mundo se tem transformado, os funcionários de organizações internacionais, os membros de assembleias parlamentares internacionais e os juizes e funcionários de tribunais internacionais são cada vez mais, pelo exercício das suas funções, verdadeiros funcionários públicos ou equiparados de Cada País onde exercem funções e onde estas se projectam.

Nada a opor, por conseguinte, à aceitação das citadas normas que imporão alterações legislativas penais profundas caso Portugal venha a ratificar a presente Convenção.

Por outro lado, Portugal já ratificou a Convenção sobre a luta contra a Corrupção de Agentes Públicos Estrangeiros nas Transacções Comerciais Internacionais ([4]), adoptada em Paris em 17 de Dezembro de 1997, em cujo artigo 1º, se prevê a infracção por corrupção de agentes públicos estrangeiros, em termos muito semelhantes aos que ora analisámos.

O artigo 12º pretende punir criminalmente o tráfico de influências, determinando que Cada Parte adoptará as medidas legislativas e outras tidas por necessárias para classificar como infracções penais nos termos do seu direito interno, a promessa, a oferta ou a entrega, conscientes e voluntárias, directa ou indirectamente. Vantagens indevidas a quaisquer pessoas que afirmem ou confirmem que tem capacidade para exercer influência sobre o poder de decisão de qualquer uma das pessoas referidas nos artigos 2º, 4º a 6º e 9º a 11º relativamente à questão em causa, independentemente do facto de tal vantagem se destinar ao próprio ou a terceiros, bem como o pedido, recebimento ou a aceitação da oferta ou da promessa de tal vantagem tendo em vista exercer aquela influência, independentemente de ele vir a ser ou não exercida ou de a suposta influência conduzir ou não ao resultado pretendido.

O Código Penal prevê já no seu artigo 335º o crime de tráfico de influencia, mas tão só relativamente ao agente que por si ou interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para abusar da sua influência, real ou suposta, com o fim de obter de entidade pública quaisquer benefícios ou decisões ilegais favoráveis.

Em anotação ao preceito, Maia Gonçalves ([5]) escreve que “a introdução deste crime destinou-se a colmatar eventuais lacunas na incriminação de condutas manifestamente censuráveis e que, sem ele, poderiam escapar à punição por impossibilidade de subvenção a tipos afins ou conexos, designadamente aos de corrupção, de burla e de abuso de autoridade por funcionário”.

Não é posta em causa a sua conformidade constitucional, nem vida qualquer outro funcionário fundamental do ordenamento jurídico.

O mesmo se diga, por conseguinte, relativamente ao preceito da Convenção ou em análise que vai mais longe do que foi o legislador português ao prosseguir a incriminação do autor da promessa, oferta ou entrega da vantagem indevida e não apenas de quem as recebe.

Nenhuma crítica se nos oferece referir – esta opção, pelo contrário, parece-nos justa e adequada face à actuação provocatória do agente e às vantagens que afinal este também pretende obter e que, afinal, é em todo semelhante à do agente do crime de corrupção activa, mas cujos elementos típicos podem deixar de ……. Agentes e actuações como as previstas na primeira parte do normativo sub judice.

O artigo 13º previne o branqueamento do produto resultante de infracções de corrupção.

Cada Parte adoptará as medidas legislativas e outras que entenda necessárias para criminalizar, nos termos do seu direito interno, os actos mencionados na Convenção do Conselho da Europa relativamente ao branqueamento, detecção, apreensão e perda dos produtos do crime, previstos no seu artigo 6º nºs 1 e 2 nas condições aí especificadas, sempre que a infracção principal consistir em uma das infracções penais estabelecidas nos artigos 2º a 12º desta Convenção, na medida em que a Parte não tiver feito uma reserva ou uma declaração relativa a tais infracções ou não as considere enquadráveis no âmbito da sua legislação sobre branqueamento de capitais.

O artigo 14º versa sobre infracções contabilísticas dispondo que Cada Parte adoptará as medidas legislativas ou outras tidas por necessárias para classificar como infracções possíveis de serem punidas com sanções penais ou outras, nos termos do seu direito interno, os seguintes actos ou omissões, sempre que praticados intencionalmente, com o objectivo de cometer, ocultar ou disfarçar as infracções referidas nos artigos 2º a 12º, na medida em que a Parte não tenha formulado quaisquer reservas ou declarações:

a- omissão ou utilização de uma factura ou outro documento ou registo contabilístico contendo informações falsas ou incompletas;

b- omissão ilícita do registo de um pagamento.

O conteúdo do normativo não aponta qualquer princípio fundamental da ordem jurídica portuguesa, mesmo os plasmados na nossa lei fundamental. Aliás, pode considerar-se que as situações contempladas na alínea a) já são abrangidas pelo disposto no artigo 256º do Código Penal, que prevê e pune a falsificação de documentos.

O artigo 15º refere-se aos actos de participação Cada Parte adoptará as medidas legislativas e outras que entenda necessárias para criminalizar, nos termos do seu direito interno, quaisquer actos de cumplicidade na prática das infracções penais definidas na presente Convenção.

A norma prevê a criminalização dos autores de actos de cumplicidade, mas remetem, aliás como o fazem relativamente a todas as situações de actos previstos na Convenção, para o direito interno de cada Parte a incumbência de adoptar as medidas legislativas ou outras necessárias a alcançar a injunção aqui prevista. Não aponta, por isso, nem a conceptualização legal de cumplicidade consagrada no nosso Código Penal nem a construção doutrinal e jurisprudencial vem adquiridas, se mostra necessária a criação legislativa interna para além da existente e corporizada no artigo 27º daquela Código.

O artigo 15º preserva o direito de imunidade e remete para as disposições contidas em todos os protocolos, protocolos ou estatutos, relativamente ao levantamento.

É uma medida cautelar e que procura não apontar as disposições relativas a entidades que gozem de imunidade por causa das suas funções e cujo levantamento deverá processar-se de acordo com os textos internacionais acordados que prevêm tal medida. Nada a opor à sua aceitação.

O artigo 17º, que trata da Competência, estabelece no seu nº 1 que Cada Parte tomará as medidas legislativas e outras que entenda necessárias para estabelecer a sua competência relativamente a qualquer infracção penal estabelecendo nos artigos 2º a 14º da presente Convenção, sem que

a- a infracção fôr cometida, total ou parcialmente, no seu território:

b- o autor da infracção seja um seu nacional, um seu agentes público ou um membro de uma das suas assembleias públicas;

c- a infracção envolva um dos seus agentes públicos ou membros das suas assembleias públicas, bem como qualquer pessoa mencionada nos artigos 9º a 11º que, seja, simultaneamente um seu nacional.

O nº 2 prevê a possibilidade de Cada Estado poder no momento da assinatura ou do depósito do seu instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão, mediante declaração dirigida ao Secretário Geral do Conselho da Europa, declarar que se reserve o direito de não aplicar, ou de só aplicar em condições ou casos específicos, as regras de competência referidas nas alíneas b) e c) do nº 1 do mesmo artigo, ou parte delas.

O nº 3 prevê a hipótese do exercício do direito de reserva prevista no nº 2 sendo que então a parte adoptará as medidas que entende necessárias para estabelecer a sua competência relativamente a infracções penais estabelecidas na presente Convenção, nos casos em que o presumível autor da infracção se encontrar no seu território e a sua extradição para o território de outra Parte não se puder efectuar apenas com base na sua nacionalidade, após apresentação de um pedido de extradição.

Finalmente no nº 4 esclarece-se que a presente Convenção não exclui o exercício por uma Parte da sua competência penal estabelecida nos termos do seu direito interno.

Ora o direito interno português dá satisfação às preocupações vertidas no preceito que acabamos de transcrever, quer do Código Penal, dos artigos 4º e 5º, quer no Decreto-lei nº 144/99, de 31 de Agosto, que regula a cooperação judiciária internacional em matéria penal, no que ora interessa o artigo…

E mesmo que, por hipótese de raciocínio, assim não seja em toda a abrangência de situações previstas no artigo 17º da Convenção que mesmo de analisar, nada obsta à sua aceitação, porquanto as medidas nele previstas é prospectivadas não ofendem nenhum princípio fundamental do ordenamento jurídico português, e nem sequer se opõe a legislação ordinária em vigor.

O artigo 18º prevê a responsabilidade das pessoas colectivas pela prática das infracções penais de corrupção activa, tráfico de influências e branqueamento de capitais estabelecidas na Convenção, cometidas em seu benefício, por qualquer pessoa singular, agindo individualmente ou como parte de um órgão de pessoa colectiva em causa, e que nela ocupe posição de chefia, com base em poderes de representação da pessoa colectiva, para tomar decisões em nome desta, para exercer o seu controlo bem como pela sua participação como cúmplice ou instigador da prática das referidas infracções.

O preceito procura abranger a pessoa colectiva na responsabilidade criminal pelos crimes descritos, responsabilizando individualmente a pessoa singular que actua em seu nome.

No nosso sistema jurídico prevê-se já a própria responsabilidade criminal da pessoa colectiva, como resulta do artigo 11º do Código Penal e, por exemplo, do artigo 3ºdo Decreto-lei nº 28/84 relativo aos crimes contra a economia ([6]).

Também no artigo 2º da Convenção já citada sobre a luta contra a Corrupção de Agentes Públicos Estrangeiros nas Transacções Comerciais Internacionais se estabelece a necessidade das Partes tomares as medidas tidas por convenientes, em conformidade com os seus princípios jurídicos, para fixar a responsabilização das pessoas colectivas em caso de corrupção de um agente público.

Não se suscita, neste domínio qualquer hipótese de afrontamento aos princípios jurídicos fundamentais que enformem o nosso sistema jurídico, pelo que nada a opor ao normativo em causa.

O nº 2 do artigo 17º em análise procura garantir a responsabilidade da pessoa colectiva sempre que a falta de fiscalização ou de controlo pela pessoa singular referida no nº 1 tenha permitido a prática por uma pessoa singular subordinada às ordens das infracções penais ali descritas, em benefício daquela pessoa colectiva.

O nº 3, por outro lado, esclarece que a responsabilidade da pessoa colectiva não exclui a instauração de procedimentos criminais contra as pessoas singulares que sejam autores, instigadores ou cúmplices das infracções penais referidas neste preceito.

A matéria contida neste número 3 não levanta quaisquer reticências à sua aceitação, porquanto se mostra perfeitamente compatível com os princípios sobre a responsabilidade criminal vertidos nos artigos 12º e segs. do Código Penal.

Relativamente ao conteúdo do nº 2, nada a opor em princípio, porquanto nele se prevê só a tomada de medidas necessárias para garantir a responsabilização da pessoa colectiva, nas situações ali previstas, deixando tudo em aberto ao legislador interno para conformação do disposto neste normativo com os princípios fundamentais determinantes do nosso sistema jurídico.

Nada a opôr, por isso, aos disposto em todo o artigo 17º, que acabamos de analisar.

O artigo 19º refere-se às sanções e medidas a consagrar por cada uma das Partes, no seu direito interno, para as infracções previstas na Convenção.

Apela-se a medidas proporcionais e dissuasórias do cometimento daqueles ilícitos e as preocupações subjacentes ao preceito são os mesmos que informam o nosso ordenamento jurídico, conformando-se perfeitamente com os princípios plasmados na Constituição da República e no Código Penal acerca das finalidades das penas – artigos 40º e segs. – e esta escolha e medida da pena – artigos 70 e segs.

O artigo 20º refere-se às autoridades especializadas, realçando a necessidade de adopção das medidas necessárias à especialização de pessoas ou entidades na luta contra a corrupção, devendo ser concedida a estas a necessária independência, em conformidade com os princípios fundamentais do sistema jurídico da Parte em causa, a forma de que possa exercer as suas funções de forma eficiente e isenta de quaisquer fusões ilícitas e devendo as Partes assegurar ao pessoal de tais entidades a formação e os recursos financeiros adequados às suas funções.

Estas regras de especialização poderão ser sempre melhoradas e apuradas, mas no nosso País as mesmas já se encontram satisfeitas e em funcionamento.

Na investigação dos ilícitos, a competência exclusiva presume-se deferida á Polícia Judiciária, concretamente à Direcção Central para o combate à corrupção fraude e infracções económicas e financeiras – artigos 4º e 30º do Decreto-Lei nº 295-A/90, de 21 de Setembro, na redacção dada pelo artigo 10º da Lei nº 36/94, de 24 de Setembro.

A magistratura do Ministério Público, com legitimidade para promover o processo penal – artigo 48º do CPP – e à qual compete exercer a acção penal – artigo 53º do mesmo diploma e dirigir o enquanto – artigo 263º e segs. -, goza de estatuto próprio e de autonomia – artigo 219º do CRP e artigos 1º e 2º do Estatuto do Ministério Público, Lei nº 60/98, de 27 de Agosto. De acordo com os artigos 9º e 46º e segs., deste Estatuto compete ao Departamento central de Investigação e Acção penal a coordenação e duração da investigação …… decorrente entre outras.

Assim que o artigo 20º da Convenção prevê adopção de medidas já em vigor no nosso ordenamento jurídico, em plena conformidade com os ditames da Constituição da República Portuguesa.

Assim, nada a registar relativamente ao preceito ora em análise.

O mesmo se diga relativamente ao artigo 21º que prevê a cooperação entre as autoridades nacionais, e que contém, desde logo, a condicionante de tal cooperação se processar de acordo com o direito interno de Cada parte.

O nosso direito já prevê essa cooperação, nomeadamente nos artigos 242º e segs. do CPP.

O artigo 21º da Convenção não suscita, assim, quaisquer dúvidas de conformidade com os princípios fundamentais do nosso ordenamento jurídico.

O artigo 22º trata da protecção dos colaboradores de justiça e testemunhos, determinando que Cada Parte adoptará as medidas que se revelem necessárias para assegurar uma protecção efectiva e adequada às pessoas que forneçam informações relativas às infracções previstas na Convenção (artigos 2º a 14º) as que, de qualquer modo, colaboram com as autoridades responsáveis pela investigação ou pela instauração do procedimento criminal, bem assim às testemunhas que deponham relativamente àquelas infracções.

O Código de processo penal, revisto em 1998, pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto introduziu já no artigo 139º, nº 2, a previsão legal de protecção de testemunhas e de outros intervenientes no processo contra formas de ameaça, pressão ou intimidação, nomeadamente nos casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, remetendo a sua regulamentação para lei especial.

Na sequência desta previsão a Lei nº 263/99, de 14 de Julho, veio regular a aplicação das medidas de protecção daquelas pessoas supra referenciadas, sempre que a sua vida, integridade física ou psíquica, liberdade ou bens patrimoniais de valor consideravelmente elevado sejam postos em perigo, pelo contributo fornecido na obtenção da prova dos factos objecto do processo.

Assim que a protecção aos colaboradores da justiça e testemunhas contempladas neste normativo da Convenção tem já consagração na lei interna portuguesa, e, por isso, nada a objectar ou a propor relativamente ao conteúdo do mesmo.

O artigo 23º prevê as medidas a adoptar para facilitar a recolha de provas e a perda de produtos, estabelecendo que Cada Parte adoptará as medidas legislativas e outras que entenda necessárias, incluindo as que permitem o uso de técnicas de investigação especiais, em conformidade, com o seu direito interno, tecido em vista facilitar a recolha de provas relativas aos crimes contemplados na mesma Convenção, bem como a de permitir


[1]) Cfr. preâmbulo do Decreto-Lei nº 371/83, de 6 de Outubro, e o estudo de António Manuel de Almeida Costa, “Sobre o crime de Corrupção”, separata do número especial do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, dedicado a estudos de homenagem ao Professor Eduardo Correia.

[2]) bide da Internet http://w.w.w. transparency de/iacc/8th.html.

[3]) Sobre a evolução histórica e a problemática actual dos crimes de corrupção, cfr. o estudo de António Manuel de Almeida Costa, referenciado na nota …..

[4]) Ratificada por Decreto do Persistente da República nº 19/2000, de 31 de Março.

[5]) Código Penal Português – anotado e comentado – 13ª edição – 1999.

[6]) Na jurisprudência, cfr. acórdão da relação de Lisboa de 14 de Janeiro de 1987, em colectânea de jurisprudência, XII, tomo 1, pág. 151 e do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de Outubro de 1997, Boletim do Ministério da Justiça, 470-162.