Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002890
Parecer: I000342007
Nº do Documento: PIN18042007003400
Descritores: ANTEPROJECTO
PROPOSTA DE LEI
MAGISTRATURA
INGRESSO NA MAGISTRATURA
FORMAÇÃO
CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS
Livro: 00
Numero Oficio: 1591
Data Oficio: 04/03/2007
Pedido: 04/03/2007
Data de Distribuição: 04/03/2007
Relator: LEONES DANTAS
Sessões: 00
Data Informação/Parecer: 04/18/2007
Sigla do Departamento 1: MJ
Entidades do Departamento 1: MIN DA JUSTIÇA
Privacidade: [09]
Indicação 2: ASSESSOR:ISABEL CAPELA
Área Temática:DIR JUDIC
Legislação:L 16/98 DE 1998/04/08 ART2 ALC), ART37, ART38, ART56 N2, ART70 N4, ART74, ART75; CRP ART15 N3; DL427/89 DE 1989/10/07 ART5 N10
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Texto Integral:

Senhor Procurador-Geral da República,
Excelência:


I

O Gabinete de Sua Excelência o Ministro da Justiça remeteu a esta Procuradoria-Geral o «anteprojecto de proposta de lei de revisão do regime de ingresso nas magistraturas, da formação de magistrados e da estrutura e funcionamento do Centro de Estudos Judiciários», nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 37.º, alínea b), do Estatuto do Ministério Público.

Distribuído o expediente recebido, em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 11.º do Regimento deste Conselho, cumpre emitir a pretendida informação-parecer, nos termos do disposto no artigo 14.º, n.º 2, daquele Regimento, com a urgência devida.

II


1 - O anteprojecto de proposta de lei apresenta alterações significativas relativamente ao regime em vigor, decorrente da Lei n.º 16/98, de 8 de Abril.

Tais alterações, que seguidamente serão analisadas nos seus aspectos mais significativos, incidem sobre o regime de recrutamento e de selecção de magistrados, quer para os tribunais judiciais quer para os tribunais administrativos, sobre o regime de formação dos magistrados, quer a formação inicial, quer a permanente, e abrangem igualmente a orgânica e funcionamento do Centro de Estudos Judiciários.

O anteprojecto integra ainda no Título IV o regime de um concurso especial de recrutamento e de formação de magistrados judiciais para os Tribunais Administrativos e Fiscais.


2 – Tal como se referiu, o anteprojecto integra no CEJ a formação inicial dos magistrados judiciais dos tribunais administrativos e fiscais, constatando-se que se não se prevê tal formação para magistrados do Ministério Público que venham a ser afectos àqueles tribunais.

A solução adoptada terá razões que se prendem com a forma como foi delineado o modelo de organização dos tribunais daquela jurisdição no contencioso administrativo em vigor e com o papel que se pretenderia atribuir ao Ministério Público no seu âmbito.

Essa solução projectou-se também na especialidade que inspirou o recrutamento que se fez de juízes para aqueles tribunais e é agora transposta para a integração da formação de magistrados judiciais para esses tribunais no Centro de Estudos Judiciários.

Uma vez que o Ministério Público continua nos tribunais administrativos e fiscais e as necessidades de formação dos magistrados que asseguram essa presença se mantêm, haverá que enfrentar esta omissão do anteprojecto, sob pena de aquela presença do Ministério Público ser fortemente afectada.

Essa formação poderá eventualmente ser assegurada pela via da formação contínua, nomeadamente pelos cursos previstos no artigo 76.º, n.º 6 do anteprojecto, se se mantiver a designação de Procuradores da República para aqueles tribunais, ao nível da 1.ª instância.


3 - Partindo do pressuposto de que a formação dos magistrados deve ser permanente, «ao longo de toda a carreira profissional», por «força do acelerado ritmo das alterações sociais» que caracterizam as sociedades actuais, o anteprojecto aponta no sentido da extinção da formação complementar, a que a Lei n.º 16/98, de 8 de Abril, dedicava os seus artigos 74.º e 75.º.

A formação passa, assim, a ser dividida em duas categorias: a inicial e a contínua, visando uma o ingresso nas magistraturas e a outra uma actualização permanente dos magistrados, em ordem a aperfeiçoar a sua capacidade de compreensão dos novos fenómenos sociais e a ter como objectivo a sua adaptação às exigências que essas novas realidades colocam ao desempenho da função.


4 – O anteprojecto dedica todo o seu Capítulo II do Título II ao «procedimento de ingresso na formação inicial», matéria que abrange os artigos 5.º a 29.º e onde encontramos algumas das mais importantes alterações projectadas relativamente ao regime em vigor.

Assim, no artigo 5.º definem-se os requisitos de ingresso, nos seguintes termos:
«Artigo 5.º
Requisitos de ingresso
São requisitos gerais de ingresso na formação inicial de magistrados e de admissão a concurso:
a) Ser cidadão português ou cidadão dos Estados de língua portuguesa com residência permanente em Portugal, a quem seja reconhecido, nos termos da lei e em condições de reciprocidade, o direito ao exercício das funções de magistrado;
b) Ser titular do grau de licenciado em Direito ou equivalente legal;
c) Ser titular do grau de mestre ou equivalente legal ou possuir experiência profissional na área forense ou em áreas conexas de duração efectiva não inferior a cinco anos;
d) Reunir os demais requisitos gerais de provimento em funções públicas».

Na alínea a) inova-se relativamente ao regime em vigor, prevendo que possam ingressar na formação inicial, para além de cidadãos portugueses, os «cidadãos dos Estados de língua portuguesa com residência permanente em Portugal, a quem seja reconhecido, nos termos da lei e em condições de reciprocidade, o direito ao exercício de funções de magistrado».

Trata de uma inovação viabilizada pelo artigo 15.º, n.º 3, da Constituição da República, na redacção emergente da Revisão Constitucional de 2001([1]), mas que não tem ainda projecção nem no Estatuto dos Magistrados Judiciais, nem no Estatuto do Ministério Público, que nos seus artigos 40.º e 114.º, respectivamente, continuam a restringir aos cidadãos portugueses o ingresso nas magistraturas.

Além de previsão legal que ainda não existe, falta também a reciprocidade constitucionalmente exigida para que esta previsão possa ter algum conteúdo efectivo([2]).

Nas alíneas b) e c) deste artigo prevêem-se os requisitos para ingresso na formação, em termos de habilitações académicas.

Assim, na alínea b) exige-se a «licenciatura em Direito ou equivalente legal» e na alínea c) completa-se esta exigência, articulando a licenciatura, ou com o grau de «mestre ou equivalente legal», ou, em alternativa, com a experiência profissional «na área forense ou em áreas conexas de duração efectiva não inferior a cinco anos».

Ao contrário do regime em vigor, que não valoriza expressamente a experiência profissional dos candidatos, em termos de condições de ingresso na formação inicial, o anteprojecto cria, ao lado da via assente nas meras habilitações académicas, uma nova via que conjuga uma habilitação académica de base – a licenciatura em Direito - , com a experiência profissional.

A valorização da experiência profissional dos candidatos como elemento de ponderação no ingresso nas magistraturas, insere-se nos termos da exposição de motivos do ante-projecto, no «espírito de Bolonha», visando a diversificação de saberes e de experiências dos candidatos que ingressam na formação de base.


5 – Tal como se mostra redigida a norma é susceptível de induzir vários problemas de aplicação.

De facto, a «experiência profissional na área forense» é uma realidade objectiva, mas de conteúdos múltiplos quando se tenta concretizar.

Assim, pode afirmar-se que é portador de uma experiência profissional na área forense um advogado que intervém nos processos judiciais, quer produzindo peças processuais, quer intervindo em actos processuais, seja qual for a forma que eles assumam.

Terá igualmente uma experiência profissional nessa área, um oficial de justiça que desempenha as suas funções num tribunal, ou mesmo um solicitador que ali intervenha nas actividades que podem ser levadas a cabo por esta categoria profissional, embora com um nível de intervenção incomparavelmente menor do que aquele que é assumido pelos advogados ou pelos oficiais de justiça.

Mas existem hoje inúmeras formas de exercício de advocacia que não passam pela experiência forense directa, embora aqueles advogados sejam profissionais do direito e até tenham o estatuto de advogados.

A questão torna-se mais complexa quando se trate de saber o que são as áreas conexas da «área forense», onde a experiência profissional é igualmente relevante.

Pode considerar-se que um notário ou um conservador do registo civil ou predial desempenham uma função conexa com a área forense?

A resposta deve ser afirmativa, não indo ainda muito longe o tempo em que, quer uns quer outros desempenharam funções de substitutos legais dos magistrados e, em muitos casos, assumiram as funções com dignidade.

Para além destes, pode questionar-se se o desempenho de funções na área da investigação criminal, ou em serviço de reinserção social ou outros de idêntica natureza, que se vão projectar em actividades judiciárias, ainda pode considerar-se como ocorrido em actividades conexas com a actividade forense.

Do mesmo modo, também no âmbito do exercício de advocacia poderemos encontrar conteúdos funcionais que poderão ser consideradas actividades conexas com a actividade forense, embora não sejam propriamente uma actividade forense.

Trata-se de questões que devem ter resposta logo em sede de admissão ao concurso, tendo autonomia relativamente à posterior avaliação dos curricula que sejam apresentados.

Não seria despiciendo tentar concretizar estas actividades, o que daria mais segurança a quem tem de se pronunciar sobre a admissibilidade dos candidatos e simplificaria a aplicação da lei


6 – Como referimos, a alínea b) do artigo 5.º define como requisito «ser titular do grau de licenciado em Direito ou equivalente legal» e na alínea c) prevê-se, também como requisito, que o candidato seja «titular do grau de mestre ou equivalente legal ou possua experiência profissional na área forense ou em áreas conexas de duração efectiva não inferior a cinco anos».

A articulação destas duas alíneas é também susceptível de criar problemas de interpretação, por força da entrada progressiva do modelo emergente da Declaração de Bolonha na estrutura dos cursos de Direito.

De facto, com a implementação dessa declaração passarão a co-existir licenciaturas em Direito de 5 anos – o modelo de estruturação dos cursos anterior ao Decreto-Lei n.º 74/2006, - e licenciaturas organizadas de acordo com a Declaração de Bolonha, que tudo aponta venham estabilizar-se nos oito semestres, ou seja quatro anos.

Por outro lado, conviverão igualmente os mestrados antigos, posteriores a uma licenciatura de cinco anos, com os mestrados derivados do Decreto-Lei acima referido, que poderão ter a duração de 2 semestres, ou seja, um ano, articulados, nos termos da alínea b) do artigo 20.º daquele diploma, com «uma dissertação de natureza científica ou um trabalho de projecto, originais e especialmente realizados para este fim, ou um estágio de natureza profissional objecto de relatório final».

Este artigo não pode ser interpretado fazendo equivalências entre as licenciaturas e os mestrados dos dois modelos, porque se trata de realidades completamente diversas e, muito menos, fazendo equivaler a licenciatura antiga com os mestrados derivados da Declaração de Bolonha.

Tendo-se apercebido do problema, o anteprojecto prevê no artigo 131.º, n.º 1, que os titulares da licenciatura conferida ao abrigo de organização de estudos anterior ao Decreto-Lei n.º 74/2006 – pré - Bolonha – possam «concorrer com dispensa dos requisitos previstos na alínea c) do artigo 5.º», ou seja, possam concorrer com base na sua licenciatura, simplesmente, sem terem necessidade de preencher qualquer um dos requisitos das duas partes da alínea c).

O anteprojecto optou, em termos de implementação da Declaração de Bolonha por permitir o ingresso na magistratura de candidatos habilitados apenas com o primeiro ciclo – ou seja a licenciatura. Exige, contudo, que os candidatos conjuguem essa habilitação de base com um novo requisito que é o da experiência profissional prevista na segunda parte da referida alínea c) daquele artigo 5.º, ou com a obtenção do grau de mestre nos termos da 1.ª parte daquela alínea.

Impõe-se deste modo que se clarifique a situação dos candidatos habilitados com os mestrados, conferidos em conformidade com a legislação anterior ao referido Decreto-Lei n.º 74/2006, em termos de saber se os mesmos beneficiam já do regime atribuído no anteprojecto aos mestres, regime que adiante será analisado, e, também, se os candidatos habilitados com as antigas licenciaturas e com a experiência profissional prevista na segunda parte daquele alínea c), podem desde já utilizar igualmente todas as potencialidades derivadas daquela via de ingresso.

A formulação que foi adoptada no n.º 1 do artigo 131.º, que de alguma forma equipara aqueles antigos licenciados aos mestres referidos na primeira parte daquela alínea c), pode motivar leituras no sentido da exclusão da via assente na experiência profissional, o que pode não ser a intenção subjacente ao anteprojecto.


7 – O ingresso nas magistraturas, por qualquer das vias, faz-se por concurso público, tendo o artigo 6.º, na sequência da integração do regime de recrutamento de magistrados para os tribunais administrativos, passado a incluir um concurso autónomo com esse objectivo.

Na óptica do projecto prevêem-se concursos paralelos para as magistraturas dos tribunais judiciais e para a magistratura judicial dos tribunais administrativos. Quer num caso quer no outro, os concursos desdobram-se depois em função das vias pelas quais os candidatos concorrem.

Concretizando o novo regime das vias de ingresso, o artigo 9.º vem impor um regime de quotas nas vagas abertas para cada um das magistraturas em função «das vias de admissão previstas na alínea c) do artigo 5.º».

Por força deste artigo, nas vagas abertas para cada uma das magistraturas deverão ser reservados 30%, para os candidatos habilitados com o mestrado – primeira parte da alínea c) - e mais 30 % para os candidatos que invoquem a sua experiência profissional como elemento de ponderação nas condições de ingresso.

Nas situações em que ao concurso apenas se apresentem candidatos que invoquem uma das duas alternativas da alínea c) do artigo 5.º, o regime ocupa preferencialmente 60% das vagas com estas quotas e deixa os restantes 40% de fora, o que pode não ter muita lógica, já que todos os candidatos se colocam em um dos pólos das alternativas em concurso.


8 – O anteprojecto prevê que os candidatos se possam apresentar simultaneamente ao concurso para as magistraturas dos tribunais judiciais e ao concurso para magistrados judiciais dos tribunais administrativos e fiscais.

Nesse caso, por força do n.º 3 do artigo 11.º do anteprojecto, do candidatos deverão indicar nos requerimentos «qual a opção no caso de ficarem habilitados, nos termos do n.º 1 do artigo 28.º».

Esta solução terá motivações válidas, mas vem introduzir mais um factor de complexidade no processo de selecção dos candidatos dadas as diferentes provas a que uns e outros são submetidos e a necessidade de articular a situação dos candidatos que estejam simultaneamente nos dois concursos.


9 – No artigo 13.º do anteprojecto prevê-se a constituição dos júris de selecção estabelecendo-se no n.º 4 a composição do júri das provas orais.

Da solução adoptada resulta o afastamento dos magistrados do Ministério Público dos júris que visem a magistratura judicial dos tribunais administrativos e fiscais.

Não resultam da exposição de motivos elementos que permitam entender este afastamento, uma vez que no mesmo júri participam advogados e juristas de mérito e um magistrado judicial.

Onde eventualmente poderia ocorrer a alteração era relativamente ao magistrado judicial que integra o júri que poderia ser substituído por um magistrado da jurisdição administrativa e não ao nível da participação da magistratura do Ministério Público.


10 - No âmbito dos métodos de selecção no artigo 14.º inclui-se o «exame psicológico de selecção», atribuindo a este exame uma configuração diversa daquela que se verifica com a avaliação psicológica em vigor, decorrente do n.º 3 do artigo 37.º e artigo 38.º da Lei n.º 16/98, de 8 de Abril.

O exame psicológico assume agora plena autonomia, tem um regime próprio, decorrente do artigo 21.º, e abrange todos os candidatos, independentemente da via de concurso escolhida, sendo eliminatório.


11 – Relativamente ao regime das provas escritas, por força do disposto no n.º 2 do artigo 15.º, estas ficam limitadas a duas, tendo desaparecido a «composição sobre temas culturais, sociais ou económicos».

Desconhece-se a avaliação do regime em vigor que suporta esta alteração, sendo certo que aquela prova representava, para além do mais, um importante momento para a intervenção de não magistrados e de representantes da sociedade, no processo de selecção de magistrados.

Tal representação é uma importante forma de legitimação dos magistrados perante a comunidade e não admira que, por força do disposto no n.º 4 do artigo 13.º do anteprojecto, os júris da fase oral e da avaliação curricular, continuem a integrar «personalidade de reconhecido mérito de outras áreas da ciência e da cultura ou um representante de outros sectores da sociedade civil, mas os mesmos deixam de ter intervenção na avaliação dos candidatos na fase escrita das provas, reduzindo-se claramente o seu peso no âmbito do processo de selecção.


12 - Os candidatos habilitados com o mestrado referido na alínea c) do artigo 5.º, bem como os habilitados com as licenciaturas anteriores fazem as mesmas provas de conhecimentos, uma vez que o n.º 2 do artigo 15.º apenas exclui da fase oral das provas os candidatos que concorram na base da experiência profissional, e apenas a estes atribui um regime específico de provas escritas, nos termos dos n.os 3 e 5 do artigo 16.º

Os candidatos que invoquem a experiência profissional como via de ingresso, nos termos da segunda parte da alínea c) do artigo 5.º estão sujeitos a uma prova escrita específica e beneficiam igualmente de uma avaliação oral diferente que é denominada «avaliação curricular», com o regime consagrado no artigo 20.º do anteprojecto.

Em relação a estes candidatos, resulta dos n.os 3 e 5 do artigo 16.º, que a prova escrita «consiste na redacção de uma decisão mediante a disponibilização de um conjunto de peças relevantes» podendo o candidato escolher entre as matérias cível ou penal, no que se refere aos tribunais judiciais ou administrativo ou tributário, no que se refere ao concurso específico para os tribunais administrativos e fiscais.

As “decisões” apresentadas pelos candidatos deverão ser avaliadas à luz do disposto no n.º 1 do mesmo artigo que estabelece os parâmetros de avaliação.

Refere-se naquele número que a «a fase escrita visa avaliar, designadamente, a qualidade da informação transmitida pelo candidato, a capacidade de aplicação do Direito ao caso, a pertinência do conteúdo das respostas, a capacidade de análise e de síntese, a simplicidade e clareza da exposição e o domínio da língua portuguesa».

A solução adoptada pode criar um risco sério de os candidatos serem envolvidos em questões de forma, nomeadamente com os relatórios das «decisões», perdendo, por essa via, a oportunidade de demonstrar a sua «capacidade de análise e de síntese» e de demonstrar a «sua capacidade de aplicação do direito ao caso», com «simplicidade de clareza» e demonstrando igualmente o seu «domínio da língua portuguesa».


13 – No que se refere às provas orais, o anteprojecto apresenta igualmente alterações de relevo relativamente ao regime em vigor.

Assim, nos termos do n.º 2 do artigo 19.º, prevê-se que a fase oral consista «numa discussão sobre temas de direito, de entre direito constitucional, direito da União Europeia, organização judiciária, direito civil e direito processual civil, direito comercial, direito penal e direito processual penal, direito administrativo, direito económico, direito da família e das crianças e direito do trabalho.»

No caso do concurso para os tribunais administrativos a solução é análoga, obedecendo à mesma filosofia, conforme decorre do n.º 3 daquele artigo.

Constata-se que desapareceu a prova de conversação, referida na alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º da Lei n.º 16/98, e que as restantes provas autónomas que estavam previstas naquele numero foram concentradas numa única discussão que poderá ter a duração máxima de 90 minutos, por força do disposto no n.º 3 do mesmo artigo.

A integração numa única prova de um conjunto tão vasto de matérias de natureza jurídica pode criar problemas de execução complexos, uma vez que será necessário constituir júris que tenham capacidade para fazer interrogatórios sobre um conjunto disperso de áreas do direito, o que, face à composição dos júris prevista no n.º 4 do artigo 13.º, não será tarefa fácil, já que não é frequente encontrar juristas com uma polivalência tão vasta.


14 – Os candidatos que se apresentem a concurso invocando a experiência profissional, nos termos da segunda parte da alínea c) do artigo 5.º, estão sujeitos a uma avaliação oral denominada «avaliação curricular» que o artigo 20.º, n.º 1 define como «uma prova pública prestada pelo candidato, com o objectivo de, através da discussão do seu percurso e actividade curricular, avaliar e classificar a consistência e relevância da sua experiência profissional, na área forense ou em áreas conexas com a actividade forense, para o exercício da magistratura».

Por força do n.º 2 do mesmo artigo, a prova inclui «uma discussão do currículo e experiência profissional do candidato» e uma discussão sobre temas de direito «baseados na experiência do candidato, que pode assumir a forma de exposição e discussão, caso o candidato manifeste essa experiência».


15 - Terminadas as provas, nos termos do artigo 26.º, n.º 1, é elaborada a «lista de graduação dos candidatos aprovados, por via de admissão, e a lista dos candidatos excluídos, com indicação do motivo».

O artigo não esclarece se cada via de admissão dá origem a uma lista própria, o que parece lógico, ou se há lugar a uma lista única, sendo os candidatos graduados em função da respectiva classificação final, nos termos do n.º 1 do 27.º do mesmo anteprojecto, embora com menção da via de ingresso.

A questão é particularmente importante por força do mecanismo das quotas preferenciais em função das vias e da forma de preenchimento das mesmas.

De facto, a lista ou listas de graduação dos candidatos são a base a partir da qual são definidos os candidatos habilitados para a frequência do curso, o que ocorre nos termos do artigo 28.º do anteprojecto.

Por força do disposto no n.º 1 deste artigo, «ficam habilitados para a frequência do curso teórico-prático imediato os candidatos aprovados, por ordem de graduação, até ao preenchimento do total das vagas em concurso, com respeito pelas respectivas quotas de admissão».

Por outro lado, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, «a falta de candidatos aprovados para o preenchimento das vagas respeitantes a uma das quotas de admissão não impede o preenchimento do total das vagas em concurso através do recurso aos candidatos aprovados da outra quota de admissão».

Contudo, no caso de o número de candidatos aprovados exceder em ambas as vias as quotas preferenciais estabelecidas, haverá que estabelecer critérios de ordenação relativa entre si dos candidatos das duas vias para preencher o número global de vagas que exceda as quotas preferenciais, que só preenchem 60% das vagas a concurso.

Tal ordenação deve ser a que resulta da graduação prevista no n.º 1 do artigo 27.º, que prevê que os candidatos sejam ordenados «por ordem decrescente da classificação final», mas esta conclusão impõe a organização de uma lista única, embora com a menção da via de ingresso do candidato, ou no mínimo, o entendimento de que o critério estabelecido naquele número e retomado no n.º 1 deste artigo, é seguido no preenchimento das vagas que excedam as quotas de preenchimento preferencial.

Se se chegar à conclusão de que há lugar a duas listas de graduação dos candidatos, em função das vias de ingresso, seria importante clarificar esta questão para evitar conflitos na aplicação prática da lei, porque então não teremos uma ordem decrescente, mas duas.

15 - Inovando relativamente ao regime em vigor, o artigo 29.º vem impor que no caso de concurso para as magistraturas dos tribunais judiciais, os candidatos façam a sua opção de magistratura, «no prazo de cinco dias a contar da publicitação dos candidatos habilitados».

Inova-se impondo que os magistrados iniciem a sua formação já com a opção de magistratura definida, o que tem consequências relevantes em termos de programação da própria formação.

A formação inicial deixa de visar uma opção consciente de magistratura, como se dizia no n.º 2 do artigo 56.º da Lei em vigor, para ser um dado adquirido previamente, legitimando a introdução de módulos específicos na formação virados para uma concreta magistratura, conforme adiante se verá, apesar de se manter um tronco comum às duas magistraturas.

Não resultam da exposição de motivos elementos que justifiquem esta opção, embora se dê como assente que há consenso sobre a mesma.

Não era a opção que vinha do «Documento Orientador da Reforma da Lei do Centro de Estudos Judiciários»([3]) que em muitos aspectos fundamentou o presente anteprojecto.


A introdução de componentes de formação específicas dirigidas a cada uma das magistraturas, ao lado de componentes comuns, terá de ser feita no plano do respeito pelos princípios fundamentais relativamente ao relacionamento entre as magistraturas e não pode deixar de respeitar o equilíbrio que deve existir naquele relacionamento.

Não poderá, deste modo, a introdução desses específicos conteúdos dar origem a desequilíbrios na afectação de meios materiais e humanos à formação das duas magistraturas, com fundamento na maior ou menor complexidade da formação de uma magistratura relativamente à outra.


16 - No n.os 6 e 7 do artigo 29.º prevê-se a possibilidade de alteração da opção dos candidatos em momento posterior ao início da formação, condicionando-se essa alteração à existência de motivos que a fundamentem e fixando-se os momentos em que pode ocorrer e as condições de que depende a sua efectivação.

Admite-se mesmo que a alteração ocorra após o início de funções em nomeação definitiva nas magistraturas, já que se admite que ela possa ter lugar «após a fase do estágio».

Desconhecem-se as razões que motivam a possibilidade de alteração de opção durante o processo de formação, o que contraria toda uma lógica de estabilidade que se pode alcançar com a opção no início.

São previsíveis justificações assentes na inadaptação à magistratura que não seja de primeira escolha, numa altura em que não se tem um conhecimento completo da mesma, com todos os corolários legitimantes de transição daí derivados.

São igualmente previsíveis pretensões de transição motivadas em diferentes critérios de avaliação no âmbito da magistratura para onde se pretende transitar.

Essa transição, nos termos em que está consagrada, tem potencialidades para destruir uma das mais valias que pode derivar da opção no momento inicial, que se encontra no facto de os auditores assumirem com plena motivação a formação vocacionada para magistratura onde sejam integrados, não a entendendo como algo transitório ou de menor interesse para a sua vida futura porque se espera passar para a outra magistratura.

Situação diversa é a da transição entre magistraturas, após a nomeação definitiva, mas ainda numa fase inicial da carreira, que o projecto também parece admitir.

De facto, o n.º 6 daquele artigo 29.º refere que a transição pode ocorrer no «final do estágio» e admite mesmo que ocorra «após a fase do estágio», o que situa o momento da transição depois da nomeação definitiva.

Omite o anteprojecto, contudo, quaisquer indicações sobre o reflexo da pendência de pedidos de transição sobre o aproveitamento da fase em que o candidato se encontre e sobre a situação posterior do mesmo, o que é susceptível gerar dúvidas.

A transição entre magistraturas foi enfrentada no projecto de alteração da Lei n.º 16/98, de 8 de Abril, embora ali assumida como uma forma efectiva de transição e com uma disciplina mais abrangente do que aquela que resulta do anteprojecto que é manifestamente insuficiente([4]).

III


1 - O anteprojecto dedica o seu Capítulo III do Título II à formação inicial que abrange os artigos 30.º a 73.º.

Inovando relativamente ao regime em vigor, a formação inicial é divida em duas fases, sendo uma a da formação teórico-prática, com dois ciclos, e a restante a do estágio.

O primeiro dos ciclos da fase teórico-prática ocorre no Centro de Estudos Judiciários, «sem prejuízo de estágios intercalares de curta duração nos tribunais» e o segundo ciclo decorre nos tribunais, no âmbito da magistratura escolhida.

Uma vez aprovados na fase teórico-prática, os auditores de justiça são nomeados magistrados em regime de estágio, situação em que cumprem a última parte da formação inicial.

Por força do disposto no artigo 36.º os dois primeiros ciclos têm a duração de 15 de Setembro a 15 de Julho ano seguinte, embora no que se refere a candidatos admitidos com base na experiência profissional possa haver redução da duração da segunda parte da fase teórico-prática.

Tal como acima se referiu, a formação com opção por magistratura previamente definida vai legitimar a introdução de conteúdos específicos de cada um das magistraturas na actividade formativa.

Assim, o artigo 37.º, n.º 1, alínea c), prevê no âmbito dos objectivos gerais da formação no 1.º ciclo, como um dos objectivos «proporcionar a diferenciação de conteúdos funcionais e técnicos de cada magistratura», o que depois é concretizado no artigo 38.º, relativo a componentes formativas, que ao lado de uma componente formativa de carácter geral integra uma «componente formativa de especialidade, uma componente profissional e uma área de investigação aplicada».

Nos artigos 39.º, 40.º e 41.º estabelecem-se os conteúdos das componentes da formação, desde a geral que é dirigida a todas as magistraturas, incluindo a dos tribunais administrativos e fiscais, às componentes de especialidade e que integram as profissionais, quer no caso dos tribunais judiciais, quer no caso dos tribunais administrativos.

No que se refere às magistraturas dos tribunais judiciais, deverá ser fundamentalmente na área das componentes profissionais – alínea b) do artigo 40.º - que surgirão as componentes individualizadas direccionadas para uma magistratura em concreto, embora existam outras componentes que podem justificar a especificação da formação, como é o caso da «investigação criminal e gestão do inquérito», que apesar de integrada na alínea a) do artigo 40.º tem um conteúdo profissionalizante para os magistrados do Ministério Público indiscutível.

Esta formação individualizada vai ser concretizada no âmbito dos planos de estudos referidos no artigo 42.º, que estabelece:

«Artigo 42.º
Planos de estudo
1 – Os cursos de formação teórico-prática referidos nos artigos 39.º a 41.º obedecem a planos de estudo próprios, que definem os objectivos e as linhas gerais da metodologia e da programação das actividades formativas, deles constando a distribuição das matérias por unidades lectivas, tendo em conta a diferenciação das funções de cada magistratura.
2 – Os planos de estudo prevêem, no âmbito das várias matérias, módulos especificamente dirigidas a determinada magistratura e módulos comuns.
3 – Os planos de estudo prevêem módulos de frequência obrigatória e módulos opcionais.
4 – Os planos de estudo, após a aprovação pelo conselho pedagógico, são integrados no plano anual de actividades.
5 – A elaboração dos planos de estudo compete ao director, nos termos do regulamento interno».

A introdução de componentes específicos de formação para cada concreta magistratura deverá ter uma incidência progressiva ao longo da fase teórico-prática, sendo o seu espaço natural o do segundo ciclo daquela fase formativa.

Ao nível do primeiro ciclo, a coexistência de módulos comuns com módulos específicos criará complexos problemas de articulação de planos de formação.

A separação de módulos de formação nesta fase inicial, se vier a justificar-se, deve ser equilibrada, devendo ser introduzida neste artigo uma norma que estabeleça um limite a essa formação individualizada, por exemplo, 10 a 15% da formação global nesse primeiro ciclo.

Não se trata de um mero problema de gestão de planos de formação a delegar para as estruturas internas do CEJ, mas de introduzir um factor de equilíbrio numa matéria sensível nas relações entre as duas magistraturas.

Acresce que ponderados os conteúdos das matérias de natureza jurídica que têm sido objecto da 1.ª fase da formação inicial dos magistrados ao longo dos anos, são pontuais os casos em que se pode discutir, fundadamente, se uma matéria deve ou não ser integrada na formação inicial de uma específica magistratura.

O que tem faltado muitas vezes é uma visão integrada do processo de aplicação do Direito que leva a esquecer que o método é basicamente o mesmo, embora adaptado ao ramo concreto do Direito em que o aplicador se move.


2 - Por força do disposto no artigo 42.º, o plano de estudos é assumido como o instrumento fundamental na orientação da actividade formativa, cabendo-lhe definir os conteúdos e os destinatários da mesma.

A elaboração dos planos de estudos incumbe ao Director, nos termos do regulamento interno e de acordo com o disposto no n.º 5 do artigo 42.º, sendo aqueles depois aprovados pelo Conselho Pedagógico, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo.

Uma vez aprovados, os planos de estudo integram o plano anual de actividades que é aprovado pelo Conselho Geral, nos termos da alínea a) do artigo 102.º.

O Conselho Pedagógico e o Conselho Geral são duas estruturas da orgânica do CEJ disciplinadas nos artigos 101.º a 104.º, onde, para além das magistraturas, têm assento personalidades alheias àquelas, o que permite uma intervenção da colectividade na gestão da formação dos magistrados.


3 - Tal como já se referiu, o primeiro ciclo prevê a existência de um estágio intercalar de «duração não superior a 4 semanas» junto dos tribunais, que ocorre sob direcção dos magistrados formadores, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º do anteprojecto.

Este período, nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, pode ser seguido ou repartido, «devendo o auditor ter contacto com, pelo menos, dois tribunais diferentes», sendo tomada em consideração a opção de magistratura que o auditor tenha feito.

Os auditores que obtenham aproveitamento no primeiro ciclo são colocados nos tribunais onde sob a orientação dos magistrados formadores vai decorrer a segunda fase da formação inicial.

Para além da formação nos tribunais, esta segunda fase inclui também «estágios de curta duração junto de entidades e instituições não judiciárias, com actividade relevante para o exercício da magistratura», nos termos do n.º 3 do artigo 52.º do anteprojecto.

Além disso, este segundo ciclo pode compreender também «acções específicas dirigidas à magistratura a que os auditores se candidatam» e acções «conjuntas destinadas aos auditores de justiça, advogados estagiários e formandos de outras profissões que intervêm na administração da justiça».

De acordo com a exposição de motivos estas acções deveriam constituir «um traço de união entre as diferentes experiências profissionais». Na definição do conteúdo destas acções deverão ser encontrados meios que potenciem o diálogo entre todos os participantes, sob pena de se frustrarem completamente os objectivos.


4 – No fim do segundo ciclo os auditores são avaliados e classificados, nos termos dos artigos 53.º, 54.º e 55.º, sendo-lhes atribuída uma classificação da fase teórico-prática que toma em consideração as classificações dos dois ciclos através dos quais aquela se desdobra.

Os auditores que sejam considerados não aptos para o exercício das funções são excluídos do curso, nos termos do n.º 5 do artigo 55.º do anteprojecto.

Aqueles que sejam considerados aprovados são nomeados magistrados «em regime de estágio» pelos Conselhos Superiores da magistratura respectiva, nos termos do n.º 1 do artigo 69.º do anteprojecto.

O estágio decorre nos tribunais, na base de um plano individual homologado pelo Conselho Superior da magistratura respectiva e é acompanhado pelo CEJ, nos termos do n.º 3 do artigo 71.º

Para além dos trabalhos nos tribunais, o estágio engloba acções de formação específicas e «estágios de curta duração, obrigatórios ou facultativos, junto de entidades e instituições não judiciárias, com actividade relevante para o exercício da magistratura».

Finalmente o estágio engloba também acções «conjuntas destinadas aos estagiários das magistraturas, da advocacia e de outras profissões que intervêm na administração da justiça» na linha da solução acima referida a propósito do segundo ciclo da formação teórico-prática.


5 – O anteprojecto dedica o seu artigo 72.º ao regime do estágio dos magistrados nos tribunais, definindo os termos do acompanhamento da actividade dos estagiários, estabelecendo no seu n.º 3 que os Conselhos respectivos «recolhem elementos sobre a idoneidade, o mérito e o desempenho» dos mesmos e impondo ao CEJ que lhes comunique «as informações adequadas» que obtenha no âmbito da actividade de acompanhamento dos estagiários que lhe incumbe prosseguir.

Nos termos do n.º 1 daquele mesmo artigo, «os magistrados em regime de estágio exercem com a assistência de formadores, mas sob responsabilidade própria, as funções inerentes à respectiva magistratura, com os respectivos direitos, deveres e incompatibilidades».

Mau grado tenham o estatuto de magistrados e beneficiem por tal motivo dos «respectivos direitos, deveres e incompatibilidades», aqueles magistrados exercem sob responsabilidade própria, mas com a assistência dos magistrados formadores.

A atribuição aos estagiários dos «direitos, deveres e incompatibilidades» inerente à qualidade de magistrado é susceptível de induzir alguns equívocos que deverão ser resolvidos expressamente.

Assim, entre os direitos dos magistrados encontra-se a «inamovibilidade» a que se refere o artigo 6.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, ou o direito à «estabilidade», a que se refere o artigo 78.º do Estatuto do Ministério Público.

Impõe-se, pois, ponderar os limites a estes direitos, derivados das situações de estágio em que aqueles magistrados se encontram, nos casos de demonstração de inaptidão para o exercício da função que só venha a ocorrer neste momento do processo de ingresso nas magistraturas.

A Lei n.º 16/98, de 8 de Abril, enfrentou o problema através do n.º 4 do seu artigo 70.º que estabelecia que «sempre que os elementos obtidos ponham em dúvida a adequação do estagiário ao exercício de funções, os conselhos determinam com prioridade e urgência, uma inspecção extraordinária».

Esta inspecção extraordinária poderia conduzir à demonstração da inadaptação do magistrado para o exercício da função, e abrir caminho à saída do mesmo da magistratura, nos termos dos n.os 3 e 4 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, ou dos n.os 3 e 4 do artigo 110.º do Estatuto do Ministério Público.

Trata-se de uma solução manifestamente inadequada à resolução da situação destes magistrados estagiários.

O anteprojecto enveredou por solução diversa, embora não a assuma expressamente em todas as suas dimensões.

De facto, no n.º 4 do artigo 72.º prevê-se que «O Conselho Superior respectivo não procede à nomeação definitiva do magistrado em regime de estágio quando, de acordo com os elementos colhidos e ouvido o conselho pedagógico do CEJ, concluir pela sua falta de adequação para o exercício da função» e no n.º 5 do mesmo artigo refere-se que «Pode também o conselho pedagógico do CEJ, sob proposta do Director, emitir parecer fundamentado no sentido da não nomeação definitiva do magistrado em regime de estágio quando, em resultado do acompanhamento previsto no n.º 2 do artigo anterior, concluir pela sua falta de adequação para o exercício da função».

Demonstrada a inaptidão para o exercício da função, quer pela via dos elementos recolhidos pelos Conselhos, quer pela via do acompanhamento levado a cabo pelo CEJ, aquele n.º 4 determina a não nomeação definitiva do magistrado.

Esta deliberação implica forçosamente a respectiva exoneração, porque a nomeação em regime de estágio é por natureza uma situação transitória, consequência que o anteprojecto não assume expressamente.

Seria preferível que no n.º 1 se aditasse à expressão «com os respectivos direitos, deveres e incompatibilidades», «sem prejuízo do disposto neste artigo», e depois no n.º 4, integrar a expressão «e delibera a sua exoneração», antes do advrbio «quando».

Trata-se da solução consagrada no regime da função pública em geral – artigo 5.º, n.º 10, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, que refere «sem prejuízo do regime de estágio, o funcionário que durante o período probatório não revelar aptidão para o desempenho de funções pode ser exonerado a todo o tempo, por despacho da entidade competente».


6 – O anteprojecto dedica o seu capítulo IV do Título III à formação contínua dos magistrados que é assumida como um dos instrumentos necessários à adaptação daqueles à evolução dos problemas e desafios que a realidade social coloca ao sistema de justiça.

Ao lado das componentes derivadas da evolução do sistema jurídico, que sempre tiveram lugar no âmbito da formação contínua, surgem agora no seu âmbito, nos termos do artigo 74.º, um complexo de matérias essenciais para a realização daquele objectivo de adaptação e que não têm directamente uma componente jurídica.

O plano anual de formação contínua é «concebido e planeado pelo CEJ, em articulação com os Conselhos Superiores» e é integrado no pano anual de actividades.

No âmbito da formação contínua podem ser incluídas, nos termos do artigo 76.º, n.º 6, acções de formação que visem afectação de magistrados aos tribunais de competência especializada.

Por força do disposto no artigo 79.º, n.º 3, «a participação do magistrado em acções de formação contínua, nos termos previstos no estatuto da magistratura respectiva, é tida em conta, em geral, na avaliação do desempenho profissional e, em especial, para efeitos de colocação nos tribunais de competência especializada ou específica e de progressão da carreira.»

Trata-se de uma disposição inovadora visando incentivar os magistrados à formação, objectivo declaradamente assumido pelo anteprojecto.

IV


1 - O anteprojecto dedica o seu título IV à «Missão, estrutura e funcionamento do CEJ» abordando no essencial as matérias relacionadas com a orgânica daquele serviço e com a infra-estrutura administrativa que suporta a realização das suas actividades.

No âmbito da definição das atribuições do CEJ, no artigo 95.º inova-se significativamente ao prever o envolvimento daquele serviço na formação de não magistrados.

Assim, enquanto no artigo 2.º, alínea c), da Lei n.º 16/98, de 8 de Abril, se previa no âmbito das atribuições do CEJ, o «apoio a acções de formação jurídica e judiciária de advogados, solicitadores e agentes de outros sectores profissionais», passa agora a prever-se, na alínea b) daquele artigo 95.º, que constitui missão daquele serviço «assegurar acções de formação jurídica e judiciária de advogados, solicitadores e agentes de outros sectores profissionais da justiça, bem como cooperar em acções organizadas por outras instituições».

Em parte esta alteração deve ser articulada com a previsão já acima referida da participação de auditores e de magistrados estagiários em acções de formação comuns com outros sectores profissionais na área da administração justiça.

De facto, a organização pelo CEJ dessas acções é coerente com a previsão da participação dos futuros magistrados nas mesmas.

Contudo, a norma pode revelar uma intencionalidade de envolvimento do CEJ na formação desses outros profissionais que é inovadora em relação ao regime em vigor.


2 - Por força da integração da formação dos magistrados judiciais dos tribunais administrativos e fiscais no CEJ o anteprojecto faz envolver o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais na orgânica daquele serviço.

É o que resulta das alíneas b) e i) do artigo 101.º, no que se refere ao Conselho Geral, da alínea d) do artigo 103.º para o Conselho Pedagógico e da alínea d) do n.º 1 do artigo 105.º para o Conselho de Disciplina.

A entrada de mais um membro da magistratura judicial, embora de uma magistratura especializada, nestes órgãos de gestão pode alterar os equilíbrios anteriormente ali existentes entre magistrados judiciais e do Ministério Público. Não se trata de uma questão meramente formal, mas ela é susceptível de induzir leituras que põem em causa o princípio do paralelismo entre as magistraturas.


3 – No que se refere aos órgãos de gestão, o anteprojecto não apresenta quaisquer rupturas com o modelo anteriormente existente, que é mantido nas suas linhas gerais.

Relativamente à infra estrutura administrativa, matéria previstas nos artigos 110.º a 118.º, o anteprojecto transporta para o CEJ as linhas gerais dos modelos organizativos que têm inspirado a reestruturação da administração central do Estado que se encontra em curso.


V



Face ao exposto, formulam-se as seguintes conclusões:


1.ª - A apreciação do anteprojecto da proposta de lei de revisão do regime de ingresso nas magistraturas, da formação de magistrados e da estrutura e funcionamento do CEJ, é limitada nos termos da competência fixada no artigo 34.º, alínea b), do Estatuto do Ministério Público, não se pronunciando sobre os critérios e as opções de política legislativa subjacentes àquele anteprojecto.

2.ª - As referências sobre a formulação do articulado constam dos vários números da presente informação-parecer.



Lisboa, 18 de Abril de 2007


O Procurador-Geral Adjunto


António Leones Dantas






[1] Lei Constitucional n.º 1/2001, de 12 de Dezembro.
[2] Sobre a situação constitucional dos cidadãos brasileiros, cfr. JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, p. 135.
[3] In http//www.cej.pt.
[4] Matéria tratada no projectado artigo 72.º A do seguinte teor:
«Artigo 72.º-A
Alteração da opção inicial
1 – Decorrido o prazo de dois anos sobre a nomeação definitiva e antes de perfazerem sete anos de serviço efectivo, os juízes de direito e os procuradores-adjuntos que não tenham sofrido qualquer sanção disciplinar e beneficiem de classificação de serviço não inferior a Bom podem manifestar ao respectivo conselho superior a vontade de transição para outra magistratura.
2 – O Conselho Superior da Magistratura e o Conselho Superior do Ministério Público, bem como, se for o caso, o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, podem condicionar, antecipadamente e de forma concertada, os movimentos de transição entre as duas magistraturas a critérios objectivos que evitem perturbações significativas de serviço.
3 – O conselho superior referido no n.º 1 remete o pedido ao conselho superior competente para a nomeação pretendida, acompanhado de informação sobre a classificação de serviço e o registo disciplinar.
4 – Verificados os requisitos legais, os candidatos à transição são nomeados magistrados judiciais ou procuradores-adjuntos, em regime experimental, nos termos do artigo 71.º-A, abrindo vaga no lugar antes ocupado e mantendo o estatuto remuneratório de origem.
5 – Quando especiais necessidades de formação o justifiquem o conselho superior da magistratura de destino pode prolongar por seis meses o período de nomeação em regime experimental.
6 – Em caso de nomeação simultânea, em regime experimental, de magistrados que se candidatem à transição de magistratura e de auditores de justiça, estes precedem aqueles, mas os primeiros mantêm entre si a antiguidade que tinham na magistratura de origem.
7 – Os candidatos que não venham, a final, a ser nomeados definitivamente para a magistratura para onde pretendem transitar, retomam o desempenho de funções na magistratura de opção inicial, perdendo, para efeitos de antiguidade na carreira, o tempo de serviço correspondente ao desempenho de funções em regime experimental.
8 – O tempo de serviço prestado na magistratura de opção inicial não conta para efeitos de determinação da antiguidade na magistratura de destino, mas releva para todos os outros efeitos.»