Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00003369
Parecer: I000162016
Nº do Documento: PIN07092016001600
Descritores: CONVENÇÃO DO CONSELHO DA EUROPA PARA A PREVENÇÃO DO TERRORISMO
PROTOCOLO ADICIONAL
RATIFICAÇÃO
PRIMADO DO DIREITO INTERNACIONAL CONVENCIONAL
RESERVA RELATIVA DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA
CONCURSO DE CRIMES
CONCURSO DE NORMAS
PRINCÍPIO DA TIPICIDADE
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
Área Temática:DIR INT PUBL*TRATADOS
Ref. Pareceres:CB00021993
I000701994Parecer: I000701994
I000361999Parecer: I000361999
P000042008
I000322008Parecer: I000322008
P000452012Parecer: P000452012
I000102014Parecer: I000102014
P000022016Parecer: P000022016
Legislação:EMP98 ART37 E); REGIMENTO CC PGR ART14 N2; RAR 101/2015 DE 23/07/2015; DPR 74/2015 DE 23/07/2015; CONST76 ART1 ART2 ART8 N2 ART9 A) B) ART29 ART161 I) ART165 N1 C) ART197 N1 B) D) ART277 N2 ART278 N1 ART279 N4 ART280 N3; L52/2003 DE 22/08 ART2 ART3 ART4 N3 N4 N7 N10 N11 ART12 N4: L59/2007 DE 04/09; L25/2008 DE 05/06; L17/2011 DE 03/05; L60/2015 DE 24/06; RAR82/2009 DE 16/05/2005; DPR78/2009 DE 16/05/2005; CPENAL ART14 N1 ART21 ART30 N1
Direito Comunitário:PROTOCOLO ADICIONAL STCE N196 DO COMITÉ DE MINISTROS DO CONSELHO DA EUROPA DE 19/05/2015
DECISÃO (UE) 2015/1913 CONS DE 18/09/2015
DECISÃO (UE) 2015/1914 CONS DE 18/09/2015
DIR 2015/849 PE CONS DE 20/05/2015
DIR 2016/681 PE CONS DE 27/04/2016
DECISÃO-QUADRO 2002/475/JAI
TFUE ART5 N3 ART83 N1
RECOMENDAÇÃO N5/2012 GAFI
CONVENÇÃO DO CONSELHO DA EUROPA RELATIVA AO BRANQUEAMENTO, DETEÇÃO, APREENSÃO E PERDA DOS PRODUTOS DO CRIME E AO FINANCIAMENTO DO TERRORISMO DE 16/05/2005
Direito Internacional:RES CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU N2178(2014) DE 24/09
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:AC TCONST N32/88
AC TCONST N168/88
AC TCONST N634/93
AC TCONST N494/99
AC TCONST N522/2000
AC TCONST N384/2005
AC TCONST N117/2008
AC TCONST N444/2008
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:PPL283/XII

Texto Integral:


Senhora Procuradora-Geral da República
Excelência:



I. Consulta
Foi solicitado parecer sobre o Protocolo Adicional à Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção do Terrorismo adotado pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa em 19 de maio de 2015.
Cumpre emitir informação-parecer, ao abrigo das disposições conjugadas da al. e) do artigo 37.º, do Estatuto do Ministério Público e do artigo 14.º, n.º 2, do Regimento do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República.

II. Fundamentação
§ II.1 Objeto do parecer
O parecer tem como objeto o Protocolo Adicional à Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção do Terrorismo (STCE n.º 196) adotado pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa em 19 de maio de 2015 e assinado por Portugal em 15 de março de 2016[1].
A consulta é indissociável do exercício de competências estaduais de órgãos concretos, no caso relativas ao procedimento de eventual vinculação do Estado Português ao Protocolo Adicional à Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção do Terrorismo.
O presente parecer é elaborado ao abrigo das disposições conjugadas da alínea e) do artigo 37.º, do Estatuto do Ministério Público e do artigo 14.º, n.º 2, do Regimento do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República. Consequentemente, tendo em atenção a citada disposição estatutária, o parecer vai centrar-se nas questões relativas à conformidade jurídico-constitucional da convenção objeto da consulta[2].
Devemos começar por reiterar as considerações formuladas no parecer n.º 45/2012, de 15 de janeiro de 2013[3], que se aplicam ao presente:
«O Conselho Consultivo pode ser convocado, no exercício de função consultiva facultativa, para se pronunciar sobre condições de ação que podem envolver a sistematização de regras advenientes da interpretação jurídica da lei trabalhando sobre dados de facto ligados ao passado, supondo muitas vezes um prévio trabalho teórico de natureza jurídica que, contudo, não afasta a exclusividade da responsabilidade do decisor quanto a eventuais opções precetivas suportadas no parecer.
«Daí que a entidade consulente, quando os pareceres não são obrigatórios nem vinculativos, assuma um papel insubstituível de redução da complexidade em dois momentos em que decide com plena independência:
(1) Ao estabelecer o objeto da pronúncia sobre uma determinada questão técnica;
(2) Ao extrair as consequências, após o parecer, da opinião expendida em termos de medidas com impacto na ordem jurídica.
«Isto é, o exercício da função consultiva envolve mecanismos de responsabilizações múltiplas, do próprio órgão consultivo através das suas estruturas argumentativas e corolários extraídos das mesmas, e do consulente ao estabelecer o objeto daquela pronúncia exclusivamente técnica em que, para empregar as palavras de LUHMANN, se estabelece um território em que “a extensão e a coordenação das diversas responsabilidades não podem ser realizadas isoladamente sem considerar o contexto estrutural e programático da atividade decisória”.
«Nessa medida, o parecer não pode abrir-se a múltiplos universos epistemológicos sem específica delimitação de uma pergunta sobre concretizadas questões jurídicas, que são as únicas sobre as quais podem incidir os pareceres facultativos do Conselho Consultivo. Interrogações que têm implicadas possibilidades abstratas de mais do que uma solução, daí a dúvida que determina a solicitação de parecer. Existe, assim, um esquema insuperável de problema / solução em que a identificação do problema jurídico numa fase primária, em que se estabelecem balizas inequívocas sobre o objeto da consulta, é uma responsabilidade do consulente.
«Como se destacou no parecer n.º 4/1992 - Complementar B, de 21-9-2000, as diferentes aceções da função consultiva, mesmo quanto a órgãos consultivos que não estão vinculados a pronunciar-se apenas sobre os aspetos estritamente jurídicos, compreendem uma destrinça de responsabilidades funcionais entre entes, consulente e consultivo, centradas na delimitação do respetivo objeto.
«Acresce que as funções consultivas da Procuradoria-Geral da República integram-se numa linhagem com precedentes na atribuição ao Conselho de Estado (criado pela Carta Constitucional de 1826) de funções consultivas em 1850 e na conversão em 1870 da ala administrativa desse órgão do Estado “no Supremo Tribunal Administrativo, mas com supressão das funções consultivas”.
«Enquadramento que implica a restrição do parecer aos aspetos jurídicos previamente identificados ou decorrentes do tratamento daqueles, excluindo dimensões político-administrativas ou financeiras sobre fins e objetivos.»
Existe, assim, uma clara componente funcional no que concerne a pareceres do Conselho Consultivo que incidam «sobre disposições de ordem genérica», sem interferir com dimensões que estão para além das condições de ação, no plano jurídico-legal, isto é, este órgão consultivo apenas se deve pronunciar sobre matéria de legalidade, sem ponderações de raiz política que analiticamente sejam autonomizáveis daquelas condições.

§ II.2 Enquadramento jurídico-constitucional do Protocolo Adicional à Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção do Terrorismo
§ II.2.1 O enquadramento do Protocolo Adicional à Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção do Terrorismo nos cânones e hierarquia de fontes da ordem jurídico-constitucional portugueses vai conformar o objeto e desenvolvimento subsequentes.
O protocolo objeto do presente parecer foi aprovado pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa como adicional à Convenção do Conselho da Europa Para a Prevenção do Terrorismo (ETS n.º 196), a qual foi assinada por Portugal em 16-5-2015, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 101/2015, de 19-6-2015[4], e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 74/2015[5], tendo entrado em vigor na ordem jurídica interna em 1-12-2015.
Este Conselho Consultivo emitiu, em 1 de junho de 2011, a informação parecer n.º 4/2008 sobre a Convenção do Conselho da Europa Para a Prevenção do Terrorismo (ETS n.º 196)[6].
Como se destacou no referido parecer n.º 4/2008, de 1-6-2011, a Convenção do Conselho da Europa Para a Prevenção do Terrorismo de 2005 constitui, de forma inequívoca, um tratado-normativo e multilateral que não integra o ius cogens[7]. Enquadramento que subsiste válido para o Protocolo Adicional STCE n.º 196 objeto da presente consulta.
Com base nesse pressuposto classificatório importará integrar o Protocolo Adicional STCE n.º 196 numa hierarquia de fontes normativas, que se apresenta determinante para a subsequente reflexão técnico-jurídica sobre as implicações da sua ratificação pela República Portuguesa tendo ainda presente a deflação da importância da querela entre as teses dualista e monista, que implica uma «aproximação das soluções propostas pelo monismo e pelo dualismo para a questão da vigência do Direito Internacional na ordem interna dos Estados»[8], sem embargo da adesão claramente maioritária da doutrina ao monismo[9].
Verificando-se na doutrina a prevalência de um monismo moderado com variantes que atendem, nomeadamente, às diferentes categorias e fontes de Direito Internacional, não importa aqui abordar todo o tema em termos teórico-abstratos, atenta a caracterização da Convenção objeto do presente parecer e a diversidade de legítimas opções constitucionais dos Estados relativamente ao Direito Internacional convencional. Domínio em que ressalta a existência na ordem jurídica interna portuguesa de um preceito exclusivamente reportado ao Direito Internacional, o artigo 8.º, da Constituição da República Portuguesa.
Atento o contexto compreensivo do presente parecer deve traçar-se a decomposição analítica de duas questões:
1.ª) Relações entre as normas de Direito Internacional convencional e a Constituição da República Portuguesa;
2.ª) Relações entre as normas de Direito Internacional convencional «regularmente ratificadas ou aprovadas» por Portugal e o direito ordinário português.

§ II.2.2 O Protocolo Adicional STCE n.º 196 aprovado pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa em 19 de maio de 2015 foi assinado por Portugal em 15 de março de 2016.
As normas dos tratados internacionais com o enquadramento e objeto do Protocolo Adicional STCE n.º 196 posicionam-se numa relação de subordinação perante a Constituição. Pelo que, a convenção em análise tem de se conformar com as regras do direito constitucional português[10].
O problema da posição do Direito Internacional que não integra o ius cogens no direito português não está diretamente resolvido no texto constitucional. Contudo, a posição infraconstitucional Protocolo Adicional STCE n.º 196, caso venha a ser inserido no direito português, decorre das conclusões de qualquer uma das correntes doutrinárias desenvolvidas em Portugal sobre este tópico.
O valor infraconstitucional do Protocolo Adicional STCE n.º 196 constitui um corolário lógico da doutrina que preconiza uma prevalência da Constituição da República Portuguesa sobre todo o Direito Internacional convencional inserido voluntariamente na ordem jurídica interna, por outro lado, os autores que apontam para dimensões de prevalência de algum Direito Internacional convencional sobre a Constituição não consideram que estão abrangidos tratados com o enquadramento, objeto e escopo do Protocolo Adicional à Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção do Terrorismo de 2015[11]. Orientação que coincide com as pronúncias do Tribunal Constitucional sobre o tema[12].

§ II.2.3 O Protocolo Adicional à Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção do Terrorismo de 2015, caso seja ratificado, passará a vigorar «na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincular internacionalmente o Estado Português» (artigo 8.º, n.º 2, da Constituição) tendo primado sobre o direito interno infraconstitucional.
Aponta nesse sentido de forma quase unânime a doutrina[13]. Posição igualmente assumida na jurisprudência do Tribunal Constitucional (cf. Acórdão n.º 494/99).
No sentido da consagração constitucional do monismo com primado do Direito Internacional convencional sobre o direito infraconstitucional português também já se pronunciou o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, destacando-se, o recente parecer n.º 2/2016, de 17-3-2016[14], que constitui doutrina obrigatória para o Ministério Público, com lastro em várias pronúncias anteriores no mesmo sentido, nomeadamente, no parecer n.º 70/94, de 16-2-1995[15], no parecer n.º 36/1999, de 30-8-2002[16], no segundo parecer complementar n.º 2/93 de 20-4-2005[17], no parecer n.º 4/2008, de 1-6-2011[18], no parecer n.º 32/2008, de 11-6-2011[19], no parecer n.º 10/2014, de 4-6-2014[20].
Atendendo ao objeto da consulta (supra § II.1), as questões jurídicas que se suscitam em primeira linha no presente parecer incidem na compatibilidade do Protocolo Adicional à Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção do Terrorismo com a Constituição da República Portuguesa[21].

§ II.2.4 Na medida em que a regulação do direito criminal, como sucede com a matéria objeto do Protocolo Adicional à Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção do Terrorismo, integra a reserva relativa da Assembleia da República (artigo 165.º, n.º 1, al. c), da Constituição), a aprovação de um acordo internacional que verse sobre essa matéria é da competência do mesmo órgão de soberania (artigo 161.º, al. i), da Constituição).
Devendo atender-se nesta sede aos imperativos constitucionais determinantes nesta sede:
1- A competência exclusiva do Governo para a negociação, ajustamento e iniciativa do acordo (artigo 197.º, n.º 1, als. b), e d), da Constituição);
2- A competência da Assembleia da República para a respetiva aprovação (artigo 161.º, al. i), da Constituição);
3- A etapa final da competência do Presidente da República relativa à ratificação da convenção aprovada por resolução da Assembleia da República (artigo 135.º, al. b), da Constituição)[22].
Imperativo da aprovação pela Assembleia da República e ratificação pelo Presidente da República que resulta do complexo normativo constituído pelas disposições conjugadas dos artigos 8.º, n.º 2, 161.º, al. i), 165.º, n.º 1, al. c) e 197.º, n.º 1, al. c), da Constituição da República Portuguesa[23].

§ II.3 O Protocolo Adicional à Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção do Terrorismo de 2015 em face da ordem jurídica portuguesa
§ II.3.1 Estabelecido o enquadramento do texto objeto do presente parecer enquanto tratado multilateral e esclarecido o procedimento obrigatório para a sua aprovação na ordem jurídica portuguesa impõe-se, de seguida, analisar o seu conteúdo em face da ordem jurídica nacional (§§ II.3.1 a II.3.3) para culminar na apreciação da respetiva conformidade jurídico-constitucional no plano material, em face do respetivo valor infraconstitucional (infra § II.3.4) e as respetivas implicações no direito ordinário (infra § II.3.5), na hipótese de ser ratificado pelo Estado Português.
No parecer n.º 4/2008, de 1-6-2011, sobre a Convenção do Conselho da Europa Para a Prevenção do Terrorismo de 2005 foram lavradas as seguintes conclusões:
«1. A Convenção do Conselho da Europa Para a Prevenção do Terrorismo ETS n.º 196, de 3 de Maio de 2005, assinada por Portugal em 16 de Maio de 2005 não colide com qualquer norma constitucional portuguesa.
«2. As alterações da Lei de Combate ao Terrorismo (Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto) aprovadas pela Lei n.º 17/2011, de 3 de Maio são suficientes para o ajustamento do ordenamento jurídico nacional em matéria de direito penal substantivo com a vinculação internacional decorrente da aprovação e ratificação da Convenção do Conselho da Europa Para a Prevenção do Terrorismo ETS n.º 196.
«3. A aprovação da Convenção do Conselho da Europa Para a Prevenção do Terrorismo ETS n.º 196 não impõe alterações da atual legislação nacional.
«4. A vinculação da República Portuguesa à Convenção do Conselho da Europa Para a Prevenção do Terrorismo ETS n.º 196 constitui um fator relevante para a eventual ponderação pelo legislador nacional do aprofundamento, em consonância com as pautas programáticas da Convenção, de mecanismos jurídico-administrativos relativos ao auxílio financeiro e reparação das vítimas do terrorismo e dos membros do seu agregado familiar (§ II.4.3 do parecer), da consagração de um procedimento oficioso para garantir a presença para fins de extradição do eventual agente de incitamento público, recrutamento ou treino para terrorismo internacional praticado no estrangeiro encontrado no território português, nos casos em que a extradição se afigure admissível (§ II.4.5 do parecer), e a possibilidade de transmitir informações espontâneas às autoridades competentes de uma outra Parte (§ II.4.6 do parecer).»
O Protocolo Adicional STCE n.º 196 foi aprovado com o fim de complementar a Convenção ETS n.º 196, na sequência das orientações da Resolução 2178 (2014) adotada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas na sua 72.ª reunião, em 24 de setembro de 2014, — RCSNU 2178 (2014).
A RCSNU 2178 (2014) visa o combate ao designado Foreign Figthers Penhomenon, em particular a penalização dos atos relativos a viagens para países terceiros com a intenção de contribuir para a prática de atos terroristas, bem como como as condutas relativas ao treino com essa finalidade, e ao financiamento, organização ou facilitação de viagens com intenção terrorista.
Posteriormente seguiram-se outras iniciativas no âmbito das Nações Unidas, das quais destacamos duas resoluções:
A RCSNU 2249 (2015) de 20 de novembro de 2015 determinou que os Estados-Membros deviam reforçar os respetivos esforços contra o fluxo de combatentes terroristas estrangeiros para o Iraque e para a Síria e de prevenção e supressão do financiamento de atos terroristas;
A RCSNU 2199 (2015) reforçou os deveres dos Estados-Membros na perseguição e sancionamento das pessoas que participem «no financiamento, planeamento, preparação ou perpetração de atos terroristas, ou que apoiem atos terroristas», enquanto «infrações penais graves» que assim devem ser previstas nas normas nacionais realçando o relevo «do comércio de petróleo e de produtos petrolíferos refinados, refinarias modulares e material relacionado com o Estado Islâmico, a Frente de Apoio ao Povo do Levante e todos os outros indivíduos, grupos, empresas e entidades associados à Alcaida» no referido financiamento.
O Protocolo Adicional STCE n.º 196 adota determinadas disposições de direito penal da RCSNU 2178 (2014) e complementa a Convenção do Conselho da Europa, que já impunha a criminalização de várias infrações terroristas. Como se refere na exposição de motivos do Protocolo Adicional STCE n.º 196, e é relembrado na Decisão (UE) 2015/1914, do Conselho, de 18-9-2015, o protocolo adicional visa facilitar a aplicação da RCSNU 2178 (2014) adotada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas relativa aos combatentes terroristas estrangeiros, nomeadamente, através da previsão como infrações penais de atos identificados na disposição operacional n.º 6 da Resolução RCSNU 2178 (2014).
O Protocolo Adicional STCE n.º 196 requer a criminalização de alguns atos divididos no texto desse tratado em cinco categorias:
Participar numa associação ou grupo com fins terroristas (artigo 2.º[24]);
Receber treino para terrorismo (artigo 3.º[25]);
Viajar para o estrangeiro com intenção terrorista (artigo 4.º[26]),
Financiar viagens para o estrangeiro com intenção terrorista (artigo 5.º[27]);
Organizar ou facilitar de outra forma viagens para o estrangeiro com intenção terrorista (artigo 6.º[28]).
Numa outra dimensão o Protocolo impõe às Partes que reforcem o intercâmbio de informações em tempo útil entre si (artigo 7.º[29]).

§ II.3.2.1 No âmbito da União Europeia, a Decisão (UE) 2015/1913 do Conselho, de 18 de setembro de 2015, autorizou a assinatura, em nome da União Europeia, do Protocolo Adicional à Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção do Terrorismo (STCE nº 196).
Por seu turno, a Decisão (UE) 2015/1914, do Conselho, de 18 de setembro de 2015, autorizou a assinatura do Protocolo Adicional STCE n.º 196 no que se refere às matérias da competência da União, sob reserva da sua celebração[30].
As duas assinaturas vieram a ter lugar em 22 de outubro de 2015.
No âmbito do mais recente direito da União Europeia merecem destaque dois outros instrumentos normativos recentemente aprovados:
(1) A Diretiva (UE) 2015/849 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo, que altera o Regulamento (UE) n.º 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, e que revogou a Diretiva 2005/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e a Diretiva 2006/70/CE da Comissão;
(2) A Diretiva (UE) 2016/681 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativa à utilização dos dados dos registos de identificação dos passageiros (PNR) para efeitos de prevenção, deteção, investigação e repressão das infrações terroristas e da criminalidade grave.
Entretanto, encontra-se em curso o procedimento de discussão e eventual aprovação da Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho com o n.º COM (2015) 625 relativa à luta contra o terrorismo e que substitui a Decisão-Quadro 2002/475/JAI[31]. Proposta de diretiva sustentada no artigo 83.º, n.º 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) que autoriza o Parlamento Europeu e o Conselho a estabelecerem as regras mínimas necessárias relativas à definição das infrações penais e das sanções, e do artigo 82.º, n.º 2, do TFUE que determina que esses órgãos da União podem estabelecer regras mínimas relativas aos direitos das vítimas da criminalidade, ao abrigo do princípio da subsidiariedade — com base no artigo 5.º, n.º 3, do Tratado da União Europeia (TUE).
Na proposta de diretiva aprofundam-se as determinações do Protocolo Adicional em matéria de tutela penal de fenómenos criminais aí previstos, conforme se anuncia na respetiva exposição de motivos:
«Neste espírito, a proposta de diretiva propõe que sejam igualmente criminalizados os seguintes comportamentos: tentativa de recrutamento e treino, deslocar-se ao estrangeiro com o objetivo de participar nas atividades de um grupo terrorista e financiamento das várias infrações terroristas definidas na proposta de diretiva.
«Além disso, dada a evolução da ameaça terrorista que agrava a ameaça que decorre dos combatentes terroristas estrangeiros que se deslocam a países terceiros para participarem em atividades terroristas, a proposta prevê também a criminalização das deslocações a qualquer país, incluindo os países da UE e o país de nacionalidade ou residência do autor da infração.
«Além disso, e em consonância com a necessidade de abranger as diferentes formas de apoio a atividades terroristas, incluindo as transações comerciais e a importação e exportação de bens com vista a apoiar a prática de infrações terroristas, a proposta clarifica que tal apoio material é abrangido pelas disposições da diretiva.
«A proposta melhora também as disposições em vigor em matéria de cumplicidade, instigação e tentativa, bem como as normas em matéria de competência jurisdicional, garantindo a coerência e a aplicação eficaz das disposições pertinentes e prevenindo lacunas.
«Por último, a proposta inclui disposições adicionais sobre medidas específicas de apoio às vítimas do terrorismo.»

§ II.3.2.2 A proposta de diretiva compreende um título II, com a epígrafe Infrações terroristas e infrações relativas a um grupo terrorista, que compreende dois artigos que se passam a transcrever:
«Artigo 3.º Infrações terroristas
«1. Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para que sejam considerados infrações terroristas os atos dolosos previstos no n.º 2, definidos enquanto infrações pelo direito nacional e que, pela sua natureza ou pelo contexto em que foram cometidos, sejam suscetíveis de afetar gravemente um país ou uma organização internacional, quando o seu autor os pratique com um ou mais dos seguintes objetivos:
«(e) Intimidar gravemente uma população;
«(f) Constranger indevidamente os poderes públicos, ou uma organização internacional, a praticar ou a abster-se de praticar qualquer ato;
«(g) Desestabilizar gravemente ou destruir as estruturas políticas, constitucionais, económicas ou sociais fundamentais de um país ou de uma organização internacional.
«2. Os atos dolosos referidos no n.º 1 são os seguintes:
«(h) As ofensas contra a vida de uma pessoa suscetíveis de causar a morte;
«(i) As ofensas à integridade física de uma pessoa;
«(j) O rapto ou a tomada de reféns;
«(k) O ato de causar danos maciços em instalações governamentais ou públicas, nos sistemas de transporte, nas infraestruturas, incluindo os sistemas informáticos, em plataformas fixas situadas na plataforma continental, em locais públicos ou em propriedades privadas, suscetíveis de pôr em perigo vidas humanas, ou de provocar prejuízos económicos consideráveis;
«(l) A captura de aeronaves e de navios ou de outros meios de transporte coletivos de passageiros ou de mercadorias;
«(m) O fabrico, posse, aquisição, transporte, fornecimento ou utilização de armas de fogo, explosivos, armas nucleares, biológicas e químicas, assim como a investigação e o desenvolvimento de armas biológicas e químicas;
«(n) A libertação de substâncias perigosas, ou a provocação de incêndios, inundações ou explosões, que tenham por efeito pôr em perigo vidas humanas;
«(o) A perturbação ou a interrupção do abastecimento de água, eletricidade ou qualquer outro recurso natural fundamental, que tenham por efeito pôr em perigo vidas humanas;
«(p) A ameaça de praticar um dos atos enumerados nas alíneas a) a h).
«Artigo 4.º Infrações relativas a um grupo terrorista
«Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para que os seguintes atos, quando cometidos com dolo, sejam puníveis como infrações penais:
«(q) Direção de um grupo terrorista;
«(r) Participação nas atividades de um grupo terrorista, incluindo pelo fornecimento de informações ou meios materiais, ou através de qualquer forma de financiamento das suas atividades, tendo conhecimento de que essa participação contribuirá para as atividades criminosas do grupo terrorista.»
Neste segmento, com um desiderato unificador ao nível europeu, sublinha-se que o conceito europeu de infrações terroristas combina um elemento objetivo, reportado a uma lista de condutas criminosas graves, e um elemento subjetivo específico. Modelo que se apresenta em linha com o que já estava consagrado na legislação portuguesa (infra § II.3.3).

§ II.3.2.3 No Título III da proposta de diretiva, sobre Infrações relacionadas com atividades terroristas, prevêem-se três infrações que já estavam consagradas no direito da União Europeia:
Incitamento público à prática de infrações terroristas (artigo 5.º). Infração que tinha sido introduzida pela Decisão-Quadro 2008/919/JAI (que define uma nova infração no artigo 3.º, n.º 1, alínea a)) a fim de aplicar o artigo 5.º da Convenção ETS n.º 196. Em sintonia, no artigo 4.º, n.º 3, da LCT, desde a Lei n.º 17/2011, prescreve-se: «Quem, por qualquer meio, difundir mensagem ao público incitando à prática dos factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.»
Recrutamento para o terrorismo (artigo 6.º). Infração introduzida pela Decisão-Quadro 2008/919/JAI (que definiu uma nova infração no artigo 3.º, n.º 1, alínea b)) para aplicar o artigo 6.º da Convenção ETS n.º 196. Em sintonia, no artigo 4.º, n.º 4, da LCT, desde a Lei n.º 17/2011, prescreve-se: «Quem, por qualquer meio, recrutar outrem para a prática dos factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos». Depois da revisão da LCT operada pela Lei n.º 60/2015 a norma passou para o n.º 6 do artigo 4.º.
Dar treino para o terrorismo (artigo 7.º). Infração introduzida pela Decisão-Quadro 2008/919/JAI (que definiu uma nova infração no artigo 3.º, n.º 1, alínea c)) com vista a aplicar o artigo 7.º da Convenção ETS n.º 196. No artigo 4.º, n.º 5, da LCT, desde a Lei n.º 17/2011, prescreve-se: «Quem, por qualquer meio, treinar ou instruir outrem sobre o fabrico ou a utilização de explosivos, armas de fogo ou outras armas e substâncias nocivas ou perigosas, ou sobre outros métodos e técnicas específicos para a prática dos factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos». Depois da revisão da LCT operada pela Lei n.º 60/2015 a norma passou para o n.º 7 do artigo 4.º.

§ II.3.2.4 No Título III da proposta de diretiva os artigos 8.º a 11.º compreendem previsões que visam introduzir novas infrações por aplicação do Protocolo Adicional STCE n.º 196:
(1) Receber treino para o terrorismo (artigo 8.º): «Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para que seja punível como infração penal, quando cometido com dolo, o ato de receber instruções de outra pessoa para o fabrico ou a utilização de explosivos, armas de fogo ou outras armas e substâncias nocivas ou perigosas, bem como sobre outros métodos ou técnicas específicos com o objetivo de praticar qualquer das infrações enumeradas no artigo 3.º, n.º 2, alíneas a) a h), ou de contribuir para a sua prática.»
A proposta de diretiva além do ato de dar treino para o terrorismo (já previsto na Decisão-Quadro 2008/919/JAI), prevê a criminalização do ato de receber este tipo de treino. Pretende essa disposição aplicar o artigo 3.º do Protocolo Adicional.
Segundo a exposição de motivos da proposta de diretiva, com o artigo 3.º do Protocolo Adicional visa-se proporcionar «às autoridades policiais e aos procuradores novos instrumentos para combater as ameaças representadas pelos potenciais autores de infrações terroristas, incluindo os que agem individualmente, já que oferece a possibilidade de investigar e reprimir as atividades de treino que possam conduzir à prática de infrações terroristas». Acrescentando-se, «o autor da infração terrorista deve normalmente assumir um papel ativo no treino. No entanto, os Estados-Membros podem optar por criminalizar certas formas de "autodidatismo" no seu direito interno». De qualquer modo, o espetro fenomenológico visado é muito abrangente, referindo-se que a «participação em atividades lícitas, como frequentar um curso de química na universidade, ter aulas de voo ou receber formação militar ministrada por um Estado, pode também ser considerada ilegal se a finalidade for cometer a infração penal de receber treino para o terrorismo, desde que seja possível demonstrar que a pessoa que recebe o treino tem a necessária intenção criminosa de utilizar os conhecimentos assim adquiridos para cometer uma infração terrorista».
No direito português, a LCT, mesmo depois das alterações operadas pela Lei n.º 60/2015, nada prevê sobre esta matéria, já que o n.º 7 do artigo 4.º da LCT que, depois da reordenação de 2015 (passando de n.º 5 para n.º 7), subsistiu inalterado prevendo apenas o treino e a instrução de outrem e o novo n.º 10 do artigo 4.º da LCT apenas incrimina as viagens ou tentativas de viagem dirigidas ao treino de terceiros, «treino, apoio logístico ou instrução de outrem».
(2) Deslocar-se ao estrangeiro para fins de terrorismo (artigo 9.º): «Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para que seja punível como infração penal, quando cometida com dolo, a deslocação a outro país a fim de praticar qualquer das infrações enumeradas no artigo 3.º ou de contribuir para a sua prática, participar nas atividades de um grupo terrorista, como referido no artigo 4.º, ou dar ou receber treino para o terrorismo, como referido nos artigos 7.º e 8.º.»
Nesse preceito visa-se o fenómeno dos combatentes terroristas estrangeiros mediante a criminalização do ato de se deslocar a outro país para fins de terrorismo com a finalidade de aplicar o artigo 4.º do Protocolo Adicional.
De acordo com a exposição de motivos: «O objetivo desta disposição é obrigar os Estados-Membros a criminalizarem o ato de se deslocar a outro país, caso seja possível demonstrar que a finalidade dessa deslocação é cometer, contribuir ou participar na prática de infrações terroristas, tal como definidas no artigo 3.º, ou em dar ou receber treino para o terrorismo, tal como definido nos artigos 7.º e 8.º. Para além dos requisitos estabelecidos no Protocolo Adicional, a disposição também inclui as deslocações para efeitos de participação nas atividades de um grupo terrorista, tal como definida no artigo 4.º. A criminalização das deslocações para esse efeito é igualmente importante para combater as ameaças que representam os combatentes terroristas estrangeiros, e oferecerá aos investigadores e procuradores os instrumentos necessários para reprimir eficazmente os diferentes objetivos prosseguidos e as atividades desenvolvidas pelos combatentes terroristas estrangeiros.» O universo de deslocações abrangido é muito amplo compreendendo países que não integram a UE e Estados-Membros da UE, incluindo o país da nacionalidade ou residência do autor da infração. O enfoque no plano dogmático é colocado, tal como no Protocolo Adicional, no elemento subjetivo específico.
Neste domínio a incriminação da deslocação para fins de terrorismo opera através de um reenvio para o que é qualificado, ou não, como terrorismo, nomeadamente a atividade de quem recebe treino para terrorismo (distinta da atividade de ministrar a outrem treino para terrorismo). Pelo que, na nossa perspetiva, o princípio da tipicidade obsta a que os crimes previstos no artigo 4.º, n.os 10 e 11, da LCT portuguesa integrem a conduta prevista no artigo 4.º do Protocolo Adicional e no artigo 9.º da proposta de diretiva relativa à deslocação para o estrangeiro com intenção de receber treino para o terrorismo.
(3) Organizar ou facilitar as deslocações ao estrangeiro para fins de terrorismo (artigo 10.º): «Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para que seja punível como infração penal, quando cometido com dolo, qualquer ato de organização ou facilitação destinado a ajudar uma pessoa a deslocar-se ao estrangeiro para fins de terrorismo, tal como referido no artigo 9.º, sabendo que a ajuda prestada se destina a essa finalidade.»
Esta disposição que visa aplicar o artigo 6.º do Protocolo Adicional relativo à criminalização dos comportamentos que permitem deslocações para fins de terrorismo, designadamente, a organização ou facilitação dessas deslocações.
Na exposição de motivos destaca-se que, neste quadro, «o termo "organização" abrange vários comportamentos relacionados com os aspetos práticos relativas às deslocações, como a compra de bilhetes e a planificação dos itinerários» Motivação em que se acrescenta que é também utilizada a fórmula «facilitação» «para designar qualquer comportamento que não os abrangidos pelo termo "organização" e que ajude o viajante a chegar ao seu destino».
Plano em que se visa, designadamente, a tutela penal da ajuda a viajantes para transpor uma fronteira com o fim de receberem treino ou formação para a prática de atos terroristas (estando preenchido o elemento subjetivo específico acima assinalado) que, como vimos, não é abrangido pelo tipo penal de terrorismo que tipificam atos terroristas e que subsiste sem previsão na lei penal portuguesa (atetno o reenvio determinado pelo artigo 4.º, n.º 12, da LCT)..
(4) Financiamento do terrorismo (artigo 11.º): «Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para que seja punível como infração penal, quando cometido com dolo, o fornecimento ou a recolha de fundos, por qualquer meio, direta ou indiretamente, a fim de serem utilizados ou com o conhecimento de que serão utilizados, total ou parcialmente, para cometer qualquer das infrações previstas nos artigos 3.º a 10.º e 12.º a 14.º ou 16.º.»
A disposição visa criminalizar a disponibilização de fundos para infrações relacionadas com atividades terroristas prevista no artigo 5.º do Protocolo Adicional.
Esta definição está em consonância com a definição de financiamento do terrorismo constante da Diretiva 2015/849/UE, que abrange o financiamento de todas as infrações, tal como definidas nos artigos 1.º a 4.º da Decisão-Quadro 2002/475/JAI, alterada pela Decisão-Quadro 2008/919/JAI. O conceito de fundos é definido no artigo 2.º da proposta de diretiva.
Além disso, a inclusão do financiamento das deslocações ao estrangeiro para fins de terrorismo (uma infração que não figurava anteriormente na Decisão-Quadro 2002/475/JAI) aplica a Recomendação n.º 5 de 2012 do Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI): «Os países devem criminalizar o financiamento do terrorismo com base na Convenção Internacional para a Eliminação do Financiamento do Terrorismo, devendo criminalizar não só o financiamento de atos terroristas, mas também o financiamento das organizações terroristas e dos indivíduos terroristas, mesmo na ausência de uma ligação com um ato ou atos terroristas específicos». Em sintonia, de acordo com o artigo 15.º da proposta de diretiva, não é necessário que a infração seja efetivamente cometida nem estabelecer uma ligação com uma infração terrorista específica ou com infrações relacionadas com atividades terroristas: «Para que qualquer das infrações previstas no artigo 4.º e no título III seja punível, não é necessário que seja efetivamente cometida uma infração terrorista, nem que seja estabelecida uma ligação com uma infração terrorista específica ou, no que diz respeito às infrações previstas nos artigos 9.º a 11.º, com infrações específicas relacionadas com atividades terroristas.»
Desta forma, o artigo 11.º, em articulação com o artigo 15.º aplica a referida recomendação do GAFI que exige que o financiamento do terrorismo seja criminalizado, mesmo na ausência de uma ligação com um ou mais atos terroristas específicos[32].
Os fundos podem provir de uma única fonte, por exemplo sob a forma de um empréstimo ou donativo à pessoa que se desloca por parte de uma pessoa singular ou coletiva, ou de várias fontes, através de uma coleta organizada por uma ou mais pessoas singulares ou coletivas.
Relativamente ao problema assinalado acima, no confronto com a legislação portuguesa, subsiste omissão punitiva da LCT que, ao contrário do Protocolo Adicional e da proposta de diretiva, não prevê a incriminação da conduta de quem recebe treino para a superveniente prática de atos terroristas.
Conexo com a matéria do Protocolo Adicional, o artigo 16.º da Proposta de Diretiva pretende impor aos Estados-Membros a criminalização da cumplicidade, instigação e tentativa da generalidade das infrações referidas[33]. Em particular, indo além do que é exigido pelo Protocolo Adicional, pretende-se criminalizar também a cumplicidade relativamente ao ato de receber treino — o qual, como já se destacou e se vai sublinhar de novo à frente (infra § II.3.5), na nossa perspetiva não tem tutela na atual lei penal portuguesa[34]. Relativamente à instigação também se pretende alargar a criminalização a todas as infrações[35].
O artigo 17.º não apresenta significativas inovações ao nível do direito da UE[36]. Tal como o artigo 19.º que se apresenta em consonância com o artigo 10.º da Convenção ETS n.º 196 e em conformidade com o artigo 9.º do Protocolo Adicional[37].

§ II.3.3 A eventual ratificação do Protocolo Adicional STCE n.º 196 terá como principal impacto na ordem jurídica nacional a ponderação sobre se a referida aprovação exige alterações da legislação portuguesa por força do princípio do primado do Direito Internacional convencional[38].
Como se destacou acima, o Protocolo Adicional STCE n.º 196 visa complementar a Convenção ETS n.º 196 gerando o compromisso de os Estados Partes implementarem as medidas que se revelem necessárias para qualificar como infração penal os atos descritos nos artigos 2.º a 6.º do Protocolo, em conformidade com o seu direito interno[39]. Pelo que, as principais implicações no plano legislativo do Protocolo Adicional STCE n.º 196 reportam-se às normas de direito penal substantivo.
A ratificação do Protocolo Adicional STCE n.º 196 envolve o compromisso de implementar medidas que se revelem necessárias para qualificar como infração penal um conjunto de condutas previstas no texto convencional. Numa divisão conceptual de raiz doutrinária pode considerar-se que neste segmento o Protocolo Adicional estabelece, apenas, um específico «dever de incriminar certas condutas no ordenamento interno»[40].
Aferir de forma especificada as concretas alterações que devem ser empreendidas para cumprir o compromisso decorrente da eventual ratificação não integra o objeto direto da consulta dirigida ao procedimento de aprovação interna do protocolo.
De qualquer modo, na sequência de considerações já empreendidas (supra §§ II.3.1 e II.3.2.4), importará empreender uma breve reflexão sobre as exigências de incriminação decorrentes da eventual ratificação do Protocolo Adicional em face de alterações recentes aprovadas no ordenamento jurídico português (infra § II.3.5).
Relativamente à Convenção ETS n.º 196 a respetiva ratificação em 2015 por Portugal não determinou a necessidade de operar alterações na legislação penal nacional, na medida em que as mesmas já tinham sido empreendidas por via da transposição de instrumentos normativos da União Europeia conformados pelo mesmo programa político-criminal.
No Protocolo Adicional STCE n.º 196 remete-se para o conceito de terrorismo adotado na Convenção ETS n.º 196[41]. Domínio em que emerge a importância da conceptualização sobre terrorismo adotada em tratados internacionais a que Portugal se encontra vinculado e que foi transposta para a legislação ordinária nacional. Conceito de «infração terrorista» que, conforme se reitera na Convenção do Conselho da Europa Relativa ao Branqueamento, Deteção, Apreensão e Perda dos Produtos do Crime e ao Financiamento do Terrorismo, de 16-5-2005[42], «designa qualquer uma das infrações abrangidas pelo seu âmbito de aplicação e como tal definidas em qualquer um dos convénios indicados em anexo»[43].
No âmbito da Lei de Combate ao Terrorismo aprovada pela Lei n.º 52/2003, de 22, de agosto, o preenchimento das obrigações de Portugal em matéria de terrorismo foi assumido, no essencial, por via da previsão dos artigos 4.º, n.º 1, e 5.º, n.º 1[44].
O tipo de terrorismo consagrado no artigo 4.º, n.º 1, da Lei de Combate ao Terrorismo é conformado pela técnica do reenvio: «Quem praticar os factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos, ou com a pena correspondente ao crime praticado, agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo, se for igual ou superior àquela, não podendo a pena aplicada exceder o limite referido no n.º 2 do artigo 41.º do Código Penal.»
Os elementos subjetivo e objetivo do crime de terrorismo constam, por força do citado reenvio, da previsão do n.º 1 do artigo 2.º do mesmo diploma, que prevê como terrorismo atos que:
«Visem prejudicar a integridade e a independência nacionais, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado previstas na Constituição, forçar a autoridade pública a praticar um ato, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral, mediante:
«a) Crime contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas;
«b) Crime contra a segurança dos transportes e das comunicações, incluindo as informáticas, telegráficas, telefónicas, de rádio ou de televisão;
«c) Crime de produção dolosa de perigo comum, através de incêndio, explosão, libertação de substâncias radioativas ou de gases tóxicos ou asfixiantes, de inundação ou avalancha, desmoronamento de construção, contaminação de alimentos e águas destinadas a consumo humano ou difusão de doença, praga, planta ou animal nocivos;
«d) Atos que destruam ou que impossibilitem o funcionamento ou desviem dos seus fins normais, definitiva ou temporariamente, total ou parcialmente, meios ou vias de comunicação, instalações de serviços públicos ou destinadas ao abastecimento e satisfação de necessidades vitais da população;
«e) Investigação e desenvolvimento de armas biológicas ou químicas;
«f) Crimes que impliquem o emprego de energia nuclear, armas de fogo, biológicas ou químicas, substâncias ou engenhos explosivos, meios incendiários de qualquer natureza, encomendas ou cartas armadilhadas, sempre que, pela sua natureza ou pelo contexto em que são cometidos, estes crimes sejam suscetíveis de afetar gravemente o Estado ou a população que se visa intimidar.»
Horizontes compreensivos do crime de terrorismo que, em face da amplitude do universo abstrato de condutas abrangido, envolve a possibilidade de um vasto conjunto de hipóteses tanto de concurso de normas (ou concurso aparente de crimes), como concursos efetivos de crimes (reais ou ideais).
Recorde-se que o artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal prescreve que «o número de crimes determina‑se pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for cometido».
Desse preceito decorrem algumas conclusões fundamentais, a primeira é que a matéria de facto objeto do concurso efetivo de crimes pode compreender: (1) várias ações ou omissões distintas (concurso real); (2) uma única ação ou omissão que lesa ou põe em perigo bens jurídicos eminentemente pessoais de diferentes ofendidos (concurso ideal). Do artigo 30.º do Código Penal português resulta, ainda, que no direito positivo português o concurso efetivo pode envolver: (1) A aplicação de diferentes normas incriminadoras (concurso heterogéneo); ou (2) A aplicação plúrima de uma única norma incriminadora (concurso homogéneo). E, como é óbvio, as duas classificações acabadas de referir podem intercalar‑se, sendo possível um concurso efetivo de crimes ideal homogéneo em que o agente lesa ou põe em perigo bens jurídicos eminentemente pessoais de mais do que um ofendido. Plano em que, a título ilustrativo (atendendo à problemática da conexão das viagens para o estrangeiro com o terrorismo), as regras sobre aeronáutica civil também integram soluções adotadas no plano internacional para prevenir e reprimir atos terroristas relacionados com viagens de avião entre diferentes Estados[45].
Neste quadro geral o tipo de «terrorismo internacional» tem como base o mesmo elemento objetivo do «terrorismo» apenas se alterando o elemento subjetivo:
«Prejudicar a integridade ou a independência de um Estado, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições desse Estado ou de uma organização pública internacional, forçar as respetivas autoridades a praticar um ato, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certos grupos de pessoas ou populações.»[46]
O dever adveniente da Convenção ETS n.º 196 desdobrava-se, em primeira linha, por três normas convencionais, que estabelecem que «as Partes devem adotar as medidas que se revelem necessárias para qualificar como infração penal», em conformidade com o seu direito interno, o incitamento público à prática de uma infração terrorista, o recrutamento para o terrorismo e o treino para o terrorismo[47]. Sendo certo que, alguns anos antes de concluído o procedimento interno de vinculação de Portugal à referida Convenção (no fim de 2015[48]), já a Lei n.º 17/2011, de 3 de Maio tinha compreendido alterações conformadas pelas respetivas obrigações incriminadoras (acolhidas no direito da União Europeia como se explica de forma mais desenvolvida no parecer n.º 4/2008, de 1-6-2011), através da incorporação de três novos tipos no artigo 4.º, com a epígrafe terrorismo, da Lei de Combate ao Terrorismo:
«3 - Quem, por qualquer meio, difundir mensagem ao público incitando à prática dos factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.
«4 - Quem, por qualquer meio, recrutar outrem para a prática dos factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos.
«5 - Quem, por qualquer meio, treinar ou instruir outrem sobre o fabrico ou a utilização de explosivos, armas de fogo ou outras armas e substâncias nocivas ou perigosas, ou sobre outros métodos e técnicas específicos para a prática dos factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos.»
Entretanto, as novas manifestações de terrorismo, com as suas múltiplas implicações, têm determinado a renovação de propostas e do consenso internacional sobre medidas repressivas do Estado necessárias para responder aos fenómenos revelados mais recentemente (cf. supra §§ II.3.1 e II.3.2).
Renovações das propostas com vista a prevenção e repressão do terrorismo refletidas em instrumentos internacionais e repercutidas no processo legislativo nacional, com expressão, nomeadamente, na alteração da LCT operada pela Lei 60/2015, de 24 de junho (já referida acima, supra § II.3.2.4 e que será objeto de análise infra no § II.3.5). As razões imediatas desse diploma foram sintetizadas na exposição de motivos da proposta de lei n.º 283/XII, em que a consagração de um novo tipo de crime específico de apologia de crime de terrorismo foi apresentada como meio de reforço da «luta contra o terrorismo na atual conjuntura de ameaça», destacando-se que, com o novo tipo, não seria «violado o princípio da intervenção mínima do direito penal», nem são «postos em causa direitos fundamentais, em particular o de liberdade de expressão consagrado no artigo 37.º da Constituição da República Portuguesa».
Programa refletido na criminalização da apologia pública do terrorismo (n.º 8 do artigo 4.º da LCT) e a sua agravação quando praticada por meios de comunicação eletrónica, acessíveis por Internet (respetivamente n.os 8 e 9 do artigo 4.º da LCT) e na agravação do incitamento à prática dos atos previstos no n.º 1 do artigo 2º da LCT, quando os respetivos atos «forem praticados por meio de comunicação eletrónica, acessíveis por Internet» (n.º 4 do artigo 4º da referida LCT).
Na exposição de motivos da proposta de lei n.º 283/XIII acrescentou-se que «para além do combate ao incitamento e à apologia da prática do terrorismo, necessário é necessário abordar, de forma integrada, outros fatores que lhe são subjacentes, tais como prevenir e dificultar as viagens dos chamados combatentes terroristas estrangeiros, nomeadamente os indivíduos que se deslocam para um Estado diferente do seu Estado de residência ou nacionalidade, com o propósito de cometer, planear ou preparar atos terroristas». Na criminalização de condutas relativas ao referido fenómeno invocou-se a «Resolução do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas n.º 2178 (2014), de 24 de setembro, que impõe aos Estados Membros que, de acordo com as obrigações que lhes incumbem em virtude do direito internacional, cooperem em todas as iniciativas para fazer face à ameaça que representam os combatentes terroristas estrangeiros».
Com esse programa, a Lei n.º 60/2015 introduziu alterações à Lei de Combate ao Terrorismo visando a criminalização das viagens ou tentativa de viagem para um território diferente do Estado de residência ou nacionalidade do agente, com vista ao treino, apoio logístico ou instrução de outrem para a prática de factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º da LCT como terrorismo, com a intenção nele referida; ou com vista à adesão a uma organização terrorista ou ao cometimento de factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º da LCT, com a intenção nele referida; ou a organização, financiamento ou facilitação daquelas viagens ou tentativa de viagem (n.os 10 a 12 do artigo 4.º da LCT)[49].
Contudo, como se destacou acima, subsiste sem tutela penal (na nossa perspetiva) o agente que recebe treino para terrorismo, o que se projeta em várias outras atividades que o Protocolo Adicional pretende que sejam incriminadas e que não serão contempladas no direito positivo português, por força do princípio da tipicidade, como condutas penalmente ilícitas (supra §§ II.3.1 e II.3.2.4 e infra § II.3.5).
Foi também criminalizado o acesso ou obtenção de acesso, através de sistema informático ou por qualquer outro meio, às mensagens de incitamento, ou do seu uso na prática dos respetivos atos preparatórios com o propósito de recrutamento para a prática dos atos referidos no n.º 1 do artigo 2.º da LCT (prevista na nova redação do n.º 5 do artigo 4.º da referida LCT).

§ II.3.4 Os problemas de índole jurídico-constitucional quanto aos deveres de incriminação da República Portuguesa derivados da ratificação do Protocolo Adicional cruzam-se com questões próximas mas autónomas sobre modelos penais e opções de política criminal objeto de múltiplas controvérsias, com raízes e ramificações ideológicas, dogmáticas e político-criminais, que não podem ser integralmente transpostas para uma estrita análise de conformidade constitucional.
Com efeito, as soluções incriminadoras desenvolvidas no presente século em matéria de repressão do terrorismo têm sido um dos campos onde muitos consideram verificar-se as principais manifestações de um Direito Penal do Inimigo, nomeadamente, através da antecipação da tutela penal abrangente de um vasto número de condutas anteriormente sem qualquer tutela penal. Incriminação específica de comportamentos anteriormente concebidos como meros atos preparatórios não puníveis que marca algumas das soluções adotadas no Protocolo Adicional ETS n.º 196.
No estrito enquadramento das orientações subjacentes a um reforço incriminador em matéria de condutas relacionadas com terrorismo, desde o início do século XXI desenvolveram-se nos Estados Unidos da América dicotomias centradas na distinção entre guerra ao terrorismo e direito refletida em intensos debates doutrinários e alguns arestos do Supreme Court. Por outro lado, na Europa continental o debate foi marcado pela construção de Günther Jakobs que contrapõe ao direito penal do cidadão (Bürgerstrafrecht) um direito penal do inimigo (Feindstrafrecht), para aqueles cuja rotura com o pacto social implicará que as regras de comunicação com o cidadão infrator sejam substituídas por uma resposta ao perigo, mas que ainda se pretenderá jurídica (em que o inimigo ou o indivíduo perigoso não é excluído de todos os direitos, além de serem aceites fórmulas intermédias).
A situação doutrinária nos primeiros anos do século XXI tem sido teoricamente marcada por essas contraposições, mas independentemente da recusa, talvez ainda maioritária entre os penalistas dos países tributários da dogmática penal germânica, de assunção no plano teórico do esquema compreensivo de Jakobs (autor que anteriormente já tinha perturbado a paz da dogmática penal com a sua teorização do direito penal funcional), assiste-se a uma construção progressiva de um regime especial para a repressão da criminalidade organizada e terrorismo. Ou seja, a recusa em assumir teoricamente diferentes direitos penais dentro do mesmo Estado não tem obstado a que se tenham feito integrar (essencialmente através de leis avulsas e sob o impulso europeu) novos institutos em que se admite o recurso a meios especiais de perseguição de agentes de crimes particularmente graves (em que já não valem todas as regras de comunicação do sistema liberal para a criminalidade comum)[50].
Problemática que gera um recorte, nem sempre fácil e muito menos consensual sobre o que está implicado nos estritos juízos de constitucionalidade, envolvendo o confronto de conceções programáticas globais nas respostas repressivas ao terrorismo posteriores a 11 de setembro de 2001, a qual, atento o quadro funcional envolvido no presente parecer de legalidade, não vai ser aprofundada nas linhas que se seguem.
Cingindo-nos à problemática da conformidade constitucional das obrigações estabelecidas para o Estado português, no artigo 8.º do Protocolo Adicional[51] desde já se adianta que o mesmo, na nossa perspetiva, não suscita um juízo de inconstitucionalidade.
Antes do mais, deve destacar-se que, não se estando a apreciar um específico tipo penal mas uma orientação incriminadora, é impertinente uma valoração ao nível do princípio da legalidade, matriz que terá de ser ponderada no eventual estabelecimento do tipo pelo legislador ordinário nacional.
As obrigações incriminadoras estabelecidas reportam-se, deve reconhecer-se, a condutas que ao nível do elemento objetivo podem não compreender por si só quaisquer perigos. De qualquer modo, a tutela penal imposta envolve sempre um elemento subjetivo específico relativo à intenção de praticar ou auxiliar a prática de factos integradores de crimes de terrorismo.
Realce-se, ainda, que em sede de juízos de inconstitucionalidade por desnecessidade da tutela penal, o Tribunal Constitucional tem sublinhado, em sucessivas oportunidades, a ampla margem do legislador no estabelecimento de infrações penais, ainda que vinculado à referência da proteção de bens jurídicos. Tendo retomado em vários arestos a fórmula do acórdão n.º 634/93: «É evidente que o juízo sobre a necessidade do recurso aos meios penais cabe, em primeira linha, ao legislador, ao qual se há de reconhecer, também nesta matéria, um largo âmbito de discricionariedade. A limitação da liberdade de conformação legislativa, nestes casos, só pode, pois, ocorrer quando a punição criminal se apresente como manifestamente excessiva.»
Acrescente-se que não se consagra em nenhuma das previsões do Protocolo Adicional o sancionamento de meras intenções, o qual não é suportado por uma interpretação sistemático-teleológica das respetivas previsões[52]. O elemento objetivo compreende sempre fenomenologias que constituem etapas integradoras de atos preparatórios os quais, de acordo com o programa subjacente ao texto do tratado, se apresentam carecidos de tutela penal atenta, nomeadamente, a interterritorialidade de muito do terrorismo contemporâneo, em particular compreendida nas manifestações dos designados combatentes estrangeiros e centros de treino situados no estrangeiro, por seu turno associados à circunstância de vários territórios envolvidos nessa circulação de pessoas, no plano político, constituírem áreas sem Estado ou integrarem o que alguma doutrina qualifica como Estados falhados.
Em todas as previsões exige-se em termos de elemento objetivo um contributo através de atos concretos para a prática de um ou mais crimes previstos como terrorismo, eventualmente por um grupo de pessoas que atue com objetivos comuns, e que tal contribuição compreenda ao nível subjetivo um elemento volitivo específico — visando facilitar a atividade ou a finalidade criminosa generalizada do grupo —, ou, pelo menos, o elemento intelectual relativo ao conhecimento das intenções dos outros indivíduos ou do grupo relativas a atos de terrorismo — o que, no fundo, implica uma conformação com esse resultado, para nos reportarmos a uma categoria de dolo prevista na lei penal portuguesa, no artigo 14.º, n.º 3, do Código Penal[53].
Obrigações incriminadoras que apontam para crimes de perigo com similitudes com alguns já consagrados no ordenamento jurídico português que exigem desenvolvimentos, nomeadamente, relativos ao «treino para o terrorismo» cuja concretização legislativa carece de especiais cautelas e rigor em face do princípio da legalidade penal.

§ II.3.5 As alterações da lei penal portuguesa inspiradas, em 2015, na Resolução RCSNU 2178 (2014), em sentido distinto do que sucedeu com a Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho com o n.º COM (2015) 625 relativa à luta contra o terrorismo, ficaram aquém das pretensões incriminadoras do Protocolo Adicional STCE n.º 196.
Centrando-nos apenas nas alterações recentes relativas ao direito substantivo[54], no direito português na revisão da LCT operada pela Lei n.º 60/2015, consagraram-se nos números 10 a 12 do artigo 4.º os seguintes tipos criminais[55]:
«10 - Quem, por qualquer meio, viajar ou tentar viajar para um território diferente do seu Estado de residência ou nacionalidade, com vista ao treino, apoio logístico ou instrução de outrem para a prática de factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão até 5 anos.
«11 Quem, por qualquer meio, viajar ou tentar viajar para um território diferente do seu Estado de residência ou nacionalidade, com vista à adesão a uma organização terrorista ou ao cometimento de factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão até 5 anos.
«12 Quem organizar, financiar ou facilitar a viagem ou tentativa de viagem previstas nos números anteriores, é punido com pena de prisão até 4 anos.»
Deve referir-se que, embora não exista lastro de um debate aprofundado sobre a exclusão da tutela penal de quem recebe treino com o objetivo da prática de atos terroristas e dos viajantes que pretendem receber treino para a prática de factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º da LCT (omissão relevante em face do que se encontra consagrado no Protocolo Adicional STCE n.º 196 e da Proposta de Diretiva com o n.º COM (2015) 625, supra §§ II.3.1 e II.3.4), a votação parlamentar dos novos preceitos esteve longe de ser consensual: No âmbito da votação na especialidade em sede de Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantia os n.os 10 e 11 receberam os votos contra do PCP e do BE, os quais se abstiveram na votação o n.º 12[56]; Na votação final global o diploma foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP e votos contra do PCP, do BE e de Os Verdes[57].
Na exposição de motivos do diploma da proposta de lei n.º 283/XII é anunciado que se pretende «a previsão e a punição dos indivíduos que viajem ou tentem viajar com a finalidade de aderir a uma organização terrorista, cometer, planear ou preparar atos terroristas ou neles participar, ou proporcionar ou receber treino para fins terroristas, bem como daqueles que organizem ou facilitem de forma deliberada essas mesmas viagens»[58]. Intencionalidade reafirmada pela então Ministra da Justiça na apresentação parlamentar da proposta[59].
Sem embargo, intenções legislativas não determinam a criação de tipos penais sujeitos a postulados constitucionais estritos, em sintonia com vasta dogmática penal que conformou o princípio da legalidade na vertente nullum crimen sine lege scripta, proevia, certa[60].
Sublinhe-se que neste passo do parecer a análise está para além do procedimento de aprovação do Protocolo Adicional STCE n.º 196 na ordem jurídica nacional que, como se destacou oportunamente, visa que os Estados Partes implementem as medidas que se revelem necessárias para qualificar como infração penal os atos descritos nos artigos 2.º a 6.º do Protocolo, em conformidade com o seu direito interno (supra §§ II.3.1, II.3.3 e II.3.4). Nessa sede, relativa a orientações incriminadoras, é impertinente uma valoração ao nível do princípio da legalidade, contudo esta já se apresenta fundamental, caso o Protocolo Adicional seja ratificado, no estabelecimento dos tipos pelo legislador ordinário nacional.
Plano em que se deve sublinhar, uma vez mais, que entre os vários tipos de terrorismo previstos na lei portuguesa subsiste sem tutela penal a conduta de quem recebe treino para a prática de atos terroristas, atividade que não constitui um tipo autónomo nem pode merecer a qualificação de ato preparatório de terrorismo punível, atenta a disposição geral do artigo 21.º do Código Penal[61].
Por outro lado, no Protocolo Adicional STCE n.º 196 a incriminação do ato de receber instruções de outra pessoa para o fabrico ou a utilização de explosivos, armas de fogo ou outras armas e substâncias nocivas ou perigosas, bem como sobre outros métodos ou técnicas específicos com o objetivo de praticar qualquer das infrações enumeradas no artigo 2.º, n.º 1, da LCT portuguesa, ou de contribuir para a sua prática propaga-se a várias incriminações que se pretende que os Estados Partes consagrem[62].
Com efeito, a previsão convencional abrange, nomeadamente, qualquer deslocação para outro país para fins de terrorismo, dependendo o respetivo preenchimento do enquadramento como terrorismo de específicas atividades, em particular o ato de receber formação com intenção de utilização dos conhecimentos ou técnicas adquiridas para atos de terrorismo. Tal decorre de uma antecipação da tutela por força da ponderação sobre a gravidade da ameaça que representam vários fenómenos terroristas contemporâneos e no que agora nos interessa, o específico recebimento de treino com a intenção de vir a utilizar os conhecimentos ou técnicas adquiridos na prática de atos terroristas previstos, pelo direito português, no artigo 2.º, n.º 1, da LCT — conduta que, de acordo com o Protocolo Adicional deve passar a ser a base de outras previsões penais relativas a condutas acessórias e auxiliares do agente que recebe treino para a prática dos referidos atos terroristas.
Campo em que, como vimos, a legislação portuguesa (ainda) não prevê tutela penal do receber treino para o terrorismo no território nacional, pelo que, na nossa perspetiva, é ilegítimo considerar abrangido pela incriminação da viagem, organização, financiamento ou facilitação de viagem para fins terroristas a viagem, organização, financiamento ou facilitação de viagem de pessoas que pretendem receber treino com fins terroristas.
Tratando-se as referidas punições de antecipações da tutela penal têm como referente, atenta ainda a técnica legislativa adotada na LCT de reenvios internormativos, a punibilidade dos atos visados. Tratar como crime de terrorismo o auxílio para a prática de atos que não merecem tutela penal constituiria, na nossa perspetiva, uma incoerência axiológica e teleológica, incompatível, ainda, com as raízes dogmáticas que conformam alguns dos institutos penais portugueses como o que se reporta às regras sobre a comparticipação[63].
Sublinhe-se que os instrumentos internacionais analisados acima, o Protocolo Adicional STCE n.º 196 (supra § II.3.1) e a Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho com o n.º COM (2015) 625 relativa à luta contra o terrorismo (supra § II.3.2), não padecem de tal incoerência pois começam por promover a incriminação daquele que recebe treino para o terrorismo, respetivamente, nos artigos 3.º e 8.º dos referidos textos.
Já no que concerne ao direito português vigente, além de o ato de receber treino para terrorismo não estar consagrado como tipo penal, a própria previsão incriminatória das viagens assume a conexão com o tipo de dar treino para o terrorismo previsto no número 7 do artigo 4.º da LCT (n.º 5 na redação de 2011) — por qualquer meio, treinar ou instruir outrem sobre o fabrico ou a utilização de explosivos, armas de fogo ou outras armas e substâncias nocivas ou perigosas, ou sobre outros métodos e técnicas específicos para a prática dos factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º. Quadro em que se destaca no n.º 10 do artigo 7.º introduzido em 2015 a referida alteridade, a autonomia entre quem dá treino e quem o recebe (outrem), e a incriminação apenas do primeiro e, consequentemente, apenas de o ato «viajar ou tentar viajar para um território diferente do seu Estado de residência ou nacionalidade» com o fim de «treino, apoio logístico ou instrução de outrem».
Em resumo, empreendida a viagem pelas disposições do Protocolo Adicional que determinam a consagração de infrações criminais (§ II.3.1) e confrontadas as mesmas com a legislação portuguesa vigente (§§ II.3.2.3, II.3.2.4 e II.3.3) constatou-se que se a República Portuguesa ratificar o Protocolo Adicional STCE n.º 196 deve introduzir novas incriminações que compreendam a tipificação de condutas sem tutela na ordem jurídica nacional:
- Receber treino para o terrorismo (prevista no artigo 3.º do Protocolo Adicional);
- Deslocar-se ao estrangeiro com intenção de receber treino para o terrorismo (contemplada artigo 4.º do Protocolo Adicional).
Sendo ainda necessário tornar claro, por via das necessárias articulações normativas, a incriminação do financiamento viagens para o estrangeiro e organização ou facilitação de deslocações ao estrangeiro de abrange as viagens em que os viajantes se pretendem deslocar ao estrangeiro com intenção de receberem treino para o terrorismo (situações previstas pelos artigos 5.º e 6.º do Protocolo Adicional).
Encargo normativo em que será importante integrar na reflexão as evoluções mais recentes do direito da União Europeia, em especial na medida em que introduzam aprofundamentos do programa político-criminal consagrado no Protocolo adicional n.º STCE n.º 196 (supra §§ II.3.1 e II.3.2).

III. Conclusões

Em face do exposto, conclui-se:

1. Na ordem jurídico-constitucional portuguesa o Protocolo Adicional à Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção do Terrorismo (STCE n.º 196) adotado pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa em 19 de maio de 2015 (e assinado por Portugal em 15 de março de 2016) tem de ser aprovado pela Assembleia da República e ratificado pelo Presidente da República em virtude do complexo normativo constituído pelas disposições conjugadas dos artigos 8.º, n.º 2, 135.º, al. b), 161.º, al. i), 165.º, n.º 1, al. c) e 197.º, n.º 1, al. c), da Constituição da República Portuguesa
2. O Protocolo Adicional STCE n.º 196 requer a criminalização dos seguintes atos: participar numa associação ou grupo com fins terroristas (artigo 2.º), receber treino para terrorismo (artigo 3.º), viajar para o estrangeiro com intenção terrorista (artigo 4.º), financiar viagens para o estrangeiro com intenção terrorista (artigo 5.º) e organizar ou facilitar de outra forma viagens para o estrangeiro com intenção terrorista (artigo 6.º).
3. Os deveres de incriminação no ordenamento jurídico interno estabelecidos para os Estados Partes pelo Protocolo Adicional STCE n.º 196 não colidem, no plano material, com qualquer norma constitucional portuguesa.
4. Os deveres de incriminação consagrados no Protocolo Adicional STCE n.º 196 são resultado de consenso logrado em várias organizações internacionais, além do Conselho da Europa (expresso na aprovação do Protocolo Adicional pelo Comité de Ministros), as Nações Unidas [concretizado na Resolução 2178 (2014) adotada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas na sua 72.ª reunião, em 24 de setembro de 2014], e a União Europeia (através das Decisões (UE) 2015/1913 e 2015/1914 do Conselho, ambas de 18 de setembro de 2015).
5. A Lei n.º 60/2015, de 24 de junho, ao rever a Lei de Combate ao Terrorismo (aprovada pela Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto e revista pelas Leis n.os n.º 59/2007, de 4 de setembro, 25/2008, de 5 de junho, 17/2011, de 03 de maio) pretendeu incorporar na ordem jurídica portuguesa algumas das soluções incriminadoras previstas no Protocolo Adicional STCE n.º 196, tendo sido aprovada na 4.ª sessão legislativa da XII Legislatura com os votos a favor do PSD, PS e CDS-PP e os votos contra do PCP, BE e Os Verdes.
6. Caso a República Portuguesa entenda que deve ratificar o Protocolo Adicional STCE n.º 196 terá de atender a que a vinculação internacional decorrente da aprovação e ratificação desse texto convencional implica a necessidade de ponderar alterações da Lei de Combate ao Terrorismo, de molde a assegurar a tutela penal das seguintes condutas:
a) Receber treino para o terrorismo (prevista no artigo 3.º do Protocolo Adicional);
b) Deslocar-se ao estrangeiro com intenção de receber treino para o terrorismo (contemplada artigo 4.º do Protocolo Adicional);
c) Financiar viagens para o estrangeiro e organizar ou facilitar as deslocações ao estrangeiro de viajantes que se pretendem deslocar ao estrangeiro com intenção de receber treino para o terrorismo (abrangidas pelos artigos 5.º e 6.º do Protocolo Adicional).

7. Caso sejam empreendidos os reajustamentos da legislação penal portuguesa referidos na conclusão anterior deverá atentar-se, ainda, nas orientações vinculativas já aprovadas ou que, entretanto, venham a ser aprovadas pelo Parlamento Europeu e o Conselho ao abrigo do artigo 83.º, n.º 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, em especial na medida em que aprofundem algumas das regras mínimas necessárias relativas à definição das infrações penais e das sanções previstas no Protocolo Adicional STCE n.º 196 [como é pretendido na Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho com o n.º COM (2015) 625 relativa à luta contra o terrorismo e que substitui a Decisão-Quadro 2002/475/JAI].

Lisboa, 7 de setembro de 2016
O procurador-geral-adjunto,


______________________________________________
(Paulo Joaquim da Mota Osório Dá Mesquita)








[1] O texto do Protocolo Adicional remetido ao Conselho Consultivo corresponde à versão em língua inglesa, não tendo sido transmitido um eventual projeto de tradução oficial para português. A solicitação de parecer foi acompanhada da Informação N.º GI160089 do Gabinete da Procuradora-Geral da Republica, elaborada pela procuradora da República Maria de Lurdes Lopes.
[2] Nessa medida, o parecer foi distribuído ao relator como integrando a quarta espécie prevista no artigo 11.º, n.º 3, do Regulamento deste Conselho, isto é, tendo como objeto «a legalidade» de Convenção Internacional.
[3] Publicado no Diário da República II Série, de 21-1-2013 (também acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf).
[4] Publicado no Diário da República, I Série, de 23-7-2015.
[5] Publicado no Diário da República, I Série, de 23-7-2015.
[6] O qual tinha sido solicitado pelo então Vice-Procurador-Geral da República, «nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 3 (4.ª) e 14.º, n.º 2, do Regimento do Conselho Consultivo».
[7] Cf. J. da Silva Cunha, Direito Internacional Público – Introdução e fontes, Almedina, Coimbra (5ª ed.), 1991, pp. 188-191.
[8] Cf. André Gonçalves Pereira / Fausto de Quadros, Manual de Direito Internacional Público, Almedina, Coimbra (3ª ed.), 2005, p. 88.
[9] Cf. André Gonçalves Pereira / Fausto de Quadros, op. cit., p. 92; Jorge Bacelar Gouveia, Manual de Direito Internacional Público, Almedina, Coimbra (3ª ed.), 2008, p. 411; Jorge Miranda, Curso de Direito Internacional Público, Principia, Parede, 2009, p. 139.
[10] Estando aliás sujeita à fiscalização de constitucionalidade, ainda que com variantes, cf. arts. 277.º, n.º 2, 278.º, n.º 1, 279.º, n.º 4 e 280.º, n.º 3, da Constituição.
[11] Ressaltando no sentido dessa conclusão, as implicações decorrentes dos princípios da soberania (artigos 1.º e 9.º, al. a), da Constituição) e do Estado de Direito (artigos 2.º e 9.º, al. b), da Constituição). V.g. J. J. Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, Coimbra (4.ª ed.), 2007, p. 255; Jorge Miranda in Jorge Miranda / Rui Medeiros (eds.), Constituição Portuguesa Anotada, tomo II, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 93; Jorge Miranda, op. cit., p. 155; Jorge Bacelar Gouveia, op. cit., p. 450; Wladimir Brito, Direito Internacional Público, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, p. 129. Como se referiu no texto existem variantes doutrinárias, na identificação de normas de Direito Internacional convencional que prevalecem sobre a Constituição, podendo referir-se a título meramente ilustrativo algumas que não colocam em causa a conclusão do parecer quanto à Convenção ETS n.º 196. André Gonçalves Pereira / Fausto de Quadros preconizam que o primado do Direito Internacional sobre a Constituição também abrange «o Direito Internacional convencional particular que versa sobre Direitos do Homem, e neste caso em consequência do artigo 16.º, n.º 1 [...]. A idêntica conclusão se chega no que respeita à Declaração Universal dos Direitos do Homem, por imposição do artigo 16.º, n.º 2, se não se entender, como entendemos, que ela cabe no artigo 8.º, n.º 1» (op. cit., p. 121), esses autores, contudo já consideram que «o demais Direito Internacional convencional» «cede perante a Constituição mas tem valor supralegal» (op. cit., p. 121). Paulo Otero considera que existe um primado dos tratados comunitários sobre a Constituição (Legalidade e Administração Pública: o sentido da vinculação administrativa à juridicidade, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 605 e ss.). Eduardo Correia Baptista preconiza o valor supraconstitucional da Carta das Nações Unidas, Convenção de Genebra de 1949, protocolo de 1977 e Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e, por diferentes motivos, dos tratados constitutivos das Comunidades Europeias e da União Europeia (Direito Internacional Público, v. 1, Lex, Lisboa, respetivamente, pp. 438-439 e 445).
[12] Cf. acórdãos n.ºs 32/88, 168/88, 494/99, 522/2000, 384/2005, 117/2008 e 444/2008.
[13] V.g. André Gonçalves Pereira / Fausto de Quadros, op. cit., p. 121; Jorge Miranda in Jorge Miranda / Rui Medeiros (eds), op. cit., p. 94; Jorge Miranda, op. cit., p. 171; Jorge Bacelar Gouveia, op. cit., p. 456, em sentido distinto J. J. Gomes Canotilho / Vital Moreira colocam em causa a prevalência das normas de Direito Internacional convencional sobre o direito legal ordinário, apontando para a necessidade de distinguir entre leis simples e leis reforçadas (op. cit., pp. 259 e ss.).
[14] Publicado no Diário da República II Série, de 18-4-2016 (também acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf).
[15] Informação-parecer disponível para consulta em www.dgsi.pt/pgrp.nsf?OpenDatabase.
[16] Informação-parecer disponível para consulta em www.dgsi.pt/pgrp.nsf?OpenDatabase.
[17] Informação-parecer disponível para consulta em www.dgsi.pt/pgrp.nsf?OpenDatabase.
[18] Informação-parecer disponível para consulta em www.dgsi.pt/pgrp.nsf?OpenDatabase.
[19] Esta informação-parecer não se apresenta disponível para consulta em www.dgsi.pt/pgrp.nsf?OpenDatabase, estando, apenas, na «área reservada» da base de dados.
[20] Esta informação-parecer não se apresenta disponível para consulta em www.dgsi.pt/pgrp.nsf?OpenDatabase, estando, apenas, na «área reservada» da base de dados.
[21] A ponderação dos potenciais efeitos na legislação portuguesa, por força do princípio do primado do Direito Internacional convencional, já escapa a uma pronúncia sobre a admissibilidade, ou condicionantes jurídico-constitucionais, da vinculação do Estado português à Convenção.
[22] V.g. Fernando Loureiro Ramos, «O procedimento de vinculação internacional do Estado Português», Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XXXIX, n. 1, pp. 43-46.
[23] Como sublinha Rui Medeiros, «as convenções internacionais compreendem na terminologia constitucional, quer os tratados – tratados solenes submetidos a ratificação –, quer os acordos internacionais» (Jorge Miranda / Rui Medeiros (eds.), Constituição Portuguesa Anotada, tomo II, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 685). Na anotação ao artigo 161.º na mesma obra Jorge Miranda enfatiza: «Após a revisão de 1997 todos os tratados, sem exceção, passaram a ser por ela [Assembleia da República] aprovados, assim como os acordos em forma simplificada sobre matéria de sua competência legislativa reservada (compreendendo-se nesta quer aa s matéria de reserva absoluta quer as de reserva relativa)» (op. cit., p. 499). No mesmo sentido Gomes Canotilho / Vital Moreira concluem: «Hoje a competência da AR alargou-se a todos os tratados e aos acordos em forma simplificada sobre matéria da sua competência reservada (absoluta e relativa)» (Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, Coimbra Editora / Wolters Kluwer, Coimbra, 4.ª ed., 2010, p. 294, vd. Ainda p. 474). Como sublinham os mesmos autores «Seria incongruente que o governo pudesse aprovar convenções lá onde não pode legislar, tanto mais que as respetivas normas passavam a valer como direito interno». Acrescentando, «Obviamente, a AR não pode delegar no Governo, a aprovação de convenções, pois só existem delegações legislativas» (idem, ibidem).
[24] «1. For the purpose of this Protocol, “participating in an association or group for the purpose of terrorism” means to participate in the activities of an association or group for the purpose of committing or contributing to the commission of one or more terrorist offences by the association or the group.
«2. Each Party shall adopt such measures as may be necessary to establish “participating in an association or group for the purpose of terrorism”, as defined in paragraph 1, when committed unlawfully and intentionally, as a criminal offence under its domestic law.»
[25] «1. For the purpose of this Protocol, “receiving training for terrorism” means to receive instruction, including obtaining knowledge or practical skills, from another person in the making or use of explosives, firearms or other weapons or noxious or hazardous substances, or in other specific methods or techniques, for the purpose of carrying out or contributing to the commission of a terrorist offence.
«2. Each Party shall adopt such measures as may be necessary to establish “receiving training for terrorism”, as defined in paragraph 1, when committed unlawfully and intentionally, as a criminal offence under its domestic law.»
[26] «1. For the purpose of this Protocol, “travelling abroad for the purpose of terrorism” means travelling to a State, which is not that of the traveller’s nationality or residence, for the purpose of the commission of, contribution to or participation in a terrorist offence, or the providing or receiving of training for terrorism.
«2. Each Party shall adopt such measures as may be necessary to establish “travelling abroad for the purpose of terrorism”, as defined in paragraph 1, from its territory or by its nationals, when committed unlawfully and intentionally, as a criminal offence under its domestic law. In doing so, each Party may establish conditions required by and in line with its constitutional principles.
«3. Each Party shall also adopt such measures as may be necessary to establish as a criminal offence under, and in accordance with, its domestic law the attempt to commit an offence as set forth in this article.»
[27] «1. For the purpose of this Protocol, “funding travelling abroad for the purpose of terrorism” means providing or collecting, by any means, directly or indirectly, funds fully or partially enabling any person to travel abroad for the purpose of terrorism, as defined in Article 4, paragraph 1, of this Protocol, knowing that the funds are fully or partially intended to be used for this purpose.
«2. Each Party shall adopt such measures as may be necessary to establish the “funding of travelling abroad for the purpose of terrorism”, as defined in paragraph 1, when committed unlawfully and intentionally, as a criminal offence under its domestic law.»
[28] «1. For the purpose of this Protocol, “organising or otherwise facilitating travelling abroad for the purpose of terrorism” means any act of organisation or facilitation that assists any person in travelling abroad for the purpose of terrorism, as defined in Article 4, paragraph 1, of this Protocol, knowing that the assistance thus rendered is for the purpose of terrorism.
«2. Each Party shall adopt such measures as may be necessary to establish “organising or otherwise facilitating travelling abroad for the purpose of terrorism”, as defined in paragraph 1, when committed unlawfully and intentionally, as a criminal offence under its domestic law.»
[29] «1. Without prejudice to Article 3, paragraph 2, sub-paragraph a, of the Convention and in accordance with its domestic law and existing international obligations, each Party shall take such measures as may be necessary in order to strengthen the timely exchange between Parties of any available relevant information concerning persons travelling abroad for the purpose of terrorism, as defined in Article 4. For that purpose, each Party shall designate a point of contact available on a 24-hour, seven-day-s-aweek basis.
«2. A Party may choose to designate an already existing point of contact under paragraph 1.
«3. A Party’s point of contact shall have the capacity to carry out communications with the point of contact of another Party on an expedited basis.»
[30] Aspetos oportunamente destacados na informação Nº GI160089 do Gabinete da Procuradora-Geral da República.
[31] Decisão-Quadro 2002/475/JAI que, recorde-se, esteve na base da revisão da LCT operada pela Lei n.º 17/2011.
[32] Disposição que segundo a exposição de motivos da proposta de diretiva visa uma aplicação horizontal no sentido de tornar claro que, para qualquer das infrações relativas a grupo terrorista ou relacionadas com atividades terroristas não é necessário que seja efetivamente cometida uma infração terrorista — como já era determinado no artigo 3.º, n.º 3, da Decisão-Quadro 2002/475/JAI, alterada pela Decisão-Quadro 2008/919/JAI.
[33] «1. Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para que seja punível a cumplicidade na prática de qualquer das infrações previstas nos artigos 3.º a 8.º e 11.º a 14.º.
«2. Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para que seja punível a instigação à prática de qualquer das infrações previstas nos artigos 3.º a 14.º.
«3. Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para que seja punível a tentativa de cometer qualquer das infrações previstas nos artigos 3.º, 6.º, 7.º, 9.º e 11.º a 14.º, com exceção da posse prevista no artigo 3.º, n.º 2, alínea f), e da infração referida no artigo 3.º, n.º 2, alínea i).»
[34] Na exposição de motivos da proposta argumenta-se em prol dessa ampliação através de ilustração com exemplos do objetivo político criminal: «Ajudar uma pessoa a obter instruções (por exemplo, traduzindo conteúdos terroristas numa língua estrangeira com pleno conhecimento do conteúdo, bem como dos fins a que se destinam tais instruções) não é menos repreensível do que oferecer um apoio semelhante (tradução) a uma pessoa que dá treino».
[35] «Com efeito, a pessoa que instiga é muitas vezes o motor das ações praticadas pelos autores materiais da infração. Para além dos comportamentos já criminalizados na Decisão-Quadro 2002/475/JAI, a presente proposta criminaliza a instigação à prática de infrações relacionadas com atividades terroristas, como previsto no título III. Por exemplo, quem instigar uma pessoa a recrutar ativamente outras pessoas ou a deslocar-se ao estrangeiro para fins de terrorismo será por conseguinte abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 16.º.»
[36] «1. Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para que as infrações previstas nos artigos 3.º a 14.º e 16.º sejam passíveis de sanções penais efetivas, proporcionadas e dissuasivas, suscetíveis de implicar a extradição.
«2. Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para que as infrações terroristas referidas no artigo 3.º e as infrações referidas no artigo 16.º, sempre que estejam relacionadas com infrações terroristas, sejam passíveis de penas privativas de liberdade mais severas do que as previstas no direito nacional para essas mesmas infrações quando cometidas sem o caráter doloso exigido nos termos do artigo 3.º, exceto se as penas previstas forem já as penas máximas aplicáveis ao abrigo do direito nacional.
«3. Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para que as infrações previstas no artigo 4.º sejam passíveis de penas privativas de liberdade, que não podem ser inferiores a quinze anos para a infração prevista no artigo 4.º, alínea a), e a oito anos para as infrações enumeradas no artigo 4.º, alínea b). Quando a infração terrorista prevista no artigo 3.º, n.º 2, alínea i), for cometida por uma pessoa que dirija um grupo terrorista, tal como referido no artigo 4.º, alínea a), a pena máxima não pode ser inferior a oito anos.»
[37] «1. Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para que as pessoas coletivas possam ser consideradas responsáveis por qualquer das infrações previstas nos artigos 3.º a 14.º e 16.º quando forem cometidas por conta delas por qualquer pessoa, agindo individualmente ou como membro de um órgão da pessoa coletiva em causa, que nela exerça uma função de direção, com base:
«(u) No poder de representação da pessoa coletiva;
«(v) No poder de tomar decisões em nome da pessoa coletiva;
«(w) No poder de exercer um controlo dentro da pessoa coletiva.
«2. Os Estados-Membros devem igualmente tomar as medidas necessárias para que as pessoas coletivas possam ser consideradas responsáveis sempre que a falta de vigilância ou de controlo por parte de uma pessoa referida no n.º 1 tenha tornado possível a prática de qualquer das infrações previstas nos artigos 3.º a 14.º e 16.º, em benefício dessa pessoa coletiva, por uma pessoa sob a sua autoridade.
«3. A responsabilidade das pessoas coletivas por força dos n.ºs 1 e 2 não exclui a instauração de processos penais contra as pessoas singulares que sejam autoras, instigadoras ou cúmplices de qualquer das infrações previstas nos artigos 3.º a 14.º e 16.º.»
[38] Supra § II.1 deste parecer.
[39] Artigo 1.º do Protocolo Adicional: «The purpose of this Protocol is to supplement the provisions of the Council of Europe Convention on the Prevention of Terrorism, opened for signature in Warsaw on 16 May 2005 (hereinafter referred to as “the Convention”) as regards the criminalisation of the acts described in Articles 2 to 6 of this Protocol, thereby enhancing the efforts of Parties in preventing terrorism and its negative effects on the full enjoyment of human rights, in particular the right to life, both by measures to be taken at national level and through international cooperation, with due regard to the existing applicable multilateral or bilateral treaties or agreements between the Parties.» Vd. supra § II.3.1.
[40] Para adotar a terminologia empregue por Pedro Caeiro, Fundamento, conteúdo e limites da jurisdição penal do Estado – O caso português, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, p. 380.
[41] Prescreve-se no artigo 9.º do Protocolo Adicional: «The words and expressions used in this Protocol shall be interpreted within the meaning of the Convention. As between the Parties, all the provisions of the Convention shall apply accordingly, with the exception of Article 9.»
Por seu turno no artigo 1.º, n.º 1, da Convenção prescreve-se: «Para os fins da presente Convenção, «infração terrorista» designa qualquer uma das infrações abrangidas pelo seu âmbito de aplicação e tal como definidas em qualquer um dos tratados indicados em anexo.»
Por seu turno, o artigo 9.º da Convenção, com a epígrafe Infrações acessórias, dispõe:
«1 — Cada uma das Partes deve adotar as medidas que se revelem necessárias para qualificar como infração penal no seu direito interno:
«a) A participação, como cúmplice, numa infração nos termos dos artigos 5.º a 7.º da presente Convenção;
«b) A organização do cometimento de uma infração nos termos dos artigos 5.º a 7.º da presente Convenção, ou o facto de ordenar a outras pessoas que a cometam;
«c) A contribuição para o cometimento de uma ou várias das infrações referidas nos artigos 5.º a 7.º da presente Convenção por um grupo de pessoas agindo de comum acordo. Tal contributo deve ser intencional e deve:
«i) Visar a facilitação quer da atividade criminosa do grupo ou do seu objetivo, sempre que tal atividade ou objetivo pressuponha a prática de uma infração nos termos dos artigos 5.º a 7.º da presente Convenção; ou
«ii) Ser prestado sabendo que o grupo tem a intenção de cometer uma infração penal nos termos dos artigos 5.º a 7.º da presente Convenção.
«2 — Cada uma das Partes deve, igualmente, adotar as medidas que se revelem necessárias para qualificar como infração penal, no e em conformidade com o seu direito interno, a tentativa de cometer uma infração nos termos dos artigos 6.º e 7.º da presente Convenção.»
[42] Aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 82/2009; ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 78/2009, de 16-5-2005.
[43] Ressaltando quanto aos convénios que integram o anexo da Convenção ETS n.º 196 e conformam o respetivo conceito de terrorismo que todos já foram ratificados por Portugal e vinculam a ordem jurídica interna:
1. Convenção para a Repressão da Captura Ilícita de Aeronaves, assinada em Haia a 16 de Dezembro de 1970 (ratificada em 1972);
2. Convenção para a Repressão de Atos Ilícitos contra a Segurança da Aviação Civil, assinada em Montreal a 23 de Setembro de 1971 (ratificada em 1973);
3. Convenção sobre a Prevenção e Punição de Crimes Contra Pessoas que gozam de Proteção Internacional, inclusive Agentes Diplomáticos, adotada em Nova Iorque a 14 de Dezembro de 1973 (ratificada em 1994);
4. Convenção Internacional contra a Tomada de Reféns, adotada em Nova Iorque a 17 de Dezembro de 1979 (ratificada em 1984);
5. Convenção sobre a Proteção Física dos Materiais Nucleares, adotada em Viena a 3 de Março de 1980 (ratificada em 1990);
6. Protocolo para a Repressão de Atos Ilícitos de Violência nos Aeroportos ao Serviço da Aviação Civil Internacional, celebrado em Montreal a 24 de Fevereiro de 1988 (ratificado em 1998);
7. Convenção para a Supressão de Atos Ilícitos contra a Segurança da Navegação Marítima, celebrada em Roma a 10 de Março de 1988 (ratificada em 1994);
8. Protocolo para a Supressão de Atos Ilícitos contra a Segurança das Plataformas Fixas localizadas na Plataforma Continental, celebrada em Roma a 10 de Março de 1988 (ratificado em 2011) — Aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 100/2011 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 48/2011, ambos de 4-05-2011. Este protocolo modificou a Convenção elencada sob o n.º 7.
9. Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba, adotada em Nova Iorque a 15 de Dezembro de 1997 (ratificada em 2001);
10. Convenção Internacional para a Eliminação do Financiamento do Terrorismo, adotada em Nova Iorque a 9 de Dezembro de 1999 (ratificada em 2002).
[44] Conceito vinculante para a República Portuguesa reportar-se ao que resulta de um complexo de convénios internacionais ratificados por Portugal cuja apreciação não foi solicitada nesta sede, o que implica que esse horizonte problemático não seja aqui abordado.
[45] Como se referiu no recente parecer n.º 10/2014, de 4-6-2014, sobre a «Convenção Sobre a Repressão de Atos Ilícitos relacionados com a Aviação Civil Internacional» de 2010, impõe-se nestas matérias, sem aprofundar e antecipar tarefas de ponderação de ajustamentos da legislação penal portuguesa, que, além dos imperativos decorrentes de compromissos internacionais, envolve dimensões político-criminais autónomas de estritos juízos técnico-jurídicos atendendo a que o direito penal da aeronáutica civil não se cinge aos tipos penais sobre crimes específicos relativos à aviação civil.
[46] Por força da conjugação do disposto no n.º 1 do artigo 5.º com o n.º 1 do artigo 3.º, da Lei de Combate ao Terrorismo.
[47] As respetivas definições constam, sucessivamente, dos artigos 5.º a 7.º, passando a transcrever-se o n.º 1 de cada uma dessas disposições:
«Para efeitos da presente Convenção, “incitamento público à prática de uma infração terrorista” designa a difusão ou qualquer outra forma de disponibilização ao público de uma mensagem, visando incitar à prática de uma infração terrorista, sempre que tal conduta, quer preconize diretamente ou não a prática de infrações terroristas, crie o perigo de uma ou várias destas infrações serem cometidas.»
«Para os efeitos da presente Convenção, “recrutamento para o terrorismo” designa o facto de induzir uma outra pessoa a cometer ou a participar na prática de uma infração terrorista, ou a juntar-se a uma associação ou a um grupo de pessoas com vista a contribuir para a prática de uma ou várias infrações terroristas por tal associação ou grupo de pessoas.»
«Para efeitos da presente Convenção, “treino para o terrorismo” designa o facto de dar instruções para o fabrico ou para a utilização de explosivos, armas de fogo ou outras armas ou substâncias nocivas ou perigosas, bem como sobre outros métodos e técnicas específicos com vista à prática de uma infração terrorista ou a contribuir para a sua prática, sabendo que os conhecimentos específicos fornecidos visam a realização de tal objetivo.»
[48] Supra § II.2.1.
[49] «10 Quem, por qualquer meio, viajar ou tentar viajar para um território diferente do seu Estado de residência ou nacionalidade, com vista ao treino, apoio logístico ou instrução de outrem para a prática de factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão até 5 anos.
«11 Quem, por qualquer meio, viajar ou tentar viajar para um território diferente do seu Estado de residência ou nacionalidade, com vista à adesão a uma organização terrorista ou ao cometimento de factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão até 5 anos.
«12 Quem organizar, financiar ou facilitar a viagem ou tentativa de viagem previstas nos números anteriores, é punido com pena de prisão até 4 anos.»
[50] Em sede de meios excecionais de repressão importa destacar que a previsão atomizada de mecanismos excecionais, sem uma avaliação de conjunto da sua necessidade e dos valores colidentes, determina uma crítica que Jakobs teceu, e que será aceitável mesmo pelos seus críticos (que contudo não costumam atender a essa passagem), «linhas e fragmentos de um direito penal do inimigo no direito penal geral são um mal na perspetiva do Estado de direito». Daí que exista uma maior adesão, anterior à teorização do direito penal do inimigo, sobre a exigência de um regime processual de dupla via (v.g. Mario Chiavario), isto é, um modelo para os processos relativos a crimes de pequena e média criminalidade e todos aqueles que não exigem especiais meios de investigação e um regime distinto para a criminalidade organizada. E o melhor método para obstar à contaminação é a assunção codificada de tal diversidade sistémica.
[51] Prescreve-se nesse preceito com a epígrafe Condições e garantias:
«1. Each Party shall ensure that the implementation of this Protocol, including the establishment, implementation and application of the criminalisation under Articles 2 to 6, is carried out while respecting human rights obligations, in particular the right to freedom of movement, freedom of expression, freedom of association and freedom of religion, as set forth in, where applicable to that Party, the Convention for the Protection of Human Rights and Fundamental Freedoms, the International Covenant on Civil and Political Rights and other obligations under international law.
«2. The establishment, implementation and application of the criminalisation under Articles 2 to 6 of this Protocol should furthermore be subject to the principle of proportionality, with respect to the legitimate aims pursued and to their necessity in a democratic society, and should exclude any form of arbitrariness or discriminatory or racist treatment.»
[52] Referidas supra no § II.3.1 cuja versão inglesa foi transcrita acima em notas de rodapé.
[53] «Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente atuar conformando-se com aquela realização.»
[54] Também foi empreendida, pela Lei n.º 58/2015, de 23 de junho, a alteração do artigo 1.º, alínea i), do Código de Processo Penal sobre o conceito de terrorismo nesse domínio: «”Terrorismo”: as condutas que integram os crimes de organizações terroristas, terrorismo, terrorismo internacional e financiamento do terrorismo».
Na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 279/XII retoma-se a retórica corrente nos últimos tempos sobre a matéria: «O terrorismo representa um dos ataques mais graves à democracia e ao Estado de Direito democrático e constitui uma ameaça grave para a liberdade, a segurança e a justiça das sociedades modernas. A evolução e o aumento, em várias regiões do mundo, de atos de terrorismo, motivados pela intolerância e ou pelo extremismo, têm conduzido à adoção, nos últimos anos, de importantes instrumentos normativos, no âmbito da União Europeia e da Organização das Nações Unidas, encorajando os Estados a tomar medidas destinadas a prevenir todos os atos desse tipo.»
[55] O novo texto do artigo 4.º da LCT aprovado então foi o seguinte:
«Artigo 4.º
«[...]
«1 ...
«2 Quem praticar crime de furto qualificado, roubo, extorsão, burla informática e nas comunicações, falsidade informática, ou falsificação de documento com vista ao cometimento dos factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, é punido com a pena correspondente ao crime praticado, agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo.
«3 ...
«4 Quando os factos previstos no número anterior forem praticados por meio de comunicação eletrónica, acessíveis por Internet, o agente é punido com pena de prisão de 1 a 6 anos.
«5 Quem, com o propósito de ser recrutado para a prática dos factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, aceder ou obtiver acesso, através de sistema informático ou por qualquer outro meio, às mensagens aludidas no n.º 3 e delas fizer uso na prática dos respetivos atos preparatórios, é punido com pena de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias.
«6 (Anterior n.º 4.)
«7 (Anterior n.º 5.)
«8 Quem, em reunião pública, através de meio de comunicação social, por divulgação de escrito ou outro meio de reprodução técnica, recompensar ou louvar outra pessoa, grupo, organização ou associação pela prática dos factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, de forma adequada a criar perigo da prática de outro crime da mesma espécie, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias.
«9 Quando os factos previstos no número anterior forem praticados por meios de comunicação eletrónica, acessíveis por Internet, o agente é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias.
«10 Quem, por qualquer meio, viajar ou tentar viajar para um território diferente do seu Estado de residência ou nacionalidade, com vista ao treino, apoio logístico ou instrução de outrem para a prática de factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão até 5 anos.
«11 Quem, por qualquer meio, viajar ou tentar viajar para um território diferente do seu Estado de residência ou nacionalidade, com vista à adesão a uma organização terrorista ou ao cometimento de factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão até 5 anos.
«12 Quem organizar, financiar ou facilitar a viagem ou tentativa de viagem previstas nos números anteriores, é punido com pena de prisão até 4 anos.»
O sentido das votações parlamentares dos preceitos transcritos, em sede de Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantia (DAR II série A, N.º119/XII/4, de 29-4-2015, pp. 21-22), foi o seguinte:
- N.os 2 e 4: Na redação da Proposta de Lei n.º 283/XII: Aprovados com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP, votos contra do BE e a abstenção do PCP.
N.º 5: Na redação da proposta de alteração do GP do PS Aprovado com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP e votos contra do PCP e do BE.
N.os 8 e 9: Na redação da Proposta de Lei n.º 283/XII: Aprovados com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP, votos contra do BE e a abstenção do PCP.
N.os 10 e 11: Na redação da Proposta de Lei n.º 283/XII: Aprovados com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP e votos contra do PCP e do BE (apenas a proposta de emenda relativa a correção material de lapso de escrita foi aprovada por unanimidade).
N.os 12 e 13: Na redação da Proposta de Lei n.º 283/XII: Aprovados com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP e abstenções do PCP e do BE.

[56] Cf. nota anterior.
[57] DAR I série, N.º81/XII/4, de 2-5-2015, p. 59.
[58] Exposição de motivos em que, no desenvolvimento e explanação dos tipos são referidas as condutas efetivamente previstas na norma e omitida a incriminação do viajante que pretende receber treino: «Para além do combate ao incitamento e à apologia da prática do terrorismo, necessário se torna abordar, de forma integrada, outros fatores que lhe são subjacentes, tais como prevenir e dificultar as viagens dos chamados combatentes terroristas estrangeiros, nomeadamente os indivíduos que se deslocam para um Estado diferente do seu Estado de residência ou nacionalidade, com o propósito de cometer, planear ou preparar atos terroristas. […] Os Estados Membros devem assegurar que qualquer pessoa que participe no financiamento, planeamento, preparação ou cometimento de atos terroristas ou no apoio a atos terroristas seja levada a julgamento, devendo todos os Estados assegurar que tais atos de terrorismo sejam tipificados como crimes graves pela lei interna […] procedendo-se à adequada atualização legislativa, adaptada às novas realidades, antecipando-se a tutela penal às fases anteriores à efetiva participação em organizações terroristas, nomeadamente no momento da viagem para esse efeito, respetiva organização e financiamento […] No mesmo sentido, a incriminação da própria viagem de acordo com as regras gerais do crime de terrorismo, o que facilita a sustentação dos factos em julgamento e, desta forma, uma mais eficaz tutela criminal do fenómeno do terrorismo.»
[59] «No que diz respeito à proposta de lei n.º 283/XII (4.ª), o que se visa é alargar o âmbito do crime de terrorismo, previsto no artigo 4.º da Lei n.º 52/2003.
«Assim, criam-se novos tipos de crime de terrorismo, como o da apologia pública do crime de terrorismo, que é punida com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias, e se esta apologia for feita através da Internet a penalidade é agravada para pena de prisão até 4 anos ou pena de multa até 480 dias.
«É, de igual modo, criminalizado o ato de viajar ou tentar viajar para um território diferente daquele onde residem ou de onde são nacionais, com a intenção de receber treino, dar treino ou prestar apoio logístico a quem se dedique à prática de atos terroristas, ou de aderir a um grupo terrorista, ou cometer atos terroristas.
«São também punidas as pessoas que organizarem, financiarem ou facilitarem essas viagens ou tentativas de viagem.»
[60] O número 1 do artigo 29.ºda Constituição prescreve: «Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a Acão ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior.»
Por seu turno, o n.º 3 do mesmo artigo determina que «não podem ser aplicadas penas ou medidas de segurança que não estejam expressamente cominadas em lei anterior».
Sendo certo que no n.º 2 do artigo 29.º se determina que o disposto no artigo 29.º, n.º 1, «não impede a punição, nos limites da lei interna, por ação ou omissão que no momento da sua prática seja considerada criminosa segundo os princípios gerais de direito internacional comummente reconhecidos» essa previsão reporta-se aos designados crimina juris gentium que não é integrado por propostas formuladas em instrumentos internacionais recentes visando a ampliação da tutela penal de condutas que não eram até há pucos anos previstas na generalidade das ordens jurídicas nacionais. Por esse motivo a formulação dos textos internacionais (das Nações Unidas, Conselho da Europa e União Europeia) sobre novas obrigações incriminadoras dos Estados-membros ou subscritores. Nesta medida não se justifica aprofundar nesta sede as discriminações analíticas entre deveres de incriminação e de perseguição penal à luz do princípio da universalidade.
[61] «Os atos preparatórios não são puníveis, salvo disposição em contrário.»
[62] Pode apresentar interesse transcrever, além da versão inglesa remetida com o pedido de consulta (vd. supra § II.3.1), o texto em francês do artigo 3.º do Protocolo Adicional:
«1. Aux fins du présent Protocole, on entend par ‘recevoir un entraînement pour le terrorisme’ le fait de recevoir des instructions, y compris le fait d’obtenir des connaissances ou des compétences pratiques, de la part d’une autre personne pour la fabrication ou l’utilisation d’explosifs, d’armes à feu ou d’autres armes ou substances nocives ou dangereuses, ou pour d’autres méthodes ou techniques spécifiques, afin de commettre une infraction terroriste ou de contribuer à sa commission.
«2. Chaque Partie adopte les mesures qui s’avèrent nécessaires pour ériger en infraction pénale, conformément à son droit interne, le fait de ‘recevoir un entraînement pour le terrorisme’, tel que défini au paragraphe 1, lorsqu’il est commis illégalement et intentionnellement.»
[63] Artigos 26.º a 29.º do Código Penal.