Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002695
Parecer: P001002005
Nº do Documento: PPA190120060010000
Descritores: APOSENTAÇÃO COMPULSIVA
PENA DISCIPLINAR
PENSÃO TRANSITÓRIA
PAGAMENTO
PROTECÇÃO SOCIAL
RELAÇÃO JURÍDICA DE EMPREGO PÚBLICO
EXTINÇÃO
PROCESSO DISCIPLINAR
DESLIGAMENTO DE SERVIÇO
Área Temática:DIR ADM*FUNÇÃO PUBL*DISC FUNC*PENSÕES
Ref. Pareceres:P000061977Parecer: P000061977
P002331977Parecer: P002331977
P000891984Parecer: P000891984
P000131999Parecer: P000131999
P000012003Parecer: P000012003
P001652003Parecer: P001652003
Legislação:CONST76 ART63; DL498/72 DE 09/12 ART84 A ART111 MAXIME ART26 N1 N10 ART37 N2 C) ART42 ART43 N1 D) ART84 ART97 N1 ART99 N2 ART100 N1 N2; RECT DE 13/01/1973; DL 508/75 DE 20/09; DL75/83 DE 08/02; DL 101/83 DE 18/02; DL214/83 DE 25/05; DL182/84 DE 28/05; DL198/85 DE 25/06; DL20-A/86 DE 13/02; DL215/87 DE 29/05; L30-C/92 DE 28/12; L75/93 DE 20/12; DL78/94 DE 09/03; DL180/94 DE 29/06; DL233/95 DE 08/09; DL28/97 DE 23/01; DL241/98 DE 07/08; DL503/99 DE 20/11; L32-B/2002 DE 30/12; DL8/2003 DE 18/01; L1/2004 DE 15/01; DL179/2005 DE 02/11; DL60-A/2005 DE 29/12; DL24/84 DE 16/01 ART11 ART12 ART26 ART69 ART70; RECT DE 30/04/1984; CP82 ART358 C)
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1ª) Em caso de aplicação a funcionário da pena disciplinar de aposentação compulsiva, a desligação do serviço formaliza-se com a comunicação ao respectivo serviço da resolução final do processo de aposentação, mas os seus efeitos retroagem ao momento da decisão de aplicação da pena expulsiva, nos termos das disposições combinadas dos artigos 33º, nº 2, alínea a), 43º, nº 1, alínea d), primeira parte, e 99º, nº 2, do Estatuto da Aposentação;
2ª) Na decorrência dessa desligação, passa o interessado à situação de aposentando, até ao momento da produção dos efeitos da publicação da aposentação, com direito a receber uma pensão transitória de aposentação, em conformidade com o disposto no artigo 99º, nº 3, do referido Estatuto;
3ª) Consequentemente, o pagamento das quantias assim devidas, a título de pensão transitória de aposentação, constitui responsabilidade do serviço em que o subscritor tenha exercido funções, através de verba destinada, no âmbito desse serviço, ao pessoal que se encontre em situação de desligado do serviço a aguardar aposentação.

Texto Integral:
Senhor Ministro do Ambiente,
do Ordenamento do Território
e do Desenvolvimento Regional,
Excelência:


I


Dignou-se Vossa Excelência solicitar a este corpo consultivo parecer sobre qual a entidade responsável pelo pagamento das verbas devidas a funcionária da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve, a quem foi aplicada a pena de aposentação compulsiva, durante o período que mediou entre a data da produção de efeitos dessa pena e a data em que a Caixa Geral de Aposentações (CGA) passou a processar a respectiva pensão de aposentação – sendo certo que em relação a esse período a referida funcionária não recebeu qualquer quantia, na medida em que ambas as entidades recusam a responsabilidade pelo seu pagamento ([1]).

Cumpre emitir parecer.


II


1. A presente consulta reporta-se, como se disse, a funcionária da CCDR do Algarve submetida à pena de aposentação compulsiva, que ficou sem receber qualquer quantia entre 31 de Dezembro de 2002 – momento da produção de efeitos dessa pena – e 17 de Outubro de 2003 – data em que começou a receber da CGA a respectiva pensão de aposentação.


2. Desde logo, sustentou a CCDR do Algarve que caberia à CGA o pagamento de uma pensão transitória de aposentação a funcionário objecto de aposentação compulsiva, pelo que deixou de processar quaisquer verbas, a partir daquela primeira data, a favor da referida funcionária. Por sua vez, a CGA tem defendido que, até ao momento previsto na lei para essa entidade iniciar o processamento de uma pensão definitiva, cabe ao serviço de que for oriundo o funcionário objecto de aposentação compulsiva proceder ao pagamento da pensão transitória de aposentação.

2.1. Apresentada à Provedoria de Justiça uma queixa da funcionária visada ([2]), veio o Senhor Provedor de Justiça a emitir a Recomendação nº 6/A/2004 ([3]), dirigida ao Presidente da CCDR do Algarve, no sentido de esta entidade proceder ao pagamento dos «montantes devidos desde 31 de Dezembro de 2002 até à data em que o encargo com a pensão passou a ser assumido pela Caixa Geral de Aposentações (17 de Outubro de 2003)».

Na respectiva fundamentação, sintetiza assim a Provedoria de Justiça os pressupostos em que assentou anterior tomada de posição da CCDR do Algarve:

«a) A notificação da aplicação da pena de aposentação compulsiva consuma de imediato a mudança de situação do funcionário da situação de actividade para a situação de aposentado;
b) Assim, porque passa imediatamente à situação de aposentação, e não à situação de desligado do serviço a aguardar aposentação, adquire desde essa data o direito à percepção da correspondente pensão, a abonar pela Caixa;
c) Não há, por conseguinte, lugar às fases intermédias que ocorrem no procedimento normal de aposentação – manutenção do abono do vencimento até à comunicação pela Caixa do montante da pensão, decisão da Caixa quanto ao direito à aposentação e pagamento pelos Serviços a que pertencia o funcionário de uma pensão transitória».

E acrescenta-lhes ainda um outro pressuposto que consistiria em «admitir que os artigos 12º, nº 7, e 70º, nº 1, do Estatuto Disciplinar se encontram abrangidos na excepção prevista no artigo 99º, nº 3, do Estatuto da Aposentação, ou na legislação especial referida no artigo 73º, nº 2, do mesmo Estatuto».

A Provedoria de Justiça contesta essas premissas com a seguinte argumentação:

– «Um dos pressupostos inaceitáveis da posição sob análise é a de que a aplicação da pena de aposentação compulsiva, ex vi do artigo 70º, nº 1, do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, tem como efeito imediato e automático a passagem do funcionário punido à situação de aposentado»;

– «(…) é impossível descortinar as razões que podem conduzir à consideração de que os artigos 12º, nº 7, e 70º, nº 1, do Estatuto Disciplinar se encontram abrangidos na excepção prevista no artigo 99º, nº 3, do Estatuto da Aposentação, ou na legislação especial referida no artigo 73º, nº 2, do mesmo Estatuto (-), quando é este mesmo Estatuto Disciplinar que remete, sem qualquer ressalva e nos termos em que o faz, para o Estatuto da Aposentação como efeito da pena»;

– «Dada a natureza da pena, evidente se torna que a sua aplicação faz cessar a actividade, tal como sucede com o limite de idade (geral ou especial) e a incapacidade, por definição»;

– «(…) o legislador tratou a aposentação compulsiva como uma causa de aposentação obrigatória sem repercussão sobre o regime geral, até porque, não haveria razão para proceder de outra forma, se atentarmos na circunstância de que a desligação do serviço para efeitos de aposentação implica a cessação da relação jurídica de emprego público, ex vi do artigo 28º, nº 1, do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, exactamente nos termos em que tal facto decorre da aplicação de penas expulsivas»;

– «(…) a qualificação da situação decorrente da aplicação da pena de aposentação compulsiva, em termos de processo de aposentação, só pode ser uma, onde não cabe, a qualquer título, o entendimento que vê no despacho de aplicação da pena a passagem directa do funcionário punido à situação de aposentado, com pensão definitiva a cargo da Caixa Geral de Aposentações».

E conclui que o funcionário objecto de aposentação compulsiva se encontra, após a aplicação efectiva da pena e até à percepção da pensão definitiva, na situação de desligado do serviço aguardando aposentação ou de aposentando.

2.2. Ouvida sobre a matéria a Direcção-Geral da Administração Pública (DGAP), emitiu esta entidade a Orientação Técnica nº 2/DGAP/2004 ([4]), coincidente com a posição da Provedoria de Justiça, sustentando não se evidenciar que «o legislador do Estatuto Disciplinar tenha pretendido estabelecer um regime especial de aposentação que faça reportar todos os efeitos desta, designadamente o momento em que a pensão definitiva é devida pela Caixa Geral de Aposentações, à data da produção dos efeitos da pena de aposentação compulsiva».

Essa orientação exprime-se em cinco pontos que se passam a transcrever:

«1. Após o início da produção de efeitos da pena, nos termos do nº 1 do artigo 70º do Estatuto Disciplinar, a situação do funcionário torna-se definitiva, em termos disciplinares, determinando a cessação da sua relação jurídica de emprego e devendo considerar-se o mesmo, ipso facto, desligado do serviço, nos termos e para os efeitos previstos nos nos 2 e 3 do artigo 99º do Estatuto da Aposentação;
2. Em conformidade, o funcionário deixa de poder comparecer ao serviço, não devendo ser-lhe processada, pelo serviço de origem, qualquer remuneração a título de vencimento;
3. A situação de aposentação do funcionário carece, porém, de ser consolidada, através do cumprimento de outros actos, entre os quais sobressai o da resolução final da Caixa Geral de Aposentações, prevista no artigo 97º, e o da publicação posterior nos termos do nº 2 do artigo 99º;
4. A partir do início da produção de efeitos da pena, nos termos do nº 1 do artigo 70º do Estatuto Disciplinar, o funcionário fica, porém, com direito a receber uma pensão transitória paga pelo serviço de origem, nos termos do nº 3 do artigo 99º;
5. A fim de evitar prejuízos ao interessado pelo atraso no processamento da pensão transitória, e na sequência da comunicação do serviço à Caixa Geral de Aposentações, nos termos do nº 1 do artigo 84º do Estatuto da Aposentação, deve conferir-se carácter de urgência ao processo de fixação do valor da pensão transitória dos funcionários punidos com pena de aposentação compulsiva, de forma a reduzir ou evitar a existência de hiatos entre o início da produção de efeitos da pena e o do pagamento da pensão transitória, atendendo a que a Caixa Geral de Aposentações apenas é responsável pelo abono da pensão de aposentação, a partir do dia 1 do mês seguinte ao da publicação em Diário da República da lista de aposentados com a inclusão do nome do subscritor em causa.»

2.3. Perante a recomendação do Provedor de Justiça à CCDR do Algarve, reafirmou esta entidade a sua posição sobre o tema ([5]), que assim a sumariou:

«1. A pena disciplinar de aposentação compulsiva (como todas as demais sanções disciplinares) começa a produzir os seus efeitos legais no dia seguinte ao da notificação do arguido (artº 70º, nº 1, do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local-ED);
2. Ou seja, no caso em apreço, notificada da decisão em 30/12/2002, sem que contra ela tenha formulado pedido de suspensão da eficácia, a funcionária, (…), passou, ipso facto, à situação de aposentada no dia 31/12/2002 (artos 12º, nº 7, e 70°, n° 1, do ED e artº 73º, nº 2, do Estatuto da Aposentação-EA) e não à situação de desligada do serviço a aguardar aposentação;
3. Adquirindo a funcionária, desde essa data, o direito à percepção da correspondente pensão, a abonar pela Caixa (EA, artº 64º, nº 1: “A pensão de aposentação é devida pela Caixa a partir da data em que o subscritor passa à situação de aposentado.”);
4. Mudança de situação que deve ser logo publicada na 2ª série do Diário da República (EA, artos 100º, nº 2, 99º, nº 3, e 73º, nº 2).»

E, depois de imputar à Provedoria de Justiça uma confusão entre os conceitos de aposentado e de desligado do serviço aguardando aposentação (aposentando), enunciou do seguinte modo a tramitação processual decorrente da sua interpretação:

«1. A CGA, antes de aplicada a pena de aposentação compulsiva, informa o serviço a que pertence o arguido (artº 42º, nº 2) se este reúne os pressupostos de idade e tempo de subscritor (artº 37º, nos 2, 3 e 4), apurados segundo as regras dos artigos 24º a 34º e 85º a 88º;
2. Comprovados esses pressupostos pelo órgão competente da CGA (108º), aplicada a pena de aposentação compulsiva e mostrando-se esta eficaz e definitiva, passa o funcionário à situação de aposentado (73º, nº 2, ex vi artº 70º, nº 1, conjugado com o artº 12º, nº 7, do ED), devendo tal mudança de situação ser imediatamente publicada no Diário da República ([artigo] 100º, nos 2 e 3) e passando a CGA a pagar a pensão devida ([artigo] 64º, nº 1) que for apurada de acordo com o estipulado nos artigos 46º a 57º;
3. Na situação de aposentado, o funcionário punido com a referida sanção disciplinar assume a titularidade dos direitos e deveres estabelecidos no EA.»

A concluir, afirma-se que «cessa a obrigação dos Serviços de manter o pagamento do vencimento, ou qualquer outro abono, a funcionário punido com pena de aposentação compulsiva desde a data em que a mesma se toma eficaz, passando a competir à Caixa Geral de Aposentações, desde essa data, o pagamento da pensão de aposentação a que o funcionário tenha direito, apurada nos termos do Estatuto da Aposentação».

2.4. Confrontada com esta divergência de opiniões, veio a Auditoria Jurídica do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional (MAOTDR) a pronunciar-se sobre a questão em apreço ([6]), em termos convergentes com a tese da CCDR do Algarve.

Na respectiva informação rebatem-se os argumentos da Provedoria de Justiça, alegando, no essencial, desta forma:

– «(…) não se contesta que o funcionário tenha direito a receber, a partir da data em que foi alvo da pena expulsiva, e que, portanto, deixou de exercer funções e de receber o seu vencimento, uma pensão de aposentação: o que se contesta é que tal pensão seja a pensão transitória fixada nos termos do artigo 99º do EA, e que a mesma deva ser suportada pelo serviço de origem»;

– «(…) os serviços não podem, motu proprio, e na falta de decisão da Caixa sobre o montante da pensão a abonar ao funcionário, proceder ao pagamento de qualquer quantia a título de pensão provisória»;

– «Também não lhe podem abonar o vencimento, por o funcionário já não se encontrar no exercício de funções»;

– «(…) o ED não prevê nenhuma figura de desligado do serviço aguardando aposentação, como efeito normal da pena de aposentação compulsiva»;

– «(…) os serviços também não detêm qualquer competência para fixar o montante da pensão provisória a abonar aos funcionários desligados do serviço, pois que tal fixação é da exclusiva competência da Administração da Caixa Geral de Aposentações»;

– «A lei apenas prevê o pagamento pelos serviços de uma pensão transitória aos funcionários desligados do serviço aguardando a aposentação, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 99º do EA, pensão cujo montante é determinado pela Caixa, e não pelos serviços».

E culmina-se a argumentação do seguinte modo:

– «Nestes termos, e de acordo com as regras fixadas no Estatuto da Aposentação, designadamente nos seus artigos 46º e 64º, nº 1, ao funcionário aposentado compulsivamente é devida, desde o dia em que a pena disciplinar começa a produzir efeitos, uma pensão de aposentação»;

– «A determinação do montante da pensão é da competência da Caixa Geral de Aposentações, a quem cabe igualmente, de acordo com o previsto no citado artigo 64º, nº 1, o pagamento da pensão de aposentação a que o funcionário tem direito».

2.5. Apreciada superiormente a referida informação da Auditoria Jurídica do MAOTDR, foi sugerida, perante o dissenso verificado, a obtenção de parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República sobre a matéria, o que mereceu o acolhimento de Vossa Excelência.


3. Estes, pois, os dados a considerar acerca da temática suscitada, que se passará a dirimir.

III


1. A questão colocada consiste, exclusivamente, em saber qual a entidade responsável pelo pagamento das verbas devidas a funcionário objecto da pena de aposentação compulsiva durante o período que mediou entre a data da produção de efeitos dessa pena e a data em que a CGA passou a processar a respectiva pensão de aposentação: ou o serviço onde exerceu funções; ou a própria CGA, responsável pelo pagamento da pensão definitiva.

Tendo como limite este estrito objecto, importa conhecer melhor o regime da aposentação da função pública, com particular incidência na vertente respeitante à pensão transitória de aposentação – tema sobre o qual este Conselho Consultivo já anteriormente se pronunciou ([7]).


2. O regime de protecção social da função pública inscreve-se no âmbito mais vasto do sistema de previdência social e constitui manifestação do direito à segurança social consagrado no artigo 63º da Constituição ([8]).

2.1. Esse regime de protecção social da função pública apresenta duas vertentes bastante diferenciadas.

Assim, «há uma forma de protecção social de tipo previdencial, que comporta uma relação jurídica contributiva e uma gestão de tipo institucional, [e], por outro lado, existe uma protecção social de base puramente administrativa, gerida pelos serviços e organismos da Administração Pública, com total ausência de qualquer vínculo contributivo» ([9]). Neste último caso, as prestações atendem a eventualidades aleatórias como a maternidade, a paternidade, a adopção, o desemprego, a doença, acidentes de trabalho e doenças profissionais, e resultam única e directamente da relação jurídica laboral ou de emprego público.

A protecção social de tipo previdencial proporciona aos beneficiários, por um lado, prestações pecuniárias para situações de velhice, invalidez e morte, e resulta do vínculo institucional à Caixa Geral de Aposentações ou, por outro lado, proporciona prestações sanitárias, por força de um vínculo à ADSE, para situações de carência de cuidados médicos. A cada tipo de benefício corresponde uma prestação contributiva independente.

Ora, uma das modalidades de previdência social dos funcionários e agentes administrativos é a aposentação, que visa, fundamentalmente, protegê-los na velhice ou na invalidez ([10]).

A aposentação, que na sua expressão mais simples se poderá definir como cessação do exercício de funções com auferimento de uma prestação pecuniária mensal vitalícia (pensão), tem como regulamentação base o Estatuto da Aposentação (EA), aprovado pelo Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de Dezembro ([11]).

Segundo JOÃO ALFAIA, «por aposentação entende-se a situação jurídica em que se encontram os funcionários e agentes que, sendo considerados incapazes para o serviço, em virtude da idade, de doença ou de incapacidade ou por motivo da prática de infracção criminal ou disciplinar muito grave, vêem extinta a sua relação jurídica de emprego público, permanecendo, todavia, vinculados à Administração Pública através de uma nova relação jurídica (de aposentação) filiada na relação jurídica extinta e constituída em seu inteiro benefício, a qual estabelece um novo complexo de direitos, deveres e incompatibilidades» ([12]).

O autor propõe-nos vários critérios para distinguir as diversas modalidades de aposentação. Assim, se atendermos ao critério da natureza de aposentação, esta poderá ser normal, porque para ela tende em princípio todo o subscritor da Caixa Geral de Aposentações, ou acidental, quando corresponda a uma cessação prematura da carreira por incapacidade ou por ser compulsiva. Quanto ao regime a que fica sujeita, a aposentação poderá ser extraordinária, beneficiando então o subscritor de um regime especialmente favorável, ou ordinária, quando se exige um certo tempo de serviço, sendo a pensão de valor proporcional ao mesmo. Se atendermos às razões da aposentação, esta pode ser legal ou compulsiva, se se considerar a quem pertence a iniciativa da aposentação, interessado ou Administração Pública, pode ela ser voluntária ou obrigatória, e, finalmente, tendo em conta a própria pensão, poderá configurar-se uma aposentação com pensão por inteiro ou com pensão proporcional ao tempo de serviço ([13]).

O facto constitutivo da relação jurídica de aposentação é o acto administrativo definitivo e executório que determina a criação daquela relação ([14]).

«Tal facto é o resultante de uma série de actos de direito instrumental tendentes a verificar, designadamente, se existem ou não os requisitos legais da aposentação (processo de aposentação)» ([15]), sendo que o facto jurídico constitutivo da relação jurídica de aposentação insere--se nesse processo, como decisão final do mesmo.

O processo de aposentação está regulado nos artigos 84º a 111º do Estatuto da Aposentação.

O artigo 97º reporta-se ao acto de resolução final do processo por parte da administração da Caixa, em que se define se o interessado tem direito à pensão de aposentação e, no caso afirmativo, qual o montante da pensão que lhe é atribuída.

À resolução final do processo segue-se a comunicação aos serviços onde o interessado exerça funções, com vista ao termo do serviço.

Na verdade, o artigo 99º, com a epígrafe «Termo do serviço», estabelece que a Caixa comunicará imediatamente aos serviços em que o aposentando exerça funções a sua resolução que fixar a pensão de aposentação ou que determinar provisoriamente as bases para o seu cálculo, a fim de que o interessado seja logo desligado do serviço, ficando desde então na situação de aguardando aposentação, a auferir uma pensão transitória de aposentação, fixada de harmonia com a comunicação da Caixa, a partir do dia em que for desligado do serviço.

Segundo o artigo 73º do Estatuto da Aposentação, a passagem do interessado à situação de aposentação verifica-se, em regra, no primeiro dia do mês seguinte ao da publicação oficial da lista de aposentados em que se inclua o seu nome (nº 1) ou, excepcionalmente, na data em que deva considerar-se desligado do serviço (nº 2).

«A partir do momento em que o facto constitutivo de tal relação jurídica de aposentação produz efeitos, nasce a situação jurídica correspondente, verificando-se então a concessão ao aposentando de uma nova “qualidade” ou “status” que lhe atribui o complexo de direitos, deveres e incompatibilidades que formam a situação jurídica da aposentação» ([16]).

Entre esse complexo de direitos, sobressai o direito a auferir uma pensão mensal vitalícia, fixada pela Caixa, em função da remuneração mensal e do número de anos e meses de serviço do subscritor, bem como, se for caso disso, do seu grau de incapacidade (artigo 46º do Estatuto da Aposentação).

2.2. Deste traçado geral do regime de aposentação do funcionalismo público, destaquemos, na parte relevante e na sua actual versão, os normativos do diploma em análise que mais directamente interessam ao presente parecer:

«Artigo 33º
(Limites de contagem)
1 – Na contagem final do tempo de serviço para a aposentação considerar-se-ão apenas os anos e os meses completos de serviço.
2 – Para os efeitos do nº 1 contar-se-á o tempo decorrido até à data em que se verificar:
a) Qualquer dos factos previstos no nº 1 do artigo 43º;
b) A cessação de funções, quer esta seja definitiva, quer resulte de passagem à licença ilimitada ou a outra situação sem direito a remuneração, quando ocorra anteriormente a qualquer dos factos a que se refere a alínea a);
c) O termo do subsídio legal de tratamento, percebido posteriormente aos mesmos factos.
(...).»

«Artigo 36º
(Formas de aposentação)
1 – A aposentação pode ser voluntária ou obrigatória.
2 – A aposentação é voluntária quando tem lugar a requerimento do subscritor, nos casos em que a lei a faculta; é obrigatória quando resulta de simples determinação da lei ou de imposição da autoridade competente.»

«Artigo 37º
(Aposentação ordinária)
1 – A aposentação pode verificar-se, independentemente de qualquer outro requisito, quando o subscritor contar, pelo menos, 60 anos de idade e 36 de serviço.
2 – Há ainda lugar a aposentação ordinária quando o subscritor, tendo, pelo menos, 5 anos de serviço:
a) Seja declarado, em exame médico, absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções;
b) Atinja o limite de idade legalmente fixado para o exercício das suas funções;
c) Seja punido com pena expulsiva de natureza disciplinar ou, por condenação penal definitiva, demitido ou colocado em situação equivalente, sem prejuízo do disposto nos nos 2 e 3 do artigo 40º.
3 – O Governo poderá fixar, em diploma especial, limites de idade e de tempo de serviço inferiores aos referidos nos números anteriores, os quais prevalecerão sobre estes últimos.
4 – O tempo de inscrição nas instituições de previdência referidas no nº 2 do artigo 4º, quer anterior, quer posterior ao tempo de inscrição na Caixa, contar-se-á também para o efeito de se considerar completado o prazo de garan­tia que resultar do disposto nos nos 2 e 3 do presente artigo.»
«Artigo 42º
(Aposentação compulsiva)
1 – A aposentação compulsiva é aplicada por decisão da autoridade com­petente, pelas infracções disciplinares previstas na lei, ou por deliberação do Con­selho de Ministros, nos casos permitidos em lei especial.
2 – A aplicação desta pena só terá lugar quando a Caixa informe que o subscritor reúne o pressuposto do tempo de serviço exigível, nos termos do artigo 37º, para a aposentação ordinária.»

«Artigo 43º
(Regime da aposentação)
1 – O regime da aposentação fixa-se com base na lei em vigor e na situação existente à data em que:
a) Se profira despacho a reconhecer o direito a aposentação voluntária que não dependa de verificação de incapacidade;
b) Seja declarada a incapacidade pela competente junta médica, ou homologado o parecer desta, quando lei especial o exija;
c) O interessado atinja o limite de idade;
d) Se profira decisão que imponha pena expulsiva ou se profira condenação penal definitiva da qual resulte a demissão ou que coloque o interessado em situação equivalente.
(...).»
«Artigo 46º
(Direito à pensão)
Pela aposentação o interessado adquire o direito a uma pensão vitalícia, fixada pela Caixa, nos termos dos artigos seguintes, em função da remuneração mensal e do número de anos e meses de serviço de subscritor, bem como, se for caso disso, do seu grau de incapacidade.»
«Artigo 64º
(Pagamento da pensão)
1 – A pensão de aposentação é devida pela Caixa a partir da data em que o subscritor passa à situação de aposentado.
(...).»
«Artigo 73º
(Passagem à aposentação)
1 – A passagem do interessado à situação de aposentação verifica-se no dia 1 do mês seguinte ao da publicação oficial da lista de aposentados em que se inclua o seu nome.
2 – Os subscritores abrangidos por lei especial referida no nº 3 do artigo 99º passam à aposentação na data em que devam considerar-se desligados do serviço.»
«Artigo 74º
(Direitos e deveres do aposentado)
1 – O aposentado, além de titular do direito à pensão de aposentação, continua vinculado à função pública, conservando os títulos e a categoria do cargo que exercia e os direitos e deveres que não dependam da situação de actividade.
2 – Salvo quando de outro modo se dispuser, o regime legal relativo aos aposentados é também aplicável aos que se encontrem desligados do serviço aguardando aposentação.»

«Artigo 84º
(Instauração do processo)
1 – O processo de aposentação inicia-se com base em requerimento do interessado ou em comunicação dos serviços de que o mesmo dependa.
2 – O requerimento e a comunicação deverão conter os fundamentos da aposentação e serão acompanhados dos documentos necessários à instrução do processo.
(...).»

«Artigo 97º
(Resolução final)
1 – Concluída a instrução do processo, a Administração da Caixa, se julgar verificadas as condições necessárias, proferirá resolução final sobre o direito à pensão de aposentação e sobre o montante desta, regulando definitivamente a situação do interessado.
2 – Suscitando-se dúvidas sobre matéria que possa influir no montante da pensão, a Caixa fixará provisoriamente as bases do seu cálculo, em conformidade com os dados já apurados e sem prejuízo da sua rectificação em resolução final, uma vez completada a instrução do processo.»
«Artigo 99º
(Termo do serviço)
1 – As resoluções a que se refere o artigo 97º serão desde logo comunicadas aos serviços onde o subscritor exerça funções.
2 – Com base nesta comunicação, o subscritor é desligado do serviço, ficando a aguardar aposentação até ao fim do mês em que for publicada a lista dos aposentados com a inclusão do seu nome.
3 – Salvo o disposto em lei especial, o subscritor desligado do serviço abre vaga e fica com direito a receber pela verba destinada ao pessoal fora do serviço aguardando aposentação, pensão transitória de aposentação, fixada de harmonia com a comunicação da Caixa, a partir do dia em que for desligado do serviço. [[17]]
4 – A ulterior rectificação da importância da pensão dará lugar ao abono ao interessado ou à reposição por este das diferenças que se verifiquem.» [[18]]
«Artigo 100º
(Publicação da aposentação)
1 – Concedida a aposentação e fixada a pensão definitiva, inscrever-se-á o interessado nas listas dos aposentados, que será publicada no Diário da República, 2ª série, entre os dias 20 e 25 de cada mês, mediante despacho do administrador- -geral, precedido de visto de cabimento de verba, aposto pelo serviço competente.
2 – A mudança de situação resultante do disposto no nº 3 do artigo 99º, bem como da aplicação de lei especial naquele referida, será desde logo publicada na 2ª série do Diário da República.
3 – Na publicação a que se referem os números anteriores indicar-se-á, com observância do disposto no artigo 53º e no nº2 do artigo 57º, o montante da pensão.»
«Artigo 108º
(Competência para as resoluções)
1 – Salvo o disposto nos números seguintes, as resoluções da Caixa Geral de Aposentações serão tomadas por 2 administradores.
(...).»

Neste contexto, reveste ainda interesse o nº 1 do artigo 28º do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro ([19]), diploma que «define o regime jurídico de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego público na Administração Pública» (artigo 1º):
«Artigo 28º
(Causas de extinção aplicáveis a funcionários e agentes)
1 – Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes e no nº 10 do artigo 6º, a relação jurídica de emprego dos funcionários e agentes cessa por morte do funcionário ou agente, por aplicação de pena disciplinar expulsiva e por desligação do serviço para efeito de aposentação.
(...).»

2.3. Tendo por pano de fundo este quadro normativo, concentremos agora a nossa atenção no específico estatuto do aposentando ou desligado do serviço aguardando aposentação ([20]).

Como refere JOÃO ALFAIA, «entre a situação de subscritor da Caixa Geral de Aposentações – a qual corresponde, em princípio, à situação de funcionário ou agente no activo (-) – e a situação de aposentação – que constitui o corolário normal da vida funcional – situa- -se, como mecanismo de transição, a situação de desligado do serviço aguardando aposentação ou, numa fórmula mais sintética, a situação de aposentando)», a qual constitui, «na essência, a antecâmara da aposentação» ([21]).

E prossegue: «Como situação de transição que é, a situação de aposentando possui traços comuns à situação que a antecede e àquela que lhe sucederá e de que constitui instrumento».

Como características comuns à situação de subscritor, o autor indica as seguintes:

«a) O aposentando permanece titular da relação jurídica de emprego público [[22]], embora deixe de ocupar lugar, em princípio;
b) O aposentando permanece vinculado ao departamento onde ocupava lugar, que continua a aboná-lo e a cujo poder disciplinar se mantém sujeito;
c) O aposentando permanece titular do direito de vir a ser aposentado em condições não menos favoráveis que aquelas vigentes no momento da sua inscrição como subscritor.» ([23])

Por sua vez, as características comuns à situação de aposentado permitem afirmar que «a situação de aposentando possui porventura maior similitude com a de aposentação que com a de subscritor da CGA», e apresentam-se deste modo:

«a) (...) o aposentando passa a revestir a natureza de pensionista, uma vez que se encontra numa situação de indisponibilidade (relativa) com direito, não a um vencimento em sentido lato, mas a uma pensão;
b) O complexo de direitos, deveres e incompatibilidades do aposentando encontra-se muito próximo daquele que caracteriza a situação jurídica de aposentação;
c) Embora actuando através do departamento a que o aposentando permanece vinculado, a Caixa Geral de Aposentações passa a desempenhar papel relevante quanto ao principal direito daquele (isto é, do aposentando), na medida que é ela que fixa o montante da pensão transitória de aposentação.» ([24])

«Como se sabe, o processo de aposentação é instaurado na Caixa Geral de Aposentações com base em requerimento do interessado, quando se trate de aposentação voluntária ou em comunicação dos serviços de que dependa, no caso de ser obrigatória (cfr. o nº 1 do artigo 84º), iniciando-se, desse modo, uma determinada tramitação processual que culminará na resolução final a proferir pela respectiva Administração, “sobre o direito à pensão de aposentação e sobre o montante desta, regulando definitivamente a situação do interessado” (nº 1 do artigo 97º).» ([25])

«Há, consequentemente, um lapso de tempo mediando entre o momento da desligação do serviço e a resolução final em que o interessado permanece numa situação de aguardar aposentação, a qual se pode prolongar apreciavelmente, pelo que seria injusto não lhe reconhecer o direito a auferir um equivalente ao tempo de serviço prestado e aos descontos efectuados.» ([26])

Entre os direitos de que o aposentando é titular conta-se, pois, o direito a uma pensão transitória de aposentação, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 74º, nº 2, e 99º, nº 3, do Estatuto da Aposentação.

Esta pensão «pressupõe o afastamento do exercício de funções» e «passa a ser paga pelo departamento a que o aposentando se mantém vinculado, a partir do dia da desligação do serviço, através de uma verba destinada ao pessoal fora do serviço aguardando aposentação (-). Deste modo, o funcionário ou agente passa a revestir a natureza de pensionista – isto é, de um funcionário ou agente na situação de indisponibilidade cujo abono principal não possui natureza remuneratória (pois não visa o exercício de qualquer função), antes reveste natureza social (pois é postulado pela solidariedade social, em face da velhice ou da invalidez)» ([27]).


3. Sobre a específica situação de aposentação por efeito da aplicação da pena disciplinar de aposentação compulsiva, importa ainda conhecer o regime que contempla a aplicação dessa sanção – concretamente, as disposições pertinentes do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local (ED), aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro ([28]):
«Artigo 11º
(Escala das penas)
1 – As penas aplicáveis aos funcionários e agentes abrangidos pelo presente Estatuto pelas infracções disciplinares que cometerem são:
a) Repreensão escrita;
b) Multa;
c) Suspensão;
d) Inactividade;
e) Aposentação compulsiva;
f) Demissão.
(...).»
«Artigo 12º
(Caracterização das penas)
(...)
7 – A pena de aposentação compulsiva consiste na imposição da passagem do funcionário ou agente à situação de aposentado.
(...).»
«Artigo 13º
(Efeitos das penas)
1 – As penas disciplinares produzem unicamente os efeitos declarados no presente diploma.
(...)
10 – A pena de aposentação compulsiva implica para o funcionário ou agente a aposentação nos termos e nas condições estabelecidos no Estatuto da Aposentação.
(...).»
«Artigo 26º
(Aposentação compulsiva e demissão)
1 – As penas de aposentação compulsiva e de demissão serão aplicáveis em geral às infracções que inviabilizarem a manutenção da relação funcional.
(...)
3 – A pena de aposentação compulsiva será aplicada em caso de comprovada incompetência profissional ou falta de idoneidade moral para o exercício das funções.
(...)
5 – A pena de aposentação compulsiva só será aplicada verificado o condicionalismo exigido pelo Estatuto da Aposentação, na ausência do qual será aplicada a pena de demissão.»
«Artigo 69º
(Notificação da decisão)
1 – A decisão será notificada ao arguido, observando-se o disposto no artigo 59º.
2 – Na data em que se fizer a notificação ao arguido será igualmente notificado o instrutor e também o participante, desde que o tenha requerido.
3 – A entidade que tiver decidido o processo poderá autorizar que a notificação do arguido seja protelada pelo prazo máximo de 30 dias, se se tratar de pena que implique suspensão ou cessação do exercício de funções por parte do infractor, desde que da execução da decisão disciplinar resultem para o serviço inconvenientes mais graves do que os decorrentes da permanência no desempenho do cargo do funcionário ou agente punido.»
«Artigo 70º
(Início de produção de efeitos das penas)
1 – As decisões que apliquem penas disciplinares não carecem de publicação no Diário da República, começando a pena a produzir os seus efeitos legais no dia seguinte ao da notificação do arguido ou, não podendo este ser notificado, 15 dias após a publicação de aviso nos termos do nº 2 do artigo 59º. [[29]]
2 – A vacatura de lugar ou cargo em consequência da aplicação das penas de aposentação compulsiva e demissão será publicada na 2ª série do Diário da República.»

Do regime enunciado ressalta que a pena disciplinar de aposentação compulsiva se traduz na passagem obrigatória do funcionário à situação de aposentado (artigo 12º, nº 7). Como salienta MANUEL LEAL-HENRIQUES ([30]), trata-se do «afastamento definitivo de funcionário, por imposição, do exercício efectivo de funções, sendo colocado na situação de aposentado, com direito à pensão correspondente ao tempo de serviço prestado». Mas note-se que o legislador também afirma que essa aposentação terá lugar «nos termos e nas condições estabelecidos no Estatuto da Aposentação» (artigo 13º, nº 10) e desde que «verificado o condicionalismo exigido pelo Estatuto da Aposentação» (artigo 26º, nº 5).

Tenha-se ainda presente que a pena de aposentação compulsiva tem aplicação em situações de «quebra incurável na relação funcional» ([31]), ou seja, em que a infracção disciplinar se reveste de tal gravidade que não é mais viável a manutenção ao serviço do funcionário punido (artigo 26º, nos 1 e 3).

Ora, torna-se evidente, neste caso, a necessidade de o funcionário cessar o exercício de funções logo após a notificação formal da aplicação dessa pena – como decorre, aliás, para qualquer das penas previstas, da regra geral estabelecida no artigo 70º, nº 1, do Estatuto Disciplinar ([32]).

Neste quadro, compreende-se que o exercício de funções pelo funcionário, depois da produção de efeitos de pena que implique a demissão ou a suspensão de funções, integre a prática do crime de usurpação de funções, nos termos do artigo 358º, alínea c), do Código Penal ([33]).


4. Posto isto, e munidos dos elementos normativos e doutrinais que vimos de recensear, regressemos ao caso concreto.


IV


1. Não se dispõe de dados completos sobre a tramitação do processo de aposentação de que foi objecto a funcionária visada, mas, tendo em conta o regime comum traçado no artigo 84º e seguintes do Estatuto da Aposentação, é possível conjecturar com alguma segurança sobre o ocorrido.

Com efeito, o Estatuto da Aposentação não contempla um procedimento específico para a aposentação compulsiva – pelo que necessariamente terá sido adoptada a tramitação comum prevista naquelas disposições. Aliás, o EA coloca a aplicação de pena expulsiva como uma causa, a par de outras, da aposentação [artigos 37º, nº 2, alínea c), e 43º, nº 1, alínea d)] e integra expressamente na tramitação do processo de aposentação, regulado nos seus artigos 84º a 111º, tanto a aposentação voluntária como a aposentação obrigatória (caso da aposentação compulsiva), ao estabelecer, no nº 1 do artigo 84º, que «[o] processo de aposentação inicia-se com base em requerimento do interessado ou em comunicação dos serviços de que o mesmo dependa».

A única especialidade relativa à aposentação compulsiva decorre do artigo 42º desse Estatuto, que prevê uma informação da CGA anterior à aplicação da pena no sentido de que «o subscritor reúne o pressuposto do tempo de serviço exigível, nos termos do artigo 37º, para a aposentação ordinária» (nº 2).

Como refere CÂNDIDO DE PINHO, depois de salientar que a aposentação compulsiva só pode ser aplicada se o infractor tiver o mínimo de 5 anos de subscritor (nos termos do artigo 37º, nº 2, do EA), «[i]sto significa que, antes que o procedimento disciplinar culmine com a aplicação da pena (…), se os factos apurados aconselharem a subsunção à previsão legal punitiva (cfr. art. 26º, nº 1, do ED), deve averiguar-se junto da Caixa se o funcionário dispõe daquele tempo. Se sim, poderá o órgão competente aplicar essa pena; na hipótese contrária, será aplicada a pena de demissão (cfr. art. 26º, nº 10, do ED)» ([34]).

Assim, seguramente, terá havido, no decurso do processo disciplinar, uma comunicação entre os serviços da funcionária e a CGA no sentido de apurar se aquela dispunha do tempo necessário para lhe ser aplicada a pena de aposentação compulsiva e, perante uma resposta afirmativa, terá sido aplicada tal pena – informação essa que se reflectiu no subsequente processo de aposentação (e dele veio a constar).

Dos dados fornecidos deduz-se ainda que a funcionária visada pela pena de aposentação compulsiva deixou de prestar funções no momento da aplicação efectiva da pena (produção de efeitos em 31 de Dezembro de 2002) e que o processo de aposentação a ela respeitante culminou com uma resolução final de concessão da aposentação e de atribuição de uma pensão definitiva de aposentação (produção de efeitos em 17 de Outubro de 2003).

Houve, assim, uma resolução final, lavrada nos termos do artigo 97º, nº 1, do EA, e uma comunicação dessa resolução final aos serviços onde a funcionária exerceu funções, em conformidade com o artigo 99º, nº 1, do EA. E ocorreu posteriormente a publicação da respectiva aposentação, pela forma prevista no artigo 100º, nº 1, do EA, após a qual passou a beneficiar da pensão definitiva de aposentação.

Perante as normas citadas, é de concluir que em todo este processo terá, necessariamente, ocorrido um momento em que operou o efeito de desligação do serviço – e a partir do qual passou a interessada à situação de aposentanda (ou de desligada do serviço a aguardar aposentação) e a ser-lhe devida uma pensão transitória de aposentação, como decorre do disposto nos nos 2 e 3 do artigo 99º do EA.

A questão suscitada resume-se, pois, ao apuramento do momento a partir do qual a funcionária visada se deve considerar desligada do serviço e à determinação da entidade responsável pelo pagamento da devida pensão transitória de aposentação.


2. Quanto ao momento em que se inicia a situação de desligação do serviço aguardando aposentação, pronunciou-se genericamente JOÃO ALFAIA, começando por admitir três possibilidades, à luz de outras tantas disposições aparentemente contraditórias do Estatuto da Aposentação.

São as seguintes: o «momento até ao qual é contado o tempo de serviço para efeitos de aposentação», definido pelo artigo 33º, nº 2, do EA; o «momento do recebimento, pelos serviços, da comunicação da resolução da Caixa no sentido da desligação do serviço aguardando aposentação», aludido no artigo 99º, nº 2, do EA; e o momento da «publicação da desligação do serviço», prevista no artigo 100º, nº 2, do EA, e que ocorre antes da publicação da lista de aposentados mencionada no nº 1 da mesma disposição ([35]).

Embora o citado nº 2 do artigo 99º do EA refira, na sua letra, que «o subscritor é desligado do serviço» com base na comunicação da resolução final da Caixa aos serviços onde o subscritor exerça funções, a menção do artigo 33º, nº 2, à cessação da contagem de tempo de serviço para efeitos de aposentação em momento anterior não permite considerar que os efeitos da desligação só se produzem a partir dessa comunicação.

A forma de conciliar essas três disposições é assim proposta por JOÃO ALFAIA: «a situação de desligação do serviço verifica-se a partir do momento em que é recebida, nos serviços a que o funcionário ou agente pertence, a comunicação da resolução da Caixa nesse sentido; mas tal desligação do serviço produz efeitos retroactivos à data em que cessou a contagem de tempo de serviço para efeitos de aposentação», sendo a publicação prevista no artigo 100º, nº 2, «uma formalidade não essencial com o mero carácter de registo da situação em causa e com efeitos erga omnes» ([36]).

Ou seja, com a cessação da contagem de tempo de serviço para efeitos de aposentação (artigo 33º, nº 2), finda a situação de subscritor, «passando o funcionário ou agente a inserir-se numa nova situação que só poderá ser a de desligado do serviço aguardando aposentação» ([37]).

E entre os motivos dessa cessação inscreve a alínea a) do nº 2 do artigo 33º «[q]ualquer dos factos previstos no nº 1 do artigo 43º», sendo tais factos os seguintes: o reconhecimento do direito à aposentação voluntária que não dependa de verificação de incapacidade [alínea a)]; a declaração de incapacidade (ou homologação do respectivo parecer) [alínea b)]; o limite de idade [alínea c)]; a decisão que aplica pena expulsiva ou a condenação penal definitiva de que resulte demissão ou situação equivalente [alínea d)].

O que significa que a qualquer dessas hipóteses se aplica o mesmo regime, no que tange à desligação do serviço e estatuto de aposentando (artigo 99º).

Daqui se infere que a aplicação da pena de aposentação compulsiva – hipótese que especificamente nos ocupa – produz, no momento da sua concretização, o efeito de desligação do serviço do funcionário visado [artigo 43º, nº 1, alínea d), primeira parte, ex vi do artigo 33º, nº 2, alínea a), do EA], passando este à situação de aposentando, até ao momento da produção dos efeitos da publicação da aposentação (artigo 100º, nº 1), com direito a receber uma pensão transitória de aposentação, correspondente ao período de pré-aposentação que medeia entre esses dois momentos.

Cumpre, pois, averiguar – consequencialmente – se, também na hipótese de aposentação compulsiva, se deverá dar cumprimento ao disposto no nº 3 do artigo 99º, cuja aplicação às situações de aposentação voluntária é pacífica. Ou seja, trata-se de saber se também neste caso a desligação do serviço implica abertura de vaga e a necessidade de se prever, no orçamento do serviço, uma verba destinada ao pessoal fora do serviço aguardando aposentação, de forma a suportar o novo encargo com a pensão transitória de aposentação do funcionário desligado.


3. Colhe-se da presente consulta que algumas entidades ouvidas sobre a matéria têm sustentado a tese de que o aposentado compulsivamente adquire de imediato o estatuto de aposentado, sem passar pela situação de aposentando com direito a uma pensão transitória de aposentação, e que essa solução encontraria abrigo na referência dos artigos 99º, nº 3, e 73º, nº 2, do Estatuto da Aposentação a «lei especial», a qual se consubstanciaria nos artigos 12º, nº 7, e 70º, nº 1, do Estatuto Disciplinar.

Olhando à letra do nº 3 do artigo 99º do EA, vê-se claramente que a ressalva de «lei especial» é mencionada por contraponto ao regime descrito nesse preceito como consequência da desligação do serviço (abertura de vaga e previsão de verba no orçamento do serviço para pagamento de pensão transitória de aposentação). Isto é, remete-se para a eventual existência de um regime diverso consequente da desligação do serviço, que afastaria a aplicação do artigo 99º, nº 3, e que introduziria um quadro alternativo de efeitos dessa desligação. E o nº 2 do artigo 73º do EA limita-se a confirmar que, diante da referida lei especial, essa desligação do serviço excluirá a existência de uma fase transitória de pré--aposentação ([38]).

A questão está, pois, em saber se, no caso da aposentação compulsiva, o Estatuto Disciplinar estabelece esse quadro alternativo de efeitos da desligação do serviço. Ora, em vão se procurará esse regime diverso.

O nº 7 do artigo 12º do ED apenas caracteriza a pena de aposentação compulsiva como uma passagem forçada à situação definitiva de aposentado – o que, só por si, não exclui a interposição de uma fase transitória de pré-aposentação. E o nº 1 do artigo 70º do ED define tão-só o início da produção dos efeitos das penas disciplinares, o que – no caso da aposentação compulsiva – tem essencial reflexo, como vimos, na cessação do exercício de funções.

Pelo contrário, encontramos disposições que reforçam o entendimento de que, em matéria de efeitos da desligação do serviço na sequência da aplicação da pena de aposentação compulsiva, rege plenamente o Estatuto da Aposentação.

Assim, o nº 10 do artigo 13º do ED estabelece claramente que a aposentação compulsiva opera «nos termos e nas condições estabelecidos no Estatuto da Aposentação» e o nº 5 do seu artigo 26º impõe a verificação do «condicionalismo exigido pelo Estatuto da Aposentação».

Nesta dimensão sistemática, ganham mais vasto e coerente sentido as citadas normas do Estatuto Disciplinar e do Estatuto da Aposentação.

De tudo se extraem as seguintes conclusões nucleares quanto aos efeitos da aplicação da pena de aposentação compulsiva no estatuto de aposentação do visado:

a) a desligação do serviço formaliza-se com a comunicação ao respectivo serviço da resolução final do processo de aposentação, mas os seus efeitos retroagem ao momento da decisão de aplicação da pena expulsiva;

b) com a desligação passa o interessado à situação de aposentando, até ao momento da produção dos efeitos da publicação da aposentação, com direito a receber uma pensão transitória de aposentação;

c) cabe ao serviço em que o subscritor tenha exercido funções proceder ao pagamento da pensão transitória de aposentação, através de verba destinada, no orçamento desse serviço, ao pessoal que se encontre em situação de desligado do serviço a aguardar aposentação.

E sublinhe-se ainda que a necessidade de uma resolução final da CGA no âmbito do processo de aposentação, concedendo a aposentação e fixando a pensão definitiva (artigos 97º, nº 1, e 100º, nº 1, proémio, do EA), não significa que não seja plenamente eficaz e definitiva a decisão de aplicação da pena de aposentação compulsiva, proferida no processo disciplinar ([39]).

A intervenção da CGA não se situa no plano do exercício do poder disciplinar (diferentemente do que sucede com a entidade titular do processo disciplinar), mas apenas no plano da verificação formal dos pressupostos da aposentação ([40]).

Como já afirmou este corpo consultivo noutras ocasiões em que também estava em causa a aplicação de pena expulsiva ([41]), «não é função da Caixa (…) conceder aposentações, mas, tão-somente, verificar os seus pressupostos». E, mais especificamente, declarou-se: «A Caixa Geral de Aposentações, na hipótese de aposentação compulsiva, não confere ou determina a aposentação dos seus subscritores, apenas definindo o eventual direito deles à pensão de aposentação e fixando o quantitativo desta (…)» ([42]).


4. De todo o modo, reconhece-se alguma dificuldade prática em dar execução, no caso da aposentação compulsiva, ao regime emergente do nº 3 do artigo 99º do EA, por confronto com as vulgares situações de aposentação voluntária.

4.1. Com efeito, na aposentação compulsiva – diferentemente do que sucede na aposentação voluntária – o funcionário cessa, em regra, o exercício de funções «no dia seguinte ao da notificação» pessoal da aplicação dessa pena (artigo 70º, nº 1, do Estatuto Disciplinar), por a infracção que fundamenta a pena inviabilizar a manutenção da relação funcional, pelo que decorrerá, em princípio, algum tempo entre a decisão de aplicação da pena com a consequente cessação de funções (que releva como limite final da contagem do tempo de serviço) e a comunicação da resolução final do processo de aposentação.

Já na aposentação voluntária o funcionário prossegue em funções até à comunicação da resolução final da CGA, pelo que, em princípio, coincidirão praticamente no tempo, por um lado, o momento da cessação do exercício de funções e a comunicação dessa resolução final e, por outro, essa mesma resolução final (ou seja, o despacho que reconhece o direito à aposentação voluntária e que, nesse caso, releva como limite final da contagem do tempo de serviço).

Nesta última hipótese, não haverá, em regra, nem qualquer interrupção na percepção das verbas devidas ao funcionário, nem cumulação de pagamentos: enquanto estiver em funções vai recebendo as quantias a que tem direito a título de remuneração; depois de cessar funções com a comunicação da resolução final, deixa de receber remuneração e passa a receber pensão transitória de aposentação, ambas a cargo do seu serviço, sucedendo naturalmente uma situação à outra.

Porém, no caso da aposentação compulsiva – e porque vai ocorrer um inevitável hiato entre o momento da cessação do exercício de funções (até ao qual o funcionário vai auferindo remuneração) e o momento da comunicação da resolução final (só a partir da qual se passa a poder fixar o montante preciso da pensão transitória de aposentação, conforme evidencia a letra do nº 3 do artigo 99º do EA) –, é muito provável que ocorra uma quebra no pagamento de verbas ao funcionário: na medida em que este cessou funções, não pode continuar a auferir remuneração; e o seu serviço tenderá a considerar que não lhe deve pagar a pensão transitória de aposentação enquanto não receber a comunicação da resolução final do processo de aposentação.

Foi, aliás, devido a um entendimento fundado neste ponto de vista que, no caso concreto que motiva a consulta, a CCDR do Algarve deixou de pagar qualquer quantia à funcionária visada pela pena de aposentação compulsiva.

É claro que, a haver a referida interrupção de pagamentos, não deixará o serviço em causa de ter a obrigação, perante a comunicação da resolução final, de prestar globalmente a totalidade das verbas devidas a título de pensão transitória de aposentação, respeitantes a todo o período de tempo que mediar entre o momento da cessação do exercício de funções e o momento dessa comunicação da resolução final. Isso decorrerá, necessariamente, da aplicação plena do artigo 99º, nº 3, do EA – e essa será a solução a adoptar no caso concreto.

De todo o modo, não deixa de se salientar que um tal entendimento, ao redundar numa perda temporária (e eventualmente prolongada) de meios de subsistência, pode representar uma significativa penosidade pessoal para o funcionário visado ([43]).

É esta circunstância que explica, no caso sub iudicio, a preocupação da DGAP em sugerir, na Orientação Técnica nº 2/DGAP/2004, que seja conferido «carácter de urgência ao processo de fixação do valor da pensão transitória dos funcionários punidos com pena de aposentação compulsiva, de forma a reduzir ou evitar a existência de hiatos entre o início da produção de efeitos da pena e o do pagamento da pensão transitória».

4.2. A solução que se apresenta assenta, pois, em três vectores: interrupção de pagamentos (no momento da cessação de funções); posterior percepção global de verbas (após a comunicação da resolução final); e uma pretensão voluntarista de aceleração processual.

Poderia, porventura, conceber-se uma solução alternativa ao modelo proposto.

Importa aqui convocar, por contraponto, uma hipótese equacionada por JOÃO ALFAIA. O autor refere a possibilidade de haver situações em que haja «um período de tempo para além do facto determinante da aposentação durante o qual tem lugar a situação anómala de o funcionário ou agente continuar a prestar obrigatoriamente serviço não obstante tal período vir a ser abrangido retroactivamente pela situação de aposentando» ([44]) – ou seja, em que o funcionário continua no exercício de funções para além do momento a que irá retroagir a sua desligação do serviço (e a partir do qual tem direito a uma pensão transitória de aposentação). Neste caso o subscritor continuou a receber remuneração (por se encontrar em funções) durante um período de tempo em que já lhe cabia auferir a pensão transitória, havendo uma sobreposição das condições de aposentando e de prestador de serviço.

A solução encontrada, na prática, para essa cumulação potencial de pagamentos tem sido, segundo JOÃO ALFAIA, a de efectuar um acerto de contas, em que sobreleva o valor da pensão transitória: se esta for de montante inferior ao da remuneração recebida pelo funcionário, tem-se entendido que este terá de «fazer a reposição do excesso» ([45]), com base numa aplicação imprópria do nº 4 do artigo 99º, já que este prevê uma reposição de diferenças em caso de divergência de valores entre pensão transitória e pensão definitiva ([46]), quando na hipótese considerada estará em causa uma discrepância entre o valor da remuneração e o valor da pensão transitória ([47]).

Note-se que a situação analisada pelo referido autor tem em comum com a de aposentação compulsiva que agora nos ocupa o facto de, também aí, a pensão transitória de aposentação ser devida em relação a um momento anterior ao da comunicação da resolução final (e ao da consequente definição do valor da pensão). E, naquele caso, o pagamento efectuado ao subscritor nesse período prévio acaba por funcionar como uma antecipação da pensão transitória, aferida pelo valor da remuneração, pelo que, verificando-se posteriormente ser esta superior, se imporá o aludido acerto de contas, com reposição do excesso.

Ora, por um raciocínio de analogia, poderia pretender-se que, no caso da aposentação compulsiva, o serviço onde o funcionário exerceu funções deveria continuar a processar a anterior remuneração até à comunicação da resolução final do processo de aposentação, a título de antecipação da pensão transitória, sendo que, depois de fixado o valor definitivo desta, se faria o adequado acerto de contas, com reposição do eventual excesso.

Ainda que se admitisse a possibilidade de uma tal solução ser adoptada na prática, com vantagem para o funcionário ([48]) e sem prejuízo para a entidade responsável pelo pagamento ([49]), não se poderia deixar, no entanto, de reconhecer que esse procedimento não teria conforto legal bastante ([50]).

Com efeito, afigura-se que o legislador não terá acautelado suficientemente a ocorrência – em caso de aposentação compulsiva – de interrupção na percepção de verbas por parte do funcionário, entre o momento da cessação do exercício de funções e o momento da comunicação da resolução final do processo de aposentação, mediante a previsão de um regime legal que estabelecesse, de forma expressa, o procedimento adequado ao pagamento atempado e periódico da pensão transitória durante o período que antecede essa comunicação.

Estaremos, pois, num domínio em que se justificaria uma intervenção legislativa que pudesse corrigir a deficiência apontada.


V


Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1ª) Em caso de aplicação a funcionário da pena disciplinar de aposentação compulsiva, a desligação do serviço formaliza-se com a comunicação ao respectivo serviço da resolução final do processo de aposentação, mas os seus efeitos retroagem ao momento da decisão de aplicação da pena expulsiva, nos termos das disposições combinadas dos artigos 33º, nº 2, alínea a), 43º, nº 1, alínea d), primeira parte, e 99º, nº 2, do Estatuto da Aposentação;

2ª) Na decorrência dessa desligação, passa o interessado à situação de aposentando, até ao momento da produção dos efeitos da publicação da aposentação, com direito a receber uma pensão transitória de aposentação, em conformidade com o disposto no artigo 99º, nº 3, do referido Estatuto;

3ª) Consequentemente, o pagamento das quantias assim devidas, a título de pensão transitória de aposentação, constitui responsabilidade do serviço em que o subscritor tenha exercido funções, através de verba destinada, no âmbito desse serviço, ao pessoal que se encontre em situação de desligado do serviço a aguardar aposentação.





([1]) Através de ofício datado de 19 de Setembro de 2005, com registo de entrada na Procuradoria-Geral da República no dia 21 subsequente. O ofício foi feito acompanhar de cópias das diferentes tomadas de posição que várias entidades emitiram sobre a questão suscitada, e cujo teor se sumaria infra no corpo do parecer. Trata-se, concretamente, das seguintes peças: Recomendação nº 6/A/2004 do Provedor de Justiça (enviada ao Presidente da CCDR do Algarve por ofício, sob o nº 6211, de 7 de Abril de 2004); Orientação Técnica nº 2/DGAP/2004 da Directora-Geral da Administração Pública (de 3 de Junho de 2004); Informação nº 564/DSAF, subscrita por jurista da CCDR do Algarve (de 28 de Julho de 2004); e Informação nº 280/AJ/2005, subscrita por consultora jurídica da Auditoria Jurídica do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional (de 25 de Agosto de 2005).
([2]) Datada de 2 de Maio de 2003 e em que invocava a «situação de dificuldade e manifesta carência» em que a tinha deixado aquela orientação dos seus serviços.
([3]) Através do ofício nº 6211, de 7 de Abril de 2004.
([4]) Datada de 3 de Junho de 2004.
([5]) Através da Informação nº 564/DSAF, de 28 de Julho de 2004.
([6]) Através da Informação nº 280/AJ/2005, de 25 de Agosto de 2005.
([7]) V., por todos, os Pareceres nos 13/99, de 29 de Maio de 2002 [Diário da República (DR), II Série, de 20 de Setembro de 2002], 1/2003, de 13 de Fevereiro de 2003 (in DR, II Série, de 7 de Junho de 2003), e 165/2003, de 26 de Fevereiro de 2004 (in DR, II Série, de 10 de Abril de 2004) – que na exposição subsequente seguiremos, em diversos trechos, de muito perto.
([8]) Acompanhamos em todo este ponto, quase sempre textualmente, o Parecer nº 165/2003.
([9]) ILÍDIO DAS NEVES, Direito da Segurança Social, Coimbra Editora, Coimbra, 1996, p. 805.
([10]) Para JOÃO ALFAIA (Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público, 2º volume, Almedina, Coimbra, 1988, p. 1056), a aposentação é antes de mais uma «instituição de previdência», mas dada a sua natureza jurídica complexa, é também uma «modalidade de desocupação de lugares e reflexamente modalidade de extinção da relação jurídica de emprego», «pena disciplinar expulsiva», e «situação jurídica», como conjunto que é de direitos, deveres e incompatibilidades.
([11]) Rectificado por Declaração publicada no DR, I Série, de 13 de Janeiro de 1973, e alterado pelo Decreto-Lei nº 508/75, de 20 de Setembro, Decreto-Lei nº 543/77, de 31 de Dezembro, Decreto-Lei nº 191-A/79, de 25 de Junho, Decreto-Lei nº 75/83, de 8 de Fevereiro, Decreto-Lei nº 101/83, de 18 de Fevereiro, Decreto-Lei nº 214/83, de 25 de Maio, Decreto-Lei nº 182/84, de 28 de Maio, Decreto-Lei nº 198/85, de 25 de Junho, Decreto-Lei nº 20-A/86, de 13 de Fevereiro, Decreto-Lei nº 215/87, de 29 de Maio, Lei nº 30-C/92, de 28 de Dezembro, Lei nº 75/93, de 20 de Dezembro, Decreto-Lei nº 78/94, de 9 de Março, Decreto-Lei nº 180/94, de 29 de Junho, Decreto-Lei nº 223/95, de 8 de Setembro, Decreto-Lei nº 28/97, de 23 de Janeiro, Decreto-Lei nº 241/98, de 7 de Agosto, Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro, Decreto-Lei nº 8/2003, de 18 de Janeiro, Lei nº 1/2004, de 15 de Janeiro, Decreto-Lei nº 179/2005, de 2 de Novembro, e Lei nº 60/2005, de 29 de Dezembro. Para uma visão geral do diploma, com anotações aos respectivos artigos, cfr. ANTÓNIO JOSÉ SIMÕES DE OLIVEIRA, Estatuto da Aposentação Anotado e Comentado, Atlântida Editora, Coimbra, 1973, e JOSÉ CÂNDIDO DE PINHO, Estatuto da Aposentação. Anotado – Comentado – Jurisprudência, Almedina, Coimbra, 2003.
([12]) Idem, p. 1055.
([13]) Cfr. entrada «Aposentação», in Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol. I, 2ª ed., Lisboa, 1990, pp. 401 ss.
([14]) JOÃO ALFAIA, Conceitos…, cit., p. 1070.
([15]) Idem, ibidem.
([16]) Idem, p. 1071.
([17]) Esta redacção do nº 3 foi introduzida pelo Decreto-Lei nº 191-A/79, de 25 de Junho. O anterior texto era do seguinte teor: «Salvo lei especial em contrário, o subscritor desligado do serviço não abre vaga e fica com direito a receber, pela verba destinada ao pessoal na efectividade, pensão transitória de aposentação, fixada de harmonia com a comunicação da Caixa, a partir do termo dessa efectividade.»
([18]) O Decreto-Lei nº 191-A/79, ao dar nova redacção ao nº 3 do artigo 99º, inscreveu uma menção aos nos 1 e 2 do preceito, indicativa da sua manutenção, mas omitiu idêntica referência ao nº 4, cuja redacção subsistia desde a versão originária do diploma. Essa omissão pode significar uma intenção de revogação desse nº 4, embora pouco compreensível, na medida em que o diploma de 1979 não introduz qualquer norma que venha regular diversamente a matéria tratada em tal dispositivo e porquanto continua a justificar-se o seu conteúdo como complemento do disposto no nº 2 do artigo 97º. Deste ponto de vista, dever-se-á a mero lapso do legislador de 1979 a mencionada omissão da referência ao nº 4 do artigo 99º. A dúvida assim criada tem levado a que essa norma nem sempre figure nas diferentes colectâneas de legislação respeitantes ao Estatuto da Aposentação. Assim, CÂNDIDO DE PINHO incluiu-a na sua citada colectânea de 2003, o que já não sucedeu, v.g., na de CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA (Legislação da Função Pública, Coimbra Editora, Coimbra, 2001). Também JOÃO ALFAIA a aceitou implicitamente como vigente na sua citada obra de 1988, na medida em que analisou o seu âmbito de aplicação, como se verá infra.
([19]) Alterado pelos Decretos-Leis nos 407/91, de 17 de Outubro, 102/96, de 31 de Julho, e 218/98, de 17 de Julho e pelas Leis nos 23/2004, de 22 de Junho, e 60-A/2005, de 30 de Dezembro.
([20]) Passamos agora a acompanhar, essencialmente, o Parecer nº 13/99.
([21]) Conceitos…, cit., p. 1045. Mais adiante, o autor caracteriza-a como «uma situação de pré-aposentação (…)» (p. 1046).
([22]) Já não assim, hoje, porquanto, nos termos do citado artigo 28º, nº 1, do Decreto-Lei nº 427/89, a relação jurídica de emprego dos funcionários e agentes extingue-se, v. g., por desligação do serviço para efeito de aposentação.
([23]) JOÃO ALFAIA, Conceitos…, cit., p. 1046.
([24]) JOÃO ALFAIA, idem, pp. 1045-1047.
([25]) Do Parecer nº 89/84, de 20 de Dezembro de 1984 (DR, II Série, de 17 de Setembro de 1985).
([26]) Ibidem.
([27]) JOÃO ALFAIA, Conceitos…, cit., pp. 1050 e 1054.
([28]) Rectificado por Declaração publicada no DR, I Série, de 30 de Abril de 1984.
([29]) Esta última previsão refere-se às situações em que o arguido se encontra «ausente em parte incerta» (cfr. artigo 59º, nº 2, do ED).
([30]) Procedimento Disciplinar, 4ª ed., Rei dos Livros, Lisboa, 2002, p. 185.
([31]) A expressão é de MANUEL LEAL-HENRIQUES, ob. cit., p. 185.
([32]) Além disso, a aplicação de pena disciplinar expulsiva tem como efeito a cessação da relação jurídica de emprego público, nos termos do citado artigo 28º, nº 1, do Decreto-Lei nº 427/89.
([33]) Sobre este ponto, v. MANUEL LEAL-HENRIQUES, ob. cit., p. 395.
([34]) Ob. cit., pp. 155-156.
([35]) JOÃO ALFAIA, Conceitos…, cit., pp. 1047-1048.
([36]) Conceitos…, cit., pp. 1049-1050.
([37]) JOÃO ALFAIA, Conceitos…, cit., p. 1049.
([38]) CÂNDIDO DE PINHO sugere interpretação coincidente com a que aqui se sustenta ao afirmar que «a situação jurídica de aposentação obter-se-á imediatamente logo após o desligamento do serviço sempre que lei especial o preveja» (ob. cit., pp. 155-156). A previsão terá de ser, pois, expressa e consubstanciada num regime alternativo.
([39]) Sem prejuízo do regime de recursos e de revisão do processo, previsto nos artigos 73º a 83º do ED.
([40]) Complementando, aliás, a intervenção prévia já antes verificada, ao abrigo do citado artigo 42º, nº 2, do EA.
([41]) Cfr. os Pareceres nos 6/77, de 17 de Fevereiro de 1977, e 233/77, de 24 de Novembro de 1977 (DR, II série, de 20 de Março de 1978).
([42]) Assim também reconhecendo, implicitamente, que à aposentação compulsiva se aplica a tramitação comum do processo de aposentação.
([43]) Independentemente do juízo de censura que possa merecer a conduta disciplinar desse funcionário – mas que não pode restringir o direito que a lei lhe confere a uma pensão de aposentação.
([44]) JOÃO ALFAIA, Conceitos…, cit., p. 1053.
([45]) Idem, ibidem.
([46]) Trata-se de situação que pode ocorrer quando é fixado um valor provisório da pensão transitória, por «dúvidas sobre matéria que possa influir no montante da pensão», ao abrigo do disposto no artigo 97º, nº 2, do EA.
([47]) JOÃO ALFAIA acaba por discordar dessa solução prática de acerto de contas, alegando «errada aplicação do disposto no nº 4 do artigo 99º», e vem a sustentar a «cumulatividade da pensão transitória de aposentação com as remunerações recebidas», sob pena de ocorrer «enriquecimento sem causa por parte da Administração» (Conceitos…, cit., pp. 1053-1054).
([48]) Que não sofreria a referenciada perda temporária de meios de subsistência.
([49]) Que sempre teria a seu cargo o pagamento da pensão transitória e que facilmente reaveria o que porventura tivesse pago em excesso.
([50]) Manifestamente se extravasa o âmbito de aplicação do nº 4 do artigo 99º do EA, como se evidenciou supra.