Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00003451
Parecer: P000062018
Nº do Documento: PPA180520180062018
Descritores: SISTEMA NACIONAL DE GÁS NATURAL
TARIFA SOCIAL
PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR
FINANCIAMENTO
REPARTIÇÃO DE CUSTOS
CAVALEIRO ORÇAMENTAL
CONFLITO DE NORMAS
REVOGAÇÃO TÁCITA DA LEI
GÁS NATURAL
DISTRIBUIÇÃO
TRANSPORTE
COMERCIALIZAÇÃO
VOLUME COMERCIALIZADO
Livro: 00
Numero Oficio: 988
Data Oficio: 02/22/2018
Pedido: 03/23/2018
Data de Distribuição: 03/01/2018
Relator: MANUELA FLORES
Sessões: 02
Data da Votação: 05/18/2018
Tipo de Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Sigla do Departamento 1: SEE
Entidades do Departamento 1: SECRETÁRIO DE ESTADO DA ENERGIA
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 05/21/2018
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 11/06/2018
Nº do Jornal Oficial: 111
Nº da Página do Jornal Oficial: 16336
Indicação 2: ASSESSORA: SUSANA PIRES DE CARVALHO
Área Temática:DIR ADM*ADM PUBL
Legislação:L114/2017 DE 29/12 ART209 ART210 ART280; DL 101/2011 DE 30/03; DL30/2006 DE 15/02; DL77/2011 DE 20/06; DL101/2011 DE 30/09; L7-A/2012 DE 30/03 ART200 N1 N2; RCM33-A/2016 DE 09/06; DESP3229/2017 DE 18/04; CONST76 ART165 N5; L91/2001 DE 20/08 ART30 ART31; L151/2015 DE 11/09 ART41; REG416/2016 DE 29/04; REG225/2018 DE 16/04
Direito Comunitário:DIR 2003/55/CE PE CONS
DIR 98/30/CE PE CONS
DIR 2009/73/CE PE CONS
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:AC TCONST N461/87 DE 16/12
AC TCONST N358/92 DE 11/11
AC TCONST N141/2002 DE 09/04
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:PPL 100/XIII/3ª

Conclusões:
1.ª — Na senda das orientações europeias presentes no Decreto-Lei n.º 77/2011, de 20 de junho, foi emitido o Decreto-Lei n.º 101/2011, de 30 de setembro, que criou a tarifa social de fornecimento de gás natural;

2.ª — O artigo 209.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2018), veio estatuir que os custos decorrentes da aplicação da tarifa social aos clientes de gás natural são suportados pelas empresas transportadoras e comercializadoras de gás natural na proporção do volume comercializado de gás no ano anterior;

3.ª — Aquele artigo apresenta-se como uma norma com manifesta vocação de aplicação intemporal, revestindo prevalentemente a natureza de medida legislativa conhecida como cavaleiro orçamental — medida que o ordenamento jurídico-constitucional português admite;

4.ª — A solução ali consagrada visa que os custos com a tarifa social do gás natural deixem de ser suportados pelos clientes finais — os consumidores —, como acontecia anteriormente, e passem a ser financiados pelas empresas transportadoras e comercializadoras de gás natural;

5.ª — Assim, o artigo 209.º da Lei n.º 114/2017 revogou tacitamente o n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 101/2011 que fazia repercutir pelos consumidores os custos da tarifa social;

6.ª — De acordo com o estatuído no referido artigo 209.º, o financiamento da tarifa social deve ser imputado, na proporção do gás, respetivamente, comercializado no ano anterior, a todas as empresas que procedam ao transporte e à comercialização de gás natural, em conformidade com o definido, desde logo, no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 30/2006, de 15 de fevereiro;

7.ª — Assim, deve aqui ser considerado como transporte de gás toda a veiculação de gás quer se faça através de uma rede interligada de alta pressão quer se faça através de redes de distribuição;

8.ª — E, para efeitos de repartição dos custos decorrentes da aplicação da tarifa social, há de considerar-se o respetivo volume de entregas/fornecimento de gás no ano anterior;

9.ª — Face à norma constante do artigo 209.º, em apreço, o financiamento dos custos com a tarifa social do gás natural não é suscetível de repercussão nas tarifas dos consumidores do gás natural.

Texto Integral:


Senhor Secretário de Estado da Energia,
Excelência:




I


Solicitou Vossa Excelência a emissão de parecer deste Conselho Consultivo sobre a tarifa social do gás natural.

No pedido de parecer foram indicadas as seguintes questões:

«1.ª A vigência da norma contida no artigo 209.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2018, está sujeita à regra da anualidade própria das normas orçamentais, terminando, neste caso, a sua vigência a 31 de dezembro de 2018?

Sendo afirmativa,

2.ª O artigo 209.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, constitui uma alteração tácita ao artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 101/2011, de 30 de setembro, com a redação dada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março?

3.ª O artigo 209.º, da Lei que aprovou o Orçamento do Estado para 2018, determina que os custos decorrentes da aplicação da tarifa social aos clientes de gás natural são suportados pelas empresas transportadoras e comercializadoras de gás natural na proporção do volume comercializado de gás no ano anterior.

Face aos intervenientes no setor do gás natural passíveis de integrar o conceito de empresa transportadora e de comercializador, quais os abrangidos pelo artigo 209.º, da Lei que aprovou o Orçamento do Estado para 2018?

4.ª Qual a proporção do volume comercializado de gás no ano anterior ou repartição entre transportadores e comercializadores deve ser aplicado face ao disposto na lei, em particular no artigo 209.º, da Lei que aprovou o Orçamento do Estado para 2018?

5.ª São repercutíveis nas tarifas de acesso às redes ou, de qualquer outra forma, nos consumidores de gás natural, os valores suportados pelas empresas transportadoras e comercializadoras de gás?»

Cumpre, pois, emitir o parecer.

II


1. Face à sua relevância na presente consulta, reproduz-se, desde já, o artigo 209.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, que aprova o Orçamento do Estado para 2018 (OE 2018):
«Artigo 209.º

Custos com a tarifa social do gás natural
Os custos decorrentes da aplicação da tarifa social aos clientes de gás natural, nos termos do artigo 121.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, e do Despacho n.º 3229/2017, de 18 de abril, são suportados pelas empresas transportadoras e comercializadoras de gás natural na proporção do volume comercializado de gás no ano anterior.»


2. Importa, contudo, fazer um breve traçado do normativo atinente à matéria do gás natural.

Assim, o Decreto-Lei n.º 30/2006, de 15 de fevereiro[1], veio estabelecer «os princípios gerais relativos à organização e ao funcionamento do Sistema Nacional de Gás Natural (SNGN), bem como ao exercício das atividades de receção, armazenamento, transporte, distribuição e comercialização de gás natural, e à organização dos mercados de gás natural, transpondo, parcialmente, para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.° 2003/55/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, que estabelece regras comuns para o mercado interno de gás natural e que revoga a Diretiva n.° 98/30/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Junho».

Conforme se explicita no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 30/2006:

«Nos últimos 10 anos assistiu-se, ao nível nacional, ao desenvolvimento das infra-estruturas de receção em terminal de gás natural liquefeito (GNL), de armazenamento subterrâneo, de transporte e de distribuição, bem como à utilização do gás natural como uma nova forma de energia. Criaram-se, assim, as condições necessárias ao aprovisionamento, à receção, ao armazenamento, ao transporte, à distribuição e ao consumo de gás natural.»

E mais à frente:

«O presente decreto-lei, concretizando no plano normativo a linha estratégica da Resolução do Conselho de Ministros n.º 169/2005, de 24 de Outubro, define para o setor do gás natural um quadro legislativo coerente e articulado com a legislação comunitária e os principais objetivos estratégicos aprovados na referida resolução. Neste quadro, são estabelecidos os princípios de organização e funcionamento do Sistema Nacional de Gás Natural, bem como as regras gerais aplicáveis ao exercício das atividades de receção, armazenamento e regaseificação de GNL, armazenamento subterrâneo, transporte, distribuição e comercialização, transpondo-se, desta forma, os princípios da Diretiva n.º 2003/55/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, tendo por finalidade o incremento de um mercado livre e concorrencial.


A organização do Sistema Nacional de Gás Natural assenta fundamentalmente na exploração da rede pública de gás natural, constituída pela Rede Nacional de Transporte, Instalações de Armazenamento e Terminais e pela Rede Nacional de Distribuição de Gás Natural. A exploração destas infra-estruturas processa-se através de concessões de serviço público, ou de licenças de serviço público no caso de redes locais autónomas de distribuição. Simultaneamente, nas condições a estabelecer em legislação complementar, permite-se a distribuição privativa de gás natural através de licença para o efeito.»

Sublinha-se, ali, também, que a atividade de distribuição é juridicamente separada da atividade de transporte e das demais atividades não relacionadas com a distribuição — não sendo obrigatória esta separação quando os distribuidores abasteçam um número de clientes inferior a 100 000 —, e a atividade de comercialização de gás natural é livre, ficando, contudo, sujeita a atribuição de licença pela entidade administrativa competente.

Na redação originária do Decreto-Lei n.º 30/2006, a proteção dos consumidores era tratada no artigo 6.º, nos seguintes termos:
«Artigo 6.º

Proteção dos consumidores
1 — Para efeitos do presente decreto-lei, entende-se por consumidor o cliente final de gás natural.
2 — No exercício das atividades objeto do presente decreto-lei, é assegurada a proteção dos consumidores, nomeadamente quanto à prestação do serviço, ao exercício do direito de informação, à qualidade da prestação do serviço, às tarifas e preços, à repressão de cláusulas abusivas e à resolução de litígios, em particular aos consumidores abrangidos pela prestação de serviços públicos considerados essenciais, nos termos da Lei n.º 23/96, de 26 de julho.
3 — As associações de consumidores têm o direito de ser consultadas quanto aos atos de definição do enquadramento jurídico das atividades previstas no presente decreto-lei.»

Mas o Decreto-Lei n.º 77/2011, de 20 de junho, que veio estabelecer regras comuns para o mercado interno do gás natural, transpondo a Diretiva n.º 2009/73/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho[2], e procedendo à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 30/2006, aprofundou os princípios de proteção dos consumidores, designadamente no âmbito do serviço público do fornecimento de gás natural e de proteção do cliente vulnerável.

Assim, no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 30/2006, de acordo com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 77/2011, estabelece-se que «[é] assegurada proteção ao cliente vulnerável através da adoção de medidas de salvaguarda destinadas a satisfazer as suas necessidades de consumo» (n.º 4) e que se entende por cliente vulnerável «as pessoas singulares que se encontrem em situação de carência sócio-económica e que devam ser protegidas, nomeadamente no que respeita a preços» (cfr. n.º 6).

Anote-se, contudo, que aquele artigo 6.º viria a ser alterado pelo Decreto-Lei n.º 230/2012, de 26 de outubro, passando a ter a seguinte redação:
«Artigo 6.º

Proteção dos consumidores
1 — (Revogado)
2 — No exercício das atividades objeto do presente decreto-lei, é assegurada a proteção dos consumidores, nomeadamente quanto à prestação do serviço, ao exercício do direito de informação, à qualidade da prestação do serviço, às tarifas e preços, à repressão de cláusulas abusivas e à resolução de litígios, de acordo com o previsto na Lei n.º 23/96, de 26 de julho, alterada pelas Leis n.os 12/2008, de 26 de fevereiro, 24/2008, de 2 de junho, 6/2011, de 10 de março, e 44/2011, de 22 de junho.
3 — Para os efeitos do disposto no número anterior, são adotados os seguintes mecanismos:

a) Disponibilização de uma plataforma centralizada que preste aos consumidores de energia toda a informação necessária ao exercício dos seus direitos, a indicação da legislação em vigor e os meios de resolução de litígios disponíveis;
b) O tratamento eficiente das reclamações através da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) e a resolução extrajudicial de litígios, nos termos previstos na lei, nomeadamente na Lei n.º 23/96, de 26 de julho, e nos Estatutos da ERSE.

4 — É assegurada proteção aos clientes finais economicamente vulneráveis através da adoção de medidas de salvaguarda destinadas a satisfazer as suas necessidades de consumo.
5 — As associações de consumidores têm o direito de ser consultadas quanto aos atos de definição do enquadramento jurídico das atividades previstas no presente decreto-lei.
6 — (Revogado)»


3. Na senda das orientações europeias presentes no Decreto-Lei n.º 77/2011, foi emitido o Decreto-Lei n.º 101/2011, de 30 de setembro[3], que criou a tarifa social de fornecimento de gás natural a aplicar a clientes finais economicamente vulneráveis.

Este diploma encontra-se estruturado em quatro capítulos, a saber:

Capítulo I — Disposições gerais (artigos 1.º e 2.º);
● Capítulo II — Fixação e financiamento da tarifa social (artigos 3.º e 4.º);
Capítulo III — Atribuição e aplicação da tarifa social (artigos 5.º a 8.º); e
Capítulo IV — Disposições finais (artigos 9.º a 11.º).

Os clientes finais economicamente vulneráveis são definidos no artigo 2.º, cujo teor é o seguinte:
«Artigo 2.º

Clientes finais economicamente vulneráveis

1 — São considerados clientes finais economicamente vulneráveis as pessoas singulares que se encontrem em situação de carência sócio-económica e que, tendo o direito de acesso ao serviço essencial de fornecimento de gás natural, devem ser protegidas, nomeadamente no que respeita a preços.
2 — Para efeitos do disposto no número anterior, são considerados clientes finais economicamente vulneráveis os que se encontram em qualquer das seguintes situações:

a) Beneficiários do complemento solidário para idosos;
b) Beneficiários do rendimento social de inserção;
c) Beneficiários do subsídio social de desemprego;
d) Beneficiários do 1.º escalão do abono de família;
e) Beneficiários da pensão social de invalidez.

3 — Os clientes elegíveis para aplicação da tarifa social prevista no presente diploma podem beneficiar também da tarifa social prevista para a eletricidade e podem cumular com outros apoios sociais.»

E, de acordo com o artigo 4.º [4], n.º 1, «[o] financiamento dos custos com a aplicação da tarifa social é suportado por todos os clientes de gás natural, na proporção da energia consumida, a repercutir nas tarifas de acesso às redes».

Por sua vez, as condições de atribuição da tarifa social são estabelecidas no artigo 5.º [5].

A aplicação da tarifa social aos clientes finais economicamente vulneráveis é da responsabilidade dos comercializadores que com eles tenham celebrado um contrato de fornecimento de gás natural (n.º 1 do artigo 7.º) e o desconto inerente à tarifa social deve ser identificado de forma clara e visível nas faturas enviadas pelos comercializadores aos clientes que beneficiem do respetivo regime (n.º 2 do artigo 7.º).

O artigo 9.º, que dispunha sobre a tarifa social para o ano gás 2011-2012, foi revogado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (Orçamento do Estado para 2016), que no n.º 2 do artigo 200.º revogou também os n.os 3 e 5 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 101/2011.

Por sua vez, o n.º 1 do artigo 200.º da Lei n.º 7-A/2016 alterou a redação dos artigos 3.º, 6.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 101/2011.

E o n.º 1 do artigo 201.º [6] da Lei n.º 7-A/2016, com a epígrafe Produção de efeitos e disposição transitória no âmbito dos descontos sociais ao consumidor de energia elétrica e gás natural, estabeleceu que «[a]s alterações introduzidas pela presente lei ao Decreto-Lei n.º 138-A/2010, de 28 de dezembro, ao Decreto-Lei n.º 101/2011, de 30 de setembro, à Lei n.º 30/2003, de 22 de agosto, e ao Decreto-Lei n.º 102/2011, de 30 de setembro, produzem efeitos a partir de 1 de julho de 2016».

4. A Lei n.º 7-A/2016 redesenhou os descontos sociais existentes para o acesso ao serviço essencial de energia elétrica e de gás natural com vista à definição de um modelo único e automático, conforme estabelece no artigo 121.º[7]:
«Artigo 121.º

Energia elétrica e gás natural
1 — Os descontos sociais existentes para o acesso ao serviço essencial de fornecimento de energia elétrica e de gás natural são redesenhados, com vista à definição de um modelo único e automático e ao alargamento do atual número de beneficiários efetivos, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 138-A/2010, de 28 de dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 172/2014, de 14 de novembro, e no Decreto-Lei n.º 101/2011, de 30 de setembro, sem diminuição do valor do desconto a praticar face aos descontos sociais em vigor até à presente data.
2 — O valor do desconto da tarifa social, aplicável nos termos do Decreto -Lei n.º 138-A/2010, de 28 de dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 172/2014, de 14 de novembro, e do Decreto-Lei n.º 101/2011, de 30 de setembro, deve ser atualizado no prazo de 60 dias após a entrada em vigor da presente lei através de despacho do membro do Governo responsável pela energia, ouvida a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, sem prejuízo do disposto no artigo 3.º dos diplomas mencionados.»


5. Cabe aqui referir também a Resolução do Conselho de Ministros n.º 32-A/2016, de 9 de junho, que cria as condições para a aplicação automática da tarifa social de energia elétrica e de gás natural, determinando a troca de informações entre os serviços competentes da Administração Pública, e que, dado o seu interesse, se reproduz, de seguida, o seu teor:
«Resolução do Conselho de Ministros n.º 33-A/2016

O Orçamento do Estado para 2016 na prossecução do Programa do XXI Governo Constitucional elege como prioridade redesenhar a tarifa social de energia elétrica e de gás natural no sentido de a tornar automática para agregados familiares de baixos recursos e beneficiários de prestações sociais sujeitas a condição de recursos.
A tarifa social de energia elétrica, criada em 2010 e a de gás natural, criada em 2011, constituem instrumentos de justiça social que procuram proteger os interesses dos clientes economicamente vulneráveis garantindo o acesso a estes serviços essenciais em condições de maior estabilidade tarifária.
O modelo de atribuição da tarifa social inicial foi preconizado numa lógica em que os interessados deveriam dirigir-se aos respetivos comercializadores para obterem o benefício. A experiência acabou por determinar que o acesso ao benefício por iniciativa do interessado não resultou, obrigando a prever um mecanismo de reconhecimento oficioso ou automático da tarifa social.
O novo regime de atribuição da tarifa social de fornecimento de energia elétrica e de gás natural, entra em vigor a 1 de julho de 2016 e, para assegurar o seu automatismo, deverá ser assegurada a troca de informação entre Comercializadores, Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), Segurança Social e Autoridade Tributária e Aduaneira.
Implica também que a nova tarifa social é fixada pela DGEG, nos termos do protocolo a definir por membros do Governo.
Este novo sistema vai funcionar, adotando a Plataforma de Interoperabilidade da Administração Pública, gerida pela Agência para a Modernização Administrativa, I. P., através da qual se processam as operações de consulta e transmissão da informação.
Neste sentido foram elaboradas um conjunto de minutas de protocolos de acesso e transmissão de informação entre todos os organismos envolvidos no acesso à tarifa social, as quais foram objeto de parecer prévio da Comissão Nacional de Proteção de Dados, de acordo com a deliberação n.º 922/2016, de 31 de maio que os considerou em conformidade com os princípios de proteção de dados com a legislação em vigor.
Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 — Mandatar os membros de Governo com as tutelas pelas áreas da modernização administrativa, finanças, segurança social e energia para aprovarem e homologarem os protocolos que regulam o acesso e transmissão de informação entre os diversos serviços e organismos da Administração Pública, no processo de aplicação do novo regime da tarifa social de fornecimento de eletricidade e gás natural.
2 — Mandatar os membros do Governo com responsabilidade pelas áreas da modernização administrativa e da energia para aprovar a minuta de protocolos e respetivos anexos entre o Gestor do Processo de Mudança de Comercializador de energia elétrica e de gás natural, a Direcção-Geral de Energia e Geologia e a Agência para a Modernização Administrativa, I. P.
3 — Determinar que a presente resolução entra em vigor no dia da sua aprovação.»


6. Merece, ainda, referência o Despacho n.º 3229/2017, de 18 de abril, que determina o desconto a aplicar sobre as tarifas de gás natural e que a seguir se transcreve:
«Despacho n.º 3229/2017

O Decreto-Lei n.º 101/2011, de 30 de setembro, criou a tarifa social de fornecimento de gás natural a aplicar a clientes finais economicamente vulneráveis, prevendo que a tarifa social é calculada mediante a aplicação de um desconto na tarifa de acesso às redes em baixa pressão, nos termos do Regulamento Tarifário aplicável ao setor do gás natural. A Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março aprovou a 1.ª alteração ao referido Decreto-Lei n.º 101/2011, estabelecendo que o valor do desconto é determinado através do despacho do membro do Governo responsável pela área da energia, ouvida a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE).
Considerando que os descontos sociais disponíveis aos consumidores de gás natural não devem sofrer diminuição de valor face aos que estão em vigor, o presente despacho aprova o desconto da tarifa social de gás natural no valor de 31,2 %.
Assim, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 101/2011, de 30 de setembro, na redação da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, vem o presente despacho determinar o desconto a aplicar sobre as tarifas de gás natural, excluído o IVA, demais impostos, contribuições, taxas e juros de mora que sejam aplicáveis não devendo a sua aplicação ser considerada para efeitos de outros apoios atualmente em vigor:

1 — O desconto a aplicar nas tarifas de acesso às redes de gás natural, aplicável a partir de 1 de julho de 2017, previsto no n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 101/2011, de 30 de setembro, na redação da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, deve corresponder a um valor que permita um desconto de 31,2 % sobre as tarifas de transitórias de venda a clientes finais de gás natural, excluído o IVA, demais impostos, contribuições, taxas e juros de mora que sejam aplicáveis, não devendo a sua aplicação ser considerada para efeitos de outros apoios atualmente em vigor.
2 — É revogado o Despacho n.º 5138 -B/2016, de 8 de abril.»


III


A primeira questão sob consulta prende-se com a natureza do referido artigo 209.º do OE 2018.

Importa, com efeito, analisar se se trata de uma medida legislativa conhecida como cavaleiro orçamental[8].


1. Por cavaleiros orçamentais (cavaliers budgétaires ou riders) entendem-se as disposições inseridas no orçamento, não financeiras ou disposições financeiras de caráter permanente. Trata-se, assim, de medidas legislativas que aproveitam a boleia do orçamento (boleias orçamentais).

Para Ana Raquel Moniz, se dúvidas não persistem quanto à incorreção, sob a ótica da técnica legislativa, da inclusão no orçamento de normas não orçamentais, já o problema da validade de tal inserção não se encontra isento de dificuldades[9].

O tema dos cavaleiros orçamentais tem sido tratado, entre nós, por diversos autores.

Sousa Franco, a propósito da natureza do orçamento, entre outros aspetos, aludia, justamente, às «boleias orçamentais — normas alheias a qualquer relevante conexão com o conteúdo do orçamento»[10].

Segundo Tiago Duarte, «[a] natureza calendarizada da lei do Orçamento explica, em grande parte, a sua utilização para fazer aprovar normas sem direta, nem por vezes indireta, incidência materialmente orçamental. Ao fazer-se incluir uma determinada matéria na lei do Orçamento pretende-se, normalmente, beneficiar da certeza de que essa lei será aprovada num prazo reduzido, que entrará em vigor numa data certa e que, no momento da sua discussão e aprovação, as atenções andarão, previsivelmente, arredadas das normas que aí, mais ou menos, subtilmente, se infiltraram»[11].

E, como dá conta aquele Autor, em Portugal, «o tema dos cavaleiros orçamentais foi trazido para o interior da jurisprudência constitucional[…] por Vital Moreira, que é quem, pela primeira vez, em voto de vencido anexo ao acórdão 144/85, se refere às limitações de conteúdo que a lei do Orçamento deveria sofrer, por virtude do seu especial regime jurídico[…], assim inaugurando a discussão desta temática no ordenamento jurídico português»[12].

No plano doutrinário, está, essencialmente, em causa o confronto entre a tese da inconstitucionalidade e a tese da irrelevância jurídica.

Deve, todavia, acrescentar-se que não houve até hoje uma resposta unitária por parte da doutrina[13].

Na Escola de Lisboa, Sousa Franco foi o Autor que mais claramente defendeu a não inconstitucionalidade dos cavaleiros orçamentais.

Já Paulo Otero defende que a existência de cavaleiros orçamentais apenas pode ser considerada constitucional pela invocação de costume contra-constitutionem[14].

De Coimbra, como relata Tiago Duarte[15], Teixeira Ribeiro defende a possibilidade de a lei do Orçamento poder conter normas que regulem matérias estranhas às receitas e despesas do Estado.

Por sua vez Gomes Canotilho e Vital Moreira, a propósito dos limites objetivos da lei do orçamento escrevem:

«… do art. 165.º-2 deduz-se que a lei do orçamento pode incluir autorizações legislativas, nomeadamente em matéria fiscal, mas não só. Ora, se pode conter autorizações legislativas, também pode regular diretamente as matérias. Todavia, sendo a lei do orçamento uma lei especial, pelo seu objeto e pelo respetivo procedimento legislativo, ela deve limitar-se aos assuntos diretamente relacionados com o orçamento. Resta saber se são constitucionalmente ilícitas as normas de todo alheias à matéria orçamental.

Admitindo-se que a lei do orçamento possa conter matérias não orçamentais (a favor ver o AcTC n.º 461/87, entre outros), então não poderá deixar de se entender que nessas matérias a lei do orçamento tem de ser considerada como uma lei comum, de modo a poder ser alterada nos termos gerais e não ficar sujeita à regra da vigência anual e à exclusividade da iniciativa legislativa governamental, podendo continuar em vigor mesmo depois da substituição do orçamento, salvo indicação em contrário»[16].

Após a referência pela primeira vez aos cavaliers budgétaires naquele Acórdão n.º 461/87, de 16 de dezembro[17], no sentido da sua admissibilidade, e posteriormente noutros acórdãos, como é o caso do Acórdão n.º 358/92, de 11 de novembro[18], em que a questão ficou em aberto, mais recentemente o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 141/2002, de 9 de abril (Plenário)[19], voltou a pronunciar-se sobre aquela figura — nome sobre o qual a doutrina e a jurisprudência referem as normas incluídas na lei do orçamento do Estado, mas que não possuem direta relação com matéria financeira ou orçamental.

Neste Acórdão, o Tribunal Constitucional recordou que não existe no nosso ordenamento jurídico-constitucional qualquer proibição expressa de inclusão destas normas, por alguns denominadas de extravagantes, na lei do orçamento.

Ali, conquanto reafirmada a jurisprudência do Acórdão n.º 461/87, parece, todavia, apontar-se para a exigência de uma conexão mínima entre o cavalier e a lei do orçamento[20].

Afigura-se-nos dever sublinhar-se que o teor do atual n.º 5 do artigo 165.º da Constituição, introduzido pela revisão constitucional de 1989[21], ao aceitar a existência de autorizações legislativas na Lei do Orçamento em matérias não fiscais apresenta-se como um forte apoio para se admitir os cavaleiros orçamentais no ordenamento jurídico-constitucional português.

É certo que o n.º 2 do artigo 31.º, com a epígrafe “Articulado”, da Lei de Enquadramento Orçamental (LEO) — Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto[22] — prescreve que «[a]s disposições constantes do articulado da lei do Orçamento do Estado devem limitar-se ao estritamente necessário para a execução da política orçamental e financeira»[23].

A LEO define o conteúdo da Lei do Orçamento do Estado, distinguindo o articulado e os mapas orçamentais (cfr. artigo 30.º).

E no n.º 1 do referido artigo 31.º [24] estabelece uma elencagem exemplificativa das matérias a constar do articulado.

Pretende aqui o legislador indicar, pela positiva, o conjunto de matérias que podem e devem constar do Orçamento, ainda que de forma meramente exemplificativa.

Já no n.º 2 parece pretender-se afastar matérias que não tenham um conteúdo orçamental.

Porém, o caráter restritivo deste n.º 2 será aparente, uma vez que o seu último segmento — «para a execução da política orçamental e financeira» —, como ressalta Nazaré da Costa Cabral, «abre uma infinitude de possibilidades […], qualquer medida que tenha incidência no plano da política orçamental ou da política financeira (e serão a maior parte) parece, portanto, poder ser acolhida na lei do OE»[25].

Deve referir-se que, conquanto ainda não em vigor, o preceito correspondente (n.º 2 do artigo 41.º, com a epígrafe “Conteúdo do articulado”) da nova Lei de Enquadramento Orçamental — Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro[26] — não apresenta uma formulação muito diferente[27], sendo que ao substituir a expressão «devem limitar-se» por «limitam-se» o aparente caráter restritivo surge mais mitigado.

Face ao que se vem de dizer, entende-se, pois, que não pode deixar de admitir-se no ordenamento jurídico-constitucional português as normas designadas por cavaleiros orçamentais[28].


2. Atente-se agora mais de perto no artigo 209.º do OE 2018, acima reproduzido[29].

Este preceito está inserido no Capítulo IX, com a epígrafe Outras disposições, do Título I (“Disposições gerais”).

E no seu texto não se faz qualquer referência temporal à sua aplicação, ao invés do que se verificou, por exemplo, com o artigo atinente à contribuição extraordinária sobre o setor energético — artigo 280.º [30]—, que estabelece a sua vigência no ano de 2018.

Aliás, o preceito a seguir — artigo 210.º [31]— criou a tarifa solidária de gás de petróleo liquefeito engarrafado, não estando naturalmente a sua vigência reportada tão-somente ao ano de 2018.

E deve salientar-se que a matéria do artigo 209.º não constava da Proposta de Lei n.º 100/XIII/3.ª. O artigo resultou de uma proposta de aditamento[32] apresentada por deputados do Partido Comunista Português com a seguinte nota justificativa:

«Nada justifica que tais custos continuem a ser suportados pelos clientes finais de gás natural, pelo que, à semelhança do que sucede com a tarifa social na energia elétrica, esses custos devem ser considerados custos operacionais das empresas grossistas.»

No debate, na especialidade, da Proposta de Lei, Bruno Dias, um dos subscritores daquela proposta de aditamento fez a seguinte apresentação onde enquadrou a proposta relativa aos custos da tarifa social de gás natural[33]:

«O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O PCP apresenta neste debate um conjunto de propostas ao Orçamento para reduzir a fatura energética dos consumidores e das micro, pequenas e médias empresas.
Propomos, em primeiro lugar, que se reduza o preço do gás de botija e GPL canalizado, através de um regime de preços controlados que defenda as populações, mas também as pequenas empresas revendedoras, face à exploração e aos preços exorbitantes das grandes petrolíferas.
Este é um setor essencial para a grande maioria das famílias, principalmente as de mais baixos rendimentos. Por isso, o PCP não desiste de defender soluções concretas e eficazes para resolver este problema. É neste sentido que propomos esta medida.
Propomos, ainda, outras alterações relevantes para reduzir a fatura energética, também nos fatores que condicionam a dita divida tarifária e suas implicações para os consumidores.
Propomos que os contratos CAE e os CMEC sejam renegociados, com vista à sua completa extinção, eliminando-se inaceitáveis rendas que algumas eletroprodutoras continuam a receber sem qualquer justificação.
Propomos que se promova a eliminação do pagamento da garantia de potência, mais um pagamento de rendas completamente abusivas, com reflexo nas tarifas aos consumidores.
Propomos que os custos que decorrem da aplicação da tarifa social aos clientes de gás natural deixem de ser suportados pelo conjunto dos clientes finais e passem a ser considerados como custos operacionais das empresas grossistas, como deveriam ser desde o início.
Srs. Membros do Governo e Sr.as e Srs. Deputados, é preciso enfrentar os interesses dos grandes grupos económicos e defender o interesse nacional, os interesses das populações e da economia real do nosso País.
Estas propostas do PCP traduzem esse compromisso em medidas concretas na área da energia.»

Assim, face aos elementos disponíveis, considerando o texto, a inserção sistemática e bem assim o seu histórico, temos que a norma em apreço — o artigo 209.º do OE 2018 — reveste prevalentemente a natureza de cavaleiro orçamental, apresentando-se com vocação de aplicação intemporal.

A norma constante do artigo 209.º do OE 2018 não é, pois, uma norma de aplicação anual — não está sujeita à regra da vigência anual.

A solução ali consagrada visa, como decorre dos respetivos trabalhos preparatórios, que os custos com a tarifa social do gás natural deixem de ser suportados pelos clientes finais de gás natural, à semelhança do que acontece com a tarifa social de fornecimento de energia elétrica em que o financiamento dos seus custos também não recai sobre os consumidores[34].

Aqui chegados, verifica-se, com efeito, uma antinomia entre as normas constantes dos artigos 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 101/2011 e 209.º do OE 2018.

Os critérios hermenêuticos para a resolução dos conflitos de normas são:

i) Hierarquia (lei superior derroga lei inferior);

ii) Especialidade (lei especial derroga lei geral);

iii) Cronologia (lei posterior derroga lei anterior)[35].

Ora, dada a natureza de cavaleiro orçamental do artigo 209.º do OE 2018, não se pode aqui invocar o valor reforçado da lei do orçamento.

E, considerando as normas em confronto, também não se pode recorrer ao critério da especialidade.

Mas o critério da cronologia conduz-nos, naturalmente, a considerar que o artigo 209.º do OE 2018 revogou tacitamente o n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 101/2011.

Estão, assim, encontradas as respostas às 1.ª e 2.ª questões sob consulta.


3. Antes de prosseguir a análise das subsequentes questões, refira-se o Regulamento n.º 416/2016, de 29 de abril[36] — aprova o Regulamento de Relações Comerciais do setor do gás natural.

Como se pode ler no seu exórdio e consta do seu artigo 1.º, o Regulamento tem por objeto estabelecer as disposições aplicáveis às relações comerciais entre os vários sujeitos intervenientes no Sistema Nacional de Gás Natural (SNGN).

E o seu âmbito de aplicação encontra-se assim delineado no artigo 2.º:
«Artigo 2.º

Âmbito de aplicação
1 — Estão abrangidos pelo âmbito de aplicação do presente regulamento:

a) Os consumidores ou clientes.
b) Os comercializadores.
e) Os comercializadores de último recurso retalhistas.
d) O comercializador de último recurso grossista.
e) O comercializador do SNGN.
f) O operador logístico de mudança de comercializador.
g) Os operadores das redes de distribuição.
h) O operador da rede de transporte.
i) Os operadores de armazenamento subterrâneo.
j) Os operadores de terminal de receção, armazenamento e regaseificação de GNL.
k) Os operadores de mercados organizados.
l) Os produtores de gás.

2 — Estão abrangidas pelo presente regulamento as seguintes matérias:

a) Identificação dos sujeitos intervenientes no setor do gás natural e respetivas atividades e funções.
b) Regras de relacionamento comercial aplicáveis aos operadores das infraestruturas, comercializadores, comercializadores de último recurso retalhistas, comercializador de último recurso grossista e comercializador do SNGN.
c) Condições comerciais de ligações às redes.
d) Regras relativas à medição, leitura e disponibilização de dados de consumo de gás natural.
e) Escolha e mudança de comercializador, modalidades de contratação e funcionamento dos mercados de gás natural.
f) Regras de relacionamento comercial dos comercializadores e comercializadores de último recurso retalhistas com os respetivos clientes.
g) Resolução de conflitos.»

Para efeitos do Regulamento, cliente economicamente vulnerável é a pessoa singular que se encontra na condição de beneficiar de tarifa social de fornecimento de gás natural, nos termos da legislação aplicável [cfr. alínea i) do n.º 2 do artigo 3.º [37]].

Distribuição é a veiculação de gás natural através de redes de distribuição de média ou baixa pressão, para entrega às instalações fisicamente ligadas à rede de distribuição, excluindo a comercialização [cfr. alínea s) do referido n.º 2 do artigo 3.º] e transporte é a veiculação de gás natural numa rede interligada de alta pressão, para efeitos de receção e entrega a distribuidores, a comercializadores ou a grandes clientes finais [cfr. alínea tt) do n.º 2].

Nos termos, ainda, do n.º 2 do artigo 3.º, a comercialização é a compra e venda de gás natural a clientes, incluindo a revenda [cfr. alínea k)], distinguindo-se os seguintes tipos de comercializadores, nas alíneas l) a o):

«l) Comercializadores — entidades registadas para a comercialização de gás natural cuja atividade consiste na compra a grosso e/ou na venda a grosso e a retalho de gás natural, em regime de livre concorrência.
m) Comercializadores de último recurso retalhistas — entidades titulares de licença de comercialização de último recurso que estão obrigadas a assegurar o fornecimento de gás natural a todos os consumidores com instalações ligadas à rede, enquanto forem aplicáveis as tarifas reguladas ou após a sua extinção, as tarifas transitórias, bem como o fornecimento dos clientes economicamente vulneráveis, nos termos legalmente definidos.
n) Comercializador de último recurso grossista — entidade titular de licença de comercialização de último recurso que está obrigada a assegurar o fornecimento de gás natural aos comercializadores de último recurso retalhistas.
o) Comercializador do SNGN — entidade titular dos contratos de longo prazo e em regime de take or pay celebrados antes da entrada em vigor da Diretiva n.º 2003/55/CE, do Parlamento e do Conselho,de26 de junho, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006,de 26 de julho, republicado pelo Decreto-Lei n.º 231/2012, de 26 de outubro».

Refira-se também que consumidor é o cliente final de gás natural [cfr. alínea p) do citado n.º 2 do artigo 3.º].

Como já se aludiu, o Regulamento de Relações Comerciais do Setor do Gás Natural foi recentemente alterado através do Regulamento n.º 224/2018, em cujo preâmbulo se assinala que a revisão «está diretamente associada, por um lado, à necessidade de adequar a atividade de operação logística de mudança de comercializador às inovações legislativas, já em vigor, e, por outro lado, às alterações relativas ao mecanismo de financiamento da tarifa social, preconizadas pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2018».

«No que respeita à tarifa social, a alteração regulamentar visa estabelecer o relacionamento comercial dos agentes envolvidos, bem como o controlo, rastreabilidade e disponibilização de informação relativa ao novo modelo de financiamento da tarifa social»[38].

Assim, o artigo 40.º [39] do Regulamento de Relações Comerciais do Setor do Gás Natural passou a ter a seguinte redação:
«Artigo 40.º

Faturação dos custos com a tarifa social

1 — O operador da rede de transporte fatura mensalmente aos comercializadores e aos comercializadores de último recurso retalhistas os valores referentes aos custos da tarifa social que, nos termos da legislação em vigor, devem ser suportados por estes, conforme informação publicada pela ERSE.
2 — O operador da rede de transporte transfere mensalmente para os operadores da rede de distribuição os valores recebidos dos comercializadores e dos comercializadores de último recurso retalhistas relativos aos custos da tarifa social, bem como os valores que lhe sejam devidos, na sua função de Gestor Técnico Global do SNGN, relativos aos custos da tarifa social.»

E a redação do artigo 104.º, relativo à tarifa social, com as alterações introduzidas, é a seguinte:
«Artigo 104.º

Tarifa social
1 — Aos clientes economicamente vulneráveis, definidos nos termos de legislação específica, aplica-se a tarifa social, calculada pela ERSE nos termos estabelecidos e de acordo com as regras constantes do RT.
2 — Para efeitos do número anterior, os comercializadores devem aplicar a tarifa social em todas as propostas de fornecimento disponibilizadas.
3 — Cabe aos comercializadores e comercializadores de último recurso retalhistas divulgar junto dos seus clientes a informação disponível sobre a existência e as condições de adesão à tarifa social.
4 — Os comercializadores e comercializadores de último recurso retalhistas devem manter registos auditáveis sobre a aplicação da tarifa social, com informação sobre cada cliente e respetivo período de aplicação.
5 — Sem prejuízo do número anterior, os comercializadores e comercializadores de último recurso retalhistas devem remeter à ERSE, até ao último dia do mês seguinte ao fim de cada trimestre, a informação trimestral dos clientes que, nas respetivas carteiras de fornecimento e à data do fim do trimestre respetivo, são beneficiários da tarifa social.
6 — A informação prevista no número anterior deve ainda explicitar, relativamente ao trimestre a que reporte, o número de pedidos de aplicação da tarifa social, o número desses pedidos que foram recusados e o motivo de recusa.
7 — Os formatos e meio de envio da informação prevista nos números anteriores são aprovados e comunicados pela ERSE, ouvidos os comercializadores e os comercializadores de último recurso retalhistas.»

Assinale-se, ainda, que a epígrafe da subsecção III — em que se encontra localizado o referido artigo 40.º —, da Secção IV, do Capítulo III, originariamente, «Faturação do operador da rede de transporte aos operadores das redes de distribuição», passou a denominar-se «Faturação do operador de rede de transporte aos operadores das redes de distribuição e aos comercializadores e comercializadores de último recurso retalhistas» (cfr. artigo 4.º do Regulamento n.º 224/2018).

No que concerne às definições acima referenciadas, desde logo, no que ora importa, as de distribuição, transporte e comercialização, impõe-se sublinhar que correspondem sensivelmente às previstas no Decreto-Lei n.º 30/2006 (cfr. artigo 3.º).

Com efeito, no que respeita à comercialização são ali elencadas as seguintes definições :

“j) «Comercialização» a compra e venda de gás natural a clientes, incluindo a revenda;
k) «Comercializador» a entidade registada para a comercialização de gás natural cuja atividade consiste na compra a grosso e na venda a grosso e a retalho do gás natural;
l)«Comercializadores de último recurso» as entidades titulares de licença de comercialização de gás natural sujeitas a obrigações de serviço público, nos termos do presente decreto-lei; “.

A distribuição é definida na alínea q) como «a veiculação de gás natural em redes de distribuição de alta, média e baixa pressão, para entrega ao cliente, excluindo a comercialização».

E, por sua vez, transporte é, nos termos da alínea ll) «a veiculação de gás natural numa rede interligada de alta pressão para efeitos de receção e entrega a distribuidores, a comercializadores ou a grandes clientes finais».

Refira-se ainda que já posteriormente ao pedido de consulta foi publicado um novo regulamento tarifário, o Regulamento 225/2018, de 16 de abril — Regulamento Tarifário do setor do gás natural.

Este novo Regulamento teve também como desiderato a adequação às alterações relativas ao mecanismo de financiamento da tarifa social preconizadas pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2018 (cfr. respetivo exórdio).

No artigo 10.º [40] são elencadas as tarifas definidas pelo regulamento, sendo referida na alínea b) a Tarifa Social de Acesso às Redes a aplicar aos clientes finais economicamente vulneráveis e na alínea d) a Tarifa Social de Venda a Clientes Finais a aplicar por cada comercializador de último recurso retalhista aos clientes finais economicamente vulneráveis.

De acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 27.º , a tarifa social de venda a clientes finais dos comercializadores de último recurso para os fornecimentos aos clientes finais economicamente vulneráveis é calculada nos termos do artigo 75.º, que estabelece:
«Artigo 75.º

Tarifa Social de Venda a Clientes Finais dos comercializadores de último recurso aplicável a clientes finais economicamente vulneráveis
1 — Nos termos da legislação aplicável, estabelecem-se preços da tarifa Social de Venda a Clientes Finais a aplicar pelos comercializadores de último recurso aos clientes finais economicamente vulneráveis com consumo anual igual ou inferior a 500 m3.
2 — O desconto aplicável aos preços da tarifa Social de Venda a Clientes Finais coincide com o desconto calculado para a tarifa Social de Acesso às Redes, nos termos do Artigo 74.º.
3 — A tarifa Social de Venda a Clientes Finais, definida nos termos da legislação aplicável, não está abrangida pelo mecanismo de convergência para tarifas aditivas, definido no Artigo 133.º.»

E, por sua vez, o artigo 74.º dispõe:
«Artigo 74.º

Tarifa Social de Acesso às Redes aplicável a clientes finais economicamente vulneráveis
1 — Nos termos da legislação aplicável, estabelecem-se preços da tarifa Social de Acesso às Redes aplicável às entregas em baixa pressão a clientes finais economicamente vulneráveis com consumo anual igual ou inferior a 500 m3.
2 — A tarifa Social de Acesso às Redes é calculada mediante a aplicação de um desconto na tarifa de Acesso às Redes em baixa pressão, nos termos da legislação aplicável promovendo a transmissão aos clientes de sinais preço que assegurem a utilização racional do gás natural.
3 — A ERSE publica os descontos relativos às Tarifas Sociais de Acesso às Redes, de aplicação obrigatória pelos comercializadores.
4 — Os descontos referidos no número anterior, devem ser subtraídos às ofertas comerciais disponíveis.»


4. Face ao que se vem de explanar, temos, pois, que, como já se definiu, o artigo 209.º do OE 2018 alterou o modelo de financiamento dos custos com a tarifa social do gás natural, que deixou de recair sobre a globalidade dos consumidores e passou a ser responsabilidade das empresas transportadoras e comercializadoras.

E pese embora a referência a empresas grossistas na apresentação da proposta de aditamento daquela norma[41], tal menção não consta do teor da norma aprovada. De todo o modo, afigura-se-nos que tal expressão terá sido utilizada no sentido de não abranger os clientes finais.

Assim, o financiamento da tarifa social deve ser imputado a todas as empresas transportadoras e comercializadoras de gás natural.

Ora, como tal, deverão ser consideradas as empresas que, nos termos da lei e dos atinentes regulamentos, procedam ao transporte e à comercialização, conforme acima descrito. E quanto ao transporte há que atender à veiculação de gás, pelo que aqui se impõe considerar quer a que é feita através de redes de distribuição quer a que é feita através de uma rede interligada de alta pressão[42] [43].

Destarte, a tarifa social, cujo desconto se encontra determinado pelo Despacho n.º 3229/2017, de 18 de abril[44], deve ser financiada por todas as empresas de transporte, incluindo-se aqui o transporte que é feito através de redes de distribuição, e por todas as empresas de comercialização, na proporção do gás, respetivamente, comercializado no ano anterior.

Independentemente da densificação que o legislador entenda fazer do artigo 209.º do OE 2018, não será despiciendo precisar algo mais sobre o seu último segmento — “na proporção do volume comercializado de gás no ano anterior”.

Não pode por volume comercializado de gás considerar-se tão-somente as operações relativas à comercialização de gás na aceção já atrás reproduzida, sob pena de deixar sem sentido a estatuição do financiamento pelas “empresas transportadoras”.

Tem, portanto, de entender-se volume comercializado num sentido amplo que permita abranger todos os operadores que constituem o universo da norma. Isto é, deverá atender-se ao respetivo volume das entregas/fornecimento de gás no ano anterior.

Em suma, haverá de considerar-se o volume das entregas de gás efetuadas, no ano anterior, pelas empresas de transporte e de distribuição e bem assim pelas empresas de comercialização.


5. Impõe-se, ainda, a resposta à última questão colocada, que, recorde-se, é a seguinte:

«5.ª São repercutíveis nas tarifas de acesso às redes ou, de qualquer outra forma, nos consumidores de gás natural, os valores suportados pelas empresas transportadoras e comercializadoras de gás?»

Como vimos a tarifa social reflete-se, justamente, num desconto a aplicar nas tarifas de acesso às redes de gás natural de baixa pressão.

E, como também já largamente salientado, a norma em apreço na presente consulta — o artigo 209.º do OE 2018 — veio alterar o financiamento da tarifa social que deixou de incidir nos consumidores e passou a ser responsabilidade, nos termos referidos, das empresas de transporte e comercializadoras de gás natural.

Ora, face a esta opção clara do legislador, através de norma imperativa, não é possível repercutir nos consumidores de gás natural os custos suportados pelas empresas com a tarifa social.

Aliás, não se vislumbra fundamento que pudesse justificar que, ao invés, fossem os consumidores em geral a suportar os custos com os descontos nas tarifas dos consumidores economicamente vulneráveis. Tal esvaziaria até a norma do artigo 209.º

Importa não esquecer que, como se referiu atrás, a prestação da tarifa social inscreve-se nas orientações europeias presentes na Diretiva 2009/73/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, onde se consignou, designadamente, que:

«(50) A pobreza energética é um problema crescente na Comunidade. Os Estados-Membros afetados e que ainda não o fizeram, deverão, por conseguinte, desenvolver planos de ação nacionais ou outros enquadramentos adequados para lutarem contra a pobreza energética, a fim de reduzir o número de pessoas afetadas por esta situação. Em todo o caso, os Estados-Membros devem assegurar o abastecimento energético necessário aos consumidores vulneráveis. Para esse efeito, poderá ser utilizada uma abordagem integrada, designadamente no âmbito da política social, e as medidas deverão incluir políticas sociais ou melhorias da eficiência energética das habitações. No mínimo, a presente diretiva deverá permitir políticas nacionais a favor dos clientes vulneráveis.»

A prestação da tarifa social configura uma obrigação de serviço público nos termos do artigo 3.º daquela Diretiva, o que legitima a imposição do seu financiamento às empresas de transporte e comercializadoras de gás natural.

De todo o modo, frise-se, de novo, o artigo 209.º do OE 2018 estatui que os custos são suportados por aquelas empresas e não tão-somente que lhes caiba a aplicação da tarifa social.


IV


Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1.ª — Na senda das orientações europeias presentes no Decreto-Lei n.º 77/2011, de 20 de junho, foi emitido o Decreto-Lei n.º 101/2011, de 30 de setembro, que criou a tarifa social de fornecimento de gás natural;

2.ª — O artigo 209.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2018), veio estatuir que os custos decorrentes da aplicação da tarifa social aos clientes de gás natural são suportados pelas empresas transportadoras e comercializadoras de gás natural na proporção do volume comercializado de gás no ano anterior;

3.ª — Aquele artigo apresenta-se como uma norma com manifesta vocação de aplicação intemporal, revestindo prevalentemente a natureza de medida legislativa conhecida como cavaleiro orçamental — medida que o ordenamento jurídico-constitucional português admite;

4.ª — A solução ali consagrada visa que os custos com a tarifa social do gás natural deixem de ser suportados pelos clientes finais — os consumidores —, como acontecia anteriormente, e passem a ser financiados pelas empresas transportadoras e comercializadoras de gás natural;

5.ª — Assim, o artigo 209.º da Lei n.º 114/2017 revogou tacitamente o n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 101/2011 que fazia repercutir pelos consumidores os custos da tarifa social;

6.ª — De acordo com o estatuído no referido artigo 209.º, o financiamento da tarifa social deve ser imputado, na proporção do gás, respetivamente, comercializado no ano anterior, a todas as empresas que procedam ao transporte e à comercialização de gás natural, em conformidade com o definido, desde logo, no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 30/2006, de 15 de fevereiro;

7.ª — Assim, deve aqui ser considerado como transporte de gás toda a veiculação de gás quer se faça através de uma rede interligada de alta pressão quer se faça através de redes de distribuição;

8.ª — E, para efeitos de repartição dos custos decorrentes da aplicação da tarifa social, há de considerar-se o respetivo volume de entregas/fornecimento de gás no ano anterior;

9.ª — Face à norma constante do artigo 209.º, em apreço, o financiamento dos custos com a tarifa social do gás natural não é suscetível de repercussão nas tarifas dos consumidores do gás natural.


ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 18 DE MAIO DE 2018.

Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha – Maria Manuela Flores Ferreira (Relatora) – Eduardo André Folque da Costa Ferreira (com voto de vencido) – João Eduardo Cura Mariano Esteves – João Conde Correia dos Santos – Maria de Fátima da Graça Carvalho.


(Eduardo André Folque da Costa Ferreira)


Voto de Vencido

Eis, sumariamente as razões que me levam a não acompanhar as conclusões 3.ª e 5.ª do parecer:

I – Aos denominados cavaleiros orçamentais importa exigir um padrão mínimo de identificação ou de qualificação nas leis que aprovam ou alteram o Orçamento do Estado, principalmente quando tenham por objeto matéria de natureza económica ou financeira e, por isso, mais facilmente passem despercebidos.

Entendo que esse padrão mínimo não é cumprido pela norma contida no artigo 209.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro[45], a qual, por conseguinte, deve considerar-se que caduca no termo do ano económico a que diz respeito, como é próprio da generalidade das disposições enunciadas em cada Orçamento do Estado (cfr. n.º 1 do artigo 106.º da Constituição).

Trata-se com e esta norma de ensaiar um outro modelo de imputação dos encagos sociais com os consumidores de gás natural mais vulneráveis.

Em vez de serem onerados os demais consumidores (alguns porventura pouco acima dos limiares da pobreza energética) os custos passam para os operadores económicos que fazem do gás natural a sua indústria e comércio.

Contudo, se o Orçamento do Estado para 2019 não retomar uma providência análoga, o regime da tarifa social do gás natural regressa á sua formulação originária no ano económico p.f.


II – Repare-se que a criação da tarifa social de gás natural resulta do Decreto-Lei n.º 101/2011, de 30 de setembro, prevendo-se que os custos sejam suportados pelos consumidores:

«Artigo 4.º
(Financiamento da tarifa social)

1 – O financiamento dos custos com a aplicação da tarifa social é suportado por todos os clientes de gás natural, na proporção da energia consumida, a repercutir nas tarifas de acesso às redes.

2 – Os custos referidos no número anterior são devidos aos operadores das redes de distribuição de gás natural.

3 – Os montantes relativos ao financiamento da tarifa social, bem como a sua alocação aos operadores das redes de distribuição, são determinados de acordo com o estabelecido no regulamento tarifário aplicável ao sector do gás natural».

A citada norma orçamental do artigo 209.º, transcrita no parecer, nem sequer faz alusão a esta disposição legal, de modo a deixar perpassar uma intenção inequívoca de revogação e não de simples derrogação cingida ao ano económico.

Invocam-se simplesmente os termos do artigo 121.º da Lei n.º 7‑A/2016, de 30 de março, e do Despacho n.º 3229/2017, de 18 de abril» e que pouco ou nada dizem respeito ao n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 101/2011, de 30 de setembro.

Com efeito, no artigo 121.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (Orçamento do Estado para 2016) dispunha-se o que vai transcrito:
«Artigo 121.º
(Energia elétrica e gás natural)

1 – Os descontos sociais existentes para o acesso ao serviço essencial de fornecimento de energia elétrica e de gás natural são redesenhados, com vista à definição de um modelo único e automático e ao alargamento do atual número de beneficiários efetivos, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 138-A/2010, de 28 de dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 172/2014, de 14 de novembro, e no Decreto-Lei n.º 101/2011, de 30 de setembro, sem diminuição do valor do desconto a praticar face aos descontos sociais em vigor até à presente data.

2 – O valor do desconto da tarifa social, aplicável nos termos do Decreto-Lei n.º 138-A/2010, de 28 de setembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 172/2014, de 14 de novembro, e no Decreto-Lei n.º 101/2011, de 30 de setembro, deve ser atualizado no prazo de 60 dias, após a entrada em vigor da presente lei através de despacho do membro do Governo responsável pela energia, ouvida a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, sem prejuízo do disposto no artigo 3.º dos diplomas mencionados».

Nem uma palavra sobre a inversão dos custos decorrentes da tarifa social de gás natural, até porque a finalidade da medida era, no essencial, ampliar o conjunto dos potenciais beneficiários da tarifa social de gás natural.

O despacho previsto no Orçamento do Estado para 2016 viria a ser publicado muito após os 60 dias previstos. Com efeito, trata-se do já citado Despacho n.º 3229/2017, de 11 de abril[46].

Este limitou-se a determinar que o desconto a aplicar nas tarifas de acesso, a partir de 1 de julho de 2017, corresponda «a um valor que permita um desconto de 31,2% sobre as tarifas transitórias de venda a clientes finais de gás natural, excluído o IVA, demais impostos, contribuições, taxas e juros de mora que sejam aplicáveis».

Como tal, perdurou até 31 de dezembro de 2017 a repercussão dos encargos com a tarifa social sobre os clientes finais de gás natural, segundo um tipo tributário mal definido e de duvidosa conformidade com as exigências constitucionais de densidade normativa.


III – Admitir a validade dos cavaleiros orçamentais[47] não tem que significar o reconhecimento da sua regularidade nem perante as normas constitucionais nem em face da nova Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado[48], em cujo artigo 41.º, n.º 2, já aplicável ao próximo orçamento, se aclara a ilegalidade desta prática anualmente reiterada: «As disposições constantes do articulado da lei do Orçamento do Estado limitam-se ao estritamente necessário para a execução da política orçamental e financeira».

Em bom rigor, a Constituição apenas parece tolerar que o orçamento do Estado contenha autorizações legislativas a conceder ao Governo, as quais, só se libertam da regra da anualidade se não incidirem em matéria fiscal (cfr. n.º 5 do artigo 165.º da Constituição).

Apesar de não haver uma proibição de outras normas incorporarem o Orçamento do Estado, há pelo menos uma presunção juris tantum que recai sobre as todas as normas contidas nas lei orçamentais do Estado de vigorarem apenas ao longo do ano económico a que respeitam, sem prejuízo de virem a ser retomadas nas leis orçamentais subsequentes ou de serem convoladas em iniciativas legislativas comuns.

Presunção que deixa de fora tão-somente as autorizações legislativas concedidas ao Governo, em matérias não fiscais, e que só pode ser afastada com base em declaração expressa ou fortes indícios de uma inequívoca intenção do legislador.

Sem ser elidida a presunção, toda e qualquer norma contida no Orçamento do Estado é uma norma orçamental[49] – accessorium sui principais naturam sequitir. É precisamente o que sucede com o disposto no artigo 209.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro.





[1] Alterado pelos Decretos-Leis n.os 66/2010, de 11 de junho, 77/2011, de 20 de junho, que o republicou, 74/2012, de 26 de março, 112/2012, de 23 de maio, e 230/2012, de 26 de outubro, que também o republicou, e pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro.
[2] Como se pode ler no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 77/2011:

«A Diretiva n.º 2009/73/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho, integra o designado «Terceiro Pacote Energético» da União Europeia, cujos principais objetivos são o aumento da concorrência, a existência de uma regulamentação eficaz e o incentivo ao investimento em benefício dos consumidores de eletricidade e de gás natural.»
[3] Alterado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (Orçamento do Estado para 2016).
[4] Os n.os 2 e 3 do artigo 4.º têm a seguinte redação:

«2 — Os custos referidos no número anterior são devidos aos operadores das redes de distribuição de gás natural.
3 — Os montantes relativos ao financiamento da tarifa social, bem como a sua alocação aos operadores das redes de distribuição, são determinados de acordo com o estabelecido no regulamento tarifário aplicável ao setor do gás natural.»
[5]
«Artigo 5.º

Condições de atribuição
1 — Os clientes finais economicamente vulneráveis que podem beneficiar da tarifa social devem reunir cumulativamente as seguintes condições:

a) Serem titulares de um contrato de fornecimento de gás natural;
b) O consumo de gás natural destinar-se exclusivamente a uso doméstico, em habitação permanente;
c) As instalações serem alimentadas em baixa pressão;
d) Integrarem escalões de consumo anual inferior ou igual a 500 m3, nos termos da regulamentação aplicável.

2 — Cada cliente final apenas pode beneficiar da tarifa social num único ponto de ligação às redes de distribuição de gás natural em baixa pressão.
3 — Na atribuição da tarifa social devem ser assegurados os princípios da transparência, da igualdade de tratamento e da não discriminação.»
[6] Os artigos 200.º e 201.º da Lei n.º 7-A/2016 encontram-se inseridos no Capítulo XVII com a epígrafe “Outras alterações legislativas”.
[7] Inserido no Capítulo X, com a epígrafe “Outras disposições”.
[8] Neste ponto irá seguir-se o desenvolvimento feito no Parecer n.º 29/2016, de 22 de março de 2018 (inédito).
[9] “Cavaleiros e Hierarquia: o artigo 158.º da Lei do Orçamento do Estado para 2009”, in Revista de Direito Público e Regulação, n.º 2, 2009, pág. 2.
[10] Finanças Públicas e Direito Financeiro, volume I, 4.ª edição – 7.ª reimpressão, Almedina, 1999, págs. 401/402.
[11] A Lei Por Detrás Do Orçamento, Almedina, maio 2007, pág. 441.
[12] Ob. cit., pág. 447.
[13] Para mais desenvolvimento, ver Tiago Duarte, ob. cit., págs. 463 e ss., que, de algum modo, seguidamente, se acompanha.
[14] Posição referenciada e analisada por Tiago Duarte, ob. cit., págs. 468 e ss.
[15] Ob. cit., págs. 470/471.
[16] Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, págs. 1112/1113.
[17] Disponível no sítio do Tribunal Constitucional.
[18] Disponível no sítio do Tribunal Constitucional.
[19] Disponível no sítio do Tribunal Constitucional. Estava em causa o estabelecimento de limites máximos às remunerações da função pública.
[20] Com efeito, pode ler-se no ponto 42 do Acórdão n.º 141/2002:

«42. As normas em questão surgem, material e funcionalmente, como independentes da elaboração e aprovação do Orçamento do Estado, não possuindo a tal direta natureza ou incidência financeira stricto sensu, não se lhes descortinando, pois, direta conexão com as previsões orçamentais.

No entanto, quando se entenda dever continuar a seguir-se a jurisprudência firmada por este Tribunal no citado Acórdão n.º 461/87, tal circunstância não é determinante, não devendo concluir-se pela inconstitucionalidade das normas em questão, com fundamento na sua natureza de cavaliers budgétaires.

De todo o modo, ainda que se entenda que tem que haver uma conexão mínima entre o cavalier, e a lei do orçamento (por se considerar inadmissível que se aproveite a lei do orçamento para regular matérias em tudo a ele absolutamente estranhas, como o seriam, por exemplo, a regulamentação dos regimes de bens no casamento, ou do sistema de recursos em processo civil), atentar-se-á que, no presente caso, estamos perante hipótese diversa, na medida em que se não pode considerar como absolutamente estranha à lei do orçamento a matéria atinente ao regime salarial da função pública, até pela dependência destes funcionários ao Estado, pelo que, pelo menos indiretamente, se conexiona com a matéria orçamental, já que o montante relativo aos salários da função pública se enquadra numa das rubricas de despesas do orçamento.

Assim, sempre se poderá detetar essa conexão entre o estabelecimento de limites máximos às remunerações da função pública com a previsão de despesas do orçamento.

Acresce, por fim, o facto de a inclusão deste tipo de normas nos diversos orçamentos do Estado ser uma prática habitual ou reiterada, como aliás disso dão conta os vários acórdãos deste Tribunal que sobre tais matérias têm sido proferidos, com uma ampla tradição remontando ao constitucionalismo monárquico e que se não encontra excluída pelo atual texto constitucional, pelo que deve ser aceite tal inclusão orçamental, nos termos supra expostos.

Assim e independentemente de outras considerações, não se tem por ilegítima a inclusão das normas em causa na lei do orçamento.»
[21] Então n.º 5 do artigo 168.º
[22] Alterada pela Lei Orgânica n.º 2/2002, de 28 de agosto, e pelas Leis n.os 23/2003, de 2 de julho, 48/2004, de 24 de agosto, 48/2010, de 19 de outubro, 22/2011, de 20 de maio, 52/2011, de 13 de outubro, 37/2013, de 14 de junho, e 41/2014, de 10 de julho.
E revogada (a partir de 12 de setembro de 2015) pela Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro, mantendo-se, porém, no prazo de três anos após a entrada em vigor desta lei, as normas da Lei n.º 91/2011, relativas ao processo orçamental, ao conteúdo e estrutura do Orçamento do Estado, à execução orçamental, às alterações orçamentais, ao controlo orçamental e responsabilidade financeira, ao desvio significativo e mecanismo de correção, às contas, à estabilidade orçamental, às garantias da estabilidade orçamental, bem como às disposições finais (cfr. n.º 2 do artigo 7.º, e também artigo 8.º, ambos da Lei n.º 151/2015).
[23] Renumeração dada pela Lei n.º 48/2004. N.º 2 do artigo 28.º na redação originária.
[24] O teor do n.º 1 do artigo 31.º é o seguinte:
«Artigo 31.º

Articulado
1 — O articulado da lei do Orçamento do Estado contém, designadamente:

a) A aprovação dos mapas orçamentais;
b) As normas necessárias para orientar a execução orçamental;
c) A indicação do destino a dar aos fundos resultantes dos eventuais excedentes dos orçamentos dos serviços integrados e dos serviços e fundos autónomos;
d) A eventual indicação das verbas inscritas no orçamento que, para assegurar a consecução de objetivos de política orçamental, ficam cativas até o Governo autorizar a sua utilização, total ou parcial, nos casos em que a evolução da execução orçamental o permita;
e) A determinação do montante máximo do acréscimo de endividamento líquido e as demais condições gerais a que se deve subordinar a emissão de dívida pública fundada pelo Estado, através do Governo, e pelos serviços e fundos autónomos, durante o ano económico;
f) A determinação dos montantes suplementares ao acréscimo de endividamento líquido autorizado, nos casos em que se preveja o recurso ao crédito para financiar as despesas com as operações a que se refere a antecedente alínea d) ou os programas de ação conjuntural;
g) A determinação das condições gerais a que se devem subordinar as operações de gestão da dívida pública legalmente previstas;
h) A determinação do limite máximo das garantias pessoais a conceder pelo Estado, através do Governo, e pelos serviços e fundos autónomos, durante o ano económico;
i) A determinação do limite máximo dos empréstimos a conceder e de outras operações de crédito ativas, cujo prazo de reembolso exceda o final do ano económico, a realizar pelo Estado, através do Governo, e pelos serviços e fundos autónomos;
j) A determinação do limite máximo das antecipações a efetuar, nos termos da legislação aplicável;
l) A determinação do limite máximo de eventuais compromissos a assumir com contratos de prestação de serviços em regime de financiamento privado ou outra forma de parceria dos setores público e privado;
m) A determinação dos limites máximos do endividamento das regiões autónomas, nos termos previstos na respetiva lei de finanças;
n) A eventual atualização dos valores abaixo dos quais os atos, contratos e outros instrumentos geradores de despesa ou representativos de responsabilidades financeiras diretas ou indiretas ficam isentos de fiscalização prévia pelo Tribunal de Contas;
o) O montante global máximo de autorização financeira ao Governo para satisfação de encargos com as prestações a liquidar referentes a contratos de investimento público no âmbito da Lei de Programação Militar, sob a forma de locação;
p) As demais medidas que se revelem indispensáveis à correta gestão financeira dos serviços integrados, dos serviços e fundos autónomos e do sistema de segurança social no ano económico a que respeita a lei do Orçamento.»
[25] “A Nova Lei de Enquadramento Orçamental: Reflexões Breves sobre a sua Forma, Conteúdo e Efeitos”, in Estudos de Homenagem Ao Prof. Doutor Jorge Miranda, volume V, Coimbra Editora, 2012, pág. 787.
[26] Alterada pela lei n.º 2/2018, de 29 de janeiro.
[27] A redação do n.º 2 do artigo 41.º da Lei n.º 151/2015 é a seguinte:

«2 — As disposições constantes do articulado da lei do Orçamento do Estado limitam-se ao estritamente necessário para a execução da política orçamental e financeira.»
[28] Este Conselho Consultivo já se pronunciou, aliás, anteriormente sobre esta figura no sentido da sua constitucionalidade (veja-se, por exemplo, o Parecer n.º 4/2002, de 27 de junho de 2002, publicado no Diário da República, II Série, n.º 223, de 26 de setembro de 2002).
[29] Vide parte II, ponto 1.
[30] O artigo 280.º, inserido no Título II (“Disposições fiscais”), tem a seguinte redação:
«Artigo 280.º

Contribuição extraordinária sobre o setor energético
Mantém-se em vigor em 2018 a contribuição extraordinária sobre o setor energético, cujo regime foi aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83 -C/2013, de 31 de dezembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 33/2015, de 27 de abril, e pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, com as seguintes alterações:

a) Consideram-se feitas ao ano de 2018 todas as referências ao ano de 2015, com exceção das que constam do n.º 1 do anexo i a que se referem os n.os 6 e 7 do artigo 3.º daquele regime;
b) Considera-se feita ao ano de 2018 a referência constante ao ano de 2017 no n.º 4 do artigo 7.º daquele regime.»
[31] A redação do artigo 210.º do OE 2018 é a seguinte:
«Artigo 210.º

Tarifa solidária para o gás de petróleo liquefeito engarrafado
1 — É criada a tarifa solidária de gás de petróleo liquefeito (GPL) engarrafado a aplicar a clientes finais economicamente vulneráveis.
2 — A tarifa solidária de GPL engarrafado é regulamentada por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das autarquias locais e da energia, tendo em conta as seguintes regras e princípios:

a) São elegíveis para beneficiar da tarifa solidária de GPL engarrafado as pessoas singulares que se encontrem em situação de carência socioeconómica, nomeadamente complemento solidário para idosos, rendimento social de inserção, subsídio social de desemprego, abono de família, pensão social de invalidez, pensão social de velhice ou cujo agregado familiar tenha um rendimento anual igual ou inferior a € 5808, acrescido de 50 % por cada elemento do agregado familiar que não aufira qualquer rendimento, até ao máximo de 10;
b) Consideram-se ainda elegíveis os beneficiários de tarifa social de fornecimento de energia elétrica, devendo, para o efeito, a Direção-Geral da Energia e Geologia (DGEG) fornecer aos municípios requerentes a identificação dos beneficiários elegíveis na respetiva circunscrição territorial;
c) A tarifa solidária corresponde à aquisição de GPL engarrafado pelos beneficiários elegíveis em locais definidos pelos municípios aderentes a um preço solidário fixado pelo membro do Governo responsável pela área da energia;
d) A adesão dos municípios ao regime de tarifa solidária de GPL engarrafado é voluntária e constitui uma competência da respetiva câmara, concretizando-se através de um protocolo-tipo aprovado por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das autarquias locais e da energia;
e) O GPL engarrafado a preço solidário é vendido pelos operadores titulares de marca própria, selecionados através de concurso público para todo o território do continente lançado pela DGEG em termos a definir por portaria aprovada dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das autarquias locais e da energia, a que compete a decisão de contratar;
f) O procedimento concursal referido na alínea anterior deve garantir, nomeadamente, o preço do GPL engarrafado adequado aos fins prosseguidos pela tarifa solidária, a disponibilização de um sistema informático que permita assegurar a implementação e operacionalidade da tarifa solidária, a ser utilizado pelos municípios aderentes e pelos interessados, bem como a atribuição automática da tarifa solidária àqueles que beneficiem da tarifa social de fornecimento de energia elétrica;
g) Pode o Governo, através de um projeto-piloto em número de municípios limitado, com a duração de um ano, testar a aplicação da tarifa solidária, em termos a definir por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das autarquias locais e da energia;
h) No âmbito da tarifa solidária de GPL engarrafado, são inoponíveis as cláusulas contratuais que atribuam o exclusivo na distribuição ou venda de GPL engarrafado de uma determinada marca a um grossista ou retalhista numa determinada área geográfica.»
[32]
«Proposta de Aditamento
Artigo 142.º-G
Custos com a tarifa social de gás natural

Os custos decorrentes da aplicação da tarifa social aos clientes de gás natural, nos termos do artigo 121.º da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março e do Despacho n.º 5138-B/2016, de 14 de abril, são suportados pelas empresas transportadoras e comercializadoras de gás natural na proporção do volume comercializado de gás no ano anterior.»
[33] Ver Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 18, de 24 de novembro de 2017.
[34] Sobre a tarifa social de energia elétrica, pronunciou-se já este Conselho Consultivo no Parecer n.º 39/2012 (Publicado no Diário da República, II Série, n.º 84, de 7 de maio de 2013), de que se recordam aqui as suas seguintes conclusões:

«17.ª — A tarifa social de fornecimento de energia elétrica, criada pelo Decreto-Lei n.° 138-A/2010, de 28 de dezembro constitui uma medida de política social de proteção dos consumidores economicamente vulneráveis, configurando-se como uma obrigação de serviço público na linha das orientações europeias presentes, nomeadamente, na Diretiva n.° 2009/72/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho, que estabelece regras comuns para o mercado interno de eletricidade, orientações, aliás, já presentes na Diretiva n.° 2003/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho;

18.ª — A tarifa social é determinada mediante a aplicação de um desconto na tarifa de acesso às redes em baixa tensão normal, sendo o valor desse desconto determinado pela ERSE;

19.ª — Nos termos do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 138-A/2010, o financiamento dos custos com a aplicação da tarifa social incide sobre todos os titulares de centros eletroprodutores em regime ordinário, na proporção da potência instalada de cada centro eletroprodutor, sendo esses custos devidos à entidade concessionária da Rede Nacional de Transporte de Energia Elétrica (RNT), enquanto operador do sistema;»
[35] Ver, por todos, J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1993, pág. 170.
[36] Recentemente alterado pelo Regulamento n.º 224/2018, de 16 de abril.
[37] O artigo 3.º tem a epígrafe “Siglas e definições”.
[38] Cfr. o citado preâmbulo do Regulamento n.º 224/2018.
[39] A redação originária do artigo 40.º era a seguinte:
«Artigo 40.º

Faturação dos custos com a tarifa social
1 — Os custos relativos à tarifa social publicados pela ERSE nos termos previstos no RT são faturados mensalmente pelos operadores das redes de distribuição ao operador da rede de transporte.
2 — Os operadores das redes de distribuição devem manter registos auditáveis sobre a aplicação da tarifa social, com informação por cliente e respetivo período de aplicação.»
[40]
«Artigo 10.º

Definição das Tarifas
O presente regulamento define as seguintes tarifas:

a) Tarifa de Acesso às Redes.
b) Tarifa Social de Acesso às Redes a aplicar aos clientes finais economicamente vulneráveis.
c) Tarifa transitória de Venda a Clientes Finais a aplicar por cada comercializador de último recurso retalhista.
d) Tarifa Social de Venda a Clientes Finais a aplicar por cada comercializador de último recurso retalhista aos clientes finais economicamente vulneráveis.
e) Tarifa de Energia da atividade de Compra e Venda de gás natural do comercializador de último recurso grossista para fornecimento aos comercializadores de último recurso retalhistas.
f) Tarifa de Energia a aplicar por cada comercializador de último recurso retalhista.
g) Tarifa de Uso do Terminal de Receção, Armazenamento e Regaseificação de GNL.
h) Tarifa de Uso do Armazenamento Subterrâneo.
i) Tarifa de Operação Logística de Mudança de Comercializador.
j) Tarifa de Uso Global do Sistema.
k) Tarifa de Uso da Rede de Transporte.
l) Tarifa de Uso da Rede de Distribuição de cada operador de rede de distribuição:

i) Tarifa de Uso da Rede de Distribuição em MP;
ii) Tarifa de Uso da Rede de Distribuição em BP.

m) Tarifa de Comercialização a aplicar por cada comercializador de último recurso retalhista.»
[41] Ver supra ponto 2 (parte III).
[42] Cfr. os referidos artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 30/2006 e artigo 3.º, n.º 2, alíneas s) e tt) do Regulamento de Relações Comerciais.
[43] Não será despiciendo também convocar as noções de transporte e de distribuição constantes, respetivamente, dos n.os 3 e 5 do artigo 2.º da Diretiva 2009/73/CE, assim:

«3. «Transporte», o transporte de gás natural através de uma rede essencialmente constituída por gasodutos de alta pressão, que não seja uma rede de gasodutos a montante nem uma parte dos gasodutos de alta pressão utilizados principalmente na distribuição local de gás natural, para efeitos do seu fornecimento a clientes, mas não incluindo o fornecimento;»

«5. «Distribuição», o transporte de gás natural através de redes locais ou regionais de gasodutos para entrega ao cliente, mas não incluindo a comercialização;»
[44] Ver parte II, ponto 6.
[45] Aprovou o Orçamento do Estado para 2018.
[46] Publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 76, de 18 de abril de 2017.
[47] A que muito bem caberia, sem estrangeirismos, a expressão rémoras orçamentais, em homenagem ao Autor do Sermão de Santo António aos Peixes.
[48] Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro, na redação da pela Lei n.º 2/2018, de 19 de janeiro.
[49] V. RAPHAËL DÉCHAUX, L´évolution de la jurisprudence constitutionellle en matière de «cavaliers budgétaires» entre 1996 et 2006
www.conseil-constitutionnel.fr/consei-constitutionnel/root/bank_mm/pdf/Conseil/Cavaliers.pdf