Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00003100
Parecer: P000102010
Nº do Documento: PPA01072010001000
Descritores: URBANISMO
ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO
LOTEAMENTO URBANO
PLANO DIRECTOR MUNICIPAL
ALVARÁ DE LOTEAMENTO
LICENÇA DE LOTEAMENTO
ALTERAÇÃO À LICENÇA DE LOTEAMENTO
USO DOS LOTES
RECTIFICAÇÃO DOS ACTOS ADMINISTRATIVOS
ERRO MATERIAL
VALIDADE
NULIDADE
Livro: 00
Numero Oficio: 613
Data Oficio: 04/13/2010
Pedido: 04/14/2010
Data de Distribuição: 04/16/2010
Relator: MANUEL MATOS
Sessões: 01
Data da Votação: 07/01/2010
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: MAOT
Entidades do Departamento 1: SEOTCIDADES
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 09/27/2010
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 14-10-2010
Nº do Jornal Oficial: 200
Nº da Página do Jornal Oficial: 50842
Indicação 2: ASSESSOR: MARIA JOSÉ RODRIGUES
Área Temática:DIR ADM * ADM PUBL / DIR CIV * TEORIA GERAL / DIR URB
Ref. Pareceres:P000341990Parecer: P000341990
P000711993Parecer: P000711993
P000452004Parecer: P000452004
P000642004Parecer: P000642004
P001522004Parecer: P001522004
Legislação:CRP76 ART66 ; DL 555/99 DE 1999/12/16 ART77; L 13/00 DE 2000/07/20 ; DL 177/2001 DE 2001/06/04 ART27 ; L 15/2002 DE 2002/02/22 ; L 4-A/2003 DE 2003 /02/19 ; DL 157/2006 DE 2006/08/08 ; L 60/2007 DE 2007/09/04 ; DL 26/2010 DE 2010/03/30 ; L 48/98 DE 1998/08/11; DL 380/99 DE 1999/09/22 ; DL 53/2000 DE 2000/04/07 ; DL 310/2003 DE 2003/12/10 ; DL 58/2005 DE 2005/12/29 ; L 56/2007 DE 2007/08/31 ; DL 316/2007 DE 2007/09/19 ; DL 46/2009 DE 2009/02/20 ; DL 181/2009 DE 2009/08/07; DL 400/84 DE 1984/12/31 ; DL 448/91 DE 1991/11/29 ; CPCIV ART667 N1 CPA ART48 CCIV66 ART249
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:AC STA DE 2002/10/01 ; AC STA DE 1999/11/18 , PROC 44891; AC STA DE 2002/10/01 , PROC 47105 ; AC STA DE 2003/07/01 ; PROC 1596/02 ; AC STA DE 1983/11/03 IN AP DR DE 1986/11/05
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1.ª – Os erros materiais de actos administrativos susceptíveis de rectificação ao abrigo do disposto no artigo 148.º do Código do Procedimento Administrativo são aqueles que, respeitando à expressão da vontade da autoridade administrativa, sejam ostensivos, evidentes, indiscutíveis, que facilmente se detectem e se identifiquem como tais;

2.ª – Perante os elementos de facto disponíveis, não se evidenciam os pressupostos objectivos enunciados na anterior conclusão aptos a justificar a rectificação do acto de licenciamento do loteamento urbano, titulado pelo alvará n.º 15/89, de 23 de Junho, nos termos do qual, de entre as demais especificações, se prescreveu que todos os respectivos lotes se destinam à edificação de prédios para habitação;

3.ª – A rectificação desse alvará, decidida em 14 de Agosto de 2003 por despacho da Vereadora da Câmara Municipal de Lisboa, no uso de competência que lhe foi delegada, nos termos da qual se consagrou o uso terciário para um dos lotes – lote 11 –, consubstancia um acto de alteração do licenciamento da operação de loteamento urbano a que corresponde o alvará n.º 15/89, referidos na conclusão anterior;

4.ª – Essa alteração, por não ter respeitado as prescrições fixadas no artigo 27.º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho, então em vigor, é nula, mantendo-se plenamente eficaz a licença de loteamento original e respectivo alvará;

5.ª – Estão feridas de nulidade quaisquer licenças de construção concedidas que não respeitem as condições da licença do loteamento titulado pelo alvará n.º 15/89, conforme prescreve o artigo 68.º, alínea a), do RJUE, nelas se incluindo as que se referem ao uso que aí ficou estabelecido para as edificações a implantar nos respectivos lotes.

Texto Integral:




Senhora Ministra do Ambiente
e do Ordenamento do Território,
Excelência:





I
No Gabinete da Secretária de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, foi elaborada uma “Nota” relativa ao «Loteamento n.º 15/89 – Rua Mateus Vicente/Rua José Maria Nicolau», aí constando que:

«A Câmara Municipal de Lisboa solicitou a intervenção da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDRLVT) no sentido de esclarecer as dúvidas que se suscitam quanto à legalidade do acto de rectificação do alvará de loteamento n.º 15/89, praticado em 14 de Agosto de 2003, o qual sustentou o licenciamento, em 30.01.2008, de uma construção para o Lote 11 do mencionado alvará.

A rectificação em referência consistiu na consagração do uso terciário para o lote 11 que no Alvará n.º 15/89 estava destinado à edificação de prédios de habitação, com fundamento numa desconformidade entre a letra do alvará n.º 15/89 e o estudo que lhe serviu de suporte ancorado nos títulos jurídicos de transmissão da propriedade ao Sport Lisboa e Benfica, e correlativas deliberações municipais.

Na sequência de uma exposição que lhe foi endereçada pelos moradores vizinhos da construção licenciada para o lote 11, S. Ex.ª o Senhor Provedor de Justiça, no âmbito das averiguações preliminares a que procedeu e com base em documentação que, para o efeito, lhe foi disponibilizada pela Câmara Municipal de Lisboa, considerou que o acto de rectificação ao alvará n.º 15/89 padece do vício de invalidade ou, mesmo, de inexistência jurídica.

Considera aquela entidade que a rectificação efectuada não possuiu eficácia correctiva de erros de escrita ou de cálculo, tendo-
-se, antes, configurado como uma verdadeira alteração à licença de loteamento que aquele alvará titula, pelo que deveria ter obedecido à tramitação legalmente estabelecida para a alteração da licença de loteamento.


Instada a pronunciar-se sobre esta questão controvertida, a CCDRLVT elaborou a Informação DSAJAL/DAJ n.º 75/2010 onde concluiu que “o procedimento utilizado, de rectificação ao alvará, carece de adequação, sendo de duvidosa legalidade”.

Atendendo ao que, sumariamente, se descreveu e considerando que a Câmara Municipal de Lisboa solicitou a intervenção da CCDRLVT, no âmbito das suas atribuições de apoio jurídico às câmaras municipais, visando a obtenção de uma posição de entidade terceira que lhe permitisse a adopção de uma decisão em matéria na qual subsiste uma divergência jurídica entre os seus serviços e a Provedoria de Justiça e verificando-se que a análise da CCDRLVT não é inequívoca quanto à validade do acto em causa;

Considerando, ainda, que as repercussões que a decisão sobre a legalidade do acto de rectificação ao alvará 15/89 se projectam ao nível da posterior aprovação e licenciamento da construção para o lote 11, propõe-se que:

1 – Ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 37.º do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, se solicite à Procuradoria-Geral da República que, através do seu Conselho Consultivo, se pronuncie, com urgência, sobre a legalidade do acto de rectificação ao alvará n.º 15/89, aprovado em 14 de Agosto de 2003.»

Vossa Excelência concordou com tal proposta pelo que cumpre emitir parecer ao qual foi atribuída natureza urgente.

II

Para a compreensão das questões que estão presentes nesta consulta, convirá registar alguns dos elementos de facto que se nos afiguram pertinentes e que são referidos no processo, designadamente nas conclusões preliminares elaboradas pelo Provedor de Justiça[1], no parecer da Divisão de Assessoria Jurídica do Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa[2] e na informação da CCDRLVT – Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo[3].

Da escritura de doação e alteração, de 2 de Março de 1979, resulta que, em 1969, a Câmara Municipal de Lisboa vendeu ao Sport Lisboa e Benfica (SLB) duas parcelas de terreno confinantes e exclusivamente destinadas à edificação da sede do clube e à construção do estádio, de campo de jogos e arruamentos.

Admite-se, nessa escritura, que nessas parcelas de terreno é admissível outro tipo de uso: equipamento urbano.

A Câmara Municipal de Lisboa autoriza o SLB a construir edifícios para habitação, comércio e escritórios, numa área de 12.806 m2, e, em contrapartida aquela entidade desportiva doa à Câmara um prédio em Lisboa, na Avenida Gomes Pereira, e a quantia de «1.2200.00$»[4], ficando responsável pela construção das infra-estruturas. Qualquer aumento de área de construção que a Câmara Municipal venha a autorizar e que não se destine a instalações desportivas fica sujeito ao pagamento de compensação.

Em 23 de Junho de 1989, a Câmara Municipal de Lisboa emitiu o Alvará de Loteamento n.º 15/89 onde se consignou que os lotes que titulava se destinavam a habitação. Um desses lotes – o Lote 11 – possui uma área de 4.841,675 m2, confrontando, de acordo com a rectificação operada em 31 de Outubro de 1990, «para reparação de um lapso na descrição predial», a Norte com os Lotes 1 a 10, de Nascente com os Lotes 1 a 6, a Sul com a Rua Projectada e a Poente com os Lotes 8 a 10 e Rua Projectada.

Em 21 de Dezembro de 2001, a SOCOPAVE – Sociedade Construtora de Pavilhões, Lda, requereu a aprovação do projecto de arquitectura e o licenciamento da construção de edifício a implantar no Lote 11 do referido Alvará de Loteamento n.º 15/89.

Em 15 de Maio de 2002, os serviços camarários elaboram Informação[5] sobre o pedido, onde se lê, nomeadamente, o seguinte[6]:

«4 – (…) O presente processo (p.p.) refere-se à construção nova de um edifício destinado a escritórios, a localizar na Rua Mateus Vicente, lote n.º 11, em área designada por Urbanização Norte do Sport Lisboa e Benfica. O local insere-se em Áreas Consolidadas de Utilização Colectiva Habitacional, conforme a Planta de Ordenamento do Plano Director Municipal (P.D.M.). Encontra-se também em área abrangida por alvará de loteamento, com o n.º 15/89, requerido por Sport Lisboa e Benfica, no lote n.º 11. Como antecedentes ao p.p., encontram-se: o Processo n.º 3496/89, projecto de loteamento inicial; o Alvará 15/89, de 23 de Junho de 1989, alterado em 30 de Outubro de 1990, e o Protocolo celebrado entre a Câmara Municipal de Lisboa e o Sport Lisboa e Benfica em 8 de Novembro de 1995, relativo à edificabilidade a aprovar para as urbanizações Norte e Sul. Pela análise do p.p. verifica-se que, de acordo com o Quadro Sinóptico apresentado na Proposta, foram estabelecidos, entre outros, os seguintes parâmetros:

- Área total do Lote: 4841,675 m2
- Área bruta de Implantação: 4323,10 m2
- Área bruta de construção: 35198,89 m2
- Superfície de Pavimento: 16410,76 m2
- N.º de pisos acima do solo: 4
- N.º de pisos abaixo do solo: 4.

5 - Verificado o conteúdo do p.p., constatou-se que a operação urbanística que se pretende realizar consiste numa obra de construção nova em área abrangida por operação de loteamento, pelo que se encontra sujeita a autorização administrativa nos termos da alínea c) do n.º 3 do artº 4.º do DL n.º 555/99 e não à licença administrativa solicitada pela requerente.
6 – Comparando os usos propostos no p.p. com os estipulados no alvará de loteamento 15/89, verificou-se existir uma discrepância entre os mesmos. Assim, enquanto o referido alvará prevê que “os lotes destinam-se à edificação de prédios para habitação” (veja-se fls. 27 do p.p.), no p.p. propõe-se a construção de um edifício destinado a escritórios. Verificou-se também que a cláusula de edificabilidade para habitação se encontra descrita na Certidão da Conservatória do Registo Predial, apresentada como documento de posse.
Assim, pelos elementos apresentados, conclui-se que esta modificação do uso conduz a uma alteração à licença da operação de loteamento, nos termos do artº 27.º do DL n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo DL 177/2001, de 4 de Junho, alteração essa que deverá sujeitar-se aos condicionalismos propostos no artº 54.º do RPDM».

Foi, então, proposto o indeferimento da pretensão o que mereceu concordância do Chefe de Divisão, da Directora e do Director Municipal.

Notificada do projecto de decisão, a requerente veio informar que, em 19 de Abril de 2002, solicitara à CML, ao abrigo do disposto no artigo 148.º do CPA, a rectificação do erro material existente no alvará de loteamento n.º 15/89, de 23 de Junho, referindo-se que o lote 11 se destina a «escritórios e serviços»[7].

Alude-se no parecer emitido pela Divisão de Assessoria Jurídica da CML que os serviços municipais instrutores foram unânimes em verificar a existência do alegado erro material do referido alvará de loteamento, reconhecendo-se, em informação então redigida a existência de tal erro e «imprecisão grosseira» na classificação de usos do loteamento, afirmando-se aí que:

«O controvertido Lote 11 integra-se no Alvará de Loteamento n.º 15/89, que comporta cinco lotes e em cujos termos estes se destinam à “edificação de prédios para habitação”.
Ora, o referido alvará foi emitido na sequência do estudo apresentado na Planta n.º 18265 da 8.ª Repartição da Divisão de Planeamento Urbanístico da Direcção dos Serviços de Urbanização, aprovado por Despacho de 22DEZ1981 do Exmo Presidente da Câmara, tendo por objecto a redefinição dos contornos da zona desportiva do Clube e das áreas passíveis de construção de edifícios destinados a habitação, comércio e escritórios.
Com efeito, constitui antecedente imediato do referido estudo, com interesse para a sua contextualização, o Contrato de Doação e Alteração outorgado por escritura pública de 02MAR1979, e ratificado pela mesma forma em 30MAI1979, na sequência da Deliberação da Câmara Municipal tomada na sua reunião de 26FEV1979, através da qual se autoriza expressamente o Sport Lisboa e Benfica a construir edifícios destinados a habitação, comércio e escritórios na parcela de terreno com a área de 12806 m2 delimitada na cópia da Planta n.º 17534 da 17.ª Repartição da Direcção dos Serviços de Urbanização, parcela esta constituída por parte das parcelas A e B que o Município alienara ao Clube por escritura de 21OUT1969.
Aliás, por despacho de 4NOV1977 do Exmo Sr. Presidente da Câmara fora aprovado um outro estudo da localização e volumetria das construções nos terrenos destinados ao Sport Lisboa e Benfica, constante da Planta n.º 17305 da 3.ª Repartição da Divisão de Planeamento Urbanístico da Direcção dos Serviços de Urbanização, sendo que já nessa altura se previa que as edificações se destinavam a habitação, comércio e actividades desportivas e sociais (…).

Dos factos acima enunciados resulta claro que existe uma desconformidade flagrante entre a letra do Alvará de Loteamento n.º 15/89 e o estudo que lhe serviu de suporte, ancorado nos títulos jurídicos de transmissão da propriedade ao Sport Lisboa e Benfica e correlativas deliberações dos órgãos municipais.

Dúvidas não restam, pois, de que o referido Alvará enferma de erro material, na parte em que estabelece como único uso admitido para [a] generalidade dos lotes a habitação.

No caso em análise, e uma vez reconhecida a existência de erro material manifesto na declaração da vontade espelhada no Alvará de Loteamento n.º 15/89, não se justifica, por conseguinte, o recurso ao procedimento de alteração do Alvará previsto no artº 27.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 17 de Dezembro.»

No termo desse procedimento, a Vereadora da Câmara Municipal de Lisboa proferiu, em 14 de Agosto de 2003, o seguinte despacho:

«ALVARÁ DE LOTEAMENTO N.º 15/89
(RECTIFICAÇÃO)
Nos termos do disposto no artigo 74.º e 77.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com a redacção dada pelo Decreto-
-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho, e no uso das competências delegadas pelo Presidente da Câmara Municipal de Lisboa ao abrigo do n.º 2 do artigo 65.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, pelo Despacho n.º 199/P/2003, publicado no Boletim Municipal n.º 484, de 29 de Maio, hei por conveniente rectificar o Alvará de Loteamento n.º 15/89, do prédio situado na Avenida General Norton de Matos, freguesia de Benfica, descrito na 5.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa com o n.º 15002, onde por lapso se referiu que os Lotes se destinam à edificação de prédios de habitação, deverá constar que os Lotes se destinam à construção de prédios de habitação, com excepção do Lote n.º 11 que se destina a actividade terciária.

Em tudo o mais se mantém o mencionado no Alvará de Loteamento n.º 15/89, emitido em 23/06/89, com uma rectificação em 31/10/1990».

Em 6 de Maio de 2004, a CML aprova o projecto de arquitectura que a requerente (SOCOPAVE – Sociedade Construtora de Pavilhões, Lda) havia apresentado, sendo deferido, em 30 de Janeiro de 2008, o pedido de licenciamento de uma construção no lote 11 do Alvará de Loteamento n.º 15/89, deferimento notificado, em 19 de Março de 2008, à sociedade Torres da Luz – Investimentos Imobiliários, S.A., entidade que, entretanto, requerera o averbamento a seu favor.

É referido no dossiê que alguns processos camarários instrutores do loteamento em causa se extraviaram, tendo sido ordenada a sua reforma e a realização de inquérito para apuramento das circunstâncias do seu desaparecimento.




III

1. A consulta surge delimitada à validade do acto de rectificação do alvará de loteamento n.º 15/89, que se transcreveu, praticado por vereadora da Câmara Municipal de Lisboa, no uso de competência delegada, em 14 de Agosto de 2003.

Visando o enquadramento da questão que é colocada, parece-nos pertinente que se conceda alguma atenção ao conceito de loteamento urbano e à evolução do respectivo regime jurídico, fazendo sentido ainda que, a propósito, se convoquem as figuras do urbanismo e do ordenamento do território com as quais ele apresenta uma estreita conexão.

2. Como refere FERNANDO ALVES CORREIA, o urbanismo como facto social «expressa o fenómeno secular do crescimento da cidade, devido à atracção que a vida desta exerce sobre as populações rurais»[8].

O urbanismo configura-se também como técnica de criação, reforma e de desenvolvimento das cidades.

No sentido de ciência, o urbanismo é considerado como o conjunto de conhecimentos relativos à investigação e ao ordenamento dos aglomerados urbanos.

Por fim, para o Autor que vimos acompanhando, o urbanismo enquanto política revela-se como «o conjunto articulado de objectivos e de meios de natureza pública, com vista à ocupação, uso e transformação racional do solo»[9].

Este corpo consultivo tem-se debruçado, em várias ocasiões, sobre o direito do urbanismo[10].

Assim, pode ler-se no Parecer n.º 71/93:

«O desenvolvimento industrial e comercial da época moderna, o afluxo das populações aos grandes centros urbanos, e o imperativo da reconstrução nos países afectados pela guerra determinaram a necessidade de desenvolvimento da ciência urbanística relativa ao "estudo da criação, desenvolvimento, reforma e progresso das povoações em ordem às necessidades materiais da vida humana", e de disciplinar a criação e o desenvolvimento dos centros populacionais através de comandos jurídicos imperativos, isto é, à luz do direito urbanístico x.

O direito do urbanismo, que realiza os fins da ciência urbanística, consubstancia-se, grosso modo, no conjunto de regras relativas à afectação do espaço em conformidade com a definição do interesse públicox1».

Numa acepção lata, o direito do urbanismo é entendido como a disciplina jurídica que abrange «o conjunto de normas e de institutos respeitantes à ocupação, uso e transformação do solo, isto é, ao complexo das intervenções e das formas de utilização deste bem (para fins de urbanização e de construção, agrícolas e florestais, de valorização e protecção da natureza, de recuperação dos centros históricos, etc)»[11] [12].

Segundo FERNANDO ALVES CORREIA, «o objecto do direito do urbanismo (...) engloba os seguintes cinco grandes sectores: as regras jurídicas que disciplinam a ocupação, uso e transformação do solo, ou seja, as normas que determinam os tipos ou modalidades de utilização dos solos, as quais podem ter como fonte a lei (-) ou (como sucede mais frequentemente) os planos territoriais (designados pelo legislador “instrumentos de gestão territorial”), no âmbito dos quais assumem uma importância particular os planos municipais de ordenamento do território; o direito e política dos solos (que inclui, entre o mais, o regime urbanístico do direito de propriedade privada do solo e os mecanismos da intervenção da Administração Pública nos solos urbanos); os sistemas e instrumentos de execução dos planos (sendo os primeiros os sistemas de compensação, de cooperação e de imposição administrativa e contando-se, entre os segundos, como figuras principais, a expropriação por utilidade pública, o direito de preferência urbanística, o reparcelamento do solo urbano e o licenciamento e autorização de operações de loteamento urbano e de obras de urbanização e de obras de edificação); o direito administrativo da construção, que abrange as regras técnicas e jurídicas a que deve obedecer a construção de edifícios [não somente normas respeitantes à segurança, salubridade e estética das edificações, mas também normas que visam garantir, de acordo com os princípios do Estado de Direito Social, que as habitações sejam saudáveis e apresentem os requisitos (de espaço, luminosidade, conforto, etc.) necessários para que se tornem verdadeiramente dignas do homem] (-); e o contencioso do urbanismo»[13]».

Uma das finalidades prosseguidas pelo direito do urbanismo é, pois, sem dúvida, a atribuição de afectações ao espaço, ou seja, a decisão sobre o uso do espaço, a determinação dos diferentes tipos de ocupação do solo, construção, loteamento, espaços verdes, etc. que podem ser admitidos ou não em determinada zona.

3. Como se assinala no citado Parecer n.º 71/93, e se retoma noutros Pareceres deste Conselho, «o direito urbanístico está tão intensamente conexionado com o direito do ordenamento do território que não é fácil distingui-los», acrescentando-se aí:

«O ordenamento do território, originariamente encarado numa perspectiva de política económica face ao desenvolvimento resultante da industrialização, passou nos anos 70 a inscrever outros objectivos, designadamente a protecção do meio ambiente, das riquezas naturais e da qualidade de vida.

Nesta óptica, a Carta Europeia do Ordenamento do Território, aprovada pelo Conselho da Europa em 20 de Maio de 1983, expressa que o ordenamento do território é uma disciplina científica, uma técnica administrativa e uma política, concebidas como uma abordagem interdisciplinar e global e que visa desenvolver de modo equilibrado as regiões e organizar fisicamente o espaço, segundo uma concepção orientadora tendente à melhoria da qualidade de vida, à gestão responsável dos recursos naturais, à protecção do ambiente e à utilização racional do território».

O ordenamento do território é susceptível de ser caracterizado como a disciplina tendente à optimização do espaço em função das necessidades primárias, designadamente as de natureza económica, social, cultural e ecológica[14].

A distinção entre o direito do urbanismo e do ordenamento do território tem sido efectivada em termos de aquele integrar as regras jurídicas disciplinadoras do uso, destino e transformação do espaço municipal ou intermunicipal, e este os preceitos jurídicos respeitantes à conformação de índole autoritária, formal e sistemática do território na sua globalidade. «Através do ordenamento do território – lê-se Parecer n.º 152/2004 – são prosseguidos objectivos globais, que visam uma organização integrada dos espaços; por seu turno, o urbanismo, enquanto disciplina jurídica, estabelece as normas sobre intervenção e utilização dos solos, sobretudo no que respeita à edificação e à infraestruturação que se mostram condicionadas, a montante, “por um variado e heterogéneo conjunto de regimes que devem obter uma expressão unitária, e operativa, no chamado direito do ordenamento do território”[x2]».

Os planos do ordenamento do território constituem a estrutura básica do direito do urbanismo lato sensu, pois visam a inventariação da realidade urbanística, a conformação do território e do direito de propriedade do solo e a gestão do território.

A Constituição da República erigiu em tarefa fundamental do Estado a actividade de assegurar o ordenamento do território e, em conformidade, incumbiu-o de o ordenar e de promover, no quadro da correcta localização das actividades, o equilibrado desenvolvimento sócio-económico e a conservação de paisagens biologicamente equilibradas – artigos 9.º, alínea a), e 66.º, n.º 2, alínea b).

As bases da política de ordenamento do território e de urbanismo estão condensadas na Lei n.º 48/98, de 11 de Agosto[15], e cujo regime jurídico se encontra desenvolvido no Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro[16].

A política de ordenamento do território e de urbanismo assenta no sistema de gestão territorial que se organiza, num quadro de interacção coordenada, em três âmbitos distintos: nacional, regional e municipal (artigo 7.º da Lei n.º 48/98).

4. No âmbito municipal, vertente que, perante o objecto da consulta, entendemos autonomizar, o sistema é concretizado através dos planos intermunicipais e dos planos municipais de ordenamento do território, compreendendo estes últimos, os planos directores municipais, os planos de urbanização e os planos de pormenor (artigo 9.º, n.º 2, da Lei n.º 48/98).

Os planos municipais de ordenamento do território são instrumentos de natureza regulamentar, aprovados pelos municípios, que vinculam quer as entidades públicas, quer os particulares e que, nos termos do artigo 18.º, n.º 2, alínea b), do Decreto-Lei n.º 380/99, estabelecem, «no quadro definido pelos instrumentos de gestão territorial cuja eficácia condicione o respectivo conteúdo, os parâmetros de ocupação e de utilização do solo adequados à concretização do modelo de desenvolvimento adoptado».

O plano director municipal (PDM), cuja disciplina jurídica consta do artigo 84.º e seguintes do mesmo decreto-lei, define o modelo de organização municipal do território, estabelecendo, nos termos do artigo 85.º, designadamente, «a caracterização económica, social e biofísica, incluindo a da estrutura fundiária da área de intervenção», «a definição da área de intervenção...», «a referenciação espacial dos usos e das actividades nomeadamente através da definição das classes e das categorias de espaços», «a definição de estratégias para o espaço rural identificando aptidões, potencialidades e referências aos usos múltiplos possíveis», «a identificação e delimitação dos perímetros urbanos, com a definição do sistema urbano municipal».

Por seu turno, o plano de urbanização define «a organização espacial de parte determinada do território municipal, incluída em perímetros urbanos, podendo englobar solo rural complementar que exija uma intervenção integrada de planeamento», prosseguindo o «equilíbrio da composição urbanística» (artigos 87.º e 88.º).

Finalmente, o plano de pormenor «desenvolve e concretiza propostas de organização espacial de qualquer área do território municipal, definindo com detalhe a concepção da forma de ocupação e servindo de base aos projectos de execução das infra-estruturas, da arquitectura dos edifícios e dos espaços exteriores, de acordo com as prioridades estabelecidas nos programas de execução constantes do plano director municipal e do plano de urbanização»; pode, ainda, «desenvolver programas de acção territorial» (artigo 90.º)[17].

5. As operações urbanísticas de iniciativa particular são as de loteamento urbano e as obras de urbanização e de edificação.

Na economia da consulta, devemos destacar a operação de loteamento que pode ser encarada como uma operação urbanística, na medida em que vai determinar «um novo estatuto para o prédio ou prédios em causa»[18], definindo a respectiva licença, de forma precisa, o zonamento e a edificabilidade admitidos para certa área, configurando, por isso, sob o ponto de vista do conteúdo, um verdadeiro plano de pormenor da área que lhe diz respeito. Como, a este propósito, ponderam DIOGO FREITAS DO AMARAL e CLÁUDIO MONTEIRO, «a licença de loteamento é materialmente equiparável a um plano de pormenor, no sentido de que, para além dos seus efeitos individuais e concretos, nomeadamente os que operam a divisão jurídica da propriedade, ela contém as prescrições urbanísticas aplicáveis aos lotes de terreno para construção nela previstos»[19].

Constituindo importantes formas de intervenção nos solos, as operações de loteamento, como salienta FERNANDA PAULA OLIVEIRA, têm «incidências acentuadas ao nível do ordenamento do território, do ambiente e dos recursos naturais e com importantes repercussões na qualidade de vida dos cidadãos. Ao originar a criação de novos espaços destinados à habitação ou ao exercício das mais diversas actividades humanas, é imperioso que eles sejam projectados e realizados por forma a proporcionar o necessário conforto e bem estar, designadamente permitindo dotar as habitações e as áreas de comércio e indústria das necessárias infra-estruturas e equipamentos urbanísticos»[20].

IV

1. JOSÉ OSVALDO GOMES, à luz do regime jurídico acolhido no Decreto-Lei n.º 289/73, de 6 de Junho, definia o loteamento como «a operação urbanística de divisão de um ou vários prédios em parcelas autónomas, de qualquer área, destinadas, imediata ou subsequentemente, à construção, sujeita a prévia autorização ou licenciamento dos órgãos administrativos competentes e de que resultam alterações na titularidade, objecto e limites dos direitos reais que incidem sobre o referido prédio ou prédios»[21].

2. A divisão de prédio (ou prédios) em lotes destinados à construção não esteve sujeita a qualquer disciplina jurídica até 1965, vigorando até então algumas regras esparsas que procuravam evitar a desorganizada ocupação do solo.

2.1. Só com a publicação do Decreto-Lei n.º 46673, de 29 de Novembro de 1965, foi levada a cabo a sistematização e a regulamentação global das operações de loteamento urbano.

Nos termos do seu artigo 1.º, e para efeitos do diploma, o loteamento urbano era entendido como «a operação ou o resultado da operação que tenha por objecto ou tenha tido por efeito a divisão em lotes de um ou vários prédios fundiários, situados em zonas urbanas ou rurais, para venda ou locação simultânea ou sucessiva, e destinados à construção de habitações ou de estabelecimentos comerciais ou industriais».

Em breve síntese do regime então instituído, refira-se que todo o loteamento urbano ficou dependente de licença da câmara municipal da situação do prédio, que se pronunciaria depois de ouvido o seu serviço de obras e urbanização quando chefiado por engenheiro, arquitecto ou agente técnico de engenharia, a respectiva comissão de arte e arqueologia e a Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, cujo parecer seria, todavia, dispensado se o loteamento fosse requerido para zonas de construção urbanas previstas em plano ou anteplano de urbanização aprovado e obedecesse às condições exigidas nos seus traçados e regulamentos (artigo 2.º, n.os 1 e 2).

A licença de loteamento seria titulada por alvará do qual constariam as prescrições a que o requerente ficava sujeito e que eram enunciadas exemplificativamente no n.º 1 do artigo 6.º[22].

2.2. Seguiu-se-lhe o Decreto-Lei n.º 289/73, de 6 de Junho, que alargou o conceito de loteamento e sujeitou a aprovação dos loteamentos a regime semelhante ao que o Decreto-Lei n.º 166/70, de 15 de Abril, consagrou para o licenciamento municipal de obras particulares, fixando prazos para as várias fases do respectivo processo, obrigando à fundamentação das decisões de indeferimento ou de deferimento condicionado, facultando aos interessados a consulta dos processos e atribuindo ao silêncio da Administração efeito positivo.

2.3. Este último diploma foi substituído pelo Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de Dezembro, regime que vigorava na data em que foi licenciada a operação de loteamento titulada pelo alvará n.º 15/89.

À semelhança dos diplomas que o precederam, também o Decreto-
-Lei n.º 400/84 não definiu o loteamento urbano, delimitando antes o seu campo e incidência.


Nos termos do seu artigo 1.º:

«1. Estão sujeitas a licenciamento municipal nos termos do presente diploma:

a) As acções que tenham por objecto ou simplesmente tenham por efeito a divisão em lotes de qualquer área de um ou vários prédios, destinados, imediata ou subsequentemente, à construção;
b) ......................................................................................................

2. ........................................................................................................
3. As acções mencionadas na alínea a) do n.º 1 do presente artigo serão objecto de uma operação de loteamento a aprovar pela câmara municipal competente.
4. ......................................................................................................»

2.4. O Decreto-Lei n.º 400/84 foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro.

Nos termos do seu artigo 1.º, n.º 1, ficaram sujeitas a licenciamento municipal as operações de loteamento e as obras de urbanização, dele se exceptuando as promovidas pelas autarquias locais, pela administração directa do Estado ou pela administração indirecta do Estado quando esta prossiga fins de interesse público na área da habitação (n.º 2). Ficaram também isentas de licenciamento municipal as obras de urbanização promovidas pela administração indirecta do Estado ou pelas entidades concessionárias de serviço público, ou equiparadas, quando tais obras se destinem à prossecução de fins de interesse público (n.º 3).

O artigo 3.º ocupa-se das definições para efeitos do disposto no diploma, interessando-nos destacar a da alínea a), segundo a qual entende-
-se por:


«Operações de loteamento – todas as acções que tenham por objecto ou por efeito a divisão em lotes, qualquer que seja a sua dimensão, de um ou vários prédios, desde que pelo menos um dos lotes se destine imediata ou subsequentemente a construção urbana».

2.5. O Decreto-Lei n.º 448/91[23] foi, por sua vez, revogado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, que aprovou o regime jurídico da urbanização e edificação (RJUE)[24], actualmente vigente.

No preâmbulo deste diploma afirma-se que «as operações de loteamento e as obras de urbanização, tal como as obras particulares, concretizam e materializam as opções contidas nos instrumentos de gestão territorial, não se distinguindo tanto pela sua natureza como pelos seus fins». Optou-se, assim, pela regulação do conjunto daquelas operações urbanísticas através de um único diploma, tanto mais que – prossegue o preâmbulo – «em regra, ambas são de iniciativa privada e a sua realização está sujeita a idênticos procedimentos de controlo administrativo».

As operações de loteamento, tal como as obras de urbanização, constituem efectivamente uma das formas de intervenção dos particulares na ocupação dos solos, tendo por isso importantes implicações em sede de ordenamento do território, de ambiente, de recursos naturais, da qualidade de vida das populações, etc. Daí a sua sujeição ao controlo preventivo da Administração que passou a compreender quer a licença quer a autorização.

O diploma procedeu ao alargamento do conceito de loteamento, passando o artigo 2.º, alínea i), a definir as operações de loteamento como as «acções que tenham por objecto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados imediata ou subsequentemente à edificação urbana, e que resulte da divisão de um ou vários prédios, ou do seu emparcelamento ou reparcelamento».

Como salienta FERNANDA PAULA OLIVEIRA, «[c]om este diploma a característica essencial das operações de loteamento urbano passou a ser a transformação fundiária (recomposição predial) já que a respectiva noção passou a integrar, para além das já tradicionais operações de divisão fundiária, também as de emparcelamento e de reparcelamento de prédios para efeitos de edificação urbana, passando, deste modo, a ter um carácter mais abrangente do que até aí havia tido»[25]. Este conceito veio, entretanto, a ser redefinido na alteração introduzida ao RJUE pela Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro, tendo sido excluídos da noção os emparcelamentos.

Numa síntese do actual regime do loteamento urbano, entende LUÍS S. CABRAL DE MONCADA que o cerne do mesmo «quer fazer dele um instrumento de execução do planeamento mas ao mesmo tempo de gestão urbanística e sem perder de vista o objectivo de repartir adequadamente por seu intermédio os encargos públicos pois que o beneficiário do loteamento vai arcar com uma parte dos bastos encargos sociais que a operação importa»[26].

As operações urbanísticas e, de entre elas, as dos loteamentos urbanos estão, em regra[27], sujeitas a um «procedimento de controlo preventivo da responsabilidade do município, traduzido num acto administrativo de licenciamento, a que o RJUE veio acrescentar o acto de autorização, encontrando-se ainda submetidas a um conjunto relativamente amplo de regras de carácter substantivo cujo cumprimento deve ser garantido em concreto como condição de validade daqueles actos»[28].

Como referem as Autoras que vimos citando, «a licença ou a autorização são os actos principais dos respectivos procedimentos de controlo preventivo – isto é, são os actos administrativos que correspondem ao momento constitutivo daqueles procedimentos»[29].

A fase constitutiva do procedimento finda com o acto de licenciamento ou de autorização no qual ficam definidas todas as condições a que o mesmo fica sujeito.

3. A eficácia do acto de licenciamento está dependente da emissão de um alvará, que é um documento emitido pelo presidente da câmara[30] e que titula o licenciamento das operações urbanísticas, permitindo dar a conhecer o teor e o alcance do acto de licenciamento e fazer prova do mesmo[31].

O artigo 47.º do Decreto-Lei n.º 400/84, vigente na data da emissão do Alvará n.º 15/89, presente na consulta, referia-se a tal documento nos seguintes termos:

«Artigo 47.º – 1 – O licenciamento das operações de loteamento e das obras de urbanização é titulado por alvará.
2 - As condições estabelecidas no alvará vinculam o proprietário do prédio ou prédios a que o mesmo se refere e, na parte aplicável, os adquirentes dos lotes.
3 - A câmara municipal dará imediata publicidade à concessão do alvará mediante afixação de edital nos paços do concelho e publicação, a expensas do requerente, do respectivo aviso num dos jornais mais lidos na área e na 3.ª série do Diário da República.»

O artigo 48.º do mesmo diploma dispunha sobre os elementos que obrigatoriamente deveriam ser especificados no alvará. Tem interesse conhecer o seu teor:

«Artigo 48.º – 1 – O alvará a que se refere o n.º 1 do artigo anterior especificará obrigatoriamente os seguintes elementos:

a) A identificação do titular do alvará;
b) A identificação do prédio objecto da operação de loteamento ou das obras de urbanização;
c) As deliberações da câmara municipal relativas à aprovação da operação de loteamento e ou das obras de urbanização;
d) Enquadramento em instrumentos urbanísticos referidos neste diploma e plenamente eficazes ou, na sua falta, referência à ratificação ministerial, nos termos do artigo 18.º, ou indicação dos pareceres vinculativos das entidades consultadas, de acordo com os artigos 12.º, 24.º e 34.º;
e) Número de lotes, área e localização, com a indicação de que estão sujeitos ao ónus do n.º 4 do artigo 17.º;
f) Cedências obrigatórias e especificação das parcelas a integrar respectivamente no domínio público ou privado municipal;
g) Prazos para conclusão das obras;
h) Montantes das cauções prestadas e identificação dos respectivos títulos.

2 – O alvará conterá em anexo as plantas confirmativas dos elementos referidos nas alíneas e) e f), bem como o contrato de urbanização, se for caso disso.»

No regime estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de acordo com o disposto no seu artigo 4.º, n.º 2, alínea a), as operações de loteamento em área não abrangida por plano de pormenor estão sujeitas a licença administrativa, obedecendo os pedidos relativos a tais operações ao procedimento regulado nos artigos 18.º a 27.º. A deliberação final de deferimento do pedido de licenciamento consubstancia a licença para a realização dessa operação urbanística (artigo 26.º).

Os artigos 74.º, n.º 1, e 77.º, n.os 1, 2 e 3, do RJUE referem-se ao alvará, suas especificações e vinculatividade em termos muito próximos dos artigos 47.º e 48.º do Decreto-Lei n.º 400/84.

Integrado em subsecção dedicada aos «títulos das operações urbanísticas», dispõe o artigo 74.º, n.º 1[32], que as operações urbanísticas objecto de licenciamento são tituladas por alvará, cuja emissão é condição de eficácia da licença.

As especificações do alvará e a sua vinculatividade estão enunciadas no artigo 77.º, n.os 1, 2 e 3, nos seguintes termos:
«Artigo 77.º [[33]]
Especificações
1 – O alvará de licença de operação de loteamento ou de obras de urbanização deve conter, nos termos da licença, a especificação dos seguintes elementos, consoante forem aplicáveis:

a) Identificação do titular do alvará;
b) Identificação do prédio objecto da operação de loteamento ou das obras de urbanização;
c) Identificação dos actos dos órgãos municipais relativos ao licenciamento da operação de loteamento e das obras de urbanização;
d) Enquadramento da operação urbanística em plano municipal de ordenamento do território em vigor, bem como na respectiva unidade de execução, se a houver;
e) Número de lotes e indicação da área, localização, finalidade, área de implantação, área de construção, número de pisos e número de fogos de cada um dos lotes, com especificação dos fogos destinados a habitações a custos controlados, quando previstos;
f) Cedências obrigatórias, sua finalidade e especificação das parcelas a integrar no domínio municipal;
g) Prazo para a conclusão das obras de urbanização;
h) Montante da caução prestada e identificação do respectivo título.
2 – O alvará a que se refere o número anterior deve conter, em anexo, as plantas representativas dos elementos referidos nas alíneas e) e f).
3 – As especificações do alvará a que se refere o n.º 1 vinculam a câmara municipal, o proprietário do prédio, bem como os adquirentes dos lotes.
[…].»

Como se tem sublinhado, o artigo 77.º que se deixa reproduzido condensa «as especificações mínimas que os alvarás deverão conter e que poderão ser complementadas com outras especificações constantes do acto de licenciamento ou de autorização sempre que tal se considere necessário»[34].

Ou seja, a entidade pública licenciadora da operação de loteamento pode impor outras especificações ou condições, ainda que não previstas no citado artigo 77.º. Independentemente das especificações obrigatórias que, nos termos deste preceito, devem figurar no alvará, tudo o que estiver no acto de licenciamento é vinculativo, «não havendo que distinguir entre as que devem e as que não devem constar obrigatoriamente do alvará»[35]. Passando a figurar no correspondente alvará de loteamento, tais especificações adquirem eficácia jurídica e impõem-se nos termos do n.º 3 do artigo 77.º.

V

Uma operação de loteamento tem como efeito a constituição de lotes urbanos, devendo o respectivo alvará especificar, como decorre das disposições legais há pouco transcritas, um conjunto de elementos, nomeadamente o número de lotes e indicação da área, localização, finalidade, área de implantação, área de construção, número de pisos e número de fogos de cada um dos lotes.

Como salienta FERNANDA PAULA OLIVEIRA, esses lotes constituem «unidades prediais com uma capacidade edificativa precisa, servidos (…) pelas necessárias infra-estruturas urbanísticas (…) e por áreas verdes e de utilização colectiva e equipamentos – que ficam logo previstas ou, sendo caso disso, são imediatamente cedidas ao município para aqueles fins»[36]. Como, em outro local, escreve esta Autora, «o estatuto específico dos lotes advém-lhes da edificabilidade precisa que para eles é definida, a qual fica estabilizada com o licenciamento»[37], sendo, aliás, prossegue a Autora, «em função das condições de edificabilidade dos lotes definida de forma estável na licença ou admissão da comunicação prévia de um loteamento que se definem os deveres e os encargos a assumir pelo promotor do loteamento de forma a garantir que a edificabilidade prevista para a área (isto é, para cada lote a criar com a operação de loteamento) tem condições para poder ser concretizada»[38].

Como já se disse, uma licença de loteamento pode equiparar-se materialmente a um plano de pormenor, assumindo uma função paramétrica semelhante a tal plano urbanístico, seja pelos efeitos individuais e concretos dela decorrentes, seja porque contém as prescrições ou especificações urbanísticas aplicáveis aos lotes de terreno para construção previstos[39].

Aquele título introduz, por isso, um factor de segurança e de estabilidade no mercado imobiliário na medida em que concretiza a edificação prevista cujas condições ou especificações define e que são vinculativas para a câmara municipal, para o promotor, e para os terceiros adquirentes dos lotes (cfr. artigo 77.º, n.º 3, do RJUE) ou dos prédios ou fracções neles construídos.

Daí que, admitindo-se, como se verá, a possibilidade de alterações à licença de loteamento, elas devam respeitar condições bem precisas, previstas na lei.

Perante os elementos disponíveis no processo, acima recenseados[40], interessa recordar que o alvará de loteamento n.º 15/89 especifica que os lotes se destinam à edificação de prédios para habitação, em conformidade, aliás, com o Regulamento do Plano Geral de Urbanização do Concelho de Lisboa (RPGUCL), instrumento de planeamento urbanístico aprovado pela Portaria n.º 274/77, de 19 de Maio, que integrava o loteamento em causa na Unidade de Ordenamento 1 – habitacionais, de habitação colectiva ou de habitação individual.

Decorre do exposto, que a licença de loteamento e o respectivo titulo (alvará) definem um uso específico para a edificação a implantar nos lotes constituídos, nos quais se inclui o lote 11. Esse uso é de tipo habitacional que seria, reafirma-se, aquele que o referido RPGUCL então contemplava. A licença de loteamento, em obediência a tal instrumento urbanístico, tinha de conferir esse uso habitacional aos lotes, uso que, em conformidade, se registou no respectivo alvará.

Presentemente, o Plano Director Municipal (PDM) de Lisboa[41] admitirá na zona loteada edifícios de utilização colectiva terciária ou edifícios de utilização colectiva mista (de uso habitacional e terciário), elemento que poderá assumir relevância em eventual procedimento de alteração do licenciamento titulado pelo referido alvará de loteamento n.º 15/89.

Essa alteração deverá, porém, conformar-se com disposições normativas próprias que, seguidamente, se vão convocar.

VI

As concepções urbanísticas subjacentes a determinada operação de loteamento e que justificaram uma concreta solução urbanística não são estáticas, impondo-se, por vezes, alterações aos loteamentos licenciados, possibilidade que, aliás, sempre foi prevista nos sucessivos diplomas legais que regularam esta actividade urbanística[42].

O artigo 27.º do RJUE contempla as alterações à licença de loteamento, dispondo:


«Artigo 27.º [[43]]
Alterações à licença
1 – A requerimento do interessado, podem ser alterados os termos e condições da licença.
2 – A alteração da licença de operação de loteamento é precedida de consulta pública quando a mesma esteja prevista em regulamento municipal ou quando sejam ultrapassados alguns dos limites previstos no n.º 2 do artigo 22.º
3 – Sem prejuízo do disposto no artigo 48.º, a alteração da licença de operação de loteamento não pode ser aprovada se ocorrer oposição escrita da maioria dos proprietários dos lotes constantes do alvará, devendo, para o efeito, o gestor de procedimento proceder à sua notificação para pronúncia no prazo de 10 dias.
4 – A alteração à licença obedece ao procedimento estabelecido na presente subsecção, com as especialidades constantes dos números seguintes.
5 – É dispensada a consulta às entidades exteriores ao município desde que o pedido de alteração se conforme com os pressupostos de facto e de direito dos pareceres, autorizações ou aprovações que hajam sido emitidos no procedimento.
6 – No procedimento de alteração são utilizados os documentos constantes do processo que se mantenham válidos e adequados, promovendo a câmara municipal, quando necessário, a actualização dos mesmos.
7 – A alteração da licença dá lugar a aditamento ao alvará, que, no caso de operação de loteamento, deve ser comunicado oficiosamente à conservatória do registo predial competente para efeitos de averbamento, contendo a comunicação os elementos em que se traduz a alteração.
8 – As alterações à licença de loteamento, com ou sem variação do número de lotes, que se traduzam na variação das áreas de implantação ou de construção até 3 %, desde que não impliquem aumento do número de fogos, alteração de parâmetros urbanísticos ou utilizações constantes de plano municipal de ordenamento do território, são aprovadas por simples deliberação da câmara municipal, com dispensa de quaisquer outras formalidades, sem prejuízo das demais disposições legais e regulamentares aplicáveis.
9 – Exceptuam-se do disposto nos n.os 3 a 6 as alterações às condições da licença que se refiram ao prazo de conclusão das operações urbanísticas licenciadas ou ao montante da caução para garantia das obras de urbanização, que se regem pelos artigos 53.º, 54.º e 58.º.»

As condições do licenciamento de operação de loteamento podem ainda ser alteradas por iniciativa da câmara municipal desde que tal alteração se mostre necessária à execução de plano municipal de ordenamento do território e de outros instrumentos de planeamento territorial ou urbanísticos. Trata-se de uma possibilidade contemplada no artigo 48.º do RJUE e, quando concretizada, o titular do alvará e demais interessados terão de ser indemnizados pelos danos causados, conforme dispõe o n.º 4 do citado preceito.

A alteração da licença de operação de loteamento, processada nos termos do artigo 27.º do RJUE, deveria, em regra, ser precedida de discussão pública, salvo se houvesse consentimento escrito dos proprietários de todos os lotes constantes do alvará. Assim estabelecia o n.º 2 do citado artigo 27.º, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 177/2001.

No regime subsequente às alterações introduzidas pela Lei n.º 60/2007, a alteração do loteamento deixou de ser, em regra, precedida de discussão pública. Nos termos do mesmo preceito, na redacção introduzida pela citada lei, que se mantém, a alteração da licença da operação de loteamento é precedida de discussão pública quando esteja prevista em regulamento municipal ou quando sejam ultrapassados alguns dos limites previstos no artigo 22.º, n.º 2[44].

A alteração da licença de operação de loteamento, ao abrigo do citado artigo 27.º do RJUE, também não pode ser aprovada se ocorrer oposição escrita da maioria dos proprietários dos lotes constantes do alvará, ou seja, de toda a área do loteamento, conforme impõe o n.º 3 do preceito. Pretende-se com tal exigência «garantir e proteger terceiros adquirentes dos lotes»[45] os quais, assim, terão sempre, no âmbito deste procedimento, «uma palavra a dizer quanto às alterações a promover por outros interessados, podendo opor-se às mesmas e podendo mesmo impedir, desde que os proprietários da maioria dos lotes se pronunciem nesse sentido, a referida alteração»[46].

Retenha-se que, na data em que foi proferido o despacho de rectificação questionado nesta consulta, a alteração da licença de operação de loteamento não poderia ser aprovada se ocorresse oposição escrita dos proprietários da maioria dos lotes constantes do alvará, desde que nela se incluísse a maioria dos proprietários, conforme n.º 3 do artigo 27.º na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 177/2001.

A intervenção dos proprietários dos lotes abrangidos pelo alvará de loteamento cuja alteração se pretende foi consagrada inovatoriamente no regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 448/91. O seu artigo 36.º, sob a epígrafe «Alteração ao alvará», dispunha que as especificações do alvará de loteamento podiam ser alteradas a requerimento do interessado, sendo que as especificações referentes ao número de lotes e respectivas áreas, localização, finalidade, área de implantação, área de construção, números de pisos e número de fogos de cada um só podiam ser licenciadas «mediante autorização escrita de dois terços dos proprietários dos lotes abrangidos pelo alvará, dos edifícios neles construídos ou das suas fracções autónomas».

Tratou-se, como pondera JOSÉ MIGUEL SARDINHA, de uma medida «de grande alcance para defesa dos interesses dos residentes nas novas urbanizações resultantes de operações de loteamento (…). Uma alteração promovida por qualquer interessado (o titular do alvará ou o proprietário de qualquer dos lotes que entretanto tenham sido vendidos) pode, se não for devidamente acautelada, prejudicar gravemente os interesses de terceiros de boa fé que compraram lotes, edifícios ou fracções autónomas desses edifícios, na convicção de que certas áreas do loteamento afectadas a determinados fins pelo alvará (espaços verdes, espaços de recreio ou outros espaços para infra-estruturas), ou até mesmo as construções projectadas para os lotes, permaneceriam intocáveis»[47].

Refira-se ainda que o pedido de alteração de alvará de loteamento dá lugar a uma nova apreciação e reponderação de toda a solução urbanística de modo que a aprovação deste novo loteamento não é acto sobre acto, mas um acto sucessivo que vem tomar o lugar do primeiro. Isto significa que estamos perante uma nova pretensão, diferente da anterior, e que é sujeita a uma nova apreciação e decisão administrativa a realizar segundo as normas em vigor no momento da nova decisão[48].

VII

1. Nos capítulos precedentes, examinaram-se alguns dos aspectos do regime jurídico das operações de loteamento urbano, do seu licenciamento e respectivo título e das alterações à licença. Tratou-se, bem entendido, de um exame necessariamente breve mas que, ainda assim, se entende adequado para se responder à questão da «legalidade do acto de rectificação ao alvará n.º 15/80, aprovado em 14 de Agosto de 2003», colocada nesta consulta.

2. Como qualquer outro acto jurídico, o acto administrativo é susceptível de enfermar de erros de cálculo e erros materiais na expressão da vontade do órgão administrativo, erros que, em regra, se produzem no momento em que é praticado.

Tal como sucede com o artigo 667.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que permite a rectificação de erros materiais da sentença quando contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexactidões devidas a lapso manifesto, também o artigo 148.º do CPA admite a rectificação dos erros de cálculo e dos erros materiais verificados os pressupostos objectivos que enuncia.
«Artigo 148.º
Rectificação dos actos administrativos
1 – Os erros de cálculo e os erros materiais na expressão da vontade do órgão administrativo, quando manifestos, podem ser rectificados, a todo o tempo, pelos órgãos competentes para a revogação do acto.
2 – A rectificação pode ter lugar oficiosamente ou a pedido dos interessados, tem efeitos retroactivos e deve ser feita sob a forma e com a publicidade usadas para a prática do acto rectificado.»

Como referem MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e J. PACHECO AMORIM, «erros de cálculo são erros aritméticos ou de contagem. Erros materiais ou de escrita, os que se verificam quando o órgão administrativo escreveu ou representou, por lapso, coisa diversa da que ia escrever ou representar, o chamado “lapsus calami”»[49].

«Quando – prosseguem os Autores – existirem erros desses, que sejam manifestos – revelados no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que ela é feita (art. 249 do Código Civil) – e que são detectáveis por um qualquer destinatário (normal) do acto, podem os órgãos administrativos competentes (o autor do acto e quem o pode revogar) proceder, sem limites temporais, à sua rectificação, corrigindo o erro cometido, dando-se assim expressão ao princípio do aproveitamento do acto administrativo»[50].

Tratando dos pressupostos objectivos da rectificação, salientam MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS que o acto rectificado deve padecer «de um mero erro na exteriorização (e não de um verdadeiro vício da vontade) e que esse erro seja manifesto, no sentido de ser apreensível por uma pessoa média tendo em conta o contexto em que o acto foi praticado»[51].

A doutrina insiste no carácter ostensivo, manifesto, indiscutível do erro, no contexto em que o acto foi praticado, para haver lugar à rectificação. «O ‘erro’ de que trata o art. 148.º do CPA é o “erro manifesto”, isto é, o “erro evidente” ou “grosseiro”. Um acto administrativo padece de erro grosseiro, evidente ou manifesto quando é facilmente reconhecível uma contradição entre o que a autoridade administrativa quis manifestar e o que efectivamente manifestou através do acto administrativo»[52]. Já MARCELLO CAETANO, sobre a questão de saber quais os erros rectificáveis, ensinava que, «para que o erro seja susceptível de rectificação é necessário que se trate de um lapso de escrita facilmente verificável pelo contexto ou em face dos documentos em que o despacho haja sido lançado»[53].

Também a jurisprudência tem apreciado situações de rectificação de erros materiais de actos jurídicos, considerando como erros susceptíveis de emenda «os que sejam ostensivos, que facilmente se detectem e se identifiquem como tais e que respeitem à expressão material da vontade e não os que possam ter influenciado a formação dessa vontade»[54].

Em suma: só haverá lugar à rectificação, ao abrigo do regime do artigo 148.º do CPA, se o erro for manifesto pois, não o sendo, terá de seguir-se o regime geral da modificação ou da revogação dos actos administrativos.

3. É tempo de determinar, perante os dados disponíveis no processo, se se verificam os aludidos pressupostos objectivos aptos a justificar a rectificação do alvará de loteamento operada por despacho da vereadora da CML em 14 de Agosto de 2003.

3.1. Consideramos, afirmamo-lo já, que não ocorrem in casu tais pressupostos.

Esta conclusão não decorre da consulta do processo de loteamento em causa ou de elementos dele constantes, por não nos terem sido remetidos, sendo que, de acordo com informação presente no dossiê, aquele processo, no todo ou em parte, ter-se-á extraviado, tendo-se ordenado a sua reconstituição ou reforma.

Aquela proposição baseia-se em elementos de facto que se retiram quer das conclusões preliminares elaboradas pelo Provedor de Justiça, quer do parecer da Divisão de Assessoria Jurídica do Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa ou da informação da CCDRLVT, oportunamente referenciados[55], entidades que, para o efeito, acederam a elementos desse processo de loteamento.

3.2. Recordemos agora aqueles que reputamos mais relevantes para o exame da questão que nos ocupa.

A Câmara Municipal de Lisboa licenciou uma operação de loteamento, tendo emitido, em 23 de Junho de 1989, o alvará de loteamento n.º 15/89, onde se consignou que os lotes que titulava se destinavam a habitação.

Em 31 de Outubro de 1990 procedeu-se à rectificação desse alvará, para reparação de um lapso na descrição predial relativa ao lote 11, parcela que tem uma área de 4.841,675 m2.

Em 21 de Dezembro de 2001, a SOCOPAVE – Sociedade Construtora de Pavilhões, Lda, requereu a aprovação do projecto de arquitectura e o licenciamento da construção de edifício naquele lote 11 destinado a escritórios.

Em 15 de Maio de 2002, os serviços camarários elaboram uma Informação sobre o pedido, propondo o seu indeferimento porque constatam uma «discrepância» entre os usos propostos e os que se encontram especificados no alvará de loteamento n.º 15/89, onde se integra o lote 11. Enquanto o referido alvará prevê que «os lotes destinam-se à edificação de prédios para habitação», o pedido formulado respeita a «construção de um edifício destinado a escritórios». Segundo a mesma Informação, a cláusula de edificabilidade para habitação encontra-se descrita no registo predial, conforme certidão da Conservatória do Registo Predial, então apresentada como documento de posse.

Aquando da emissão do alvará, estava em vigor o Regulamento do Plano Geral de Urbanização do Conselho de Lisboa (RPGUCL), constando que o loteamento que titula se integrava na Unidade de Ordenamento 1 (habitacional, sector de habitação colectiva).

Entretanto, apurou-se que fora solicitada à CML, em 19 de Abril de 2002, ao abrigo do disposto no artigo 148.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), a rectificação do erro material de que enfermaria o alvará de loteamento n.º 15/89, referindo-se que o lote 11 se destinaria a «escritórios e serviços».

Serviços camarários intervenientes na instrução desse pedido concluíram pela existência de «uma desconformidade flagrante entre a letra do alvará de loteamento n.º 15/89 e o estudo que lhe serviu de suporte, ancorado nos títulos jurídicos de transmissão da propriedade ao Sport Lisboa e Benfica e correlativas deliberações dos órgãos municipais», não havendo dúvidas de que «o referido Alvará enferma de erro material, na parte em que estabelece como único uso admitido para [a] generalidade dos lotes a habitação». Assim, «uma vez reconhecida a existência de erro material manifesto na declaração da vontade espelhada no Alvará de Loteamento n.º 15/89, não se justifica, por conseguinte, o recurso ao procedimento de alteração do Alvará previsto no artº 27.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 17 de Dezembro».

Em 14 de Agosto de 2003, no termo daquele procedimento, a Vereadora da Câmara Municipal de Lisboa, no uso das competências delegadas pelo Presidente da Câmara, veio a proferir despacho de rectificação do alvará em causa, consignando-se que, «onde por lapso se referiu que os Lotes se destinam à edificação de prédios de habitação, deverá constar que os Lotes se destinam à construção de prédios de habitação, com excepção do Lote n.º 11 que se destina a actividade terciária».

Em 6 de Maio de 2004, a CML aprova o projecto de arquitectura que a requerente (SOCOPAVE – Sociedade Construtora de Pavilhões, Lda) havia apresentado, sendo deferido, em 30 de Janeiro de 2008, o pedido de licenciamento de uma construção no lote 11 do Alvará de Loteamento n.º 15/89, deferimento notificado, em 19 de Março de 2008, à sociedade Torres da Luz – Investimentos Imobiliários, S.A., entidade que, entretanto, requerera o averbamento a seu favor.

4. Independentemente de uma eventual definição quanto aos contornos da zona abrangida pelo loteamento que tenha sido operada anteriormente ao seu licenciamento, ou de uma aludida autorização, em 26 de Fevereiro de 1979, para construção, pelo Sport Lisboa e Benfica, de edifícios destinados a habitação, comércio e escritórios em parcela de terreno que terá vindo a integrar o loteamento titulado pelo alvará referenciado neste processo, o certo é que não se evidencia minimamente a ocorrência de um erro material no momento da emissão do acto administrativo que autorizou tal loteamento.

Desde logo, concordando-se com observação contida no relatório do Provedor de Justiça, afigura-se de difícil compreensão que o pretenso lapso ou o erro material relativo ao uso dos lotes que passou a constar do acto de licenciamento do loteamento «não tenha sido detectado e rectificado no momento de uma primeira e própria rectificação efectuada em 31.10.1990, quando se detectaram os lapsos concernentes à descrição predial do lote 11 da designada urbanização do Sport Lisboa e Benfica».

Acresce que os próprios serviços municipais, na instrução do pedido de aprovação do projecto de arquitectura e do licenciamento da construção de edifício naquele lote 11 destinado a escritórios, formulado pela SOCOPAVE – Sociedade Construtora de Pavilhões, Lda, em 21 de Dezembro de 2001, propuseram o seu indeferimento por constatarem, precisamente, uma «discrepância» entre os usos propostos e os que se encontram especificados no alvará de loteamento n.º 15/89, onde se integra o lote 11, na medida em que, enquanto o referido alvará prevê que «os lotes destinam-se à edificação de prédios para habitação», o pedido formulado respeita a «construção de um edifício destinado a escritórios».

Terão esses serviços – questiona-se no dito relatório do Provedor de Justiça – «sido incapaz[es] de alcançar uma conclusão que se revelaria evidente para um qualquer destinatário normal?»[56].

Ora, acrescenta-se aí, «afigura-se manifesto que o lapsus calami “rectificado” não era um verdadeiro erro material, apesar do que veio a ser sustentado posteriormente. A evidência apreensível por qualquer destinatário normal não terá, na verdade, passado despercebida aos dirigentes dos serviços autárquicos (que propuseram o indeferimento do pedido), tanto mais que a sua capacidade de interpretação do verdadeiro sentido do acto administrativo praticado excedia em muito a que seria exigível a um qualquer destinatário normal. Diversamente, a análise da pretensão urbanística, por confronto com os termos do alvará de licença de loteamento n.º 15/89, conduziu a uma proposta de indeferimento, por violação das especificações daquele, nos termos da lei»[57].

Também a CCDRLVT, na informação que prestou, considera que «o primeiro alvará não padece de qualquer erro material, ou de “imprecisão grosseira na classificação de usos de loteamento”», não detectando «qualquer dúvida susceptível de sustentar a hipótese de erro num alvará que refere expressamente a afectação habitacional dos lotes, a sua adequação ao Plano de Urbanização da Cidade de Lisboa e, em consonância, estabelece que os lotes se destinam à edificação de prédios para habitação»[58].

Nada leva a crer, refere-se na mesma informação, «que as prescrições do alvará original não correspondessem à vontade real, pois se até se repete no texto a afectação dos lotes ao uso habitacional, indo ainda mais longe ao referir a conformidade desse uso com o plano válido, eficaz e em vigor à época».

Concordando-se com tais apreciações, cumpre sublinhar que não será verosímil que um promotor de uma operação de loteamento não reaja contra o respectivo acto de licenciamento que estabelece um determinado uso para as edificações a implantar nos respectivos lotes, diferentemente daquilo que fora requerido ou contratualizado em matéria urbanística com a entidade municipal.

VIII

1. O sentido do parecer dispensa a caracterização, com autonomia, do vício que afecta o acto de rectificação do alvará de loteamento n.º 15/89, praticado pela vereadora da CML em 14 de Agosto de 2003, na medida em que se considera que tal acto consubstancia uma verdadeira alteração da licença de loteamento titulada por aquele alvará.

A alteração traduziu-se no novo destino que se atribuiu ao lote 11 daquele loteamento, já que no respectivo licenciamento ficou especificado que ele se destinava, tal como os restantes lotes, «à edificação de prédios para habitação», tendo passado a constar, por via da rectificação operada, que o mesmo «se destina a actividade terciária».

Assim, a pretexto de uma correcção ou rectificação, o que substancialmente se praticou foi um acto de modificação das condições constantes da licença de loteamento titulada pelo mencionado alvará n.º 15/89.

Operada essa alteração, foi possível a aprovação, em 6 de Maio de 2004, do projecto de arquitectura e, em 30 de Janeiro de 2008, o licenciamento de uma construção para o lote 11 destinada a uso terciário.

2. Na data em que foi proferido o despacho de rectificação do alvará n.º 15/89, as alterações à licença de loteamento deveriam obedecer às prescrições fixadas no artigo 27.º do RJUE, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho.

Não obstante alguns aspectos desse regime já terem sido referenciados, considera-se útil a transcrição, agora, desse preceito, na versão dada pelo citado decreto-lei.
«Artigo 27.º
Alterações à licença
1 – A requerimento do interessado, podem ser alterados os termos e condições da licença antes do início das obras ou trabalhos a que a mesma se refere.
2 – A alteração da licença da operação de loteamento é precedida de discussão pública, a efectuar nos termos estabelecidos no n.º 3 do artigo 22.º, com as necessárias adaptações, salvo se houver consentimento escrito dos proprietários de todos os lotes constantes do alvará, sem prejuízo do disposto no artigo 48.º
3 – A alteração da licença de operação de loteamento não pode ser aprovada se ocorrer oposição escrita dos proprietários da maioria dos lotes constantes do alvará, desde que nela se inclua a maioria dos proprietários abrangidos pela alteração.
4 – A alteração à licença obedece ao procedimento estabelecido na presente subsecção, com as especialidades constantes dos números seguintes.
5 – É dispensada a consulta às entidades exteriores ao município desde que o pedido de alteração se conforme com os pressupostos de facto e de direito dos pareceres, autorizações ou aprovações que hajam sido emitidos no procedimento.
6 – Podem ser utilizados, no procedimento de alteração, os documentos constantes do processo que se mantenham válidos e adequados.
7 – A alteração da licença dá lugar a aditamento ao alvará, que, no caso de operação de loteamento, deve ser comunicado oficiosamente à conservatória do registo predial competente, para efeitos de averbamento.
8 – As alterações à licença de loteamento que se traduzam na variação das áreas de implantação e de construção até 3%, desde que não impliquem aumento do número de fogos ou alteração de parâmetros urbanísticos constantes de plano municipal de ordenamento do território, são aprovadas por simples deliberação da câmara municipal, com dispensa de quaisquer outras formalidades, sem prejuízo das demais disposições legais e regulamentares aplicáveis.
9 – Exceptuam-se do disposto nos n.os 2 a 6 as alterações às condições da licença que se refiram ao prazo de conclusão das operações urbanísticas licenciadas ou ao montante da caução para garantia das obras de urbanização, que se regem pelos artigos 53.º, 54.º e 58.º.»

Como já se disse, a alteração do licenciamento de um loteamento e do correspondente alvará dá lugar a uma nova apreciação e reponderação da solução urbanística na sua globalidade, sendo que a aprovação deste novo loteamento constitui um acto sucessivo que vai tomar o lugar do primeiro. Trata-se de uma distinta pretensão sujeita a uma nova apreciação e decisão administrativa a realizar segundo as normas que então vigorarem.

Como decorre do artigo 27.º do RJUE, há pouco reproduzido, a alteração da licença de loteamento teria de ser precedida de discussão pública, a não ser que houvesse consentimento escrito dos proprietários de todos os lotes constantes do alvará (n.º 2).

Por outro lado, nos termos do n.º 3 do mesmo preceito, a alteração da licença de loteamento não podia ser aprovada se se verificasse oposição escrita dos proprietários da maioria dos lotes constantes do alvará, desde que nela se inclua a maioria dos proprietários abrangidos pela alteração.

O presidente da câmara teria de promover a consulta às entidades exteriores ao município que, nos termos da lei, devessem emitir parecer, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 27.º, n.º 4, e 19.º do mesmo diploma, podendo, no entanto, a consulta ser dispensada na situação contemplada no n.º 5 daquele preceito.

3. No caso em apreço, estas imposições não foram cumpridas, pelo que a alteração operada violou a lei.

Integrado na secção IV do RJUE, dedicada à «Validade e eficácia dos actos de licenciamento ou autorização», dispõe o artigo 67.º, no que releva para a questão que nos é colocada, que, em regra, a validade das licenças das operações urbanísticas depende da sua conformidade com as normas legais e regulamentares aplicáveis em vigor à data da sua prática.

O artigo 68.º, sob a epígrafe «Nulidades», dispõe que são nulas as licenças que violem o disposto em plano municipal de ordenamento do território, plano especial de ordenamento do território, medidas preventivas ou licença ou comunicação prévia de loteamento em vigor [alínea a)], ou que não tenham sido precedidas de consulta das entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações sejam legalmente exigíveis, bem como quando não estejam em conformidade com esses pareceres, autorizações ou aprovações [alínea c)][59].

Para além destas causas específicas de nulidade especialmente contempladas nesta disposição, os actos de licenciamento serão também nulos nas situações previstas no artigo 133.º do CPA[60].

Afigura-se-nos que a alteração do alvará de loteamento realizada nas circunstâncias já referidas está ferida de nulidade cominada no artigo 68.º, alínea c), do RJUE, por não ter sido precedida de discussão pública, da participação dos proprietários dos lotes e dos prédios ou fracções aí construídos para se apurar se se opõem à nova solução urbanística e das consultas a entidades exteriores ao município que devessem ter lugar, como determina o citado artigo 27.º do mesmo diploma.

Ainda que o vício assinalado não decorresse daquela norma, o acto de alteração praticado deveria ser considerado nulo nos termos do artigo 133.º, n.º 1, do CPA, preceito que prevê a designada nulidade por natureza dos actos administrativos, por carência dos respectivos elementos essenciais em função da sua gravidade.

Na situação em apreço, o acto de rectificação/alteração da licença de loteamento traduz uma actuação administrativa desconforme à lei, sendo intolerável a ilegalidade gerada. A ordem jurídica deve negar-lhe a produção de quaisquer efeitos.

Segundo J. C. VIEIRA DE ANDRADE, devem ser considerados nulos por natureza «aqueles actos que sofram de um vício especialmente grave, avaliado em concreto em função das características essenciais de cada tipo de acto – será nulo um acto que contenha uma ilegalidade tão grave que ponha em causa os fundamentos do sistema jurídico, não sendo, em princípio, aceitável que produza efeitos jurídicos, muito menos efeitos jurídicos estabilizados, pelo menos enquanto tal vício subsista»[61].

Interpreta-se, assim, a primeira parte do artigo 133.º, n.º 1, do CPA num sentido muito próximo da fórmula usada no direito alemão, onde a Lei do Procedimento Administrativo consagra uma cláusula geral com o seguinte teor: «é nulo o acto administrativo afectado por um vício especialmente grave, desde que isso resulte evidente de uma avaliação razoável das circunstâncias a tomar em consideração» (§44.º/1)[62]. Como se lê no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17 de Fevereiro de 2004[63], «a nulidade haverá sempre de reportar-se a um desvalor da actividade administrativa com o qual o princípio da legalidade não pode conviver, mesmo em nome da segurança e da estabilidade como acontece no regime-regra da anulabilidade».

Devendo considerar-se nula e sem efeito a rectificação/alteração do alvará de loteamento n.º 15/89 original, as pretensões urbanísticas e as edificações a implantar na área por ele abrangida devem reger-se pela sua disciplina.

Consequentemente, serão nulas quaisquer licenças de construção concedidas que não respeitem as condições da licença de loteamento em vigor, conforme prescreve o artigo 68.º, alínea a), do RJUE. Nessas condições se incluem as que dizem respeito ao destino das edificações a implantar nos lotes abrangidos, diverso daquele que ficou especificado no alvará de loteamento[64].

4. Assim, enferma de nulidade a licença concedida em 30 de Janeiro de 2008 pela CML para construção de um edifício destinado a escritórios no lote 11, por violação das condições ou especificações da licença de loteamento (e do correspondente alvará) em que se integra.

Em conformidade com o disposto no artigo 69.º, n.º 1, do RJUE, deverá ser feita participação ao Ministério Público junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa dos factos apreciados para se ponderar, após recolha e análise de elementos de facto e de prova complementares que se afigurem necessários ou pertinentes, na propositura da competente acção para impugnação do acto de rectificação da licença de loteamento titulada pelo alvará n.º 15/89 e dos actos dele consequentes e respectivos meios processuais acessórios.

IX
Em, face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1.ª – Os erros materiais de actos administrativos susceptíveis de rectificação ao abrigo do disposto no artigo 148.º do Código do Procedimento Administrativo são aqueles que, respeitando à expressão da vontade da autoridade administrativa, sejam ostensivos, evidentes, indiscutíveis, que facilmente se detectem e se identifiquem como tais;

2.ª – Perante os elementos de facto disponíveis, não se evidenciam os pressupostos objectivos enunciados na anterior conclusão aptos a justificar a rectificação do acto de licenciamento do loteamento urbano, titulado pelo alvará n.º 15/89, de 23 de Junho, nos termos do qual, de entre as demais especificações, se prescreveu que todos os respectivos lotes se destinam à edificação de prédios para habitação;

3.ª – A rectificação desse alvará, decidida em 14 de Agosto de 2003 por despacho da Vereadora da Câmara Municipal de Lisboa, no uso de competência que lhe foi delegada, nos termos da qual se consagrou o uso terciário para um dos lotes – lote 11 –, consubstancia um acto de alteração do licenciamento da operação de loteamento urbano a que corresponde o alvará n.º 15/89, referidos na conclusão anterior;

4.ª – Essa alteração, por não ter respeitado as prescrições fixadas no artigo 27.º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho, então em vigor, é nula, mantendo-se plenamente eficaz a licença de loteamento original e respectivo alvará;

5.ª – Estão feridas de nulidade quaisquer licenças de construção concedidas que não respeitem as condições da licença do loteamento titulado pelo alvará n.º 15/89, conforme prescreve o artigo 68.º, alínea a), do RJUE, nelas se incluindo as que se referem ao uso que aí ficou estabelecido para as edificações a implantar nos respectivos lotes.


ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 1 DE JULHO DE 2010.

Fernando José Matos Pinto Monteiro - Manuel Pereira Augusto de Matos (Relator) - José Luís Paquim Pereira Coutinho - Fernando Bento - António Leones Dantas - Maria Manuela Flores Ferreira - José David Pimentel Marcos - Alberto Esteves Remédio - Maria de Fátima da Graça Carvalho - Lourenço Gonçalves Nogueiro.







[1] Comunicadas ao Vice-Presidente da Câmara Municipal de Lisboa pelo ofício n.º 010274, de 27 de Agosto de 2009.
[2] Parecer n.º 0024/DJ/DAJU/10, de 21 de Fevereiro de 2010.
[3] Informação n.º DSAJAL/DAJ-000075-IT-2010, de 22 de Março de 2010.
[4] É esta a expressão numérica que consta da informação referida na nota anterior que se vem acompanhando na indicação da matéria factual.
[5] Informação n.º 623/DMPGU/DPELE/DPE/2002.
[6] Os trechos subsequentes estão reproduzidos na Informação n.º DSAJAL/DAJ-000075-IT-2010, de 22 de Março de 2010.
[7] Estes elementos, assim como os que seguidamente se registarão no texto, foram extraídos do parecer da Divisão de Assessoria Jurídica do Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa n.º 0024/DJ/DAJU/10, de 21 de Fevereiro de 2010.
[8] Manual de Direito do Urbanismo, volume I, 3.ª edição, Almedina, 2006, p. 22.
[9] Ob. cit., pp. 33, 51 e 56. Do mesmo Autor, v. O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1989, pp. 26 a 49. Num registo dos conceitos técnicos operativos no domínio da urbanização, do urbanismo e do planeamento, entre outros, cfr. MANUEL COSTA LOBO, “Noções fundamentais. Conceitos técnicos. Habitação e seus espaços de vivência”, Direito do Urbanismo, INA – Instituto Nacional de Administração, 1989, pp. 17-
-36.

[10] V., de entre outros, os Pareceres n.os 34/90, de 21 de Fevereiro de 1991, 71/93, de 14 de Janeiro de 1994 (Diário da República, 2.ª série, n.º 212, de 13 de Setembro de 1994), 45/2004, e 64/2004, ambos de 14 de Outubro de 2004, e 152/2004, de 27 de Julho de 2006.
x Parecer deste corpo consultivo n.º 34/90, de 21 de Fevereiro de 1991.
x1 I. JACOGNOU, Le Droit de l’Urbanisme, Paris, 1987, pág. 12, citado no referido parecer.
[11] FERNANDO ALVES CORREIA, Direito do Urbanismo, cit., p. 58. Sobre o conceito, amplo e restrito, de direito do urbanismo e sua natureza, v., do mesmo Autor, Alguns Conceitos de Direito Administrativo, 2.ª edição, Almedina, 2001, pp. 33-37.
[12] Numa acepção mais restrita, acolhida por FREITAS DO AMARAL, o direito do urbanismo é limitado ao domínio da urbe (v. “Ordenamento do Território, urbanismo e ambiente: objecto, autonomia e distinções”, Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º 1, 1994, p. 17). Sobre as diversas acepções de direito do urbanismo, cfr. FERNANDA PAULA OLIVEIRA, Direito do Urbanismo, 2.ª edição – reimpressão, Centro de Estudos e Formação Autárquica, Coimbra, 2003, pp. 9-11.
[13] Direito do Urbanismo, cit., pp. 61-62.
[14] NUNO DA SILVA SALGADO, “Ordenamento do território e cumprimento da lei”, Boletim da Inspecção-Geral da Administração do Território, Ano 4, nº 1, Março de 1991, p. 4.
x2 Cfr. ANTÓNIO CORDEIRO, Protecção de Terceiros em Face de Decisões Urbanísticas, Coimbra, Almedina, 1995, página 22 e seguintes. […].
[15] Alterada pela Lei n.º 54/2007, de 31 de Agosto.
[16] Alterado pelos Decretos-Leis n.os 53/2000, de 7 de Abril, 310/2003, de 10 de Dezembro (com republicação), e 58/2005, de 29 de Dezembro, pela Lei n.º 56/2007, de 31 de Agosto, e pelos Decretos-Leis n.os 316/2007, de 19 de Setembro (republicação), 46/2009, de 20 de Fevereiro (republicação), e 181/2009, de 7 de Agosto.
[17] Temos acompanhado o Parecer n.º 152/2004, já citado.
[18] JOSÉ OSVALDO GOMES, Manual dos Loteamentos Urbanos, 2.ª edição, revista, actualizada e ampliada, Coimbra Editora, 1983, p. 46.
[19] “Transferências dos direitos de urbanização e de edificação da Aldeia do Meco (Parecer)”, Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º 20, Dezembro/2003, Almedina, pp. 169-195 [182]. Na mesma perspectiva, cfr. FERNANDO ALVES CORREIA, As Grandes Linhas da Recente Reforma do Direito do Urbanismo Português, Almedina, Coimbra, 1997, p. 93 (nota 61), FERNANDA PAULA OLIVEIRA, “O novo regime do licenciamento municipal das obras dos particulares”, Revista de Direito Autárquico, Ano I, n.º 4, Dezembro 1992, pp. 89-132 [95], e ANTÓNIO LORENA DE SÈVES, “A protecção jurídico-pública de terceiros nos loteamentos urbanos e obras de urbanização”, RevCEDOUA – Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, Ano I, 2.98, pp. 51-87 [74].
[20] Direito do Urbanismo, cit., p. 123.
[21] Manual dos Loteamentos Urbanos, cit., p. 98.
[22] Acompanha-se o Parecer n.º 46/92, já citado (ponto 2).
[23] Referenciando as notas mais relevantes do regime jurídico instituído por este diploma, v. FERNANDO ALVES CORREIA, As Grandes Linhas da Recente Reforma do Direito do Urbanismo Português, cit., pp. 78-107, e JOSÉ MIGUEL SARDINHA, “As linhas gerais do actual regime jurídico dos loteamentos urbanos”, Estudos de Direito do Urbanismo e do Ordenamento do Território, SPB Editores & Livreiros, 1997, pp. 173-206.
[24] Este diploma foi rectificado pela Declaração n.º 5.B/2000, de 29 de Fevereiro, e alterado pela Lei n.º 13/2000, de 20 de Julho, pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho, pelas Leis n.os 15/2002, de 22 de Fevereiro (com republicação), e 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, pelo Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de Agosto, pela Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro (com republicação), e pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de Março (com republicação).
[25] Loteamentos Urbanos e Dinâmica das Normas de Planeamento, Almedina, 2009, p.85.
[26] A Relação Jurídica Administrativa – Para um novo paradigma de compreensão da actividade, da organização e do contencioso administrativos, Coimbra Editora, 2009, p. 730.
[27] Uma das inovações do Decreto-Lei n.º 555/99 foi a de sujeitar algumas das operações urbanísticas a um procedimento de autorização quando, anteriormente, se previa sempre a sujeição a licenciamento municipal, dispensando a intervenção de entidades externas ao município.
[28] FERNANDA PAULA OLIVEIRA e DULCE LOPES, Implicações Notariais e Registais das Normas Urbanísticas, Almedina, 2005, p. 44.
[29] Ob. cit., p. 49. Como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 1 de Outubro de 2002, o alvará respeita já à fase integrativa ou de execução do processo de licenciamento.
[30] Esta competência pode ser delegada nos vereadores (artigo 75.º do RJUE).
[31] Sobre a natureza jurídica do alvará e do acto da sua emissão, aspectos cujo tratamento mais desenvolvido esta consulta dispensa, v. PAULO ANTUNES, “Loteamento urbano. Alteração do acto de licenciamento (parecer jurídico)”, Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º 9, Junho 1998, pp. 81-103 [85-87].
[32] Na redacção introduzida pela Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro.
[33] Na redacção introduzida pela Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro.
[34] Assim, FERNANDA PAULA OLIVEIRA, MARIA JOSÉ CASTANHEIRA NEVES, DULCE LOPES e FERNANDA MAÇÃS, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Comentado, 2.ª edição, Almedina, 2009, p. 484, em comentário ao artigo 77.º.
[35] LUÍS S. CABRAL DE MONCADA, ob. cit., p. 730. Neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Novembro de 1999 (Proc. n.º 044891, da 1.ª subsecção do CA), de 1 de Outubro de 2002 (Proc. n.º 047105 da 2.ª subsecção do CA), e de 1 de Julho de 2003 (Proc. n.º 01596/02 da 2.ª subsecção do CA), disponíveis em http://www.dgsi.pt/jsta.
[36] Loteamentos Urbanos e Dinâmica das Normas de Planeamento, cit., p. 105.
[37] Direito do Urbanismo. Do Planeamento à Gestão, Cejur – Centro de Estudos Jurídicos do Minho, Março de 2010, p. 226.
[38] Ibidem, p. 226.
[39] Interessa, no entanto, frisar que a licença de loteamento e respectivo alvará não se devem confundir com qualquer um dos planos municipais de ordenamento do território. Os actos de licenciamento de operações de loteamento são verdadeiros actos administrativos, não tendo natureza de acto normativo ou regulamentar, como sucede com os planos municipais de ordenamento do território que, por isso, dispõem apenas para o futuro. Daí que, como se lê no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de Maio de 2009 (Proc. n.º 0518/08 da 1.ª subsecção do CA), disponível em http://www.dgsi.pt/jsta, «um loteamento aprovado antes da entrada em vigor de um plano municipal de ordenamento do território não pode, em princípio, ser directamente prejudicado por disposições neste último contidas». Como também se decidiu no Acórdão do mesmo Tribunal de 8 de Maio de 2002 (Proc. n.º 48256 da 3.ª subsecção do CA), disponível no mesmo endereço, as condições a observar no licenciamento de uma construção são as definidas no loteamento aprovado, e não as constantes de PDM publicado posteriormente.
[40] Como tem sido frequentemente sublinhado, cumpre advertir que o Conselho Consultivo não tem competências de investigação, competindo-lhe, em regra, perante os factos que lhe são remetidos, emitir parecer restrito a matéria de legalidade [artigo 37.º, alínea a), do Estatuto do Ministério Público].
[41] Aprovado pela Assembleia Municipal por deliberação de 26 de Maio de 1994, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 94/94, publicada no Diário da República, I série-B, n.º 226, de 29 de Setembro de 1994.
[42] FERNANDA PAULA OLIVEIRA, “Cedências para o domínio público e alterações a loteamento: como conciliar?”, anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (1.ª Secção), de 20 de Outubro de 1999, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 21, Maio/Junho 2000, pp. 41-50. Da mesma Autora et aliae, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Comentado, cit., p. 281. Sobre o tema das alterações ao loteamento, v. JOSÉ OSVALDO GOMES, Manual dos Loteamentos Urbanos, cit., pp. 454-456, JOSÉ MIGUEL SARDINHA, O Novo Regime Jurídico das Operações de Loteamento e de Obras de Urbanização (Dec.-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro) Comentado e Anotado, Coimbra Editora, 1992, pp. 84-85, e PAULO ANTUNES, “Loteamento urbano. Alteração do acto de licenciamento (parecer jurídico)” Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, cit. pp. 81-103 [87 e segs.].
[43] Redacção da Lei n.º 60/2007.
[44] De acordo com o artigo 22.º do RJUE, os municípios podem determinar, através de regulamento municipal, a prévia sujeição a consulta pública o licenciamento de operações de loteamento com significativa relevância urbanística (n.º 1). Essa consulta terá sempre lugar quando a operação de loteamento exceda algum dos seguintes limites: (a) 4 ha; (b) 100 fogos; (c) 10% da população do aglomerado urbano em que se insere a pretensão.
[45] Fernanda Paula Oliveira et aliae, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Comentado, cit., p. 282. Como salientam as Autoras que vimos citando, os proprietários dos lotes podem opor-se a uma alteração, nomeadamente de uso, «visto que a sua aquisição de lotes se fundamentou em determinados condicionalismos que não pretendem que sejam alterados, mesmo que estejam em conformidade com a lei» (ibidem, p. 283).
[46] Idem, ibidem.
[47] O Novo Regime Jurídico das Operações de Loteamento e de Obras de Urbanização (Dec.-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro) Comentado e Anotado, cit., p. 84.
[48] Assim, de entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Julho de 1996 (Proc. n.º 031321, da 2.ª subsecção do CA), de 16 de Março de 2004 (Proc. n.º 1829/02 da 2.ª subsecção do CA), e de 24 de Novembro de 2004 (Proc. n.º 046206 da 1.ª subsecção do CA), disponíveis em http://www.dgsi.pt/jsta.
[49] Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, Almedina, 2007, pp. 696-697.
[50] Ibidem.
[51] Direito Administrativo Geral, Tomo III, Dom Quixote, 2007, p. 205.
[52] ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA, Código do Procedimento Administrativo, Anotado e Comentado, QJ – Quid Juris, Sociedade Editora, 2009, p. 434. Sobre este tópico, v. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, volume V (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra, 1981, pp. 120-124, JOSÉ PEDRO FERNANDES, Dicionário Jurídico da Administração Pública, p. 33, DIOGO FREITAS DO AMARAL, JOÃO CAUPERS, JOÃO MARTINS CLARO, JOÃO RAPOSO, MARIA DA GLÓRIA DIAS GARCIA, PEDRO SIZA VIEIRA, VASCO PEREIRA DA SILVA, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 6.ª edição – 2007, Almedina, p. 263, e JOSÉ MANUEL SANTOS BOTELHO, AMÉRICO JOAQUIM PIRES ESTEVES e JOSÉ CÂNDIDO DE PINHO, Código do Procedimento Administrativo Anotado – Comentado, 4.ª edição actualizada e aumentada, Almedina, 2000, p. 815.
[53] Manual de Direito Administrativo, tomo I, 10.ª edição, Coimbra Editora, 1973, p. 561.
[54] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de Maio de 2003 (Proc. n.º 132/2003 da 3.ª subsecção do CA), Diário da República de 7 de Julho de 2004, Apêndice, volume II (Maio), pp. 4540 e segs. e jurisprudência aí citada.
[55] Cfr. notas 1, 2 e 3.
[56] Ponto 24. Destacado no original.
[57] Pontos 25 e 26 do relatório citado.
[58] Citada informação n.º DSAJAL/DAJ-000075-IT-2010, de 22 de Março de 2010 (ponto 2.2.).
[59] No que releva para a economia deste parecer, cumpre referir que o regime da nulidade das licenças de loteamento, consagrado no artigo 68.º do RJUE se tem mantido com as sucessivas alterações que tem sofrido.
[60] V. FERNANDA PAULA OLIVEIRA et aliae, ob. cit., p. 427.
[61] “A nulidade administrativa, essa desconhecida”, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 138, n.º 3957, Julho-Agosto de 2009, Coimbra Editora, pp. 333-350 [338]. Sobre este tópico, v. PAULO OTERO, Legalidade e Administração Pública, O Sentido da Vinculação Administrativa à Juridicidade, Almedina, 2003, p. 963, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA et alii, Código do Procedimento Administrativo Comentado, cit., p. 642, e JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS e FERNANDA PAULA OLIVEIRA, Noções Fundamentais de Direito Administrativo, reimpressão, Almedina, 2006, p. 214.
[62] PEDRO GONÇALVES e FERNANDA PAULA OLIVEIRA, “A nulidade dos actos administrativos de gestão urbanística”, Rev.CEDOUA – Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, ano II, 1-99, pp. 17-46 [18-19].
[63] Proc. n.º 1572/02, da 2.ª subsecção do CA, disponível em www.dgsi.pt/jsta.
[64] O Supremo Tribunal Administrativo tem apreciado situações que, como a que se nos apresenta na consulta, foram caracterizadas como alterações das prescrições ou condições contidas em licenças ou alvarás de loteamento. V. Acórdãos de 3 de Novembro de 1983, publicado no Apêndice ao Diário da República, 5 de Novembro de 1986, pp. 4275 e segs., de 10 de Dezembro de 1998, com sumário em www.dgsi.pt/jsta, de 8 de Maio de 2002 (Proc. n.º 048256 da 3.ª subsecção do CA), disponível em www.dgsi.pt/jsta, e de 13 de Janeiro de 2005 (Proc. n.º 0294/04 da 1.ª subsecção do CA). Também o Conselho Consultivo se pronunciou sobre o vício de um acto de aprovação por uma câmara municipal do projecto de uma unidade fabril a instalar num lote integrado num loteamento destinado a habitação. Considerou-se então que a licença de construção de unidade fabril num daqueles lotes desrespeita as condições constantes da licença de loteamento, implicando uma desconformidade com as prescrições do alvará de loteamento para habitação, sendo nulo o acto camarário que concedeu tal licença (Parecer n.º 124/90, de 21 de Março de 1991, publicado no Diário da República, II série, n.º 155, de 9 de Julho de 1991).