Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00000575
Parecer: P000311993
Nº do Documento: PPA19930927003100
Descritores: ACTO ADMINISTRATIVO
DEMISSÃO
ILEGALIDADE
NULIDADE
ANULAÇÃO CONTENCIOSA
EXECUÇÃO DE SENTENÇA ADMINISTRATIVA
MILITAR
FORÇA AÉREA PORTUGUESA
REINTEGRAÇÃO
VENCIMENTO
INDEMNIZAÇÃO
FIXAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
Livro: 00
Pedido: 04/07/1993
Data de Distribuição: 04/20/1993
Relator: PADRÃO GONÇALVES
Sessões: R2
Data da Votação: 09/27/1993
Tipo de Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Sigla do Departamento 1: MDN
Entidades do Departamento 1: MIN DA DEFESA NACIONAL
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 12/20/1993
Privacidade: [02]
Data do Jornal Oficial: 000000
Indicação 2: ASSESSOR: MOTA
Área Temática:DIR ADM * ADM PUBL * CONTENC ADM.
Ref. Pareceres:P000811956
P000411962
P000391973
P002541977
P001821983
P001961983
P001141984
P001171984
P000681985
P000731986
P000861992
Legislação:CDDM36 ART538 N4 ART528 ART618 PARUNICO N2 A.; CCIV66 ART11 ART565.; EDF84 ART54 ART83 N6.; EDF43 ART78 PARUNICO N2 A.; DL 74/70 DE 1970/03/02 ART1 N1 C D.; CJM25 ART163 N2 ART173 PARUNICO.; CJM ART142 N1 A ART152 N1 C.
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:AC STA DE 1965/02/26 IN AD N43 PAG889.
AC STA DE 1968/07/19 IN AD N83 PAG1436.
AC STA DE 1968/11/22 IN AD N87 PAG354.
AC STA DE 1971/10/28 IN AD N121 PAG22.
AC STA DE 1980/12/11 IN AD N230 PAG186.
AC STA DE 1984/11/22 IN BMJ N341 PAG286.
AC STA DE 1989/04/14 IN AD N330 PAG748. *CONT REF/COMP
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:* CONT REFJUR
AC STA DE 1989/04/06 IN AD N339 PAG325.
AC STA DE 1988/12/15 IN BMJ N382 PAG372.

Conclusões: 1 - Anulados contenciosamente, por ilegais, os actos que determinaram o abate ao quadro permanente da Força Aérea do então major (...), e reintegrado o mesmo na categoria de coronel, este não tem direito aos vencimentos que teria recebido se não foram aqueles actos ilegais, mas pode ter direito a uma indemnização pelos prejuízos efectivamente sofridos;
2 - A indemnização referida na conclusão anterior, dada a aplicação do princípio da compensatio lucri cum damno, poderá vir a ser fixada em montante superior ou inferior aos vencimentos não auferidos, e até, em virtude dos rendimentos de trabalho eventualmente percebidos, nem sequer ser-lhe devida.

Texto Integral:

Senhor Ministro da Defesa Nacional,

Excelência:


I

1.1. O então major do quadro permanente da Força Aérea, (...), ausentou-se de Portugal e do serviço militar, sem licença ou autorização, a partir de 27 de Novembro de 1975, e nessa situação se manteve durante mais de noventa dias, ininterruptamente.
Por portaria de 24 de Abril de 1976, do Chefe do Estado Maior da Força Aérea, publicada na Ordem à Aeronáutica nº 25, de 21 de Junho do mesmo ano, o major (...) foi abatido ao quadro permanente da Força Aérea, transitando para a categoria de pessoal não permanente, como oficial miliciano (major) PILAV, por se ter constituído na situação de desertor, "nos termos do nº 2 do artigo 163º, conjugado com a última parte do § único do artigo 173º do Código de Justiça Militar, com a redacção que lhes foi dada pelo Decreto nº 33493, de 11 de Janeiro de 1944" (1), contando-se essa situação desde 4 de Março de 1976.
A 31 de Maio de 1978, o major (...) regressou a Portugal e, nos primeiros dias de Junho imediato, foi ouvido em auto do corpo de delito mandado instaurar a 21 de Maio de 1976, no serviço de Polícia Judiciária Militar.
Em Informação emitida no Estado Maior da Força Aérea foi proposto, "face ao actual Código de Justiça Militar e de acordo com o Decreto-Lei nº 179/78", que o major (...), que possuía mais de 35 anos de idade, passasse à disponibilidade.
Sobre essa Informação, foi exarado, a 16 de Julho de 1979, pelo Sub-Chefe do Estado Maior da Força Aérea, o seguinte despacho: "Concordo. Aplique-se o articulado do Decreto-Lei nº 179/78 (2) no que respeita à passagem à disponibilidade". E na Ordem à Aeronáutica nº 31, de 30 desse mesmo mês, foi publicada a declaração de passagem do major (...) ao escalão de tropas licenciadas, desde 16 de Julho de 1979, "nos termos do Decreto-Lei nº 179/78, de 15 de Julho".
Nos referidos autos de corpo delito, instaurados em 21 de Maio de 1976, veio o major (...) a ser incriminado pelo crime de deserção definida pelo artigo 142º, nº 1, alínea a), e punível nos termos do artigo 152º, nº 1, alínea c), do Código de Justiça Militar aprovado pelo Decreto-Lei nº 141/77, de 9 de Abril, aplicáveis retroactivamente por força do disposto no artigo 6º, nº 2, do Código Penal.
Esses autos vieram a ser arquivados, por despacho do Governador Militar de Lisboa, de 28 de Julho de 1980, "por se encontrar extinto o procedimento criminal, nos termos do nº 3 do artigo 125º do Código Penal, como consequência da amnistia estabelecida pelos nºs 1 e 2 do artigo 1º da Lei nº 74/79, de 23 de Novembro". O arquivamento foi comunicado ao major (...) em 9 de Agosto seguinte.
Em relação ao major (...) não foi instaurado processo disciplinar mas sim, e apenas, o referido processo crime que correu seus trâmites pelo Serviço de Polícia Judiciária Militar (3).
1.2. Tendo o major (...) recorrido contenciosamente dos referidos portaria de 24 de Abril de 1976 e despacho de 16 de Julho de 1979, por acórdão de 28 de Setembro de 1989, de 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, foi declarada a nulidade dos referidos actos.
Dessa decisão recorreu, sem êxito, o Chefe do Estado Maior da Força Aérea, pois a mesma foi confirmada em sessão plenária de 18 de Dezembro de 1991, da mesma 1ª Secção (4), onde se concluiu, tal como na decisão recorrida, que a sanção em causa fora aplicada com "usurpação de poder, vício de consequências idênticas às da nulidade".
Escreveu-se nesse acórdão de 18 de Dezembro de 1991:
"Quanto à qualificação da medida aplicada, há que partir do seu conteúdo decisório.
"Os seus termos literais foram de ordenar que o recorrente fosse abatido ao quadro permanente da Força Aérea.
"É evidente que o acórdão recorrido interpretou essa medida como sendo de demissão e essa interpretação vincula esta formação jurisdicional (Tribunal Pleno), por constituir matéria de facto, dado o disposto no nº 3 do artigo 21º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais; isto não está em causa neste recurso.
................................................
"Posto isto, há que ver se se tratou de sanção criminal, estatutária ou disciplinar.
"Não foi instaurado ao recorrente qualquer processo, disciplinar ou não.
"Ora, não pode ser considerada como sanção disciplinar ou estatutária uma medida que, aplicada sem qualquer forma, normal ou excepcional, de processo (quando é certo que o Regulamento de Disciplina Militar então vigente previa minuciosamente o processo), se baseia apenas num preceito constante dum Código de índole criminal, que estabelece uma sanção dum crime aí tipicamente descrito. Código esse que, aliás, quando admite a possibilidade de sancionamento disciplinar não acessório, se abstem de indicar a sanção, limitando-se a dizer que haverá responsabilidade disciplinar (v.g., artigos 183º e 186º).
.................................................
"Sem outro sentido possível, trata-se duma sanção que, como definitiva, só é legalmente prevista a título de pena acessória.
"Fosse qual fosse a sua natureza, nenhum preceito legal dava ao ora recorrente atribuições para aplicar a medida em causa.
.................................................
"Em suma: a sanção aplicada foi a demissão; não se trata de sanção disciplinar, em sentido restrito, nem de sanção estatutária; foi uma sanção definitiva, como tal só prevista na lei como sanção criminal acessória, da competência dos tribunais militares; aplicando-a, a entidade militar recorrente incorreu em usurpação de poderes, vício de consequências idênticas às da nulidade; pelo que fica dito, o foro administrativo é competente e o recurso não é extemporâneo".
1.3. Por portaria de 1 de Fevereiro de 1992, do Chefe do Estado Maior da Força Aérea, veio o referido oficial a ser reintegrado na situação de activo, com a respectiva promoção aos postos de tenente-coronel e coronel.
Tendo a Força Aérea solicitado à Auditoria Jurídica do Ministério do Emprego e Segurança Social parecer sobre se "as eventuais verbas a pagar (ao referido oficial) corresponderão a vencimentos" não percebidos ou se tratará de uma "indemnização" por acto ilícito, pelo respectivo Auditor Jurídico foi emitido parecer, datado de 6 de Maio de 1992, onde se concluiu haver lugar a uma indemnização que compense dos danos sofridos "em virtude da execução dos actos administrativos ora julgados ilegais", concretizando-se (conclusões 5ª a 8ª):
"5ª A indemnização terá como medida a diferença entre a situação real do património do lesado e a situação em que o mesmo se encontraria se os actos ilegais não tivessem sido praticados e produzido efeitos.
"6ª O dano sofrido, consistente, pelo menos, no não recebimento dos vencimentos durante o período de afastamento, deve ser compensado com o lucro eventualmente obtido com o exercício de outras actividades remuneradas.
"7ª Não existindo outros prejuízos para além do não recebimento dos vencimentos, nem se tendo verificado o exercício pelo lesado de qualquer outra actividade lucrativa nesse período, a indemnização coincidirá com o montante das quantias não recebidas correspondentes ao vencimento principal dos diversos postos e escalões a que, normalmente, teria sido promovido, abatidos que sejam todos os descontos legais.
"8ª O vencimento principal compreende o vencimento base, e todos os abonos e suplementos fixados de forma geral e abstracta e que sejam processados e pagos a todos os oficiais do quadro permanente da Força Aérea, independentemente do lugar, forma e condições particulares em que são exercidas as respectivas funções".
Em 19 de Maio de 1992 o coronel (...) requereu ao Chefe do Estado Maior da Força Aérea que lhe fossem "pagos, de imediato os vencimentos em dívida, nos termos do atrás exposto e a título de indemnização provisória, em conformidade analógica com o disposto no artigo 565º do Código Civil (5), a fim de prevenir que (lhe) sejam causados mais prejuízos [...], remetendo-se para posterior decisão o pagamento da compensação devida pelos (demais) danos referidos [...]". (6) (7).
Em 10 de Julho de 1992 o coronel(...), esposa e filhos propuserem acção no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa - processo nº 5830/92 - contra o Estado Português e outros, pedindo a condenação dos réus no pagamento da indemnização de 112 100 000$00.
Em 26 de Novembro de 1992 o coronel (...), ao tomar conhecimento de que fora suspenso o processo administrativo conducente ao pagamento dos "vencimentos que, ao longo de mais 16 anos, lhe não foram pagos", requereu ao Chefe do Estado Maior da Força Aérea que fosse levantada tal suspensão e ordenado o pagamento imediato dessa "indemnização", visto que "a indemnização relativa ao não pagamento dos seus vencimentos foi expressamente excluída da acção apresentada no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa" e demonstrada estava "a total independência daquela indemnização relativamente à referida acção".
Em 4 de Janeiro de 1993 o coronel (...) fez idêntico pedido à Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento que, sobre o assunto, solicitou parecer (nº 51/93), à Auditoria Jurídica do Ministério das Finanças, onde se concluiu:
"4. Assim, entendemos que não há qualquer razão que justifique o não pagamento dos vencimentos em dívida, que, aliás, integra um direito de interesse e de ordem pública.
Por estas razões somos de opinião que deve ser levantada a suspensão do processo para que o mesmo prossiga no sentido de se pagarem, de facto, os vencimentos a que o requerente tem, reconhecidamente, direito.
5. Todavia, com a verificação deste direito, coloca-se novamente a questão de se saber qual o organismo do Estado que deve suportar o respectivo encargo.
A este respeito não se podem levantar quaisquer dúvidas.
Na realidade, a quantia que vier a ser apurada não constitui tecnicamente uma indemnização, pois corresponde, como vimos, a vencimentos em atraso.
A Secretaria-Geral do Ministério das Finanças só teria obrigação de satisfazer o encargo se ele correspondesse a uma indemnização para compensação de danos causados a terceiros.
No caso presente não há indemnização, tão pouco existe dano, que é o elemento que gera a responsabilidade de indemnizar.
Pelas razões invocadas, o encargo em causa não está abrangido pela previsão do Dec.-Lei nº 74/70, de 2 de Março, diploma que apenas abrange as indemnizações devidas para compensar danos causados por serviços públicos, emergentes de contratos em que sejam parte ou de factos praticados pelos seus agentes."
Sobre este parecer foi proferido o seguinte despacho, de 5 de Fevereiro de 1993, pela Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento:
"Transmita-se este parecer ao Gabinete do Senhor Ministro da Defesa, uma vez que é necessário esclarecer qual a natureza do montante a pagar: vencimentos vencidos ou indemnização:
Faço notar que o pagamento de indemnização tem sido sempre precedido de sentença judicial para esse efeito".
Na sequência, no Gabinete de V. Exª foi emitida uma Informação, de 30 de Março último, onde se concluiu:
"2. Proposta:
a) Do exposto em 1. resulta com clareza o confronto entre duas teses: a do "vencimento" - o lesado teria direito ao pagamento integral dos vencimentos relativos a todo o período em que se viu afastado do serviço - e a da "indemnização" - o lesado teria apenas direito a uma indemnização pelos danos causados pelo acto ilegal da Administração;
b) Naturalmente, pela tese do vencimento o encargo em questão deverá ser suportado pela Força Aérea, ao passo que perfilhando a tese da indemnização o encargo deverá ser suportado pelo Ministério das Finanças (DL 74/70, de 2 de Março);
c) Atenta a diversidade de opiniões e o melindre jurídico que a questão reveste, somos de parecer que a mesma deverá ser posta à consideração do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, para parecer" (8).

1.4. Concordando com tal proposta, V. Exª determinou que o assunto fosse submetido à consideração deste corpo consultivo.
Cumpre emitir o parecer solicitado.
2.
2.1. Escreveu-se no parecer nº 39/72, de 20 de Novembro de 1972, deste corpo consultivo (9):
"É sabido que, anulado contenciosamente um acto administrativo ilegal, o recorrente deverá obter a reintegração da ordem jurídica violada, mediante a reconstituição da situação que existiria, se o acto ilegal não tivesse sido praticado.
"Para isso, importa substituir o acto ilegal e suprimir os efeitos, quer desse acto, quer dos actos consequentes.
"Assim, por exemplo, anulada a demissão de um funcionário, para executar a respectiva sentença, a Administração tem de substituir o acto ilegal de demissão por acto conforme à lei e, para tanto, deverá reintegrar esse funcionário no lugar que ocupava quando foi demitido; além disso, a Administração tem a obrigação de suprimir os efeitos do acto ilegal, e, por isso, é que ao funcionário ilegalmente demitido devem ser-lhe pagos os vencimentos que deixou de receber enquanto esteve afastado do cargo".
No presente caso, o então major (...) já foi reintegrado como coronel, categoria em que deveria encontrar-se se não tivessem sido proferidos os actos ilegais que vieram a ser declarados nulos pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Em causa está apenas a supressão dos demais efeitos desses actos ilegais, a reparação dos prejuízos sofridos.
Mais precisamente, a consulta circunscreve-se a saber qual a natureza e a forma de reparação desses prejuízos, se pelo pagamento dos "vencimentos" que o ora coronel (...) deixou de receber, se pela atribuição de uma "indemnização" correspondente à prática de actos ilegais por parte da Administração.
2.2. No referido parecer nº 39/72 foi apreciado um caso afim, pretendendo-se saber se, à face da lei portuguesa, a execução de sentença anulatória obrigava a pagar ao funcionário os vencimentos que deixara de receber pelo facto de outro - que não ele - ter sido ilegalmente promovido.
Escreveu-se nesse parecer:
"A jurisprudência, a doutrina e até este corpo consultivo têm, invariavelmente, sustentado que o funcionário reintegrado no lugar que lhe compete tem direito a quantia equivalente às remunerações deixadas de receber, só hesitando quanto à natureza do dever jurídico que sobre a Administração impende.
"Importa, por isso, resolver este último problema, já que o inspector [...] requer o pagamento da diferença de vencimentos a título de execução do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo.
"Para tanto, seguir-se-á de perto o Prof. Freitas do Amaral.
"No sentido de que, anulada a demissão de um funcionário, as quantias que a Administração se acha obrigada a pagar-lhe são devidas como vencimentos, alega-se que, tendo a anulação eficácia retroactiva, tudo se deverá passar como se o acto ilegal nunca houvesse sido praticado; por consequência, só pagando ao funcionário reintegrado os vencimentos que ele teria recebido, se não fosse a demissão, se executará integralmente a sentença porque só por essa forma se reconstituirá a situação actual hipotética.
"Contrariamente, há quem defenda que a Administração só pode legalmente pagar vencimentos desde que tenha havido exercício efectivo do cargo (x); por conseguinte, ao funcionário reintegrado apenas será devida soma idêntica aos vencimentos, como indemnização e a título de responsabilidade civil.
"Relativamente aos funcionários administrativos, o nº 4 do art. 538º do Código Administrativo consagra a primeira solução, ao declarar:
"Art 538º. Têm direito aos vencimentos de categoria e exercício:
(...)
4º Os funcionários reintegrados nos seus cargos por sentença que anule o acto que os puniu, em relação ao tempo em que estiveram ilegalmente afastados do cargo".
"Fora, porém, dos casos de reintegração dos funcionários que tenham sido objecto de medidas punitivas, não existe lei expressa que resolva o problema.
"Entre nós, já aconteceu ter sido anulada a promoção a escriturário de 2ª classe de um funcionário de uma câmara municipal, por se haver julgado que a promoção deveria ter sido feita para a categoria de aspirante. Ora, requerido o pagamento da diferença entre os vencimentos auferidos como escriturário e os que teriam sido recebidos como aspirante, se a promoção houvesse sido feita legalmente, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 22 de Novembro de 1940 (x1), decidiu que por aplicação analógica do regime exarado no nº 4º do artº 538º do Código Administrativo, o interessado tinha direito à quantia pedida, como vencimento. Defendeu-se, com efeito, que, se um funcionário reintegrado tem direito aos vencimentos correspondentes ao tempo em que esteve afastado do serviço, também deveria ter esse direito quem, por decisão ilegal, embora não punitiva, deixara de receber todos os vencimentos que lhe competiam.
"O Conselheiro Almeida Ferrão, que interveio no aresto, e o Prof. Marcello Caetano, em anotação ao mesmo acórdão (x2), sustentaram, porém, que ao funcionário era devida a soma requerida como indemnização e a título de responsabilidade civil, pois o abono de vencimentos, fora dos casos de exercício efectivo do cargo, só é possível quando a lei expressamente o permite por meio de disposições excepcionais, insusceptíveis de aplicação analógica.
"Para estes autores, portanto, a lei pode abrir excepções ao princípio de que o vencimento corresponde ao exercício efectivo do cargo em que o funcionário esteja provido - e então haverá que pagar os próprios vencimentos, a título de execução da sentença anulatória; mas onde a lei não introduza tais excepções, aquele princípio impede o abono de vencimentos, havendo antes que pagar uma soma idêntica, como indemnização e a título de responsabilidade civil pelos prejuízos causados com o acto ilegal.
"Sustentando embora a mesma solução final, o Prof. Freitas do Amaral fundamenta-a nas considerações que se passam a transcrever:
"Antes de mais, quer-nos parecer que a concepção que melhor se molda ao princípio da execução integral das sentenças dos tribunais administrativos, entendida como reconstituição da situação actual hipotética, é a que sustenta dever a Administração pagar os próprios vencimentos que o funcionário teria recebido se o acto ilegal não houvesse sido praticado, e não uma indemnização pelos prejuízos causados por esse acto ilícito.
"Simplesmente, acontece que o princípio segundo o qual a Administração tem o dever de executar, por forma integral, as sentenças dos tribunais administrativos colide com aquele outro princípio de harmonia com o qual o vencimento corresponde ao efectivo exercício do cargo em que o funcionário esteja provido (cfr. o Código Administrativo, artº 528º) (10).
"Supomos que o problema de saber qual dos dois princípios deve ser sacrificado não pode resolver-se senão em face de uma dada ordem jurídica concreta. Porém, desde que entre nós se encontra aberta uma excepção ao princípio do exercício efectivo, a favor do princípio da execução integral - mas que o legislador limitou ao caso da reintegração em virtude de sentença que anule um acto punitivo -, não podemos deixar de concluir que perante esses dois princípios a opção legislativa vai decididamente no sentido de sacrificar o segundo ao primeiro, fora dos casos exceptuados em disposições expressas.
"Isto significa, em suma, que à luz dos preceitos citados não poderão ser reclamadas como vencimentos as remunerações que qualquer funcionário tenha deixado de receber por efeito de um acto administrativo, ulteriormente anulado, que não seja um acto punitivo causador de afastamento do cargo" (x3).
"Quer se adopte uma fundamentação, quer outra, parece inegavelmente preferível a solução defendida por Almeida Ferrão, Marcello Caetano e Freitas do Amaral à que triunfou no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20 de Novembro de 1940.
"Daí que se deva desde já concluir não ter o inspector [...] o direito a que se arroga: o de receber, em execução do acórdão e a título de vencimentos, a diferença entre os ordenados de subinspector e o de inspector.
"Assistir-lhe-ia, no entanto, o direito de reclamar a quantia que tinha deixado de receber, mas a título de indemnização".

2.3. No parecer nº 254/77, de 12 de Janeiro de 1978, deste corpo consultivo (11) foi apreciado caso afim (anulação, por ilegal, de despacho ministerial que revogara a portaria de nomeação de determinado agente da Administração Central). Pretendia o interessado que lhe fossem abonados os vencimentos que teria recebido não fora o despacho ilegal.
Escreveu-se nesse parecer:
"A questão de se saber se um agente administrativo, afastado de funções em consequência de despacho ilegal, tem direito aos vencimentos correspondentes ao período do afastamento, não é nova entre nós.
"O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19 de Julho de 1968 (x4), entendeu reconhecer esse direito, fundado na retroactividade da anulação que conduz à restauração da situação jurídica existente à data do acto destruído, como se este não tivesse sido praticado: mantido sem interrupção jurídica, esse vínculo entre a Administração e o funcionário, deve esta, entre outras obrigações, fazer a contagem de tempo de serviço e processar os vencimentos correspondentes, como o faria todas as vezes que, por qualquer motivo, ocorresse atraso em operações dessa ordem.
"Esta situação estaria confirmada pelo disposto no artigo 538º, nº 4, do Código Administrativo, que declara terem direito aos vencimentos de categoria e exercício os funcionários reintegrados nos seus cargos por sentença que anule o facto que os puniu, em relação ao tempo em que estiveram ilegalmente afastados do cargo, preceito que se não vê razão para ser considerado excepcional.
"Freitas do Amaral, ao abordar o problema (x5), entende que o interessado pode optar entre o regime da responsabilidade civil da Administração, fundada na culpa, e a responsabilidade desta por acto lícito. Como, na última, o montante da indemnização se afere pelo valor do direito subjectivo sacrificado, o particular encontrará por este modo a garantia de receber uma soma pecuniária idêntica, nem mais nem menos, ao montante dos vencimentos que teria auferido se não fosse o acto ilegal (x6).
"Segundo o entendimento desse autor, à Administração seria lícito recusar o vencimento com base no princípio legal de que este só corresponde ao serviço efectivo prestado. Mas, esta recusa lícita, origem de prejuízo para o interessado, constituiria a Administração no dever de indemnizar.
"Não podemos concordar com as soluções expostas. Face à nossa lei é incontroverso que o vencimento consiste na remuneração recebida pelo efectivo exercício do cargo em que o funcionário esteja provido, salvo nos casos expressamente exceptuados na lei (artigo 528º do Código Administrativo; § 3º do artigo 88º do Regulamento Geral da Contabilidade Pública, de 31 de Agosto de 1881; Decreto nº 15538, artigo 16º, § 2º; Decreto nº 16669, artigo 11º). Sendo este o princípio geral teremos de concluir pela excepcionalidade do artigo 538º, nº 4, do Código Administrativo e pela sua inaplicabilidade, por analogia, à hipótese em apreço (x7).
"Para além de ser esta doutrina a aceitável face ao direito português, é-o também no domínio dos princípios visto não se compreender que, podendo o interessado não ter sofrido qualquer prejuízo em consequência do acto ilícito da Administração, pelo eventual desempenho de funções tanto ou mais lucrativas, venha a obter um benefício ilegítimo em que se traduziria a satisfação dos vencimentos. Daí a bondade do princípio segundo o qual o vencimento não remunera a qualidade do funcionário, mas sim o serviço por ele prestado à Administração.
"Por outro lado, esta doutrina é a que resulta da Jurisprudência do Conselho de Estado francês (x8) o que, não constituindo argumento decisivo, é, sem dúvida, a prova de que ela se insere na realidade da vida e não assenta em conceptualismos dela afastados.
"A doutrina de Freitas do Amaral que nos abstemos, por inutilidade, de discutir, face ao regime anterior ao Decreto-Lei nº 48051, de 21 de Novembro de 1967, é hoje, face a este diploma, inaceitável. A medida da responsabilidade do Estado por actos lícitos é a do prejuízo criado, prejuízo que, na falta de regras especiais, se afere nos termos da lei civil.
"Não tem, pois, o interessado qualquer direito aos vencimentos que deixou de receber em consequência da revogação ilícita da portaria que o nomeou como professor do Instituto de Ciências Sociais e Política Ultramarina; terá direito a uma indemnização, fundado em acto culposo da Administração, na medida dos prejuízos que sofreu".
E concluiu-se (conclusão 1ª):
"1. Tendo sido anulado, por ilegal, o despacho ministerial que revogou a portaria de nomeação de determinado agente administrativo, este não tem direito aos vencimentos que teria recebido se não fora aquele depacho, mas apenas a indemnização dos prejuízos sofridos;"

2.4. O parecer nº 196/83, de 9 de Março de 1984, deste corpo consultivo (12), apreciou um caso de "reintegração no quadro do serviço diplomático do pessoal que se encontrava na situação de disponibilidade", na sequência da declaração de inconstitucionalidade do artigo 37º do Decreto-Lei nº 47331, de 23 de Novembro de 1966, aí se discutindo "o problema do montante devido ao funcionário entre o momento em que passou à disponibilidade e aquele em que reassumiu funções".
Depois de se notar que este Conselho Consultivo sustentou, durante algum tempo, a tese do "vencimento" (x9), acrescentou-se que "acabou por se fixar na tese da "indemnização", transcrevendo-se a parte, já referida, do parecer nº 254/77.
Acrescentou-se, de seguida:
"A Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo não é pacífica (x10), embora se possa encontrar ultimamente uma inclinação para a tese da "indemnização".
"Do seu acórdão de 11 de Dezembro de 1980 (13), transcreve-se:
"[...] aplicando este ensinamento no campo da função pública, todos estão de acordo em que a Administração deve readmitir o agente que foi afastado por acto ilegal, devendo ser reintegrado no lugar que ocupava.
"Mas será que a Administração também é obrigada a pagar a esse agente os vencimentos da categoria de que, ilegalmente, foi privado?
"Aqui, as opiniões divergem.
"[...] Não falta, na verdade, quem defenda que os funcionários têm direito a esses vencimentos, sendo o seu abono um efeito natural da anulação do acto.
Em tal caso, a Administração é obrigada a pagar as quantias devidas como vencimentos e a título de execução da sentença anulatória.
"Mas também não falta quem defenda que os funcionários têm, antes, direito a uma indemnização e a título de responsabilidade civil pelos danos causados com o acto ilegal.
"Neste caso, o funcionário terá de recorrer ao meio próprio - a acção cível - alegando e demonstrando os danos sofridos a fim de obter a reparação pecuniária adequada, fundando-se na responsabilidade extracontratual da Administração, - responsabilidade por facto ilícito culposo (art. 1º do Dec.-Lei nº 48851, de 21 de Novembro de 1967), se o não obtiver por acordo extra-judicial.
"[...] Inclinamo-nos para este último entendimento, na esteira, aliás, do acórdão deste Supremo Tribunal, de 29-10-971 (Acórdãos Doutrinais, 121-22), do Parecer da P.G.R., de 12-1-978 (Diário da República, 2ª série, de 29-4-978) e do Prof. MARCELLO CAETANO (O Direito, 73-20).
"Compreende-se.
"É que o vencimento, em princípio, não remunera a qualidade do funcionário, mas sim o serviço por ele prestado à Administração; o vencimento, como se sabe, consiste na remuneração recebida pelo efectivo exercício do cargo em que o funcionário esteja provido, salvo nos casos expressamente exceptuados na lei.
"E, sendo este o princípio geral, teremos de concluir pela excepcionalidade do artigo 538º, nº 4, do Código Administrativo e pela sua inaplicabilidade, por analogia (art. 11º do Código Civil)".
"Este acórdão foi, como se referiu, comentado por Afonso Queiró, que aceita, na falta de uma regulamentação legislativa da questão e considerando os princípios que nessas circunstâncias seriam aplicáveis, a tese da "indemnização".
"Contudo este autor defende que o disposto no artigo 538º, nº 4, do Código Administrativo, deve ser considerado uma norma comum do estatuto da função pública e não excepcional.
"É no entanto muito duvidoso que aquela disposição do Código Administrativo possa ser considerada em vigor na sua plenitude e muito menos como norma comum a toda a função pública, pelas razões expostas.
.....................................................................................
"Prevê-se, aqui (14), a hipótese de anulação do acto punitivo que tenha afastado das suas funções um funcionário administrativo.
"O afastamento de funções no âmbito disciplinar (-) pode ter lugar preventivamente, ainda no decurso do processo, ou, a final, com a aplicação de uma pena suspensiva ou expulsiva.
"Os funcionários "administrativos" a que alude o Código Administrativo estão hoje sujeitos ao Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração, Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro.
"O artigo 54º daquele Estatuto prevê a suspensão preventiva do funcionário, sem perda do vencimento de categoria, dispondo o nº 3:
"A perda do vencimento do exercício será reparada ou levada em conta na decisão final do processo".
"Consagra-se, nesta hipótese, a teoria do "vencimento" por motivos de praticabilidade e protecção aos interesses dos funcionários e agentes (x11) indo ao encontro da tese consagrada no artigo 538º do Código Administrativo.
"Contudo, se a decisão final é expulsiva ou suspensiva de funções e ela vem a ser anulada em processo de revisão, o legislador optou pela indemnização.
"É o que diz o nº 6 do artigo 83º do referido Estatuto:
"O funcionário tem direito, em caso de revisão procedente, à reconstituição da carreira, devendo ser consideradas as expectativas legítimas de promoção que não se efectivaram por efeito de punição, sem prejuízo da indemnização a que tenha direito, nos termos gerais, pelos danos morais e materiais sofridos" (x12).
"Para justificar esta solução, escreve Afonso Queiró:
"Terá imperado na mente do novo legislador a consideração de que a revisão pode ser conseguida muitos anos depois da decisão condenatória revista, devendo assumir-se que os interessados haverão conseguido uma ocupação lucrativa compensadora ou mais que compensadora dos prejuízos sofridos com o não recebimento dos vencimentos medio tempore. Pagar estes vencimentos será em muitos casos duplicar a remuneração deles. O funcionamento do princípio da compensatio lucri cum damno evitará que, nestes casos, os funcionários e agentes obtenham injustas ou inaceitáveis duplicações de vencimentos".
"Por tudo isto, parece preferível aceitar como afloramento dum princípio comum a toda a função pública, não o nº 4 do artigo 538º do Código Administrativo, elaborado quando prevalecia a tese do vencimento, mas o que agora dispõe o nº 6 do artigo 83º do Estatuto Disciplinar que, por mais justo, vem obtendo ampla consagração na doutrina e jurisprudência nacionais e estrangeiras.
...................................................................................
"Como resulta do que se expôs, a indemnização será correspondente ao prejuízo sofrido em danos materiais e morais, pelo funcionário, mas só o prejuízo efectivamente sofrido; isto é, no cálculo, devem considerar-se, para os deduzir, outros rendimentos que durante esse período o funcionário possa eventualmente ter auferido pelo seu trabalho (x13).
"A indemnização, com a aplicação do princípio da compensatio lucri cum damno, pode vir a ser fixada em montante inferior ou em montante superior ao dos vencimentos, e, até, "dados possíveis rendimentos compensadores, resultantes de ocupações lucrativas exercidas medio tempore, pode nem sequer ser devida" (x14).
"O cálculo da indemnização torna-se assim uma operação complexa.
"E se o acordo extrajudicial é possível, a situação é daquelas que exigem imediação com as provas e aconselham, por isso, uma solução em termos de justiça concreta; os tribunais têm normalmente aqui um campo privilegiado de actuação".

2.5. O parecer nº 182/83, de 25 de Julho de 1984, deste corpo consultivo (15), manteve a doutrina dos referidos pareceres nºs 254/77 e 196/83.
Rematando e aplicando tal doutrina, nos seus precisos termos, à questão aí em apreço, escreveu-se nesse parecer:
"Se considerarmos, ainda, que tanto o artigo 618º, § único, nº 2, alínea a), do Código Administrativo, como o artigo 78º, § único, 2º, alínea a), do Estatuto aprovado pelo Decreto nº 32659, de 9 de Fevereiro de 1943 (16), estatuíam não terem os funcionários e agentes cujas condenações fossem revistas direito aos vencimentos que deixaram de receber, parece evidente não ter a tese do "vencimento" lugar no âmbito em que nos movemos, da revisão das penas disciplinares expulsivas (e suspensivas)".

2.6. A mesma doutrina foi mantida nos pareceres nºs 117/84, de 7 de Junho de 1984, 114/84, de 4 de Julho de 1985, 68/85, de 24 de Abril de 1986, 73/86, de 22 de Janeiro de 1987 e 86/92, de 6 de Maio de 1993 (17).
No recente parecer nº 86/92 - que apreciou um caso de anulação de acto que recusara a aprovação de um candidato a um lugar de assistente estagiário na Faculdade de Ciências Médicas - Universidade Nova de Lisboa -, depois de se passar em revista a doutrina deste corpo consultivo e a jurisprudência do S.T.A., concluiu-se:
"Não se vêem razões válidas para abandonar a posição que este Conselho vem sufragando (tese da "indemnização"), igualmente adoptada pelo STA.
"As disposições legais entretanto publicadas, nomeadamente, sobre princípios gerais em matéria de emprego público, remunerações e gestão de pessoal da Administração Pública - Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho, e desenvolvimento e regulamentação, de acordo com o seu artigo 43º, levados a efeito pelo Decreto-Lei nº 353-A/89, de 16 de Outubro (estatuto remuneratório) e Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, com alterações que agora não relevam (constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego) -, em nada infirmam a posição a que se aderiu".

2.7. Pode dizer-se que a doutrina da "indemnização" constitui hoje jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo (18), por razões idênticas às invocadas neste corpo consultivo.

2.7.1. Assim, escreveu-se no acórdão de 15 de Dezembro de 1988, em caso de anulação de acto que punira com a pena disciplinar de demissão:
"Ora, este Tribunal firmou, nos últimos anos, forte corrente jurisprudencial no sentido da teoria da indemnização, apresentando-se convincente a argumentação, em seu favor aduzida, de que, aqui, se fará breve resenha remetendo-se, todavia, para a referida jurisprudência e diversos pareceres da Procuradoria-Geral da República, com orientação bem firmada no mesmo sentido.
"A teoria do vencimento tem sido defendida com base, essencialmente, no artigo 538º, nº 4, do Código Administrativo, que dispõe terem "direito aos vencimentos de categoria e exercício os funcionários reintegrados nos seus cargos por sentença que anula o acto que os puniu, com relação ao tempo em que estivessem ilegalmente afastados do cargo", pretendendo ver-se nessa disposição a revelação de um princípio geral.
"Todavia, tal normativo diz respeito unicamente aos funcionários da Administração Local.
"E, por outro lado, há outras disposições legais, no sentido da teoria da indemnização, como as dos artigos 83º, nº 6, do Estatuto Disciplinar de 1984 e do artigo 7º, § único, nº 3, do Decreto-Lei nº 46001, de 2 de Novembro de 1964 (que reestruturou o instituto da revisão do processo disciplinar dos militares).
"Assim, aquele artigo 538º tem, antes, carácter excepcional, não comportando aplicações análogas - artigo 11º do Código Civil.
"Ainda, a teoria de indemnização é a que, em termos substanciais, parece mais apropriada à realidade jurídica em análise.
"Na verdade, como é princípio básico geralmente aceite, o vencimento corresponde à remuneração pelo efectivo exercício do cargo, que não pela sua mera titularidade, assentando na contraprestação efectiva do mesmo cargo.
"Pelo que a anulação contenciosa do acto não pode, só por si, legitimar o pagamento dos vencimentos não auferidos.
...............................................................................
"E a teoria da indemnização é a que melhor assegura o equilíbrio dos interesses em causa.
"Hipotize-se a situação de funcionário que, por ter cessado a relação de emprego público, viesse a exercer actividade muito mais lucrativa e, até, incompatível com as funções que antes desempenhava e que, não obstante, viria ainda a acumular os ditos vencimentos.
"Como a hipótese inversa, do auferimento de, apenas magros proventos, porventura muito inferiores aos vencimentos que o exercício efectivo do cargo lhe teria assegurado.
"Nem se tornou efectivamente gravosa para o funcionário a prova dos prejuízos sofridos uma vez que a ilegalidade da conduta está demonstrada na decisão de anulação contenciosa e a prova da privação das remunerações decorre da execução do próprio acto anulado.
"De modo que a eventual necessidade de propositura da acção tendente ao ressarcimento dos aludidos prejuízos, nos termos do Decreto-Lei nº 48051, com as inevitáveis demoras até decisão final, não tem peso suficiente para afastar as vantagens da teoria da indemnização correspondente a tais prejuízos, se tivessem tido lugar."

2.7.2. Relativamente à excepcionalidade da norma do nº 4 do artigo 538º do Código Administrativo, aplicável apenas aos funcionários da Administração Local, em matéria disciplinar nos casos aí expressamente referidos, escrevera-se anteriormente no referido acórdão de 22 de Novembro de 1984 do S.T.A.:
"Mas tal norma deve ser qualificada como excepcional, constituindo, como constitui, um desvio ou excepção ao princípio geral atrás enunciado.
"Até porque aquele preceito não é o único em que as soluções do Código Administrativo divergem ou divergiram das adoptadas para os agentes e funcionários do Estado, até em aspectos de acentuada relevância.
"É o caso, por exemplo, do artigo 613º do citado Código, que permitia a todo o tempo a revisão dos processos disciplinares, na sequência do artigo 40º do Regulamento Disciplinar de 22 de Fevereiro de 1913, quando o artigo 73º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários Civis do Estado, de 1943, só a facultou no prazo de 180 dias, contados da data em que o funcionário tivesse obtido a possibilidade de invocar as circunstâncias ou meios de prova que fundamentassem a revisão, solução também adoptada no artigo 426º do Estatuto do Funcionalismo Ultramarino e no artigo 525º do Estatuto Judiciário de 1962, e, quanto aos processos de disciplina militar, no § do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43310, de 14 de Novembro de 1960, e no § 1º do artigo 1º do Decreto-Lei nº 46001, de 2 de Novembro de 1964, e mantida, embora com alargamento do prazo, no artigo 146º do Regulamento de Disciplina Militar de 1977.
"Daí, que, devendo o aludido nº 4 do artigo 538º do Código Administrativo ser considerado como norma de carácter excepcional, não possa ser aplicável, por analogia, aos agentes e funcionários da Administração Central, face à proibição estabelecida no artigo 11º do Código Civil.
"Anote-se, mesmo, que os diversos diplomas sobre matérias disciplinares, aplicáveis aos funcionários do Estado, em geral, enunciaram normas sobre a reparação dos vencimentos perdidos por efeito da suspensão preventiva em processo disciplinar (cfr.,como meros exemplos, o § 2º do artigo 45º do Estatuto Disciplinar de 1943, e § 4º do artigo 385º do Estatuto do Funcionalismo Ultramarino, e nº 3 do artigo 498º do Estatuto Judiciário de 1962, o nº 3 do artigo 52º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei nº 191-D/79, e ainda o nº 3 do artigo 54º do Estatuto Disciplinar que substituiu esse, aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 24 de Janeiro).
"O que evidencia que o legislador esteve atento, na elaboração desses diplomas, às consequências, quanto aos vencimentos perdidos, de decisões que envolvam o reconhecimento de falta de fundamento para punição disciplinar os que destruam os efeitos de decisão que ilegalmente a tiverem aplicado - caso de provimento de recurso hierárquico.
"Contudo, em todos aqueles diplomas o legislador restringiu a reparação dos vencimentos aos perdidos por virtude da referida suspensão preventiva.
"E é até de observar que, pelo menos quanto aos últimos dos diplomas atrás citados, o legislador não podia ignorar a diversidade de orientações na jurisprudência quanto ao problema em análise, precisamente com base no mencionado nº 4 do artigo 538º do Código Administrativo."

2.8. Na esteira dos referidos pareceres deste corpo consultivo, e não havendo motivação válida para a alterar, deve ter-se por legal - conforme ao ordenamento jurídico português - o entendimento de que, nos casos como o ora em apreço, há lugar a uma "indemnização pelos prejuízos sofridos, e não ao pagamento dos "vencimentos" que o funcionário teria recebido se não fora o(s) despacho(s) revogado(s).
De facto, mesmo a entender-se que esteja em vigor, nunca seria de aplicar ao caso em apreço a norma excepcional do nº 4 do artigo 538º do Código Administrativo, com campo de aplicação bem restrito - casos de reintegração de funcionários e agentes da Administração Local que anule(m) acto(s) que o(s) puniram, em processo disciplinar -, o que aqui não ocorre.
O então major (...), integrado em departamento da Administração Central, foi "afastado" (abatido ao quadro permanente da Força Aérea, passando à disponibilidade) por actos ilegais emitidos à margem de qualquer processo disciplinar, que nunca lhe foi instaurado.

2.9. No cálculo da indemnização deverá seguir-se a doutrina do citado parecer nº 196/83, deste corpo consultivo (ponto 2.4.), aliás, coincidente, nesse ponto, com a doutrina do parecer de 6 de Maio de 1992 do Auditor Jurídico do Ministério do Emprego e Segurança Social (ponto 1.2.): a "indemnização" será correspondente ao prejuízo efectivamente sofrido em danos materiais e morais, pelo funcionário; será calculada a partir dos vencimentos não auferidos, a que serão deduzidos quaisquer rendimentos que o funcionário possa ter percebido durante esse período, pelo seu trabalho, e acrescidos quaisquer outros danos, materiais ou morais.
O pagamento dessa indemnização deverá processar-se nos termos do Decreto-Lei nº 74/70, de 2 de Março, que prevê a inscrição, no Orçamento do Ministério das Finanças, de uma verba destinada ao pagamento das despesas com "indemnizações para compensação de danos causados a terceiros" ou quaisquer outras despesas a que "o Estado seja compelido a pagar, por sentença dos tribunais com trânsito em julgado" (alíneas d) e c) do nº 1 do artigo 1º).

Conclusão:

3
Termos em que se conclui:
1 - Anulados contenciosamente, por ilegais, os actos que determinaram o abate ao quadro permanente da Força Aérea do então major (...), e reintegrado o mesmo na categoria de coronel, este não tem direito aos vencimentos que teria recebido se não foram aqueles actos ilegais, mas pode ter direito a uma indemnização pelos prejuízos efectivamente sofridos;
2 - A indemnização referida na conclusão anterior, dada a aplicação do princípio da compensatio lucri cum damno, poderá vir a ser fixada em montante superior ou inferior aos vencimentos não auferidos, e até, em virtude dos rendimentos de trabalho eventualmente percebidos, nem sequer ser-lhe devida.




1) Artigo 163º, nº 2, do C.J.M., aprovado pelo Decreto nº 11292, de 26 de Novembro de 1925:
"Em tempo de paz comete o crime de deserção o militar que: [...]
2 - Encontrando-se na situação de licença de qualquer natureza ou na disponibilidade, se não apresente onde lhe for determinado dentro do prazo de dez dias a contar da data fixada no passaporte de licença, no aviso convocatório, no edital de chamada ou em qualquer outra forma de intimação".
Artigo 173º, § único, do mesmo diploma legal, na redacção do Decreto-Lei nº 33493, de 11 de Janeiro de 1944:
"O oficial condenado pelo crime de deserção terá sempre como acessória a pena de demissão, sendo abatido aos quadros permanentes do exército ou do efectivo da armada".

2) Artigo 1º do Decreto-Lei nº 179/78, de 15 de Julho:
"O militar não pertencente aos quadros permanentes que, à data em que deva terminar o cumprimento do serviço efectivo ou serviço militar obrigatório, tenha pendente processo em que seja suspeito ou arguido de crime da competência do foro militar terá, naquela data, passagem à disponibilidade, a licenciado ou à reserva dos quadros de complemento, salvo se estiver em regime de prisão preventiva".

3) Os elementos constantes deste nº 1.1. foram recolhidos do acórdão de 18 de Dezembro de 1991, do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, não publicado, e constante da documentação enviada com a consulta.

4) Decisão não publicada.

5) Artigo 565º do Código Civil, epigrafado de "indemnização provisória":
"Devendo a indemnização ser fixada em execução de sentença, pode o tribunal condenar desde logo o devedor no pagamento de uma indemnização, dentro do quantitativo que considere já provado".

6) Referia-se o requerente a "outros danos sofridos, quer morais quer materiais para além dos resultantes do não pagamento dos vencimentos" "danos que considera "irreparáveis, independentemente do valor da compensação a atribuir, que mais não poderá ser do que uma atenuante dos malefícios [...] sofridos".

7) Na sequência desse requerimento a Força Aérea (ofício de 14 de Agosto de 1992) veio a remeter à Secretaria-Geral do Ministério das Finanças, "para liquidação, um processo de indemnização no valor de 59 513 591$00", a favor do coronel (...), tendo posteriormente (ofício de 10 de Setembro do mesmo ano) solicitado a suspensão desse processo, face à propositura de acção, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, pelo coronel (...). A suspensão desse processo administrativo foi ordenada pela Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento, face às razões invocadas.

8) Idêntica proposta fora efeita no Gabinete do Chefe do Estado Maior (ofício 3202, de 25 de Março de 1993, dirigido ao Gabinete do Ministro da Defesa Nacional).

9) Publicado no Diário do Governo, II Série, de 12/5/73.

x) O princípio que reconhece o direito aos vencimentos só enquanto os funcionários permaneçam no exercício efectivo do cargo decorre, entre outros, do art. 3º da Lei nº 403, de 31 de Agosto de 1915, do art. 39º do Decreto com força de Lei nº 18381, de 24 de Maio de 1930, do § único do art. 16º do Decreto com força de Lei nº 19476, de 18 de Março de 1931, e do art. 528º do Código Administrativo [...].

x1) ODireito, ano 73º, pág. 17.

x2) Ibidem, pág. 20 e 21.

10) Artigo 528º do Código Administrativo:
"O vencimento corresponde ao efectivo exercício do cargo em que o funcionário esteja provido, salvo nos casos expressamente exceptuados por lei".

x3) Prof. Freitas do Amaral (A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos , pág.s. 88 a 90) [...].

11) Publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 280, pág. 203, e no Diário da República, II Série, de 29 de Abril de 1978.

x4) Em Acórdãos Doutrinais, nº 83, págs. 1436 e seguintes.

x5) A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, Lisboa, 1967, págs. 90 e seguintes.

x6) Op. cit., pág. 91.

x7) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28 de Outubro de 1971, em Acórdãos Doutrinais, nº 121, págs. 22 e segs.; Marcello Caetano, Anotação ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 22 de Novembro de 1940, em O Direito, ano 73º, pág. 20.

x8) Cfr. as obras citadas no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28 de Outubro de 1971.

12) Publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 339, pág. 140.

x9) Cfr., por exemplo, os pareceres nºs 81/56, publicado no Diário do Governo, II Série, de 21 de Dezembro de 1956, e Boletim do Ministério da Justiça, nº 61, pág.368, e 41/62, de 2 de Outubro de 1962, não publicado.

x10) No sentido da tese do "vencimento" podem indicar-se os acórdãos de 17 de Outubro de 1941, de 19 de Julho de 1968, de 22 de Novembro de 1968, em, respectivamente, Colecção de Acórdãos, VII, pág. 550, e Acórdãos Doutrinais, nºs 83, pág. 1436, e 87, pág. 354; no sentido da tese da "indemnização", os acórdãos de 26 de Fevereiro de 1965, 28 de Outubro de 1971 e 11 de Dezembro de 1980, em Acórdãos Doutrinais, nºs 43, pág. 889, 121, pág. 22 e, 230, pág. 186, respectivamente.

13) Em causa um caso de anulação de despacho que exonerara um funcionário por conveniência de serviço.

14) Norma atrás transcrita (ponto 2.2.).

x11) Assim, Afonso Queiró, loc. cit., pág. 250.

x12) Cfr. já neste sentido o próprio Código Administrativo - artigo 618º, § único, nº 2, alínea a), o Estatuto Disciplinar dos Funcionários Civis do Estado, artigo 78º, § 2º, nº 2, alínea a), o Estatuto dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei nº 191-D/79, de 25 de Junho, artigo 85º, nº 6. Estas normas seriam o afloramento do princípio geral, encontrando-se a excepção no nº 4 do referido artigo 538º, como sustentam o acórdão e o parecer transcritos.

x13) André de Laubadère, Traité Elementaire de Droit Administratif, 7ª edição, Paris, 1980, pág. 109.

x14) Afonso Queiró, loc. cit., pág. 248.

15) Publicado no Diário da República, II Série, de 9 de Fevereiro de 1985 e no Boletim do Ministério da Justiça, nº 343, pág. 51. Em causa um caso de revogação de acto administrativo que determinou a demissão de um funcionário (da Administração-Geral do Porto de Lisboa), com fundamento em abandono do lugar, de acordo com o disposto no artigo 23º, § 3º, nº 6, do então vigente Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto nº 32659, de 9 de Fevereiro de 1943.

16) Normas já referidas na nota (x12),que, como acima se diz, dispunham não haver lugar, no caso de revisão de processo e anulação dos efeitos da pena, ao pagamento dos vencimentos que o funcionário deixou de receber. Diferentemente, o artigo 85º, nº 6, do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei nº 191-D/79, de 25 de Junho, dispunha, e o artigo 83º, nº 6, do actual Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro, dispõe que, nesse caso, haverá lugar à "indemnização a que (o funcionário) tenha direito, nos termos gerais, pelos danos morais e materiais sofridos".

17) Publicados no Diário da República, II Série, de 7 de Junho de 1984, 4 de Julho de 1985, 24 de Abril de 1986, 30 de Julho de 1987 e 25 de Setembro de 1993, respectivamente.

18) Ver, por todos, os acórdãos de 22 de Novembro de 1984, 14 de Abril de 1989, 15 de Dezembro de 1988, 10 de Janeiro de 1989 e 6 de Abril de 1989, em Boletim do Ministério da Justiça, nº 341, pág. 286, Acórdãos Doutrinais, nº 330, pág. 748, Boletim do Ministério da Justiça, nº 382, pág. 372, e Acórdãos Doutrinais., nºs 338, pág. 337, e nº 339, pág. 325, respectivamente.