Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002837
Parecer: P000992006
Nº do Documento: PPA18012007009900
Descritores: SECTOR EMPRESARIAL LOCAL
EMPRESA MUNICIPAL
EMPRESA INTERMUNICIPAL
ENTIDADES EMPRESARIAIS LOCAIS
PESSOA COLECTIVA DE DIREITO PÚBLICO
REGIME DE DIREITO PRIVADO
ÓRGÃO DE ADMINISTRAÇÃO
PRESIDENTE
VOGAL
INCOMPATIBILIDADE
TITULAR DE ALTO CARGO PÚBLICO
ACUMULAÇÃO DE FUNÇÕES
AUTORIZAÇÃO
LACUNA
GESTOR LOCAL
GESTOR PÚBLICO
SECTOR EMPRESARIAL DO ESTADO
Livro: 00
Pedido: 10/04/2006
Data de Distribuição: 10/19/2006
Relator: ESTEVES REMÉDIO
Sessões: 01
Data da Votação: 01/18/2007
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: PGR
Entidades do Departamento 1: DESPACHO DE S. EXA O PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
Privacidade: [03]
Indicação 2: ASSESSOR:TERESA BREIA
Texto Integral:



Senhor Procurador-Geral da República,
Excelência:


1

No âmbito da actividade fiscalizadora desenvolvida pela Procuradoria-Geral da República no quadro da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto, em relação a incompatibilidades e impedimentos dos titulares de altos cargos públicos, suscita-se a intervenção do Conselho Consultivo para se pronunciar sobre as seguintes questões ([1]):

«1.ª – As empresas municipais e intermunicipais, que assumam a natureza de empresas públicas, empresas de capitais públicos e empresas de capitais maioritariamente públicos, encontram-se abrangidas pelo disposto no artigo 3.º da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto?

2.ª – E, em caso afirmativo, os vogais que exerçam funções executivas em empresas municipais e intermunicipais devem, por sua vez, considerar-se abrangidos pelo disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto?

3.ª – Considerando que os titulares de empresas municipais e intermunicipais são titulares de altos cargos públicos ou equiparados, podem os mesmos recorrer à possibilidade de levantamento de incompatibilidades prevista nos n.os 3 e 4 do artigo 7.º da mesma Lei?»

Cumpre emitir parecer.


2

O tema das acumulações e incompatibilidades na função pública e em relação a titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos tem sido objecto de reiterada preocupação do legislador, da doutrina e da jurisprudência, e o Conselho Consultivo tem sido, repetidas vezes, chamado a avaliar as mais diversas situações neste domínio ([2]).

A acumulação de funções «verifica-se quando o funcionário ou agente desempenha, além das abrangidas no cargo correspondente ao lugar que ocupa, outras funções (públicas ou privadas)» ([3]).

Marcello Caetano enuncia, a propósito, o princípio «de que só pode ser provido num cargo público o indivíduo que não exerça outra função pública ou privada que com ela seja incompatível», isto é, «a regra de que cada funcionário só pode exercer um cargo público»; será justamente em relação aos cargos acumuláveis que se coloca a questão de «ver se são entre si compatíveis» ([4]).

A incompatibilidade consiste na «impossibilidade legal do desempenho de certas funções públicas por indivíduo que exerça determinadas actividades ou se encontre em alguma das situações, públicas ou particulares, enumeradas na lei» ([5]).

Noutra formulação, diz-se incompatibilidade «a impossibilidade de desempenhar, além do cargo correspondente ao lugar ocupado, outras funções, ou de ocupar outro lugar»; a incompatibilidade constitui «um limite em relação à matéria das acumulações», ou seja, «a acumulação só poderá verificar-se quando não há incompatibilidade ou esta pode ser removida; logo que haja incompatibilidade ou ela não possa ser removida, não poderá haver acumulação» ([6]).

A doutrina distingue entre diversos tipos de incompatibilidades, convindo destacar as incompatibilidade relativas – aquelas que são susceptíveis de ser removidas mediante autorização da entidade competente – e as incompatibilidades absolutas – as que são irremovíveis; estas podem ainda ser legais (as fixadas na lei) e naturais (as resultantes de uma impossibilidade ligada ao tempo ou ao espaço) ([7]).

O fundamento material das normas sobre incompatibilidades e acumulações reside, por um lado, na preocupação de fazer consagrar a total actividade do funcionário ao seu cargo, evitando-se dispersões funcionais prejudiciais para o serviço, e, por outro, na necessidade de evitar que o funcionário seja confrontado com situações de conflito entre a prossecução do interesse público e a defesa de interesses particulares em que esteja envolvido; a preocupação pela garantia da inexistência de conflitos de interesses tem mesmo obtido consagração legal expressa ([8]).

Visa-se genericamente proteger a independência e a transparência do exercício de funções públicas, bem como o respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade da administração pública (cf. artigo 266.º da Constituição e artigos 5.º e 6.º do Código do Procedimento Administrativo).

A matéria das acumulações e incompatibilidades tem reconhecimento na Constituição, cujo artigo 269.º dispõe:

«Artigo 269.º
Regime da função pública
1. No exercício das suas funções, os trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado e outras entidades públicas estão exclusivamente ao serviço do interesse público, tal como é definido, nos termos da lei, pelos órgãos competentes da Administração.
2. (...).
3. (…).
4. Não é permitida a acumulação de empregos ou cargos públicos, salvo nos casos expressamente admitidos por lei.
5. A lei determina as incompatibilidades entre o exercício de empregos ou cargos públicos e o de outras actividades.» ([9])

A Constituição, como se vê, não proíbe, em absoluto, nem a acumulação de cargos públicos, nem a acumulação de cargos públicos com actividades privadas.

Reconhece-se, todavia, que o disposto nos n.os 4 e 5 do artigo 269.º «permite afirmar ser intenção do legislador constitucional sujeitar a regimes substancialmente diferentes a acumulação de empregos ou cargos públicos e a acumulação destes com o exercício de actividades privadas.

«Enquanto que o exercício cumulativo de funções públicas assume natureza excepcional, sendo proibido salvo se a lei expressamente o admitir, a cumulatividade de funções públicas com actividades privadas é permitida, excepto se forem consideradas incompatíveis pela lei.

«Deste modo, na acumulação de funções públicas a regra geral é a sua proibição, sendo a excepção composta pela sua permissão. Pelo contrário, na acumulação de funções públicas com privadas, a regra geral é a da sua permissão, sendo a excepção constituída pelas incompatibilidades.» ([10])

Em todo o caso, o legislador ordinário goza nesta matéria de uma considerável margem de discricionaridade – não de arbitrariedade – no uso da qual irá concretizar os regimes de permissão e proibição de acumulações e de incompatibilidades ([11]).

Após este enquadramento genérico, válido para a função pública em sentido amplo, importa referir e analisar os instrumentos legislativos mediante os quais o legislador ordinário concretizou a prescrição constante do n.º 5 do artigo 269.º da Constituição.


3

Consta presentemente da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto, o regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos ([12]).

A Lei n.º 64/93 autonomiza dois grupos distintos de titulares de cargos, os titulares de cargos políticos e os titulares de altos cargos públicos, cada um deles com regime de incompatibilidades e impedimentos e sistema de fiscalização próprios.

O exercício de funções fiscalizadoras por parte da Procuradoria-‑Geral da República restringe-se aos titulares de altos cargos públicos e é sobre estes que mais incidirá a nossa atenção.

Na versão originária da Lei n.º 64/93, o artigo 3.º dispunha:

«Artigo 3.º
Titulares de altos cargos públicos
Para efeitos da presente lei, são considerados titulares de altos cargos públicos ou equiparados:
a) O presidente de instituto público, fundação pública, estabelecimento público, bem como de empresa pública e de sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, qualquer que seja o modo de designação;
b) O gestor público, membro do conselho de administração de sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, designado por entidade pública, e vogal da direcção de instituto público, nas modalidades referidas na alínea anterior, qualquer que seja a sua titularidade, desde que exerçam funções executivas;
c) O director-geral e subdirector-geral ou o titular de cargo cujo estatuto seja àqueles equiparado em razão da natureza e das funções;
d) O membro em regime de permanência e a tempo inteiro da entidade pública independente prevista na Constituição ou na lei.»

O n.º 4 do artigo 8.º da Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro (Orçamento do Estado para 1995), deu a este artigo a seguinte redacção:

«Artigo 3.º
1 – Para os efeitos da presente lei, são considerados titulares de altos cargos públicos ou equiparados:
a) O presidente do conselho de administração de empresa pública e de sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, qualquer que seja o modo da sua designação;
b) Gestor público e membro do conselho de administração de sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, designada por entidade pública, desde que exerçam funções executivas;
c) O membro em regime de permanência e a tempo inteiro da entidade pública independente prevista na Constituição ou na lei.
2 – Aos presidentes, vice-presidentes e vogais de direcção de instituto público, fundação pública ou estabelecimento público, bem como aos directores-gerais e subdirectores-gerais e àqueles cujo estatuto lhes seja equiparado em razão da natureza das suas funções é aplicável, em matéria de incompatibilidades e impedimentos, a lei geral da função pública e, em especial, o regime definido para o pessoal dirigente no Decreto-Lei n.º 323/89, de 26 de Setembro.» ([13])

Na nova redacção, o artigo 3.º da Lei n.º 64/93 distingue entre dois núcleos de titulares de altos cargos públicos: ao primeiro grupo, discriminado nas alíneas do n.º 1, continuou a aplicar-se a disciplina da Lei n.º 64/93; ao segundo, definido no n.º 2, passou a aplicar-se a lei geral da função pública, em especial, o regime definido para o pessoal dirigente.

A Lei n.º 28/95, de 18 de Agosto, voltou a alterar a Lei n.º 64/93: modificou os artigos 1.º, 2.º, 4.º, 5.º, 6.º e 8.º e acrescentou o artigo 7.º-A.

O artigo 4.º da Lei n.º 64/93 (que, de início, continha apenas o regime de exclusividade dos titulares de cargos políticos) unificou o regime de exclusividade dos titulares de cargos políticos e dos titulares de altos cargos públicos e passou a reger de modo idêntico para os dois tipos de cargos.

Fique menção da redacção actual deste preceito ([14]):

«Artigo 4.º
Exclusividade
1 – Os titulares dos cargos previstos nos artigos 1.º e 2.º exercem as suas funções em regime de exclusividade, sem prejuízo do disposto no Estatuto dos Deputados à Assembleia da República e do disposto no artigo 6.º
2 – A titularidade dos cargos a que se refere o número anterior é incompatível com quaisquer outras funções profissionais remuneradas ou não, bem como com a integração em corpos sociais de quaisquer pessoas colectivas de fins lucrativos.
3 – Exceptuam-se do disposto no número anterior as funções ou actividades derivadas do cargo e as que são exercidas por inerência.»

A Lei n.º 64/93 foi ainda alterada pela Lei n.º 12/96, de 18 de Abril, que procurou aperfeiçoar, explicitando-o, o regime de incompatibilidades de determinados titulares de altos cargos públicos: «os presidentes, vice-‑presidentes e vogais da direcção de instituto público, fundação pública ou estabelecimento público, bem como os directores-gerais e subdirectores-‑gerais e aqueles cujo estatuto lhes seja equiparado em razão da natureza das funções». Trata-se dos cargos que, até aí, figuravam no n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 64/93, na redacção introduzida pela Lei n.º 39-B/94, e que passam, com a Lei n.º 12/96, a ter um regime de incompatibilidades próprio, baseado em remissão para o regime do pessoal dirigente da função pública.

Coerentemente, o artigo 4.º da Lei n.º 12/96 revogou o n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 64/93, disposição que agora apresenta o seguinte teor:

«Artigo 3.º
1 – Para os efeitos da presente lei, são considerados titulares de altos cargos públicos ou equiparados:
a) O presidente do conselho de administração de empresa pública e de sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, qualquer que seja o modo da sua designação;
b) Gestor público e membro do conselho de administração de sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, designada por entidade pública, desde que exerçam funções executivas;
c) O membro em regime de permanência e a tempo inteiro da entidade pública independente prevista na Constituição ou na lei.»

O artigo 7.º da Lei n.º 64/93 mantém a formulação originária:

«Artigo 7.º
Regime geral e excepções
1 – A titularidade de altos cargos públicos implica a incompatibilidade com quaisquer outras funções remuneradas.
2 – As actividades de docência no ensino superior e de investigação não são incompatíveis com a titularidade de altos cargos públicos, bem como as inerências a título gratuito.
3 – Os titulares de altos cargos públicos em sociedades anónimas de capitais maioritária ou exclusivamente públicos podem requerer que lhes seja levantada a incompatibilidade, solicitando autorização para o exercício de actividades especificamente discriminadas, às entidades que os designaram.
4 – As situações previstas no número anterior devem ser fundamentadamente autorizadas pela assembleia geral da empresa, devendo a acta, nessa parte, ser publicada na 2.ª série do Diário da República

A Lei n.º 12/96 foi revogada pela Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeiro, que aprova o actual estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, local e regional do Estado.

A Lei n.º 64/93 foi ainda objecto de alterações pelas Leis n.os 42/96, de 31 de Agosto, e 12/98, de 24 de Fevereiro, cuja explicitação, atento o objecto da consulta, se mostra dispensável.

A fiscalização do cumprimento da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto, compete, em relação aos titulares de cargos políticos, ao Tribunal Constitucional (artigo 10.º) e, em relação aos titulares de altos cargos públicos, à Procuradoria-Geral da República (artigo 11.º).


4

No âmbito da administração pública, distingue-se – e a distinção tem assento no artigo 199.º, alínea d), da Constituição – entre administração directa do Estado, administração indirecta do Estado e administração autónoma.

A administração directa é a actividade exercida por serviços integrados na pessoa colectiva Estado, na dependência hierárquica do Governo.

A administração indirecta é desenvolvida com vista à realização de fins do Estado, mas por pessoas colectivas dele distintas. Trata-se fundamentalmente dos institutos públicos e das empresas públicas ([15]).

A administração autónoma é a que «prossegue interesses públicos próprios das pessoas que a constituem e por isso se dirige a si mesma, definindo com independência a orientação das suas actividades, sem sujeição a hierarquia ou a superintendência do Governo» ([16]). Entre nós, desenvolvem uma administração autónoma as associações públicas, as regiões autónomas e as autarquias locais.

Num outro plano, o artigo 82.º da Constituição garante a coexistência de três sectores de propriedade dos meios de produção, o sector público, o sector privado e o sector cooperativo, sendo o sector público constituído pelos meios de produção cuja propriedade e gestão pertencem ao Estado ou a outras entidades públicas.

Na sua configuração objectivo-material, o sector público divide-se em dois grandes grupos: o sector público administrativo e o sector público empresarial, cujos titulares são, designadamente, o Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais ([17]).

Antes de abordarmos a administração autónoma das autarquias locais, em cujo âmbito se desenvolve a actividade das empresas municipais, importa analisar, em medida adequada ao objecto do parecer a matéria das empresas públicas estaduais.


5

As empresas públicas integram o sector empresarial do Estado (por contraposição ao sector administrativo) e o conceito de empresa pública tem evoluído ao longo do tempo.

No pós-25 de Abril de 1974, com as nacionalizações, assistiu-se, entre nós, a uma significativa expansão do sector empresarial do Estado, vindo, algum tempo depois, o Decreto-Lei n.º 260/76, de 8 de Abril, a instituir as bases gerais das empresas públicas.

Este diploma considerava, no artigo 1.º, como empresas públicas «as empresas criadas pelo Estado com capitais próprios ou fornecidos por outras entidades públicas, para a exploração de actividades de natureza económica ou social, tendo em vista a construção e desenvolvimento de uma sociedade democrática e de uma economia socialista» (n.º 1); eram tidas também como empresas públicas as empresas nacionalizadas (n.º 2).

O artigo 3.º, ao definir o direito aplicável, admitia que os estatutos das empresas que explorassem serviços públicos ou exercessem actividades de relevante interesse público pudessem submeter determinados aspectos do seu funcionamento a um regime de direito público, e beneficiar de especiais privilégios ou prerrogativas de autoridade (n.º 2), estabelecendo assim a distinção entre as empresas públicas desse tipo e todas as demais, que, nos termos do n.º 1 do mesmo preceito, ficavam sujeitas ao regime comum de direito privado, salvo no que estivesse especialmente previsto no decreto-lei ou nas respectivas regras estatutárias.

A constituição das empresas públicas efectuava-se por decreto referendado pelo Primeiro-Ministro, Ministro das Finanças e ministros responsáveis pelo planeamento e pelo ministro da tutela (artigo 4.º).

O legislador adoptou, pois, em primeira linha, «uma concepção restrita de empresa pública – reconduzível aos organismos de carácter empresarial expressamente criados por acto legislativo – dela excluindo todas as empresas com forma societária, ainda que o seu capital pertencesse exclusivamente ao Estado ou a outras pessoas colectivas públicas».

Apesar disso, «muitas das empresas participadas pelo sector público, incluindo sociedades de capitais públicos e de economia mista, vieram a transitar para a categoria das empresas públicas, por força do disposto no n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 260/76, em virtude de o respectivo capital social ter sido integralmente nacionalizado» ([18]).


6

Mais tarde, em diferente contexto jurídico-constitucional ([19]), foi editado o Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico do sector empresarial do Estado, incluindo as bases gerais do estatuto das empresas públicas do Estado (artigo 1.º, n.º 1).

Além do Estado, apenas dispõem de sectores empresariais próprios as regiões Autónomas, os municípios e as suas associações, nos termos de legislação especial, relativamente à qual o presente diploma tem natureza supletiva (artigo 5.º).

6.1. O sector empresarial do Estado integra as empresas públicas e as empresas participadas (artigo 2.º, n.º 1).

Empresas participadas são as organizações empresariais que tenham uma participação permanente do Estado ou de quaisquer outras entidades públicas estaduais, de carácter administrativo ou empresarial, por forma directa ou indirecta, desde que o conjunto das participações públicas não origine qualquer das situações previstas no n.º 1 do artigo 3.º (artigo 2.º, n.º 2).

O artigo 3.º contém – em aproximação ao direito comunitário, como se refere no preâmbulo – o conceito de empresas públicas:

«Artigo 3.º
Empresas públicas
1 – Consideram-se empresas públicas as sociedades constituídas nos termos da lei comercial, nas quais o Estado ou outras entidades públicas estaduais possam exercer, isolada ou conjuntamente, de forma directa ou indirecta, uma influência dominante em virtude de alguma das seguintes circunstâncias:
a) Detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto;
b) Direito de designar ou de destituir a maioria dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização.
2 – São também empresas públicas as entidades com natureza empresarial reguladas no capítulo III.»

O conceito de empresa pública «compreende agora duas espécies empresariais: certas sociedades, por um lado, e as “entidades públicas empresariais”» ([20]).

Fala-se também, no contexto, de duas formas jurídico-organizatórias de empresas públicas: «a privada, representada pelas sociedades comerciais em que a posição directa ou indirecta do Estado ou de outras entidades públicas estaduais seja dominante; e a pública, correspondente ao protótipo de empresa pública moldado pelo Decreto-Lei n.º 260/76, enquanto pessoas colectivas de direito público» ([21]).

O Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, adopta um conceito de empresa pública amplo, passando a incluir no respectivo âmbito, não só as empresas de base institucional (que passam a designar-se entidades públicas empresariais), como as empresas do tipo societário, que o Decreto-‑Lei n.º 260/76 remetera para o regime comum do direito comercial, o que se traduziu – como é reconhecido no preâmbulo do diploma – num significativo aumento do universo das empresas abrangidas, mas também numa maior variedade de figuras jurídicas que o integram.

O artigo 7.º (regime jurídico geral) dispõe no n.º 1 que, sem prejuízo do disposto na legislação aplicável às empresas públicas regionais, intermunicipais e municipais, as empresas públicas regem-se pelo direito privado, salvo no que estiver disposto no presente diploma e nos que tenham aprovado os respectivos estatutos.

As empresas públicas estão sujeitas às regras gerais da concorrência, nacionais e estrangeiras, e ao princípio da transparência financeira, sem prejuízo de regimes derrogatórios especiais cobertos pelo artigo 9.º (artigo 8.º).

Segundo o artigo 10.º, os direitos do Estado como accionista são exercidos através da Direcção-Geral do Tesouro (n.º 1) ou, indirectamente, através de sociedades gestoras de participações sociais, cujas acções sejam detidas pelo Estado e ou por entidades de direito público ou de capitais exclusivamente públicos (n.º 3); os direitos das outras entidades públicas estaduais competem aos respectivos órgãos de direcção, sem embargo das orientações decorrentes da superintendência e tutela que o Estado sobre elas exerça (n.º 2).

Compete ao Conselho de Ministros definir orientações estratégicas relativas ao exercício da função accionista das empresas públicas referidas no artigo 3.º, cabendo ao Ministro das Finanças e ao ministro responsável pelo sector a verificação do cumprimento dessas orientações, podendo emitir recomendações para a sua prossecução (artigo 11.º).

Esta intervenção estatal externa, realizada através do exercício de um poder orientador, é complementada pelo controlo financeiro das empresas públicas levado a cabo pela Inspecção-Geral das Finanças, sem prejuízo das competências atribuídas por lei ao Tribunal de Contas (artigo 12.º).

O artigo 13.º enuncia um conjunto de deveres especiais de informação a cargo das empresas públicas, sem prejuízo do disposto na lei comercial quanto à prestação de informações aos accionistas.

As empresas públicas poderão exercer poderes e prerrogativas de autoridade de que goza o Estado, designadamente quanto a expropriação por utilidade pública, utilização, protecção e gestão das infra-estruturas afectas ao serviço público e licenciamento e concessão da ocupação ou do exercício de actividade nos terrenos, edificações e outras infra-estruturas que lhe estejam afectas (artigo 14.º).

Como se constata no Parecer n.º 44/2002, «as prerrogativas de autoridade, que eram apanágio das antigas empresas públicas de direito público e constavam dos respectivos estatutos – conforme dispunha o artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 260/76 –, beneficiarão agora, por regra, as empresas públicas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral, sejam entidades públicas empresariais ou simples empresas societárias»; porém, «os mesmos poderes poderão ser conferidos a empresas privadas concessionárias, quando uma actividade desse tipo constitua o objecto da concessão».

Os administradores designados ou propostos pelo Estado terão estatuto próprio, a definir por legislação especial (artigo 15.º, n.º 1). Até ser aprovada esta legislação especial – o que ainda não aconteceu – continua em vigor o estatuto dos gestores públicos constante do Decreto-Lei n.º 464/82, de 9 de Dezembro (artigo 39.º).

O Decreto-Lei n.º 558/99 regula no capitulo II (artigos 19.º a 22.º) as empresas públicas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral, «aquelas cujas actividades devam assegurar a universalidade e continuidade dos serviços prestados, a coesão económica e social e a protecção dos consumidores» (artigo 19.º, n.º 1).

6.2. De acordo com o n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, são também empresas públicas as entidades com natureza empresarial reguladas no capítulo III deste diploma.

Empresas públicas deste tipo são, como dispõe o artigo 23.º ([22]), «as pessoas colectivas de direito público, com natureza empresarial, criadas pelo Estado e doravante designadas por “entidades públicas empresariais”» (n.º 1) e as «empresas públicas a que se refere o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 260/76, de 8 de Abril, existentes à data da entrada em vigor do presente diploma, as quais passam a adoptar a designação prevista no final do número anterior» (n.º 2).

As entidades públicas empresariais são criadas por decreto-lei, o qual aprovará também os respectivos estatutos (artigo 24.º). São dotadas de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, não estão sujeitas às normas da contabilidade pública e a sua capacidade jurídica abrange os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução do objecto social (artigo 25.º).

As entidades públicas empresariais terão um capital, designado «capital estatutário», detido pelo Estado ou por outras entidades públicas e destinado a responder às respectivas necessidades permanentes (artigo 26.º, n.º 1).

O artigo 27.º dispõe sobre os órgãos sociais:

«Artigo 27.º
Órgãos
1 – A administração e a fiscalização das entidades públicas empresariais devem estruturar-se segundo as modalidades e com as designações previstas para as sociedades anónimas.
2 – Os órgãos de administração e fiscalização têm as competências genéricas previstas na lei comercial, sem prejuízo do disposto no presente diploma.
3 – Os estatutos podem prever a existência de outros órgãos, deliberativos ou consultivos, definindo as respectivas competências.
4 – Os estatutos regularão, com observância das normas legais aplicáveis, a competência e o modo de designação dos membros dos órgãos a que se referem os números anteriores.»

Como se frisou no Parecer n.º 44/2002, o objectivo do legislador, em relação às entidades públicas empresariais, foi o de aproximar o respectivo regime, na medida do possível, das regras gerais de funcionamento das empresas do tipo societário: mantiveram-se alguns traços juspublicísticos, como a sujeição à tutela económica e financeira do Governo (artigo 29.º) e a submissão, em circunstâncias excepcionais, a um regime especial de gestão (artigo 30.º); noutros aspectos, optou-se pela assimilação da disciplina jurídica aplicável às sociedades comerciais – estrutura da administração (artigo 27.º) e sujeição ao registo comercial (artigo 28.º).

Outras disposições – com incidência sobre a autonomia e capacidade jurídica das empresas, capital, planos de actividade, orçamento anual e prestação de contas (artigos 25.º, 26.º, 31.º e 32.º) – reproduzem no essencial o regime que já provinha do Decreto-Lei n.º 260/76, por se entender ser o que melhor se coaduna com a específica natureza jurídico-‑pública deste tipo de empresas.

Das disposições finais e transitórias, merece menção o artigo 40.º, cujo n.º 2 prescreve que as remissões constantes de quaisquer diplomas, legais ou regulamentares, para o regime do Decreto-Lei n.º 260/76 «entendem-se feitas para as disposições do capítulo III, sem prejuízo da aplicação, quando for o caso, das demais disposições previstas no presente diploma».


7

Voltemos à administração autónoma e às autarquias locais.

A existência de autarquias locais decorre da Constituição da República, que as define como «pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas» (artigo 235.º, n.º 1). São autarquias locais as freguesias e os municípios ([23]).

Também, a propósito do município, se fala em administração directa e administração indirecta: sempre que actua através de serviços integrados na própria pessoa colectiva que é o município, está a administrar de uma forma directa; quando actua através de pessoas colectivas de direito público criadas por si próprio para a realização dos seus fins, está a administrar indirectamente ([24]).

Os serviços municipais, em sentido estrito, são os serviços do município que, não dispondo de autonomia, são directamente geridos pelos órgãos principais do município (a secretaria, a tesouraria ou serviços especiais, por ex., ao nível médico, veterinário, da protecção civil ou da polícia municipal).

O sector empresarial do município compreende os serviços municipalizados e as empresas municipais ([25]) ([26]).

Previstas, entre nós, desde 1977 ([27]), a instituição concreta de empresas municipais encontrava-se dificultada pela ausência de legislação específica, omissão suprida pela Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto.

A Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto ([28]) – «Lei das Empresas Municipais, Intermunicipais e Regionais» – regula as condições em que os municípios, as associações de municípios e as regiões administrativas podem criar empresas dotadas de capitais próprios (artigo 1.º, n.º 1).

Tais entidades podem criar empresas de âmbito municipal, intermunicipal ou regional para exploração de actividades que prossigam fins de reconhecido interesse público cujo objecto se contenha no âmbito das respectivas atribuições (artigo 1.º, n.º 2) ([29]).

O n.º 3 do artigo 1.º dispõe:

«3 – Para os efeitos da presente lei, consideram-se:
a) Empresas públicas, aquelas em que os municípios, associações de municípios ou regiões administrativas detenham a totalidade do capital;
b) Empresas de capitais públicos, aquelas em que os municípios, associações de municípios ou regiões administrativas detenham participação de capital em associação com outras entidades públicas;
c) Empresas de capitais maioritariamente públicos, aquelas em que os municípios ou regiões administrativas detenham a maioria do capital em associação com entidades privadas.»

São dois os critérios de classificação das empresas municipais e intermunicipais utilizados no artigo 1.º, assentando o do n.º 2 no âmbito territorial e o do n.º 3 na titularidade do capital estatutário.

As empresas gozam de personalidade jurídica e são dotadas de autonomia administrativa, financeira e patrimonial (artigo 2.º, n.º 1).

O artigo 3.º (direito aplicável) estipula que as empresas «regem-se pela presente lei, pelos respectivos estatutos e, subsidiariamente, pelo regime das empresas públicas e, no que neste não for especialmente regulado, pelas normas aplicáveis às sociedades comerciais».

A criação de empresas de âmbito municipal compete, sob proposta da câmara municipal, à assembleia municipal, e a de empresas de âmbito intermunicipal, sob proposta do conselho de administração da associação de municípios, à assembleia intermunicipal, precedida de parecer favorável das assembleias municipais dos municípios integrantes (artigo 4.º, n.º 1).

O contrato de constituição das empresas deve ser reduzido a escrito, salvo se for exigida forma mais solene para a transmissão dos bens que sejam objecto das entradas em espécie (artigo 5.º n.º 1) ([30]).

O artigo 6.º discrimina o conteúdo dos estatutos, que, entre outras menções, deverão especificar a denominação, a sede e o objecto da empresa e, bem assim, a composição, competência e regime de funcionamento dos respectivos órgãos [n.º 1, alíneas a) e b)].

Atento o objecto do parecer, importa aludir aos órgãos sociais.

Nas empresas públicas são órgãos sociais obrigatórios o conselho de administração e o fiscal único (n.º 1); nas que explorem serviços públicos existirá um conselho geral com funções meramente consultivas e cuja constituição será facultativa nos restantes casos (n.º 2); o mandato dos titulares dos órgãos sociais será coincidente com o dos titulares dos órgãos autárquicos, sem prejuízo dos actos de exoneração e da continuação de funções até à efectiva substituição (n.º 3, todos do artigo 9.º).

Disposições pertinentes regulam a constituição e competência do conselho de administração (artigos 10.º a 13.º), do fiscal único (artigo 14.º) e do conselho geral (artigo 15.º).

O conselho de administração é o órgão de gestão da empresa, composto por três membros, um dos quais é o presidente (artigo 10.º, n.º 1); compete à câmara municipal ou ao conselho de administração da associação de municípios a nomeação e a exoneração do presidente e demais membros daquele órgão (artigo 10.º, n.º 2).

O artigo 16.º explicita os poderes de superintendência das câmaras municipais e dos conselhos de administração das associações de municípios.

Nas empresas de capitais públicos e nas empresas de capitais maioritariamente públicos são órgãos sociais a assembleia geral, o conselho de administração e o fiscal único (artigo 18.º, n.º 1).

Nas que explorem serviços públicos existirá um conselho geral com funções meramente consultivas e cuja constituição será facultativa nos restantes casos (cf. artigo 18.º, n.º 2); o mandato dos titulares dos órgãos sociais será coincidente com o dos titulares dos órgãos autárquicos, salvo disposição diversa constante dos estatutos das empresas já constituídas (artigo 18.º, n.º 3).

A assembleia geral é formada por representantes dos detentores do capital social da empresa, tendo cada um deles direito a um número de votos correspondente à proporção da respectiva participação no capital (artigo 19.º, n.os 1 e 3).

O conselho de administração é composto por três membros, um dos quais é o presidente, competindo a sua nomeação e exoneração à assembleia geral (artigo 21.º, n.os 1 e 2) ([31]).


8

A Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto, foi, entretanto, revogada pela Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2007.

A nova lei tem origem na proposta de lei n.º 91/X ([32]), em cuja exposição de motivos, face «ao desenvolvimento exponencial do número de empresas locais, bem como à diversidade qualitativa que adoptam», se considera «essencial proceder a uma modernização do regime jurídico aplicável» e à sua harmonização com o regime jurídico do sector empresarial do Estado e com o Código das Sociedades Comerciais.

O novo regime assenta em três vectores principais: alargamento do conceito de sector empresarial local, transparência na gestão e autonomia entre os municípios e as empresas do sector empresarial local. Diz-se quanto a este último aspecto: «a função accionista municipal é exercida através da emissão de orientações estratégicas; consagra-se a regra da incompatibilidade entre o exercício de funções executivas nas autarquias e nas empresas locais; e estabelecem-se limites às remunerações dos gestores públicos» ([33]).

8.1. A Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro, estabelece o regime jurídico do sector empresarial local (artigo 1.º, n.º 1), que integra as empresas municipais, intermunicipais e metropolitanas (artigo 2.º, n.º 1), cuja noção consta do artigo 3.º:

«Artigo 3.º
Empresas municipais, intermunicipais e metropolitanas
1 – São empresas municipais, intermunicipais e metropolitanas as sociedades constituídas nos termos da lei comercial, nas quais os municípios, associações de municípios e áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, respectivamente, possam exercer, de forma directa ou indirecta, uma influência dominante em virtude de alguma das seguintes circunstâncias:
a) Detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto;
b) Direito de designar ou destituir a maioria dos membros do órgão de administração ou de fiscalização.
2 – São também empresas municipais, intermunicipais e metropolitanas as entidades com natureza empresarial reguladas no capítulo VII da presente lei.»

As empresas têm obrigatoriamente como objecto a exploração de actividades de interesse geral, a promoção do desenvolvimento local e regional e a gestão de concessões; não podem ser criadas, ou participadas, empresas de âmbito municipal, intermunicipal ou metropolitano cujo objecto social não se insira no âmbito das atribuições da autarquia ou associação de municípios respectiva (artigo 5.º, n.os 1 e 2).

Segundo o artigo 6.º (regime jurídico), as empresas «regem-se pela presente lei, pelos respectivos estatutos e, subsidiariamente, pelo regime do sector empresarial do Estado e pelas normas aplicáveis às sociedades comerciais».

A gestão das empresas deve articular-se com os objectivos prosseguidos pelas respectivas entidades públicas participantes no capital social, visando a satisfação das necessidades de interesse geral, a promoção do desenvolvimento local e regional e a exploração eficiente de concessões, assegurando a sua viabilidade económica e equilíbrio financeiro (artigo 7.º).

A criação das empresas e a decisão de aquisição de participações que confiram influência dominante compete: as de âmbito municipal, sob proposta da câmara municipal, à assembleia municipal; as de âmbito intermunicipal, sob proposta do conselho directivo, à assembleia intermunicipal; as de âmbito metropolitano, sob proposta da junta metropolitana, à assembleia metropolitana (artigo 8.º, n.º 1).

O artigo 15.º dispõe sobre a função accionista: os direitos dos titulares do capital social são exercidos, respectivamente, através da câmara municipal, do conselho directivo da associação de municípios ou da junta metropolitana, em conformidade com as orientações estratégicas previstas no artigo 16.º

A Lei n.º 53-F/2006 prevê, quanto ao objecto social, três tipos de empresas: empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse geral (capítulo II, artigos 18.º a 20.º); empresas encarregadas da promoção do desenvolvimento local e regional (capítulo III, artigos 21.º a 23.º) e empresas encarregadas da gestão de concessões (capítulo IV, artigos 24.º e 25.º)

8.2. O capítulo VII (artigos 33.º a 42.º) é dedicado às entidades empresariais locais.

Os municípios, as associações de municípios e as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto podem constituir pessoas colectivas de direito público, com natureza empresarial, designadas entidades empresariais locais (artigo 33.º, n.º 1); o contrato de constituição deve ser reduzido a escrito, salvo se for exigida forma mais solene para a transmissão dos bens que sejam objecto de entradas em espécie (artigo 33.º, n.º 2).

O artigo seguinte estatui:

«Artigo 34.º
Regime jurídico
1 – As entidades criadas nos termos do artigo anterior regem-se pelas normas do presente capítulo e, subsidiariamente, pelas restantes normas desta lei.
2 – Às empresas de natureza municipal e intermunicipal constituídas nos termos da Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto, existentes à data da entrada em vigor da presente lei, aplica-se o regime previsto no número anterior.»

As entidades empresariais locais têm autonomia administrativa, financeira e patrimonial e a sua capacidade jurídica abrange todos os direitos e obrigações necessários e convenientes à prossecução do seu objecto (artigo 35.º).

As entidades empresariais locais têm um capital designado «capital estatutário», detido pelos municípios, associações de municípios e áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto ou por outras entidades públicas, destinado a responder às respectivas necessidades permanentes (artigo 37.º, n.º 1).

Sobre os órgãos sociais, o artigo 38.º dispõe que a administração e a fiscalização das entidades empresarias locais estruturam-se segundo as modalidades e com as designações previstas para as sociedades anónimas (n.º 1) ([34]), devendo os estatutos regular, com observância das normas legais aplicáveis, a competência e o modo de designação dos membros dos órgãos de administração e fiscalização (n.º 3).

As entidades empresariais locais estão sujeitas a tutela económica e financeira das câmaras municipais, conselhos directivos das associações de municípios e juntas metropolitanas, consoante os casos, sem prejuízo do respectivo poder de superintendência (artigo 39.º, n.º 1). A tutela abrange, designadamente, a aprovação dos planos estratégico e de actividade, orçamento e contas, em certos casos, a homologação de preços ou tarifas (artigo 39.º, n.º 2).

8.3. Integrado em capítulo comum a todo o sector empresarial local – capítulo IX (outras disposições) – o artigo 47.º estipula ([35]):

«Artigo 47.º
Estatuto do gestor local
1 – É proibido o exercício simultâneo de funções nas câmaras municipais e de funções remuneradas, a qualquer título, nas empresas municipais, intermunicipais e metropolitanas.
2 – É igualmente proibido o exercício simultâneo de mandato em assembleia municipal e de funções executivas nas empresas municipais, intermunicipais e metropolitanas detidas ou participadas pelo município no qual foi eleito.
3 – As remunerações dos membros dos órgãos de administração das empresas a que se refere o n.º 1, quando de âmbito municipal, são limitadas ao índice remuneratório do presidente da câmara respectiva e, quando de âmbito intermunicipal ou metropolitano, ao índice remuneratório dos presidentes das Câmaras de Lisboa e do Porto.
4 – O Estatuto do Gestor Público é subsidiariamente aplicável aos titulares dos órgãos de gestão das empresas integrantes do sector empresarial local.»

No prazo máximo de dois anos a contar da data da publicação, as empresas municipais e intermunicipais já constituídas devem adequar os seus estatutos ao novo regime (artigo 48.º, n.º 1, da Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro).


9

As repetidas remissões para o Estatuto do Gestor Público – na Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto [artigo 3.º, n.º 1, alínea b)], no Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro (artigo 39.º) e, por último, na Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro (artigo 47.º) – justificam o conhecimento das normas mais relevantes deste diploma, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 464/82, de 9 de Dezembro ([36]).

A delimitação do conceito de gestores públicos consta do artigo 1.º deste diploma:

«Artigo 1.º – 1 – Consideram-se gestores públicos os indivíduos nomeados pelo Governo para os órgãos de gestão das empresas públicas ou para os órgãos das empresas em que a lei ou os respectivos estatutos conferirem ao Estado essa faculdade.
2 – Não são considerados gestores públicos os indivíduos designados, ainda que por nomeação do Governo, para o exercício de funções em conselhos gerais, comissões de fiscalização ou outros órgãos a que não caibam funções de gestão, e bem assim os que hajam sido designados em representação de interesses diversos dos do próprio Estado.
3 – Os indivíduos designados por eleição para os órgãos de gestão de sociedades de capitais públicos ou participadas não são considerados gestores públicos, mas poderá ser autorizado o exercício dessas funções em regime de requisição, nos termos do artigo 5.º do presente diploma.»

O gestor público é nomeado e exonerado por despacho conjunto do Primeiro-Ministro, do Ministro de Estado e das Finanças e do ministro da tutela, envolvendo a nomeação a atribuição de um mandato para o exercício de funções (artigo 2.º, n.os 1 e 2).

O gestor público pode ser livremente exonerado pelas entidades que o nomearam, sem prejuízo de, em certas condições, haver lugar a indemnização (artigo 6.º).

Antes do início de funções, os gestores públicos devem participar, por escrito, ao ministro da tutela e ao Ministro de Estado e das Finanças todas as participações ou interesses patrimoniais que detenham, directa ou indirectamente, em outras empresas (artigo 8.º, n.º 1).

Nos artigos 10.º e 11.º o Decreto-Lei n.º 464/82 estipula:

«Art. 10.º As funções de gestor público, quando membro das comissões executivas, são exercidas em regime de tempo inteiro, salvo se regime diverso houver sido autorizado expressamente por despacho conjunto do ministro da tutela e do Ministro de Estado e das Finanças e do Plano ou constar do contrato do mandato de que resulta a prestação do serviço de gestor.
Art. 11.º – 1 – Os gestores públicos ficam impedidos de representação de interesses privados na administração de quaisquer empresas e ainda da prestação de outros serviços em empresas concorrentes, fornecedoras, clientes ou por qualquer vínculo ligados àquelas de que sejam gestores, salvo por incumbência destas ou de entidades públicas.
2 – Ressalvadas as incompatibilidades definidas pelo n.º 1, em casos devidamente justificados pode ser autorizado pelo ministro da tutela ao gestor público o exercício de outras funções remuneradas ou não.
3 – É dispensada a autorização referida no número anterior para o exercício de outras funções por parte de gestores públicos que não sejam membros de comissões executivas, sem prejuízo da sua sujeição ao disposto no n.º 1 deste artigo.»


10

Face à publicação e entrada em vigor da Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro, sobre o sector empresarial local, as questões colocadas à apreciação do Conselho Consultivo hão-de ser analisadas no âmbito da Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto, vigente à data da solicitação do parecer, e no domínio da Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2007. O restante quadro legal essencial – com relevo para a Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto, o Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, e o Decreto-Lei n.º 464/82, de 9 de Dezembro – é comum às duas leis.


11

Comecemos por analisar as questões à luz do regime vigente à data em que se concretiza a consulta.

11.1. A Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto, prevê a criação pelos municípios e associações de municípios, para exploração de actividades de interesse público no âmbito das atribuições autárquicas (artigo 1.º, n.º 2), de três tipos de empresas: empresas públicas, empresas de capitais públicos e empresas de capitais maioritariamente públicos.

O critério da distinção assenta na proveniência do capital estatutário e «releva sobretudo na perspectiva orgânica» ([37]).

Nas empresas públicas, o conselho de administração é composto por três membros, sendo um o presidente, competindo a nomeação e exoneração à câmara municipal ou à associação de municípios (artigo 10.º).

Nas empresas de capitais públicos e nas empresas de capitais maioritariamente públicos, o conselho de administração é composto por três membros, um dos quais é o presidente, competindo a sua nomeação e exoneração à assembleia geral (artigo 21.º).

No quadro da Lei n.º 58/98, os traços fundamentais do regime jurídico das empresas municipais e intermunicipais, em qualquer das suas modalidades, são os seguintes ([38]):

– São criadas pela assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal, ou pela assembleia intermunicipal, sob proposta do conselho de administração da associação de municípios, em cuja deliberação são fixadas unilateralmente as condições gerais da participação da autarquia [artigos 4.º e 5.º da Lei n.º 58/98 e artigo 53.º, n.º 2, alínea m), da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro] ([39]);
– O objecto social limita-se à exploração de actividades que prossigam fins de reconhecido interesse público cujo objecto se contenha no âmbito das atribuições das autarquias (artigo 2.º, n.º 2);
– Sujeição da respectiva actividade, em regra, ao regime de direito privado, incluindo o direito laboral, e ao regime fiscal geral (artigos 3.º, 17.º, 36.º e 37.º);
– Aplicação subsidiária do regime das empresas públicas estaduais e, no que neste não for especialmente regulado, das normas aplicáveis às sociedades comerciais (artigo 3.º);
– Sujeição das empresas públicas e das empresas de capitais públicos à tutela e superintendência dos executivos autárquicos, com destaque para o poder de aprovarem preços e tarifas (artigos 16.º e 23.º);
– Sujeição ao regime jurídico das empreitadas das obras públicas [artigo 3.º, alínea g), do Decreto-Lei n.º 559/99, de 2 de Março];
– Sujeição ao controlo financeiro sucessivo do Tribunal de Contas (artigo 35.º);
– Relevância, para os limites da capacidade de endividamento do município, de empréstimos contraídos pelas empresas públicas municipais (artigo 25.º, n.º 4).

Apesar do laconismo da Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto – que se limita a dispor que «as empresas gozam de personalidade jurídica e de autonomia administrativa, financeira e patrimonial» (artigo 2.º, n.º 1) – tem-se entendido que o respectivo regime jurídico, com destaque para os traços enunciados, aponta para a natureza pública das empresas reguladas na Lei n.º 58/98, isto é, para a sua qualificação, no plano da respectiva forma jurídico-organizatória, como pessoas colectivas públicas.

Este entendimento, particularmente adequado em relação às empresas públicas tout court, pode suscitar alguma apreensão quanto ás empresas de capitais públicos e, sobretudo, quanto às empresas de capitais maioritariamente públicos, que «apresentam fortes traços corporativos» (com realce para a assembleia geral), sendo certo que as últimas contam «com a associação/participação de entidades privadas no respectivo capital (que por essa via terão em princípio assento nos respectivos órgãos sociais)» ([40]).

Quanto às empresas de capitais públicos, a reserva é ultrapassada, porquanto são criadas pela assembleia municipal ou intermunicipal, todo o capital é público, a direcção é pública e estão sujeitas à superintendência da câmara municipal ou do conselho de administração da associação de municípios.

Quanto às empresas de capitais maioritariamente públicos, se é certo que o respectivo controlo se processa através da assembleia geral, em contrapartida, o legislador exigiu que a maioria do capital se quedasse em mãos públicas – o que garante em qualquer circunstância a maioria absoluta dos poderes públicos na assembleia geral. Deste modo, «tal como as restantes empresas municipais, também estas ficam sujeitas “a uma direcção e orientação públicas”, através do exercício da “função accionista”, não deixando de ficar sujeitas ao controlo e orientação do sócio ou sócios públicos maioritários – só que tais poderes são exercidos através da Assembleia Geral, onde os entes públicos são necessariamente maioritários» ([41]).

Assim, «a instituição de um único regime para as três espécies de empresas municipais que abrange quase todas as facetas da sua vida (circunscrevendo-se o regime especial das duas últimas espécies previsto nos art.os 18.º a 24.º tão-só a alguns traços da respectiva estrutura orgânica) (…) aponta irresistivelmente para uma comum natureza jurídico-‑organizatória de todas elas – natureza essa que a ser comum só pode ser pública» ([42]).

Em suma, todas estas empresas são «”empresas públicas municipais”, não num sentido latíssimo que abstraia da forma jurídico-‑organizatória adoptada (como acontece com as actuais “empresas públicas estaduais”), mas no sentido tradicional entre nós de “entes de direito público com regime de actuação jurídico-privado”».

11.2. À data da edição da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto, mesmo da sua mais recente alteração (pela Lei n.º 12/98, de 24 de Fevereiro), não havia regime jurídico das empresas municipais, vazio que veio a ser preenchido pela Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto.

A Lei n.º 58/98 não contém referência expressa a um qualquer regime de incompatibilidades dos titulares dos órgãos das empresas municipais e intermunicipais.

Mas prevê no artigo 3.º – numa «precisa hierarquia de fontes» ([43]) – que estas empresas se regem por aquela lei, pelos respectivos estatutos e, subsidiariamente, pelo regime das empresas públicas e, no que neste não for regulado, pelas normas aplicáveis às sociedades comerciais.

O «regime das empresas públicas» constava, à data da remissão, do Decreto-Lei n.º 260/76, de 8 de Abril, que veio a ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro.

O Decreto-Lei n.º 558/99, ao estabelecer o regime geral do sector empresarial do Estado e as bases gerais do estatuto das empresas públicas do Estado, redefiniu o conceito de empresa pública e introduziu o de entidades públicas empresariais.

Ao mesmo tempo, estipula no n.º 2 do artigo 40.º que as remissões constantes de quaisquer diplomas para o regime do Decreto-Lei n.º 260/76 «entendem-se feitas para as disposições do capítulo III [o dedicado às entidades públicas empresariais], sem prejuízo da aplicação, quando for o caso, das demais disposições previstas no presente diploma» ([44]).

Assim, a remissão do artigo 3.º da Lei n.º 58/98 para o «regime das empresas públicas» deve ser entendida como sendo feita, em primeiro lugar, para o capítulo III do Decreto-Lei n.º 558/99, depois, para os restantes normativos deste diploma ([45]).

Continuava (continua), entretanto, em vigor a Lei n.º 64/93, sobre incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos.

Solicitado a pronunciar-se sobre a «eventual projecção» do Decreto-‑Lei n.º 558/99 «no quadro de aplicação da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto», o Conselho Consultivo concluiu no Parecer n.º 2/2000 ([46]) que a «expressão empresa pública constante das alíneas a) e b) do artigo 3.º da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto, tinha o mesmo sentido que a de empresa pública na caracterização dada pelo Decreto-Lei n.º 260/76, de 8 de Abril» (conclusão 1.ª) e que, «[c]om a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, deve proceder-se a uma interpretação actualizada daquela expressão na Lei n.º 64/93, que passa a dever ser entendida como feita para as entidades públicas empresariais, previstas no capítulo III deste diploma de 1999» (conclusão 3.ª) ([47]).

As empresas municipais e intermunicipais reguladas na Lei n.º 58/98 participam, no seu conjunto (empresas públicas, empresas de capitais públicos e empresas de capitais maioritariamente públicos), de uma natureza jurídico-organizatória comum: são empresas públicas municipais e intermunicipais, são, por outras palavras, entes de direito público com um regime de actuação jurídico-privado.

Esta caracterização aproxima-as das entidades públicas empresariais reguladas no Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, cujo regime jurídico se aplica subsidiariamente às empresas municipais e intermunicipais (artigos 3.º da Lei n.º 58/98 e 40.º, n.º 2, do Decreto Lei n.º 558/99).

Cabem, pois, todas elas, no âmbito da expressão «empresa pública», constante do artigo 3.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto.

Assim sendo, o presidente do conselho de administração de empresa municipal e intermunicipal – empresa pública, empresa de capitais públicos e empresa de capitais maioritariamente públicos – deve ser considerado titular de alto cargo público e exerce as suas funções em regime de exclusividade [artigos 3.º, n.º 1, alínea a), e 4.º da Lei n.º 64/93].

A titularidade do cargo de presidente de conselho de administração implica a incompatibilidade com quaisquer outras funções (artigo 4.º da Lei n.º 64/93).

Esta incompatibilidade não pode ser levantada ao abrigo do disposto nos n.os 3 e 4 deste mesmo artigo 7.º porque o levantamento só é possível no caso de «sociedades anónimas de capitais maioritária ou exclusivamente públicos».

Quanto aos restantes membros do conselho de administração daquelas empresas a sua eventual inclusão reportar-se-ia à alínea b) do n.º 1 do antigo 3.º da Lei n.º 64/93, onde se considera titular de alto cargo público o «gestor público e membro do conselho de administração de sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, designada por entidade pública, desde que exerçam funções executivas».

Tal inclusão afigura-se-nos deveras problemática.

Por um lado, não podem ser considerados gestores públicos, uma vez que a figura do gestor público tem, no Decreto-Lei n.º 464/82, de 9 de Dezembro, contornos precisos, de que avulta a nomeação pelo Governo, o que não sucede no caso das empresas municipais e intermunicipais ([48]).

Por outro, o segmento «membro do conselho de administração de sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos» remete para um tipo de sociedade, a sociedade anónima, estranho às empresas municipais e intermunicipais reguladas na Lei n.º 58/98 ([49]).

Como o Conselho Consultivo já acentuou, as sociedades anónimas contempladas no artigo 3.º da Lei n.º 64/93 «são aquelas cujo capital pertença por força da lei ou dos estatutos, exclusiva ou maioritariamente a entidades públicas» ([50]); e – frisou-se – «quando a lei previu sociedades anónimas de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos quis deliberadamente abranger as sociedades (só as anónimas) sob influência do Estado ou de outras entidades públicas em razão da detenção do capital e não em razão de quaisquer outras circunstâncias. Mais ainda, mesmo considerando a detenção da maioria do capital só quis abranger as sociedades anónimas e não quaisquer outras.» ([51])

Em suma, os vogais do conselho de administração de empresa municipal e intermunicipal não estão abrangidos pela previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto.

11.3. Poderá dizer-se que a solução dualista alcançada será porventura desigual e contraditória, na medida em que trata de modo diverso cargos com um conteúdo funcional e estatuto próximos.

Poderíamos mesmo ser tentados a afirmar, em relação aos vogais do conselho de administração das empresas municipais e intermunicipais, a existência de lacuna, a integrar nos termos do artigo 10.º do Código Civil.

Vejamos.

A lacuna é sempre uma incompletude, uma «incompletude contrária ao plano do Direito vigente, determinada segundo critérios eliciáveis da ordem jurídica global» ([52]).

Mas, lacuna «não é tudo o que não está na lei» ([53]): para além das questões estranhas ao âmbito da regulação jurídica intentada pela lei, que caem no espaço livre do Direito ou respeitam a qualquer outra ordem normativa, nem todos os silêncios, omissões ou falhas da lei constituem lacunas; há «silêncios eloquentes» da lei, que são significativos e traduzem a resposta a certa questão de direito ([54]).

A existência ou não de lacuna – escreve Larenz ([55]) – «há-de aferir-se do ponto de vista da própria lei, da intenção reguladora que lhe serve de base, dos fins com ela prosseguidos e do ‘plano’ legislativo».

Para Baptista Machado ([56]), existe lacuna «quando a lei (dentro dos limites de uma interpretação ainda possível) e o direito consuetudinário não contêm uma regulamentação exigida ou postulada pela ordem jurídica global - ou melhor: não contêm a resposta a uma questão jurídica».

Segundo Karl Engisch ([57]), «não podemos falar de uma lacuna no direito (positivo) logo que neste não exista uma regulamentação cuja existência nos representamos. Não nos é lícito presumir pura e simplesmente uma determinada regulamentação, antes temos de sentir a sua falta, se queremos apresentar a sua não existência como uma ‘lacuna’. Mas a inexistência da regulamentação em causa pode corresponder a um plano do legislador ou da lei e então não representa uma ‘lacuna’ que tenha de se apresentar sempre como uma ‘deficiência’ que estamos autorizados a superar.»

Há, portanto, casos em que a inexistência de regulamentação corresponde a um propósito deliberado do legislador ou da lei e então a mesma não constitui uma ‘deficiência’ que o intérprete esteja autorizado a superar.

A inexistência de regulamentação planeada, consciente e deliberada por parte do legislador – continua Engisch –, «se nos cai mal», podemos falar de uma «lacuna político-jurídica», «lacuna crítica» ou «lacuna imprópria», ou seja, de uma lacuna do ponto de vista de um futuro direito mais perfeito (de lege ferenda), não de uma lacuna autêntica e própria, ou seja, de uma lacuna do direito vigente (de lege lata).

Uma lacuna de lege ferenda apenas pode motivar o poder legislativo a uma reforma do direito, mas não o intérprete ao preenchimento da dita «lacuna». A colmatação das lacunas pelo intérprete pressupõe uma lacuna de lege lata.

Não se nos afigura que no caso presente se possa afirmar a existência de lacuna.

O que decerto se poderá dizer é que, em resultado de reformas parcelares, oriundas de diversa proveniência, o regime jurídico de incompatibilidades dos titulares de órgãos das empresas municipais e intermunicipais carece de harmonia e coerência, o que tem originado dificuldades várias na sua concreta aplicação.

Além disso, como dissemos ([58]), o legislador goza de uma considerável liberdade de conformação em matéria de acumulações e incompatibilidades.

Outrossim, estão em causa figuras de introdução recente na ordem jurídica, o que pode ter originado, na sua regulamentação, insuficiências (deliberadas ou não) por parte do legislador, a preencher no futuro, caso tal se mostre imperioso ou necessário.

Pode até defender-se que a menor dimensão deste tipo de empresas, em confronto com as estaduais, constituirá fundamento bastante para um aligeiramento do regime de incompatibilidades, como forma de obviar a carências de recursos humanos e de viabilizar a articulação entre sectores da gestão autárquica.

O certo é que a generalização, por parte das autarquias, do recurso à criação de empresas municipais e intermunicipais acabou por, no plano do respectivo regime jurídico, fazer sobressair uma relativa anomia susceptível de pôr em causa a imagem dessas entidades e do próprio poder local.

É neste contexto que surge a Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro, que aprova o regime jurídico do sector empresarial local.


12

Analisemos agora as questões no quadro da Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro.

Tal como sucede com o Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, em relação ao sector empresarial do Estado, a Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro, contém um conceito amplo de empresas municipais, intermunicipais e metropolitanas.

De acordo com o disposto no artigo 3.º, são empresas municipais, intermunicipais e metropolitanas as sociedades constituídas nos termos da lei comercial, nas quais os municípios, associações de municípios e áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, respectivamente, possam exercer, de forma directa ou indirecta, uma influência dominante em virtude da detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto ou do direito de designar ou destituir a maioria dos membros do órgão de administração ou de fiscalização (n.º 1); são também empresas municipais, intermunicipais e metropolitanas as entidades com natureza empresarial reguladas no capítulo VII da lei (n.º 2).

Estas, designadas entidades empresariais locais, são pessoas colectivas de direito público (artigo 33.º, n.º 1) e regem-se pelas normas desse capítulo VII e, subsidiariamente, pelas restantes normas da Lei n.º 53-‑F/2006 (artigo 34.º, n.º 1).

O regime das entidades empresariais locais é aplicável às empresas de natureza municipal e intermunicipal constituídas nos termos da Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto, existentes à data da entrada em vigor da Lei n.º 53-‑F/2006 (artigo 34.º, n.º 2) ([59]).

O capítulo VII da Lei n.º 53-F/2006 não contém disposição específica sobre o regime de exercício de funções por parte dos titulares dos órgãos sociais das entidades empresariais locais.

Trata-se, em todo o caso, de matéria a que se aplica a Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto, se e na medida em que os titulares de órgãos das entidades empresariais locais sejam susceptíveis de subsunção ao quadro categorial nessa lei delineado.

Ademais, a Lei n.º 53-F/2006 contém uma disposição sobre o estatuto do gestor local – o artigo 47.º – que, por via do disposto no n.º 1 do artigo 34.º, se aplica subsidiariamente às entidades empresariais locais.

Do artigo 47.º, interessa evidenciar, na óptica do parecer, três prescrições:

– proíbe o exercício simultâneo de funções nas câmaras municipais e de funções remuneradas, a qualquer título, nas empresas municipais, intermunicipais e metropolitanas (n.º 1);

– proíbe o exercício simultâneo de mandato em assembleia municipal e de funções executivas nas empresas municipais, intermunicipais e metropolitanas detidas ou participadas pelo município no qual foi eleito (n.º 2);

– determina a aplicação subsidiária do Estatuto do Gestor Público aos titulares dos órgãos de gestão das empresas integrantes do sector empresarial local (n.º 4) ([60]).

O n.º 1 do artigo 47.º da Lei n.º 53-F/2006 tem como antecedente o n.º 1 do artigo 46.º da proposta de lei n.º 91/X, que proibia «o exercício simultâneo de funções a tempo inteiro ou parcial nas câmaras municipais e de funções executivas remuneradas nas empresas municipais, intermunicipais e metropolitanas».

Em relação ao exercício de funções nas câmaras municipais ([61]), a eliminação da expressão «a tempo inteiro ou parcial» parece indiciar o propósito de alargar a proibição a todo e qualquer elemento do executivo camarário.

Em relação ao exercício de funções nos órgãos de gestão das empresas municipais, intermunicipais e metropolitanas, a eliminação do qualificativo «executivas» e o aditamento da expressão «a qualquer título» parecem sugerir a ideia de que a proibição abrange o exercício de quaisquer funções, desde que remuneradas.

Este entendimento é reforçado pelo disposto no n.º 2 do artigo 47.º (sem correspondência na proposta de lei), onde se proíbe o exercício simultâneo de mandato em assembleia municipal e de funções executivas nas empresas municipais, intermunicipais e metropolitanas detidas ou participadas pelo município no qual foi eleito.

Na específica perspectiva da consulta, importa destacar que, à semelhança do que vimos suceder com o presidente de conselho de administração das empresas municipais e intermunicipais da Lei n.º 58/98, também o presidente de órgão de gestão de entidade empresarial local deve ser considerado alto cargo público, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 64/93.

A titularidade desse cargo implica o exercício de funções em regime de exclusividade e a incompatibilidade com quaisquer outras funções (artigo 4.º da Lei n.º 64/93).

Esta incompatibilidade é irremovível, porquanto o seu afastamento só é possível em relação a titulares de altos cargos públicos em sociedades anónimas de capitais maioritária ou exclusivamente públicos (artigo 7.º, n.os 3 e 4, da Lei n.º 64/93).

E tal como também sucedia no regime anterior, e pelas mesmas razões ([62]), também no quadro da Lei n.º 53-F/2006 os vogais dos órgãos de gestão das entidades empresariais locais não se encontram abrangidos pela alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 64/93.

Convém, todavia, quanto a este último aspecto, acrescentar o seguinte.

O n.º 3 do artigo 47.º da Lei n.º 53-F/2006 manda aplicar subsidiariamente aos titulares dos órgãos de gestão das empresas integradas no sector empresarial local o Estatuto do Gestor Público.

Interessa frisar que esta disposição não qualifica como gestor público nem equipara a gestor público os titulares dos órgãos de gestão das empresas locais (maxime, os respectivos vogais), o que viabilizaria o seu enquadramento na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 64/93 e acrescentaria coerência ao regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos ([63]).

Pelo contrário, o legislador enuncia no artigo 47.º o estatuto do gestor local, mas dando-se conta da insuficiência das «normas estatutárias» e da existência de analogia entre a situação do gestor local e a do gestor público, manda aplicar subsidiariamente aos titulares dos órgãos de gestão das empresas do sector empresarial local o Estatuto do Gestor Público.

Das normas deste estatuto, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 464/82, de 9 de Dezembro, assumem relevo, no contexto do parecer, os já conhecidos artigos 10.º, sobre o regime de exercício de funções, e 11.º, sobre impedimentos e incompatibilidades ([64]).

Trata-se já, porém, de matéria que, atenta a circunstância de os vogais dos órgãos de gestão das entidades empresariais locais não serem considerados titulares de altos cargos públicos, é alheia à fiscalização da Procuradoria-Geral da República prevista no artigo 11.º da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto.


13

Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

A – No quadro da Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto:

1.ª – O presidente do conselho de administração de empresa municipal e intermunicipal – seja empresa pública, empresa de capitais públicos ou empresa de capitais maioritariamente públicos – é considerado titular de alto cargo público e exerce as suas funções em regime de exclusividade [artigos 3.º, n.º 1, alínea a), e 4.º da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto];

2.ª – A titularidade do cargo referido na conclusão anterior implica a incompatibilidade com quaisquer outras funções (artigo 4.º da Lei n.º 64/93), a qual não pode ser levantada ao abrigo do disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º 64/93;

3.ª – O vogal do conselho de administração de empresa municipal e intermunicipal não se encontra abrangido pela alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 64/93;

B – No quadro da Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro:

4.ª – O presidente de órgão de gestão de entidade empresarial local – porque se trata de cargo executivo remunerado – não pode exercer funções nas câmaras municipais nem exercer mandato em assembleia municipal (artigo 47.º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 53-F/2006);

5.ª – O presidente de órgão de gestão de entidade empresarial local é considerado titular de alto cargo público e exerce as suas funções em regime de exclusividade [artigos 3.º, n.º 1, alínea a), e 4.º da Lei n.º 64/93];

6.ª – A titularidade do cargo referido na conclusão anterior implica a incompatibilidade com quaisquer outras funções (artigo 4.º da Lei n.º 64/93), a qual não pode ser levantada ao abrigo do disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º 64/93;

7.ª – O vogal de órgão de gestão de entidade empresarial local não se encontra abrangido pela alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 64/93.







([1]) Informação n.º 5/2006/CC, Proc.º n.º 339/96, L.º T, de 29 de Setembro de 2006, do Senhor Secretário da Procuradoria-Geral da República, objecto de distribuição para parecer do Conselho Consultivo por despacho de Vossa Excelência de 19 de Outubro de 2006.
([2]) Cf., de entre os mais recentes e a título exemplificativo, os Pareceres n.os 54/90, de 11 de Outubro de 1990 (Diário da República, II série, n.º 161, de 16 de Julho de 1991), 62/93, de 14 de Janeiro de 1994, 83/93, de 10 de Maio de 1995, 2/97, de 10 de Abril de 1997 (DR, II série, n.º 283, de 9 de Dezembro de 1997), 77/2002, de 13 de Fevereiro de 2003 (DR, II série, n.º 228, de 2 de Outubro de 2003), 77/2002-C, de 1 de Abril de 2004 (DR, II série, n.º 153, de 1 de Julho de 2004), 24/2003, de 26 de Junho de 2003, 67/2003, de 6 de Maio de 2004, 88/2003, de 12 de Fevereiro de 2004, 65/2004, de 1 de Julho de 2004 (DR, II série, n.º 183, de 5 de Agosto de 2004), e 71/2004, de 2 de Junho de 2005. Neste ponto acompanharemos, por vezes muito de perto, os Pareceres n.os 2/97 e 65/2004.
([3]) João Alfaia, Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público, vol. I, Livraria Almedina, Coimbra, 1985, p. 168.
([4]) Manual de Direito Administrativo, vol. II, 9.ª edição (reimpressão), Almedina, Coimbra, pp. 719-721.
([5]) Marcello Caetano, ob. cit., vol. II, p. 721.
([6]) João Alfaia, ob. e vol. cits., p. 171.
([7]) Cf. João Alfaia, ob. cit., pp. 171-172, e Marcello Caetano, ob. e loc., pp. 721-722
([8]) Sobre este tópico, v. Paulo Veiga e Moura, Função Pública. Regime Jurídico, Direitos e Deveres dos Funcionários e Agentes, 1.º volume, 2.ª edição, Coimbra Editora, pp. 438-439.
([9]) Especificamente quanto ao estatuto dos titulares dos cargos políticos, rege o artigo 117.º da Constituição:
«2. A lei dispõe sobre os deveres, responsabilidades e incompatibilidades dos titulares de cargos políticos, as consequências do respectivo incumprimento, bem como sobre os respectivos direitos, regalias e imunidades.»
([10]) Veiga e Moura, ob. cit., pp. 437-438.
([11]) Neste sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 468/96, de 14 de Março de 1996 (DR, II série, n.º 111, de 13 de Maio de 1996).
([12]) Alterada pelas Leis n.os 39-B/94, de 27 de Dezembro (objecto da Rectificação n.º 2/95, Diário da República, I-A série, de 15 de Abril de 1995), 28/95, de 18 de Agosto, 12/96, de 18 de Abril, 42/96, de 31 de Agosto, e 12/98, de 24 de Fevereiro. Revogou a Lei n.º 9/90, de 1 de Março.
([13]) Porventura inadvertidamente foi retirada a epígrafe constante da versão originária do artigo 3.º (Titulares de altos cargos públicos), a qual, todavia, não voltou a ser recuperada.
([14]) Redacção da Lei n.º 28/95 e da Lei n.º 12/98, de 24 de Fevereiro, esta última a eliminar a expressão «quanto aos autarcas a tempo parcial» com que terminava o n.º 1.
([15]) Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 3.ª edição, com a colaboração de Luís Fábrica, Carla Amado Gomes e J. Pereira da Silva, Almedina, 2006, pp. 359-360.
([16]) Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, cit., pp. 419-420. Para maiores desenvolvimentos, v. Vital Moreira, Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Editora, 1997, p. 78 e ss.
([17]) Para mais desenvolvimentos, v. Paulo Otero, Vinculação e Liberdade de Conformação Jurídica do Sector Empresarial do Estado, Coimbra Editora, 1998, pp. 63 e ss.
([18]) Parecer do Conselho Consultivo n.º 44/2002, de 27 de Junho de 2002 (inédito).
([19]) Subsequente à adesão de Portugal às Comunidades Europeias e a revisões constitucionais (1982, 1989, 1992 e 1997) com reflexos na «constituição económica» (cf., v. g., a Lei n.º 71/88, de 24 de Março, que estabeleceu o regime de alienação de participações do sector público, a Lei n.º 84/88, de 20 de Julho, que permitiu a transformação das empresas públicas em sociedades anónimas, e a Lei n.º 11/90, de 5 de Abril, que, revogando a Lei n.º 84/88, aprovou a Lei-Quadro das Privatizações).
([20]) J. M. Coutinho de Abreu, “Sobre as novas empresas públicas (notas a propósito do DL 558/99 e da L 58/98)”, Boletim da Faculdade de Direito, Volume Comemorativo, Coimbra, 2003, p. 555.
([21]) João Pacheco de Amorim As Empresas Públicas no Direito Português em especial as Empresas Municipais, Almedina, 2000, p. 16.
([22]) Primeira disposição do capítulo III, que abrange os artigos 23.º a 34.º
([23]) Prevê-se igualmente a criação, no futuro, de regiões administrativas (cf. artigo 236.º, n.º 1, da Constituição).
([24]) Cf. o Parecer do Conselho Consultivo n.º 10/2003, de 15 de Maio de 2003 (DR, II série, n.º 181, de 7 de Agosto de 2003), e Maria José L. Castanheira Neves, Governo e Administração Local, Coimbra Editora, 2004, p. 299.
([25]) Cf. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, cit., pp. 419-420.
([26]) As empresas municipais, intermunicipais e regionais e as empresas públicas e participadas previstas no Decreto-Lei n.º 558/99 constituem o chamado sector público empresarial (cf. Carlos Costa Pina, “A Reforma do Regime das Empresas Públicas, o Direito Comunitário e o Direito da Concorrência”, em Eduardo Paz Ferreira (org.), Estudos sobre o Novo Regime Empresarial do Estado, Almedina, 2000, pp. 152-153).
([27]) V. a Lei n.º 79/77, de 25 de Outubro, e o artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março. Sobre as empresas municipais e intermunicipais antes da Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto, v. J. Pacheco de Amorim, As Empresas Públicas…, cit. pp. 34-41.
([28]) Alterada pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, que deu nova redacção ao artigo 5.º
([29]) Face à inexistência de regiões administrativas, abstrairemos nos desenvolvimentos subsequentes das empresas de âmbito regional.
([30]) Redacção do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março. A participação em espécie está regulada no artigo 8.º
([31]) Conforme informação da Inspecção-Geral de Finanças (ofício de 3 de Janeiro de 2007), no quadro da Lei n.º 58/98 foram constituídas 103 empresas públicas (municipais), 20 empresas de capitais públicos (municipais), 11 empresas de capitais maioritariamente públicos (municipais), 5 empresas públicas (intermunicipais) e 3 empresas de capitais maioritariamente públicos (intermunicipais). Cristina Maria Augusta Ribeiro (“Crescimento do sector empresarial local – interesse público e racionalidade económica do fenómeno”, em O controlo em ambientes e dimensões da nova gestão pública, ed. da Inspecção-Geral da Finanças, p. 289) refere a constituição de 161 empresas, das quais 125 empresas públicas (em sentido estrito), 4 empresas de capitais públicos e 32 empresas de capitais maioritariamente públicos.
([32]) Diário da Assembleia da República, II série-A, de 16 de Setembro de 2006. Outros passos do procedimento legislativo: discussão na generalidade (DAR, I série, n.º 10, de 12 de Outubro de 2006); votação na generalidade (DAR, I série, n.º 11, de 13 de Outubro de 2006); Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território (DAR, II série-A, n.º 7, de 12 de Outubro de 2006); Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Orçamento e Finanças (DAR, II série-A, n.º 8, de 14 de Outubro de 2006); Relatório da votação na especialidade e texto final da Comissão de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território (DAR, II série-A, n.º 17, de 16 de Novembro de 2006); na votação final global (DAR, I série, n.º 21, de 17 de Novembro de 2006), a proposta foi aprovada com votos a favor do PS e do CDS-PP, votos contra do PCP, do BE e de Os Verdes e a abstenção do PSD, vindo a dar origem ao Decreto n.º 91/X (DAR, II série-A, de 11 de Dezembro de 2006). Os trabalhos parlamentares apresentam reduzido valor hermenêutico: por um lado, os relatórios das comissões limitam-se a acentuar aspectos de regime e a conformidade constitucional, legal e regimental da proposta; por outro, tendo esta sido objecto de discussão na generalidade em conjunto com a proposta de lei n.º 90/X (regime geral das taxas das autarquias locais) e com a proposta de lei n.º 92/X (lei das finanças locais), foi tão-só sobre esta última proposta que incidiu o debate. A proposta de lei n.º 91/X foi objecto de alterações aquando da discussão da especialidade, sendo a mais relevante relativa ao estatuto do gestor local, regulado no artigo 47.º da Lei n.º 53-F/2006.
([33]) Itálico acrescentado.
([34]) Cf. os artigos 390.º e ss. do Código das Sociedades Comerciais.
([35]) O artigo 47.º da Lei n.º 53-F/2006 tem como antecedente o artigo 46.º da proposta de lei n.º 91/X, alterado no decurso da discussão na especialidade, que dispunha:
«Artigo 46.º
Estatuto do gestor local
1 – É proibido o exercício simultâneo de funções a tempo inteiro ou parcial nas câmaras municipais e de funções executivas remuneradas nas empresas municipais, intermunicipais e metropolitanas.
2 – A remuneração dos membros dos órgãos de administração das empresas referidas no artigo anterior estão limitadas ao índice remuneratório dos presidentes de câmara dos municípios de Lisboa e Porto.»
([36]) Pelo Despacho n.º 20 926 (2.ª série), de 20 de Setembro de 2005, do Ministro de Estado e das Finanças (Diário da República, II série, n.º 191, de 4 de Outubro de 2005) foi constituído um grupo de trabalho com vista à revisão do estatuto do gestor público.
([37]) Freitas do Amaral, ob. cit., p. 598.
([38]) Seguimos, na enunciação subsequente, João Pacheco de Amorim, As Empresas…, cit. pp. 49-51. Cf. também o Parecer do Conselho Consultivo n.º 77/2002, II-3.2.
([39]) A deliberação de assembleia municipal ou intermunicipal (acto material e formalmente administrativo) «constitui uma manifestação do ius imperium administrativo que tem precisamente por efeito próprio e típico a sujeição da organização e funcionamento interno do novo ente público a um regime parcialmente administrativo, bem como o colocar do mesmo ente ao abrigo das normais vicissitudes a que estão sujeitas as entidades privadas, como é o caso da falência» (J. Pacheco de Amorim, As Empresas…, cit. pp. 14-15).
([40]) J. Pacheco de Amorim, As Empresas…, cit. p. 53.
([41]) J. Pacheco de Amorim, As Empresas…, cit. p. 63. No mesmo sentido, Maria José L. Castanheira Neves, Governo e Administração Local, cit., pp. 300-303.
([42]) J. Pacheco de Amorim, As Empresas…, cit. p. 51.
([43]) Coutinho de Abreu, “Sobre as novas empresas públicas…”, cit., p. 569.
([44]) Também no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 558/99 se afirma a vocação supletiva deste diploma em relação ao sector empresarial local.
([45]) Neste sentido, Pacheco de Amorim, As Empresas…, cit. p. 50.
([46]) De 6 de Abril de 2000; não publicado, mas disponível em www.dgsi.pt, tendo dado origem à Directiva n.º 4/2000 (Diário da República, II série, n.º 177, de 2 de Agosto de 2000), que determina que a doutrina do parecer seja seguida e sustentada pelos magistrados do Ministério Público.
([47]) Concluiu-se também que correspondente interpretação actualizada se deve realizar da mesma expressão constante do n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 464/82 (Estatuto do Gestor Público).
([48]) Neste sentido, em relação às «empresas municipais de capitais públicos», Maria José L. Castanheira Neves, Governo e Administração Local, cit., p. 313.
([49]) Importa advertir que existem empresas de âmbito (geográfico) multimunicipal, constituídas de acordo com a lei comercial e alheias, por isso, à Lei n.º 58/98. Sirvam de exemplo a Águas do Centro, S. A., ou a SANEST – Sistema de Saneamento da Costa do Estoril, S. A.
([50]) Parecer n.º 83/93, de 10 de Maio de 1995 (conclusão 1.ª e n.º 3.2), em termos retomados no Parecer n.º 2/2000, de 6 de Abril de 2000 (conclusão 5.ª e n.º 5.5).
([51]) Parecer n.º 2/2000, n.º 5.5.
([52]) J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1990, p. 194.
([53]) J. Oliveira Ascensão, “Interpretação das leis. Integração das lacunas. Aplicação do princípio da analogia”, em Revista da Ordem dos Advogados, Ano 57, Lisboa, Dezembro de 1997, p. 918.
([54]) Cf. Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, 3.ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 525.
([55]) Metodologia…, cit., pp. 529-530.
([56]) Introdução…, cit., p. 194.
([57]) Introdução ao Pensamento Jurídico, 6.ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1988, p. 281.
([58]) Supra, n.º 2.
([59]) A igualação de regimes jurídicos entre as empresas municipais e intermunicipais constituídas nos termos da Lei n.º 58/98 e as entidades empresariais locais, a par da qualificação destas como pessoas colectivas de direito público, conforta a conclusão a que chegámos, ao analisar o regime anterior, de considerar as empresas municipais e intermunicipais no seu conjunto (empresas públicas, empresas de capitais públicos e empresas de capitais maioritariamente públicos) como entes de direito público, subsumíveis ao conceito de empresa pública constante do artigo 3.º da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto.
([60]) Uma outra estatuição consiste na fixação de um tecto para as remunerações dos membros dos órgãos de administração das empresas, que são limitadas ao índice remuneratório do presidente da câmara respectiva caso tenham âmbito municipal, ao índice remuneratório dos presidentes das Câmaras de Lisboa e do Porto quando tenham âmbito intermunicipal ou metropolitano (n.º 3).
([61]) A câmara municipal tem aqui o sentido estrito de «órgão executivo colegial do município», constituído por um presidente e por vereadores, um dos quais designado vice-presidente (artigo 56.º, n.º 1, da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro).
([62]) Supra n.º 10.2.
([63]) A revisão em curso do Estatuto do Gestor Público (cf. supra, nota 36), constituiria uma boa oportunidade para, em benefício da harmonização do sistema, precisar a noção de gestor público.
([64]) Para uma explicitação recente do conteúdo destas disposições, v. o Parecer do Conselho Consultivo n.º 71/2004, de 2 Junho de 2005, ponto VII.