Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002498
Parecer: P000782004
Nº do Documento: PPA23092004007800
Descritores: APOSENTADO
EXERCÍCIO DE FUNÇÕES
GABINETE MINISTERIAL
EMPREGO PÚBLICO
NOMEAÇÃO
DESTACAMENTO
REQUISIÇÃO
REMUNERAÇÃO
CONTRATO DE PROVIMENTO
CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
CONTRATO DE TAREFA
CONTRATO DE AVENÇA
AGENTE POLÍTICO
SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
DESPESAS PÚBLICAS
AQUISIÇÃO DE BENS E SERVIÇOS
Área Temática:DIR ADM * FUNÇÃO PUBL /DIR CIV *TEORIA GERAL
Ref. Pareceres:P000061981Parecer: P000061981
P000191984Parecer: P000191984
P000361985Parecer: P000361985
P000311986Parecer: P000311986
P000861987Parecer: P000861987
P000981987Parecer: P000981987
P001031987Parecer: P001031987
P000571989Parecer: P000571989
P001131990Parecer: P001131990
P000141991Parecer: P000141991
P000671991Parecer: P000671991
P000241996Parecer: P000241996
P000111997Parecer: P000111997
P000511997Parecer: P000511997
P000281999Parecer: P000281999
P004482000Parecer: P004482000
P005982000Parecer: P005982000
P000972002Parecer: P000972002
P000052004Parecer: P000052004
Legislação: DL262/88 DE 1988/07/23 - ART1 N1 N2 ART2 N1 N2 N3 N4 ART4 N1 ART6 N1 N4 ART7 ART8 N2 ART9 N1 N2 ART11 N1; DESP 4897/03 DE 2003/02/07; DESP 5578/03 DE 2003/02/17; DESP 5202/04 DE 2004/01/30; DL106-B/92 DE 1992/06/01 - ART6 N3 F); DL184/89 DE 1989/06/02 - ART10 N1 N2 ART5 ART7 N1 N2 ART10 N1 N2; DL427/89 DE 1989/12/07 - ART3 ART4 N1 ART14 N1 N2 ART15 N1 ART28 N1; DL 498/72 DE 1972/12/09 - ART1 N2 A) ART78 N1 A) B) C) ART79; L23/04 DE 2004/06/22; DL41/84 DE 1984/02/03 - ART17 N1 N2 N3 N6 N7; CCIV66 - ART236 ART1152 ART1154 ART1156 ART1161; DL49408 DE 1969/11/24 - ART1; L99/03 DE 2003/08/27 - ART10; DL197/99 DE 1997/06/08 - ART59 ART86 N1 D); CADM896 - ART815 §2; DL129/84 DE 1984/04/27 - ART 9 N1 N2 ; CPADM91 -ART 178 N1 N2 A) B) C) D) E) F) G) H)
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:AC DO TC 386/91 DE 1991/10/22 IN DR II S N78
AC DO STJ DE 08/06/1976 IN AC D DO STA ANO XV N178 PÁG 1306
AC DO STJ DE 04/12/1981 IN AC D DO STA ANO XXI N242 PÁG 252
AC DO STJ DE 03/10/86 IN AC D DO STA XXV N300 PÁG 1584
AC DO STA DE 26/09/01 IN AC D DO STA ANO XLI N485 PÁG 750
AC DO STJ DE 22/04/1988 IN AC D DO STA, ANO XXVII N319 PAG 1004
AC DO STJ DE 23/05/2001 IN AC D DO STA ANO XLI N483 PAG 427
AC DO STJ DE 26/05/2001 ANO XLI N 485 PAG 750
AC DO STJ DE 28/02/2002
AC DO STJ DE 17/02/2004
AC DO STA DE 29/11/1988 IN AP DR 23/07/1994 PÁG 5629
AC DO STA DE 05/12/1995 IN AP DR DE 1998/04/30 PÁG 9595
AC DO STA DE 09/12/1998 IN AP DR DE 12/04/2001 PÁG 1453
AC DO STA DE 05//05/1998 IN AP DR DE 26/04/2002 PÁG 3017
AC DO STA DE 02/04/1998
AC DO STA DE 05/05/1998
AC DO STA 14/07/1994 IN AP AO DR PÁG 5801
AC DO STA DE 25/01/2001
AC DO STA DE 07/03/2001
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1.ª – Os aposentados não podem exercer funções públicas salvo, designadamente, quando exerçam funções em regime de prestação de serviço nas condições previstas na alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º (cf. artigo 78.º do Estatuto da Aposentação);
2.ª – A celebração de contratos de prestação de serviço por parte da Administração está sujeita ao regime de realização de despesas públicas em matéria de aquisição de serviços, estabelecido no Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho (cf. artigos 17.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 41/84, de 3 de Fevereiro, e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho);
3.ª – No âmbito dos gabinetes ministeriais, o recurso à celebração de contratos de prestação de serviço está expressamente previsto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 262/88, de 23 de Junho (regime, composição e orgânica dos gabinetes ministeriais);
4.ª – Os contratos de prestação de serviço celebrados no âmbito dos gabinetes ministeriais estão igualmente sujeitos ao regime estabelecido no Decreto-Lei n.º 197/99);
5.ª – A situação funcional titulada pelos Despachos do Ministro da Cultura n.º 4897/2003 (2.ª série), de 7 de Fevereiro de 2003, e n.º 5202/2004 (2.ª série), de 30 de Janeiro de 2004, configura, na globalidade de todos os seus elementos, uma relação jurídica de emprego público;
6.ª – Assim, os Despachos do Ministro da Cultura n.º 4897/2003 (2.ª série), de 7 de Fevereiro de 2003, e n.º 5202/2004 (2.ª série), de 30 de Janeiro de 2004, são ilegais, por violação do disposto no artigo 78.º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação.

Texto Integral:
Senhora Ministra da Cultura,
Excelência:


1

«Tendo sido suscitadas dúvidas sobre a situação funcional do Lic. Carlos Joaquim Pedro Fernandes», foi solicitada a intervenção do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República para se pronunciar «sobre as questões colocadas na presente informação no n.º 4» ([1]) ([2]) ([3]):

1.ª «Dada a necessidade de se proceder à contratação de um especialista, com a situação de aposentado da função pública, para, em regime de prestação de serviços, em actividade não subordinada, prestar colaboração em área específica ao Gabinete do Ministro da Cultura, deverá, para o efeito, ser utilizada como norma autorizadora os n.os 3 e 4 do art.º 2.º do DL n.º 262/88, de 23 de Julho, ou, em alternativa, deverá para tal efeito ser utilizado o art.º 11 do mesmo diploma?»
2.ª «Quando no despacho de nomeação, tal contratação tenha por objecto a prestação de tarefas não especificamente identificadas e quando expressamente se determine a equiparação da situação do nomeado à de um cargo de gabinete, deverá entender-se tal contratação como sendo de trabalho subordinado?»
3.ª «Em se tratando de prestação de serviço, qualquer que seja a norma autorizadora, a relação jurídica assim constituída é de natureza administrativa ou civil?»

Cumpre emitir parecer.

2

Para uma melhor compreensão do objecto do parecer, convirá conhecer elementos de facto relativos à «situação funcional» em causa, que se extraem do expediente enviado à Procuradoria-Geral da República ([4]):

a) O Lic. Carlos Fernandes foi desligado do serviço para efeitos de aposentação em 13 de Janeiro de 2003, passando a ser abonado da respectiva pensão pela Caixa Geral de Aposentações a partir de Março de 2003;

b) A 7 de Fevereiro de 2003, foi proferido pelo Ministro da Cultura o despacho seguinte ([5]):
«Despacho n.º 4897/2003 (2.ª série). – 1 – Ao abrigo do n.º 3 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 262/88, de 23 de Julho, determino que o licenciado Carlos Joaquim Pedro Fernandes preste colaboração no meu Gabinete no âmbito de trabalhos relacionados com as fusões de organismos do Ministério da Cultura e com a regulamentação da Lei do Património Cultural.
2 – Para realização das respectivas tarefas é disponibilizado o apoio logístico necessário por parte do meu Gabinete.
3 – A duração dos trabalhos referidos no n.º 1 é de um ano a contar do dia 1 de Fevereiro de 2003 e é renovável a todo o tempo.
4 – A remuneração mensal é de € 1800, acrescidos de IVA à taxa legal.»

c) Pelo Despacho n.º 5578/2003 (2.ª série) do Ministro da Cultura, de 17 de Fevereiro de 2003, o Lic. Carlos Joaquim Pedro Fernandes, ao abrigo da alínea f) do n.º 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 106-B/92, de 1 de Junho, foi nomeado vogal da Comissão de Classificação de Espectáculos ([6]);

d) A 30 de Janeiro de 2004, foi pelo Ministro da Cultura proferido o seguinte despacho ([7]):
«Despacho n.º 5202/2004 (2.ª série). – 1 – Tornando-se imprescindível assegurar a continuidade dos trabalhos em curso relativos à elaboração da legislação regulamentar da Lei de Bases da Política e do Regime de Protecção e Valorização do Património Cultural, bem como assegurar, ao nível do meu Gabinete, o acompanhamento das reestruturações orgânicas resultantes dos novos regimes legais relativos à administração directa do Estado e da lei quadro dos institutos públicos, determino que para o efeito, e ao abrigo do n.º 3 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 262/88, de 23 de Julho, o licenciado Carlos Joaquim Pedro Fernandes continue a prestar colaboração no meu Gabinete, pelo prazo de um ano a contar de 1 de Fevereiro de 2004, renovável a todo o tempo.
2 – A remuneração mensal é de € 2300, acrescidos de IVA à taxa legal.»

Omitimos, por ora, dado o seu carácter controverso, a referência a outros dados de facto.

Adiante-se, todavia, que o cerne das dúvidas sobre a aludida situação funcional prende-se com divergência de entendimentos acerca da sua qualificação: enquanto a Auditora Jurídica se pronuncia no sentido da verificação de «uma relação jurídica com natureza idêntica à que caracteriza a relação de emprego público», a Assessora do Gabinete defende a inexistência de «quaisquer elementos perturbadores da clara intenção de que a natureza da actividade a desenvolver se configurasse como prestação de serviços».

3

O regime, composição e orgânica dos gabinetes ministeriais consta do Decreto-Lei n.º 262/88, de 23 de Julho ([8]).

O diploma procedeu à reunificação de normas dispersas existentes sobre a matéria e procurou adequar a composição dos gabinetes à amplitude e multiplicidade de tarefas cometidas aos membros do Governo, «pelo que se criam novas condições e se melhoram condições de actuação dos respectivos gabinetes, permitindo, designadamente, o recurso ao regime de prestação de serviços quando a especificidade do interesse público em causa assim o exija» (do preâmbulo).

O Decreto-Lei n.º 262/88 estabelece, pois, a composição, a orgânica e o regime dos gabinetes dos membros do Governo, tendo os gabinetes por função coadjuvar o membro do Governo respectivo no exercício das suas funções (artigo 1.º, n.os 1 e 2).

O artigo 2.º prescreve:
«Artigo 2.º
Composição dos gabinetes

1 – Os gabinetes são constituídos pelo chefe do gabinete, pelos adjuntos do gabinete e pelos secretários pessoais.
2 – Para assuntos interdepartamentais, previamente definidos em resolução do Conselho de Ministros, podem ser nomeados conselheiros técnicos, os quais serão, para todos os efeitos, equiparados a adjuntos.
3 – Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, podem ser chamados a prestar colaboração aos gabinetes dos membros do Governo, para realização de estudos, trabalhos ou missões de carácter eventual ou extraordinário, especialistas, para o efeito nomeados por despacho destes.
4 – A duração, termos e remuneração dos estudos, trabalhos ou missões referidos no número anterior serão estabelecidos no despacho nele referido.»

Segundo o artigo 4.º, aos adjuntos do gabinete compete prestar aos membros do Governo o apoio técnico que lhes for determinado (n.º 1); o número de adjuntos não pode ser superior a cinco nos gabinetes dos ministros, a três nos gabinetes dos secretários de Estado e a um nos dos subsecretários Estado (n.º 2).

O artigo 6.º contém normas sobre nomeação e exoneração: retenha-‑se que os membros dos gabinetes são livremente nomeados e exonerados pelo membro do Governo de que dependam (n.º 1); e que quando os nomeados sejam membro das Forças Armadas, magistrados, funcionários ou agentes da administração central, regional ou local, de institutos públicos e empresas públicas ou privadas exercerão os seus cargos em regime de comissão de serviço ou de requisição, conforme os casos, e com a faculdade de optar pelas remunerações correspondentes aos cargos de origem (n.º 4).

Os artigos 7.º e 8.º dispõem, respectivamente, sobre garantias e deveres dos membros dos gabinetes. Merece destaque, quanto ao segundo aspecto, a sujeição aos deveres gerais que impendem sobre os funcionários e agentes da Administração Pública e a isenção de horário de trabalho.

O artigo 9.º versa sobre vencimento:

«1 – O vencimento dos membros dos gabinetes é o que se encontra fixado na lei para as respectivas categorias, podendo ser atribuído ao chefe do gabinete e aos adjuntos um abono mensal para despesas de representação de montante não superior a metade do atribuído aos secretários de Estado.
2 – Compete ao Primeiro-Ministro fixar, mediante despacho, o montante do abono mensal para efeitos do disposto no número anterior.
3 – (...).»

Refira-se, por fim, o artigo 11.º, que, com a epígrafe requisição e destacamento, prescreve:

«Os membros do Governo podem recorrer ao destacamento ou à requisição de funcionários e agentes da administração directa ou indirecta do Estado, incluindo empresas públicas, bem como da administração regional e local, para o exercício de funções de apoio técnico e administrativo nos respectivos gabinetes, ou recorrer a contratos em regime de prestação de serviços, os quais caducam automaticamente com a cessação de funções do membro do Governo.»

4

O n.º 3 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 262/88 prevê a possibilidade de serem chamados a prestar colaboração aos gabinetes dos membros do Governo, para realização de estudos, trabalhos ou missões de carácter eventual ou extraordinário, especialistas, para o efeito nomeados por despacho destes.

Na interpretação desta disposição, convém, desde logo, tomar em consideração o seu enquadramento sistemático, com relevo para o contexto em que se insere ([9]).

O artigo 2.º dispõe sobre a composição dos gabinetes dos membros do Governo: começa, no n.º 1, por dizer que são constituídos pelo chefe de gabinete, pelos adjuntos e pelos secretários pessoais; prevê, no n.º 2, para assuntos interdepartamentais, a nomeação de conselheiros, que serão equiparados a adjuntos; e o n.º 3 acrescenta que podem ser chamados a prestar colaboração aos gabinetes para realização de estudos, trabalhos ou missões de carácter eventual ou extraordinário, especialistas, para o efeito nomeados por despacho do membro do Governo; este despacho estabelecerá, a duração, termos e remuneração dos estudos, trabalhos ou missões (n.º 4).

Como resulta do respectivo teor literal, está em causa, nas situações referidas o n.º 3 do artigo 2.º, a efectivação de estudos, trabalhos ou missões de carácter eventual ou extraordinário. Trata-se de levar a cabo tarefas circunscritas ou de carácter pontual, que se esgotam com a apresentação do estudo, a realização do trabalho ou o desempenho da missão.

O teor literal desta disposição («podem ser chamados») aponta para o carácter unilateral do chamamento, em fórmula próxima ou equivalente da nomeação.

É assim que o n.º 3 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 262/88 tem sido utilizado para a nomeação de assessores para os gabinetes ministeriais, elementos que – em áreas de actuação do membro do Governo e do gabinete – exercem funções similares às dos adjuntos (categoria referida nos n.os 1 e 2 do mesmo artigo) ([10]).

Porém, se se acentuar o aspecto «colaboração» e sobretudo o seu objecto («realização de estudos, trabalhos ou missões»), não estaria excluído que tal disposição constituísse habilitação legal bastante para o recurso pelos gabinetes ministeriais a contratos de prestação de serviço. Veremos, todavia, que a celebração destes contratos só pode ter lugar «nos termos da lei» (artigo 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho), sendo certo que o Decreto-Lei n.º 262/88 apenas no artigo 11.º se refere aos contratos de prestação de serviço.

As diversas estatuições do artigo 2.º têm sobretudo a ver com a definição do âmbito pessoal dos gabinetes dos membros do Governo.

Em contrapartida, o artigo 11.º, como resulta da própria epígrafe (requisição e destacamento), privilegia a forma como são providos os lugares dos gabinetes.

Assim, o artigo 11.º prevê que os membros do Governo, para o exercício de funções de apoio técnico e administrativo nos respectivos gabinetes, podem recorrer:
i) ao destacamento ou à requisição de funcionários e agentes da administração directa ou indirecta do Estado, incluindo empresas públicas, bem como da administração regional e local;
ii) ou a contratos em regime de prestação de serviços, os quais caducam automaticamente com a cessação de funções do membro do Governo.

A requisição e o destacamento são instrumentos de mobilidade que têm, em geral, o mesmo regime jurídico com um único traço distintivo – no caso da requisição, os encargos são suportados pelo serviço de destino e, no do destacamento, são-no pelo serviço de origem ([11]).

Mas o artigo 11.º não restringe a sua previsão normativa à forma de provimento dos lugares dos gabinetes.

Para além desta dimensão subjectiva, prevê expressamente, na parte final, que os membros do Governo, para o exercício de funções de apoio técnico e administrativo nos respectivos gabinetes, podem recorrer a contratos em regime de prestação de serviço, que caducam com a cessação de funções do membro do Governo.

O artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 262/88 constitui, pois, a habilitação legal para o recurso a contratos em regime de prestação de serviço por parte dos gabinetes ministeriais.

5

A invocação, no enunciado da 1.ª questão, da «situação de aposentado da função pública» em relação ao Lic. Carlos Fernandes, reclama a análise das condições em que os aposentados podem exercer funções públicas.


5.1. A desligação do serviço para efeito de aposentação constitui o meio normal e mais comum de cessação da relação jurídica de emprego dos funcionários e agentes (cf. artigo 28.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro).

Pela aposentação, os funcionários e agentes cessam o exercício de funções e passam a receber uma prestação pecuniária mensal vitalícia (pensão de aposentação), «cujo montante é determinado em razão do vencimento auferido e do número de anos de serviço ou, ainda, em virtude dos motivos que determinaram a sua menor capacidade para o exercício do cargo» ([12]).

O exercício de funções públicas por parte de aposentados está regulado nos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro ([13]).

A primeira destas disposições prescreve:
«Artigo 78.º
Incompatibilidades

1 – Os aposentados ou reservistas das Forças Armadas não podem exercer funções públicas ou a prestação de trabalho remunerado nas empresas públicas, excepto se se verificarem algumas das seguintes circunstâncias:
a) Quando exerçam funções em regime de prestação de serviços nas condições previstas na alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º;
b) Quando haja lei que o permita;
c) Quando, sob proposta do membro do Governo que tiver o poder hierárquico ou tutela sobre a entidade onde prestará o seu trabalho o aposentado ou reservista, o Primeiro-‑Ministro, por despacho, o autorize, constando no despacho o regime jurídico a que ficará sujeito e a remuneração atribuída.» ([14])

De acordo com a disposição transcrita, da situação de aposentação «deriva, em princípio, a incapacidade para exercer funções públicas ou em certos organismos, quer se trate de funções que o subscritor já exercia antes da aposentação, quer da investidura em novas funções» ([15]).

Procura-se, deste modo, «evitar a duplicação de rendimentos a cargo do Estado relativamente ao mesmo beneficiário» ([16]), bem como preservar a efectividade da aposentação e uma política de emprego público que garanta a criação de emprego e a renovação de quadros.

Os aposentados não podem, pois, por regra, exercer funções públicas. A regra tem excepções logo explicitadas.

A primeira diz respeito ao exercício, pelo aposentado, de funções em regime de prestação de serviços nas condições previstas na alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º

O artigo 1.º do Estatuto da Aposentação enuncia no n.º 1 as situações em que é obrigatória a inscrição como subscritor da Caixa Geral de Aposentações; o n.º 2 refere os casos em que não há obrigatoriedade de inscrição, referindo-se a alínea a) «[a]os que apenas se obrigam a prestar a qualquer entidade pública certo resultado do seu trabalho desempenhado com autonomia e prévia estipulação de remuneração».

No contrato de prestação de serviço – diz-se ([17]) – «o prestador tem que desempenhar a actividade em total autonomia, sujeito a si mesmo, sem obediência a ordens e instruções do beneficiário do resultado do seu trabalho. O órgão público apenas tem que contratar com aquele o efeito desejado, isto é, o objecto do serviço, e bem assim a contrapartida da remuneração».

A segunda resulta da existência de lei que permita o exercício de funções públicas por aposentados.

A terceira e última excepção reporta-se à existência de autorização expressa do Primeiro-Ministro, cujo despacho fixará o regime jurídico a que fica sujeito o exercício de funções e a retribuição atribuída ([18]).

O artigo 79.º do Estatuto da Aposentação determina que, nos casos em que aos aposentados seja permitido, nos termos do artigo 78.º, o desempenho de funções públicas, é-lhes mantida a pensão de aposentação e abonada uma terça parte da remuneração que competir a essas funções, salvo se o Primeiro-Ministro, sob proposta do membro do Governo que tenha o poder hierárquico ou de tutela sobre a entidade onde for prestado o trabalho, autorizar montante superior, até ao limite dessa remuneração ([19]).


5.2. O Conselho Consultivo pronunciou-se já, em diversas ocasiões, sobre o exercício de funções públicas por parte de aposentados ([20]).

Importa, dessa doutrina, realçar o seguinte.

No Parecer n.º 19/84 afirmou-se que, confrontando os artigos 1.º e 78.º do Estatuto da Aposentação, «verifica-se que, em princípio, só o trabalho não subordinado (...) é autorizado aos aposentados ao serviço do Estado e demais entidades [então] referidas naquele artigo 78.º, n.º 1»; «por outras palavras, é manifesta a intenção do legislador de impedir que os agentes aposentados – salvo os casos previstos na lei – voltem a exercer como agentes administrativos, funcionários ou não», funções públicas.

E a interpretação que se impõe desta expressão «é a de a entender como funções ao serviço das entidades referidas no n.º 1 do artigo 78.º, e não como funções segundo as regras do direito público» ([21])

Esta doutrina veio a ser mantida em pareceres emitidos já na vigência da redacção actual do artigo 78.º do Estatuto da Aposentação, nomeadamente nos Pareceres n.os 98/86, 103/87 e 67/91.

Neste último parecer afirmou-se que o n.º 1 do artigo 78.º do Estatuto da Aposentação «estabelece uma incompatibilidade relativamente aos aposentados ou reservistas das Forças Armadas, a de não poderem exercer funções públicas ou a prestação de trabalho remunerado nas empresas públicas», excepto nas circunstâncias que a disposição a seguir indica e a que já aludimos.

Acrescentou-se que a expressão funções públicas abrange «as que são exercidas ao serviço do Estado ou das demais entidades públicas, como são as autarquias locais» ([22]).

6

Os aposentados, de acordo com o disposto no artigo 78.º do Estatuto da Aposentação, não podem, portanto, exercer funções públicas, com excepção, designadamente, do exercício de funções em regime de prestação de serviços, entendido – nos termos do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do mesmo diploma – como a obrigação de «prestar a qualquer entidade pública certo resultado do seu trabalho desempenhado com autonomia e prévia estipulação de remuneração».

Importa, pois, na sequência da indagação em curso, abordar o regime de constituição da relação jurídica de emprego público, caracterizar as situações em que a Administração pode recorrer ao contrato de prestação de serviço e analisar os termos da distinção entre este último contrato e as situações em que existe uma relação de trabalho subordinado.

7

A enunciação dos princípios gerais em matéria de emprego público, remunerações e gestão de pessoal da função pública consta do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho ([23]).

O regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública constitui objecto do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro ([24]).


7.1. A relação jurídica de emprego público constitui-se por nomeação e contrato de pessoal (artigos 5.º do Decreto-Lei n.º 184/89 e 3.º do Decreto-Lei n.º 427/89) ([25]).

A nomeação é um acto unilateral da Administração pelo qual se preenche um lugar do quadro e se visa assegurar, de modo profissionalizado, o exercício de funções próprias do serviço público que revistam carácter de permanência, conferindo ao nomeado a qualidade de funcionário (artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 427/89).

O contrato de pessoal é um acto bilateral, nos termos do qual se constitui uma relação de trabalho subordinado (artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-‑Lei n.º 184/89).

O contrato de pessoal pode revestir as modalidades de contrato administrativo de provimento e de contrato de trabalho em qualquer das suas modalidades [artigos 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 184/89 e 14.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 427/89 ([26])].

O contrato administrativo de provimento é o acordo bilateral pelo qual uma pessoa não integrada nos quadros assegura, a título transitório e com carácter de subordinação, o exercício de funções próprias do serviço público, com sujeição ao regime jurídico da função pública (artigo 15.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 427/89); é celebrado em tipificadas situações ([27]) e confere ao particular outorgante a qualidade de agente administrativo (n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 427/89).

Pelo contrário, o contrato de trabalho não confere a qualidade de funcionário ou agente e rege-se pelo Código do Trabalho, com as especialidades constantes de diploma especial sobre contrato de trabalho na Administração Pública, a já referida Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho [n.º 3 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 427/89 ([28])]


7.2. A Administração pode ainda, em geral, celebrar contratos de prestação de serviço, celebração que, todavia, «só pode ter lugar nos termos da lei e para a execução de trabalhos com carácter não subordinado» (n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 184/89). Considera-se trabalho não subordinado «o que, sendo prestado com autonomia, se caracteriza por não se encontrar sujeito à disciplina, à hierarquia, nem implicar o cumprimento do horário de trabalho» (n.º 2 do mesmo artigo).

O contrato de prestação de serviço assume, em regra, na Administração Pública, as modalidades de contrato de tarefa e de contrato de avença, a que se refere o artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 41/84, de 3 de Fevereiro ([29]).

Nos termos desta disposição, a celebração de contratos de tarefa e de avença está sujeita ao regime previsto na lei geral quanto a despesas públicas em matéria de aquisição de serviços (n.º 1) ([30]).

O contrato de tarefa apenas pode ser utilizado em contadas situações e tem como objecto a execução de trabalhos específicos, de natureza excepcional, sem subordinação hierárquica, não podendo exceder o termo do prazo contratual inicialmente estabelecido (n.º 2).

O contrato de avença tem como objecto prestações sucessivas no exercício de profissão liberal, apenas se podendo recorrer a tal tipo de contrato quando no próprio serviço não existam funcionários ou agentes com as qualificações adequadas ao exercício das funções objecto de avença (n.º 3).

Os contratos de tarefa e de avença não conferem ao particular outorgante a qualidade de agente, sendo idênticos os requisitos exigidos para a sua celebração (n.os 6 e 7).

Como se vê, «enquanto o contrato de tarefa se destina à execução de um trabalho específico, de índole independente, que tem um cariz excepcional e uma duração pré-determinada, o contrato de avença apenas tem por escopo o exercício de uma profissão liberal (conceito mais restrito do que o de trabalho independente – v., neste sentido, Ac. do Tribunal de Contas n.º 8/95, publicado no D.R., I Série, de 29-12-95) e não se limita à execução de um determinado, excepcional e específico trabalho, mas sim, pelo contrário, pressupõe e tem subjacente a prestação de um conjunto indiferenciado de funções próprias de uma determinada profissão liberal, as quais, por se renovarem sucessivamente, justificam que a contraprestação devida seja paga mensalmente e não após realização de um ou outro trabalho» ([31]).


7.3. Merece, enfim, referência, no contexto do objecto do parecer, a categoria dos chamados agentes políticos.

Trata-se – no dizer de Marcello Caetano ([32]) – de «certos agentes administrativos designados para o exercício de funções de confiança política e, por isso, livremente amovíveis, isto é, podendo ser transferidos ou demitidos sempre e quando ao Governo aprouver».

Entre os agentes políticos, também designados agentes de livre escolha, ou agentes de confiança pessoal ou política, figuram os membros dos gabinetes ministeriais ([33]).

Os membros dos gabinetes ministeriais integram a noção lata de função pública, que «aglutina os indivíduos ligados a pessoas colectivas de direito público por uma relação jurídica de trabalho subordinado, independentemente da natureza dessa relação ou do regime jurídico que a conforma e disciplina» ([34]).

8

A qualificação da situação funcional do Lic. Carlos Joaquim Pedro Fernandes requer o esclarecimento dos termos da distinção entre a relação jurídica de emprego público e o contrato de prestação de serviço.

O Conselho Consultivo teve recentemente oportunidade de analisar esta matéria, então centrada no confronto entre o contrato individual de trabalho e o contrato de prestação de serviço.

Fê-lo no Parecer n.º 5/2004, de 1 de Julho de 2004 ([35]), de que aqui nos prevalecemos ([36]).

A noção de contrato de trabalho consta do artigo 1152.º do Código Civil e foi reproduzida no artigo 1.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho (LCT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969:

«Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.»

A mesma noção veio a ser retomada no artigo 10.º do Código do Trabalho ([37]), neste caso com diferenças sem relevância ([38]).

Nos termos desta definição, «a situação jurídica laboral caracteriza-
-se por ter natureza contratual, por se centrar na prestação de uma actividade, por essa actividade ser prestada contra certa retribuição e por ser organizada pelo credor» (
[39]).

Prescindindo-se da análise dos elementos que daquela noção, interessa frisar que o trabalho que se presta, mediante retribuição, ao credor da prestação, é dirigido por este. «Cabe ao empregador, observando os limites fixados no programa contratual, determinar o concreto posto de trabalho, os parâmetros temporais da execução da prestação e a forma como o débito laboral deve ser realizado. (...) A fundamental especificidade da relação laboral repousa nesta atribuição ao credor da faculdade de organizar a actividade debitória desenvolvida pelo trabalhador, faculdade que não se esgota com o seu exercício, mantendo-se enquanto perdura o vínculo» ([40]).

Podendo, em princípio, qualquer género de actividade ser prestado no quadro desta espécie contratual ([41]), o elemento individualizador do contrato de trabalho reside no modo como a actividade é desempenhada, isto é, na subordinação do trabalhador às ordens e direcção de outra pessoa, subordinação que «não deve entender-se em sentido social, económico ou técnico, mas jurídico» ([42]).

A subordinação jurídica traduz, justamente, a ideia de que a prestação é realizada «sob a autoridade e direcção» do empregador, consistindo «numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem» ([43]).

A subordinação do trabalhador é inerente à natureza do contrato de trabalho ([44]), aqui se encontrando a diferença essencial entre esse tipo de contrato e o contrato de prestação de serviço.

Nos termos do artigo 1154.º do Código Civil, o contrato de prestação de serviço é «aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição».

Deste enunciado normativo, avulta o resultado do trabalho, como objecto do contrato de prestação de serviço, em contraposição à actividade em si mesma, que caracteriza o contrato de trabalho.

Este critério de diferenciação revela-se, em certas situações, pouco consistente ([45]) ou de difícil aplicação ([46]).

O traço distintivo decisivo residirá na existência ou não dos poderes patronais e da correspectiva subordinação do trabalhador. A actividade que é objecto do contrato de trabalho tem de ser prestada «sob autoridade e direcção» do empregador, sendo, deste modo, exercida com base na subordinação jurídica do trabalhador relativamente ao empregador. No contrato de prestação de serviço não há subordinação jurídica, exercendo o prestador de serviços a sua actividade com autonomia ([47]).

A subordinação jurídica configura um conceito-tipo que se determinará por um conjunto de características, com o recurso ao «método tipológico» baseado na procura de indícios ([48]).

Trata-se de uma metodologia indispensável perante situações concretas, em que não é fácil a distinção ou delimitação do contrato de trabalho do contrato de prestação de serviço.

Uma das situações ocorre com o exercício de uma actividade enquadrável no objecto das designadas profissões liberais (médicos, advogados, arquitectos, etc.), tendo em conta a autonomia que a caracteriza, pode ser difícil entender que a relação jurídica se qualifique como um contrato de trabalho ([49]). «A autonomia técnica não constitui, por si, óbice à qualificação da situação jurídica no âmbito laboral, como se depreende do disposto no art. 5.º, n.º 2 LCT. A autonomia técnica não é conferida ao trabalhador pelo empregador, pois ela resulta da natureza da actividade e da qualificação profissional do trabalhador; em tal caso, o trabalho continua a ser organizado, orientado, controlado e utilizado pelo empregador, subsistindo um contrato de trabalho com uma responsabilidade acrescida para o trabalhador» ([50]). Os profissionais liberais podem, pois, estar vinculados por contratos de trabalho ou de prestação de serviço ([51]).

Na doutrina e jurisprudência têm sido considerados os seguintes índices ou indícios de subordinação jurídica, elementos do método tipológico: vinculação a horário de trabalho estabelecido pelo empregador; o local de trabalho definido pelo empregador; a existência de controlo externo do modo da prestação da actividade; a obediência a ordens e a sujeição à disciplina da empresa ou da organização; a modalidade da retribuição (em função do tempo, em regra); relacionado com este índice, o pagamento dos subsídios de férias e de Natal, a propriedade por parte da entidade patronal dos instrumentos de trabalho, a exclusividade da actividade laborativa do trabalhador. Como índices de carácter formal e externo, são ainda referidos a observância de um regime fiscal e de segurança social próprios do trabalho por conta de outrem ([52]).

Estes indícios devem ser apreciados no seu conjunto e perante a realidade concreta.

Interessará, por último – à luz das regras da interpretação negocial (artigos 236.º e segs. do Código Civil) – indagar e valorar a vontade das partes na sua exteriorização juridicamente eficaz ([53]).

9

A distinção, no direito administrativo, entre a relação jurídica de emprego público e o contrato de prestação de serviços apresenta a mesma configuração que nos direitos civil e laboral.

«Mesmo em direito administrativo, a diferença essencial entre os contratos de trabalho e os de prestação de serviço propriamente ditos é, pois, a de naqueles a actividade ser prestada sob a autoridade e direcção da entidade patronal, enquanto nestes a obrigação do prestador do serviço consiste em proporcionar à outra certo resultado do exercício de uma actividade profissional, não se verificando aquela subordinação dele à autoridade e direcção da outra parte» ([54]).

Por outras palavras, a distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço radica fundamentalmente na autonomia do prestador do segundo, que apenas está obrigado a certo resultado do seu trabalho, enquanto o objecto do contrato de trabalho é a própria actividade, desenvolvida em situação de subordinação jurídica e económica ([55]).

Noutro momento ([56]), o Supremo Tribunal Administrativo salientou que a subordinação jurídica, «pedra de toque dos contratos de trabalho, consiste em a entidade patronal poder, de algum modo, orientar a actividade em si mesma, quanto mais não seja no tocante ao lugar e momento da sua prestação», mas este requisito «tem de definir-se com bastante latitude e flexibilidade de modo a abranger as variadíssimas graduações de que é susceptível», já que «o trabalhador subordinado pode ser um empregado altamente qualificado e com funções directivas ou um operário que realize labor predominantemente manual, pode estar submetido a estrita direcção ou gozar de autonomia técnica, trabalhar em exclusivo para uma entidade patronal ou para várias, achar-se ou não sujeito a horário, etc.»; «com a evolução do direito do trabalho, cada vez a subordinação jurídica apresenta maior gama de cambiantes e se maleabiliza mais no seu conteúdo».

Em anotação a este último acórdão, Liberal Fernandes ([57]) escreve sobre a distinção entre contrato de prestação de serviço e contrato de trabalho:

«Enquanto nesta segunda situação, o objecto do contrato seria integrado pelo dever de prestar, em moldes subordinados, uma certa actividade (Wirken) (...) em que o respectivo resultado constitui um elemento exterior ao próprio objecto da relação jurídica (...), na primeira estaria em causa o dever de proporcionar ao credor um certo resultado (Werk), isto é, de prestar-lhe um determinado serviço, cuja organização é definida pelo próprio devedor, escapando por isso à direcção do credor. Contudo, se em teoria esta distinção é pacífica (-), na prática são frequentes os problemas de classificação em virtude da existência de situações jurídicas em que é patente a diluição de fronteiras entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço, entre subordinação e autonomia, tal como eram entendidas tradicionalmente.»

O Autor filia a «erosão das fronteiras entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviço» em duas ordens de razões: por um lado, na desactualização do estereótipo da subordinação do operário de fábrica e da crescente flexibilidade e elasticidade das relações laborais, que levam a admitir-se ser suficiente para caracterizar o contrato de trabalho que o vínculo de subordinação se manifeste a nível das obrigações acessórias que recaem sobre o trabalhador, como, por exemplo, a existência de um horário de trabalho ou a fixação do local de trabalho pelo empregador; por outro, no facto de, no contrato de prestação de serviço, o credor gozar de poderes para fixar condições que interferem com o modo de actuação do devedor, restringindo-lhe assim a respectiva liberdade de execução do serviço contratado (artigo 1161.º ex vi artigo 1156.º, ambos do Código Civil), situação que, de certa forma, aproxima aquela figura do contrato de trabalho.

Por fim, também no direito administrativo se reconhece que a distinção entre relação jurídica de emprego público e contrato de prestação de serviço ou a «despistagem do trabalho subordinado» «assenta num juízo aproximativo, realizado com o auxílio do “método tipológico”, sustentado em índices aferidores, tais como: horário e local de trabalho determinado, controlo externo do facere, sujeição a ordens e disciplina do empregador, modalidade de retribuição (em função ou não do tempo) e propriedade dos instrumentos de trabalho. O juízo aproximativo é conjugado com a sopesagem dos vários índices e a aferição do seu valor relativo (-) e complementado por um juízo de globalidade, em ordem a concluir-se num certo sentido.» ([58])

10

Procuremos agora responder às questões concretas que constituem o objecto do parecer.

Na primeira pergunta-se:

«Dada a necessidade de se proceder à contratação de um especialista, com a situação de aposentado da função pública, para, em regime de prestação de serviços, em actividade não subordinada, prestar colaboração em área específica ao Gabinete do Ministro da Cultura, deverá, para o efeito, ser utilizada como norma autorizadora os n.os 3 e 4 do art.º 2.º do DL n.º 262/88, de 23 de Julho, ou, em alternativa, deverá para tal efeito ser utilizado o art.º 11 do mesmo diploma?»


10.1. Comecemos por recordar e frisar que a intervenção do Conselho Consultivo ocorre em virtude de terem sido «suscitadas dúvidas sobre a situação funcional do Lic. Carlos Joaquim Pedro Fernandes» ([59]).

As dúvidas têm a ver com a questão de saber se tal situação funcional integra uma relação de trabalho subordinada ou um contrato de prestação de serviço.

Mas se assim é, o modo como a questão é formulada parece dar como demonstrado o que importa demonstrar, que nos encontramos perante uma «contratação (...) em regime de prestação de serviços».

Na verdade, nos apertados termos do seu enunciado, a questão acaba por reconduzir-se à alternativa constante da sua parte final.

A estatuição do n.º 3 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 262/88 visa sobretudo situações traduzidas na necessidade de realização de estudos, trabalhos ou missões de carácter eventual ou extraordinário. Trata-se, tendencialmente, como dissemos ([60]), de levar a cabo tarefas circunscritas ou de carácter pontual, que se esgotam com a apresentação do estudo, a realização do trabalho ou o desempenho da missão em causa.

Mas dissemos também que, no âmbito da composição dos gabinetes ministeriais, a via prevista nos n.os 3 e 4 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 262/88 tem sido utilizada para a nomeação de assessores, por vezes expressamente equiparados a adjuntos do gabinete, com os quais se estabelece uma relação de emprego público modelada pelas especificidades do domínio em que nos encontramos.

Por sua vez, a possibilidade de os membros do Governo recorrerem, para o exercício de funções de apoio técnico e administrativo aos respectivos gabinetes, à celebração de contratos em regime de prestação de serviços está prevista no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 262/88.

Em tese geral, portanto, podemos dizer que um aposentado só pode «prestar colaboração em área específica» de gabinete ministerial se o fizer em regime de prestação de serviço [artigos 78.º, n.º 1, alínea a), e 1,º, n.º 2, alínea a), do Estatuto da Aposentação].

A habilitação legal explícita para a realização de contratos de prestação de serviços por parte dos gabinetes ministeriais reside no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 262/88, de 23 de Julho.

É, pois, esta a disposição legal a utilizar com vista à contratação em regime de prestação de serviço de especialista na situação de aposentado.

Ainda que se admita que tal habilitação possa, em certos casos – «realização de estudos, trabalhos ou missões de carácter eventual ou extraordinário» – ser alargada aos n.os 3 e 4 do artigo 2.º do mesmo diploma, sempre será indispensável que, em qualquer caso, nos encontremos perante situações verdadeiras de prestação de serviço.

E é justamente aqui que reside a maior dificuldade da análise da situação funcional do Lic. Carlos Fernandes.


10.2. A celebração de contratos de prestação de serviço por parte de Administração só pode ter lugar nos termos da lei (artigo 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho), sendo certo que tais contratos estão sujeitos ao regime previsto na lei geral quanto a despesas públicas em matéria de aquisição de serviços (artigo 17.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 41/84, de 3 de Fevereiro).

O actual regime jurídico da aquisição de bens e serviços na Administração Pública consta do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho.

Interessa aqui destacar, desse regime, a necessidade de contrato (cf. artigo 59.º e seguintes), bem como, ao nível dos tipos de procedimento, a possibilidade – porventura ajustada à situação hipotizada no enunciado da primeira questão – de o contrato de prestação de serviço poder ser celebrado mediante ajuste directo quando «[p]or motivos de aptidão técnica (...), a locação ou o fornecimento dos bens ou serviços apenas possa ser executado por um locador ou fornecedor determinado» [artigo 86.º, n.º 1, alínea d)].

No caso presente, desconhece-se a existência de qualquer contrato, constituindo esta omissão um primeiro indicador de inexistência de prestação de serviço.

A situação funcional do Lic. Carlos Fernandes está titulada pelos Despachos do Ministro da Cultura n.º 4897/2003 (2.ª série) e n.º 5202/2004 (2.ª série), que têm a mesma habilitação legal – o n.º 3 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 262/88 – e onde se determina a prestação de colaboração (no primeiro) ou a continuição de prestação de colaboração (no segundo).

Os despachos e as determinações neles contidas assumem uma feição unilateral e, ressalvadas particularidades de contexto, uma natureza próxima da nomeação (cf. o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro).

Adequando o título constitutivo da relação ao pessoal dos gabinetes, trata-se de, por via unilateral, nomear pessoas (adjuntos, assessores, colaboradores) para o exercício de funções de apoio aos gabinetes, nos termos do Decreto-Lei n.º 262/88.

Vejamos agora o conteúdo funcional, tal como consta dos despachos.

O primeiro despacho situa a colaboração «no âmbito de trabalhos relacionados com as fusões de organismos do Ministério da Cultura e com a regulamentação da Lei do Património Cultural». O segundo reporta-a à «continuidade dos trabalhos em curso relativos à elaboração da legislação regulamentar da Lei de Bases da Política e do Regime de Protecção e Valorização do Património Cultural, bem como assegurar, ao nível do [meu] Gabinete, o acompanhamento das reestruturações orgânicas resultantes dos novos regimes legais relativos à administração directa do Estado e da lei quadro dos institutos públicos».

Assim definido, o objecto da colaboração não se refere à realização de concretos «estudos, trabalhos ou missões de carácter eventual ou extraordinário», como se prevê na norma habilitante dos despachos.

Pode, é certo, dizer-se que alusões de pendor finalista apontam para a obtenção de um resultado («regulamentação da Lei do Património Cultural» e «elaboração de legislação regulamentar» de outros diplomas legislativos).

Todavia, pode contrapor-se, que a forma abrangente como se descreve o objecto da colaboração – fala-se em «trabalhos relacionados com as fusões de organismos do Ministério da Cultura», em «acompanhamento das reestruturações orgânicas» em curso e na elaboração de legislação complementar de diplomas legislativos – prenunciam a enunciação de uma dada actividade a desenvolver com regularidade pelo nomeado.

O carácter genérico destes conteúdos funcionais sugere impressivamente que nos encontramos perante o exercício de funções de apoio ao gabinete, no campo da consultadoria e assessoria jurídica e num plano funcional idêntico ao dos adjuntos do gabinete.

Na verdade, a natureza vaga e difusa da enunciação das funções cometidas ao Lic. Carlos Fernandes reclama a emanação de ordens e orientações ditadas pelo membro do Governo ou pelo chefe de gabinete, o que prefigura a existência de subordinação jurídica, que, por sua vez, constitui a «pedra de toque» da existência de uma relação de trabalho subordinado.

A indiciação de relação de trabalho subordinado sai reforçada pela verificação de outros índices do método tipológico a que atrás se aludiu.

Em primeiro lugar, a existência de remuneração mensal constitui indício de trabalho subordinado tal como o pagamento de IVA e o facto de não haver lugar a subsídios de férias e de Natal indiciam a existência de trabalho autónomo.

Quanto à organização do trabalho, no parecer da Auditora jurídica refere-se que as funções «são prestadas em gabinete sediado nas instalações do Gabinete de S. Ex.ª o Ministro da Cultura, regularmente, no horário normal de trabalho»; sem contrariar estes dados, na Informação de 22 de Junho de 2004, subscrita por Assessora do Gabinete, destaca-se a cobrança de IVA e o não recebimento «de qualquer remuneração acessória que esteja atribuída a membros do gabinete».

Para além do já referido, releva, nesta parte, o facto de o Lic. Carlos Fernandes prestar funções em gabinete situado nas instalações do Gabinete do Ministro da Cultura, regularmente, no horário normal de trabalho [já a observância ou não de horário de trabalho mostra-se irrelevante uma vez que tanto o trabalhador autónomo (artigo 10.º, n.º 2, in fine, do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho), como os membros dos gabinetes ministeriais estão isentos de horário de trabalho (artigo 8.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 262/88)].

Conjugando todos estes elementos – a natureza do título constitutivo da relação, o teor dos despachos, a caracterização material das funções e os índices do método tipológico disponíveis – propendemos, num juízo de globalidade, a considerar que nos encontramos perante uma relação de trabalho subordinado, portanto, uma relação jurídica de emprego público, com um perfil e conteúdo modelados pelo regime jurídico dos gabinetes ministeriais, definido no Decreto-Lei n.º 262/88, de 23 de Julho.

E, assim sendo, os Despachos do Ministro da Cultura n.º 4897/2003 (2.ª série), de 7 de Fevereiro de 2003, e n.º 5202/2004 (2.ª série), de 30 de Janeiro de 2004, são ilegais, por violação do disposto no artigo 78.º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação.

11

Segunda pergunta:

«Quando no despacho de nomeação, tal contratação tenha por objecto a prestação de tarefas não especificamente identificadas e quando expressamente se determine a equiparação da situação do nomeado à de um cargo de gabinete, deverá entender-se tal contratação como sendo de trabalho subordinado?»

O contrato de prestação de serviço pressupõe, por definição legal, que uma das partes obriga-se a proporcionar à outra «certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual» (artigo 1154.º do Código Civil).

Pelo contrário, numa relação de trabalho subordinado, o objecto do contrato consiste no dever de prestar uma certa actividade.

Ao resultado do trabalho, objecto do contrato de prestação de serviço, contrapõe-se, no contrato de trabalho ou numa relação jurídica de emprego público, o desenvolvimento de uma dada actividade em si mesma.

Este critério, como vimos, pode, em certas situações, revelar-se pouco consistente ou de difícil aplicação. O traço distintivo entre as duas espécies reside, portanto, na existência de autonomia ou de subordinação jurídica do trabalhador.

Ora os dados essenciais da questão – existência de um «despacho de nomeação», «prestação de tarefas não especificamente identificadas» e «equiparação da situação do nomeado à de um cargo de gabinete» – conjugam-se no sentido de à questão ser dada uma resposta afirmativa.

A «prestação de tarefas não especificamente identificadas» sugere que o objecto do contrato se traduz no desenvolvimento de uma certa actividade genericamente identificada; a «equiparação da situação do nomeado à de um cargo de gabinete» remete para um «lugar do quadro» (com os cuidados que a utilização desta expressão requer no domínio do pessoal dos gabinetes, e dela resulta que a definição da situação do nomeado há-de ficar equiparada, ser idêntica, à do cargo de referência.

Os dados da questão conjugam-se, portanto, no sentido da existência, na situação posta, de uma relação de trabalho subordinado.

12

Resta a terceira questão:

«Em se tratando de prestação de serviço, qualquer que seja a norma autorizadora, a relação jurídica assim constituída é de natureza administrativa ou civil?»

Como se vê, as 2.ª e 3.ª questões estão formuladas em termos de uma dada resposta àquela dispensar a análise e resposta a esta: na verdade, a 3.ª questão pressupõe que se concluiu, quanto à 2.ª, pela verificação de uma situação de prestação de serviços.

Sucede que chegámos à conclusão oposta. Em rigor, portanto, a 3.ª questão deve considerar-se prejudicada pela resposta dada à 2.ª, de que depende, tanto mais que chegámos também à conclusão de que a situação funcional do Lic. Carlos Fernandes, titulada pelos Despachos do Ministro da Cultura n.º 4897/2003 (2.ª série) e n.º 5202/2004 (2.ª série) deve ser considerada uma relação jurídica de emprego público.

Apesar de tudo, não será descabido ponderar essa (3.ª) questão e equacionar os termos em que deverá ser resolvida.

O § 2.º do artigo 815.º do Código Administrativo considerava contratos administrativos «unicamente os contratos de empreitada e de concessão de obras públicas, os de concessão de serviços públicos e os de fornecimento contínuo e de prestação de serviços celebrados entre a Administração e os particulares para fins de imediata utilidade pública».

O conceito de contrato administrativo passou depois para o artigo 9.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais de 1984 (Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril): o n.º 1 definia o contrato administrativo como «o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica de direito administrativo»; e o n.º 2, pondo termo à enumeração taxativa constante do Código Administrativo, referia entre os contratos administrativos, o «de prestação de serviços celebrados pela Administração para fins de imediata utilidade pública».

A noção de contrato administrativo consta hoje do artigo 178.º do Código do Procedimento Administrativo, que continua a adoptar uma definição lata, a par de exemplificação de espécies dessa categoria:
«Artigo 178.º
(Conceito de contrato administrativo)

1. Diz-se contrato administrativo o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa.
2. São contratos administrativos, designadamente, os contratos de:
a) Empreitada de obras públicas;
b) Concessão de obras públicas;
c) Concessão de serviços públicos;
d) Concessão de exploração do domínio público;
e) Concessão de uso privativo do domínio público;
f) Concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar;
g) Fornecimento contínuo;
h) Prestação de serviços para fins de imediata utilidade pública.»

O contrato de prestação de serviços pode revestir as formas de contrato de provimento ou de contrato de transporte ([61]).

O contrato de transporte é «o contrato administrativo pelo qual um particular se encarrega de assegurar a deslocação entre lugares determinados de pessoas ou coisas a cargo da Administração».

O contrato de provimento é «o contrato administrativo pelo qual um particular ingressa nos quadros permanentes da Administração e se obriga a prestar-lhe a sua actividade profissional da acordo com o estatuto da função pública» ([62]).

Sobre o critério do «fim de imediata utilidade pública», utilizado no artigo 815.º, § 2.º, do Código Administrativo, para distinguir entre contratos administrativos e privados de fornecimento contínuo ou de prestação de serviços, escreve Mário Esteves de Oliveira ([63]):

«Para a jurisprudência mais consistente a cláusula “fim de imediata utilidade pública” significaria que tais contratos só são administrativos quando do próprio objecto do contrato faça parte integrante o fim de interesse público, que constitui atribuição da pessoa colectiva da Administração; assim, o contrato com um gabinete técnico particular para a realização dum projecto de engenharia não seria administrativo, porque a prestação tanto pode servir um fim de interesse público como privado.

«Mas o contrato já seria de considerar administrativo se, por exemplo, o Fundo de Fomento da Habitação tivesse como atribuição legal “a de proporcionar os projectos de arquitectura de que necessitam os interessados em construir habitação própria” e um gabinete de arquitectura fosse contratado pela Administração “para fornecer os projectos que o F.F.H. tem que pôr à disposição dos interessados”.

«Pelo que parece ter razão M. CAETANO, quando sublinha que o “fim de imediata utilidade pública” só torna o contrato em administrativo se implicar uma associação duradoura (e especial) do particular à realização do fim público.»

Marcello Caetano ([64]) afirma, na verdade, que «o traço característico do contrato administrativo é a associação duradoura e especial do particular à realização do fim administrativo de tal modo que a sua actividade fique vinculada à regularidade e à continuidade do serviço». E acrescenta:

«Tal vinculação (...) traduz-se na submissão da actividade do particular à direcção dos órgãos da entidade servida.

«Ora essa associação e vinculação não se verificam quando o particular se compromete com a Administração a fazer-lhe unicamente as prestações que lhe sejam solicitadas no exercício da sua livre actividade profissional ou desde logo concretizada nas estipulações contratuais.

«Neste último caso trata-se de prestações concretas e avulsas: a realização de determinado estudo, a elaboração de um projecto de engenharia ou de arquitectura, a produção de uma pintura ou de uma escultura, a redacção de um livro, o lavor de certos materiais...

«Outras vezes prevê-se a solicitação de prestações sucessivas no exercício da profissão liberal: a Administração contrata com um médico o tratamento dos seus agentes que adoecerem, com um advogado o estudo das questões que surgirem ou o patrocínio delas nos tribunais, com um engenheiro a resolução de certos problemas técnicos, civis, mecânicos, electrotécnicos... que venham a aparecer em determinado serviço, inscrevendo-se, assim, entre os seus clientes mediante certa remuneração periódica denominada avença. É claro que o facto do profissional livre ter entre os seus clientes habituais uma ou mais pessoas colectivas de Direito público não tira à profissão liberal o seu carácter, como não confere ao profissional o carácter de agente administrativo, assim como não passa a ser empregado de qualquer outro cliente avençado.»

A este propósito, Sérvulo Correia afirma que «tem razão Marques Guedes quando ensina que um contrato de prestação de serviços se pode revestir de imediata utilidade pública não obstante ser de execução instantânea. Isto não retira, é certo, ao carácter duradouro da associação o valor de um indício, mas não permite que ele seja erigido no próprio critério da imediatividade (x)» ([65]).

A delimitação da fronteira entre o contrato de direito privado e o contrato administrativo continua a deixar à doutrina e à jurisprudência um amplo espaço de debate ([66]).

Os termos do problema foram alterados com a adopção pelo artigo 9.º do ETAF de 1984 e, depois, pelo artigo 178.º do Código do Procedimento Administrativo de um critério aberto de contrato administrativo.

O carácter taxativo da antiga enumeração legal, bem como a exigência de que o particular ficasse associado de forma duradoura e especial à realização do fim administrativo, com submissão à autoridade e direcção dos órgãos da entidade pública contratante, impediram, durante muitos anos, que uma gama muito grande de relações jurídicas pudesse submeter-se a um regime de direito administrativo e fosse, portanto, objecto de discussão contenciosa nos tribunais administrativos.

Todavia, a mudança da definição legal não resolveu o problema, pois o critério de identificação do contrato administrativo pela via da relação jurídica de direito administrativo veio trazer dificuldades de interpretação.

«Esta abertura do critério definidor da competência dos tribunais administrativos em matéria de contratos administrativos coincidiu com uma generalizada tendência para o alargamento, a nível substancial, desta categoria de contratos, de que a doutrina mais actualizada tem dado conta.» ([67])

Sérvulo Correia chama a atenção para uma categoria de contratos, que são os contratos com objecto passível de direito privado, ou seja, aqueles cujo objecto seria em princípio susceptível de ser enquadrado num negócio jurídico – típico ou atípico – celebrado entre os particulares. Para este autor, quando os deveres e direitos pactuados são neutros ou indiferentes, justifica-se «a presunção de que as partes remeteram para a aplicação dos princípios gerais do contrato administrativo. Salvo prova de que a vontade real de ambas as partes era a oposta, partir-se-á do princípio de que celebraram um contrato administrativo.» Na realidade, «nos nossos dias, o Direito geral da Administração é o Direito Administrativo» ([68]).

Apesar desta tendência, uma análise dos mais recentes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal de Conflitos sobre a matéria permite constatar que a Jurisprudência não se vem limitando a aceitar a matriz administrativa do contrato em função da mera presença de um contraente público e de uma qualquer ligação do objecto do contrato a finalidades de interesse público que esse ente prossiga.

Ao contrário, não prescinde de, caso a caso, procurar detectar a presença de marcas de administratividade, de elementos exorbitantes, ou de traços reveladores de uma ambiência de direito público.

Recorde-se que relação jurídica de direito administrativo não é seguramente aquela que simplesmente envolve a Administração, é a que «confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração» ([69])

O critério estatutário pode considerar-se entre nós dominante. Nesta concepção, contrato administrativo é o que «constitui um processo próprio de agir da Administração Pública e que cria, modifica ou extingue relações jurídicas, disciplinadas em termos específicos do sujeito administrativo, entre pessoas colectivas da Administração ou entre a Administração e os particulares» ([70]).

A preferência pelo critério estatutário tem um mérito indiscutível: é que, «trazer para o direito administrativo todos os contratos que tragam marcas – importantes e juspublicisticamente protegidas (específica ou exclusivamente) de administratividade – é a única (proposta) compatível com a imputação constitucional da jurisdição do direito administrativo e dos tribunais administrativos aos tribunais administrativos» ([71]).

Será neste quadro que se deverá analisar a natureza, administrativa ou civil, de concretos contratos de prestação de serviço celebrados pela Administração, que haja necessidade de apreciar.

Se se quiser avançar um pouco mais na caracterização dos contratos de prestação de serviço celebrados no âmbito dos gabinetes ministeriais, com fundamento no disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 262/88, de 23 de Julho, poderá acrescentar-se o seguinte.

Tais contratos, celebrados ao abrigo deste artigo 11.º para apoio técnico aos gabinetes, traduzem-se em prestações avulsas na área considerada e revestem, em tese geral, natureza civil.

Porém, a celebração dos mesmos contratos pressupõe a existência de uma fase pré-contratual, uma fase procedimental de carácter administrativo, no decurso da qual haverá que dar satisfação às exigências da contratação pública.

13

Em face do exposto formulam-se as seguintes conclusões:

1.ª – Os aposentados não podem exercer funções públicas salvo, designadamente, quando exerçam funções em regime de prestação de serviço nas condições previstas na alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º (cf. artigo 78.º do Estatuto da Aposentação);

2.ª – A celebração de contratos de prestação de serviço por parte da Administração está sujeita ao regime de realização de despesas públicas em matéria de aquisição de serviços, estabelecido no Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho (cf. artigos 17.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 41/84, de 3 de Fevereiro, e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho);

3.ª – No âmbito dos gabinetes ministeriais, o recurso à celebração de contratos de prestação de serviço está expressamente previsto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 262/88, de 23 de Junho (regime, composição e orgânica dos gabinetes ministeriais);

4.ª – Os contratos de prestação de serviço celebrados no âmbito dos gabinetes ministeriais estão igualmente sujeitos ao regime estabelecido no Decreto-Lei n.º 197/99);

5.ª – A situação funcional titulada pelos Despachos do Ministro da Cultura n.º 4897/2003 (2.ª série), de 7 de Fevereiro de 2003, e n.º 5202/2004 (2.ª série), de 30 de Janeiro de 2004, configura, na globalidade de todos os seus elementos, uma relação jurídica de emprego público;

6.ª – Assim, os Despachos do Ministro da Cultura n.º 4897/2003 (2.ª série), de 7 de Fevereiro de 2003, e n.º 5202/2004 (2.ª série), de 30 de Janeiro de 2004, são ilegais, por violação do disposto no artigo 78.º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação.





([1]) Despacho do Ministro da Cultura do XV Governo Constitucional de 22 de Junho de 2004.
([2]) Trata-se de Informação de 22 de Junho de 2004, de Assessora do Gabinete do anterior Ministro da Cultura.
([3]) A solicitação foi transmitida pelo ofício n.º 2912, de 29 de Junho, com entrada na Procuradoria-Geral da República no dia imediato.
([4]) Consta do Parecer AJMC-47/04P da Auditora Jurídica no Ministério da Cultura, de 29 de Abril de 2004 – onde se analisa a «situação funcional» de vários «elementos dos Gabinetes» do Ministro da Cultura e do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Cultura, designadamente a do Lic. Carlos Fernandes –, e da já referida Informação de 22 de Junho de 2004, a este restrita.
([5]) Diário da República, II Série, n.º 61, de 13 de Março de 2003.
([6]) Diário da República, II Série, n.º 68, de 21 de Março de 2003.
([7]) Diário da República, II Série, n.º 64, de 16 de Março de 2004.
([8]) Objecto de rectificação no Diário da República, I Série, n.º 227, de 30 de Setembro de 1988.
([9]) Na domínio da interpretação da lei, o elemento sistemático «compreende a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o “lugar sistemático” que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico» (J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1990, p. 182). Sobre a matéria, cf. também José de Oliveira Ascensão, O Direito – Introdução e Teoria Geral, 10.ª edição, Almedina, Coimbra, 1997, p. 403. Do Conselho Consultivo, v., sobre interpretação da lei, por exemplo, os Pareceres n.os 10/91, de 21 de Março de 1991 (Diário da República, II Série, n.º 172, de 28 de Julho de 1992), 61/91, de 14 de Maio de 1992 (Diário da República, II Série, n.º 274, de 26 de Novembro de 1992), 50/96, de 16 de Dezembro de 1997 (Diário da República, II Série, n.º 166, de 21 de Julho de 1998), 26/98, de 24 de Setembro de 1998 (Diário da República, II Série, n.º 279, de 3 de Dezembro de 1998), 357/2000, de 17 de Janeiro de 2002 (Diário da República, II Série, n.º 244, de 22 de Outubro de 2002), e 1/2003, de 13 de Fevereiro de 2003 (Diário da República, II Série, n.º 132, de 7 de Junho de 2003).
([10]) Servem de exemplo despachos referidos na documentação que acompanha o pedido de parecer, proferidos, o primeiro, pelo Ministro da Cultura, o segundo, pelo Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Cultura:
«Despacho n.° 2503/2004 (2.ª Série). – 1 – Ao abrigo do disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 262/88, de 23 de Julho, nomeio (...) para, na qualidade de assessor jurídico, prestar colaboração ao meu Gabinete no processo de reestruturação do Teatro Nacional D. Maria II.
2 – A nomeação é feita pelo período de três meses, renovável por igual período, podendo, contudo, ser revogável a todo o tempo.
3 – A remuneração a processar mensalmente será a equivalente à estabelecida por lei para o cargo de adjunto de gabinete, incluindo subsídio de refeição, bem como o abono de despesas de representação.
4 – Fica o nomeado autorizado a exercer as actividades prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 196/93, de 27 de Maio.
5 – O presente despacho produz efeitos a partir de 5 de Janeiro de 2004.» (Diário da República, II Série, n.º 30, de 5 de Fevereiro de 2004).
«Despacho n.º 2504/2004 (2.ª Série). – 1 – Ao abrigo do disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 262/88, de 23 de Julho, nomeio (...) para, na qualidade de assessora jurídica, prestar colaboração ao meu Gabinete no acompanhamento e participação no processo de transição do Teatro Nacional D. Maria II em sociedade anónima de capitais públicos, designadamente no que se refere à elaboração dos regulamentos necessários ao funcionamento da futura sociedade anónima, cujo diploma legal de transformação jurídica foi recentemente aprovado em Conselho de Ministros.
2 – A nomeação é feita pelo período de três meses, renovável por igual período, podendo, contudo, ser revogável a todo o tempo.
3 – A remuneração a processar mensalmente será equivalente à estabelecida por lei para o cargo de adjunto de gabinete, incluindo subsídio de refeição, bem como abono de despesas de representação.
4 – O presente despacho produz efeitos a partir de 5 de Janeiro de 2004.» (Diário da República, II Série, n.º 30, de 5 de Fevereiro de 2004).
([11]) A modificação da relação jurídica de emprego está regulada no capítulo III do Decreto-Lei n.º 427/89 (artigos 22.º a 27.º), podendo assumir as modalidades de nomeação em substituição (artigo 23.º), nomeação em comissão de serviço extraordinária (artigo 24.º), transferência (artigo 25.º), permuta (artigo 26.º), requisição e destacamento (artigo 27.º).
Esta última disposição estabelece:
«Artigo 27.º
(Requisição e destacamento)
1 – Entende-se por requisição e destacamento o exercício de funções a título transitório em serviço ou organismo diferente daquele a que pertence o funcionário ou agente, sem ocupação de lugar do quadro, sendo os encargos suportados pelo serviço do destino, no caso da requisição, e pelo serviço de origem, no caso do destacamento.
2 – A requisição e o destacamento fazem-se para a categoria que o funcionário ou agente já detém.
3 – A requisição e o destacamento fazem-se por períodos até um ano, prorrogáveis até ao limite de três anos.
4 – Decorrido o prazo previsto no número anterior, o funcionário ou agente regressa obrigatoriamente ao serviço de origem, não podendo ser requisitado ou destacado para o mesmo serviço durante o prazo de um ano.
5 – A requisição e o destacamento não têm limite de duração nos casos em que, de acordo com a lei, as funções só possam ser exercidas naqueles regimes.
6 – À requisição e ao destacamento é aplicável o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 25.º»
([12]) Paulo Veiga e Moura, Função Pública. Regime Jurídico, Direitos e Deveres dos Funcionários e Agentes, 1.º volume, Coimbra Editora, 1999, pp. 452-453.
([13]) Rectificado por Declaração publicada no Diário da República, I Série, de 13 de Janeiro de 1973, e alterado pelos Decretos-Leis n.os 508/75, de 20 de Setembro, 543/77, de 31 de Dezembro, 191-A/79, de 25 de Junho, 75/83, de 8 de Fevereiro, 101/83, de 18 de Fevereiro, 214/83, de 25 de Maio, 182/84, de 28 de Maio, 198/85, de 25 de Junho, 20-A/86, de 13 de Fevereiro, 215/87, de 29 de Maio, pelas Leis n.os 30-C/92, de 28 de Dezembro, e 75/93, de 20 de Dezembro, pelos Decretos-Leis n.os 78/94, de 9 de Março, 180/94, de 29 de Junho, 223/95, de 8 de Setembro, 28/97, de 23 de Janeiro, 241/98, de 7 de Agosto, 503/99, de 20 de Novembro, pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, pelos Decretos-Leis n.os 8/2003, de 18 de Janeiro, e 108/2003, de 4 de Junho, e, por último, pela Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro.
([14]) Redacção do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 215/87, de 29 de Maio. Na redacção anterior, o artigo 78.º dispunha:
«Artigo 78.º
(Incompatibilidades)
1. Os aposentados não podem exercer funções remuneradas ao serviço do Estado, dos institutos públicos, incluindo os organismos de coordenação económica, das províncias ultramarinas, das autarquias locais e das empresas públicas, salvo em regime de mera prestação de serviços, nas condições previstas na alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º e nos demais permitidos pela lei, quer directamente, quer mediante autorização do Conselho de Ministros.
2. A inobservância do disposto no número anterior sujeita solidariamente os responsáveis à reposição do que tiver sido pago pelo exercício das funções, sem prejuízo de procedimento disciplinar.»
([15]) António José Simões de Oliveira, Estatuto da Aposentação Anotado e Comentado, Atlântida Editora, Coimbra, 1973, p. 181.
([16]) José Cândido de Pinho, Estatuto da Aposentação, Almedina, p. 283.
([17]) José Cândido de Pinho, ibid.
([18]) João Alfaia (Conceitos fundamentais do regime jurídico do funcionalismo público, 2.º volume, Livraria Almedina, Coimbra, 1988, p. 1097) defende que a norma que consagra esta excepção «está ferida de inconstitucionalidade por violação do n.º 5 do artigo 115.º da Constituição, na medida em que se atribui a despacho do Primeiro-‑Ministro a possibilidade de integrar a lei – não só relativamente aos casos excepcionais em que o aposentado pode regressar ao exercício de funções públicas como ainda relativamente ao regime jurídico que lhe será aplicável».
([19]) O Tribunal Constitucional, pelo Acórdão n.º 386/91, de 22 de Outubro de 1991 (Diário da República, II Série, n.º 78, de 2 de Abril de 1992), julgou inconstitucional, por violação da alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º, a norma constante do artigo 79.º do Estatuto da Aposentação, «mas somente na medida em que permite que o montante da pensão de reforma percebida por um aposentado, somado ao abono de uma terça parte da remuneração que competir ao permitido desempenho de outras funções públicas por parte do mesmo aposentado, seja inferior ao quantitativo de tal remuneração».
([20]) Sem preocupação de exaustão, é possível identificar os seguintes pareceres: n.º 19/84, de 5 de Abril de 1984, n.º 98/86, de 19 de Fevereiro de 1987; n.º 86/87, de 11 de Fevereiro de 1988; n.º 103/87, de 9 de Fevereiro de 1989 (Diário da República, II Série, n.º 129, de 6 de Junho de 1989); n.º 113/90, de 7 de Março de 1991 (Diário da República, II Série, n.º 196, de 27 de Agosto de 1991), n.º 67/91, de 16 de Janeiro de 1992 (Diário da República, II Série, n.º 116, de 20 de Maio de 1992); n.º 24/96, de 14 de Junho de 1996 (Diário da República, II Série, n.º 80, de 5 de Abril de 1997); n.º 51/97-C, de 30 de Novembro de 2000 (Diário da República, II Série, n.º 166, de 21 de Julho de 2003), e n.º 448/2000, de 14 de Março de 2002 (Diário da República, II Série, n.º 94, de 22 de Abril de 2003).
([21]) Assim, formulou-se no parecer n.º 19/84 a conclusão seguinte: «O Gabinete da Área de Sines não pode celebrar contratos de trabalho a prazo com aposentados ou reformados ao abrigo do Estatuto da Aposentação, salvo mediante autorização do Conselho de Ministros nos casos e termos em que lhe é permitido concedê-la, em conformidade com o n.º 1 do artigo 78.º daquele diploma legal».
([22]) Ponto 5.2 do Parecer n.º 67/91.
([23]) Alterado pelas Leis n.º 30-C/92, de 28 de Dezembro, n.º 25/98, de 26 de Maio, e n.º 23/2004, de 22 de Junho.
([24]) Alterado pelo Decreto-Lei n.º 407/91, de 17 de Outubro, pela Lei n.º 19/92, de 13 de Agosto, pelos Decretos-Leis n.os 175/95, de 21 de Julho, 102/96, de 31 de Julho, e 218/98, de 17 de Julho, e pela Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho.
([25]) Sobre a constituição da relação de emprego público, v. Vital Moreira, Direito Administrativo, guia de estudo, ano lectivo de 1999-2000, pp. 21 e segs.; Paulo Veiga e Moura, ob. cit., pp. 18 e segs.; e Fernanda Maçãs, “A Relação Jurídica de Emprego Público: Tendências Actuais”, Novas Perspectivas de Direito Público, IGAT, Lisboa, !999, pp. 1 e segs. Sobre o mesmo assunto, v., do Conselho Consultivo, os Pareceres n.º 28/99, de 10 de Fevereiro de 1999 (Diário da República, II, Série, n.º 28, de 2 de Fevereiro de 2001), n.º 598/2000, de 15 de Julho de 2001 (Diário da República, II Série, n.º 32, de 7 de Fevereiro de 2002), e n.º 97/2002, de 5 de Dezembro de 2002 (Diário da República, II Série, n.º 57, de 8 de Março de 2001).
([26]) Redacção, em ambos os casos, da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, que aprova o regime jurídico do contrato individual de trabalho da Administração Pública.
([27]) Cf. n.º 2 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 427/89.
([28]) Justamente na redacção da Lei n.º 23/2004.
([29]) O artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 41/84, de 3 de Fevereiro, dispõe:
«Artigo 17.º
Contratos de tarefa e de avença
1 – Os serviços e organismos poderão celebrar contratos de tarefa e de avença sujeitos ao regime previsto na lei geral quanto a despesas públicas em matéria de aquisição de serviços.
2 – O contrato de tarefa caracteriza-se por ter como objecto a execução de trabalhos específicos, de natureza excepcional, sem subordinação hierárquica, não podendo exceder o termo do prazo contratual inicialmente estabelecido, apenas se admitindo aos serviços recorrer a tal tipo de contrato quando no próprio serviço não existam funcionários ou agentes com as qualificações adequadas ao exercício das funções objecto da tarefa e a celebração do contrato de trabalho a prazo certo prevista no Decreto-Lei n.º 280/85, de 22 de Julho, for desadequada.
3 – O contrato de avença caracteriza-se por ter como objecto prestações sucessivas no exercício de profissão liberal, apenas podendo os serviços recorrer a tal tipo de contrato quando no próprio serviço não existam funcionários ou agentes com as qualificações adequadas ao exercício das funções objecto de avença.
4 – Os serviços prestados em regime de contrato de avença serão objecto de remuneração certa mensal.
5 – O contrato de avença, mesmo quando celebrado com cláusula de prorrogação tácita, pode ser feito cessar a todo o tempo por qualquer das partes, com aviso prévio de 60 dias e sem obrigação de indemnizar.
6 – Os contratos de tarefa e avença não conferem ao particular outorgante a qualidade de agente.
7 – Os contratos de tarefa e avença ficam sujeitos a autorização prévia do membro do Governo de que dependa o serviço contratante, a qual poderá ser delegada sem poderes de subdelegação.»
([30]) Tal regime consta presentemente do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, diploma que transpõe para a ordem jurídica interna as Directivas n.os 592/50/CEE, do Conselho, de 18 de Junho, 93/36/CEE, do Conselho, de 14 de Junho, e 97/52/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro, e estabelece o regime de realização de despesas públicas com locação e aquisição de bens e serviços, bem como da contratação pública relativa à locação e aquisição de bens móveis e serviços.
([31]) Veiga e Moura, ob. cit., p. 52. O Autor acrescenta que a diferenciação apontada explica, por exemplo, que «um organismo público que pretenda um parecer jurídico ou um advogado para o defender numa determinada causa se deva socorrer de um contrato de tarefa, enquanto que, se pretender que o mesmo advogado lhe preste apoio na resolução dos problemas jurídicos que diariamente se fazem sentir, já o contrato a celebrar deve ser de avença.
«Só perante a situação concreta, e tendo presente o tipo e a natureza do serviço que se quer assegurar, é que deve ser determinado qual o contrato de prestação de serviços a celebrar.»
([32]) Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10.ª Edição, 4.ª Reimpressão, Tomo II, Livraria Almedina, Coimbra, 1991, p. 672.
([33]) Cf. Marcello Caetano, ob. e vol. cits., p. 673; e Ana Fernanda Neves, Relação Jurídica de Emprego Público, Coimbra Editora, 1999, pp. 23 e 193.
([34]) Ana Fernanda Neves, Relação Jurídica..., cit., pp. 22-23.
([35]) Diário da República, II Série, n.º 195, de 19 de Agosto de 2004.
([36]) Seguimos neste ponto de perto, por vezes textualmente, o Parecer n.º 5/2004, ponto VI, 3 e 4.
([37]) Aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 15/2003 (Diário da República, I Série-A, n.º 250, de 28 de Outubro de 2003).
([38]) É a seguinte a noção constante do artigo 10.º do Código do Trabalho:
«Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas.»
([39]) Mário Pinto/Pedro Furtado Martins/António Nunes de Carvalho, Comentário às Leis do Trabalho, Vol. I, Edições Lex, Lisboa, 1994, p. 23. Sobre a noção e características do contrato de trabalho, v. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume II, 3.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, 1986, p. 697; Bernardo Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, 2.ª edição, Verbo, p. 284 e segs., e “Contrato de Trabalho”, Polis, I, Verbo, p. 1270 e segs., António Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 1991, p. 517, Pedro Romano Martinez, “Trabalho subordinado e trabalho autónomo”, em Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, vol. I, Almedina, 2001, p. 271.
([40]) Mário Pinto et allii, ob. cit., pp. 23-24.
([41]) Bernardo Lobo Xavier, “Contrato de Trabalho”, cit., p. 1270.
([42]) Inocêncio Galvão Telles, “Contratos Civis (Projecto completo de um título do futuro Código Civil Português e respectiva exposição de motivos)”, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 83, p. 166. Cf. também Mário Frota, Contrato de Trabalho I – Afinidades institucionais e recorte conceitual, Coimbra Editora, Limitada, 1978, pp. 31-36.
([43]) Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 10.ª edição, Almedina, Coimbra, 1998, p. 121.
([44]) Monteiro Fernandes, ob. cit., p. 121.
([45]) Cf. Menezes Cordeiro, ob. cit., p. 533.
([46]) Cf. Mário Pinto et allii, ob. cit., p. 28.
([47]) A temática do trabalho subordinado e do trabalho autónomo, da natureza jurídica do contrato individual de trabalho e sua distinção com o contrato de prestação de serviço tem sido também apreciada pelo Conselho Consultivo – v., entre outros, os Pareceres n.º 6/81, de 28 de Maio de 1981 (Diário da República, II Série, n.º 45, de 24 de Fevereiro de 1982); n.º 36/85, de 30 de Maio de 1985; n.º 31/86, de 3 de Julho de 1986, homologado mas não publicado; n.º 57/89, de 12 de Julho de 1989 (Diário da República, II Série, n.º 253, de 3 de Novembro de 1989); n.º 14/91, de 11 de Abril de 1991; e n.º 11/97, de 29 de Janeiro de 1998.
([48]) Monteiro Fernandes, ob. cit., p. 132.
([49]) Romano Martinez, loc. cit., p. 281.
([50]) Autor e loc. cits. O artigo 5.º, n.º 2, da LCT corresponde, com pequenas alterações, ao artigo 112.º do Código do Trabalho, que se transcreve:
«A sujeição à autoridade e direcção do empregador por força da celebração de contrato de trabalho não prejudica a autonomia técnica inerente à actividade para que o trabalhador foi contratado, nos termos das regras legais ou deontológicas aplicáveis.»
([51]) Idem, ibidem. Estas situações têm sido examinadas com frequência nos tribunais: cf., por ex., os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Junho de 1976, de 4 de Dezembro de 1981, de 3 de Outubro de 1986, de 26 de Setembro de 2001, publicados, respectivamente, em Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, ano XV, Outubro de 1976, n.º 178, p. 1306, ano XXI, Fevereiro de 1982, n.º 242, p. 252, ano XXV, Dezembro de 1986, n.º 300, p. 1584, e ano XLI, Maio de 2002, n.º 485, p. 750; cf. também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Fevereiro de 2002, disponível nas Bases Jurídico-Documentais do ITIJ.
([52]) Sobre esta matéria, cf. Monteiro Fernandes, ob. cit., p. 133; Menezes Cordeiro, ob. cit., p. 535; Romano Martinez, “Trabalho subordinado...”, cit., pp. 288-292; e Bernardo Lobo Xavier, Curso..., cit., pp. 302-303. Na jurisprudência, vide, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Abril de 1988, de 23 de Maio de 2001, e de 26 de Setembro de 2001, já citado, publicados, respectivamente, em Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, ano XXVII, Junho de 1988, n.º 319, p. 1004, ano XLI, Março de 2002, n.º 483, p. 427, e ano XLI, Maio de 2002, n.º 485, p. 750. Cf. também os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Fevereiro de 2002, já citado, e de 17 de Fevereiro de 2004, disponíveis nas Bases Jurídico-Documentais do ITIJ.
([53]) Cf. Menezes Cordeiro, ob. cit., p. 536.
([54]) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29 de Novembro de 1988, processo n.º 23 881 (Apêndice ao Diário da República, de 23 de Julho de 1994, p. 5629).
([55]) Cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 5 de Dezembro de 1995, processo n.º 37 780 (Apêndice ao Diário da República, de 30 de Abril de 1998, p. 9595), e de 9 de Dezembro de 1998 (Pleno), processo 44281 (Apêndice ao Diário da República, de 12 de Abril de 2001, p. 1453).
([56]) Acórdão de 5 de Maio de 1998 (Apêndice ao Diário da República, de 26 de Abril de 2002, p. 3017, também publicado nos Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 11, pp. 50-55, com anotação de Francisco Liberal Fernandes, adiante citada), em formulações retomadas no já referido Acórdão de 9 de Dezembro de 1998.
([57]) Francisco Liberal Fernandes, “Relação de emprego público versus contrato de avença: critérios de qualificação. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (1.ª Secção) de 2.4.1998. P. 43 335. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (1.ª Secção) de 5.5.1998, P. 43 338”, em Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 11, Setembro/Outubro 1998, p. 45 e segs.
([58]) Ana Fernanda Neves, “Contratos de trabalho a termo certo e contratos de prestação de serviços na administração pública – situações irregulares – «reintegração» (Comentário à sentença do Tribunal do Trabalho do Círculo de Cascais, de 95-06-30, proferida nos autos do proc. n.º 390/94 – APC, sob a forma sumária, em que são Autor «X» e Réu o Estado Português)”, em Questões Laborais, Ano II, n.º 6, 1995, pp. 175-‑176. Na anotação a Autora critica as pronúncias de tribunais do trabalho de reintegração de indivíduos contratados a termo, mas reconhece a existência, na Administração Pública, de situações anómalas, como a manutenção de contratos de trabalho a termo em desarmonia com os preceitos legais e de «falsos» contratos de prestação de serviços. Também Fernanda Maçãs (loc. cit., p. 20) refere, a este propósito, que o «fenómeno da precariedade do emprego público é alimentado pelo facto de, na prática, se assistir à celebração de contratos de prestação de serviços que encobrem trabalho subordinado».
([59]) Despacho do Ministro da Cultura do XV Governo Constitucional de 22 de Junho de 2004.
([60]) Supra, ponto 4.
([61]) Marcello Caetano, Manual..., cit, 10.ª edição, vol. I, p. 584; e José Manuel da S. Santos Botelho/Américo Joaquim Pires Esteves/José Cândido de Pinho, Código do Procedimento Administrativo, 4.ª edição, p. 903.
([62]) Diogo Freitas do Amaral, Direito Administrativo, volume III, Lisboa, 1989, pp. 447-‑448.
([63]) Direito Administrativo, volume I, Almedina, Coimbra, 1980, p. 648.
([64]) Ob. e vol. cits., pp. 585-586.
«(x) Escreve Marques Guedes: “...a verdade é que o fim de imediata utilidade pública pode em muitos casos ser alcançado através de uma prestação única e justificar-se a sujeição a regime diverso do estabelecido pelo Direito Comum. Pense-se, por exemplo, na elaboração de um plano de urbanização, cometida a um especialista de nomeada. Há uma única prestação, a realizar por uma só vez: a elaboração e entrega do plano. E nenhuma razão oculta na lei força a Administração a contratar segundo as regras do Direito civil, quando a utilidade pública do plano encomendado é justamente evidente e imediata.
«Reconhecemos por tudo isto ser duvidoso que o contrato de prestação de serviços tenha de originar sempre (sob pena de não merecer a qualificação de administrativo} uma forma de cooperação continuada entre o outro contraente e a Administração». Cfr. Estudos de Direito Administrativo, 82.»
([65]) José Manuel Sérvulo Correia, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Livraria Almedina, Coimbra, 1987, p. 386.
([66]) Seguimos de ora em diante, de perto, o Acórdão do Tribunal de Conflitos de 9 de Março de 2004, disponível em http://.dgsi.pt.jsta.
([67]) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Julho de 1994 (Apêndice ao Diário da República, p. 5801), que neste passo, remete para Sérvulo Correia, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Livraria Almedina, Coimbra, 1987, Maria João Estorninho, Requiem pelo Contrato Administrativo, Livraria Almedina, Coimbra, 1990, e, por último, José Casalta Nabais, Contratos Fiscais (Reflexões acerca da sua Admissibilidade), Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Studia Ivridica, n.º 5, Coimbra Editora, Coimbra, 1994, em especial pp. 64-84.
([68]) Legalidade..., cit., pp. 403-406. Este entendimento é por diversas vezes citado em acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, como os de 25 de Janeiro de 2001, processo n.º 46 798, e de 7 de Março de 2001, processo n.º 46 049.
([69]) Freitas do Amaral, Direito Administrativo, volume III, Lisboa, 1989, pp. 439-40.
([70]) Sérvulo Correia, ob. cit., p. 396.
([71]) Mário Esteves de Oliveira e outros, Código do Procedimento Administrativo Comentado, volume II, p. 341.