Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00003291
Parecer: P000192014
Nº do Documento: PPA10072014001900
Descritores: JOGOS DE FORTUNA OU AZAR
MONOPÓLIO ESTATAL
CASINO
ZONAS DE JOGO PERMANENTE OU TEMPORÁRIO
CONCESSÃO
PROTEÇÃO CONCORRENCIAL
EXPLORAÇÃO DE JOGO
JOGOS NÃO BANCADOS
MÁQUINA DE JOGO
Livro: 00
Numero Oficio: 1736
Data Oficio: 04/30/2014
Pedido: 05/02/2014
Data de Distribuição: 05/02/2014
Relator: PAULO DÁ MESQUITA
Data da Votação: 07/10/2014
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: SET
Entidades do Departamento 1: SECRETÁRIO DE ESTADO DO TURISMO
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 08/04/2015
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 25-08-2015
Nº do Jornal Oficial: 166
Nº da Página do Jornal Oficial: 24528
Indicação 2: ASSESSORA. SUSANA PIRES
Área Temática:DIR ADMIN
Ref. Pareceres:P000972005Parecer: P000972005
P000212011Parecer: P000212011
P000352012Parecer: P000352012
P000341984Parecer: P000341984
P000041996Parecer: P000041996
P000141997Parecer: P000141997
P000662005Parecer: P000662005
P000422010Parecer: P000422010
P000472007Parecer: P000472007
P000182013Parecer: P000182013
Legislação:DL 422/89 DE 1989/12/02 ART3 N1, N3, ART4, ART7 N3; DL 10/95 DE 1995/01/19; L 28/2014 DE 2014/07/16; L 40/2005 DE 2005/02/17; L 64-A/2008 DE 2008/12/31; DL 114/2011 DE 2011/11/30; DL 274/84 DE 1984/08/09 ART4; DL 31/2011 DE 2011/03/04 ART6 N1 E N3; DEC REG 1/95 DE 1995/01/19 ART12; DL 274/88 DE 1988/08/03 ART4; DL 274/84 DE 1984/08/09 ART4; DEC REG 81/80 DE 1980/12/017; DL 229/2000 DE 2000/09/23 ART3 N2; DEC REG 30/99 DE 1999/12/20 ART15; DL 15/2003 DE 2003/01/30 ART1; DIRECTIVA 2014/23/EU
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:AC TC 869/96; AC SCHINDLER
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Texto Integral:




Senhor Secretário de Estado do Turismo
Excelência:



I. RELATÓRIO

O presente processo iniciou-se com a entrada na Procuradoria-Geral da República de solicitação de parecer ao Conselho Consultivo, formulada por Sua Excelência o Senhor Secretário de Estado do Turismo, em que o assunto foi identificado nos seguintes termos: «Pedido de emissão de parecer sobre a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos casinos, a que se refere o artigo 7.º Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro (Lei do Jogo)»[1].
Cumpre emitir parecer.
II. Fundamentação
§ II.1 Objeto do parecer e enquadramento metodológico
O objeto do parecer encontra-se estabelecido na parte final do texto[2] que fundamenta a consulta:
«Em face do exposto, solicita-se a V. Exa. que, ao abrigo do disposto nas alíneas d) e e) do artigo 10.º e nas alíneas a) e c) do artigo 37.º do Estatuto do Ministério Público, o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República se pronuncie sobre a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos casino ao abrigo do disposto no artigo 7.º da Lei do Jogo e, concretamente, sobre:
«1) Em que termos, e a que concessionária, pode ser concedido o direito de exploração previsto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 7.º da Lei do Jogo, tendo em conta o disposto no n.º 3 do mesmo artigo e o exclusivo territorial das concessionárias, decorrente da aplicação do n.º 3 do artigo 3.º da Lei do Jogo?
«2) A admissibilidade legal da autorização da exploração de máquinas de jogos de fortuna ou azar, ao abrigo do n.º 2 do artigo 7.º da Lei do Jogo, presume ou impõe, e em caso afirmativo qual, um limite ao número de máquinas de fortuna e azar a instalar fora dos casinos, sobretudo por referência ao número de máquinas instaladas no seu interior?»
A delimitação do âmbito da consulta tem de respeitar os termos das questões colocadas. Já o enquadramento jurídico dos problemas suscitados será da responsabilidade do Conselho Consultivo, de acordo com uma matriz conformada pelos princípios da legalidade e objetividade.
As questões apresentadas na consulta não se relacionam com especulações jurídicas mas com o exercício de competências estaduais de órgãos concretos.
Importa reiterar as considerações formuladas no parecer n.º 45/2012, de 15 de janeiro de 2013[3], que se aplicam ao presente:
«O Conselho Consultivo pode ser convocado, no exercício de função consultiva facultativa, para se pronunciar sobre condições de ação que podem envolver a sistematização de regras advenientes da interpretação jurídica da lei trabalhando sobre dados de facto ligados ao passado, supondo muitas vezes um prévio trabalho teórico de natureza jurídica que, contudo, não afasta a exclusividade da responsabilidade do decisor quanto a eventuais opções precetivas suportadas no parecer.
«Daí que a entidade consulente, quando os pareceres não são obrigatórios nem vinculativos, assuma um papel insubstituível de redução da complexidade em dois momentos em que decide com plena independência:
(1) Ao estabelecer o objeto da pronúncia sobre uma determinada questão técnica;
(2) Ao extrair as consequências, após o parecer, da opinião expendida em termos de medidas com impacto na ordem jurídica.
«Isto é, o exercício da função consultiva envolve mecanismos de responsabilizações múltiplas, do próprio órgão consultivo através das suas estruturas argumentativas e corolários extraídos das mesmas, e do consulente ao estabelecer o objeto daquela pronúncia exclusivamente técnica em que, para empregar as palavras de Luhmann, se estabelece um território em que “a extensão e a coordenação das diversas responsabilidades não podem ser realizadas isoladamente sem considerar o contexto estrutural e programático da atividade decisória”.
«Nessa medida, o parecer não pode abrir-se a múltiplos universos epistemológicos sem específica delimitação de uma pergunta sobre concretizadas questões jurídicas, que são as únicas sobre as quais podem incidir os pareceres facultativos do Conselho Consultivo. Interrogações que têm implicadas possibilidades abstratas de mais do que uma solução, daí a dúvida que determina a solicitação de parecer. Existe, assim, um esquema insuperável de problema / solução em que a identificação do problema jurídico numa fase primária, em que se estabelecem balizas inequívocas sobre o objeto da consulta, é uma responsabilidade do consulente.
«Como se destacou no parecer n.º 4/1992 - Complementar B, de 21-9-2000, as diferentes aceções da função consultiva, mesmo quanto a órgãos consultivos que não estão vinculados a pronunciar-se apenas sobre os aspetos estritamente jurídicos, compreendem uma destrinça de responsabilidades funcionais entre entes, consulente e consultivo, centradas na delimitação do respetivo objeto.
«Acresce que as funções consultivas da Procuradoria-Geral da República integram-se numa linhagem com precedentes na atribuição ao Conselho de Estado (criado pela Carta Constitucional de 1826) de funções consultivas em 1850 e na conversão em 1870 da ala administrativa desse órgão do Estado “no Supremo Tribunal Administrativo, mas com supressão das funções consultivas”.
«Enquadramento que implica a restrição do parecer aos aspetos jurídicos previamente identificados ou decorrentes do tratamento daqueles, excluindo dimensões político-administrativas ou financeiras sobre fins e objetivos.»
Existe, assim, uma clara componente funcional no que concerne a pareceres do Conselho Consultivo que, de acordo com o n.º 1 do artigo 43.º do Estatuto do Ministério Público (EMP), incidam «sobre disposições de ordem genérica», os quais sendo homologados passarão a valer «como interpretação oficial, perante os respetivos serviços, das matérias que se destinam a esclarecer». Prevendo-se, no caso de o «objeto da consulta interessar a dois ou mais Ministérios que não estejam de acordo com a homologação do parecer» que a decisão compete ao Primeiro-Ministro (n.º 2 do artigo 43.º do EMP).
A competência decisória sobre a atividade regulamentar enquadrada pelas normas objeto das dúvidas jurídicas é da entidade consulente e este órgão consultivo apenas se deve pronunciar sobre disposições de ordem genérica em matéria de legalidade cuja apreciação lhe foi solicitada, já que se trata de um parecer facultativo que deve apenas incidir sobre «as questões indicadas na consulta», atentas as disposições dos artigos 37.º, alínea a) e 43.º, n.º 1, do EMP conjugadas com as dos artigos 98.º, n.º 1, e 99.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo (CPA).
Nessa medida, não se vai empreender qualquer abordagem exaustiva de condições de ação governamental no domínio objeto da consulta que não tenham sido expressamente solicitadas pela entidade consulente ou que não estejam necessariamente implicadas nas questões colocadas a este órgão consultivo.
Vinculação temática à abordagem das questões colocadas na consulta sustentada em razões materiais de fundo. Tendo o parecer sido solicitado pelo Governo e relacionando-se com matérias relativas a competência do executivo, a abordagem empreendida por este Conselho deve cingir-se à matéria objeto da consulta, não podendo incidir em campos relativos ao exercício da função administrativa nem legislativa que não se encontrem diretamente abrangidos pelas questões colocadas, plano em que este ente consultivo não tem legitimidade para uma proatividade sem prévia solicitação do Governo[4].
Vertentes com dimensão constitucional, desde logo, ao nível do artigo 2.º da Constituição onde, após a revisão de 1997, como destacam Gomes Canotilho e Vital Moreira, se «incluiu expressamente o princípio da separação e interdependência dos poderes como princípio fundamental constitutivo do estado de direito democrático»[5]. Como também referem os aludidos autores:
«A separação e interdependência permitem definir competências separadas, controlos mútuos e garantias de defesa dos direitos fundamentais. A imbricação das duas dimensões – democrática e de estado de direito – no princípio da separação e interdependência radica nas ideias básicas inerentes à fundamentalidade deste princípio: exercício adequado e não arbitrário do poder, racionalização do esquema organizatório do poder, controlo recíproco de poderes, limite de poderes. Dito por outras palavras: o princípio fundamental da separação e interdependência de poderes desempenha uma pluralidade de funções constitucionais: função de medida, função de racionalização, função de controlo e função de proteção.»
A estrutura do parecer vai ser determinada pelo escopo da consulta e elementos disponibilizados ao Conselho Consultivo, desdobrando-se pelas seguintes partes:
§ II.2 Sinopse do regime jurídico sobre exploração de jogos fora dos casinos por ocasião de manifestações de relevante interesse turístico ou em localidades em que a atividade turística for predominante
§ II.3 A «proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo»
§ II.4 A proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo e as autorizações para exploração de jogos não bancados e máquinas de fortuna ou azar fora de casinos
§ II.5 A regulação legal do número de máquinas de jogos de fortuna ou azar que podem ser instaladas em estabelecimentos hoteleiros ou complementares em localidades em que a atividade turística for predominante
Depois da fundamentação, serão enunciadas as conclusões do parecer visando responder às questões colocadas na consulta.
§ II.2 Sinopse do regime jurídico sobre exploração de jogos fora dos casinos por ocasião de manifestações de relevante interesse turístico ou em localidades em que a atividade turística for predominante
§ II.2.1 O presente parecer tem como tema os jogos de fortuna ou azar cujo regime jurídico vigente em Portugal apresenta como momento histórico de rotura o início do segundo quartel do século XX, por via do Decreto n.º 14 643, de 3 de dezembro de 1927, que, decorrido cerca de um ano e meio sobre a queda da I República, em detrimento da proibição absoluta passou a admitir a exploração de jogos de fortuna ou azar, em regime de concessão, em determinadas áreas territoriais qualificadas como zonas de jogo[6].
Como se refere no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de janeiro, os regimes legais sobre os jogos de fortuna ou azar em Portugal, desde o diploma charneira de 1927, apresentam-se conformados por uma «postura pragmática, nos termos da qual, dada a impossibilidade de reprimir efetivamente todas as manifestações daquele fenómeno, é preferível autorizá-lo e dar-lhe um enquadramento estrito, suscetível de assegurar a honestidade do jogo e de trazer alguns benefícios para o sector público».
Ideia de interesse público que está, aliás, na génese do regime de monopólio estatal da autorização de diferentes modalidades de exploração de jogos de fortuna ou azar. Com efeito, a aprovação em 1927 de um regime de monopólio estatal não está associada a uma alteração de conceção estatal sobre os malefícios dos jogos de fortuna ou azar, mas à necessidade de o regular e de fazer reverter para o Estado benefícios da respetiva exploração, em especial num quadro de graves dificuldades financeiras como as que eram vividas por Portugal em 1927[7].
O conceito legal de jogos de fortuna ou azar reporta-se a jogos «cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte»[8].
Atualmente, a matéria objeto do parecer tem como base normativa nuclear os artigos 3.º e 7.º da Lei do Jogo, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro[9].
O artigo 3.º, com a epígrafe Zonas de jogo, dispõe:
«1 - A exploração e a prática dos jogos de fortuna ou azar só são permitidas nos casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporárias criadas por decreto-lei ou, fora daqueles, nos casos excecionados nos artigos 6.º a 8.º
«2 - Para efeitos de exploração e prática de jogos de fortuna ou azar, haverá zonas de jogo nos Açores, no Algarve, em Espinho, no Estoril, na Figueira da Foz, no Funchal, em Porto Santo, na Póvoa de Varzim, em Tróia e em Vidago-Pedras Salgadas[10].
«3 - A distância mínima de proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo será estabelecida, caso a caso, no decreto regulamentar que determinar as condições de adjudicação de cada concessão.
«4 - Mediante autorização do membro do Governo da tutela, ouvida a Inspeção-Geral de Jogos, poderão as concessionárias das zonas de jogo optar pela exploração do jogo do bingo em salas com os requisitos regulamentares, em regime igual ao dos casinos, mas fora destes, desde que sejam situadas na área do município em que estes se achem localizados.»
Do artigo 3.º sobre as zonas de jogo resulta, assim, um regime dual de jogos de fortuna ou azar que podem ser explorados em casinos em que:
1. Em termos gerais, a exploração e a prática dos jogos de fortuna ou azar apenas são permitidas nos casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporário criadas por decreto-lei;
2. Admite-se que seja autorizada a exploração e a prática de jogos de fortuna ou azar fora de casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporário em quatro categorias de casos:
2.1. A exploração e prática de quaisquer jogos de fortuna ou azar a bordo de aeronaves ou navios registados em Portugal, quando fora do território nacional (artigo 6.º da Lei do Jogo);
2.2 A exploração e prática de jogos não bancados por ocasião de manifestações de relevante interesse turístico (artigo 7.º, n.º 1, da Lei do Jogo);
2.3 A exploração e prática de jogo em máquinas de fortuna ou azar em estabelecimentos hoteleiros sitos em localidades em que a atividade turística for predominante (artigo 7.º, n.º 2, da Lei do Jogo);
2.4 A exploração e a prática do jogo do bingo em salas próprias fora das áreas dos municípios em que se localizem os casinos e dos que com estes confinem (artigo 8.º da Lei do Jogo).
As perguntas objeto do parecer circunscrevem-se à problemática das duas categorias enunciadas nos pontos 2.2 e 2.3 sobre jogos de fortuna ou azar permitidos fora de casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporário criadas por decreto-lei.
O objeto do parecer delimitado pela entidade consulente tem como eixo a interpretação das normas que regulam as condições de autorização:
1) Da exploração de jogos não bancados fora dos casinos por ocasião de manifestações de relevante interesse turístico.
2) Da exploração e prática do jogo em máquinas de fortuna ou azar em estabelecimentos hoteleiros ou complementares em localidades em que a atividade turística for predominante.
Matéria regulada pelo artigo 7.º da Lei do Jogo que, com a epígrafe Exploração fora dos casinos de jogos não bancados e de máquinas de jogo, prescreve:
«1 - Por ocasião de manifestações de relevante interesse turístico, ouvidas a Inspeção-Geral de Jogos e a Direcção-Geral do Turismo, pode o membro do Governo da tutela autorizar a exploração e a prática fora dos casinos de jogos não bancados.
«2 - Em localidades em que a atividade turística for predominante, pode o membro do Governo da tutela, ouvidas a Inspeção-Geral de Jogos e a Direcção-Geral do Turismo, autorizar a exploração e a prática do jogo em máquinas de fortuna ou azar em estabelecimentos hoteleiros ou complementares, com características e dimensão que forem fixadas por decreto regulamentar.
«3 - As autorizações referidas nos números anteriores só podem ser concedidas à concessionária da zona de jogo cujo casino, em linha reta, se situar mais perto do local onde tiver lugar a exploração, independentemente do estabelecido no n.º 3 do artigo 3.º.
«4 - A exploração e a prática dos jogos nas condições indicadas nos números anteriores obedecem às regras estabelecidas para a sua realização em casinos, fixando-se em portaria as condições específicas a que devem obedecer.»
A compreensão das coordenadas gerais do regime legal sobre exploração fora dos casinos de jogos não bancados e de máquinas de jogo exige que se cruze as especificidades dos contextos espaciais particulares (fora dos casinos) com a dimensão relativa à tipologia de jogos (jogos não bancados e máquinas de jogo). Com efeito, o regime estabelecido nos números 1 e 2 do artigo 7.º da Lei do Jogo reporta-se a duas categorias específicas de jogos de fortuna e azar delimitadas no artigo 4.º, n.º 1 da Lei do Jogo:
1- Jogos não bancados: bacará chemin de fer, bacará de banca aberta, écarté e bingo (artigo 4.º, n.º 1, alínea e), da Lei do Jogo);
2- Jogos em máquinas pagando diretamente prémios em fichas ou moedas e jogos em máquinas que, não pagando diretamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte (artigo 4.º, n.º 1, alíneas f) e g), da Lei do Jogo).
§ II.2.2.1 A compreensão do regime jurídico sobre exploração fora dos casinos de jogos não bancados e de máquinas de jogo exige que se integre o contexto espacial do desenvolvimento de determinadas atividades de jogo com uma componente material sobre categorias de jogos.
O âmbito da reserva de jogo nos casinos das zonas de jogo é estabelecido pela articulação dos artigos 3.º, n.º 1, 7.º, n.ºs 1 e 2, e 8.º com o artigo 4.º da Lei do Jogo que, com a epígrafe Tipos de jogos de fortuna ou azar, determina:
«1 - Nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente, dos seguintes tipos de jogos de fortuna ou azar:
«a) Jogos bancados em bancas simples ou duplas: bacará ponto e banca, banca francesa, boule, cussec, écarté bancado, roleta francesa e roleta americana com um zero;
«b) Jogos bancados em bancas simples: black-jack/21, chukluck e trinta e quarenta;
«c) Jogos bancados em bancas duplas: bacará de banca limitada e craps;
«d) Jogo bancado: keno;
«e) Jogos não bancados: bacará chemin de fer, bacará de banca aberta, écarté e bingo;
«f) Jogos em máquinas pagando diretamente prémios em fichas ou moedas;
«g) Jogos em máquinas que, não pagando diretamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
«2 - É permitido às concessionárias adotar indiferentemente bancas simples ou duplas para a prática de qualquer dos jogos bancados referidos na alínea a) do n.º 1 deste artigo.
«3 - Compete ao membro do Governo da tutela autorizar a exploração de novos tipos de jogos de fortuna ou azar, a requerimento das concessionárias e após parecer da Inspeção-Geral de Jogos.»
A norma consagrada no artigo 4.º da Lei do Jogo regula, assim, os jogos de fortuna ou azar cuja exploração é autorizada nos casinos.
O contexto dos casinos das zonas de jogo apresenta-se como um ponto de referência para estabelecimento de tipologias sobre espaços em que se pode desenvolver a exploração e prática jogos de fortuna ou azar no território nacional[11]. A ordem jurídica portuguesa tem subjacentes três categorias de jogos no que concerne ao referente espacial admissível no território nacional:
1- Jogos de fortuna ou azar cuja exploração e prática é objeto de uma reserva absoluta ao contexto dos casinos das zonas de jogo: Jogos bancados em bancas simples ou duplas: bacará ponto e banca, banca francesa, boule, cussec, écarté bancado, roleta francesa e roleta americana com um zero; Jogos bancados em bancas simples: black-jack/21, chukluck e trinta e quarenta; Jogos bancados em bancas duplas: bacará de banca limitada e craps; Jogo bancado: keno;
2- Jogos de fortuna ou azar cuja exploração e prática em casinos das zonas de jogo é objeto de uma reserva relativa podendo em determinadas condições ser explorados fora dos casinos: Jogos não bancados: bacará chemin de fer, bacará de banca aberta, écarté e bingo; Jogos em máquinas pagando diretamente prémios em fichas ou moedas; Jogos em máquinas que, não pagando diretamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte;
3- Jogos cuja exploração e prática é autónoma do contexto dos casinos das zonas de jogo, os jogos de apostas mútuas hípicas[12] e os designados como jogos sociais[13] — que, como salienta Luís Silva Morais, constitui uma área global abrangendo lotarias e apostas mútuas com uma «expansão contínua» geradoras de «um esbatimento da distinção essencial originariamente estabelecida» relativamente aos jogos de fortuna e azar, detidos em exclusivo pelo Estado e objeto de concessões a entidades privadas[14], daí que se fale de «uma erosão dos critérios gerais de delimitação»[15]. Aliás, este Conselho no parecer 97/2005, de 30-11-2005, já tratou as apostas mútuas desportivas, em particular, e os jogos sociais em geral, como modalidades de jogos de fortuna ou azar[16].
Acrescente-se que as fronteiras entre os jogos de fortuna ou azar associados aos casinos e os jogos sociais são fluidas, mesmo tendo por referência o critério comum de destrinça entre jogo e aposta no sentido de que em ambos há um elemento aleatório, no jogo em sentido estrito, uma parte ganhará e a outra perderá, em virtude de uma ação competitiva ou de pura sorte regida por regras determinadas, e na aposta o resultado deriva de uma escolha, errando ou acertando na previsão ou na verdade de um facto[17].
Isto é, à partida as concessões relativas às zonas de jogo não compreendem um exclusivo, na área da respetiva zona de jogo, da exploração de todos os jogos legalmente admissíveis suscetíveis de preencher as características de jogos de fortuna ou azar, mas exclusivamente dos tipos de jogos de fortuna ou azar cuja exploração é reservada aos casinos[18].
Quanto aos jogos reservados aos casinos podem identificar-se uma reserva absoluta e outra relativa, isto é, jogos que apenas podem ser explorados e praticados nos casinos e outros que, verificadas determinadas circunstâncias, também podem desenvolver-se noutros espaços. O que transpondo para as categorias conceptuais dos contratos de concessão exige que se atenda à natureza específica da concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar com «afinidades consideráveis» e «diferenças importantes», na expressão de Diogo Freitas do Amaral e Lino Torgal, relativamente às «duas concessões “clássicas” — porque objeto de vasta regulamentação legislativa e atenção doutrinal —, quais sejam, a concessão de serviços públicos e a concessão de obras públicas»[19].
§ II.2.2.2 Os contextos espaciais alternativos para a exploração no território nacional de jogos objeto de reserva relativa são três:
1) Salas de jogos não bancados fora dos casinos por ocasião de manifestações de relevante interesse turístico;
2) Estabelecimentos hoteleiros ou complementares em localidades em que a atividade turística for predominante;
3) Salas próprias de jogo do bingo.
Das três categorias referidas, apenas a exploração no território nacional continental em salas de jogo do bingo se encontra regulamentada para além do que se encontra previsto na Lei do Jogo (cf. infra § II.2.2.3).
Três contextos espaciais em que se podem explorar jogos de fortuna ou azar fora dos casinos relacionados com tipologias de jogos objeto da reserva relativa aos casinos, que, tendo por referência a tipologia de jogos, compreendem:
1) Jogos não bancados (bacará chemin de fer, bacará de banca aberta, écarté e bingo) que podem ser explorados e praticados em salas fora dos casinos por ocasião de manifestações de relevante interesse turístico;
2) Jogos em máquinas pagando diretamente prémios em fichas ou moedas e que não pagando diretamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte que podem ser explorados e praticados e estabelecimentos hoteleiros ou complementares em localidades em que a atividade turística for predominante;
3) Jogo do bingo, um jogo não bancado de fortuna ou azar, que, além dos casinos, pode ser explorado e praticado em salas próprias de jogo do bingo.
Importará atentar nas variáveis distintivas dos jogos objeto de reserva absoluta ou de reserva relativa, começando pelos vizinhos jogos bancados e não bancados. Pode dizer-se que nos jogos bancados o concessionário joga contra os jogadores, isto é, há «uma situação sinalagmática de reciprocidade aleatória perfeita, em que o “banqueiro” de um lado e cada um dos jogadores do outro, jogam um contra cada um dos outros e vice-versa, ou seja, o banqueiro joga contra todos e todos, de “per se”, jogam contra o “banqueiro”»[20]. Já nos jogos não bancados «a entidade que disponibiliza e executa o jogo fá-lo exclusivamente para os jogadores em presença, sem estar sujeita ou condicionada às apostas, e, consequentemente, sem estar sujeita a qualquer contingência ou aleatoriedade de perder ou ganhar e à inerente obrigação ou direito»[21].
A diferença entre a reserva absoluta ao contexto dos casinos das zonas de jogo dos jogos bancados e relativa dos jogos não bancados encontra fundamento na diferente natureza de uns e outros e no risco exigido à concessionária em matéria de jogos bancados, com perdas ou ganhos relativamente aos jogadores, enquanto no que concerne aos jogos não bancados o resultado é indiferente para entidade exploradora[22].
Relativamente aos jogos de máquinas de fortuna ou azar, que no quadro do artigo 7.º, n.º 2, da Lei do Jogo, por contraponto ao n.º 1 do mesmo preceito, pode ser permitida fora dos casinos num quadro de maior estabilidade temporal desligada de um evento específico, acompanha-se a ideia de que «na origem desta diferença de tratamento terá estado a consideração de que os jogos em máquinas de fortuna ou azar são de mais fácil execução e controlo — desde logo, por assentarem numa série de mecanismos automáticos —, não suscitando, pelos pequenos montantes apostados, tantas preocupações de cariz social»[23]. Plano em que a certificação é prévia e o controlo da máquina pode ser feito a todo o tempo, sendo o desenvolvimento do jogo independente da direta intervenção humana. Daí que, apesar de os jogos em máquinas de fortuna ou azar compreenderem uma característica comum aos jogos bancados, o resultado repercute-se na relação entre o jogador e a entidade exploradora, a marca distintiva incidente na circunstância de o decurso do jogo não envolver intervenção humana de agentes da entidade que explora o jogo acabe por ser determinante.
Dimensões particulares dos jogos em máquinas que, aliás, se revelam nas amplas dificuldades de destrinça entre os jogos em máquinas de fortuna ou azar e os jogos em máquinas afins dos de fortuna ou azar, evidenciadas no acórdão Supremo Tribunal de Justiça de uniformização e jurisprudência n.º 4/2010[24].
Em síntese, o sistema jurídico relativamente aos jogos de fortuna ou azar revela uma ponderação material sobre os efeitos e riscos associados à respetiva exploração e prática repercutida numa graduação em que são colocados num primeiro nível os jogos bancados (objeto de reserva absoluta aos casinos das zonas de jogo), num segundo patamar os jogos não bancados e num terceiro os jogos em máquinas de fortuna ou azar.
§ II.2.2.3 A Lei do Jogo prevê três categorias de jogos de fortuna ou azar objeto de reserva relativa espacial aos casinos sendo a alternativa espacial das salas de jogo do bingo a única cuja exploração no âmbito do território Portugal continental se encontra regulamentada, para além daquele diploma base, pelo que importa abordar a mesma na medida em que no que concerne à taxonomia espacial acima delimitada integram a categoria jogos de fortuna ou azar objeto de reserva relativa aos casinos.
O artigo 8.º da Lei do Jogo estabelece que «fora das áreas dos municípios em que se localizem os casinos e dos que com estes confinem, a exploração e a prática do jogo do bingo podem também efetuar-se em salas próprias, nos termos da legislação especial aplicável».
Atualmente, a referida regulamentação encontra-se estabelecida pelo Decreto-Lei n.º 31/2011, de 4 de março, restringindo a suscetibilidade de concessão da exploração de salas de jogo do bingo nos municípios onde existem casinos, nos quais não podem ser permitidas concessões em número superior às que se encontravam concessionadas à data da celebração dos contratos de concessão das zonas de jogo (artigo 6.º, n.º 3).
Já nos municípios onde não existem casinos, em termos gerais, as concessões da exploração nos locais podem ser determinadas pelo membro do Governo responsável pela área do turismo, mediante concurso público (artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 31/2011). A instalação de salas próprias de jogo do bingo fora de municípios onde se encontram instalados casinos, de acordo com a regulamentação desse jogo, opera-se independentemente da proteção concorrencial dos casinos de zonas de jogo.
Atendendo ao critério da sucessão legislativa e à paridade hierárquica de fontes normativas, o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 31/2011 restringiu a proteção territorial relativa dos casinos quanto à exploração de salas de jogo do bingo, na medida em que deixou de abranger municípios limítrofes daqueles onde existem casinos[25].
§ II.2.2.4 Relativamente às explorações fora dos casinos, previstas nos números 1 e 2 do artigo 7.º da Lei do Jogo, ao nível do território continental ainda não houve qualquer regulamentação — aprovada por decreto-regulamentar mencionado no n.º 3, portaria referida no n.º 4, ou qualquer outro instrumento normativo.
Na Lei do Jogo, as autorizações para salas de jogos não bancados fora dos casinos e para salas de máquinas em estabelecimentos hoteleiros ou complementares, previstas no artigo 7.º, n.ºs 1 e 2, não são condicionadas por nenhum pressuposto territorial negativo relativo a casinos existentes (por contraponto ao que se prevê relativamente às salas de jogo do bingo) mas dependem da verificação de um pressuposto positivo, respetivamente: (a) ser ocasião de manifestações de relevante interesse turístico, ou (b) tratar-se de localidades em que a atividade turística for predominante.
Por outro lado, os decretos relativos às concessões das zonas de jogo também não compreendem quaisquer referências à exploração fora dos casinos de jogos não bancados e de máquinas de jogo, ao contrário do que sucede com as salas de jogo do bingo.
Pelo que o único preceito regulador da matéria é o artigo 7.º, n.º 3, tendo a primeira questão da consulta como objeto central a parte final desse preceito que, depois de determinar que as autorizações referidas no artigo 7.º, n.ºs 1 e 2, só podem ser concedidas à concessionária da zona de jogo cujo casino, em linha reta, se situar mais perto do local onde tiver lugar a exploração, culmina com o seguinte trecho: «independentemente do estabelecido no n.º 3 do artigo 3.º», isto é, «independentemente da proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo».
§ II.3 A «proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo»
§ II.3.1.1 Na primeira questão objeto da consulta a interpretação do artigo 7.º, n.º 3, da Lei do Jogo é problematizada em face de um hipotético «exclusivo territorial das concessionárias, decorrente da aplicação do n.º 3 do artigo 3.º da Lei do Jogo».
O conceito normativo carecido de ponderação nesta sede é o de «proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo». No plano sistemático-teleológico a norma do artigo 3.º reporta-se às concessões de zonas de jogo, tendo estabelecido legalmente as zonas de jogo no n.º 2 do preceito mas reenviando para o decreto regulamentar a determinação da «distância mínima de proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo» (n.º 3).
A questão prévia nuclear subjacente à primeira pergunta da consulta é a seguinte: Corresponderá a proteção concorrencial prevista no artigo 3.º, n.º 3, da Lei do Jogo à consagração de um direito exclusivo?
§ II.3.1.2 O contexto significativo do n.º 3 do artigo 3.º da Lei do Jogo revela que não pode compreender um direito exclusivo de âmbito nacional, pois reporta-se à relação entre operadores que desenvolvem a mesma atividade económica num quadro operativo global idêntico, a lei prevê uma pluralidade de concessionários de zonas de jogo pelo que não de pode falar de um exclusivo de atividade económica à escala nacional como, por exemplo, se verifica com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e os jogos sociais.
Sem embargo, a Lei do Jogo parece compreender determinados exclusivos territoriais. No n.º 2 do artigo 3.º da Lei do Jogo prevêem-se as zonas de jogo sempre com referentes territoriais, embora relativos a diferentes categorias de circunscrições: Uma Região Autónoma e arquipélago (Açores), uma região, sub-região e província tradicional de Portugal continental (Algarve), uma ilha (Porto Santo), uma península (Tróia)[26], uma região termal (Vidago-Pedras Salgadas)[27] e cinco localidades (Espinho, Estoril, Figueira da Foz, Funchal e Póvoa de Varzim).
Tendo presente a referida pluralidade de tipologias territoriais envolvidas nos nomina iuris das zonas de jogo, essa diversidade não obsta, à partida, que as concessões se possam reportar a exclusivos da atividade económica reservada por lei a casinos na zona de jogo respetiva, na medida em que não existe qualquer sobreposição entre as circunscrições que servem de referente às várias zonas de jogo. Assim, apesar de uma taxonomia baseada em classificações derivadas de diversos critérios suscitar algumas dificuldades, importa, atento o objeto do parecer que se reporta a outro preceito, destacar que os referentes territoriais das várias zonas de jogo se compatibilizam com a ideia de exclusivo da atividade económica em causa nas áreas territoriais correspondentes ao nome das zonas de jogo.
§ II.3.1.3 A norma que consta do n.º 3 do artigo 3.º da Lei do Jogo não prescreve diretamente áreas de proteção concorrencial, prevê a categoria proteção concorrencial entre casinos de zonas jogo e opera um reenvio para o estabelecimento de distâncias mínimas, para esse efeito, nos decretos regulamentares sobre as condições de adjudicação de cada concessão.
Incidindo a consulta apenas sobre as zonas de jogo do território de Portugal continental importará reter as distâncias de proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo estabelecidas nos decretos regulamentares (com variantes terminológicas que, contudo, não se podem sobrepor ao conteúdo da norma legal):
- Zona de jogo do Algarve, a proteção concorrencial reporta-se à área da zona de jogo, região do Algarve[28];
- Zona de jogo de Espinho, a proteção concorrencial reporta-se a toda a área do território nacional abrangida por um raio de 150 km tendo como centro o local onde se situa o Casino de Espinho[29];
- Zona de jogo do Estoril, a proteção concorrencial reporta-se a toda a área do território nacional abrangida por um raio de 300 km tendo como centro o local onde se situa o Casino do Estoril[30];
- Zona de jogo da Figueira da Foz, a proteção concorrencial reporta-se à área da zona de jogo, cidade da Figueira da Foz[31];
- Zona de jogo da Póvoa de Varzim, a proteção concorrencial reporta-se a toda a área do território nacional abrangida por um raio de 150 km tendo como centro o local onde se situa o Casino da Póvoa de Varzim[32];
- Zona de jogo de Tróia, a proteção concorrencial reporta-se à área da zona de jogo, península de Tróia[33];
- Zona de jogo de Vidago – Pedras Salgadas, a proteção concorrencial reporta-se a toda a área do território nacional abrangida por um raio de 150 km tendo como centro o local onde se situa o Casino de Vidago – Pedras Salgadas[34].
No plano empírico pode constatar-se que as proteções territoriais baseadas em raios amplos que têm como centro a localidade do casino da Zona de Jogo geram múltiplas sobreposições, sobre outras áreas de proteção concorrencial, existindo mesmo proteções concorrenciais que se sobrepõem às localidades onde se encontram instalados os casinos de outras zonas de jogo.
Constatação empírica que transporta uma implicação: As proteções concorrenciais que se reportam a área do território nacional abrangida por um raio que tenha como centro o local onde se situa o casino da específica zona de jogo e se sobrepõem com outras zonas de jogo, abrangendo mesmo as localidades onde estão instalados casinos de zonas de jogo concorrentes, não podem fundamentar a pretensão de qualquer direito exclusivo reportado à atividade económica em causa.
Esse traço revela, sob pena de uma antinomia com o núcleo do regime das concessões de zonas de jogo, que a proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo apenas confere um direito negativo contra a abertura de determinadas formas de concorrência de exploração de jogos de fortuna ou azar.
Perspetiva que tem um reverso, a proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo não envolve a atribuição de um direito de exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos casinos na área abrangida pelas distâncias mínimas estabelecidas em decreto regulamentar, sob pena de uma cláusula de proteção se transmutar em instrumento de agressão de áreas de verdadeiro exclusivo com fonte legal (o direito dos concessionários explorarem a respetiva zona de jogo em exclusivo).
Retornando ao que já foi dito mas se impõe sublinhar, as disposições legais dos números 2 e 3 do artigo 3.º consagram duas figuras analiticamente autónomas: As zonas de jogo com um direito de exploração exclusivo do concessionário quanto à circunscrição objeto de adjudicação, a suscetibilidade de uma proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo que pode ir para além daquela.
Recorte de um estrito direito de proteção contra concorrência de terceiros, que determina a conformidade com o regime legal do estabelecimento de distâncias de proteção abrangentes de localidades onde estão instalados casinos de outros concessionários de zonas de jogo — regime legal, que, nomeadamente, estabelece um modelo de autonomia das concessões de zonas de jogo entre si sem envolver quaisquer esquemas de partilha de atividades na mesma circunscrição por uma pluralidade de operadores concessionários (vd. artigos 10.º. a 18.º da Lei do Jogo).
Consequentemente, a entidade protegida não pode pretender com base na referida proteção de cariz negativo ampliar a sua exploração a jogos de fortuna ou azar fora dos casinos, em particular não pode invocar uma proteção contra a concorrência para desenvolver a sua atividade económica relativa a jogos de fortuna ou azar em localidades onde a exploração de casinos de zona de jogo está reservada em exclusivo a outro operador.
Para demonstrar as referidas sobreposições basta atentar nas seguintes amplitudes de quatro dessas proteções concorrenciais entre casinos de zonas de jogo:
- Zona de jogo de Espinho, o respetivo raio de proteção concorrencial abrange as localidades onde se situam os casinos da Figueira da Foz, Vidago-Pedras Salgadas e Póvoa de Varzim;
- Zona de jogo do Estoril, o respetivo raio de proteção concorrencial abrange as localidades onde se situam os casinos da Figueira da Foz, Espinho, Póvoa de Varzim, Tróia e os três casinos da zona de jogo do Algarve (Vilamoura, Sotavento e Barlavento);
- Zona de jogo de Póvoa de Varzim, o respetivo raio de proteção concorrencial abrange as localidades onde se situam os casinos da Figueira da Foz, Vidago-Pedras Salgadas e Espinho;
- Zona de jogo de Vidago-Pedras Salgadas, o respetivo raio de proteção concorrencial abrange as localidades onde se situam os casinos da Póvoa de Varzim e Espinho;
Verifica-se, assim, que reportando-nos às sete regiões de jogo do território continental se pode constatar a posição peculiar de algumas zonas de jogo, em particular da zona de jogo do Estoril:
1- É a única em que as localidades onde se situam os respetivos casinos (Estoril e Lisboa) não são abrangidas pela proteção concorrencial das outras zonas de jogo;
2- Em contraponto, a respetiva proteção concorrencial abrange as localidades de todos os casinos de cinco das outras seis zonas de jogo de Portugal continental.
§ II.3.2.1 A traço grosso, «exclusivo» no quadro de concessões implica «vedar a terceiros a possibilidade de concorrerem direta ou indiretamente com o concessionário no desenvolvimento de atividades integradas no objeto da concessão», na formulação de Lino Torgal e João de Oliveira Geraldes[35]. Esses autores destacam, ainda, que é «no plano da contratualidade concessória parciária que melhor se entende que, em vultuosos projetos de infraestruturas, o Estado suporte o dever de não apoiar, por certo período de tempo e dentro de determinada área geográfica, projetos concorrentes, dever esse que se configura como um elemento integrante do sinalagma jurídico que caracteriza de modo claro este tipo de grandes operações, as quais sem essa contrapartida de não concorrência, não suscitariam qualquer interesse às potenciais entidades concessionárias»[36].
Exclusivos territoriais estão subjacentes à delimitação de zonas de jogo territoriais no artigo 3.º, n.º 2, onde são evitadas sobreposições. Integrando-se coerentemente a proteção na norma específica sobre o serviço em causa, exploração do jogo em casino («casino de zona de jogo»), não confundível com outros quadros de exploração de jogos de fortuna ou azar. Com efeito, como já se destacou, a exploração e prática de jogos de fortuna ou azar pode desenvolver-se no quadro de casinos de zonas de jogo ou noutros contextos regulados pela lei, pelo que aqueles não têm um direito exclusivo da exploração de jogos de fortuna ou azar, nem sequer se pode falar de «outorga de exclusividade» ou de uma «garantia de mercado»[37] relativamente a novas explorações de jogos que não se encontrem compreendidas nos jogos objeto de reserva absoluta aos casinos.
A análise empreendida até este passo implica que se conclua que as distâncias mínimas de proteção concorrencial não envolvem um exclusivo no sentido de «total exclusão da concorrência direta dentro de certo perímetro territorial», nem sequer dos jogos de fortuna ou azar objeto de reserva absoluta aos casinos. Outra resposta implicaria a derrogação das normas legais que estabeleceram a criação de sete zonas de jogo em Portugal continental, obstando à sua operatividade por via da distância de largo espectro de proteção concorrencial alcançada num decreto regulamentar.
Plano em que, as expressões ambíguas de decretos regulamentares não podem colidir com o estabelecido legalmente em termos de zonas de jogo legais. Os princípios sobre a hierarquia de fontes normativas impõem a prevalência das prescrições legais sobre as eventuais concretizações desenvolvidas em regulamentos aprovados ao abrigo daquelas — no caso a forma reforçada deste último tem suporte na Lei do Jogo conjugada com a previsão da primeira parte do atual n.º 6 do artigo 112.º da Constituição: «Os regulamentos do Governo revestem a forma de decreto regulamentar quando tal seja determinado pela lei que regulamentam […]».
Pelo que, no quadro deste parecer não se vai incidir especificadamente nas significativas variações terminológicas existentes nos vários decretos regulamentares, pois as mesmas não podem prevalecer sobre o conteúdo normativo resultante dos n.ºs 2 e 3 do artigo 3.º da Lei do Jogo.
§ II.3.2.2 Proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo invocada pelo Decreto-Lei n.º 15/2003, de 30 de janeiro, ao estabelecer as normas aplicáveis à instalação do casino de Lisboa integrado na zona de jogo do Estoril. Fórmula legal trazida à colação, então, para justificar a adjudicação à então concessionária da zona de jogo e casino do Estoril, sem abertura de novo concurso, afirma-se no preâmbulo daquele diploma:
«O referido casino terá de inserir-se na zona de jogo do Estoril e a sua exploração será, consequentemente, adjudicada à atual concessionária desta zona de jogo.
«Tal faculdade fundamenta-se no disposto no n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, conjugado com o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 274/84, de 9 de Agosto, o qual estabelece em 300 km a zona de proteção concorrencial em torno do local onde se situa o Casino Estoril, zona essa que não é intercetada por qualquer outra.»
Então a zona de proteção concorrencial referida como «não sendo intercetada por qualquer outra», é contraditada pela referência ao raio de 300 km da referida zona que interseta cinco das seis outras zonas de jogo do território português continental (Algarve, Espinho, Figueira da Foz, Póvoa de Varzim e Tróia), apenas não abrangendo o casino da zona de jogo de Vidago-Pedras Salgadas.
O que se poderia (e, eventualmente, se quereria) dizer é que a cidade de Lisboa não é abrangida pela proteção concorrencial de que beneficiam as outras seis zonas de jogo de Portugal, já que embora cinco deles se situem a menos de 300 km da cidade de Lisboa, as respetivas concessões não beneficiam de uma distância mínima de proteção tão generosa como a prevista para a concessão da zona de jogo do Estoril. Isto é, relativamente à abertura de um novo casino em Lisboa[38], mesmo concessionárias de outros casinos de zonas de jogo que distavam a cerca de 35 km (Tróia) ou 160 km (Figueira da Foz) não estavam protegidos contra a abertura de novo casino por um concessionário concorrente.
Pelo que a menção à proteção concorrencial no diploma que regulou a instalação do casino de Lisboa foi no sentido de que as concessionárias das outras zonas de jogo não beneficiavam de um travão que permitisse obstar à abertura de um novo casino pela concessionária da zona de jogo do Estoril, num município que não é limítrofe àquele onde se encontra instalado o casino do Estoril. Em contraponto, a proteção da zona de jogo do Estoril já impediria a abertura por um outro operador de um novo casino em Setúbal ou Coimbra, municípios limítrofes daqueles onde se encontram instalados os casinos das zonas de jogo de Tróia e Figueira da Foz (sem que os concessionários dessas outras zonas de jogo beneficiem ao abrigo do artigo 3.º, n.º 3, de uma cláusula de proteção contra novos casinos nos concelhos contíguos àquele onde estão instalados os respetivos casinos). Enquadramento revelador do estrito cariz negativo da garantia conferida pela proteção concorrencial entre zonas de jogo.
Extensão da distância mínima de proteção concorrencial conferida por decreto regulamentar que, sublinhe-se, não pode constituir um desenvolvimento do conceito legal, já que o artigo 3.º, n.º 3, da Lei do Jogo não operou um reenvio normativo constitucionalmente ilegítimo[39], não abriu a porta a que «critérios legais fossem substituídos por critérios regulamentares»[40]. No caso, a norma legal limita-se a remeter a concretização da distância para o regulamento, mas não permite uma reconstrução indireta do conceito legal, nomeadamente, como via de interferência na relação das outras zonas de jogo com o Estado, ainda que relativa à operacionalidade dos respetivos casinos e forma de funcionamento.
Categoria «distância mínima de proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo» introduzida pelo diploma de 1989 que se apresenta carecida de concretização relativamente a cada zona de jogo pelo decreto regulamentar que determine as condições da específica concessão, apenas, sublinha-se apenas, quanto às distâncias e já não quanto ao núcleo do conceito legal — estabelecido diretamente no artigo 3.º, n.º 3 e indiretamente nos artigos 7.º, n.º 3, e 8.º da Lei do Jogo.
Tendo presente este dado, a proteção concorrencial prevista no artigo 3.º, n.º 3, da Lei do Jogo reporta-se a uma proteção «entre» determinadas entidades, «casinos de zonas de jogo», correspondendo a uma norma restritiva da concorrência entre concessionários (presentes e futuros) de casinos de zonas de jogo.
Plano em que importa reter a atenção num elemento etimológico fundamental a preposição «entre», que revela que a proteção se reporta às relações dos casinos de zonas de jogo, entre si. Isto é, a preposição indica os limites subjetivos da proteção[41], revelando no contexto significativo da norma que a proteção concorrencial se reporta às relações entre «casinos de zonas de jogo». Isto é, «relaciona por subordinação» indicando os «limites definidos» pela proteção[42].
Dimensão gramatical que não sendo a única relevante deve ser atendida à luz do critério interpretativo referido no número 3 do artigo 9.º do Código Civil o intérprete presumirá que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Acresce que, como se refere no n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil, não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, sendo manifesto que a fixação de distâncias mínimas previstas no número 3 do artigo 3.º da Lei do Jogo carece de um elemento gramatical que sustente o constrangimento da exploração de zonas de jogo autónomas outorgadas na norma precedente (n.º 2 do artigo 3.º da Lei do Jogo), inexistindo qualquer elemento histórico que permita fundar um suposto pensamento legislativo de criação por via da proteção concorrencial de direitos positivos de exploração sobre zonas de jogo objeto de concessões com tutela legal.
A expansão máxima da proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo, abrangendo o Estado e a suscetibilidade de novas concessões, terá de reportar-se apenas à atividade objeto de reserva absoluta aos casinos, a não ser que o regime legal sobre jogos que não são abrangidos pela reserva absoluta admitisse uma proteção dos casinos também nesse domínio. Plano que em termos de previsões legais especiais apenas se constatou uma proteção relativa à concorrência de novas concessões de salas de jogo do bingo nos municípios onde se encontram instalados os casinos.
Careceria, aliás, de sentido estabelecer na norma uma proteção concorrencial dos concessionários das zonas de jogo relativamente a terceiros inominados que não explorem zonas de jogo nem violem os direitos exclusivos dos casinos.
Realidade normativa sobre as distâncias de proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo em que o raio de 300 km de proteção da zona de jogo do casino do Estoril constitui um particularismo dessa concessão que revela que a mesma não corresponde a um exclusivo já que interseta com cinco outras zonas de jogo.
Pacífico apresenta-se que a proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo não abrange:
1- A exploração e prática de jogos de fortuna ou azar que podem operar no território nacional fora dos casinos e não se encontram previstos no artigo 4.º da Lei do Jogo;
2- A exploração e prática do jogo do bingo, apesar de se encontrar incluído entre os jogos não bancados dos casinos (artigo 4.º, n.º 1, alínea e), da Lei do Jogo).
Em resumo, o âmbito da proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo, previsto no artigo 3.º, n.º 3, da Lei do Jogo não afeta em termos diretos a exploração de jogos de fortuna ou azar legalmente admissíveis fora dos casinos.
Sendo certo que as autorizações previstas no artigo 7.º, n.º 3, da Lei do Jogo se reportam à exploração de jogos fora dos casinos, será que por via de uma norma especial o regime de proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo também abrange essas explorações exógenas ao espaço dos casinos?
A pergunta deve ser contextualizada nos seguintes parâmetros, a norma especial sobre a exploração de salas próprias de jogo do bingo conferiu um segundo nível de proteção dos casinos de zonas de jogo contra esses operadores de jogos de fortuna ou azar fora dos casinos (no artigo 8.º da Lei do Jogo e atualmente artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 31/2011[43]), tendo como referente os municípios onde se encontram instalados os casinos de zonas de jogo, em abstrato uma outra regra legal especial poderia estabelecer uma proteção das zonas de jogo relativamente às explorações de jogos de fortuna ou azar previstas nos números 1 e 2 do artigo 7.º. Plano em que se tem de passar a combinar a interpretação do artigo 3.º, n.º 3, da Lei do Jogo com o regime específico daquelas explorações de jogo fora dos casinos e, em especial, o artigo 7.º, n.º 3, da Lei do Jogo que, ao invés de estabelecer uma nova área territorial de proteção das zonas de jogo relativamente modalidades de jogos de fortuna ou azar legalmente admitidas fora dos casinos, não as condiciona a um limite genérico antes estabelece que o direito de exploração pode ser concedido «independentemente da proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo».
§ II.4 A proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo e as autorizações para exploração de jogos não bancados e máquinas de fortuna ou azar fora de casinos
§ II.4.1.1 Esclarecidas as coordenadas determinantes do contexto compreensivo do regime jurídico objeto da consulta, importa recordar a primeira questão colocada pela entidade consulente:
Em que termos, e a que concessionária, pode ser concedido o direito de exploração previsto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 7.º da Lei do Jogo, tendo em conta o disposto no n.º 3 do mesmo artigo e o exclusivo territorial das concessionárias, decorrente da aplicação do n.º 3 do artigo 3.º da Lei do Jogo?
Questão prévia carecida de elucidação é a de saber se a operatividade do disposto pelo artigo 7.º, n.º 3, da Lei do Jogo se reporta a um problema de detenção de um exclusivo sobre a área de localização da sala de jogo a instalar.
A previsão do n.º 3 do artigo 7.º tem subjacente a inexistência de um exclusivo, daí que, nos números 1 e 2 desse preceito se prevejam duas autorizações de exploração que podem ser determinadas pelo executivo — «pode o membro do Governo autorizar a exploração e a prática» é a fórmula adotada. Isto é, se o Governo «pode autorizar» não existe um direito exclusivo prévio relativo ao exercício dessa atividade económica à luz dos pressupostos previstos na norma.
Estabelecidos os pressupostos legais para o desenvolvimento de duas vias especiais de exploração e prática de jogos de fortuna ou azar fora dos casinos importa analisar a concessão do direito de exploração dessas modalidades de jogos de fortuna ou azar fora dos casinos.
§ II.4.1.2 A Lei do Jogo prevê cinco tipologias de exploração de jogos de fortuna ou azar, como se destacou oportunamente ao identificar as categorias da taxonomia legal[44], apenas havendo quatro contextos espaciais legalmente admissíveis para a exploração no território nacional de jogos de fortuna ou azar previstos no artigo 4.º da Lei do Jogo:
1) Casinos de zonas de jogo;
2) Salas de jogos não bancados fora dos casinos por ocasião de manifestações de relevante interesse turístico;
3) Salas de máquinas em estabelecimentos hoteleiros ou complementares em localidades em que a atividade turística for predominante;
4) Salas próprias de jogo do bingo.
Enquanto as zonas de jogo têm de ser criadas por decreto-lei (artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 da Lei do Jogo), a determinação dos locais no território nacional onde é admissível a exploração e a prática de jogos fora dos casinos depende, apenas, de atos administrativos proferidos ao abrigo dos números 1 ou 2 do artigo 7.º da Lei do Jogo, ou, no caso de salas de jogo do bingo, ao abrigo do artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 36/2011.
Relativamente às quatro categorias de exploração de jogos de fortuna ou azar admissíveis no território português, tratando-se de um direito reservado ao Estado, impunha-se determinar a forma de atribuição do mesmo a privados, o que está regulado no artigo 9.º, com a epígrafe Regime de concessão, da Lei do Jogo: «O direito de explorar jogos de fortuna ou azar é reservado ao Estado e só pode ser exercido por empresas constituídas sob a forma de sociedades anónimas a quem o Governo adjudicar a respetiva concessão mediante contrato administrativo»[45].
Contudo, a seleção das entidades exploradoras dos jogos de fortuna ou azar não se encontra prevista no referido artigo 9.º e os artigos 10.º a 18.º apenas regulam «a concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar nos casinos das zonas de jogo»[46].
A concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar nos casinos das zonas de jogo (artigo 10.º, n.º 1, da Lei do Jogo) e em salas de jogo do bingo (artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 31/2011) é efetuada mediante concurso público.
Quanto às modalidades jogos de fortuna ou azar previstas no artigo 7.º, n.ºs 1 e 2, a atribuição das concessões de exploração encontra-se estabelecida no n.º 3 do artigo 7.º, determinando-se ope legis que implica a existência para cada localidade de um único operador ao qual pode ser adjudicado o direito de exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos casinos — «as autorizações referidas nos números anteriores só podem ser concedidas à concessionária […]». Para o efeito, a prescrição legal fixa um critério de seleção de base territorial baseado na distância entre os casinos existentes e o local onde for autorizada a exploração, com uma preferência absoluta da «concessionária da zona de jogo cujo casino, em linha reta, se situar mais perto do local onde tiver lugar a exploração».
Isto é, na prescrição normativa do n.º 3 do artigo 7.º determina-se a quem deve ser atribuído o direito de exploração de jogos de fortuna ou azar nas modalidades previstas nos n.ºs 1 e 2 desse preceito, o que constituiria um paradoxo se existisse um direito exclusivo de uma entidade terceira, a atribuição legal do direito a um operador é incompatível com um direito exclusivo de outra entidade[47].
Existe, assim, um pressuposto prévio à interpretação da parte final do n.º 3 do artigo 7.º da Lei do Jogo, a exploração de jogos prevista nos números 1 e 2 desse preceito, pode ser autorizada porque não é objeto de um direito exclusivo pré-existente relativo aos espaços das zonas de jogo. Daí que se diga que «as autorizações referidas nos números anteriores só podem ser concedidas à concessionária da zona de jogo cujo casino, em linha reta, se situar mais perto do local onde tiver lugar a exploração, independentemente» da «distância mínima de proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo».
§ II.4.2.1 O enquadramento sistemático-teleológico empreendido até este passo pode ser determinante na interpretação do sentido normativo da parte final do n.º 3 do artigo 7.º da Lei do Jogo, «independentemente da distância mínima de proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo». Antes de empreender o derradeiro passo do tratamento da questão por este Conselho, devemos, contudo, referir os motivos que determinaram a consulta, em especial a apresentação ao Governo de uma perspetiva interpretativa desenvolvida em parecer solicitado pelo concessionário da zona de jogo do Estoril.
Na génese da formulação da primeira pergunta objeto da consulta ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República pelo Secretário de Estado do Turismo, esteve a interpretação apresentada e desenvolvida em parecer jurídico de J. M. Sérvulo Correia, Rui Medeiros e Marisa Martins Fonseca[48].
No referido parecer, a propósito da temática objeto da primeira questão da consulta, desenvolve-se uma análise segundo a qual a proteção concorrencial prevista no artigo 3.º, n.º 3, da Lei do Jogo confere um «direito de exclusivo de grau máximo» que «se refere à atividade de exploração de jogos de fortuna ou azar, independentemente das tipologias de jogo em questão e dos locais em que aquela atividade tenha lugar» e «tem por efeito a “total exclusão da concorrência direta dentro de certo perímetro territorial”»[49]. Atribuindo-se à parte final do n.º 3 do artigo 7.º da Lei do Jogo «um duplo sentido»:
«O primeiro sentido extraído traduz-se em entender que quando aí se diz “independentemente do estabelecido no n.º 3 do artigo 3.º” se pretende abertamente dizer que a atribuição do direito de exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos casinos à “concessionária da zona de jogo cujo casino, em linha reta, se situar mais perto do local onde tiver lugar a exploração” não depende da detenção por essa concessionária de um exclusivo territorialmente estabelecido sobre o local em causa, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 3.º da Lei do Jogo.
«[…] Através da parte final do n.º 3 do artigo 7.º da Lei do jogo, ter-se-á, portanto, pretendido esclarecer que o facto de a concessionária de jogo detentora do casino mais próximo (em linha reta) não deter um direito de exclusivo incidente sobre o local de instalação da futura sala de jogo não impede, só por si, que lhe seja conferido o direito de exploração previsto nos n.os 1 e 2 do mesmo artigo.
«Este primeiro sentido, de sinal positivo, conferido à parte final do n.º 3 do artigo 7.º da Lei do Jogo, deve, todavia, ser articulado com um segundo sentido, desta feita de sinal negativo: é que, quando em tal parte se diz que a atribuição do direito de exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos casinos à concessionária mais próxima do local de exploração não depende da detenção por essa concessionária de um direito de exclusivo operante sobre o local em questão, não se pretendeu, com isso, igualmente dizer que a detenção de um tal direito (de exclusivo) por parte de outra concessionária não obsta à referida atribuição.
«Uma tal leitura seria, como vimos atrás, absolutamente desconforme com “o postulado da coerência intrínseca do ordenamento” em que a referida parte dispositiva se insere. Essa parte — ou melhor, todo o preceito legal em análise —, deve nessa medida ser objeto de uma interpretação restritiva: contrariamente ao que decorreria de uma leitura apressada da sua letra e circunscrita ao nível da lei no quadro da “estrutura escalonada da ordem jurídica”, o n.º 3 do artigo 7.º da Lei do Jogo não pretende impor o critério da proximidade em linha reta nas situações em que o local de exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos casinos se insira no âmbito territorial do exclusivo outorgado a outra concessionária de jogo. Nessas situações, não se afigura necessário aplicar qualquer outro critério que não aquele que decorre do simples cumprimento pelo Estado português dos contratos de concessão por si celebrados, e, em particular, do devido e integral respeito pelos direitos de exclusivo aí concedidos.
«Considerando tudo quanto acima se expõe, constitui, em suma, nosso entendimento que o critério previsto no n.º 3 do artigo 7.º da Lei do Jogo (proximidade em linha reta) reveste afinal caráter subsidiário relativamente ao critério decorrente dos efeitos de proteção associados aos direitos de exclusivo.
«Deste modo, quando se pretenda atribuir direitos de exploração de jogos de fortuna ou azar nos moldes previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 7.º da Lei do Jogo, cabe, a título principal, averiguar se o local da exploração projetada está abrangido por algum direito de exclusivo. Para efeitos desta averiguação, caberá atender aos exatos termos em que as áreas de exclusivo se encontram delimitadas nos instrumentos legais, regulamentares e contratuais relevantes. [….].
«Caso, no quadro desta averiguação, se verifique que o local da exploração projetada se insere na área de exclusivo de uma concessionária de jogo, apenas a esta poderá ser concedido o correspondente direito de exploração. Perante isto, perguntar-se-á: e caso se constate que o mesmo local se situa numa zona de confluência ou sobreposição de duas ou mais áreas de exclusivo? Neste caso, poder-se-ia tentar defender a aplicação — como pretensa forma de desempate — do critério da proximidade em linha reta estabelecido no n.º 3 do artigo 7.º da Lei do Jogo. A aplicação deste critério não se revelaria, porém, consonante com o sentido e alcance dos direitos de exclusivo conferidos às concessionárias de jogos de fortuna ou azar, equivalendo, na prática, à aniquilação de alguns desses direitos por motivos totalmente aleatórios e injustificados, em termos desacompanhados da atribuição de qualquer compensação (ou “justa indemnização”) pelos prejuízos daí advenientes.
«Não se vislumbra, com efeito, qualquer fundamento para preferir uma concessionária em detrimento de outra(s) apenas e tão-somente com base no critério da maior proximidade física do respetivo casino. Nas zonas de confluência ou sobreposição de áreas de exclusivo, o direito de exercício da atividade de exploração de jogos de fortuna ou azar é conjuntamente atribuído às várias concessionárias em questão, assistindo a qualquer uma delas a possibilidade de explorar a procura de jogo existente nas referidas áreas. Vigorando, nessas zonas, um regime partilhado de exercício da atividade de exploração de jogos de fortuna ou azar, é, pois, por esse regime que naturalmente se deve reger a atribuição dos direitos de exploração previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 7.º da Lei do Jogo. A aplicação do critério da proximidade em linha reta só viria deturpar os termos equitativos mediante os quais o mencionado regime foi instituído — desde logo, no que toca ao valor das contrapartidas exigidas a cada uma das concessionárias —, podendo, no limite conduzir a resultados verdadeiramente absurdos, assentes numa diferença de escassos kilómetros na proximidade das concessionárias concorrentes relativamente ao local da exploração projetada.
«Nestes termos, portanto, resulta claro que, nas situações em que a tarefa prévia de averiguação acima descrita, tendente à determinação de potenciais áreas de exclusivo, permita identificar zonas de confluência ou sobreposição dessas áreas, o direito de exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos casinos deverá ser atribuído ao conjunto das concessionárias abrangidas, cabendo a estas acordar entre si e o “membro do Governo da tutela” os concretos termos de exercício (parciário, solidário ou indivisível) desse direito plural.
«Apenas na eventualidade de a referida tarefa de averiguação conduzir a resultados negativos — não se detetando qualquer área de exclusivo afetada —, caberá então ao “membro do Governo” socorrer-se do critério subsidiariamente previsto no n.º 3 do artigo 7.º, conferindo a exploração à concessionária da zona de jogo cujo casino, em linha reta, se revelar mais próximo.»[50]
§ II.4.2.2 Na nossa perspetiva, a proteção concorrencial entre casinos de jogo prevista no artigo 3.º, n.º 3, da Lei do Jogo determina, apenas, um direito de cariz negativo relativamente a novas zonas de jogo[51]. Consequentemente, tal proteção não pode gerar um direito positivo e «exclusivo» de exploração de novos jogos de fortuna ou azar fora dos casinos na área abrangida pelos limites fixados em decreto-regulamentar[52].
Em contraponto, no parecer de J. M. Sérvulo Correia, Rui Medeiros e Marisa Martins Fonseca aquela proteção é configurada como um direito exclusivo de explorar jogos de fortuna ou azar fora dos casinos nos limites territoriais objeto de proteção de concorrência e rejeita-se a prescrição estabelecida pelo n.º 3 do artigo 7.º da Lei do Jogo, por apelo, nomeadamente, a uma ideia de equidade de ressonância rawlsiana[53], justice as fairness, o que, tendo presente a importância dos conceitos de posição original e véu de ignorância da Teoria da Justiça do filósofo norte-americano, torna pertinente que se ilustrem algumas das implicações práticas da tese daquele parecer.
Primeiro aspeto incontornável é o de que a concessionária da zona de jogo do Estoril, à luz da tese do parecer solicitado pelo grupo Estoril Sol, teria um «direito exclusivo» abrangente de uma área de cerca de 3/4 do território de Portugal continental, a qual constitui o destino de mais de 90% do turismo em Portugal continental.
Tese cuja adoção implicaria que, ao contrário do que se afirma naquele parecer, o artigo 7.º, n.º 3, não passaria a um critério «subsidiariamente previsto» mas antes um critério totalmente ab-rogado por decretos regulamentares. Para o que é suficiente constatar que os referentes geométricos de delimitação das áreas de proteção concorrencial das zonas de jogo do Estoril e de Vidago – Pedras Salgadas abrangem todo o território de Portugal continental.
Distâncias de proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo em que o raio de 300 km dos limites protegidos da zona de jogo do Estoril determina a interseção com cinco outras zonas de jogo. Segundo o parecer de J. M. Sérvulo Correia, Rui Medeiros e Marisa Martins Fonseca a concessionária da zona de jogo do Estoril teria um «direito exclusivo de grau máximo» para estabelecer explorações de jogos de fortuna ou azar fora dos casinos nas áreas das zonas de jogo intersetadas, incluindo as localidades onde estão instalados os respetivos sete casinos — os casinos da Figueira da Foz, Espinho, Póvoa de Varzim, Tróia e os três casinos da zona de jogo do Algarve[54].
Num desenvolvimento da referida tese a concessionária da zona de jogo do Estoril teria um direito exclusivo de explorar em «regime partilhado de exercício da atividade de exploração de jogos de fortuna ou azar» fora dos casinos nas próprias localidades onde se situam os casinos de cinco das seis outras zonas de jogo. Recorde-se que o citado parecer rejeita o critério legal de adjudicação do direito de exploração ao concessionário do casino sito na localidade em causa (que é necessariamente o mais próximo em linha reta) por «no limite conduzir a resultados verdadeiramente absurdos, assentes numa diferença de escassos quilómetros na proximidade das concessionárias concorrentes relativamente ao local da exploração projetada», mas não introduz nenhuma ressalva quanto às implicações da tese defendida de um «direito de exclusivo de grau máximo» em zonas de sobreposição de limites de proteção territorial apenas introduzindo a variante relativa ao «regime partilhado de exercício da atividade de exploração de jogos de fortuna ou azar».
Ideia de «direito de exclusivo de grau máximo» que implicaria, ainda, que o concessionário da zona de jogo do Estoril poderia no caso de municípios limítrofes daqueles onde se encontram instalados os casinos das zonas de jogo de Tróia e Figueira da Foz explorar, caso se verificassem os pressupostos do n.º 1 ou 2 do artigo 7.º da Lei do Jogo, em exclusivo jogos de fortuna ou azar fora dos casinos, sem que, em contraponto, os concessionários dessas outras zonas de jogo pudessem partilhar o referido privilégio[55]. Pelo que, segundo esse critério derrogador do estabelecido no n.º 3 do artigo 7.º da Lei do Jogo, o exclusivo da concessionária da zona de jogo do Estoril seria excludente da concessionária do casino mais próximo em linha reta e instalado no concelho limítrofe ao da exploração de jogos de fortuna ou azar fora do casino.
A invocação de um «direito de exclusivo de grau máximo», no parecer parcialmente transcrito acima, derrogador do disposto no n.º 3 do artigo 7.º, apresenta, ainda, a defesa de uma figura de direito exclusivo partilhado nas zonas de sobreposição de proteções de concorrência — «vigorando, nessas zonas, um regime partilhado de exercício da atividade de exploração de jogos de fortuna ou azar».
A tese de direito exclusivo gerador de um «regime partilhado de exercício», além do aparente paradoxo conceptual, pode transportar um eventual perigo de esvaziamento do próprio sentido negativo da proteção concorrencial[56].
Em sentido antagónico daquela tese, entendemos que a ideia do direito de exploração exclusiva obsta, salvo norma legal em contrário, «a regimes partilhados de exercício da atividade», tanto mais que o direito à partilha (analiticamente distinto do exercício do direito partilhado) não emerge de um ato complexo envolvendo todos os operadores, mas da justaposição de atos de atribuição de supostos exclusivos (os decretos e os contratos de adjudicação das concessões), em que a compressão (pela partilha) dos exclusivos pré-existentes é decidida no quadro de interações prévias em que o titular do direito comprimido não participa. Assim, poderia o Estado, por via dos decretos-regulamentares de outras concessões, impor «regimes partilhados de exercício da atividade» em áreas anteriormente objeto de exclusivo, incluindo as localidades onde se localizam casinos.
No presente parecer já se desenvolveu a interpretação da previsão legal sobre a proteção concorrencial entre casinos de zona de jogo, do artigo 3.º, n.º 3, da Lei do Jogo, no sentido de que a mesma apenas confere a possibilidade de estabelecer (nos decretos relativos às concessões) distâncias mínimas de garantia de sentido negativo contra novas zonas de jogo na área indicada não conferindo um direito exclusivo de exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos casinos[57].
Enquadramento sistemático-teleológico do artigo 7.º, n.º 3, da Lei do Jogo coincidente com o sentido que se extrai do elemento gramatical dessa norma, que compreende duas prescrições:
(a) Na primeira, o emprego do verbo modal poder, «só podem ser concedidas», compreende-se à luz de uma leitura deôntica;
(b) Na segunda, o adjetivo «independente» com o sufixo adverbial «mente» no plano gramatical exerce uma função modal negativa, significando que as autorizações — que «só podem ser concedidas à concessionária da zona de jogo cujo casino, em linha reta, se situar mais perto do local onde tiver lugar a exploração» — são atribuídas na «ausência de dependência» da proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo ou «com autonomia» relativamente aos limites de proteção concorrencial definidos em decretos regulamentares[58].
Relativamente à tese de exclusivos partilhados ou singulares de exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos casinos previstos nos números 1 e 2 do artigo 7.º entende-se que a mesma se confronta, ainda, com dois obstáculos relevantes derivados do regime jurídico dos jogos de fortuna ou azar:
1) Estriba os direitos exclusivos de exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos casinos em distâncias estabelecidas em decretos e contratos de adjudicação de concessões que não se reportam às modalidades de exploração de jogos fora dos casinos previstas no artigo 7.º, n.ºs 1 e 2;
2) Caso os decretos regulamentares enveredassem por esse desenvolvimento, transmutando a proteção concorrencial de sentido negativo contra novas zonas de jogo na área indicada na consagração de um perímetro que conformaria um direito exclusivo de exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos casinos com eficácia erga omnes, em derrogação do critério estabelecido no artigo 7.º, n.º 3, da Lei do Jogo, tal implicaria um ato duplamente ferido pelo vício de ilegalidade:
a) Por um lado, substituiria o critério legal imperativo (resultado de uma opção legislativa que não é objeto de apreciação no contexto do presente parecer de estrita legalidade[59]) por solução estabelecida em fonte hierarquicamente inferior.
b) Por outro, derrogaria sem suporte legal a ressalva expressa estabelecida na parte final do n.º 3 do artigo 7.º da Lei do Jogo no sentido de que a exploração dos jogos de fortuna ou azar fora dos casinos prevista nos números 1 e 2 é concedida «independentemente da proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo».
A conformidade com o regime legal sobre distâncias de proteção concorrencial abrangentes de localidades onde estão instalados casinos de outros concessionários de zonas de jogo exige que a mesma se configure como estrito direito de proteção contra concorrência de terceiros[60].
Regime normativo que não prevê nenhum esquema de sobreposição de concessões de jogos de fortuna ou azar cujo «exercício» seria conformado casuisticamente por acordos (sem regulação nos decretos e contratos de concessão) dos concessionários «entre si e o “membro do Governo da tutela”» sobre um suposto «direito plural» sem referente legal. Pelo contrário, o regime legal estabelece um modelo de autonomia das concessões de zonas de jogo entre si, sem envolver modelos de partilha de atividades na mesma circunscrição por uma pluralidade de operadores concessionários (vd. artigos 10.º. a 18.º da Lei do Jogo).
O estabelecimento de distâncias mínimas de «proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo» constitui um garante da autonomia das concessões entre si, preservando a não interferência de operadores concessionários nas atividades desenvolvidas no âmbito das diferentes zonas de jogo, cujos «concretos termos de exercício» da exploração de jogos de fortuna ou azar devem ser desenvolvidos de forma independente, de acordo com a concreta concessão, e sem carência de acordos de desenvolvimento entre diferentes operadores concessionários.
O exclusivo do Estado relativo a jogos de fortuna ou azar articula-se com a concessão a privados da exploração, mas não envolve uma heteroregulação pelos privados das formas de exercício da atividade.
§ II.4.2.3 O problema da ab-rogação do critério legal estabelecido no artigo 7.º, n.º 3, da Lei do Jogo pelas proteções territoriais estabelecidas em decretos regulamentares torna pertinente, ainda, que se convoque o tratamento deste Conselho sobre a hierarquia das fontes normativas.
Seja o regulamento independente, complementar ou de execução, na hipótese de eventual colisão das normas do regulamento com regras legais aquelas não podem ser aplicadas. Isto é, as normas previstas em regulamentos não podem prevalecer contra regras legais, como se sublinhou no parecer n.º 21/2011, de 14 de julho de 2011[61], deste Conselho Consultivo:
«A desconformidade com a lei nesse segmento deve ser qualificada como “ilegalidade” pois o que “está em causa” é o preterir da obediência hierárquica à lei decorrente do disposto no artigo 112.º, n.ºs 6 e 7, da Constituição.»
Continuando a seguir esse parecer, na linha que também foi preconizada no parecer n.º 35/2012, de 14-2-2013[62], os deveres estabelecidos na lei não podem, consequentemente, ser derrogados por via de uma regra prevista em mero regulamento. Importando recordar o que foi defendido no parecer n.º 21/2011 sobre os deveres da Administração Pública nesta sede:
«Ilegalidade que, atento o enquadramento nos órgãos de soberania do consulente, não se pode desligar da circunstância, destacada por Paulo Otero, de “no que diz respeito ao Governo” a Constituição “atribuir, no contexto das suas funções administrativas uma expressa competência de defesa da legalidade democrática”[63]. Daí que, continuando a seguir a leitura do mesmo autor, se possa destacar que a “Constituição configurou o Governo, enquanto órgão constitucional defensor da legalidade democrática, como titular de uma competência concentrada de fiscalização administrativa de todo o direito a aplicar pela Administração Pública”.
[…]
«Dever jurídico do órgão consultivo de defrontar o direito válido estruturalmente autónomo da vexata quaestio sobre o dever ser dos órgãos administrativos em face de normas regulamentares inválidas (nas múltiplas variantes de invalidades que se podem configurar).
«[…]
«Apresentando-se pacífica a insusceptibilidade conceptual de interpretação autêntica por diploma hierarquicamente inferior, em especial quando a lei não procedeu, nem legitimou, qualquer reenvio para numa fonte de nível inferior se exercer uma função interpretativa. Acresce que na ordem jurídica portuguesa a eventual remissão para regulamento de interpretação autêntica da lei seria inconstitucional pois, por força da proibição do n.º 5 do artigo 112.º da Constituição, “nenhuma lei pode criar outras categorias de atos legislativos ou conferir a atos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos”».
Nesta medida, os decretos regulamentares que aprovem os limites de proteção territorial das específicas zonas de jogo não têm força jurídica para derrogar quaisquer regras legais em matéria de exploração de jogos de fortuna ou azar, nomeadamente a prevista no artigo 7.º, n.º 3, da Lei do Jogo, devendo no caso de colisão de normas prevalecer as que têm fonte legal.
Acrescente-se que a rejeição no parecer n.º 21/2011 de qualquer orientação no sentido de prevalência de normas regulamentares sobre normas legais, quer estas integrem as leis habilitantes ou outras, vem na linha do lastro histórico das reflexões jurídicas deste Conselho sobre a matéria. Conselho Consultivo que, em vários pareceres teve oportunidade de chamar à colação os princípios da hierarquia das fontes normativas, proeminência da lei e obediência da lei.
Ressalta neste domínio o parecer n.º 34/84, de 20 de junho de 1984[64], onde se sublinhou que, no caso de «regulamentos executivos e complementares», «o poder exercido pela Administração é um poder regulamentar próprio e não uma delegação de poder legislativo feita pela norma legal habilitante, daí resultando também que o reenvio tem natureza meramente formal, pois, como vimos, a lei reenviante não incorpora o conteúdo da norma regulamentar nem lhe pode atribuir força legal, ambas mantendo a natureza e a hierarquia respetiva não se dando, pois, qualquer fenómeno de integração».
Matriz centrada na vinculação ao princípio da hierarquia das fontes retomada noutros pareceres deste Conselho, nomeadamente, os pareceres n.º 4/1996, de 16 de maio de 1996[65], e n.º 14/1997, de 12 de fevereiro de 1998[66].
A problemática da colisão dos regulamentos com a lei foi objeto de particular desenvolvimento no parecer n.º 66/2005, de 30 de junho de 2005[67]. Parecer que, tendo por base doutrina de referência colocou o enfoque, nomeadamente, em duas vertentes fundamentais: (a) «O princípio da legalidade plasma-se também, ao nível das relações entre as leis e os regulamentos, no denominado princípio da preferência ou preeminência da lei»; (b) «Uma concretização desconforme à lei de regras constantes do próprio diploma legal […] já nos situa no plano da ilegalidade»[68].
Princípios da legalidade e da hierarquia das fontes relembrados no parecer n.º 42/2010, de 15 de setembro de 2011[69], para sustentar a argumentação que determinou uma das suas conclusões: «Consequentemente, os diferentes prazos para a emissão de parecer pelo ICNB estabelecidos em regulamentos de planos de ordenamento de áreas protegidas, anteriores ou posteriores ao atual regime jurídico da urbanização e edificação, passam a reger-se pelos seus artigos 13.º e 13.º-A, desde que o parecer se inclua em algum dos pedidos ou procedimentos previstos no RJUE». Explicitando-se de forma inequívoca a base desse trilho argumentativo: «Esta afirmação encontra fundamento no princípio da hierarquia das fontes e das normas e no princípio da legalidade».
Recorde-se, por fim, uma outra ilustração desta matriz interpretativa no quadro da análise de um Código Deontológico da Ordem dos Médicos (entretanto revogado), no parecer n.º 47/2007, de 13-9-2007: «Como fonte de direito de nível inferior, o regulamento está subordinado à lei que o condiciona e a que deve obediência»[70].
Em síntese, em nenhum dos pareceres referidos foi defendida, por este Conselho Consultivo, a tese de que as normas regulamentares que contrariam as prescrições de leis habilitantes devem ser aplicadas em detrimento destas[71].
Matéria sobre o imperativo e corolários da preferência de lei no caso de colisão com regulamentos que, sublinhe-se, é autónomo, no plano dogmático e doutrinário, do tema da aplicação ou não aplicação de normas legais consideradas inconstitucionais pela administração[72].
§ II.4.2.4. Esclarecida a independência no plano legal da autorização prevista nos artigos 7.º, n.ºs 1 e 2, da Lei do Jogo relativamente à proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo importará, tendo presente a invocação na consulta de parecer apresentado pela concessionária da zona de jogo do Estoril, uma nota adicional sobre eventuais particularismos dessa concessão na concretização de limites de proteção concorrencial. O que torna pertinente recordar o teor do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 274/84, de 9 de agosto, sobre a concessão da zona de jogo do Estoril:
«Durante o prazo da concessão, que se inicia em 1 de Janeiro de 1987, não será consentida a criação de novas zonas de jogo a menos de 300 km do local em que se situa o Casino do Estoril nem de salas de bingo no concelho de Cascais.»
Pelo que a proteção concorrencial relativa a um raio de 300 km de que beneficia a concessionária da zona de jogo do Estoril reporta-se apenas à «criação de novas zonas de jogo». Não existindo qualquer suporte normativo (ainda que contrário aos artigos 3.º, n.º 3, e 7.º, n.º 3, da Lei do Jogo) para um suposto exclusivo sobre outras explorações de jogos de fortuna e azar, nomeadamente, as que se podem operar fora dos casinos das zonas de jogo.
Nessa medida, se a mesma implicasse um poder de veto que fosse além da mera «criação de novas zonas de jogo» geraria um poder de conformar eventuais alterações das concessões relativas a outras zonas de jogo pré-existentes violador da autonomia entre as várias zonas de jogo existentes. A proteção concorrencial confere apenas um direito negativo contra abertura de novas zonas de jogo, mas não permite qualquer interferência sobre os direitos de outros concessionários.
Contexto compreensivo do sublinhado expresso constante da parte final do n.º 3 do artigo 7.º da Lei do Jogo, no sentido de que a possibilidade de autorizações de exploração fora de casino de zonas de jogo de jogos não bancados por ocasião de manifestações de relevante interesse turístico em máquinas de fortuna ou azar em estabelecimentos hoteleiros localidades em que a atividade turística for predominante é independente da «proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo».
Em conclusão:
A «proteção concorrencial» prevista no artigo 3.º, n.º 3 da Lei do Jogo reporta-se apenas à exploração em «casinos de zonas de jogo» não abrangendo a exploração e prática de jogos de fortuna ou azar legalmente admissível fora de casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporário.
O artigo 7.º, n.º 3, da Lei do Jogo é a única norma que regula a determinação subjetiva dos operadores que podem ser autorizados a explorar jogos de fortuna ou azar ao abrigo dos n.ºs 1 e 2 do mesmo preceito, prescrevendo duas estatuições:
a) As autorizações só podem ser concedidas à concessionária da zona de jogo cujo casino, em linha reta, se situar mais perto do local onde tiver lugar a exploração;
b) As referidas autorizações são independentes da «proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo».
Em detrimento do concurso público, estabelece-se um critério legal de seleção da entidade que pode explorar jogos de fortuna ou azar no quadro previsto nos números 1 e 2 do artigo 7.º da Lei do Jogo que implica a existência, em cada localidade, de uma única entidade a quem pode ser concedida a exploração dessas modalidades de jogos de fortuna ou azar fora de casino: A concessionária da zona de jogo cujo casino, em linha reta, se situar mais perto do local onde tiver lugar a exploração.
Daí que, para evitar qualquer dúvida, se sublinhe que a atribuição das referidas explorações fora dos casinos de jogos não bancados e de máquinas de jogo opera independentemente da proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo.
Essa solução não gera qualquer antinomia normativa, pois a conjugação do disposto nos artigos 3.º, n.º 3, e 7.º, n.º 3, da Lei do Jogo implica que a proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo releve apenas para a prática e exploração de jogos nos casinos não abrangendo autorizações de explorações fora dos casinos, nos casos em que estas sejam legalmente admissíveis.
A proteção concorrencial de que beneficia a concessionária da zona de jogo do Estoril consagrada no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 274/84, de 9 de agosto, relativa a um raio de 300 km reporta-se apenas à «criação de novas zonas de jogo».
Relativamente aos casos excecionados previstos nos artigos 7.º e 8.º da Lei do Jogo a concessionária da zona de jogo do Estoril apenas beneficia de uma proteção concorrencial relativa à criação de salas de bingo no concelho de Cascais e nos concelhos que com ele confinem.
§ II.4.3 Encerrada a fundamentação do tratamento da primeira questão diretamente colocada na consulta[73], será pertinente referir que, em sintonia com os parâmetros da atividade funcional deste Conselho, não se enveredou por qualquer ponderação de iure condendo autónoma das específicas questões suscitadas.
O artigo 7.º, n.º 3, da Lei do Jogo tem um efeito excludente da seleção administrativa dos concessionários.
Referindo-se na fundamentação da consulta a existência de um processo de reforma do «modelo de exploração do jogo em Portugal»[74], sem olvidar a natureza urgente da consulta e o objeto do presente parecer[75], importa destacar que ao nível do direito da concorrência conforme os cânones do direito da União Europeia mais problemática do que a restrição de proteções de determinados operadores contra a eventual concorrência apresenta-se a proteção de operadores com restrição da concorrência — nomeadamente, por via de uma seleção automática de concessionário a partir de uma anterior concessão.
Como se destacou acima, a primeira prescrição do artigo 7.º, n.º 3, da Lei do Jogo exclui da concorrência as concessões de explorações fora dos casinos previstas nos números 1 e 2 do artigo 7.º da Lei do Jogo.
Problemático nesta sede é a questão de saber se dessa forma se afronta o primado do Direito da União Europeia que, conforme, jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, determina:
(1) A inaplicabilidade de qualquer regra ou ato de direito interno incompatível com regra ou ato de Direito da União Europeia, anterior ou posterior (efeito ab-rogatório do primado);
(2) A proibição de os Estados-membros aprovarem regras ou atos contrários ao Direito da União Europeia (efeito bloqueador do primado).
Como já vimos a concessão de zona de jogo não integra originariamente direitos de exploração ao abrigo do artigo 7.º, n.ºs 1 e 2, da Lei do Jogo. Afigurando-se problemático apresentar, sem mais, que se conceda a exploração de jogos ao abrigo do artigo 7.º, n.º 1 ou 2 da Lei do Jogo como uma modificação do contrato inicial que pode ser subtraída ao princípio da concorrência.
Com efeito, como se recordou no parecer n.º 18/2013, de 16-1-2014, deste Conselho[76]:
«Ou seja, apesar de este Acórdão [Pressetext, de 19 de junho de 2008] ser um marco determinante na jurisprudência do TJUE, na medida em que passou a “definir o âmbito da modificação dos contratos segundo um princípio de respeito estrito pelo valor da concorrência de mercado” (Pedro Gonçalves), a verdade é que dele se retiram também dois aspetos essenciais:
«(i) que a modificação só é impossível se for substancial;
«(ii) que essas modificações só constituem uma nova adjudicação se o contraente público não estiver expressa e previamente habilitado a fazê-lo, no contrato ou nas peças do procedimento (na linha do que já havia sido afirmado no Acórdão Comissão / CAS Succhi di Frutta SpA).»
O quadro de restrição da concorrência em matéria de autorizações / concessões de exploração de jogos de fortuna ou azar alterou-se consideravelmente desde a aprovação do atual artigo 7.º da Lei do Jogo, em 1989, o qual, obviamente, não tinha antecipado os instrumentos normativos da União Europeia sobre o direito de concorrência, nem a jurisprudência do Tribunal de Justiça.
Tribunal de Justiça que num leading case de 24 de março de 1994, acórdão Schindler[77], concluiu que os jogos de fortuna e azar relevam como «serviços» para efeitos do direito da União Europeia[78]. Orientação jurisprudencial reafirmada pelo Tribunal para efeitos do âmbito de aplicação do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), em particular no sentido de que o artigo 56.° também abrange a atividade de promoção de jogos a dinheiro — o que não impediu alguma controvérsia sobre os corolários da doutrina do acórdão Schindler, aliás refletida na jurisprudência posterior[79].
Orientação sobre os jogos de fortuna ou azar como serviços para efeito de tutela da concorrência que apenas a partir do acórdão Schindler, constitui jurisprudência assente e, desde então, foi objeto de amplos desenvolvimentos, nomeadamente, sobre os pressupostos para a admissibilidade de eventuais restrições do princípio da concorrência neste domínio e os ónus dos Estados na aferição, em concreto, da adequação e proporcionalidade de restrições admissíveis em abstrato. Como recordou recentemente o advogado-geral Ján Mazák nas conclusões apresentadas em 17 de abril de 2012 no Processo C-176/11:
«Em primeiro lugar, resulta de jurisprudência assente que o conceito de “serviços”, na aceção do artigo 56.° TFUE, abrange não apenas as atividades que consistem em permitir que os utilizadores participem, contra remuneração, num jogo a dinheiro, mas também a atividade de promoção de jogos a dinheiro, que está em causa no presente caso, pois esta atividade apenas constitui uma modalidade concreta de organização e de funcionamento dos jogos a que está ligada. Daqui decorre que a atividade de promoção de jogos a dinheiro beneficia da proibição de restrições à livre prestação de serviços, consagrada pelo artigo 56.° TFUE. Contudo, poderão ser admitidas restrições, como medidas excecionais expressamente previstas nos artigos 51.° e 52.° TFUE, aplicáveis a esta matéria por força do artigo 62.° TFUE, ou justificadas por razões imperiosas de interesse geral, desde que respeitem as exigências decorrentes da jurisprudência do Tribunal de Justiça.»
A questão que não foi abordada nesta sede, por força do objeto do parecer de estrita interpretação do direito português estabelecido na lei e respetiva urgência, mas que se deve suscitar numa reflexão crítica sobre o direito constituído ou no quadro de uma eventual reforma global da lei do jogo, reporta-se ao privilégio atribuído no atual artigo 7.º, n.º 3, à(s) concessionária(s) da(s) zona(s) de jogo cujo(s) casino(s), em linha reta, se situar(em) mais perto do local onde tiver(em) lugar a(s) exploração(ões). Domínio em que impende sob o Estado português um ónus de demonstração da conformidade dessa restrição da concorrência com o direito da União Europeia, bem como da respetiva adequação e proporcionalidade[80].
O desenvolvimento das previsões dos números 1 e 2 do artigo 7.º da Lei do Jogo, no quadro legal vigente ou por via de um novo regime global, poderia ser classificado como uma «expansão controlada» dos jogos de fortuna e azar para espaços autónomos dos casinos, o que exige que na convocatória da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia se atenda a esse contexto normativo específico[81].
Quadro em que o desenvolvimento argumentativo das conclusões do Advogado-Geral Pedro Cruz Villalón apresentadas em 27 de outubro de 2011 no Processo C-72/10, caso Costa e outro, merece reflexão, em particular a primeira asserção conclusiva dessa intervenção processual:
«Os artigos 49.° e 56.° do TFUE, relativamente à liberdade de estabelecimento e de livre prestação de serviços no setor das apostas sobre eventos desportivos, devem ser interpretados no sentido de que, no quadro de um regime de monopólio a favor do Estado e de um sistema de concessões e autorizações:
«a) Se opõem a uma legislação nacional que consagre expressa e efetivamente uma proteção clara dos titulares de concessões concedidas anteriormente a um procedimento que tenha excluído ilegalmente uma parte dos operadores. Cabe ao julgador nacional determinar se a legislação nacional contém uma norma com este sentido e alcance.»[82]
Análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça que também se reflete na exposição de motivos da recente diretiva 2014/23/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa à adjudicação de contratos de concessão em cujo ponto 35 se delimita o âmbito da respetiva aplicação no que concerne a jogos de fortuna ou azar:
«A presente diretiva não deverá afetar a liberdade de escolha dos Estados-Membros, de acordo com o direito da União, no que respeita aos métodos de organização e controlo do funcionamento dos jogos de azar e apostas, nomeadamente por meio de autorizações. Importa excluir do âmbito de aplicação da presente diretiva as concessões relacionadas com a exploração de lotarias adjudicadas por um Estado-Membro a um operador económico com base num direito exclusivo concedido através de um procedimento não publicitado nos termos das disposições legislativas, regulamentares e administrativas nacionais publicadas aplicáveis em conformidade com o TFUE. Esta exclusão justifica-se pela concessão de um direito exclusivo a um operador económico, tornando inaplicável um procedimento de apelo à concorrência, bem como pela necessidade de preservar a possibilidade de os Estados-Membros regularem o setor do jogo a nível nacional por força das suas obrigações em termos de proteção da ordem pública e social.»
Exclusão da concessão da exploração de alguns jogos de fortuna ou azar que, conforme resulta do texto da diretiva, não abrange todas as autorizações, em particular domínios em que o próprio ordenamento jurídico interno reconhece a suscetibilidade de uma pluralidade de operadores poderem beneficiar da autorização de exploração.
Ambiente concorrencial, entre concessionários e outros operadores interessados em ingressar no mercado em causa, cuja regulação carece de ser confrontada com os imperativos do direito da União Europeia. Domínio em que o direito nacional ordinário, nomeadamente na transposição de diretivas, é conformado pela obrigação de interpretação conforme, decorrente da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia fundada no princípio da cooperação leal entre os Estados membros e a União Europeia. Obrigação de interpretação conforme do direito nacional, à luz do texto e, sublinhe-se, da finalidade do direito comunitário, para atingir o resultado por ela prosseguido.
Sem aprofundamentos incompatíveis com a economia do parecer, mas recentrando a análise na questão da consulta, deve ponderar-se que a estatuição da parte final do artigo 7.º, n.º 3, da Lei do Jogo prescrevendo que as autorizações específicas para a exploração fora de casinos (1) de jogos não bancados fora dos casinos por ocasião de manifestações de relevante interesse turístico ou (2) de jogo em máquinas de fortuna ou azar em estabelecimentos hoteleiros ou complementares em localidades em que a atividade turística for predominante são atribuídas independentemente das áreas de proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo é conforme os imperativos da União Europeia sobre a concorrência, na medida em que exclui esses operadores de uma proteção especial.
A estatuição da primeira parte do número 3 do artigo 7.º da Lei do Jogo no sentido de que as autorizações referidas nos números 1 e 2 desse preceito só podem ser concedidas à concessionária da zona de jogo cujo casino, em linha reta, se situar mais perto do local onde tiver lugar a exploração ao excluir a concessão de um processo concorrencial aberto a outros operadores pode colidir com os artigos 49.º e 56.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e a diretiva 2014/23/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa à adjudicação de contratos de concessão. Consequentemente, num desenvolvimento do tema deve atender-se a que ao Estado português pode ser exigido que satisfaça o ónus de demonstração da conformidade dessa restrição da concorrência com o direito da União Europeia, bem como da respetiva adequação e proporcionalidade, atenta ainda a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia.
Sem embargo, a eventual colisão com o direito da União Europeia não seria atenuada por via de uma ampliação dos beneficiários de proteção a outros titulares de concessões concedidas por referência a uma cláusula de proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo relativamente às quais as autorizações de explorações fora de casinos se apresenta independente.
§ II.5 A regulação legal do número de máquinas de jogos de fortuna ou azar que podem ser instaladas em estabelecimentos hoteleiros ou complementares em localidades em que a atividade turística for predominante
§ II.5.1 A segunda questão suscitada na consulta é a seguinte:
«A admissibilidade legal da autorização da exploração de máquinas de jogos de fortuna ou azar, ao abrigo do n.º 2 do artigo 7.º da Lei do Jogo, presume ou impõe, e em caso afirmativo qual, um limite ao número de máquinas de fortuna e azar a instalar fora dos casinos, sobretudo por referência ao número de máquinas instaladas no seu interior?»
A questão transcrita relaciona-se com a circunstância de sobre a exploração de jogo em máquinas de fortuna ou azar em estabelecimentos hoteleiros ou complementares em localidades em que a atividade turística for predominante, no quadro da atual Lei do Jogo, nunca ter sido aprovado:
1- Decreto regulamentar sobre as respetivas características e dimensão; nem
2- Portaria sobre as condições específicas a que essa exploração e prática de jogo devem obedecer.
Para aferir o objeto da consulta sobre este ponto importará atender à respetiva fundamentação:
«Assumindo ser intenção do Governo colmatar esta lacuna, por via da regulamentação prevista no artigo 7.º da Lei do jogo, importa, antes do mais, aferir os limites legais que adstringem as soluções que o legislador poderá adotar.
«Não obstante a inexistência de previsão expressa que a proíba, admite-se que a autorização, ao abrigo do n.º 2 do artigo 7.º da Lei do Jogo, da exploração de um número ilimitado de máquinas de jogo de fortuna ou azar fora dos casinos ou em número superior ao instalado nos casinos deva acomodar-se ao sentido e âmbito da concessão atribuída originariamente.
«Se é certo que essas concessões não limitam o número máximo de máquinas de jogos de fortuna e azar, não é menos verdade que essas concessões, de base territorial, pressupõem um centro físico, que é o casino.
«Importa assim saber, no caso de exploração de máquinas de jogo de fortuna ou azar fora dos casinos, se existe, ou deve existir, um número máximo de máquinas a instalar fora dos casinos, eventualmente aferido tendo em conta o número de máquinas instaladas no casino respetivo, à qual deve o legislador, ou aplicador da norma, ater-se.
«O que pretende, assim, saber-se, é se, no limite, poderemos ter um número de máquinas fora dos casinos superior ao número de máquinas a funcionar no seu interior ou se, pelo contrário, há que fixar-se um qualquer limite ou proporção por referência ao número de máquinas instalado no interior dos casinos»
Os termos em que se encontra fundamentada a pergunta revelam que a questão do referente subjetivo do casino mencionado na pergunta é o casino do concessionário a quem for concedida a exploração de jogo em máquinas de fortuna ou azar em estabelecimentos hoteleiros ou complementares em localidades em que a atividade turística for predominante.
§ II.5.2 O tema da segunda pergunta é mais circunscrito do que o da primeira, na medida em que se reporta exclusivamente a uma das três categorias espaciais alternativas aos casinos onde pode ser autorizada a exploração e prática de jogos de fortuna ou azar objeto de reserva relativa ao contexto dos casinos[83].
O fundamento material da derrogação do requisito espacial dos casinos quanto aos jogos em máquinas já foi objeto de ponderação[84]. Importa, agora, atentar em quatro especificidades deste domínio específico de autorização da exploração e prática de jogos de máquinas de fortuna ou azar fora dos casinos:
1- Estão reservados a localidades em que a atividade turística for predominante;
2- A decisão do membro que determina a localidade em que a atividade turística for predominante para efeitos de autorização da exploração e prática de jogos de máquinas de fortuna ou azar fora dos casinos deve ser precedida da audição do Turismo de Portugal I.P.[85];
3- As salas de jogos de máquinas apenas podem ser instaladas em estabelecimentos hoteleiros ou complementares[86];
4- As características e dimensão dos estabelecimentos hoteleiros ou complementares onde podem ser instaladas salas de jogos de máquinas de fortuna ou azar devem ser fixadas por decreto regulamentar.
A mediação do decreto regulamentar constitui um pressuposto necessário, compreendendo um ato previsto no artigo 112.º, n.º 6, da Constituição que estabelece uma forma especialmente regulada na lei fundamental com implicações em matéria de competência e procedimento:
1) Exigência de assinatura do Primeiro-Ministro e ministros responsáveis (artigo 201.º, n.º 3, da Constituição)
2) Promulgação do Presidente da República (artigos 134.º, alínea b), e 136.º, n.º 4, da Constituição);
3) Carência de referenda ministerial (artigo 140.º da Constituição).
§ II.5.3 A problemática do número de máquinas admissíveis em salas de jogo é aflorado no artigo 32.º da Lei do Jogo, com a epígrafe salas de jogos, estabelecendo-se no número 2 desse preceito três tipologias de salas nos casinos em que podem ser autorizadas máquinas:
a) Salas reservadas a máquinas;
b) Salas mistas, com jogos tradicionais e máquinas, em termos a definir, no tocante ao tipo de jogos a praticar e à relação entre o número de máquinas e de mesas de jogo a instalar, em regulamento;
c) Salas de jogos tradicionais.
Este regime, de qualquer modo, prevê a determinação de uma ratio relativa de máquinas e de mesas de jogo no quadro de salas mistas que não podem ser estabelecidas ao abrigo do artigo 7.º, n.º 2, que apenas abre a porta à criação de salas reservadas a máquinas no contexto espacial de estabelecimentos hoteleiros ou complementares em localidades em que a atividade turística for predominante.
Por outro lado, no artigo 53.º da Lei do Jogo, Esquemas de abertura de jogos, prescreve-se que antes da abertura das salas de jogos dos casinos, a concessionária deve comunicar o número de bancas e de máquinas ou de grupos de máquinas a funcionar, bem como o respetivo capital inicial, nos jogos em que ele deva existir, e sempre que pretenda alterar aquele número ou o valor desse capital.
Isto é, nesse preceito também não se estabelece um teto absoluto em termos de número de máquinas ou de grupo de máquinas suscetíveis de instalação em casinos. Aliás, o preceito que se segue revela alguma plasticidade ao determinar que «sempre que os jogadores presentes nas salas de jogos não tenham condições de comodidade indispensáveis à prática do jogo, o diretor do serviço de jogos deve providenciar para que sejam abertas à exploração as necessárias salas, bancas e máquinas ou grupos de máquinas, dando imediato conhecimento dessa abertura ao serviço de inspeção no casino.»[87]
Existem dois planos de ponderação sobre o regime de autorização da exploração e prática do jogo em máquinas de fortuna ou azar em estabelecimentos hoteleiros ou complementares em localidades em que a atividade turística for predominante:
1- A lei estabelece que a referida exploração e prática do jogo em máquinas está submetida às regras estabelecidas para a sua realização em casinos o que significa que todas as restrições existentes para os casinos têm de se lhes aplicar mutatis mutandis (artigo 7.º, n.º 4, da Lei do Jogo);
2- Devem ainda ser estabelecidas:
2.1- Em portaria, as condições específicas a que deve obedecer essa exploração e prática em estabelecimentos hoteleiros ou complementares (artigo 7.º, n.º 4, da Lei do Jogo);
2.2- Em decreto regulamentar, as características e dimensão dos estabelecimentos hoteleiros ou complementares em que se pode desenvolver essa prática (artigo 7.º, n.º 2, da Lei do Jogo).
Nessa medida, revela-se uma margem de decisão do poder executivo de condições específicas mais limitativas e/ou exigentes para a exploração e prática do jogo em máquinas de fortuna ou azar em estabelecimentos hoteleiros ou complementares do que as impostas para essa atividade em casinos. Por outro lado, todas as regras para o desenvolvimento dessa atividade em casinos têm de ser respeitadas na sua exploração em estabelecimentos hoteleiros ou complementares.
Contexto operativo em que as regras específicas estabelecidas para a exploração e prática do jogo em máquinas de fortuna ou azar em estabelecimentos hoteleiros ou complementares podem decorrer:
1- De condições de ação determinadas por força da lei, como a exigência de que se trate de equipamentos instalados em localidades em que a atividade turística for predominante e as máquinas têm de ser instaladas em salas próprias para esses jogos (por força do que é imposto na lei para os casinos);
2- Coordenadas fixadas por força da ponderação da entidade com poder regulamentador em função de objetivos legítimos prosseguidos ainda que não derivados de diretos comandos normativo-legais (nomeadamente pressupostos negativos à criação dessas explorações em determinados municípios ou localidades ou diretivas quanto à dimensão e número de máquinas das respetivas salas de jogo).
O quadro operativo em que se move este Conselho Consultivo reporta-se exclusivamente às condições de ação determinadas por força direta da lei[88], pelo que nesta sede apenas se afigura pertinente sublinhar que o poder executivo dispõe de margem para determinar, no quadro de avaliações próprias, exigências que estejam para além das diretamente impostas prescritivamente pela lei.
Para o efeito existem as normas de habilitação do n.º 2 e do n.º 4 do artigo 7.º da Lei do Jogo.
Sendo certo que, em termos jurídico-constitucionais, como lembra Jorge Miranda, «não pode um regulamento substituir-se à lei; nem a virtual inércia do legislador se converte em fonte de um poder constitucionalmente estranho à Administração»[89]. E como destacam Gomes Canotilho e Vital Moreira, «a rigorosa compreensão constitucional das relações entre lei e regulamento pressupõe desde logo, a delimitação entre reserva de lei horizontal (ou material) e reserva de lei vertical. Através da primeira pretende-se definir as matérias que, de acordo com as normas constitucionais, devem ser objeto de regulamentação material através de um ato com força e valor de lei (ex.: matérias reservadas à AR nos termos dos artigos 164.º e 165.º); a reserva de lei vertical incide fundamentalmente na densificação do princípio da primariedade ou da precedência da lei relativamente ao exercício da atividade regulamentar»[90].
No caso as dúvidas da entidade consulente não se reportam à amplitude e âmbito da atividade regulamentar que tem de ser desenvolvida ao abrigo dos números 2 e 4 do artigo 7.º da Lei do Jogo — questão que envolve múltiplas vertentes tratadas em pareceres deste Conselho Consultivo[91] —, mas apenas no sentido de saber se existe um direto indirizo legal no sentido dessa atividade regulamentar de impor necessariamente um determinado número de máquinas por via de uma ratio que tenha por padrão as máquinas instaladas dentro do casino — «por referência ao número de máquinas instaladas no seu interior».
O estabelecimento em abstrato de limites relativos entre as máquinas exploradas pelo concessionário no respetivo casino de zona de jogo e fora de casino dependeria de a exploração e prática do jogo em máquinas de fortuna ou azar em estabelecimentos hoteleiros ou complementares integrar a concessão originária da entidade que recebe a autorização ao abrigo do artigo 7.º, n.º 3, da Lei do Jogo — a concessionária da zona de jogo cujo casino, em linha reta, se situar mais perto do local onde tiver lugar a exploração. Contudo, o ato em que se adjudica à concessionária da zona de jogo cujo casino, em linha reta, se situar mais perto do local onde tiver lugar a exploração o direito de desenvolver a atividade prevista no artigo 7.º, n.º 2, da Lei do Jogo, embora conformado na determinação subjetiva do concessionário por um critério legal referente a outra concessão, não ilide a autonomia dos dois direitos de exploração[92].
Autonomia que dificulta, mesmo no plano regulamentar, estabelecer uma relação necessária entre o número máximo de máquinas que podem ser instaladas em estabelecimentos hoteleiros ou complementares em localidades em que a atividade turística for predominante tendo por referência o número de máquinas instaladas no interior de casino de zona de jogo que seja explorado pela mesma concessionária[93]. Em especial porque o lugar paralelo das explorações pode ser encontrado nas salas de jogo de máquinas fora dos casinos exploradas por outros concessionários e não tanto na exploração de máquinas em casino pelo específico concessionário[94]. Contudo, esse constitui um plano autónomo, de ponderação que está para além das estritas condições de ação determinadas pelo princípio da legalidade, as quais delimitam o âmbito do presente parecer.
Urge, assim, concluir que:
A Lei do Jogo na sua redação atual não compreende nenhuma prescrição sobre um limite ao número de máquinas de fortuna ou azar a instalar fora de casinos em estabelecimentos hoteleiros ou complementares em localidades em que a atividade turística for predominante, nomeadamente, por referência ao número de máquinas instaladas no interior de casino explorado pela específica concessionária à qual seja autorizada a exploração de máquinas fora de casino.
As salas de jogo criadas ao abrigo do artigo 7.º, n.º 2, da Lei do Jogo estão sujeitas a todas as restrições aplicáveis às salas de máquinas dos casinos podendo, ainda, ser sujeitas a outros condicionamentos especiais — estabelecidos no decreto-regulamentar e na portaria referidos, respetivamente, nos números 3 e 4 do artigo 7.º da Lei do Jogo —, inclusive quanto ao número limite de máquinas admissíveis em cada sala de jogo fora dos casinos.
III. Conclusões

Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1. Jogos de fortuna ou azar no direito português vigente são aqueles em que o «resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte», nos termos do artigo 1.º da Lei do Jogo aprovada pelo Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro (objeto de alterações operadas pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de janeiro, Lei n.º 28/2004, de 16 de julho, Lei n.º 40/2005, de 17 de fevereiro, Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro e Decreto-Lei n.º 114/2011, de 30 de novembro).
2. Os jogos de fortuna ou azar estão sujeitos a um sistema de monopólio estatal conformado, como se refere no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de janeiro, por uma «postura pragmática, nos termos da qual, dada a impossibilidade de reprimir efetivamente todas as manifestações daquele fenómeno, é preferível autorizá-lo e dar-lhe um enquadramento estrito, suscetível de assegurar a honestidade do jogo e de trazer alguns benefícios para o sector público».
3. A exploração e a prática dos jogos de fortuna ou azar previstos no artigo 4.º da Lei do Jogo, em regra, apenas é permitida em casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporário criadas por decreto-lei (artigo 3.º, n.º 1, da Lei do Jogo).
4. A exploração e a prática de jogos de fortuna ou azar previstos no artigo 4.º da Lei do Jogo é admissível fora de casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporário em quatro categorias de casos:
a) A exploração e prática de quaisquer jogos de fortuna ou azar a bordo de aeronaves ou navios registados em Portugal, quando fora do território nacional (artigo 6.º da Lei do Jogo);
b) A exploração e prática de jogos não bancados por ocasião de manifestações de relevante interesse turístico (artigo 7.º, n.º 1, da Lei do Jogo);
c) A exploração e prática de jogo em máquinas de fortuna ou azar em estabelecimentos hoteleiros de localidades em que a atividade turística for predominante (artigo 7.º, n.º 2, da Lei do Jogo);
d) A exploração e a prática do jogo do bingo em salas próprias fora das áreas dos municípios em que se localizem os casinos e dos que com estes confinem (artigo 8.º da Lei do Jogo).
5. Os jogos bancados são os únicos jogos de fortuna ou azar cuja exploração e prática no território nacional é objeto de reserva absoluta aos casinos.
6. A «proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo» prevista no artigo 3.º, n.º 3 da Lei do Jogo apenas confere um direito territorial negativo contra a abertura de determinadas formas de concorrência de exploração de jogos de fortuna ou azar na distância mínima que venha a ser determinada no decreto regulamentar relativo às condições específicas da concessão e não compreende a atribuição de qualquer direito de exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos casinos na área abrangida pelas distâncias mínimas estabelecidas em decreto regulamentar.
7. A «proteção concorrencial» prevista no artigo 3.º, n.º 3 da Lei do Jogo reporta-se apenas à exploração em «casinos de zonas de jogo» não abrangendo a exploração e prática de jogos de fortuna ou azar legalmente admissível fora de casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporário.
8. O artigo 7.º, n.º 3, da Lei do Jogo é a única norma que regula a determinação subjetiva dos operadores que podem ser autorizados a explorar fora de casinos de zonas jogo: (a) jogos não bancados por ocasião de manifestações de relevante interesse turístico e (b) jogos de máquinas de fortuna ou azar em estabelecimentos hoteleiros de localidades em que a atividade turística for predominante,
9. O artigo 7.º, n.º 3, da Lei do Jogo compreende duas estatuições:
a) As autorizações só podem ser concedidas à concessionária da zona de jogo cujo casino, em linha reta, se situar mais perto do local onde tiver lugar a exploração;
b) As referidas autorizações são independentes da «proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo».
10. Pelo que, em detrimento do concurso público, estabelece-se um critério legal que implica a existência em cada localidade de uma única entidade a quem pode ser concedida a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos casinos de zonas de jogo no quadro previsto nos números 1 e 2 do artigo 7.º da Lei do Jogo.
11. Daí que, para evitar qualquer dúvida, se sublinhe que a atribuição das referidas exploração fora dos casinos de jogos não bancados e de máquinas de jogo opera independentemente da proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo.
12. A prescrição referida na conclusão precedente não gera qualquer antinomia normativa pois a conjugação do disposto nos artigos 3.º, n.º 3, e 7.º, n.º 3, da Lei do Jogo implica que a proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo releva apenas para a prática e exploração de jogos nos casinos, não abrangendo autorizações de explorações fora dos casinos, nos casos em que estas sejam legalmente admissíveis.
13. A proteção concorrencial de que beneficia a concessionária da zona de jogo do Estoril consagrada no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 274/84, de 9 de agosto, relativa a um raio de 300 km com centro no Estoril reporta-se apenas à «criação de novas zonas de jogo».
14. A estatuição da primeira parte do número 3 do artigo 7.º da Lei do Jogo ao excluir a concessão das autorizações de um processo concorrencial aberto a outros operadores exige que o Estado português satisfaça o ónus de demonstração da conformidade dessa restrição da concorrência com o direito da União Europeia, bem como da respetiva adequação e proporcionalidade — atento o disposto nos artigos 49.º e 56.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e a diretiva 2014/23/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa à adjudicação de contratos de concessão e a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre exploração de jogos de fortuna ou azar.
15. A Lei do Jogo na sua redação atual não compreende nenhuma prescrição sobre um limite ao número de máquinas de fortuna ou azar a instalar fora de casinos em estabelecimentos hoteleiros ou complementares em localidades em que a atividade turística for predominante, nomeadamente, por referência ao número de máquinas instaladas no interior de casino explorado pela específica concessionária à qual seja autorizada a exploração de máquinas fora de casino.
16. As salas de jogo criadas ao abrigo do artigo 7.º, n.º 2, da Lei do Jogo estão sujeitas a todas as restrições aplicáveis às salas de máquinas dos casinos podendo, ainda, ser sujeitas a outros condicionamentos especiais — estabelecidos no decreto-regulamentar e na portaria referidos, respetivamente, nos números 3 e 4 do artigo 7.º da Lei do Jogo —, inclusive quanto ao número limite de máquinas admissíveis em cada sala de jogo fora dos casinos.


ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 10 DE JULHO DE 2014.


Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha – Paulo Joaquim da Mota Osório Dá Mesquita (Relator) – Alexandra Ludomila Ribeiro Fernandes Leitão – Manuel Pereira Augusto de Matos – Fernando Bento – Maria Manuela Flores Ferreira.











[1] Ofício de 30-4-2014, entrado na Procuradoria-Geral em 2-5-2014 e distribuído ao relator por despacho de 2-5-2014.
[2] Subscrito pelo Secretário de Estado do Turismo.
[3] Publicado no Diário da República II.ª Série, de 21-1-2013 (também acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf).
[4] Sem prejuízo da possibilidade de «informar o Governo, por intermédio do Ministro da Justiça, acerca de quaisquer obscuridades, deficiências ou contradições dos textos legais e propor as devidas alterações», prevista na alínea d) do artigo 32.º do EMP.
[5] Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, Coimbra Editora, Coimbra, 4.ª ed., 2007, p. 208.
[6] Refira-se que da categoria dos jogos de fortuna ou azar se distinguem tradicionalmente outros jogos objeto de monopólio estatal, os jogos sociais, embora a destrinça entre as duas categorias venha a sofrer uma progressiva erosão. A lotaria foi autorizada como privilégio exclusivo da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa em 1783 — cf. C. A. Mota Pinto / A. Pinto Monteiro / Calvão da Silva, Jogo e Aposta — Subsídios de Fundamentação Ética e Histórico Jurídica, Santa casa da Misericórdia de Lisboa, Lisboa, 1982; Luís Silva Morais, «O regime do jogo e o direito comunitário», in Estudos em Honra do Professor Doutor José de Oliveira Ascensão, volume I, Almedina Coimbra, 2008, pp. 578 e ss.
[7] Sobre o tema, cf. Eduardo Paz Ferreira, «Algumas considerações sobre o papel do monopólio público do jogo no quadro das modernas finanças públicas», Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem a Professor João Lumbralles, Coimbra Editora, Coimbra, pp. 163 e ss..
[8] Nos termos do artigo 1.º da atual Lei do Jogo. No regime legal anterior o conceito era mais restrito, reportando-se a jogos «cujos resultados são contingentes, por dependerem exclusivamente da sorte» (artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 48912, de 1969)
[9] Alterada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de janeiro, Lei n.º 28/2004, de 16 de julho; Lei n.º 40/2005, de 17 de fevereiro; Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro e Decreto-Lei n.º 114/2011, de 30 de novembro. A atual Lei do Jogo teve na base, nomeadamente, a Lei de autorização legislativa Lei n.º 14/89, de 30 de junho.
[10] O n.º 2 transcrito foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/95, a redação originária do Decreto-Lei n.º 422/89 prescrevia:
«2- Para efeitos de exploração e prática de jogos de fortuna ou azar haverá zonas de jogo no Algarve, em Espinho, no Estoril, na Figueira da Foz, no Funchal, em Porto Santo, na Póvoa de Varzim, em Tróia e em Vidago-Pedras Salgadas.»
[11] Excluindo-se neste ponto a problemática específica da exploração de jogos em navios ou aeronaves, matéria prevista no artigo 6.º da Lei do Jogo, cuja atual redação prescreve:
«1 - O membro do Governo responsável pela área do turismo poderá autorizar, por tempo determinado, ouvidas a Inspeção-Geral de Jogos e a Direção-Geral do Turismo, a exploração e prática de quaisquer jogos de fortuna ou azar a bordo de aeronaves ou navios registados em Portugal, quando fora do território nacional.
«2 - A exploração a que se refere o número anterior só pode ser concedida às empresas proprietárias ou afretadoras dos navios ou aeronaves nacionais ou a empresas concessionárias das zonas de jogo, com autorização daquelas.
«3 - A exploração e a prática dos jogos de fortuna ou azar que sejam autorizadas nos termos do presente artigo obedecem às regras estabelecidas para a sua realização em casinos, fixando o membro do Governo da tutela por portaria as condições específicas a que devem obedecer.
[12] Onde se podem distinguir algumas categorias legisladas no Decreto n.º 40910, de 19 de dezembro de 1956, e Decreto-Lei n.º 268/92, de 28 de novembro, e ainda nas Resoluções do Conselho de Ministros n.º 45/95, de 23-3, e n.º 106/96, de 11-7.
[13] Cuja exploração é conferida com direito exclusivo à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa sendo a designação de jogo social sustentada «em virtude do conjunto de missões estatutárias atribuídas a essa instituição no domínio da ação social» (Luís Silva Morais, op. cit., p. 581).
[14] Op. cit., p. 582.
[15] Idem, p. 583.
[16] Concluindo que «atividade da Betandwin se relaciona com o jogo de fortuna ou azar (jogos de casino e apostas)», aduzindo mais à frente, em sintonia com o tema desse parecer, que o «legislador trata o patrocínio como publicidade e que proíbe, com a exceção dos jogos da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa, a publicidade dos jogos de fortuna ou azar» (o parecer n.º 97/2005 foi publicado no DR, II S., de 1-8-2006).
[17] Carlos Ferreira de Almeida, Contratos II: Conteúdo. Contratos de Troca, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2011, pp. 265-268.
[18] Vasco António Vilares Roque, por um outro trilho, conclui «pode afirmar-se que os casinos constituem o local / regra da exploração dos jogos e que os demais locais fora dos casinos, onde os mesmos jogos podem vir a ser também autorizados, constituem exceção àquela regra geral» (A lei do jogo e os seus regulamentos – Anotada e comentada, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, p. 158).
[19] «Parecer», Estudos sobre concessões e outros atos da administração, Almedina, Coimbra, pp. 535-539.
[20] Vasco António Vilares Roque, op. cit., p. 159.
[21] Idem, ibidem.
[22] Assim Luís Silva Morais, op. cit., p. 589.
[23] Preconizada em parecer jurídico de J. M. Sérvulo Correia, Rui Medeiros e Marisa Martins Fonseca solicitado pelo Grupo Estoril-Sol entidade concessionária da zona de jogo do Estoril e entregue por este operador ao Estado (p. 18). Esse parecer foi remetido pela entidade consulente como anexo I ao ofício em que se formulou a consulta ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República.
[24] Pub. no DR IS.-A, de 8-3-2010.
[25] No anterior regulamento aprovado pelo Decreto-Lei n.º 314/95, de 24-11, anexo a esse diploma, no artigo 3.º, n.º 2, admitia-se, apenas, «a concessão da exploração de salas de jogo do bingo fora da área dos municípios onde se localizam casinos e dos municípios adjacentes».
[26] No caso não existe nenhum elemento político mas uma estrita categoria geológica.
[27] Este referente territorial será possivelmente o mais controverso, mas atento o objeto do parecer e a fórmula adotada pela lei para respetiva proteção concorrencial não se justifica aprofundar este tema específico.
[28] Artigo 12.º do Decreto Regulamentar n.º 1/95, de 19-1.
[29] Artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 274/88, de 3 de agosto.
[30] Artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 274/84, de 9 de agosto.
[31] O Decreto Regulamentar n.º 81/80, de 17 de dezembro, nada diz quanto a distância mínima de proteção que vá além da localidade.
[32] Artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 274/88, de 3 de agosto.
[33] O artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 229/2000, de 23 de setembro, apenas refere o exclusivo relativo à península de Troia não prevendo qualquer distância mínima que esteja para além dessa península.
[34] Artigo 15.º do Decreto Regulamentar n.º 30/99, de 20 de dezembro.
[35] «Concessões de atividades públicas e direitos de exclusivo», Revista da Ordem dos Advogados, ano 72, 2012, pp. 1096-1097.
[36] Op. cit., p. 1113.
[37] Expressão de Celso A. Bandeira de Mello adotada por Lino Torgal / João Geraldes, op. cit., p. 1115.
[38] A referência a um novo casino sendo a que resulta de forma direta do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 15/2003 — «Na zona de jogo do Estoril é autorizada a exploração de jogos de fortuna ou azar em dois casinos, um situado no Estoril e outro em Lisboa» —, na retórica do preâmbulo chega a ser qualificada como «uma mera extensão física do Casino Estoril».
[39] Cf. acórdão n.º 869/96 do Tribunal Constitucional.
[40] Alexandre Sousa Pinheiro / Pedro Lomba, Comentário à Constituição Portuguesa, vol. III, 1.ª tomo, Coimbra, Almedina, 2008, p. 220.
[41] A fórmula «limites indicados» é empregue por Celso Cunha / Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Ed. João Sá da Costa, 1984, p. 566.
[42] Cf. Instituto Houaiss de Lexicografia, Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, tomo 8, Temas e Debates, Lisboa, 2005, p. 3347.
[43] Supra § II.2.2.3.
[44] Cf. supra § II.2.1.
[45] Norma geral que apenas ressalva entre as cinco tipologias de exploração de jogos de fortuna ou azar, a exploração e prática de quaisquer jogos de fortuna ou azar a bordo de aeronaves ou navios registados em Portugal, quando fora do território nacional — «salvo os casos previstos no n.º 2 do artigo 6.º». Pelo que, a norma transcrita abrange a atribuição do direito de explorar jogos de fortuna ou azar nos casinos das zonas de jogo e fora dos casinos das zonas de jogo, de jogos não bancados por ocasião de manifestações de relevante interesse turístico, de jogos em máquinas de fortuna ou azar em estabelecimentos hoteleiros sitos em localidades em que a atividade turística for predominante e em salas próprias de jogo do bingo.
[46] Prescrevendo-se no artigo 10.º, n.º 1, a regra do concurso público.
[47] Cuja existência obstaria a que se adjudicasse um direito de exploração violador do exclusivo.
[48] Sobre esse parecer vd. supra nota 23 do § II.2.2.2.
[49] Cf. pp. 25-26 do parecer.
[50] Parecer, pp. 30-35
[51] Supra §§ II.3.1.3 e II.3.2.2.
[52] A fundamentação adotada no presente parecer do Conselho Consultivo sobre a problemática dos jogos objeto de reserva absoluta e relativa ao contexto dos casinos das áreas de jogo, regimes de exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos casinos, proteção concorrencial entre casinos de zonas de jogo e direitos exclusivos (cf. supra §§ II.2 e II.3) é bastante distinta de que conforma o parecer de J. M. Sérvulo Correia, Rui Medeiros e Marisa Martins Fonseca referido supra na nota 23 do § II.2.2.2, e parcialmente transcrito no § II.4.2.1 na parte reportada exclusivamente à interpretação do n.º 3 do artigo 7.º da Lei do Jogo.
[53] «A aplicação do critério da proximidade em linha reta só viria deturpar os termos equitativos mediante os quais o mencionado regime foi instituído.»
[54] Vd. supra § II.3.1.3. Cingindo-nos a Portugal continental no caso da proteção da zona de jogo do Estoril a mesma abrange quase por inteiro o território de Portugal Continental, quase só com exclusão apenas da região do Minho e de uma parte considerável de Trás-os-Montes e Alto Douro. Bragança e Vila Real já estão a mais de 300 km, mas as cidades da Guarda, Viseu e Lamego ainda estão no raio de 300 km.
[55] Sobre as proteções concorrenciais dessas zonas de jogo, cf. supra §§ II.3.1. e II.3.2.2.
[56] Com efeito, se o exclusivo pode ser partilhado, nada obstaria à criação de novas zonas de jogo, ou pelo menos de ampliação das distâncias mínimas de proteção / exclusivo de concessionários entre si. Prevaleceria, assim, não o exclusivo no sentido de privar terceiros mas um direito inclusivo de exploração isolada ou em regime partilhado.
[57] Supra § II.3.
[58] Sobre a leitura deôntica da função modal e negação, cf. Fátima Oliveira / Amália Mendes, «Modalidade», in Gramática do Português (eds. Eduardo Buzaglo Paiva Raposo, et al.), vol. I, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2013, pp. 623-670.
[59] Cf. supra § II.1.
[60] Como se explanou como mais desenvolvimento supra no § II.3.1.3.
[61] O qual, à data do presente parecer não se encontra acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf, subsistindo apenas na «área reservada».
[62] O qual, à data do presente parecer não se encontra acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf, subsistindo apenas na «área reservada».
[63] Legalidade e Administração Pública – O sentido da vinculação administrativa à juridicidade, Coimbra, Almedina, 2003 (reimp. de 2007), p. 705. [Refira-se que se entende que as menções bibliográficas não devem ser objeto de citação em segunda mão que não respeite a enunciação do texto em que a mesma foi inserida, apenas se integrando a referida menção na sequência de notas do presente parecer pela circunstância de o relator ser o mesmo].
[64] Publicado no Diário da República II.ª Série, de 11-7-1986 e Pareceres — Constituição da República Portuguesa, vol. V, Lisboa, Procuradoria-Geral da República, 1998, pp. 33-57, as conclusões também se encontram acessíveis na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf.
[65] Esse parecer, que não foi homologado pelo governo, encontra-se integralmente publicado Pareceres — Constituição da República Portuguesa, vol. V, Lisboa, Procuradoria-Geral da República, 1998, pp. 59-91 e acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf.
[66] Inédito que apenas se encontra na «área reservada» da base de dados sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf.
[67] Publicado no Diário da República II.ª Série, de 31-8-2005 e acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf.
[68] Nesse parecer também se destacaram outras coordenadas centrais que valem mesmo quanto aos «regulamentos internos» (omitem-se nesta citação as referências bibliográficas do parecer que constam do trecho):
«Ora, atenta a natureza regulamentar das instruções de serviço contidas no despacho em apreço, parece resultar do seu caráter interno a caracterização desse despacho, prima facie, como regulamento interno – o que poderá excluir a sua impugnabilidade direta.
«Porém, isto não significa que o despacho em causa não tenha repercussão externa.
«Trata-se de um regulamento que não se esgota no âmbito da organização administrativa, na medida em que vem a operar efeitos, através de atos administrativos de aplicação, em situações individuais e concretas exteriores à Administração. Deste ponto de vista, podemos dizer que constitui aquilo que a doutrina designa de regulamento mediatamente operativo.
«Com efeito, esse despacho veio a ter efetiva repercussão na posição dos interessados, porquanto influenciou decisivamente o ato de atribuição dos pontos de receção de energia elétrica, a cargo do DGGE.
Nesta conformidade, e independentemente de qualquer juízo sobre a questão da impugnabilidade do despacho regulamentar em causa, sempre será de concluir no sentido da possibilidade de aferição da ilegalidade do Despacho nº 53-A/XVI/2005, proferido pelo Secretário de Estado do Desenvolvimento Económico, a qual relevará para a determinação de vícios do ato administrativo do DGGE que lhe deu aplicação.»
[69] Publicado no Diário da República II.ª Série, de 23-5-2012 e acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf.
[70] Parecer publicado no Diário da República II.ª Série, de 12-11-2007, e que também se encontra acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf. Tendo-se avançado numa consideração sobre a eventual responsabilidade dos agentes que apliquem o regulamento em detrimento da lei que foi bastante mais além do estrito dever de aplicação da norma legal em prejuízo da prevista no regulamento. Afirmou-se então sobre a eventual aplicação de normas do Código Deontológico da Ordem dos Médicos:
«Pode mesmo afirmar-se que a instauração de um procedimento disciplinar que visasse o hipotético sancionamento daqueles médicos, no pressuposto de que a sua intervenção teria respeitado o quadro de intervenção legalmente definido, poderia mesmo integrar responsabilidade criminal pelos responsáveis pela instauração de tal procedimento.
«De facto, é manifesto que se trata de uma conduta conforme ao direito e, portanto, lícita, não portadora de qualquer ilícito disciplinar, pelo que a instauração de um processo disciplinar nestas circunstâncias seria subsumível à previsão do artigo 369.º do Código Penal (denegação de justiça e prevaricação).
«As disposições daqueles artigos do Código Deontológico, no que se refere ao aborto, são manifestamente ilegais, havendo que extrair daí as necessárias consequências […].»
O problema da força das normas do atual Código Deontológico da Ordem dos Médicos, aprovado pelo Regulamento n.º 14/2009, de 13 de janeiro, e a articulação com o artigo 109.º do regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho aprovado pela Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, foi apreciado no parecer n.º 35/2012, de 14-2-2013 (parecer inédito que apenas se encontra na «área reservada» da base de dados sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf).
[71] Ênfase na vinculação à lei e prevalência desta fonte normativa que não olvida que o regulamento ilegal pode, em certos casos, ter implicações jurídicas, em particular, quando, como sublinha Ana Raquel Gonçalves Moniz, «haja confiança digna de proteção e, sobretudo, investimento da confiança» (A Recusa de Aplicação de Regulamentos pela Administração com Fundamento em Invalidade — Contributo para a teoria dos Regulamentos, Almedina, Coimbra, 2012, pp. 657-658). Podendo referir-se sobre a problemática, além dos vários autores referidos nos pareceres mencionados, em particular no parecer n.º 66/2005, Paulo Otero, op. cit., pp. 703-704; Marcelo Rebelo de Sousa / André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, tomo I, Lisboa, Dom Quixote, 2ª ed., 2006, pp. 161-164, 176-177 e Ana Raquel Gonçalves Moniz, op. cit., pp. 593-851.
[72] Além das específicas questões envolvidas pela diversidade de fontes normativas, as leis integram o exercício da função legislativa enquanto os regulamentos enquadram-se já no exercício da função administrativa obrigatoriamente vinculada à legalidade democrática.
[73] Cf. supra § II.1.
[74] Afirma-se na fundamentação da consulta:
«Ora, ao longo destes 25 anos, a exploração e prática do jogo inevitavelmente sofreu, como qualquer outra atividade económica, grandes alterações e abriu novas modalidades e oportunidades de negócio, muitas vezes reclamadas e ambicionadas pelos operadores económicos.
«O modelo de exploração do jogo em Portugal carece, pois, de ser repensado e tratando-se de uma atividade reservada ao Estado, esse exercício tem de envolver também uma alteração do quadro normativo que a regula, de molde a permitir acompanhar os desenvolvimentos e a evolução verificada nos últimos anos. Nessa alteração está o Governo empenhado, encontrando-se em curso um trabalho de reflexão sobre o modelo de exploração do jogo.
«Nesse enquadramento e âmbito, têm os concessionários de zonas de jogo, através de associação representativa, solicitado ao Governo que aprove diplomas regulamentares para, em desenvolvimento e dando execução ao regime já previsto na Lei do Jogo, proceder à definição dos termos e condições em que pode ser autorizada a exploração de jogos (slot machines).»
[75] Supra § II.2
[76] O qual, à data do presente parecer não se encontra acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf, subsistindo apenas na «área reservada».
[77] C‑275/92, Colet., p. I‑1039, n.° 22.
[78] A primeira conclusão do aresto foi: «A importação de documentos publicitários e de bilhetes de lotaria num Estado-membro, para fazer participar os habitantes desse Estado-membro numa lotaria organizada num outro Estado-membro, constitui uma atividade de "serviços", na aceção do artigo 60.º do Tratado, abrangida, portanto, pelo âmbito de aplicação do artigo 59.º do Tratado CEE.».
[79] Implicações cuja controvérsia se refletiu na doutrina portuguesa, v.g. Luís Silva Morais, op. cit., pp. 592-620; João Caupers / Nuno Piçarra, «Jogos de azar e azar ao jogo», Revista de Direito Público, N.º 4, 2010, pp. 227-246; Nuno Piçarra, «Os jogos de fortuna ou azar online perante o direito da União Europeia: o acórdão Santa Casa e os seus antecedentes», Estudos em Memória do Prof. Doutor J. L. Saldanha Sanches, volume I, Coimbra, 2011, pp. 547-579; «Anotação ao acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 8 de Setembro de 2009, Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Bwin International Ltd contra Departamento de Jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, C-42/07”, in Maria Luísa Duarte et al. (ed.), 20 Anos de Jurisprudência da União sobre Casos Portugueses. O que fica do diálogo entre os juízes portugueses e o Tribunal de Justiça da União Europeia, Lisboa, 2011, pp. 311-334; «A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia em matéria de jogos de fortuna ou azar: tendências, tensões e paradoxos», in Direito & Desporto, ano VIII, n.º 23, 2011, pp. 165-225.
[80] Nomeadamente sobre a amplitude territorial das restrições à concorrência.
[81] Em particular a jurisprudência do acórdão 6 de março de 2007, Placanica e outros (C-338/04, C-359/04 e C-360/04, Colet., p. I-1891).
[82] Também merecem atenção as duas conclusões seguintes do advogado-geral:
«b) Se opõem a uma legislação nacional que garanta de facto as manutenção das posições comerciais adquiridas com base num procedimento que excluiu ilegalmente uma parte dos operadores, opondo-se, em particular, à proibição de os novos concessionários abrirem pontos de venda a menos de uma determinada distância relativamente a outros já existentes.
«c) Se opõem a uma legislação nacional que preveja a caducidade da concessão de jogo no caso de o concessionário exercer uma atividade transfronteiriça de jogo, independentemente da forma pela qual a mesma é exercida e mesmo sendo possível um contacto direto entre o consumidor e o operador e um controlo físico, para fins policiais, dos intermediários da empresa presentes no território nacional.»
[83] Sobre o enquadramento da categoria cf. supra §§ II.2.2.1 a II.2.2.3.
[84] Supra § II.2.2.2.
[85] A norma refere a Inspeção-Geral de Jogos e a Direção-Geral do Turismo, mas estas entidades foram «sucedidas» pelo Turismo de Portugal, I. P. (artigo 24.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 141/2007, de 27 de abril), cujos estatutos foram aprovados pela Portaria n.º 539/2007 de 30 de abril. No quadro do Turismo de Portugal I.P., o Serviço de Inspeção de Jogos passou a exercer as competências anteriormente atribuídas à Inspeção-Geral de Jogos, e os seus regulamentos internos foram aprovados através do Despacho Normativo n.º 64/2008.
[86] O regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 228/2009, de 14 de setembro, e Decreto-Lei n.º 15/2014, de 23 de janeiro prescreve no artigo 11.º, n.º 2:
«Os estabelecimentos hoteleiros podem ser classificados nos seguintes grupos:
«a) Hotéis;
«b) Hotéis-apartamentos (aparthotéis), quando a maioria das unidades de alojamento é constituída por apartamentos;
«c) Pousadas, quando explorados diretamente pela ENATUR — Empresa Nacional de Turismo, S. A., ou por terceiros mediante celebração de contratos de franquia ou de cessão de exploração, e instalados em imóveis classificados como monumentos nacionais, de interesse público, de interesse regional ou municipal, ou em edifícios que, pela sua antiguidade, valor arquitetónico e histórico, sejam representativos de uma determinada época.»
A categoria «estabelecimentos complementares» não está especificamente prevista no atual regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, e, tendo em atenção a economia do presente parecer em face do seu objeto (supra §§ I e II.1), não se justifica aprofundar nesta sede uma interpretação atualista da fórmula empregue pela Lei do Jogo no artigo 7.º, n.º 2.
[87] Preceito que se deve, ainda, articular com o n.º 2 do artigo 55.º: «A determinação para a abertura à exploração de salas, bancas, máquinas ou grupos de máquinas referirá o número considerado indispensável no momento para garantir a comodidade dos jogadores.»
[88] Cf. supra § II.1.
[89] Anotação ao artigo 112.º», in Jorge Miranda / Rui Medeiros (eds.), Constituição Portuguesa Anotada, tomo II, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 263.
[90] Op. cit., p. 76.
[91] Matéria abordada recentemente no parecer n.º 9/2013, de 5-12-2013, com referência de alguma da doutrina perfilhada por este Conselho, o qual, à data do presente parecer não se encontra acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf, subsistindo apenas na «área reservada»..
[92] Cf. supra § II.4.
[93] Até porque, em teoria, o concessionário de um determinado casino em zona de jogo pode ser adjudicatário de uma pluralidade de concessões para salas máquinas de jogos de fortuna ou azar em estabelecimentos hoteleiros ou complementares de uma pluralidade de localidades em que a atividade turística for predominante.
[94] Sem embargo, a interpretação sistemática e teleológica do sistema legal sobre autorizações da exploração de jogos de fortuna ou azar admite que em diploma regulamentar sobre a concessão da exploração de salas de máquinas previstas no artigo 7.º, n.º 2, da Lei do Jogo, o número de máquinas de jogos de fortuna e azar por sala possa ter por referência o número de máquinas existente no casino mais próximo.