Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00007929
Parecer: P000261988
Nº do Documento: PPA19881110002600
Descritores: ORDEM DOS ADVOGADOS
ESTATUTO
ASSOCIAÇÃO PUBLICA
ORDEM PROFISSIONAL
LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO
ADVOCACIA
PRINCIPIO DA NECESSIDADE
PRESUNÇÃO DE CULPA
PRINCIPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCIPIO IN DUBIO PRO REO
ADVOGADO
PRINCIPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCENCIA
INSCRIÇÃO OBRIGATORIA
SUSPENSÃO PREVENTIVA
LIBERDADE SINDICAL
PROCESSO DISCIPLINAR
INCOMPATIBILIDADE
QUOTIZAÇÃO OBRIGATORIA
DIREITO AO TRABALHO
RECUSA DE INSCRIÇÃO
PRINCIPIO DA IGUALDADE
SUSPENSÃO DE INSCRIÇÃO
FUNCIONARIO PUBLICO
FUNÇÃO JURISDICIONAL
Livro: 00
Pedido: 03/16/1988
Data de Distribuição: 03/17/1988
Relator: HENRIQUES GASPAR
Sessões: 02
Data da Votação: 11/10/1988
Tipo de Votação: MAIORIA COM 4 VOT VENC
Sigla do Departamento 1: PGR
Entidades do Departamento 1: PROCURADOR GERAL DA REPUBLICA
Privacidade: [11]
Data do Jornal Oficial: 000000
Indicação 2: ASSESSOR: MEIRIM
Área Temática:DIR ADM * ASSOC PUBL / DIR CONST * DIR FUND / DIR PROC PENAL.
Ref. Pareceres:P000361984
P001271985
Legislação:EOADV84 ART53 N1 N5 ART69 N1 I ART69 N2 ART70 N2 ART149 N1 ART68 ART5 N3 ART156 N1 D ART116 N1.; CONST76 ART46 N1 N3 ART56 N2 B ART18 ART59 N1 ART62 N1 ART20 ART205 ART267 N1 N3 ART13 ART32 N2.
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:AC TC 143/85.
P CC 2/78.
AC CC 168.
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1 - A Ordem dos Advogados, cujo Estatuto foi aprovado pelo Decreto-Lei n 84/84, de 16 de Março, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n 1/84, de 15 de Fevereiro, constitui uma associação publica;
2 - Como associação publica, integra-se na estrutura da administração nos termos do artigo 267, ns 1 e 3, da Constituição, e exerce por devolução do Estado, funções proprias da actividade administrativa;
3 - A Ordem dos Advogados, como associação publica não nasce do exercicio do direito da livre associação consagrado no artigo 46 da Constituição e, por ser necessario a prossecução das suas finalidades especificas, detem o privilegio da unicidade de representação e da inscrição obrigatoria;
4 - Não são, consequentemente, inconstitucionais, por violação do direito (negativo) de associação, as normas do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei n 84/84, de 16 de Março, que impõem a inscrição obrigatoria na Ordem para a obtenção da qualidade de advogado e para o exercicio da profissão;
5 - A norma constante do artigo 69, n 1 alinea i), e do n 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados, estabelecendo incompatibilidades do exercicio da advocacia com algumas funções publicas e não com quaisquer funções exercidas por conta de outrem, contem uma discriminação de tratamento não justificavel perante as finalidades a que visam, nos termos do artigo 68 do estatuto, do lado de advocacia, o estabelecimento de incompatibilidades - a defesa da dignidade e independencia da profissão;
6 - A norma constante do artigo 69, n 1, alinea i), e do n 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados, estabelecendo, por seu lado, diferenciação de tratamento em materia de incompatibilidades entre os funcionarios e agentes de quaisquer serviços publicos que exerçam exclusivamente funções de consulta juridica, e outros funcionarios ou agentes, contem uma discriminação igualmente não justificavel perante as finalidades a que se visa a criação de incompatibilidades;
7 - A norma constante do artigo 69, n 1, alinea i), e do n 2, ofende, deste modo, o principio da igualdade consagrado no artigo 13 da Constituição;
8 - Pelos motivos invocados no parecer, não são inconstitucionais as normas constantes dos artigos 53, ns 1 e 5, 70, ns 1 e 2, 116, n 1, alineas a) e b) e 149, n 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados.

Texto Integral:
1. Em exposições que dirigiram a Vossa Excelência, dois Senhores Advogados questionam a constitucionalidade de variadas disposições do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março, solicitando a promoção junto do Tribunal Constitucional, dos procedimentos tendentes à declaração de inconstitucionalidade das normas que invocam (1).

Numa das exposições, mais estruturada, delimitada e definida no enunciado das questões que suscita e das finalidades que visa, arguem-se de inconstitucionais as normas constantes do artigo 53º, nºs 1 e 5 (ofensa do direito de associação), artigo 69º, nº1, alínea i) e nº2 (respeitante à definição de incompatibilidades), artigo 70º (contencioso de verificação de incompatibilidades) e artigo 149º (obrigatoriedade do pagamento de quotizações), todos do Estatuto da Ordem dos Advogados, por violação dos artigos 46º, nºs 1 e 3, 56º, nº2, alínea b), 18º
59º, nº1, e 62º, nº1, 20º e 205º da Constituição da República.

Noutra, questiona-se a inconstitucionalidade total da Ordem dos Advogados, pela sua própria natureza integrante das formas de "organização corporativa” (não recriada nem reconvertida em moldes diferentes dos anteriores), e aduzem-se, ainda, algumas especificações de violações estatutárias de princípios constitucionais - questões referentes à liberdade de associação, frustração) de direito ao trabalho, à jurisdição disciplinar e respectiva garantia de apreciação contenciosa, inexistência de democracia funcional interna, e estatuição de penas (maiores) aplicáveis por órgãos que não são tribunais soberanos e independentes.

Prestada informação por um Assessor do Gabinete, determinou Vossa Excelência, pela importância e complexidade da matéria, a audição do Conselho Consultivo.

Cumpre, pois, emitir parecer.

2. O Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei nº 1/84, de 15 de Fevereiro, aprovou o Estatuto da Ordem dos Advogados (2) - artigo 1º, da mesma forma que revogou os artigos 538º a 672º -título V, do Estatuto Judiciário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 44278, de 14 de Abril de 1962.

Pelo artigo 1º dos Estatutos aprovados por aquele diploma, a Ordem ficou definida como a instituição representativa dos licenciados em Direito que, em conformidade com os preceitos do Estatuto e demais disposições legais aplicáveis, exerçam a advocacia.

A Ordem goza de personalidade jurídica e é independente dos órgãos do Estado, sendo livre e autónoma nas suas regras .

No preâmbulo do diploma, o legislador do Decreto-Lei nº 84/84 começa por afirmar, de forma marcada, que o Estado, no uso de poderes que são seus, tem o direito e o dever de regular as associações públicas. E acrescenta constituir a Ordem dos Advogados "justamente um exemplo dos mais importantes do tipo de associações públicas que se ocupam da regulamentação do exercício das profissões liberais, designadamente nos aspectos deontológicos e disciplinares".

A expressa categorização da Ordem dos Advogados como associação pública" impõe metodologicamente algumas considerações em redor deste conceito, lugar dialéctico de alguns princípios que constituem o quadro de fundo da discussão a propósito das implicações constitucionais suscitadas.

A Administração moderna do Estado Social, com interpenetração ou compenetração de interesses, "que se apoiam, se associam, se tocam e seccionam em planos diversos" em "indiscutível pluralismo social" (3), traduz-se numa Administração conformadora e de prestação, em que, “para obter maior eficiência ou racionalidade processual, num contexto agora permeável a ideias de participação e de promoção de interesses de grupos, se serve de diferentes formas de colaboração dos administrados" (4).

A crescente complexidade e diversidade da acção administrativa, está numa relação directa com a adopção de instâncias e técnicas participativas, relação directa e imediata entre uma Administração carregada de tarefas e tensões e uma descentralização que opera através de múltiplas autarquias institucionais e corporacionais.

"Conhecem-se ainda as vantagens desta Administração associativa: a proximidade das pessoas e dos problemas, o apelo à sua dedicação voluntária e interessada, a adaptabilidade dos recursos disponíveis. Assim como os seus inconvenientes e riscos: fluidez das estruturas jurídicas, a volubilidade das decisões, a burocratização do social ou, ao invés, a desagregação do estadual" (5).

Entre as várias formas ou modos de administração associativa relevam as associações públicas em sentido estrito, que existem "quando se constituam pessoas colectivas tendo por objecto a colaboração entre a Administração e os administrados ou, em certos casos, entre diversos entes administrativos para uma obra comum". As associações públicas distinguem-se de outras formas de colaboração ou participação "pelo carácter institucionalizado e pela personificação jurídica em que se traduzem: a Administração dá o poder e a forma jurídica, os administrados a participação e a conjugação de esforços" (6).

Associações públicas, são, na definição de FREITAS DO AMARAL (7),"as pessoas colectivas públicas, de tipo associativo, criadas para assegurar a prossecução de interesses públicos determinados, pertencentes ao Estado ou a outra pessoa colectiva pública".

Constituem entidades que a lei cria ou reconhece para assegurar a prossecução de interesses colectivos, às quais, para tanto, atribui poderes públicos, sujeitando-as, em correspondência, a algumas especiais restrições de carácter público - administração de interesses públicos (de interesses do Estado) que a entidade titular transfere através da devolução de poderes.

Seguindo a lição de JORGE MIRANDA (8), pode definir-se o conceito numa fórmula sintética, dizendo que a associação pública é a associação submetida a um regime específico de direito administrativo, ou a “pessoa colectiva de tipo corporacional constituída para a prossecução de interesses públicos e dotada dos necessários poderes jurídico-administrativos".

Decompõe-se o conceito em três elementos: a natureza associativa - os associados são os destinatários da actividade administrativa; a prossecução de interesses públicos - seja de interesses públicos colectivos específicos, seja de interesses públicos primários e a inserção no âmbito da Administração - enquanto expressão de descentralização funcional.

3. A revisão de 1982 constitucionalizou o conceito de associações públicas.

Enunciando os princípios constitucionais relativos estrutura organizatória da administração, o artigo 267º, nº1, impõe que a Administração Pública seja estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efectiva, designadamente por intermédio de associações públicas, organizações populares de base ou outras formas de representação democrática.

As associações públicas só podem ser constituídas para a satisfação de necessidades específicas, não podem exercer funções próprias das associações sindicais e terão organização interna baseada no respeito dos direitos dos seus membros e na formação democrática dos seus órgãos - artigo 267º, nº3.

É, por outro lado, da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre associações públicas - artigo 168, nº1, alínea t),da Constituição.

As associações públicas são, assim, constitucionalmente consideradas como formas de participação dos interessados na administração pública; integram-se na administração, participando da actividade administrativa.

Através delas, como se vê, o Estado confere aos interessados certos poderes públicos, submetendo-as, consequentemente, a um regime de direito público - na criação, na conformação organizatória, no controlo de legalidade dos actos.

O reconhecimento constitucional expresso das associações públicas (efectuado na primeira revisão constitucional) veio dar cobertura a este tipo de associações - em grande parte provenientes do sistema constitucional de 1933 - cuja legitimidade constitucional podia ser questionada face ao texto originário da Constituição da República, que as não mencionava (9).

Na verdade, como refere JORGE MIRANDA (10), o conceito de associação pública levanta, não raras vezes, certa hesitação ou perplexidade.

"Por causa do elemento associativo, haverá quem não anteveja o carácter público ou quem suponha que as regras das associações privadas ou do direito constitucional de liberdade de associação valem directamente, como tais, para as associações públicas". "Por causa do elemento finalístico, haverá quem questione o carácter associativo”.

Não se pode, por isso, negar a dialéctica que ocorre nas associações públicas entre a associação e o regime administrativo, entre o elemento pessoal do substracto e o elemento institucional das atribuições, entre a possibilidade da escolha dos meios e a fixidez (relativa) dos fins, entre um conteúdo essencial ou mínimo de liberdade, se não na formação, pelo menos na condução da associação, e a constante referência ao bem público (11).

Para a resolução desta dialéctica (onde reside justamente o cerne do conceito, aquilo que lhe confere a sua irredutibilidade), tudo está, como escreve JORGE MIRANDA, "em apreender a associação pública com um tertium genus a aditar à associação privada e ao instituto público".

Esta tensão que se surpreende no núcleo do conceito esteve presente como ideia matriz nas discussões parlamentares que conduziram à constitucionalização do instituto.

No debate na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional são relevantes as intervenções dos deputados JORGE MIRANDA e VITAL MOREIRA (12).

Relembrem-se alguns passos da intervenção daquele deputado (13):"a figura das associações públicas não é uma figura nova. Existe no direito português. As ordens profissionais são talvez as mais importantes das associações públicas.

Mas há outras, ou pode haver outras. (...). As associações públicas correspondem por um lado, a uma forma de participação dos administrados na Administração e a uma forma de descentralização. Em contrapartida, traduzem-se em restrições ou limitações à liberdade de associação".

A necessidade de constitucionalização do instituto justificava-se, no desenvolvimento do debate, considerando que "as associações públicas vão receber poderes de autoridade (...) e é na parte em que vão receber (tais poderes), que podem ser intensos, sobre os seus membros, que importa que haja uma definição legislativa a cargo da Assembleia da República".

Por sua vez, o deputado VITAL MOREIRA qualificou as associações públicas como "pessoas colectivas de direito público de base associativa", caracterizando-se por dois aspectos: "em primeiro lugar, por serem de direito público e terem poderes de natureza pública; em segundo lugar, e por decorrência desse aspecto, o facto de haver implicações específicas em matéria de liberdade de associação que podem ir até ao ponto da obrigatoriedade da constituição, da filiação obrigatória, (...), como acontece, aliás, entre nós, com as ordens profissionais" (14).

Nestas linhas de tensão dialéctica que conferem irredutibilidade ao conceito de associação pública (essencialmente os pontos de encontro e de conflito com o direito fundamental da liberdade de associação),se centram também os comentários de J.GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (15). Escrevem:

"Problema de grande relevância constitucional é o de saber se e em que medida é que o regime constitucional do direito de associação" (previsto no artigo 46º da Constituição) "vale também para as associações públicas".

"Qualquer que seja a sua configuração rigorosa, tudo aponta para que se trata de uma figura constitucional autónoma, de um tipo particular de associações com um regime jurídico qualificado, não podendo, portanto, estar sujeitas directamente ao regime constitucional geral das associações. Todavia, apesar dessa autonomia, as associações públicas não deixam de ser associações, pelo que o regime especial delas só deve afastar-se do regime geral das associações na medida em que isso seja exigido pela sua natureza pública".

Desenvolvendo este, raciocínio no comentário ao artigo 267º da Constituição, escrevem os mesmos autores (16): “A natureza pública autoriza desvios mais ou menos extensos à liberdade de associação, mas esses desvios devem pautar-se pelos princípios da necessidade e da proporcionalidade, em termos similares aos que regem em geral as restrições dos direitos, liberdades e garantias (artigo 18º, nº2)".

Com a consagração constitucional das associações públicas, operada pela revisão de 1982 (17), continua a haver maiores ou menores dificuldades na qualificação desta ou daquela pessoa colectiva em concreto, em virtude de particularidades do respectivo estatuto ou da própria natureza controvertida (e com dificuldades doutrinais) da própria classificação.

Importa, assim, mais do que rotular certos substractos associativos, analisar os respectivos requisitos essenciais, integradores do seu conteúdo jurídico e, por isso, determinantes do regime que lhes é aplicável.

Podem, para isso, distinguir-se as manifestações próprias do elemento pessoal, do elemento finalístico e da interpenetração entre ambos.

No elemento pessoal podem referir-se alguns índices de relevância: a existência de interesses sociais passíveis de conformação como interesses públicos; a participação dos membros na formação e na alteração das normas estatutárias; a gestão (ou, ao menos, a predominância da gestão) por órgãos representativos dos associados.

No que se refere ao elemento finalístico ou institucional são de sublinhar os seguintes índices: a intervenção do Estado (ou de outra entidade pública) na constituição da associação, seja por lei ou por acto administrativo, seja precedendo deliberação ou solicitação de interessados ou suscitando-a, seja remodelando uma associação privada anterior ou criando ex novo a associação; a dependência da alteração estatutária da intervenção do Estado; a impossibilidade de dissolução por mera deliberação dos associados; a prática de actos administrativos recorríveis contenciosamente; a sujeição a formas de intervenção ou de tutela do Estado; a existência de prerrogativas de autoridade pública.

No que diga respeito à ligação entre os referentes associativo e institucional, são de acentuar os seguintes índices: não sujeição às regras civilísticas da tipicidade das formas de constituição e, extinção (18) ; reconhecimento individualizado da personalidade jurídica; a inscrição obrigatória dos associados; o princípio da existência de uma só associação para uma determinada área de interesses; o exercício de um poder disciplinar sobre os associados.

4. Como matriz fundamental, onde todos estes requisitos essenciais afinal se inscrevem, estão os princípios constitucionais (as regras constitucionais de fundo) a que estão sujeitas as associações públicas tal como constam do artigo 267º, nº3,da Constituição: princípio da excepcionalidade; princípio da especificidade; princípio da exclusão de actividade sindical e princípio da democracia interna (19).

O princípio da excepcionalidade ("as associações públicas podem ser constituídas") afasta a liberdade da criação de associações públicas, que se devem tornar necessárias para satisfazer uma exigência pública caracterizada e específica - corolário de um princípio de proporcionalidade ("correspondência das limitações à liberdade de associação aos benefícios advenientes da organização pública e ainda equilíbrio entre a soma de poderes a conferir à associação pública e o sentido globalizante do interesse público primário assumido pelo Estado") e igualmente concretiza "o princípio da necessidade, próprio do regime de restrição dos direitos, liberdades e garantias, visto que as associações públicas implicam sempre restrições ou desvios a um ou mais aspectos da liberdade de associação".

"O princípio da especificidade consiste em que as associações públicas só podem ser constituídas para a realização de fins específicos, determinados pela necessidade pública que motiva a sua criação, caracteristicamente associada a uma determinada categoria de pessoas (ou de associações), não podendo portanto ter fins genéricos ou indefinidos.

A proibição de exercício de funções sindicais determina "que as associações públicas nunca podem congregar as pessoas enquanto trabalhadores, nem defender os interesses dos seus associados face a entidades empregadoras enquanto tais - contratação colectiva, participação na elaboração da legislação do trabalho, ou o exercício do direito de greve (20)”.

O princípio da democraticidade interna impõe que, enquanto entes públicos, dotados de poderes públicos, as associações públicas devam estar sujeitas a um regime particularmente exigente em matéria de respeito pelos direitos dos membros e da formação democrática dos seus órgãos, com a natural exigência da eleição, por sufrágio universal, directo, secreto e periódico dos seus órgãos directivos ou, ao menos, de uma assembleia de representantes.

O essencial do conceito, na apreensão da sua densidade constitucional (pelos princípios e pela inserção sistemática), consiste, segundo JORGE MIRANDA (21),"em que as associações públicas correspondem, não a um fenómeno de publicização do direito de associação, mas sim a um fenómeno de associativização da organização, administrativa".

Em contrapartida dos poderes públicos que lhes são devolvidos como modo de descentralização administrativa, e para além do respeito pelos princípios constitucionais que são referência fundamental das associações públicas, estas estão sujeitas a variados deveres e sujeições.

Seguindo a exposição de FREITAS DO AMARAL (22) , "têm de colaborar com o Estado (...) em tudo quanto lhes seja solicitado, no âmbito das suas atribuições específicas e com salvaguarda da sua independência; têm de respeitar, na sua actuação, os princípios gerais do direito administrativo aplicáveis ao desempenho da actividade administrativa e, em particular, o princípio da legalidade e o princípio da audiência prévia do arguido em processo disciplinar (due process of law); as suas decisões unilaterais de autoridade, nomeadamente as que recusem a inscrição na associação a quem a ela se julgue com direito e as que apliquem sanções disciplinares, são consideradas como actos administrativos definitivos e executórios, contenciosamente impugnáveis perante os tribunais administrativos (...); as associações públicas fazem parte integrante da Administração Pública para a generalidade dos efeitos (23), e consideram-se, em especial, incluídos no conceito de poderes públicos.

5. As associações profissionais - as "Ordens" profissionais em sentido estrito e outras associações finalísticamente equiparáveis - constituem uma referência relevante na construção conceitual das associações públicas, e, muito particularmente, na promoção que levou à constitucionalização da figura .

A categoria das "Ordens" e das "Câmaras" foi mesmo a que mais custou a aceitar nos "quadros do novo regime democrático português" (24), e a problemática que as envolvia foi referente constante nas discussões travadas na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional a propósito do artigo 267º da Constituição.

Com efeito, não obstante as ordens profissionais existirem em grande parte dos países europeus, desenvolvendo modalidades de administração, independentemente dos sistemas políticos, a continuidade da sua estrutura funcional, a partir de 1974 e da instauração do novo sistema político, foi causa de algumas hesitações e perplexidades.

Dúvidas motivadas pela assimilação que imediatamente foi tentada com a organização política corporativa, instituída pela Constituição de 1933 na qual as associações profissionais denominadas "Ordens" se integrariam (25).

Este tipo de organizações, porém, pela respectiva estrutura, finalidades e funções, conquanto associadas ao regime do Estado corporativo em virtude de simples coincidências históricas (e de assimilação legislativa), não constituíam manifestação directa do espírito do corporativismo, eram dele essencialmente autónomas e ter-se-iam formado mesmo que tal sistema não tivesse presidido à estruturação política do país durante determinado período histórico.

Na verdade, nem todas as formas de organização vindas do regime anterior a 1974 se podem considerar coessenciais ou conaturais a esse regime; alguns modelos organizatórios dele se podem despreender, sem ligação essencial ao seu espírito (26).

Se é impensável, com efeito, uma organização ingral das actividades profissionais em termos de organismos representativos, únicos para cada categoria e dotados de poderes de autoridade - que significaria uma insuportável rigidificação económico-social e o estiolar de princípios fundamentais de liberdade de associação e de liberdade sindical

- não significa isso que, relativamente a certas profissões e para determinados efeitos, não seja aconselhável e possível nos limites de um regime e de uma Constituição democráticos, a adopção e a criação de estruturas organizatórias profissionais com aquelas características especiais..

Isto é patente na estruturação e organização de algumas actividades profissionais, como (pelo menos) a experiência europeia democrática demonstra (27).

Há, com efeito (28), profissões que apresentam como traços distintivos um elevado grau de formação científica e técnica, regras de exercício ou de prática de actos extremamente relevantes e ,exigentes, necessidade de confiança pública ou social tão marcada, que se torna indispensável uma disciplina capaz de abranger todos os profissionais, traduzida não apenas em normas técnicas e deontológicas, mas também em verdadeiras normas jurídicas. E do interesse dos próprios profissionais que a disciplina jurídica do exercício da profissão seja definida e cumprida, mas é isso também (ou sobretudo) do interesse dos que recebem os serviços desses profissionais (que podem ser quaisquer cidadãos) e do interesse da sociedade no seu conjunto.

Para regular e disciplinar o exercício de uma profissão de interesse público, o Estado poderia eventualmente, em alternativa, utilizar vários modos ou modelos de actuação e intervenção.

Poderia organizar um serviço administrativo integrado na administração directa, ao qual competisse reconhecer a qualificação profissional e fiscalizar o cumprimento das normas fundamentais relativas ao exercício da profissão; poderia aceitar uma (ou mais) organização dos profissionais interessados, como entidade privada, delegando nela o exercício de certos poderes públicos, mas sem a considerar como entidade pública; ou reconhecer a organização profissional como entidade, associação pública, devolvendo-lhe os poderes públicos necessários à regulamentação e disciplina de exercício da profissão (29).

Uma tendência não estatista e favorável ao pluralismo social, que a Constituição acolhe, privilegiará este último modo de actuação do Estado. Aqui se integram as "ordens profissionais”, já com a estrutura com que passaram ao regime instituído em 1974 e agora, expressamente constitucionalizadas, como se referiu, com a introdução da figura das associações públicas nas formas de descentralização da actividade administrativa.

As "ordens profissionais", são, assim, "as associações públicas formadas pelos membros de certas profissões livres, com o fim de, por devolução de poderes do Estado, regular e disciplinar o exercício da respectiva actividade profissional" (30).

Qualificadas nesta categorização, constituindo, porventura, a realidade social e organizativa que constituiu o padrão conceitual das associações públicas (31), e, entre nós, manifestamente, a realidade que impôs a, constitucionalização do instituto na revisão constitucional de 1982, participam das características das associações públicas, e assumem na respectiva estruturação, natureza e regime jurídico a dialéctica entre as (possíveis) exigências dos princípios constitucionais próprios dos direitos e liberdades fundamentais, pela consideração de um substracto pessoal de sujeitos privados, e a função pública que desenvolvem, integrando formas de administração descentralizada.

A natureza pública, integrando a estrutura administrativa, e os princípios constitucionais, em redor dos quais se podem organizar (excepcionalidade, especificidade, exclusão de funções sindicais e democraticidade interna),conduzem o ponto de equilíbrio na tensão daqueles princípios a um campo prevalente de interesse público. E, assim, tipicamente, neste tipo de associações públicas estão presentes o privilégio da unicidade, o princípio da inscrição obrigatória (e, como corolário ou sua consequência, a quotização obrigatória de todos os seus membros), a função de controlo do acesso à profissão (verificação dos pressupostos legais e, eventualmente, da própria formação prévia à inscrição - v.g., o estágio) e o exercício do poder disciplinar sobre os respectivos membros.

Não se poderão, de antemão, enunciar as profissões relativamente às quais se exija e imponha uma organização profissional no quadro das associações públicas. Alguns princípios gerais colhidos no lastro da tradição foram já aliás referidos.

Mas , sem embargo de dissensão que possa ter lugar, seguramente que a advocacia (pela natureza e pela tradição) é uma dessas profissões.

A especial relevância social, a importância que assume, na realização da justiça como tarefa fundamental do Estado, a exclusividade e a obrigatoriedade do mandato judicial, a preparação que exige e que pressupõe e o modo (autónomo) como é exercida, manifestamente impõem a intervenção do Estado na definição das regras, qualificações e quadros desse exercício, no interesse dos profissionais eles próprios e da dignidade da profissão mas também no interesse público geral na consideração de boa-fé, respeito e confiança em geral no exercício e no desempenho pelos respectivos profissionais.

O quadro de relevância da profissão na respectiva dimensão social, intelectual e pública, manifesto já no elenco legal de referências finalísticas constantes do Decreto nº 11715, de 12 de Julho de 1926, foi sempre -, motivo permanente na respectiva disciplina legal e sentiu-se sempre presente nas intervenções na Assembleia da República quando da discussão sobre o pedido de autorização legislativa que, no termo do respectivo processo legislativo, produziu o actual Estatuto da Ordem (aprovado pelo Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março) (32).

Por isso a expressa afirmação do legislador (33) de que a Ordem dos Advogados constitui justamente um exemplo dos mais importantes do tipo de associações públicas que se ocupam justamente da regulamentação do exercício das profissões liberais, designadamente nos seus aspectos deontológicos e disciplinares.

6. Aceite a Ordem dos Advogados como um exemplo dos mais importantes do tipo de associações públicas", traçado o quadro conceitual e verificada a aceitação constitucional das associações públicas como modo de descentralização administrativa, exercendo tarefas da Administração, poderes públicos, por devolução do Estado, com o ponto de equilíbrio entre o elemento associativo pessoal e o elemento finalístico institucional situado marcadamente na face funcional-publicística, está traçado o quadro de fundo onde se hão-de analisar as questões suscitadas nas exposições que determinaram a audição deste conselho.

Questões cuja previsibilidade esteve presente no espírito legislativo, quando, no relatório do referido Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março, se advertiu que "as associações públicas, é importante, desfazer equívocos, não nascem do exercício do direito de associação pelos particulares. Representam antes, como pessoas colectivas de direito público que são, uma forma de administração mediata, consubstanciando uma devolução de poderes do Estado a uma pessoa autónoma, por este constituída expressamente para o exercício daquelas atribuições e competências".

Entre as duas opções (34) que se colocavam ao Estado - ocupar-se directamente da regulamentação e tutela de certas profissões ou, definindo os parâmetros legais de carácter geral, confiar aos interessados a disciplina e defesa da sua profissão - o legislador, no que respeita à advocacia, preferiu a segunda (35), "assim se concretizando na Ordem dos Advogados (...) o princípio da descentralização institucional que aproxima a Administração dos cidadãos e se articulam harmoniosamente interesses profissionais dos advogados com o interesse público da justiça".

Presente a legitimidade constitucional da Ordem dos Advogados, como associação pública, recebendo o Estado uma estrutura associativa pré-existente, com atribuições públicas marcadas, essencialmente autonomizada da organização corporativa própria do sistema político modificado em 1974, as considerações que no plano constitucional possam suscitar-se situam-se, por isso, para além (após)da existência da associação em si mesma, selada por acto legislativo próprio da competência reservada (relativa) da Assembleia da República.

Situam-se (podem situar-se) - precisando - no aspecto pós-constitutivo, na determinação da medida em que as atribuições, competências, os meios e os modos de exercê-las, enfim, a dinâmica da associação se contém e respeita o equilíbrio dialéctico entre os direitos fundamentais dos sujeitos (relevância do elemento pessoal) e os desvios impostos pela sua natureza e funções públicas.


Neste equilíbrio deve ter-se sempre em consideração, como se referiu, que os desvios que nesse confronto se verifiquem devem sempre pautar-se e ser ponderados segundo os princípios da necessidade e proporcionalidade (36).

7. Feita esta abordagem introdutória a fixar os limites do quadro de análise, é momento de considerar, especificamente, as questões concretas suscitadas nas exposições dirigidas a Vossa Excelência e que põem em dúvida a conformidade constitucional de determinadas normas do Estatuto da Ordem dos Advogados (37).

Comece-se pelas normas constantes do artigo 53º, nºs. 1 e 5,deste Estatuto, que dispõem:

Nº1. "Só os advogados e advogados estagiários com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados podem, em todo o território nacional e perante qualquer jurisdição, instância, autoridade ou entidade pública ou privada, praticar actos próprios da profissão e, designadamente, exercer o mandato judicial ou funções de consulta jurídica em regime de profissão liberal remunerada".

Nº5 "Não pode denominar-se advogado quem como tal não estiver inscrito, salvo os advogados honorários, desde que seguidamente à denominação de advogado ;façam a indicação dessa qualidade”.

Consagra este preceito a regra da obrigatoriedade de inscrição como condição de acesso à qualidade e ao exercício da profissão de advogado.

A não conformação constitucional das normas que constam desta disposição, vem arguida por ofensa do direito negativo de associação - direito de não entrar num agrupamento (profissional), bem como o direito de sair dele - artigo 46º, nº3 da Constituição.

Mas, logo por esta referência, se pode constatar a diversidade de planos em que se situa a norma estatutária questionada e o princípio constitucional que se lhe pretende opor.

O artigo 46º da Constituição da República consagra o direito fundamental da liberdade de associação, nas suas faces positiva e negativa - liberdade de constituição de associações, liberdade de participação ou não participação e liberdade de permanência (liberdade negativa de associação).

Garante-se aí o direito de os cidadãos se organizarem e associarem livremente, para prossecução dos fins lícitos que entendam (desde logo a proibição constitucional de associações que se destinem a promover a violência, ou com finalidades contrárias à lei penal, associações armadas ou que perfilhem a ideologia fascista), mas considerado como direito individual de organização (de os cidadãos se organizarem) sem impedimentos ou imposições do Estado. Constitui um direito com dimensão essencialmente individual, um direito contra a intromissão do Estado na constituição ou na organização das associações constituídas pelos cidadãos individualmente considerados.

Plano, constitucionalmente diverso é, porém, como se referiu, o lugar e o conceito de associações públicas.

A configuração do conceito de associação pública, a intervenção ab origine do legislativo, o lugar sistemático da sua inserção, apontam para que se trata, como se salientou, de uma figura constitucional autónoma (38), de um tipo especial de pessoa colectiva com um regime jurídico particular, participando dos princípios e regras de direito público, não podendo, por isso, estar sujeito ao regime constitucional geral das associações, designadamente ao direito individual na conformação e conteúdo que assume como direito fundamental.

Se há dimensão associativa que não poderá ser afastada (a associação pública, com substracto pessoal - a consideração do elemento pessoal - não deixa de ser associação), as finalidades públicas que prossegue e a função administrativa que preenche, impõem, particularidades específicas.

Uma dessas particularidades será precisamente a obrigatoriedade de inscrição, como condição de acesso à qualidade e ao exercício de profissão.,

A obrigatoriedade de inscrição (39) decorre do interesse público que leva à conformação publicística da profissão e que, em nome de um postulado de descentralização e de divisão, de poder, a faz revestir de uma estrutura associativa; há uma exigência de confiança social a que o Estado responde manifestando confiança na auto-organização dos respectivos profissionais e, simultaneamente, decretando o dever de cada um a integrar para, poder exercer a profissão.

Neste plano, não se assume esta obrigatoriedade (que é simultaneamente dever e direito) com dimensão materialmente diversa da que teria se, em lugar de descentralizar através de uma associação pública as funções que lhe pertencem na disciplina de uma profissão com relevante interesse público, o Estado instituísse um serviço integrando, a administração directa com a função de aferir das condições (qualificação e inscrição) do respectivo exercício. E, aí, não se poderia contestar a constitucionalidade da sujeição às exigências públicas, estaduais, desde que normativamente pré-fixadas.

Mesmo considerando essa exigência como uma limitação do direito (de conformação individual) de associação - violação de direito negativo de associação - marcando a relevância do elemento pessoal , subjectivo das associações públicas (e já se constatou que o conceito de associação pública constitucionalmente aceite assume uma vincada feição pública institucional-finalística), ainda assim semelhante compressão, face aos interesses gerais relevantes em presença, se justificaria segundo o princípio constitucional da proporcionalidade e necessidade (40).

Com efeito, perante as exigências que a relevância social da advocacia impõe, (41), o modo de exercício como profissão livre, a colaboração com a função essencial de administração de justiça, a confiança social num exercício por profissionais qualificados, o Estado tem que intervir ordenando normativamente os pressupostos e as regras de qualificação para o exercício da profissão.

Os meios fixados - devolução a uma associação das tarefas apropriadas e também de avaliação dos pressupostos e exigências de qualificação, o que impõe a inscrição obrigatória - são, assim, adequados, aptos, racionais e necessários à realização do interesse público que ao Estado cumpre promover e respeitar.

E que - e esta constitui uma outra face da questão - a obrigatoriedade de inscrição não pode ser considerada (apenas) como um dever, um ónus, ou mesmo, hoc sensu, uma limitação.

Em contraponto, a inscrição constitui um direito daquele que se encontre nas condições normativamente pré-fixadas, que não pode ser discricionariamente recusada. Constitui um direito de acesso à profissão, garantido contenciosamente em termos idênticos à garantia de apreciação contenciosa dos actos da Administração. Os critérios de apreciação da inscrição são critérios de legalidade.

Assim, segundo o artigo 5º, nº3, do, Estatuto, dos actos definitivos e executórios dos órgãos da Ordem dos Advogados cabe recurso contencioso para os tribunais administrativos, nos termos gerais de direito (42) (43).

Em suma: mesmo considerando que existe privação da liberdade negativa de associação dos profissionais relativamente à associação pública profissional (a Ordem dos Advogados), corresponde-lhe a inexistência da liberdade positiva de associação da parte desta (como, seria se fosse uma associação privada) em aceitar ou recusar a pertinência. É uma correlação e um equilíbrio constitucionalmente respeitador da proporcionalidade.

Por outro lado, não podem estar aqui em causa - como vem invocado numa das exposições - as implicações constitucionais decorrentes do artigo 56º, nº2, alínea b), da Constituição.

Referindo-se à liberdade sindical (liberdade de inscrição - alínea b)), situa o problema completamente fora dos limites em que a discussão sobre a constitucionalidade da inscrição em associações públicas pode ser sustentada.

Na verdade, fixada constitucionalmente (artigo 267º, nº3) às associações públicas a proibição do exercício de funções sindicais, não podendo - mesmo que só em possibilidade funcional - ser também consideradas associações sindicais, os problemas inerentes à inscrição dos profissionais e da obrigatoriedade de inscrição são completamente estranhos ao exercício do direito da liberdade sindical, na respectiva vertente (positiva e negativa) de participação.

8. Questiona-se, também, a constitucionalidade do artigo 69º, nº1, alínea i), e nº2 do Estatuto da Ordem.

Dispõem estas normas, em matéria de incompatibilidades:

“nº1. O exercício da advocacia é incompatível com as funções e actividades seguintes:
i) Funcionário ou agente de quaisquer serviços de natureza central, regional ou local, ainda que personalizados, com excepção dos docentes de disciplinas de Direito".

Por sua vez, o nº2: do mesmo artigo 69º preceitua:

"As incompatibilidades atrás referidas verificam-se qualquer que seja o título de designação, natureza e espécie de provimento e modo de remuneração e, em geral, qualquer que seja o regime jurídico das respectivas funções, e só não compreende os funcionários e agentes administrativos providos em cargos com funções exclusivas de mera consulta jurídica previstas expressamente nos quadros orgânicos do correspondente serviço, e os contratados para o mesmo efeito".

O regime de incompatibilidades constante destas normas ofenderia os artigos 13º (princípio da igualdade) e 59º, nº1 (direito ao trabalho), da Constituição da República.

A introdução ao regime das incompatibilidades (o princípio geral rector do sistema) vem enunciada no artigo 68º do Estatuto da Ordem: o exercício da advocacia é incompatível com qualquer actividade ou função que diminuam a independência e a dignidade da profissão (sublinhados agora). E no contexto deste modo definido que devem ser apreciadas as diversas incompatibilidades e a racionalidade justificadora da opção por cada uma delas, sem discriminações intoleráveis (44) .

Considerando a incompatibilidade definida na referida alínea i),do artigo 69º ("funcionário ou agente dos serviços públicos", com a excepção expressa no nº2 da mesma disposição) à luz do princípio geral fundamentador, é possível extrair algumas conclusões (45): - aquela incompatibilidade tem a ver com a protecção da advocacia e do estatuto do advogado e não com a função que é declarada incompatível com a advocacia, e a incompatibilidade "há-de justificar-se, ao menos quanto à sua extensão, à luz da defesa da independência e da dignidade da profissão e não de outros valores.

Assim, naquela norma não poderá entrar-se em linha de conta com nenhum interesse, no plano constitucional, sob o ponto de vista do estatuto da função pública. "A verdade é que o objecto da norma é estabelecer uma incompatibilidade do exercício de outras actividades (incluindo as funções públicas) com a advocacia e não de outras actividades (incluindo a advocacia) com a função pública. O sentido da norma é proteger a advocacia e não a função pública; visa defender a advocacia contra a função pública, e não a função pública contra a advocacia" (46).

A incompatibilidade estabelecida naquela alínea i) pertence ao estatuto da advocacia e não ao estatuto da função pública.

Desta precisão sai delimitada a perspectiva de análise. Não se trata de apreciar incompatibilidades com o exercício de outras profissões, sob o ponto de vista da protecção dos valores e interesses próprios da função pública (47), mas tão-só de determinar da razoabilidade constitucional daquelas exigências perante a necessidade da protecção da dignidade e independência da profissão de advogado.

Na apreciação constitucional do problema (48), assume imediata relevância a consideração do princípio da igualdade afirmado no artigo 13º da Constituição. Princípio que, como se salientou, vem invocado, como suporte da desconformidade constitucional afirmada na exposição subscrita por um dos Senhores Advogados.

Mesmo que se admita, sob o ponto de vista constitucional, o reconhecimento da admissibilidade do estabelecimento de incompatibilidades do exercício de advocacia com outras actividades - uma vez que o artigo 47º da Constituição as não proíbe ao limitar o direito da livre escolha de profissão ou género de trabalho pelas "restrições legais impostas pelo interesse colectivo" (49) - o que releva é confrontar semelhantes limitações perante a afirmação de princípio da igualdade.

Aceitando, rectius, pressupondo que o legislador gozava de discricionariedade legislativa no estabelecimento de incompatibilidades profissionais,- respeitados os princípios da proporcionalidade e necessidade - coloca-se, então, o problema "de saber se o faz sem discriminações, isto é, de acordo com o princípio da igualdade". "Não basta que o legislador não esteja impedido de criar incompatibilidades; torna-se necessário, entre outras coisas, que elas não sejam discriminatórias, tratando desigualmente situações iguais (ou vice-versa), afectando com a incompatibilidade categorias de pessoas que, sob o ponto de vista do funcionamento da incompatibilidade, se encontram em igualdade de situação com outras que não são atingidas por ela" (50).

A referida norma do Estatuto da Ordem dos Advogados - no complexo material contido na respectiva formulação (regra, alínea i) e artigo 69º e excepção – nº2, parte final da mesma disposição - expõe uma saliente discriminação de tratamento integrando a disciplina material constante da excepção: pode haver (há) funcionários ou agentes que, vistas as particulares qualidades das funções públicas que exercem estão excluídos do âmbito da incompatibilidade; não obstante serem "funcionários ou agentes de quaisquer serviços públicos", podem exercer a advocacia se forem "providos em cargos com funções exclusivas de mera consulta jurídica, previstos expressamente nos quadros orgânicos do correspondente serviço, e os contratados para o mesmo efeito".

Mas para além desta discriminação - intra-funcional - entre funcionários e agentes licenciados em direito que não exerçam exclusivamente, ou exerçam exclusivamente, funções de consulta jurídica, uma outra - extra-funcional – aquela norma igualmente contém. Trata-se da diferenciação entre funcionários e agentes dos serviços públicos e outras categorias de trabalhadores por conta de outrem.

Há que ver, deste modo, se semelhante discriminação (uma dupla diferença), se justifica materialmente no respeito pelo princípio da igualdade, tendo em consideração apenas a relevância que a fixação de incompatibilidades assume no plano que se considera - do lado de advocacia, da defesa da dignidade e independência da profissão.

Considerando a dignidade do exercício da profissão, qualquer das discriminações contidas na referida espécie de incompatibilidades não parece suficientemente fundada.

Assumindo certo; modelo cultural de entendimento da profissão (relevância social, liberdade de exercício - liberdade intelectual e liberdade de actuação) como profissão paradigmaticamente liberal, a diferenciação de tratamento não ganha suficiente razão justificativa. Aceitando, com efeito, que certos trabalhadores por conta de outrem, - e, por isso mesmo, funcional ou laboralmente subordinados - possam exercer a advocacia, sem com isso afectar as exigências de dignidade da profissão, não se posicionam razões materialmente justificativas para restringir a proibição apenas a alguns trabalhadores por conta de outrem (os funcionários e agentes de serviços públicos e, destes, como se referiu, nem todos).

Se uns estão subordinados, em razão da ligação laboral, de tal modo que poderia inquinar o núcleo de liberdade de actuação, conatural à essência da profissão de advogado, não menos essa referência se verificaria em relação igualmente aos demais.

Deste ponto de vista, seria até porventura mais clara a estrutura normativa-funcional (e orgânico-regulamentar), com regras gerais definidas para o estatuto de funcionários e agentes que poderiam implicar com a dignidade do exercício de advocacia, do que a multiplicidade de normações de disciplina interna a que, eventualmente, estarão submetidas várias categorias de trabalhadores por conta de outrém (51).

Ainda, nesta perspectiva de apreciação, se não encontrará suficiente justificação material para a diferenciação de tratamento dentro do próprio universo de funcionários e agentes.

Não afecta mais a dignidade do exercício da advocacia a impossibilidade (ou possibilidade) de esta profissão ser exercida por funcionário licenciado em direito, intelectual e profissionalmente apto, embora sem funções predominantes de consulta jurídica, ou que, no quadro da função pública (submetido embora e também as regras funcionais próprias) exerça funções exclusivas de consulta jurídica.

Estas considerações valem, de idêntica forma, quando se considera o interesse da independência da profissão - exercício pleno de decisão individual, liberto de intromissões e tensões impostas, ordens ou directivas salvo quanto (obviamente, noutro enquadramento) integre o próprio objecto substancial do mandato.

Não será a circunstância de exercer uma função pública, com determinado estatuto geral, que não afecte como tal, directa, imediatamente, de modo marcado e relevante (como será nos casos de incompatibilidades naturais: v.g. alíneas c), d) e e) do mencionado artigo 69º do Estatuto) o exercício da advocacia, que faz diminuir as garantias de independência em confronto com qualquer outra função, exercida por conta de outrém e submetida à regras de direcção e a um poder disciplinar heterónimo.

Não significa isto, obviamente, como se referiu, que não possam ser estabelecidas incompatibilidades do exercício da advocacia, com outras actividades e funções, quaisquer que sejam, tendo em vista a defesa da independência e dignidade da profissão, e salvaguardados os princípios da necessidade e da proporcionalidade.

Significa apenas, desse ponto de vista, perante as finalidades e exigências a que o estabelecimento das incompatibilidades pretende dar resposta, que não poderão ser criadas diferenciações de tratamento sem justificação material razoável .E a discriminação, nos sobreditos termos, contida na referida alínea i) nº2, do artigo 69º perante as finalidades que pode ter por função realizar, dificilmente será materialmente razoável.

E também, vendo agora o outro lado do problema, não tem a ver com a possibilidade constitucional de o regime de função pública estabelecer incompatibilidades com, o exercício , de funções e designadamente com a advocacia. Mas esta é questão de que se não cuida agora. Do que se trata aqui, como se salientou já, é apenas de confrontar o estatuto de advocacia, partindo deste, com outras funções e actividades, e não de estatuto próprio de outras funções ou actividades em relação ao exercício de profissão de advogado (52).

9. No elenco das normas arguidas do vício de inconstitucionalidade, faz-se constar da referida exposição o artigo 70º do Estatuto da Ordem.

A inconstitucionalidade desta norma estaria em que nela se prevêem atribuições decisórias aos órgãos da Ordem que só competiriam aos tribunais, violando-se deste modo o princípio de atribuição aos tribunais do exclusivo da função jurisdicional.

Dispõe o artigo 70º:

“nº1º Os conselhos distritais ou o conselho geral podem solicitar dos advogados e advogados estagiários as informações que entendam necessárias para verificação da existência ou não de incompatibilidade.

Nº2º Não sendo tais informações prestadas no prazo de 30 dias, poderá o conselho geral deliberar a suspensão da inscrição".

Nº3º (...)”.

Esta norma insere-se sistematicamente no capítulo das incompatibilidades e impedimentos, contendo disciplina pré-ordenada à verificação da existência subsequente de incompatibilidades.

A natureza e funções da Ordem dos Advogados e a respectiva inserção, como associação pública, na função administrativa, impõem como se salientou, atribuições e competências próprias directamente determinadas, à verificação das condições de exercício da profissão, desde a inscrição (verificação da existência, dos pressupostos de acesso à profissão) até à competência disciplinar.

Esta função, como qualquer outra função administrativa, envolve uma tarefa de apreciação e subsunção de situações de facto (e pessoais) nos quadros normativamente pré-fixados, mas não constitui o exercício de qualquer função jurisdicional. Está em causa apenas, nessa fase, uma relação entre a Administração (por devolução de poderes) e um cidadão, que pretende daquela que lhe seja reconhecida a existência de qualificações pressupostas ao exercício de uma certa actividade normativamente condicionada.

Isto sem embargo, como também se salientou, de após a apreciação administrativa e perante um conflito de interesses, o interessado recorrer para os tribunais dos actos que considere afectarem-lhe os seus direitos - artigo 5º, nº3 do Estatuto da Ordem.

Mas este é um segundo momento, logicamente posterior ao campo de intervenção da norma de competência inscrito no referido artigo 70º.

Por outro lado - e embora esta específica questão não tenha sido suscitada - no âmbito das atribuições da Ordem sobre a verificação das condições de exercício da profissão se deve entender e compreender a disciplina constante do nº 2º daquela disposição.

Com efeito, nos termos do artigo 156º, nº1, alínea d), do Estatuto, não pode, ser inscrito como advogado quem esteja, em situação de incompatibilidade ou inibição do exercício da advocacia.

Como, de acordo com o disposto no nº2 do mesmo artigo, aos advogados que se encontrem em qualquer das situações enumeradas no nº1 (entre elas, as situações de incompatibilidade) será suspensa ou cancelada a inscrição.

A inscrição rege-se pelo Estatuto e pelos regulamentos respectivos (53),prevendo, esta normação regulamentar interna a organização de processo próprio.

Nesse processo são tomadas as decisões sobre inscrição e recusa de inscrição (com a necessária fundamentação dos motivos de recusa),e também sobre suspensão ou cancelamento da inscrição verificados que sejam os pressupostos que as determinam.

Segundo o disposto no artigo 79º do Estatuto da Ordem, constituem deveres do advogado para com a Ordem, entre outros tipicamente enumerados, declarar, ao requerer a inscrição, para efeito de verificação de incompatibilidades, qualquer cargo ou actividade profissional que exerça e suspender imediatamente o exercício da profissão e requerer, no prazo máximo de 30 dias, a suspensão da inscrição quando ocorrer incompatibilidade superveniente - alíneas d) e e).

Determinando, assim, a superveniência de incompatibilidades a suspensão de inscrição, não constitui esta suspensão qualquer sanção (designadamente disciplinar) aplicável a um comportamento culposo tipificado como infracção, que só possa ser declarada após averiguação e julgamento em processo próprio com todas as garantias que são constitucionalmente inerentes a todos os procedimentos sancionatórios.

Constitui, apenas, hipótese materialmente assimilável (ou uma outra face da mesma realidade) à recusa da inscrição, verificada a existência de incompatibilidade originária.

Sendo assim, ao interessado cumpre esclarecer toda a situação necessária à instrução do pedido de inscrição, ou de verificação da manutenção dos respectivos pressupostos de exercício, declarando o que houver a declarar e fornecendo os elementos de demonstração e prova que forem necessários ou lhe sejam exigidos.

A suspensão prevista no artigo 70º, nº2, não se revestindo de qualquer conteúdo disciplinar, mas inscrevendo-se tão-só, no campo material assimilável às condições de inscrição, tem a ver apenas com consequências ligados ao incumprimento de um dever processual análogo ao ónus da prova. Não se inscrevendo no campo material disciplinar, não possui qualquer relevo constitucional decorrente dos princípios, de garantia de direito de defesa e da insusceptibilidade de aplicação sancionatória decorrente de simples efeito cominatório de uma omissão.

10. A norma constante do artigo 149º, nº1, do diploma que vem sendo considerado, que dispõe sobre a obrigatoriedade de pagamento de quotas, vem igualmente referida entre as que seriam afectadas do vício de inconstitucionalidade.

A razão de semelhante juízo estaria da violação do princípio fundamental da liberdade de associação inscrito no artigo 46º da Constituição.

Já se viu, porém, que esta perspectiva não participa das referências essenciais do conceito de associação pública, que não constitui manifestação do direito de livre associação dos particulares, mas modo especial de desempenho da função administrativa por devolução de poderes, sendo-lhe conaturais as prerrogativas da unicidade e da obrigatoriedade de inscrição.

Deste modo, a quotização não participa das características que lhe seriam inerentes no contexto do exercício da liberdade de associação, mas, diferentemente, constitui uma obrigação, legalmente inscrita e definida, para com a própria associação pública.

Assim o determina o artigo 79º, alínea f): constitui dever do advogado para com a Ordem pagar pontualmente as quotas e outros encargos devidos à Ordem dos Advogados, estabelecidos no Estatuto e nos regulamentos.

Ponto é que, ligado ao não cumprimento desse dever se não fixem consequências desproporcionadas, nomeadamente que contendessem com a própria qualidade, com a capacidade para o exercício da profissão, reconhecida através da inscrição (54).

Ora, neste aspecto, as consequências assinados ao não pagamento da quotização (quando houver atraso superior a três meses) referem-se apenas à suspensão do direito de votar e ser eleito para os órgãos da Ordem (consequências apenas no limite estritamente associativo), sem afectarem o conteúdo nuclear da qualidade profissional, essencial ao exercício da profissão e reconhecida através da inscrição.

11. Numa das exposições referidas, o único ponto concretizado que suscita circunscreve-se imputação do vício de inconstitucionalidade norma constante do artigo 116º do Estatuto, respeitante à suspensão preventiva em processo disciplinar.

Dispõe este artigo no nº 1º:

"Após o despacho de acusação pode ser ordenada a suspensão preventiva do arguido nos seguintes termos:

a) Se se verificar a possibilidade da prática de novas e graves infracções disciplinares ou a tentativa de perturbar o andamento da instrução do processo;

b) Se o arguido tiver sido pronunciado criminalmente por crime cometido no exercício da profissão ou por crime a que corresponda pena maior".

No nº2 determina-se que a suspensão não pode exceder três meses e deve ser deliberada por dois terços dos membros do conselho onde o processo correr os seus termos.

A referência constitucional de validade desta norma que permite a suspensão preventiva do advogado em processo disciplinar após o despacho de acusação (55), encontra-se no princípio da presunção de inocência consagrado no artigo 32º, nº2, da Constituição.

O sentido e alcance deste princípio foi em diversos acórdãos objecto de análise pela Comissão Constitucional:


"O princípio da "presunção de inocência" - (56) designativo abreviado por que é geralmente conhecido e que aqui passaremos a usar - pertence, desde o advento dos "processos penais reformados" no início do século XIX, aos fundamentos do processo penal em qualquer Estado de direito, e encontra, por isso mesmo, consagração na generalidade dos textos internacionais dedicados à protecção dos direitos do cidadão. Assim, logo o artigo 9º da "Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão" de 1789 prescreve que "todo o acusado se presume inocente até ser declarado culpado", o artigo 11º, nº1,da "Declaração Universal dos Direitos do Homem" de 1948 - de harmonia com a qual hão-de ser interpretados os nossos preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais, nos termos de artigo 16º, nº2, da Constituição - que "toda a pessoa acusada de delito tem direito a que a presumam inocente, enquanto a sua culpabilidade se não provar legalmente e em juízo público"; o artigo 6º, nº2, da "Convenção Europeia dos Direitos do Homem" de 1950 (aprovada pela Lei nº 65/78, de 13 de Outubro) que "qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada"; e o artigo 14º, nº2, do "Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos" de 1976 (aprovado pela Lei nº 29/78, de 12 de Junho) que "qualquer pessoa acusada de infracção penal é de direito presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido legalmente estabelecida". E pois, seguramente, com o mesmo sentido e conteúdo destes textos internacionais que o artigo 32º, nº2, da nossa Constituição estabelece que "todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação".

"Verifica-se, assim, que o princípio da presunção de inocência, na sua desimplificação histórica, assume uma pluralidade de sentidos que exigem a sua concretização e o seu detalhamento progressivos perante as diversas situações processuais penais que para ele apelam; mas sentidos, também, que não podem ser arbitrária ou desrazoavelmente multiplicados ou estendidos, atento o perigo de que, assim, possam vir a entrar em contradição com a razão de ser do princípio como um dos fundamentos do processo penal do Estado do Direito democrático. Um dos sentidos da máxima conduz mesmo ao cerne do próprio princípio da legalidade do processo penal; outro respeita ao significado e função do princípio da legalidade do processo penal; outro respeita ao significado e função do princípio "in dubio pro reo"; outro ainda acarreta a proibição de presunção de culpabilidade em processo penal; outro finalmente - e que só agora começa a despontar - contém porventura uma indicação de carácter essencialmente programático, dirigida ao legislador ordinário, para que encurte, na medida que for possível e viável, a duração dos processos penais, pois que uma duração exagerada pode pôr em risco os direitos humanos do arguido e o conteúdo útil da presunção de inocência" (57).

Poderá deste modo concluir-se (58) que o princípio da presunção de inocência constitucionalmente consagrado se não limita entre nós à dimensão normativa material equivalente ao princípio “in dubio pro reo". Mais do que isso, constitui um princípio válido para a definição do estatuto e da condição de arguido.


Exigência de legalidade do processo, da condenação e da imposição da pena, respeito integral pelo princípio processual in dubio, e exclusão absoluta de qualquer presunção de culpabilidade (de dolo ou de negligência) será o máximo conteúdo preceptivo possível de assinalar ao princípio da presunção de inocência (59).

Deste modo, pôde também concluir-se no parecer deste Conselho referido (60) que o princípio da presunção de inocência contém implicações decisivamente materiais ao nível do estatuto da condição de arguido.

"Uma delas é seguramente a que ilegitima a imposição de qualquer ónus ou restrição de direitos do arguido, que representem a antecipação da condenação. A sujeição do arguido a uma medida que tenha a mesma natureza de uma pena e que se funde num juízo de probabilidade de futura condenação viola intoleravelmente a presunção da inocência que lhe é constitucionalmente garantida até à sentença definitiva, pois tal antecipação da pena basear-se-à justamente numa presunção de culpabilidade. É porque se julga o arguido culpado - antes de a sua culpa ser firmada em sentença transitada - que se lhe aplicam antecipadamente verdadeiras penas (eventualmente a descontar na pena definitiva)".

A suspensão preventiva que tenha como efeito a interdição do exercício da profissão pode representar, nas consequências práticas, uma restrição de direitos com um conteúdo material assimilável a alguns dos efeitos (efeitos imediatos - insusceptibilidade de exercício da profissão) de uma pena de suspensão.

A antecipação dos efeitos de uma pena que se fundem num pré-juízo de culpabilidade, numa probabilidade de futura condenação, numa presunção de culpabilidade, afecta o conteúdo essencial do princípio da presunção de inocência, sendo, consequentemente, a medida que produza esses efeitos, inconstitucional por violação do mencionado princípio.

Não é porém, o caso da medida de suspensão preventiva prevista no artigo 116º, nº 1º do Estatuto da Ordem.

Esta medida, não se funda numa presunção de culpabilidade; não está prevista como lógica antecipação da condenação do arguido. Apenas se prevê a possibilidade da respectiva utilização sem dependência da perspectiva de que o arguido se presuma culpado, mas para a realização de finalidades inerentes à teleologia do processo (impedir a perturbação do processo) ou de prestígio e dignidade do próprio exercício da profissão (suspensão na sequência - não automática, obviamente – de processo por crime grave ou cometido no exercício da profissão).

Sendo assim, não se considera ofendido o princípio da presunção de inocência, porquando a medida não nasce de qualquer consideração sobre presunção de culpabilidade (61).

E, por outro modo, também não viola os princípios da necessidade e proporcionalidade, já que, relevando de circunstâncias especiais e aplicável quando estejam em apreciação, definidos na acusação, factos de relevante gravidade material, é a medida ajustada à prossecução das assinaladas finalidades - interesse da boa condução do processo a defesa do prestígio e dignidade da profissão.

12- Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões :

1º - A Ordem dos Advogados, cujo Estatuto foi aprovado pelo Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei nº 1/84, de 15 de Fevereiro, constitui uma associação pública;

2º - Como associação pública, integra-se na estrutura da administração, nos termos do artigo 267º, nºs 1 e 3,da Constituição, e exerce por devolução do Estado, funções próprias da actividade administrativa;

3º - A Ordem dos Advogados, como associação pública não nasce do exercício do direito da livre associação consagrado no artigo 46º da Constituição e, por ser necessário à prossecução das suas finalidades específicas, detém o privilégio da unicidade de representação e da inscrição obrigatória;

4º - Não são, consequentemente, inconstitucionais, por violação do direito (negativo) de associação, as normas do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março, que impõem a inscrição obrigatória na Ordem para a obtenção da qualidade de advogado e para o exercício da profissão;

5º - A norma constante do artigo 69º, nº1, alínea i),e do nº 2º do Estatuto da Ordem dos Advogados, estabelecendo incompatibilidades do exercício de advocacia com algumas funções públicas e não com quaisquer funções exercidas por conta de outrem, contém uma discriminação de tratamento não justificável perante as finalidades a que visam, nos termos do artigo 68º do estatuto, do lado de advocacia, o estabelecimento de incompatibilidades - a defesa da dignidade e independência da profissão;

6º - A norma constante do artigo 69º, nº1, alínea i), e do nº 2º do Estatuto da Ordem dos Advogados, estabelecendo, por seu lado, diferenciação de tratamento em matéria de incompatibilidades entre os funcionários e agentes de quaisquer serviços públicos que exerçam exclusivamente funções de consulta jurídica, e outros funcionários ou agentes, contém uma discriminação igualmente não justificável perante as finalidades a que visa a criação de incompatibilidades;

7º - A norma constante do artigo 69º, nº1, alínea i), e do nº 2º, ofende, deste modo, o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição.

8º - Pelos motivos invocados no parecer, não são inconstitucionais as normas constantes dos artigos 53º, nºs 1 e 5, 70º, nºs 1 e 2, 116º, nº1, alíneas a) e b) e 149º, nº1, do Estatuto da Ordem dos Advogados.

(Alberto Manuel Portal Tavares da Costa)-Vencido quanto às conclusões quinta, sexta e sétima.

Salvo o devido respeito, o juízo de inconstitucionalidade emitido sobre os preceitos do Estatuto da Ordem dos Advogados, que estabelecem incompatibilidades funcionais aos níveis das Administrações central, regional e local, valoriza sobremaneira a vertente do exercício da advocacia - partindo do princípio, aliás lógico, da inserção das normas no estatuto da advocacia - em detrimento da vertente respeitante ao exercício da função pública (lato sensu considerada). Ora, neste ponto reside o cerne da divergência: aquele juízo não pode marginalizar o valor que se pretende acautelar com o regime de incompatibilidades neste último domínio. E que o trabalho na Administração deve ser tendencialmente exclusivo, sem comportar, em princípio, possibilidades de cúmulos quer de vários cargos públicos quer de um emprego público com uma actividade privada, como, de resto, tem sido reiteradamente afirmado neste corpo consultivo (cfr., v. g., os pareceres nºs 142/78, 251/78, 61/84 e 28/85). O que tem precipitação constitucional (nº1 do artigo 269º, da Constituição) e deve ser conjugado com os princípios da legalidade, da justiça e da imparcialidade presentes no exercício da Administração (cfr. artigo 266º da lei fundamental).

Ponderando os interesses que as duas vertentes pretendem acautelar parece-me que os da última prevalecem sobre os da primeira, daí considerar constitucionais os nºs 1, alínea i), e 2 do artigo 69º do Estatuto em causa.

(Abílio Padrão Gonçalves)- Voto em conformidade com o meu Exmº. Colega Dr. Tavares da Costa.

(Ireneu Cabral Barreto) - Voto em conformidade com o meu Exmº. Colega Dr. Tavares da Costa.

(Eduardo de Melo Lucas Coelho) - Vencido quanto às conclusões 5ª, 6ª e 7ª.

Não propendo a valorar o artigo 69º, nº1, alínea i), e nº2, do Estatuto da Ordem dos Advogados exclusivamente na óptica privilegiada no parecer, antes se me afigurando extensível a sua incidência à vertente muito justamente salientada no voto do meu Exmº. Colega Tavares da Costa.

Mesmo, porém, daquela unilateral perspectiva, não diviso razões convincentes no sentido da sua inconstitucionalidade.

Se as normas se projectam preferencialmente no campo da advocacia, custa imediatamente entender que as discriminações se esbocem, do mesmo passo, no campo do funcionalismo público - isto para recortar o sector que mais impressivo relevo cobra na economia do parecer.

Se, pois, a norma pertine ao estatuto da advocacia, deveriam as discutidas discriminações equacionar-se, logicamente, no tocante às posições recíprocas dos advogados.

Ora, em quanto a estes concerne, a regra geral (artigo 6º, nº1, alínea i)) não estabelece nenhuma discriminação visível: todos os advogados, enquanto tais, se encontram inibidos de exercer funções públicas e, se estas exercerem, de exercer a advocacia.

A regra abre-se uma excepção relativamente aos advogados - agentes e funcionários - que sejam professores de disciplinas de direito.

Idêntica excepção prevê o nº2 da aludida norma para os advogados que, sendo igualmente agentes ou funcionários, desempenhem exclusivamente funções de consulta jurídica.

Neste quadro, parece manifesto que a citada regra geral não configura qualquer ofensa do princípio da igualdade vertido no artigo 13º da Constituição.

Com respeito às excepções, pode acaso haver-se como justificado - quiçá necessário, e proporcional - distinguir entre os que se entregam a tempo inteiro à prática do direito e aqueles para quem o exercício de funções jurídicas é apenas
motivo de intervenções ocasionais.

O desempenho responsável de actividade jurídica profissional não será normalmente concebível sem o estudo e a prática quotidiana que só uma relativa dedicação pode propiciar.

A este desiderato satisfarão funcionários e agentes que sejam docentes de direito ou consultores jurídicos.

Não, porventura, os demais.

Aí residirá, se bem vejo, um razoável fundamento de distinção entre categorias de advogados.

Em razão da metodologia perfilhada, o parecer não se debruçou sobre essa ou similares justificações.

Com a fundamentação consequentemente nele adoptada não me é possível, pois, subscrever as suas conclusões 5ª, 6ª e 7ª.





(1) Uma das exposições constitui-se mesmo., em postura maximalista na apreciação que contém, pedindo que se requeira no Tribunal Constitucional a "inconstitucionalidade total do :actual Estatuto da Ordem dos Advogados", "que mais não será se não transposição mais ou menos camuflada do velho Estatuto Judiciário e por via de que seja também declarada a inexistência da Ordem dos Advogados".

(2) A Ordem dos Advogados foi criada pelo Decreto nº 11715, de 12 de Julho de 1926, e definida como "uma pessoa jurídica, com sede em Lisboa, formada por todos os advogados do continente da República e ilhas adjacentes"; os fins eram enunciados no artigo 2º daquele diploma: determinar, quais as pessoas que estão habilitadas a exercer a advocacia no continente da República e nas ilhas adjacentes, defender os direitos, imunidades e interesses dos seus membros, exercer o poder disciplinar sobre os advogados por forma a assegurar-se o prestígio da classe e a garantir-se a observância das boas normas de conduta profissional, contribuir para o progresso do direito e para o aperfeiçoamento das instituições judiciárias e auxiliar a administração da justiça".
Cfr., as notas sobre os antecedentes da Ordem dos Advogados bem , como a evolução legislativa a partir de 1922,em ALBERTO SOUSA LAMY, A Ordem dos Advogados Portugueses, História – Órgãos - Funções, Lisboa, 1984.


(3) ROGÉRIO SOARES, Direito Público e Sociedade Técnica, Coimbra, 1969, págs. 91 e segs..

(4) Cfr. JORGE MIRANDA, As Associações Públicas no Direito Português, ed. Cognitio, 1985, pág. 11.

(5) Cfr. JORGE MIRANDA, ibidem.

(6) Cfr. JORGE MIRANDA, ibidem, pág. 14.

(7) Curso de Direito Administrativo, vol I, Coimbra, 1986, pág. 370.

(8) As Associações Públicas, cit. págs. 14/15.

(9) Cfr. J.GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa, Anotada, 2ª edição, 2º volume, pág. 424.

(10) Cfr. Associações Públicas, cita, pág. 15/16.

(11) Cfr. JORGE MIRANDA, loc. cit., pág. 16 e desenvolvidamente o Parecer deste Conselho Consultivo nº 114/85, de 31 Janeiro de 1986, publicado no Diário da República, II Série, nº 123, de 31 de Julho de 1986 e no Boletim do Ministério da Justiça, nº 359, pág. 190.

(12) Como referente de toda a discussão esteve presente o problema respeitante às associações de carácter profissional - as “Ordens".

(13) Segue-se neste, passo, a selecção de intervenções, já recenseada no Parecer nº 114/85, citado na nota (11).

(14) Cfr. Diário da Assembleia da República, II Legislatura, 2ª sessão legislativa, 44, Suplemento, de 27 de Janeiro de 1982, pág. 904-(5),e 64, suplemento, de 10 de Março de 1982, pág. 1232-(17) a 1232-(21).

(15) Cfr. J.GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República, Anotada, 2ª edição, vol. I, pág. 267, anotação ao artigo 46º - "Liberdade de associação".

(16) Cfr. ibidem, vol 2º, pág. 425.

(17) Seguindo, muito de perto neste ponto, o Parecer deste Conselho Consultivo nº 114/85, citado na nota (11), JORGE MIRANDA, As Associações Públicas cit., pág. 16-18 e 25-27,e FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, cit, pág. 378-382.

(18) Artigos 167º e seguintes do Código Civil e artigo 6º do Decreto-Lei nº 594/74, de 7 de Novembro.

(19) Cfr. J.GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa, Anotada, cit., vol. 2º; pág. 425 e JORGE MIRANDA; As Associações Públicas, cit., págs. 26-27,que neste ponto se segue, muito de perto.

(20) Que tem como contrapartida, para garantia da liberdade sindical, a proibição do exercício de funções públicas pelos sindicatos; por isso, a inconstitucionalidade de regime das carteiras profissionais, revogado pelo Decreto-Lei nº358/84, de 13 de Novembro.

(21) Cfr., As Associações Públicas cit., pág. 27.

(22) Cfr., Curso de Direito Administrativo, cit., vol. I, págs. 381/382.

(23) Excede manifestamente a economia do parecer e a exigência metodológica de abordagem genérica e enunciativa do tema das associações publicas, a questão de saber se estas entidades pertencem à administração indirecta ou antes à administração autónoma. Cfr., sobre o tema, as opiniões divergentes de JORGE MIRANDA, in, As Associações Públicas, cit., págs. 25-26 e FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo cit.,

(24) Cfr., FREITAS DO AMARAL, ibidem, pág. 373.

(25) Notar-se-á, contudo, como se referiu, supra, a anterioridade (remontando a 1926) da Ordem dos Advogados.

(26) Cfr. Parecer da Comissão Constitucional nº 2/78, in Pareceres da Comissão Constitucional, 4º volume, págs. 152, e segs.,desig.167-168.

(27) Cfr., ANDRÉ DE LAUBADERE, Traité de Droit Administratif, Tomo I, LGDJ, 1984, págs. 708 e segs.; CHARLES DEBBASCH. Institutions et droit administratif, 1, Les structures administratives, págs. 531, e segs.; JEAN RIVERO, Direito Administrativo, (trad.), Coimbra, 1981, págs.560, e segs.; FERNANDO GARRIDO FALLA, Tratado de Derecho Administrativo, vol. I, Madrid, 1958, pág. 300; ALDO SANDULLI, Manuale di Diritto Amministrativo; 10ª ed., 1964, pág. 310; GUIDO ZANOBINI, Curso di Dirito Amministrativo, vol. 3º,Giuffré, 1958, pág. 235; MASSIMO GIANNINI; Diritto Amministrativo, vol. I, Giuffrè, 1970, págs. 186 e segs.; Novissimo Digesto Italiano, Ordinamenti Professionali, Vol. XII, págs. 6 e segs..

(28) Segue-se, de perto, o Parecer da Comissão Constitucional nº 2/78, citado na nota (26), pág. 171.

(29) Cfr. FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, cit., vol I, pág. 377; Cfr., também, o Parecer da Comissão Constitucional, nº 2/78, citado,, ibidem; pág.172.

(30) Definição de FREITAS DO AMARAL, ibidem, pág. 375.

(31) As organizações profissionais de algumas actividades são seculares (actividades profissionais típicas com uma particular função social: v.g. médico e advogado), cfr. Novissimo Digesto Italiano, Ordinamenti professionali, vol. XII, pág. 6.

(32) Proposta de Lei nº 49/111, Diário da/República, II Série, nº 48, de 9 de Novembro de 1983. Cfr., v.g. .,as intervenções dos deputados ROQUE LINO e MARCELO CURTO, Diário da Assembleia da República, I Série, nº 61, de 11 de Janeiro de 1984, pág. 2723, e nº62, pág.2746, respectivamente.

(33) Preâmbulo do Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março.

(34) Ou mesmo outras alternativas; Cfr., supra; ponto 5 e nota (29) .

(35) Do preâmbulo do Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março.

(36) Cfr. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição Anotada, cit., vol. 2º, pág. 425.

(37) As considerações alinhadas sobre a legitimidade constitucional e princípios fundamentais das associações públicas respondem já neste plano geral solicitação maximalista do Senhor Advogado subscritor de uma das exposições - cfr. nota (1).

(38) Cfr., J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição, Anotada, cit., vol. I, pág. 267.

(39) A afirmação é de JORGE MIRANDA, in Associações Públicas, cit., pág. 32.

(40) "O princípio de proporcionalidade em sentido amplo, também conhecido como princípio da proibição de excesso, foi erigido à dignidade de princípio constitucional, artigo 18º, nº2 da Constituição. Cfr. J.GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, 4ª edição, Coimbra, 1986, págs.355/316, cuja lição aqui se segue.
Como superconceito, desdobra-se em várias exigências: a exigência de conformidade ou adequação dos meios (a medida adoptada para a realização do interesse público deve ser apropriada para a prossecução dos fins subjacentes ao interesse público; o acto do poder público deve ser apto e conforme os fins que justificam a sua adopção; trata-se de controlar a relação de adequação medida-fim); o requisito da exigibilidade ou da necessidade (menor ingerência possível, direito do cidadão à menor desvantagem possível: o meio deve ser o mais poupado quanto à limitação dos direitos fundamentais; limitação no tempo da medida limitativa, circunscrição à pessoa ou pessoas cujos interesses devam ser sacrificados - necessidade material, exigibilidade espacial, exigibilidade temporal e exigibilidade pessoal).

(41) Como de outras profissões de exigência e relevância semelhantes em termos de interesse público geral e de confiança social no respectivo exercício - médicos, engenheiros, farmacêuticos.

(42) Dispõe o artigo 51º, nº1, alínea d),do Decreto-Lei nº 129/84, de 12 de Abril (aditado pelo artigo 3º da Lei nº 4/86, de 4 de Março): "Compete aos tribunais administrativos de círculo conhecer:
- Dos recursos de actos administrativos dos órgãos de associações públicas".

(43) O problema inerente à obrigatoriedade de inscrição nas ordens profissionais foi objecto de apreciação no Tribunal Europeu dos direitos do homem, que, por decisão de 23 de junho de 1981, entendeu que tal obrigatoriedade não viola o artigo 11º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que protege a liberdade de associação.
Cfr. a crónica de Pinheiro Farinha, "As Ordens e a Liberdade de Associação, no Boletim da Ordem dos Advogados, nº10, Janeiro de 1983, págs. 17 e 29.
Do mesmo modo decidiu o Acórdão da Relação de Lisboa, de 23 de Outubro de 1984,publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano IX, (1984), tomo IV, pág.212 e o Acórdão do supremo Tribunal de Justiça, de 23.5.85, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 347, pág. 227.

(44) O Tribunal Constitucional teve já ensejo de se pronunciar, sobre o regime das incompatibilidades com o exercício da advocacia, ao declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante da alínea i), do artigo 69º do Estatuto da Ordem, na parte em que considera incompatível com o exercício da advocacia a função docente de disciplinas que não sejam de direito.
Acórdão nº 143/85, publicado no Diário da República, I Série, nº 202, de 3 de Setembro de 1985.

(45) Cfr., o modo de abordagem do Acórdão do Tribunal Constitucional, citado na nota
(44), que neste ponto se acompanha.

(46) Cfr. Acórdão citado.

(47) Artigo 269º, nº5 da Constituição.

(48) Continua a seguir-se, de perto, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 143/85.

(49) Cfr. J.GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição Anotada, cit., vol. I, pág. 271, admitem como "restrições claramente admissíveis, as que visam limitar o exercício simultâneo de várias profissões. "A lei - escrevem - pode estabelecer incompatibilidades que obstem a que uma profissão seja exercida cumulativamente com outra".
Como indicações de direito comparado, neste específico sector sobre incompatibilidades, podem referir-se o artigo 62º da lei francesa de 31 de Dezembro de 1971, que estabelece a incompatibilidade da advocacia com funções públicas, salvo regulamentação especial, e o artigo 27º, nº4, do Real Decreto 2090/1982, de 24 de Julho, (Estatuto General de la Abogacia Española)que fixa a incompatibilidade de advocacia com o exercício de funções públicas, cujas leis reguladoras expressamente o determinem.
Cfr. EMMANUEL BLANC, La nouvelle profession d'avocat, Librerie du journal des Notaires et des Avocats, págs. 202-203 e L.PRIETO-CASTRO, Derecho de Tribunales, 1986, pág. 533 e JACQUES HAMELIN e ANDRÉ DAMIEN, Lès Règles de la Profession d'Avocat, 5ème édition, Dalloz, 1987, págs. 163-175.

(50) Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional referido.

(51) Cfr. a argumentação desenvolvida no referido acórdão do Tribunal Constitucional decidindo pela inexistência de substanciais razões justificativas de tratamento diferenciado entre função docente em escolas públicas e escolas privadas, cujas razões são extensíveis, em geral, à contraposição função pública - trabalhador por conta de outrém.
É de sublinhar nesta perspectiva o voto de vencido do Conselheiro Monteiro Dinis e algumas passagens, obiter dicta, do , voto do, Conselheiro Raúl Mateus.

(52) Esta vertente era assumida por remissão na regulamentação das incompatibilidades no sistema do Estatuto Judiciário. Dispunha, com efeito, o artigo 543º, nº1, alínea e), que não podiam ser inscritos como advogados os que exercessem funções públicas legalmente incompatíveis com a advocacia.

(53) Regulamento da inscrição de Advogados e Candidatos, aprovado, em 7 de Janeiro de 1943, necessariamente aplicável com as exigências próprias de alguma disciplina incompatível constante do estatuto aprovado pelo Decreto-Lei nº 84/84.

(54) Cfr., JORGE MIRANDA, As Associações públicas, cit., pág. 33.
Cfr., também, o Parecer nº 2/78 da Comissão Constitucional, cit., que se pronunciou pela inconstitucionalidade da norma constante do artigo 11º, alínea c) do Estatuto da Ordem dos Médicos, aprovado pelo Decreto-Lei nº 282/77, de 5 de Julho, que cominava a anulação da inscrição aos que deixassem de pagar as quotas durante um período de seis meses e que, depois de avisados para as pagar, o não fizessem no prazo de um mês após a recepção do aviso.
O Conselho da Revolução, através da Resolução nº 11/87,publicado no diário a da República I série, de 26 de Janeiro de 1978, declarou, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, entre outras do referido diploma, da norma constante daquele artigo 11º, alínea c).

(55) Despacho de acusação proferido pelo relator do processo disciplinar no termo da instrução, que deve especificar, inter alia, os factos imputados e as circunstâncias em que os mesmos foram praticados - artigos 114º e 115º do Estatuto da Ordem dos Advogados.

(56) Acórdão da Comissão Constitucional nº 168, de 24 de 24 de Julho de 1977, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 291, pág.141, relatado por FIGUEIREDO DIAS.

(57) Vejam-se, a este propósito, as conclusões do VI Congresso da "Association Internationale de Droit Pénal", na Revue Internationale de Droit Pénal, 1953, pág. 711, e, do Colóquio de Viena de Março de 1978, preparatório do XII Congresso da A.I.D.P., na Revue Internationale de Droit Pénal, ano 49, 1978, nº8, pág. 589 sobre o alcance do princípio da presunção de inocência, alcançando-se apenas acordo quanto a um conteúdo tão restrito do princípio "que muitos se perguntarão se, deste modo, haverá verdadeira razão para ele subsistir" referência de FIGUEIREDO DIAS, no Encontro-Debate, A Revisão Constitucional, o Processo Penal e os Tribunais, 1981, pág. 82.

(58) Cfr., a documentada abordagem contida no Parecer deste Conselho Consultivo nº 36/84, de 11 de Outubro de 1984, a propósito de suspensão preventiva do arguido em processo disciplinar.

(59) Cfr. FIGUEIREDO DIAS, Intervenção no Encontro-Debate, cit. nota (57), pág. 83; e J.GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição, Anotada, cit., vol. I, pág.215.
Conteúdo menos alargado do princípio, ainda essencialmente ligado à vertente probatória, pode referir-se Giuliano VASSALLI, Lê droit Italien, principes généraux applicables à la “matière pénale", na Revue de Science Criminelle et de Droit Pènal Comparé, 1987, nº1, pág. 73 e segs., dig. 77 e FRANCISCO TOMAS y VALIENTE, "In dubio pro reo, Libre apreciaciòn de la Prueba y Presunción de Inocência, Revista Española de Derecho Constitucional, Año 7º, nº70, Mayo-Agosto 1987, pág.9, e seg. .

(60) Parecer nº 36/84, cit. nota (58) e também parecer nº 127/85, de 18 de Dezembro de 1985.

(61) Disposição semelhante contém o Código de Processo Penal no artigo 199º, integrado nas "medidas de coacção”.