Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00003255
Parecer: P000122013
Nº do Documento: PPA05122013001200
Descritores: CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS
TITULARIDADE
TRANSPORTE COLECTIVO
COMPANHIA DE CARRIS DE FERRO DE LISBOA, SA
METROPOLITANO DE LISBOA EPE
NACIONALIZAÇÃO
MUNICIPIO DE LISBOA
AUTARQUIA LOCAL
AUTORIDADES METROPOLITANAS DE TRANSPORTES DE LISBOA E PORTO
TRANSFERÊNCIA DE COMPETÊNCIA
Numero Oficio: 2568
Data Oficio: 05/14/2013
Pedido: 05/15/2013
Data de Distribuição: 05/16/2013
Relator: FÁTIMA CARVALHO
Sessões: 00
Data da Votação: 12/05/2013
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: SEOTC
Entidades do Departamento 1: SECRETÁRIO DE ESTADO DAS OBRAS PÚBLICAS, TRANSPORTES E COMUNICAÇÕES
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 03/20/2015
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 10-04-2015
Nº do Jornal Oficial: 70
Nº da Página do Jornal Oficial: 8753
Indicação 2: MARIA JOSÉ RODRIGUES
Área Temática:Dir Adm / Dir civ * Teoria Geral / Dir Econ
Legislação:DL 688/73 de 1972/12/21 ; Decreto in DG de 1871/03/20 ; Decreto de 1873/04/17 ; DL 688/73 de 1973/12/21 ; DL 300/75 de 1975/08/20 ; DL 346/75 de 1975/07/03 ; DL 132/92 de 1992/07/06; DL 260/76 de 1976/04/08; DL 558/99 de 1999/12/17; ; DL 133/2013 de 2013/10/03; DL 36.620 de 1947/11/24 ; Decreto in DG 1949/07/25 ; DL 280-A/75 de 1975/06/05; DL 439/78 de 1978/12/30; DL 300/2007 de 2007/08/23 ; DL 148-A/2009 de 2009/06/26 art6; l 10/90 de 1990/01/05; Decreto de 25 julho de 1949; DL 439/78 de 1978/12/30; l 1/2009 de 2009/01/05; DL 18/2008 de 2008/01/29 art 407; L 75/2013 de 2013/09/12; DL 88-A/97 de 1997/06/25 ; DL 147/2007 de 2007/04/27 ; DL 236/2012 de 2012/10/31 ; L 2008 de 1945/09/07 ; Decreto 37272 de 1948/12/30; aprova regulam trsnp em automoveis ; DL 31.095 de 31/12/1940
Direito Comunitário:Regulam CE 1370/2007 do PE e Cons sobre serviços públ. de transportes i JOCE L 315 de 2007/12/03
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1.ª – Por contrato autorizado pelo Governo e de acordo com as bases aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 688/73, de 21 de dezembro, o Município de Lisboa outorgou a concessão do serviço público de transportes coletivos de passageiros na cidade de Lisboa (com possibilidade de alargamento a zonas limítrofes), utilizando autocarros, carros elétricos e ascensores mecânicos, em regime de exclusividade, à Companhia Carris de Ferros de Lisboa, SARL, pelo prazo de cinquenta anos, renovável por períodos de dez;

2.ª – Pelo Decreto-Lei n.º 346/75, de 3 de julho, foi determinada a transferência para o Estado das ações da concessionária que não fossem detidas por entidades estrangeiras, tendo sido estatuído, pelo artigo 3.º, que o Estado assumiria todas as situações jurídicas então tituladas pela autarquia, aí se incluindo a referida posição de concedente;

3.ª – De acordo com o regime especial aplicável aos transportes públicos de passageiros nas regiões metropolitanas de Lisboa e Porto, consagrado pela Lei n.º 10/90, de 17 de março, os poderes e competências assumidos pelo Estado, nos termos da conclusão anterior, foram transferidos para outras pessoas coletivas públicas autónomas, criadas por lei – atualmente a Autoridade Metropolitana de Transportes de Lisboa, criada pela Lei n.º 1/2009, de 5 de janeiro, em cujo modelo se acentuam traços de coordenação e articulação entre a administração central e a administração local;

4.ª – A Carris SA é atualmente uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, integrada no setor empresarial do Estado e cujo objeto, definido nos estatutos, consiste ainda na exploração de concessões de transportes terrestres;

5.ª – Por contrato aprovado por decreto de 25 de julho de 1949, o Município de Lisboa outorgou a concessão da instalação e exploração, em regime de exclusividade, de um sistema de transporte coletivo fundado no aproveitamento do subsolo da cidade Lisboa à Metro SARL – empresa cujo capital era detido na quase totalidade pelo Município – pelo prazo de 75 anos;

6.ª – A Metro SARL foi nacionalizada pelo Decreto-Lei n.º 280-A/75, de 5 de junho, que determinou que a universalidade de bens, direitos e obrigações que integravam o seu ativo e passivo era transferida para o Estado, integrados no património autónomo da empresa resultante da nacionalização, a qual assumia também a posição detida pela Metro SARL em todos os atos e contratos por ela celebrados;

7.ª – Pelo Decreto-Lei n.º 439/78, de 30 de dezembro, a empresa nacionalizada passou a constituir uma empresa pública – Metropolitano de Lisboa EP – cujo objeto principal consistia em manter e desenvolver o funcionamento regular do serviço público de transporte coletivo fundado no aproveitamento do subsolo da cidade de Lisboa e zonas limítrofes, coincidindo, pois, com o serviço concedido nos termos referidos na conclusão 5.ª;

8.ª – As normas constantes do diploma que criou a empresa, bem como dos diplomas que aprovaram os respetivos estatutos – em particular o Decreto-Lei n.º 148-A/2009, de 26 de junho, pelo qual foi qualificada como entidade pública empresarial – revelam que o Estado assumiu como sua a atividade atribuída ao Metropolitano de Lisboa EPE e que cabem ao Estado as principais definições e opções relativas ao desenvolvimento do serviço, dependendo de autorização governamental a prática dos atos mais relevantes;

9.ª – Em contrapartida, a intervenção do Município de Lisboa passou a ser residual e de natureza meramente consultiva, indiciando que, em razão das importantes alterações de natureza política e legislativa verificadas, o contrato por ele celebrado se extinguiu por razões de interesse público;

10.ª – Continuando o serviço público de transporte coletivo fundado no aproveitamento do subsolo da cidade de Lisboa e zonas limítrofes a ser explorado, em condições similares, pela empresa pública que substituiu a primitiva concessionária, por atribuição direta da lei, e tendo o Estado assumido como sua essa atividade e constituído uma empresa cujo objeto principal consiste na exploração desse serviço público, deve considerar-se que se mantém, agora por força da lei, o regime de concessão da exploração de serviço público e que o Estado assumiu a posição de concedente, sem prejuízo dos desenvolvimentos referidos na conclusão 3.ª.

Texto Integral:


Senhor Secretário de Estado das Obras
Públicas, Transportes e Comunicações,
Excelência:



I


1. Dignou-se Vossa Excelência solicitar parecer deste Conselho acerca da «questão de saber se o titular das concessões de serviço público outorgadas às empresas Companhia Carris de Ferro de Lisboa, SA (Carris) e Metropolitano de Lisboa, EPE (ML) é, atualmente, o Estado português».

No ofício que acompanhou o pedido de parecer[1] refere-se que a questão se suscita em virtude de tais concessões terem sido originariamente atribuídas pelo Município de Lisboa à Carris e ao ML, respetivamente, através do Decreto-Lei n.º 688/73, de 21 de dezembro, e do contrato de concessão aprovado por Decreto do Governo, no dia 25 de julho de 1949, tendo ocorrido, posteriormente, “vicissitudes normativas diversas”, designadamente a nacionalização de ambas as empresas «que indiciam ter havido uma modificação subjetiva no que respeita ao concedente». Vem ainda referido que a dilucidação da questão assume pertinência no âmbito do processo tendente à “reestruturação” das empresas.

O mesmo ofício dá conta da existência de dois pareceres jurídicos já emitidos sobre a matéria, um elaborado por assessores daquelas empresas, outro elaborado por consultores externos, tendo ambos concluído no sentido da titularidade do Estado, embora com diversa argumentação e conceptualização.

No primeiro parecer concluiu-se que, com a nacionalização, tinha ocorrido uma modificação (subjetiva) do concedente e que «o atual concedente das concessões de serviço público detidas pela Companhia de Carris de Ferro de Lisboa SA (Carris) e pelo Metropolitano de Lisboa EPE (ML) é o Estado»; no segundo parecer evidenciou-se a «estadualização» ou a «titularidade estadual» dos respetivos serviços públicos de transportes, que foram «deslocalizados» dos municípios para o Estado, e, no caso do metropolitano de Lisboa evidenciou-se ainda que o modelo que vigora atualmente é o da delegação (e não o da concessão).

Cumpre emitir o solicitado parecer.

II
1. Por decreto publicado no Diário do Governo de 20 de março de 1871 foi concedida a dois particulares (ou à empresa que estes “organizassem” e para a qual transferissem os seus direitos, com aprovação do governo) autorização para «estabelecerem à sua custa, na estrada real n.º 67 entre Alcântara a Belém e Cascaes podendo também prolongar-se até Cintra, mediante prévio acordo com a junta geral do districto de Lisboa, um caminho de ferro do systema de locomoção e viação pública, base o chamado genericamente sistema americano, ou horse railway». O mesmo decreto impunha a observância de determinadas condições técnicas, de garantia de qualidade do material e de bom estado da via-férrea, tudo sujeito a aprovação e fiscalização do Governo.

Por decreto de 17 de abril de 1873 foi aprovado o trespasse à Companhia de Carris de Ferro de Lisboa SARL (que se constituíra no Brasil no ano anterior e que fora entretanto autorizada a «exercer a sua indústria» em Portugal) da concessão do referido “caminho de ferro americano” (carros movidos por tração animal) entre Alcântara e Belém anteriormente atribuído, conforme referido, a dois particulares[2].

Por contratos de 10 de abril de 1888, de 5 de junho de 1897 e de 16 de agosto de 1898 (aprovados por decreto), a Câmara Municipal de Lisboa concedeu à Carris a exploração dos transportes coletivos de superfície, através do sistema de tração mecânica, com construção de novas linhas a assentar dentro do anterior e em novos perímetros urbanos; o último contrato, para além de prever «concessão de licença para construir e explorar» novas linhas, numa extensão de 26 quilómetros, garantia à Carris o privilégio do exclusivo da exploração.

Por contrato celebrado em Londres, em 7 de julho de 1899, a Carris arrendou essa concessão a uma empresa britânica, a Lisbon Electric Tramways Ltd.

Nas décadas seguintes foram desenvolvidas novas tecnologias e a concessão foi alargada a novas linhas. No princípio do século XX (31 de agosto de 1901) começou a funcionar a primeira linha de carros elétricos entre o Cais do Sodré e Algés.

Pelo Decreto-Lei n.º 688/73, de 21 de dezembro[3], a Câmara Municipal de Lisboa foi autorizada a celebrar com a Companhia de Carris de Ferro de Lisboa SARL e com a Lisbon Electric Tramways LTD um contrato (cujas bases constavam em anexo ao diploma) pelo qual, na parte que aqui releva, se procedia à extinção do arrendamento da concessão e se procedia (com a Carris) à «novação da concessão do serviço público de transportes coletivos de superfície, com tração mecânica, na cidade de Lisboa, dada pelos contratos de 10 de abril de 1888, 5 de junho de 1897 e 16 de agosto de 1898».

Previa-se que, em determinadas circunstâncias (designadamente de maiores encargos), o Estado atribuiria à Carris subsídios não reembolsáveis e que esta apresentaria anualmente ao Ministério das Comunicações um programa de exploração acompanhado de um orçamento de receitas e despesas, que serviria de base a um plano plurianual de atividade a elaborar de acordo com despacho do Ministro.

Previa-se também a participação de representantes do Município nos respetivos órgãos sociais.

Das bases do contrato celebrado com a Carris, publicadas por anexo, destaca-se a Base I, intitulada “Novação”, com a seguinte redação:

«1. Pelo presente contrato, o primeiro outorgante, Município de Lisboa (daqui por diante designado por «Município») e a segunda outorgante, Companhia Carris de Ferro de Lisboa (que será designada por «Carris»), substituem a concessão outorgada pelo Município à Carris pelos contratos de 10 de abril de 1888, 5 de junho de 1897 e 16 de agosto de 1898.
2. As bases do presente contrato substituirão o estipulado em todos os contratos que entre as partes foram celebrados anteriormente abrangendo o serviço público de transportes coletivos urbanos de passageiros na cidade de Lisboa em automóveis pesados (autocarros), carros elétricos e ascensores mecânicos e também o estipulado no contrato de concessão do elevador do Carmo, celebrado entre o Município e a Lisbon Electric Tramways, Ltd, em 17 de março de 1900.
3. O Município autoriza a segunda outorgante a mudar a sua atual denominação para Carris – Concessionária de Transportes Rodoviários, SARL.»

Cabia à Carris, como concessionária, «manter e desenvolver o funcionamento regular e contínuo do serviço público de transportes coletivos urbanos de passageiros na cidade de Lisboa, utilizando autocarros, carros elétricos e ascensores mecânicos»; a concessão poderia ainda compreender «o transporte coletivo de passageiros em carreiras que ultrapassem os limites administrativos da cidade de Lisboa, desde que devidamente autorizados nos termos da lei» e, mediante autorização do Governo e sob proposta da concessionária, poderia incluir a exploração de «novas modalidades de transportes públicos de passageiros a estabelecer na área de jurisdição do concedente» (desde que se não prejudicasse a concessão de transportes no subsolo nem o estabelecido na concessão única dos transportes ferroviários).

A atividade era exercida em regime de exclusivo (ressalvados os transportes coletivos que ultrapassassem os limites do município e os serviços de transporte que a lei permitisse que fossem explorados pelas empresas concessionárias de transportes coletivos de passageiros). O exclusivo constituía “contrapartida” da obrigação da concessionária de satisfazer em boas condições as necessidades do tráfego normal, que, para cada percurso, seriam fixadas pelo concedente, ouvida a concessionária e sob proposta desta.

A Carris obrigava-se a respeitar as determinações que o Governo, ouvido o Município, entendesse estabelecer, quanto a essa matéria, «tendo em vista o interesse público e a coordenação dos transportes».

O prazo da concessão foi fixado em cinquenta anos, sendo tácita e sucessivamente prorrogado por períodos de dez anos (se, pelo menos, dois anos antes do termo do prazo inicial ou do de cada prorrogação, uma das partes não notificasse a outra de que desejava dar o contrato por findo).

Para melhor compreensão dos termos da concessão, destaca-se, ainda, o conteúdo de algumas das outras bases do diploma habilitante: os regulamentos relativos à utilização do serviço público eram aprovados e publicados pelo Município; a Carris assumia determinadas obrigações no que respeita à aquisição e manutenção do material; o Município constituiria a favor da concessionária um direito de superfície sobre determinados terrenos do seu domínio privado, para que a concessionária aí construísse estações para depósito e reparação de veículos e que ficariam afetos à exploração do serviço; as tarifas – a fixar segundo determinados critérios estabelecidos na base X – eram aprovadas pelo Ministro das Comunicações ouvido o Município; a Carris obrigava-se a pagar ao Município 10% dos lucros líquidos; a fiscalização do cumprimento do contrato e do funcionamento do serviço concedido cabia aos serviços municipais competentes, «sem embargo da fiscalização do Governo e das outras fiscalizações de ordem técnica a que a concessionária esteja submetida por lei».

A Base XVIII dispunha sobre “Alterações e transmissão da concessão”, nos seguintes termos:

«1. Mediante autorização do Governo e do Município, poderá a presente concessão ser trespassada para nova concessionária.
2. Poderá, também, nas mesmas condições, ser transferida uma parte dos encargos do serviço público para uma subconcessionária, com os poderes necessários para os cumprir.
3. Mediante autorização do Governo, poderá o concedente transmitir a sua posição a outra pessoa coletiva de direito público, bem como alargar a área de exploração do serviço concedido, sem prejuízo do equilíbrio financeiro e económico da concessão.»

O Município poderia rescindir o contrato de concessão sempre que do não cumprimento das obrigações essenciais da Carris resultassem «graves perturbações na organização e funcionamento do serviço concedido» (sendo indicadas diversas situações que constituíam motivos de rescisão). E poderia resgatar a concessão, decorridos vinte anos sobre a data da celebração do presente contrato, notificada a concessionária com uma antecedência de dois anos, prevendo-se as condições de reversão do estabelecimento afeto à concessão e de compensação financeira da Carris pela antecipação do termo da concessão.

O normativo sintetizado reflete bem que, apesar de a concessão ter sido outorgada em 1973 pelo Município de Lisboa (com autorização do Governo), já então se patenteava o papel fortemente interventivo do Governo, que devia autorizar diversos atos, definia opções e estatuía sobre diversos aspetos relacionados com o exercício da atividade concedida, designadamente em nome do interesse público e da coordenação da política de transportes.

1.2. Dois anos mais tarde, no período em que, em Portugal, ocorreram nacionalizações de diversas empresas, designadamente empresas concessionárias do serviço de transportes públicos, determinou o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 346/75, de 3 de julho:

«É transferida para o Estado a titularidade das ações da Companhia Carris de Ferro de Lisboa SARL, não pertencentes a sociedades que não reúnam os requisitos de nacionalidade portuguesa estabelecidos no artigo 22.º do Decreto-lei n.º 46312, de 28 de abril de 1965».

De acordo com o preâmbulo do diploma, este era o «primeiro passo para a recuperação, reestruturação e planificação global dos transportes urbanos e suburbanos»; visava-se, ainda, garantir ao Ministério dos Transportes e Comunicações «os instrumentos adequados para enquadrar as potencialidades e atuações da Carris». O facto de algumas ações serem tituladas por entidades que não tinham nacionalidade portuguesa terá obstado à nacionalização da própria sociedade, tal como aconteceu com outras concessionárias[4].

O artigo 3.º, essencial no âmbito da consulta, estatuía:

«O Estado assumirá todas as situações jurídicas que a Câmara Municipal de Lisboa detinha em relação à Companhia Carris de Ferro de Lisboa SARL, à data do início da eficácia do presente diploma.»

Nos termos do artigo 4.º, a empresa seria gerida, até à sua reestruturação, por uma comissão administrativa a nomear por resolução do Conselho de Ministros.

Essa situação manteve-se até 1992, e só nesse ano, pelo Decreto-Lei n.º 132/92, de 6 de julho, a comissão administrativa foi substituída por um conselho de administração e foi prevista a alteração dos estatutos da empresa. De referir que este diploma revogou expressamente o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 346/75, mas não revogou o artigo 3.º, acima transcrito, pelo qual o Estado assumia, além do mais, a posição jurídico-contratual de concedente.

1.3. A Carris era uma sociedade anónima de responsabilidade limitada cujo capital passou a ser titulado maioritariamente pelo Estado.

De acordo com as categorias acolhidas pelo Decreto-Lei n.º 260/76, de 8 de abril – que estabeleceu as bases gerais das empresas públicas – a Carris não se caracterizava como empresa pública (não fora criada pelo Estado, nem fora nacionalizada), embora se pudesse já entender que, enquanto “sociedade de economia mista”, integrava materialmente o setor empresarial do Estado, o que tinha implicações significativas ao nível da gestão, designadamente, podendo o Conselho de Ministros nomear administradores[5].

De acordo com os conceitos e categorias posteriormente introduzidos pelo Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro[6], que aprovou o novo regime do setor empresarial do Estado (SEE) e das empresas públicas, a Carris passou a integrar o setor empresarial do Estado, na categoria de empresa pública. De facto, o artigo 3.º considerava empresa pública – para além das pessoas coletivas públicas com natureza empresarial, criadas pelo Estado, que passaram a ser designadas como entidades públicas empresariais – as sociedades constituídas nos termos da lei comercial, nas quais o Estado ou outras entidades públicas estaduais pudessem exercer uma influência dominante, em virtude da detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto ou do direito de designar ou de destituir a maioria dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização.

A mesma caracterização mantém-se após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro[7], que estabelece os princípios e regras aplicáveis ao setor público empresarial, incluindo as bases gerais do estatuto das empresas públicas, designadamente em face do artigo 5.º, que continua a definir como empresas públicas «as organizações empresariais constituídas sob a forma de sociedade de responsabilidade limitada nos termos da lei comercial, nas quais o Estado ou outras entidades públicas possam exercer, isolada ou conjuntamente, de forma direta ou indireta, influência dominante, nos termos do presente decreto-lei».

1.4. Atualmente, a Carris continua a constituir uma sociedade anónima, cujo capital é integralmente detido pelo Estado português[8]; os estatutos definem o seu objeto como «a exploração de concessões de transportes terrestres, já existentes ou futuras, feitas pelo Estado ou por autarquias locais, e bem assim qualquer outra atividade compreendida na indústria de transportes terrestres» (n.º 1 do artigo 3.º).

A função acionista do Estado determina «especificidades de regime que se traduzem em obrigações especiais de informação e numa forma particular de controlo público», designadamente através da definição de orientações estratégicas a serem seguidas[9].

De acordo com recentes orientações estratégicas, a missão da Carris consiste em «assegurar o transporte urbano de passageiros na Área Metropolitana de Lisboa, predominantemente na cidade, em termos que contribua para a efetiva mobilidade das pessoas e que disponibilize uma alternativa credível ao transporte individual privado, gerando, pela sua atividade, benefícios sociais e ambientais num quadro de racionalidade económica e de sustentabilidade ambiental e social»[10].


2. Vejamos agora a correspondente evolução dos instrumentos jurídicos concernentes ao ML.

Mencionando, no preâmbulo, os problemas de trânsito na cidade de Lisboa e a oportunidade de se proceder ao estudo de um sistema de transportes coletivo com base no subsolo da cidade – e acrescentando, desde logo, que se “encarava” a possibilidade de conceder a instalação do serviço público respetivo –, o Decreto-Lei n.º 36.620, de 24 de novembro de 1947, conferiu à Câmara Municipal de Lisboa «o direito de fazer a concessão do exclusivo do estudo técnico e económico de um sistema de transporte coletivo fundado no aproveitamento do subsolo da cidade, bem como da instalação e exploração do respetivo serviço público».

Para o efeito, previu a possibilidade de a autarquia promover a constituição de uma ou mais sociedades de que deveria fazer parte. Em 26 de janeiro de 1948 foi constituída a Metro SARL, tendo o Município de Lisboa subscrito 40% do respetivo capital. No final do ano a empresa apresentou o plano geral e os estudos económicos elaborados[11].

O contrato de concessão foi outorgado por escritura de 1 de julho do mesmo ano, com o prazo de 75 anos, podendo a Câmara resgatá-la ao fim de dez.

A aprovação do Governo – que constituía condição de executoriedade – foi dada por decreto de 25 de julho de 1949, que aprovou «a concessão da instalação e exploração, em regime de exclusivo, de um sistema de transporte coletivo fundado no aproveitamento do subsolo da cidade de Lisboa, dada pela Câmara Municipal de Lisboa à Metro SARL».

No caderno de encargos anexo ao contrato definia-se, mais uma vez, o objeto da concessão como «a instalação e exploração, em regime de exclusivo, de um sistema de transporte coletivo fundado no aproveitamento do subsolo», sendo a concessão dada com a «declaração de utilidade pública e correlativa faculdade de constituição de servidões e de expropriação de todos os direitos necessários à instalação e exploração do serviço». Para além disso, um extenso clausulado estabelecia regras de caráter técnico.

Previa-se que a concessionária alteraria os seus estatutos (que seriam aprovados pelo Ministro das Comunicações) e procederia a aumento do capital, e que o Município indicaria membros para o conselho de administração e para o conselho fiscal e teria preferência nas subscrições de aumento do capital (até determinado limite do capital social).

Os estatutos da Metro SARL foram aprovados por despacho ministerial de 3 de setembro de 1949. A inauguração do metropolitano de Lisboa ocorreu no dia 29 de dezembro de 1959.

2.1. Pelo Decreto-Lei n.º 280-A/75, de 5 de junho, a Metro SARL foi nacionalizada. Dispunha o artigo 1.º «É nacionalizada a sociedade Metropolitano de Lisboa SARL, com eficácia a partir de 5 de junho de 1975».

Também neste caso o legislador aludiu ao «passo necessário para a planificação global dos transportes urbanos e suburbanos» com vista à melhoria da sua segurança e qualidade e à necessidade urgente de garantir ao Ministério dos Transportes e Comunicações «os instrumentos adequados para enquadrar as potencialidades e atuações do Metropolitano de Lisboa»[12]. E evidenciou a inadequada estrutura de capitais próprios da empresa e sua dependência financeira face à Administração Pública.

O Estado comprometia-se a pagar uma indemnização às entidades titulares de ações do respetivo capital que era então detido em 98,5% pelo Município de Lisboa[13]. Até à sua reestruturação, a empresa seria gerida por uma comissão administrativa nomeada por Resolução do Conselho de Ministros.

Dispunha o n.º 1 do artigo 4.º:

«A universalidade de bens, direitos e obrigações que integram o ativo e o passivo da empresa Metropolitano de Lisboa, SARL, ou que se encontram afetos à respetiva exploração, são transferidos para o Estado, integrados no património autónomo da empresa resultante da nacionalização, ou a ele igualmente afetos».

E o artigo 5.º:

«A empresa nacionalizada assumirá em relação a todos os atos praticados e contratos celebrados pelo Metropolitano de Lisboa SARL, a posição jurídica que este detiver à data do início da eficácia da nacionalização».

Deste modo, o legislador permitiu que, entre outras, a posição de concessionária detida nessa data pelo Metro SARL passasse a ser detida pela empresa nacionalizada. Recorde-se, porém, que é a posição do concedente que está em causa na consulta e, sobre esta, nada foi dito expressamente.

2.2. Pelo Decreto-Lei n.º 439/78, de 30 de dezembro, a Sociedade Metropolitano de Lisboa SARL, nacionalizada pelo diploma atrás referido, passou a constituir uma empresa pública, denominada Metropolitano de Lisboa EP (abreviadamente ML), sujeita aos poderes de tutela do Ministro dos Transportes e Comunicações (artigo 1.º, n.º 1, e 2.º).

O artigo 8.º deste diploma dispunha:

«1. A instalação e a exploração de novas linhas, o encerramento ou a abertura de novas estações, bem como importantes alterações de serviço, serão objeto de prévio parecer do Município.
2. As obras que tenham que realizar-se nas vias públicas dependem de prévia autorização do Município.
3. O parecer e a autorização municipal a que se referem os artigos anteriores consideram-se favoráveis se não for comunicada deliberação no prazo de trinta dias a contar da receção da comunicação do ML».

Os estatutos da empresa, publicados em anexo, caracterizavam-na como «pessoa coletiva de direito público com personalidade jurídica, dotada de autonomia administrativa e financeira e dispondo de património próprio».

O seu “Objetivo principal” consistia em «manter e desenvolver o funcionamento regular do serviço público de transporte coletivo fundado no aproveitamento do subsolo da cidade de Lisboa e zonas limítrofes, dispondo para tal de prerrogativas de autoridade, designadamente no tocante ao policiamento das instalações afetas ao serviço público e à definição dos direitos e deveres dos utentes constantes do Regulamento de Exploração»[14].

No exercício da tutela, compreendia-se a definição, pelo Ministro dos Transportes e Comunicações, dos «objetivos e do enquadramento geral no qual se deve desenvolver a atividade da empresa, com vista a harmonizá-la com as políticas globais e sectoriais, nos termos definidos na lei». E dependiam da aprovação ministerial, designadamente: os planos de atividade e financeiros; a política de fixação de tarifas e preços; o desenvolvimento ou alteração das condições de exploração, tendo em vista o interesse público e a coordenação dos transportes; os regulamentos relativos à utilização do serviço pelo público; a realização de investimentos em infraestruturas de longa duração afeta ao serviço público, a partir de certo limite.

Cabe destacar que, apesar de os Estatutos definirem a atividade (“Objetivo principal”) da empresa como «manter e desenvolver o funcionamento regular do serviço público de transporte coletivo fundado no aproveitamento do subsolo da cidade de Lisboa e zonas limítrofes», não faziam qualquer referência expressa ao regime de concessão ou à qualidade de concessionária.

2.3. O ML que, na vigência do Decreto-Lei n.º 260/76, de 8 de abril, continuou a caracterizar-se como empresa pública, passou, no âmbito do novo regime do setor empresarial do Estado e das empresas públicas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 558/99, a caracterizar-se como entidade pública empresarial, categoria em que continua atualmente a inserir-se[15].

A necessidade de conformar o regime jurídico do ML ao novo regime jurídico do setor empresarial do Estado, aprovado pelo Decreto-lei 300/2007, de 23 de agosto (que alterou o Decreto-Lei n.º 558/99), bem como «as alterações relevantes que entretanto se tinham verificado no exercício da sua atividade», ditaram a revogação do diploma de 1978 e a aprovação de um novo regime jurídico do Metropolitano de Lisboa, como empresa pública empresarial, pelo Decreto-Lei n.º 148-A/2009, de 26 de junho.

Destaca-se do preâmbulo deste último diploma:

«(…) sendo atualmente inegável a relevância do transporte por metropolitano como fator de promoção de uma mobilidade urbana sustentada, o exercício desta atividade reclama a atualização de objetivos a alcançar, um novo enquadramento institucional e a definição de instrumentos legais adequados à prossecução dos fins do Metropolitano de Lisboa e à realização eficaz do serviço público de que está incumbido, no âmbito de uma perspetiva integrada de ordenamento do território e desenvolvimento económico.
(…)
Consagra-se, no presente decreto-lei, o enquadramento que permitirá a contratualização do serviço de transporte público por metropolitano de passageiros prestado pelo Metropolitano de Lisboa EPE, estabelecendo-se que o respetivo instrumento contratual deve incluir disposições específicas sobre os serviços relativamente aos quais se justifica a existência de obrigações de serviço público».

De acordo com o regime jurídico aprovado por este diploma, o ML EPE é uma entidade pública empresarial, com personalidade jurídica, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio, sujeita ao poder de superintendência e de tutela do membro do Governo responsável pelo setor dos transportes e à tutela conjunta dos membros do Governo responsáveis pela área das finanças e dos transportes.

O capital realizado é integralmente detido pelo Estado e o seu património é constituído pela «universalidade dos direitos e bens adquiridos para o exercício da sua atividade, podendo administrá-lo e dele dispor livremente, sem sujeição às normas relativas ao domínio privado do Estado». O ML EPE administra os bens do domínio público afetos às suas atividades[16].

Dispõe o artigo 6.º, sobre “Contratualização do serviço público”:

«1 – Sem prejuízo da celebração de contratos de concessão com o Estado, diretamente ou com outra entidade pública legalmente competente, nos termos do n.º 2 do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 300/2007, de 23 de agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro[17], e da demais legislação aplicável, compete ao ML, EPE, exercer a atividade de prestação de serviços de transporte por metropolitano de passageiros na cidade de Lisboa e zonas limítrofes.
2 – Os contratos referidos no número anterior identificam os serviços cuja gestão e exploração é atribuída ao ML, EPE, com sujeição a obrigações de serviço público, nos termos da legislação aplicável.
3 – Das disposições contratuais relativas à prestação de serviços públicos, tal como referido no número anterior, devem constar, designadamente:
a) Os direitos e deveres das partes, incluindo obrigações de serviço público, bem como o preço, a compensação e direitos exclusivos;
b) Os critérios de cálculo das compensações de serviço público;
c) Os requisitos de qualidade e níveis de desempenho;
d) As sanções e penalidades aplicáveis em caso de incumprimento ou de cumprimento defeituoso do contrato ou falhas de desempenho;
e) O prazo de duração do contrato.
4 – Até à celebração dos contratos referidos nos números anteriores, aplicam-se as disposições gerais relativas à concessão de subvenções públicas, previstas no Decreto-Lei n.º 167/2008, de 26 de agosto».

Refira-se, desde já, que o artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 558/99, mencionado no n.º 1 da disposição transcrita, respeita às empresas públicas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral, que define como «aquelas cujas atividades devam assegurar a universalidade e continuidade dos serviços prestados, a coesão económica e social e a proteção dos consumidores, sem prejuízo da eficácia económica e do respeito dos princípios de não discriminação e transparência». E estatui o n.º 2 que «salvo quando a lei dispuser diversamente, os termos em que a gestão é atribuída e exercida constarão de contrato de concessão».

Retomando a análise do diploma que aprovou os atuais estatutos do ML EPE, o artigo 9.º, sobre “Poderes de autoridade”, determina que, para a prossecução e desenvolvimento do serviço público que lhe está atribuído, o ML, EPE «detém os poderes, as prerrogativas e as obrigações conferidos ao Estado pelas disposições legais e regulamentares aplicáveis, no que respeita: a) à utilização e à gestão das infraestruturas afetas ao serviço público; b) aos processos de expropriação (…); c) à ocupação de terrenos (…); d) à definição dos direitos e deveres dos utentes (…); e) à fiscalização dos títulos de transporte e à aplicação das respetivas sanções, nos termos da lei».

Por fim, nos termos do artigo 12.º, sobre “Pareceres e autorizações”, a instalação e exploração de novas linhas de metropolitano ou abertura de novas estações são objeto de parecer prévio dos municípios da área em que se realizem, bem como da Autoridade Metropolitana de Transportes de Lisboa, «sempre que seja considerado necessário ou conveniente»; as obras que se realizem nas vias públicas exigem prévia autorização do município em que se realizem.

Por seu turno, os municípios devem solicitar parecer ao ML relativamente a operações urbanísticas que possam interferir com as infraestruturas do metropolitano. Refira-se, ainda, que, nos termos do n.º 5 do mesmo artigo 12.º, as operações urbanísticas relativas a equipamentos e a infraestruturas necessárias para a prossecução e desenvolvimento do serviço público de transporte efetuadas pelo ML, EPE «são efetuadas em nome e por conta do Estado».

Os estatutos do ML, EPE, publicados em anexo ao diploma, definem o seu objeto como «a exploração, em exclusividade e regime de serviço público, do transporte coletivo de passageiros fundado no aproveitamento do subsolo da cidade de Lisboa e dos concelhos limítrofes da Grande Lisboa, abrangidos pela respetiva área correspondente ao nível III da Nomenclatura para Fins Territoriais e Estatísticos (NUTS)» (artigo 2.º).

Entre as outras atividades incluídas no seu objeto destaca-se «assegurar, por delegação do Estado, a construção, instalação, a renovação, a manutenção e a gestão das infraestruturas ferroviárias que lhe estão afetas (…)», ou «assegurar a conservação e a exploração de passagens subterrâneas ou à superfície, ou outras instalações que se encontram em correspondência direta com o seu sistema de transportes» (alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 2.º, respetivamente).

Permite-se ainda que, em certas condições, o ML EPE desenvolva o transporte coletivo parcialmente à superfície «em trincheira, ao nível do solo ou em viaduto» e que explore «novas modalidades de transporte coletivo de passageiros, desde que as suas características próprias o justifiquem, quer pela identidade tecnológica, quer por contribuírem para a otimização e a racionalização do sistema e transportes» (n.º 4 e 5 do artigo 2.º, respetivamente).

Do capítulo intitulado “Intervenção do Governo” destacam-se os seguintes poderes que esta compreende: os objetivos a prosseguir pelo ML, EPE, são definidos através de despacho conjunto dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e dos transportes (...); a tutela económica e financeira compreende, além do mais, «a definição das orientações gerais e específicas a prosseguir pelo ML, EPE, designadamente para efeitos de preparação dos planos de investimento, financiamentos e dos orçamentos, nos termos da lei» ou ainda «o poder de determinar inspeções ou inquéritos ao funcionamento da empresa (…)»; carecem de aprovação ou autorização da tutela, designadamente, os planos anuais de exploração e de investimento e respetivos planos de financiamento, os orçamentos anuais, os contratos-programa e os contratos de gestão, a homologação de preços e tarifas, a constituição de sociedades.

2.4. Na sequência do exposto, cabe destacar alguns aspetos da legislação atual que poderão ser particularmente relevantes para a resposta à consulta na parte referente ao ML.

Assim, nunca aludindo ao regime de concessão, o legislador atribui ao ML EPE o exercício da atividade de prestação de serviços de transporte por metropolitano de passageiros na cidade de Lisboa e zonas limítrofes e confere-lhe os poderes de autoridade necessários para esse exercício.
Os estatutos distinguem a atividade de «exploração, em exclusividade e regime de serviço público, do transporte coletivo de passageiros fundado no aproveitamento do subsolo da cidade de Lisboa» das outras atividades, sendo que, no que diz respeito a «assegurar a construção, instalação, a renovação, a manutenção e a gestão das infraestruturas ferroviárias que lhe estão afetas» (mas só a esta) referem expressamente que se trata de uma atividade exercida em delegação do Estado. No caso de “operações urbanísticas relativas a equipamentos e a infraestruturas necessárias para a prossecução e desenvolvimento do serviço público de transporte efetuadas pelo ML, EPE» diz mesmo que «são efetuadas em nome e por conta do Estado».

O artigo 6.º do diploma que aprova os estatutos remete para o n.º 2 do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 558/99, que respeita em especial às empresas públicas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral, segundo o qual os termos em que tal gestão é exercida devem constar de contrato de concessão «salvo quando a lei dispuser diversamente». E acrescenta que o contrato pelo qual é atribuída a gestão e exploração deve identificar os serviços com sujeição a obrigações de serviço público, e conter determinados elementos, a saber, «os direitos e deveres das partes, incluindo obrigações de serviço público, bem como o preço, a compensação e direitos exclusivos»; «os critérios de cálculo das compensações de serviço público», «os requisitos de qualidade e níveis de desempenho», «as sanções e penalidades aplicáveis em caso de incumprimento ou de cumprimento defeituoso do contrato ou falhas de desempenho», «o prazo de duração do contrato».

Determina-se que, até à celebração desses contratos, se aplique o regime jurídico da concessão de subvenções públicas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 167/2008, que define subvenções públicas como «toda e qualquer vantagem financeira atribuída, direta ou indiretamente, a partir de verbas do Orçamento do Estado, qualquer que seja a designação ou modalidade adotada» e cuja concessão está sujeita aos princípios gerais da atividade administrativa[18].

Por fim, cabe destacar que o exercício da atividade do ML está sujeito a uma acentuada intervenção e definição pelo Governo, sendo em contrapartida residual a intervenção do município (geralmente apenas em sede consultiva e em aspetos que não respeitam ao objeto principal prosseguido).


III

1. O transporte coletivo de pessoas e bens era uma das atividades que, enquanto serviço público de interesse local, o Código Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 31095, de 31 de dezembro de 1940, permitia que fosse explorado pelos municípios, “sob forma industrial e por sua conta e risco” (artigo 164.º)[19].

Entre as “atribuições de fomento” que o mesmo Código cometia às câmaras municipais inseria-se “deliberar” sobre o estabelecimento de serviços de transporte coletivo, e, entre as competências do mesmo órgão autárquico, incluía-se «conceder a exploração de serviços públicos e resgatar a concessão, quando o julgue conveniente, nos termos do respetivo contrato, o qual terá sempre por base um caderno de encargos aprovado pelo Governo» (artigos 46.º, n.º 5, e 51.º, n.º 26, respetivamente).

Também o Regulamento dos Transportes em Automóveis, aprovado pelo Decreto n.º 37272, de 31 de dezembro de 1948, que se manteve em vigor durante várias décadas, dispunha que «Todos os transportes coletivos em automóveis serão considerados como serviço público e previamente autorizados pelo Ministro das Comunicações, tendo em atenção o interesse da coordenação dos transportes» (artigo 72.º).

Aludindo sempre ao regime de concessão, quer relativamente ao transporte coletivo em automóvel, quer ao transporte ferroviário, este Regulamento apenas permitia que a concessão fosse outorgada pelas Câmaras Municipais se estivessem em causa «carreiras dentro das sedes dos concelhos»; para se tornarem executórias, as respetivas deliberações careciam de aprovação governamental (artigo 98.º).


2. Apesar das vicissitudes entretanto ocorridas, designadamente com a nacionalização de muitas empresas concessionárias de transportes coletivos de passageiros, só em 1990, com a aprovação da Lei n.º 10/90, de 17 de março, foram aprovadas as atuais bases do sistema de transportes terrestres[20], que elegiam, como principal objetivo «assegurar a máxima contribuição para o desenvolvimento económico e promover o maior bem-estar da população», através da adequação da oferta às necessidades dos utentes e da progressiva redução dos custos sociais e económicos.

Previa-se já que as empresas que exploram atividades de transporte qualificadas como de serviço público ficariam sujeitas a obrigações específicas e seriam compensadas pelos encargos delas decorrentes.

Noutra perspetiva, foi introduzida a classificação dos transportes terrestres em função do âmbito espacial da deslocação, em internacionais e internos, e dentro desta última categoria, em interurbanos regionais, locais e urbanos.

Os transportes locais são definidos como «os que visam satisfazer as necessidades de deslocação dentro de um município ou de uma região metropolitana de transportes»; e os urbanos como «os que visam satisfazer as necessidades de deslocação em meio urbano, como tal se entendendo o que é abrangido pelos limites de uma área de transportes urbanos ou pelos de uma área urbana de uma região metropolitana de transportes».

No capítulo II, sobre “Transporte ferroviário”, dispõe o n.º 1 do artigo 13.º (“Exploração do transporte ferroviário”) que a organização e a exploração dos transportes na rede ferroviária (que nesta, ao contrário de outras disposições, o legislador não restringe à rede ferroviária nacional) constitui um serviço público «a assegurar em regime de concessão ou delegação», prevendo-se a imposição de obrigações de serviço público e a correspetiva atribuição pelo Governo de indemnizações compensatórias à concessionária.

Por sua vez, no capítulo seguinte, dedicado ao transporte rodoviário, o artigo 20.º, sobre “Exploração de transportes regulares de passageiros urbanos e locais”, estabelece, no n.º 1, que «os transportes regulares urbanos são um serviço público, explorado pelos municípios respetivos, através de empresas municipais, ou mediante contrato de concessão ou de prestação de serviços por eles outorgado, por empresas transportadoras devidamente habilitadas (…)». E, no n.º 2, que «os transportes regulares locais são um serviço público explorado por empresas transportadoras, devidamente habilitadas, nos termos do artigo anterior, mediante contrato de concessão ou de prestação de serviço celebrado com o respetivo município».


2.1. Porém, o capítulo IV do diploma é dedicado aos “Transportes nas regiões metropolitanas”, sendo consideradas regiões metropolitanas de transportes as de Lisboa e do Porto, com limites a definir por decreto dos Ministros do Planeamento e da Administração do Território e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (n.º 3 do artigo 26.º).

Nos termos do n.º 1 do mesmo artigo 26.º (com a epígrafe “Âmbito”), os transportes por via terrestre e fluvial nas respetivas regiões metropolitanas de transporte ficam sujeitos ao regime especial desse capítulo e, em tudo o que não o contrarie, às disposições legais e regulamentares genéricas em vigor.

Em cada região metropolitana deveria ser estabelecido um «plano de transportes», articulado com os planos de urbanização e de ordenamento do território, que abrangeria «não só os meios de transporte público de superfície (ferroviário, rodoviário e fluvial) e subterrâneo (metropolitano), como também as condições de circulação e estacionamento dos veículos privados» (artigo 27.º).

Dispunha o n.º 7 do artigo 27.º:

«Os transportes públicos regulares de passageiros nas regiões metropolitanas de transporte são um serviço público e serão explorados por empresas que reúnam os requisitos de acesso à profissão, definidos nos termos do artigo 19.º, em regime de concessão ou de prestação de serviços, podendo os que se desenvolvam nas áreas urbanas secundárias ser explorados pelos respetivos municípios, através de empresas municipais».

Por fim, o artigo 28.º previa que em cada região metropolitana seria instituído pelo Governo «um organismo público dotado de personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira, denominado comissão metropolitana de transportes», que teria por atribuições, entre outras, «conceder, autorizar ou contratar a exploração de transportes regulares na região, nos termos dos n.ºs 7 e 8 do artigo anterior». Os membros do conselho executivo desse organismo seriam designados pelo Governo, embora tanto nesse órgão, como no conselho fiscal, devessem participar representantes das autarquias.

Deste modo, nas normas especiais aplicáveis aos transportes coletivos de passageiros nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto (incluindo quer o transporte rodoviário quer o ferroviário) o legislador não determinou que as respetivas concessões fossem outorgadas pelos municípios (tal como determinou, em geral, relativamente aos transportes rodoviários locais e urbanos), mas sim por organismos públicos instituídos pelo Governo, as comissões metropolitanas de transportes.


3. As comissões metropolitanas de transportes previstas na Lei n.º 10/90 estiveram na génese das Autoridades Metropolitanas de Transportes de Lisboa e do Porto, que foram criadas pelo Decreto-Lei n.º 268/2003, de 28 de outubro (emitido no âmbito da autorização dada pela Lei n.º 26/2002, de 2 de novembro), e definidas como «pessoas coletivas de direito público, dotadas de autonomia administrativa e financeira, que têm por objeto o planeamento, a coordenação e a organização do mercado e o desenvolvimento e a gestão dos sistemas de transportes no âmbito metropolitano», e que estavam sujeitas à superintendência do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação.

De acordo com o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 268/2003, a criação destas autoridades deveu-se à «necessidade urgente de melhorar o quadro de vida nas nossas duas áreas metropolitanas, atuando sobre os seus sistemas de transportes». Pretendia-se que estas entidades assumissem, para os respetivos espaços metropolitanos, as competências que no setor de transportes se encontravam dispersas por organismos da administração central e pelas autarquias locais, e que, para além das responsabilidades pela coordenação entre modos de transporte, tivessem competência em domínios como «o planeamento, a programação de investimentos em grandes infraestruturas, a organização do mercado, o financiamento e a tarifação, a investigação e o desenvolvimento e a promoção do transporte público».

Ressalvava-se, porém, o respeito pelo princípio da subsidiariedade, no sentido de que se mantinham «intactas» as atribuições das instâncias municipais que não contendessem com o sistema de transportes metropolitano.

Mais uma vez, o legislador reafirmou a opção de diferenciar o sistema de exploração do serviço público de transportes nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e de o inserir na esfera de competência de uma entidade pública, sujeita à superintendência do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.

As AMT tinham atribuições em matéria de planeamento, organização do mercado, financiamento, promoção do transporte público, investimento e desenvolvimento.

Do extenso elenco constante do artigo 5.º, destacam-se as seguintes atribuições mais relevantes no âmbito da consulta: «propor e executar as diretrizes da política de transportes para as respetivas áreas metropolitanas»; «planear redes e serviços de transportes públicos metropolitanos, rodoviários, ferroviários e fluviais (…)»; «efetuar o planeamento e programação das infraestruturas rodoviárias e ferroviárias de interesse metropolitano e supervisionar e coordenar a sua execução»; «fiscalizar (…) o cumprimento dos contratos, concessões ou autorizações e dos programas de exploração»; «estabelecer as obrigações inerentes ao serviço público de transporte metropolitano (…)»; «gerir, no quadro de determinações estabelecidas pelo Governo, o financiamento do sistema de transportes públicos de passageiros, bem como de interfaces, nas respetivas áreas metropolitanas (…)».

Entre as competências para o desempenho das atribuições das AMT, elencadas no artigo 6.º, incluía-se «contratar, conceder ou autorizar, mediante autorização dos Ministros das Finanças e das Obras Públicas, Transportes e Habitação nos casos que envolvam financiamento do Orçamento do Estado, a exploração dos serviços de transportes regulares rodoviários, ferroviários e fluviais de passageiros, nos termos das disposições legais e regulamentares aplicáveis».

Na prossecução das suas atribuições, as AMT assumiriam os direitos e obrigações conferidos ao Estado, designadamente quanto à cobrança coerciva de taxas e fiscalização do serviço de transportes (n.º 1 do artigo 7.º).

O artigo 14.º dispunha sobre a transferência de atribuições e competências dos organismos e serviços da administração direta e autónoma para as AMT, «na medida em que fossem prejudicadas pelas definidas neste diploma»; concretamente, estabelecia a transferência para estas entidades das atribuições e competências conferidas, entre outros, pelos Decreto n.º 37272, de 31 de dezembro de 1948 (Regulamento de Transportes em Automóveis)[21], pelo Decreto-Lei n.º 688/73, de 21 de dezembro (contrato de concessão com a Carris), e pelas Lei n.º 159/99, de 14 de setembro e n.º 169/99, de 18 de setembro (que estabeleciam, respetivamente, o quadro de transferências de atribuições e competências para as autarquias locais e a delimitação da intervenção entre administração central e local e as competências e o funcionamento dos órgãos autárquicos).

Por alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 232/2004, de 13 de dezembro, as AMT de Lisboa e Porto foram caracterizadas como entidades públicas empresariais e passou a competir-lhes «a prestação do serviço público, em moldes empresariais, relativos à gestão, planeamento, exploração e desenvolvimento do sistema de transportes nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto». Entre as suas atribuições (que de um modo geral se mantiveram) foi expressamente incluído «contratar, conceder e autorizar a exploração do serviço de transportes».

Deste modo, a prestação do serviço público de transportes de passageiros nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto passou a constituir atribuição destas novas entidades públicas, que, consequentemente, passaram a ser também as entidades competentes para outorgarem os respetivos contratos de concessão. O estatuto destas entidades tem vindo, no entanto, a sofrer modificações.


4. De facto, os Decretos-Leis nº 268/2003 e n.º 232/2004 foram revogados pela Lei n.º 1/2009, de 5 de janeiro, que estabeleceu o novo regime jurídico das AMT de Lisboa e do Porto, as quais sucederam nos direitos e obrigações decorrentes dos diplomas revogados.

De acordo com a “Exposição de motivos” que precedia a respetiva proposta de lei[22], as razões que justificavam a alteração do modelo eram, entre outras, a difícil compatibilização entre a anterior forma empresarial e a detenção de poderes de autoridade, bem como a necessidade de articulação de políticas públicas no âmbito dos transportes metropolitanos (quer através de medidas definidas pela administração central, quer através de medidas definidas pela administração local), e ainda a necessidade de garantir a sustentabilidade financeira, designadamente através da diversificação de formas de financiamento.

Um dos objetivos estratégicos do novo diploma era «a definição de um modelo compatível com o enquadramento comunitário, nomeadamente em matéria de compensação de obrigações de serviço público nos transportes terrestres».

Para isso, o Governo propunha «a aprovação de um regime jurídico autónomo em matéria de contratação de serviço público de transporte de passageiros, fornecendo, de acordo com novo Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros, um enquadramento jurídico claro para o mercado do transporte de passageiros por via terrestre».

Ao apresentar a proposta na discussão na Assembleia da República, a então Secretária de Estado dos Transportes evidenciou que «as AMT são pessoas coletivas de direito público, em que a administração central e a administração local se associam, com o objetivo de reorganizar, racionalizar e melhorar o sistema de transportes urbanos nas suas diversas vertentes» e que só através dessa articulação seria possível «atuar sobre o planeamento estratégico, a coordenação e a fiscalização do serviço de transportes, sobre as matérias de financiamento e de tarifação e sobre a divulgação e o desenvolvimento do transporte público de uma forma eficiente».

A AMT seria assim, segundo o mesmo membro do Governo, um órgão “coordenador” das políticas públicas («umas da competência do Governo e outras da competência local»), que antes não existia.

Estas autoridades foram caracterizadas como «pessoas coletivas públicas, dotadas de autonomia administrativa e financeira e de património próprio», e definidas como «autoridades organizadoras dos sistemas de transportes urbanos e locais das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto», com atribuições em matéria de planeamento, organização, operação, financiamento, fiscalização, divulgação e desenvolvimento do transporte público de passageiros.

Cabia-lhes, além do mais, «assegurar, gradual e progressivamente, a contratualização do serviço público de transporte, nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, sem prejuízo das atribuições do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres»[23] [24], ou ainda, «assegurar a contratualização do serviço público com os operadores privados de transporte coletivo rodoviário de passageiros, dentro das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto».

Reveladora de um pretendido modelo de articulação entre a administração central e a administração local, a estrutura organizativa das AMT compreende o conselho geral, o conselho executivo, o conselho consultivo e o fiscal único, sendo que, no caso da AMT de Lisboa, o conselho geral (órgão deliberativo) é constituído por dezassete membros, nove dos quais designados por membros do Governo e oito pela junta metropolitana de Lisboa[25]. Do mesmo modo, a atividade das AMT é sujeita a «supervisão e acompanhamento» exercidas “conjuntamente” pelos membros do governo responsáveis pela área das finanças e com tutela dos transportes e pelo presidente da respetiva junta metropolitana (artigo 12.º).

O modo de financiamento dos sistemas de transportes é constituído por receitas tarifárias ou outras, por verbas provenientes do Orçamento do Estado, da respetiva área metropolitana e das autarquias que a integram, a estabelecer através de contratos-programa que as AMT devem celebrar com tais entidades financiadoras[26].

Por fim, prevê-se que a contratualização do serviço público de transporte de passageiros por parte das AMT se rege por diploma próprio, pelas disposições de direito comunitário e, subsidiariamente, pelo regime das subvenções públicas (artigo 27.º).

4.1. As AMT criadas pelo diploma de 2009 são entidades de um novo tipo, que relevam da cooperação entre a administração central e a administração local e que exercem poderes de forma coordenada entre ambas.

E têm em vista proceder à contratualização do serviço público de transportes, o que vai ao encontro de algumas normas e do preâmbulo do diploma que aprovou os atuais estatutos do ML, que, recorde-se, evidenciam o objetivo de contratualização do serviço de transporte público prestado pelo Metropolitano de Lisboa EPE devendo o respetivo instrumento contratual incluir «disposições específicas sobre os serviços relativamente aos quais se justifica a existência de obrigações de serviço público».


5. Refira-se, por fim, que o diploma legal que regula o acesso da iniciativa económica privada a determinadas atividades económicas – Decreto-Lei n.º 88-A/97, de 25 de junho[27] – veda a entidades e empresas privadas o acesso, salvo se concessionadas, à atividade de transportes ferroviários explorados em regime de serviço público e permite que a concessão deste serviço público seja outorgada pelo Estado ou «por municípios ou associações de municípios, carecendo, neste caso, de autorização do Estado, quando as atividades objeto de concessão exijam um investimento predominantemente a realizar pelo Estado» (artigo 1.º, n.ºs 1, c, e 7).

Também a mais recente legislação sobre as transferências de competências das autarquias locais conflui, como veremos, neste complexo normativo, donde poderá emergir uma significativa alteração do modelo existente.

V


1. As autarquias locais são pessoas coletivas territoriais, dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respetivas (n.º 2 do artigo 235.º da Constituição).

Esses interesses são – segundo GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA[28]) – «aqueles que radicam nas comunidades locais enquanto tais, isto é, que são comuns aos residentes, e que se diferenciam dos interesses da coletividade nacional e dos interesses das restantes comunidades locais».

A Constituição remete para a lei as matérias de organização e atribuições das autarquias locais e de competência dos seus órgãos (artigo 237.º, n.º 1).

Nas atribuições e competências das autarquias locais, o legislador incluiu, tradicionalmente, o domínio dos transportes e das comunicações; mais concretamente atribuiu às instâncias municipais atribuições e competências no âmbito dos transportes que se desenvolvessem exclusivamente na respetiva área[29].

As atribuições e competências das instâncias municipais circunscreviam-se, pois, à área do respetivo município. Por outro lado, conforme se verificou, as atribuições e competências das autarquias locais nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto «naquilo que pudesse contender com o transporte metropolitano» foram transferidas para as respetivas AMT pelo artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 268/2003.


2. Recentemente, foi aprovada a Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro[30], que estabelece o regime jurídico das autarquias locais, aprova o estatuto das entidades intermunicipais e estabelece o regime jurídico da transferência de competências do Estado para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais e aprova o regime do associativismo autárquico.

No regime jurídico das autarquias locais, publicado em anexo, destaca-se o artigo 2.º, com a epígrafe “Atribuições”, nos termos do qual constituem atribuições das autarquias locais «a promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respetivas populações, designadamente nos domínios referidos no n.º 2 do artigo 7.º e no n.º 2 do artigo 23.º», onde, mais uma vez, se inserem os transportes e comunicações.

E, nas competências da assembleia municipal, continua a incluir-se «autorizar a câmara municipal a celebrar contratos de concessão e fixar as respetivas condições gerais» e inclui-se também «autorizar a celebração de contratos de delegação de competências entre a câmara municipal e o Estado e entre a câmara municipal e a entidade intermunicipal (…)»[31].

O Título IV do diploma é dedicado à “Descentralização administrativa”, que, nos termos do artigo 111.º, se concretiza «através da transferência por via legislativa de competências de órgãos do Estado para órgãos das autarquias locais e das entidades intermunicipais».

Dispõe o artigo 113.º que «no respeito pela intangibilidade das atribuições autárquicas e intermunicipais, o Estado concretiza a descentralização administrativa promovendo a transferência progressiva, contínua e sustentada das competências em todos os domínios dos interesses próprios das populações das autarquias locais e das entidades intermunicipais, em especial no âmbito de funções económicas e sociais».

A transferência de competências tem «caráter definitivo e universal», devendo a lei fazer referência aos recursos humanos, patrimoniais e financeiros necessários e suficientes ao exercício, pelos órgãos das autarquias locais e das entidades intermunicipais, das competências para eles transferidas.

Para além da transferência de competências, prevê-se também a “delegação de competências”, que pode ocorrer de órgãos do Estado em órgãos das autarquias e das entidades intermunicipais e de órgãos do município em órgãos da freguesia e das entidades intermunicipais. A delegação de competências concretiza-se através de contratos interadministrativos, com duração limitada no tempo.

No que concretamente respeita à delegação de competências do Estado nos municípios, o artigo 124.º dispõe que «no respeito pela intangibilidade das atribuições estaduais, o Estado concretiza a delegação de competências em todos os domínios dos interesses próprios das populações das autarquias locais e das entidades intermunicipais, em especial no âmbito das funções económicas e sociais», sendo delegáveis as competências «previstas na lei».


3. Este diploma, que entrou recentemente em vigor, revela o propósito de descentralização administrativa através de uma transferência «progressiva, contínua e sustentada» do Estado para as autarquias e entidades intermunicipais nos domínios dos interesses próprios das populações respetivas, em especial no âmbito de funções económicas e sociais.

As opções assumidas neste normativo poderão, pois, confluir com as modificações que se esboçam quanto ao serviço público de transportes em áreas metropolitanas. A institucionalização, na Lei n.º 75/2013, das áreas metropolitanas como associações públicas de autarquias locais que podem participar em entidades públicas de âmbito metropolitano, entre outros, no domínio dos transportes, poderá ser mais um passo no sentido da articulação e associação das estruturas do poder local e de estruturas do poder central neste domínio específico.

Conforme referimos, os transportes e comunicações constituem um dos domínios que releva dos interesses das respetivas populações e, como tal, têm estado sempre inscritos nas atribuições gerais das autarquias locais.

No entanto, o serviço público de transportes de passageiros nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto tem merecido, após a aprovação da lei de bases dos transportes terrestres, em 1990, um tratamento especial pelo legislador; inicialmente, com atribuição dos poderes para outorga das concessões de exploração do respetivo serviço público a organismos da administração indireta do Estado, evoluindo, depois, para a transferência desses poderes para entidades públicas empresariais e, finalmente, para entidades de novo tipo em que releva uma intervenção articulada da administração central e local; coloca-se agora a possibilidade da transferência ou da delegação de competências para as autarquias locais, através da celebração de contratos interadministrativos.

Como refere ALEXANDRA LEITÃO[32]:

«As entidades públicas, designadamente o Estado e as autarquias locais podem ainda celebrar contratos para clarificar a repartição das respetivas competências, esclarecendo as disposições legais sobre a matéria ou firmando uma interpretação conjunta das mesmas. Estes contratos não podem, naturalmente, fazer uma interpretação autêntica da Constituição ou da lei, não podendo, por isso, alterar o quadro legal de competências (…).»


4. Podemos, pois, constatar que estão colocadas novas hipóteses para a exploração dos serviços públicos de transportes de passageiros, designadamente nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, prefigurando-se a possibilidade de novas transferências e delegações de competências e de contratualização de serviços. Recorde-se que a atual legislação sobre o acesso à atividade económica prevê já que a concessão do serviço público de transportes ferroviários possa ser outorgada pelo Estado ou por municípios ou associações de municípios.

As mais recentes disposições normativas apontam, pois, para um novo figurino de contratualização do serviço público de transportes.

Convém, neste ponto, convocar o Regulamento (CE) n.º 1370/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2007[33], relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros, que tem por objetivo «definir o modo como, no respeito pelo direito comunitário, as autoridades competentes, podem intervir no domínio do transporte público de passageiros para assegurar a prestação de serviços de interesse geral que sejam, designadamente, mais numerosos, mais seguros, de melhor qualidade e mais baratos do que aqueles que seria possível prestar apenas com base nas leis do mercado». Definem-se, assim, as condições em que as autoridades competentes «ao imporem obrigações de serviço público ou ao celebrarem contratos relativos a obrigações de serviço público, compensam os operadores de serviços públicos pelos custos incorridos e/ou concedem direitos exclusivos em contrapartida da execução de obrigações de serviço público» (artigo 1.º)[34].

A regra geral constante do n.º 1 do artigo 3.º é a de que «quando uma autoridade competente decida conceder ao operador da sua escolha um direito exclusivo e/ou uma compensação, qualquer que seja a sua natureza, em contrapartida da execução de obrigações de serviço público, deve fazê-lo no âmbito de um contrato de serviço público»[35].


5. Sendo estas exigências que se colocam para a projetada contratualização do serviço público, cabe, porém, retomar a questão inicialmente colocada, ou seja, saber qual é, no presente, a entidade titular das concessões que foram outorgadas pelo Município de Lisboa, em 1973 e em 1947, respetivamente, à Carris e ao ML.


VI

1. Conforme se escreveu no parecer deste Conselho n.º 144/2004, de 5 de maio de 2005, a concessão de serviços públicos era, na doutrina tradicional, pacificamente definida como o «acordo pelo qual uma pessoa coletiva de direito público transfere para outra pessoa, durante o prazo estipulado, o seu poder de estabelecer e explorar determinado serviço público, para ser exercido por conta e risco do concessionário mas sempre no interesse do público [[36]]».

E, acrescentava-se, que o instituto atravessou «várias crises e transformações» passando a admitir-se que a insuficiência dos preços passíveis de ser cobrados pelo concessionário fosse suprida pela «assistência do concedente», que podia consistir em subvenções, subsídios e garantias de rendimento.

A atual noção legal de concessão de serviço público consta do artigo 407.º do Código de Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, como «o contrato pelo qual o cocontratante se obriga a gerir, em nome próprio e sob sua responsabilidade, uma atividade de serviço público, durante determinado período, sendo remunerado pelos resultados financeiros dessa gestão ou, diretamente, pelo contraente público»[37].

Segundo FERNANDA MAÇÃS[38] esta atual noção legal de concessão é «suficientemente elástica» para abranger formas diversas de colaboração público-privadas», podendo «cobrir realidades económicas e contratuais caracterizadas pela colaboração entre o setor público e o privado que noutros países correspondem a tipos contratuais distintos».


2. Para melhor enquadramento da evolução dos modelos seguidos nos casos que nos ocupam, em função das diferentes opções políticas e económicas, mostra-se importante uma referência sintética à análise acerca do recurso à técnica concessória, no passado recente, feita por LINO TORGAL e JOAO OLIVEIRA GERALDES[39].

Assim, segundo os Autores, assistiu-se, a partir da segunda metade do seculo XIX, a um “êxito considerável” do recurso às concessões de obras e serviços públicos «pelas quais o Estado conseguia promover a realização dos melhoramentos materiais tão reclamados pela população sem ter de assumir custos para o erário público, o risco contratual deveria correr normalmente por conta do concessionário».

A transferência do risco era, pois, um elemento essencial da noção clássica de concessão que assumia uma função essencialmente financeira.

Mais tarde, já durante o século XX, assistiu-se a uma regressão do fenómeno e assinalou-se a “solidariedade financeira” entre concedente e concessionário, «com a atração das concessionárias para o mundo administrativo» ou com a participação do Estado no capital das empresas que se tornavam sociedades de mão pública ou de economia mista ou mesmo com a sua nacionalização. E referem os Autores citados que «a concessão neste período ao invés de representar um instrumento de privatização material de uma atividade pública, equivalia antes a uma espécie de contrato interadministrativo» ou, noutra formulação, representava «essencialmente um modelo de regulação de relações jurídicas entre duas entidades pertencentes ao setor público», tendo desaparecido o elemento da transferência do risco.

E evidenciam ainda que, a partir dos finais do século XX, se assistiu a um certo “regresso ao passado” e, devido ao alargamento das tarefas administrativas e respetivo risco financeiro, voltou a procurar-se os privados sobretudo para a construção de obras públicas e sua exploração com transferência do risco.


3. Para dilucidação das questões colocadas, mostra-se de toda a relevância a identificação dos pressupostos da concessão do serviço público feita por PEDRO GONÇALVES[40]: «a titularidade administrativa de uma atividade de serviço público» e «a habilitação legal para proceder à respetiva concessão a outra entidade, esclarecendo que o conceito de serviço público se refere a uma «tarefa administrativa de prestação em relação à qual existe uma responsabilidade administrativa de execução».

Segundo o Autor, a exigência de que o direito sobre a atividade de serviço público objeto da concessão pertença à entidade concedente é uma exigência que está, «em regra», relacionada com a legalidade do ato de atribuição da concessão. E alude ao “caráter translativo” da concessão: «a posição do concessionário deriva de uma posição jurídica da Administração concedente», reforçando que «essencial é que se transfira para o concessionário o direito à gestão de uma atividade (de serviço público) que a Administração, por força da lei ou com base nela, tenha assumido como sua»[41].


4. Na tipologia dos contratos concessórios, as concessões que foram outorgadas à Carris e ao ML devem ser qualificadas como concessões de serviço público; de facto, embora os contratos celebrados previssem também a prévia instalação do estabelecimento da concessão pelas concessionárias (designadamente a construção da rede), que serviria de suporte ao serviço a explorar, essas constituíam “outras obrigações contratuais” que o concessionário assumiu mas o objeto definidor da concessão não deixa de ser a gestão e exploração do respetivo serviço público[42].

Em ambos os casos subjacentes à consulta, as concessões foram outorgadas por contrato celebrado com o Município de Lisboa, autorizado pelo governo, colocando-se agora a questão de saber quais as consequências que decorreram das modificações posteriormente ocorridas, sobretudo em 1975, com a nacionalização ou com a ingressão das concessionárias no setor empresarial do Estado.


5. A situação da Carris apresenta-se mais linear.

Por um lado, a empresa em si não foi nacionalizada mas apenas passaram para a titularidade do Estado as ações que não eram detidas por sociedades estrangeiras. O Estado tornou-se o maior acionista da empresa (e, mais tarde, o único) mas a empresa manteve-se como sociedade anónima, constituída de acordo com a lei comercial, integrando em sentido amplo (e, mais tarde, em sentido estrito) o setor empresarial do Estado.

Por outro lado, há que ter presente a norma do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 346/75, segundo a qual o Estado assumiria «todas as situações jurídicas que a Câmara Municipal de Lisboa detinha em relação à Companhia Carris de Ferro de Lisboa SARL», consagrando assim a transferência para o Estado da posição de concedente, sendo certo que essa norma se manteve em vigor apesar de outras do mesmo diploma terem sido revogadas.

Por força da disposição legal contida no diploma que determinou a transferência das ações para o Estado, este passou a assumir também a posição de concedente. Houve, pois, uma modificação concernente ao concedente por determinação da lei.

Por outro lado, a alteridade entre concedente (o Estado-Administração) e concessionária (sociedade anónima de capitais maioritária ou exclusivamente públicos) inviabiliza a tese da eventual extinção da concessão por confusão da posição de concedente e de concessionário na mesma pessoa. A concessionária e o concedente sempre foram pessoas jurídicas distintas e autónomas.

Conclui-se, pois, que o Estado adquiriu nesta concessão a posição de concedente. Há, porém, que ter presente a norma do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 268/2003, que criou as AMT de Lisboa e Porto e que expressamente transferiu para essas entidades a posição que o Estado detinha por força daquela primeira norma, ou seja, a de concedente do serviço público de transportes explorado pela Carris, posição que foi depois sucessivamente transferida para as novas AMT, criadas em 2004 e em 2009, e que substituíram as anteriores.


6. Já no caso do ML, em que a empresa concessionária foi nacionalizada e em seguida substituída por uma empresa pública em cujos estatutos figura como seu objeto principal a atividade concedida, a situação é algo mais complexa.

De acordo com o diploma que determinou a nacionalização, a empresa nacionalizada assumiria «em relação a todos os atos praticados e contratos celebrados pelo Metropolitano de Lisboa SARL, a posição jurídica que este detiver à data do início da eficácia da nacionalização». Esta norma permitiu que a nova empresa assumisse a posição jurídico-contratual de concessionária; porém, nenhuma outra norma dispôs sobre a assunção da posição de concedente pelo Estado em moldes similares aos estabelecidos no caso da Carris.

Contudo, mostra-se evidente que o Estado assumiu como sua a atividade concedida e que consagrou a exploração e gestão dessa atividade como objeto principal de uma empresa pública, que criou para esse efeito. Houve uma opção clara de trazer para o setor estadual uma empresa (e respetiva atividade desenvolvida) que antes se inseria no setor municipal.

Diversas passagens dos diplomas que criaram a empresa pública que substituiu a anterior e que aprovaram os seus estatutos revelam que o Estado assumiu como sua atribuição a prestação do serviço público de transporte por metropolitano na área metropolitana de Lisboa: o “objetivo principal” da empresa constituída pelo Estado consistia em «manter e desenvolver o funcionamento regular do serviço público de transporte coletivo fundado no aproveitamento do subsolo da cidade de Lisboa e zonas limítrofes (…)»; cabia nos poderes de tutela, exercida pelo Ministro dos Transportes e Comunicações, a definição dos «objetivos e do enquadramento geral no qual se deve desenvolver a atividade da empresa, com vista a harmonizá-la com as políticas globais e sectoriais, nos termos definidos na lei»; exigiam aprovação ministerial, os planos de atividade e financeiros, a política de fixação de tarifas e preços, o desenvolvimento ou alteração das condições de exploração, tendo em vista o interesse público e a coordenação dos transportes, os regulamentos relativos à utilização do serviço pelo público, a realização de investimentos em infraestruturas de longa duração afetas ao serviço público, a partir de certo limite.

Em contrapartida, a intervenção do Município foi limitada à emissão de parecer prévio (que seria considerado favorável no caso de não ser emitido em determinado prazo) quando estivesse em causa «a instalação e a exploração de novas linhas, o encerramento ou a abertura de novas estações, bem como importantes alterações de serviço».

Assim, todo o feixe de poderes que caracteriza a titularidade da atividade concedida e a consequente posição de concedente convergia no Estado restando ao Município apenas uma pontual intervenção e em sede de parecer.

Para a prossecução e desenvolvimento do serviço público que lhe está atribuído, são reconhecidos ao ML, EPE, «os poderes, as prerrogativas e as obrigações conferidos ao Estado», designadamente no que respeita à utilização e à gestão das infraestruturas afetas ao serviço público, aos processos de expropriação, à ocupação de terrenos, à definição dos direitos e deveres dos utentes ou à fiscalização dos títulos de transporte e à aplicação das respetivas sanções.

Contudo, relativamente a “outras atividades” incluídas no objeto do ML foi previsto o seu exercício «por delegação do Estado»: «assegurar (…) a construção, instalação, a renovação, a manutenção e a gestão das infraestruturas ferroviárias que lhe estão afetas (…)».

E é também «em nome e por conta do Estado» que o ML efetua «as operações urbanísticas relativas a equipamentos e a infraestruturas necessárias para a prossecução e desenvolvimento do serviço público de transporte».

Por fim, permite-se que, em certas condições, o ML desenvolva outras modalidades de transporte (o transporte coletivo parcialmente à superfície «em trincheira, ao nível do solo ou em viaduto») ou mesmo que explore «novas modalidades de transporte coletivo de passageiros (com fundamento na identidade tecnológica ou por contribuírem para a otimização e a racionalização do sistema e transportes».

Todas estas previsões, quer no que respeita ao modo de exploração atual do serviço público, quer no que respeita às suas modalidades e extensão futura, decorrem diretamente de disposições legais; inexiste qualquer referência ao contrato de concessão celebrado com o Município e as menções feitas ao Município não são compatíveis com a manutenção da posição contratual de concedente.

Este enquadramento indicia que a atividade de serviço público em causa pertence ao Estado, pelo que, retomando os pressupostos destacados por PEDRO GONÇALVES, só o Estado poderá ter a posição de concedente.


6.1. Tudo aponta para que o contrato celebrado pelo Município se extinguiu. Não porque com a nacionalização tenha ocorrido a confusão na mesma pessoa das posições de concedente e concessionário – como alguns Autores defendem[43] – visto que se manteve a identidade jurídica própria do ML, embora como empresa pública, mas distinta e autónoma relativamente ao Estado.

No entanto, o complexo normativo concernente à nacionalização e, depois dela, à criação da empresa pública e à aprovação dos seus estatutos terá determinado a extinção do contrato por motivos de interesse público decorrentes dessa «profunda alteração política»[44] (e legislativa).

A exploração e gestão do serviço público prosseguiu, contudo, em moldes similares, por determinação direta da lei que aprovou os estatutos da empresa pública e que consagrou essa atividade, que releva das atribuições assumidas pelo Estado, como o objeto principal da empresa por ele constituída. Poderá então falar-se de uma concessão legal cujo regime consta da lei e dos estatutos da empresa[45].

Conforme refere ALEXANDRA LEITAO[46]:

«Tradicionalmente, a técnica concessória é utilizada sobretudo na relação da Administração com os particulares, mas também podem ser celebrados contratos de concessão entre entidades públicas, designadamente nas concessões de serviços públicos e obras públicas. Contudo, alguns Autores duvidam que nestes casos existam verdadeiros contratos de concessão de serviços públicos, uma vez que não são instrumentos de colaboração entre o setor público e o setor privado, mas apenas visam regular relações de cooperação entre dois entes públicos[[47]]».
Parece-me, pelo contrário, que este tipo de concessão se caracteriza pela transmissão de um serviço público – daí a necessidade de habilitação legal [[48]] – sendo irrelevante a natureza das partes contratuais [[49]], pelo que existem contratos interadministrativos de concessão de serviço público.
São, aliás, cada vez mais frequentes as situações em que o Estado ou um município constituem empresas públicas para, depois, contratualizarem com essas empresas a concessão de um serviço público. Assim, o próprio objeto social da empresa confunde-se com o serviço público concedido. Em alguns casos, é a lei que habilita a concessão que determina a entidade à qual a mesma deve ser adjudicada, sem prejuízo de depois ter na mesma de ser celebrado o contrato de concessão, e, noutros casos, a própria lei adjudica a concessão [[50]]».


6.2. Refira-se, por fim, que também a exploração de outros serviços de metropolitano têm sido objeto de concessão pelo Estado[51].

Deste modo, afigura-se-nos que se manteve em regime de concessão e exclusivo «a exploração do serviço público do transporte coletivo de passageiros fundado no aproveitamento do subsolo da cidade de Lisboa e dos concelhos limítrofes da Grande Lisboa», tendo o Estado assumido a posição de concedente, sem prejuízo das competências entretanto atribuídas a outras entidades públicas (as AMT).

Isso sem prejuízo também de, relativamente a “outras atividades”, relacionadas com a construção, instalação, renovação, manutenção e gestão da infraestrutura e com as construções urbanísticas com ela relacionadas, certamente devido aos valores implicados, ter sido consagrado pelo legislador o regime de delegação, que, tal como a concessão, constitui uma das formas de gestão indireta dos serviços pelo Estado, que se caracteriza, em especial, pela atuação do delegado por conta do delegante[52].


VII
Em face do exposto, extraem-se as seguintes conclusões:

1.ª – Por contrato autorizado pelo Governo e de acordo com as bases aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 688/73, de 21 de dezembro, o Município de Lisboa outorgou a concessão do serviço público de transportes coletivos de passageiros na cidade de Lisboa (com possibilidade de alargamento a zonas limítrofes), utilizando autocarros, carros elétricos e ascensores mecânicos, em regime de exclusividade, à Companhia Carris de Ferros de Lisboa, SARL, pelo prazo de cinquenta anos, renovável por períodos de dez;

2.ª – Pelo Decreto-Lei n.º 346/75, de 3 de julho, foi determinada a transferência para o Estado das ações da concessionária que não fossem detidas por entidades estrangeiras, tendo sido estatuído, pelo artigo 3.º, que o Estado assumiria todas as situações jurídicas então tituladas pela autarquia, aí se incluindo a referida posição de concedente;

3.ª – De acordo com o regime especial aplicável aos transportes públicos de passageiros nas regiões metropolitanas de Lisboa e Porto, consagrado pela Lei n.º 10/90, de 17 de março, os poderes e competências assumidos pelo Estado, nos termos da conclusão anterior, foram transferidos para outras pessoas coletivas públicas autónomas, criadas por lei – atualmente a Autoridade Metropolitana de Transportes de Lisboa, criada pela Lei n.º 1/2009, de 5 de janeiro, em cujo modelo se acentuam traços de coordenação e articulação entre a administração central e a administração local;

4.ª – A Carris SA é atualmente uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, integrada no setor empresarial do Estado e cujo objeto, definido nos estatutos, consiste ainda na exploração de concessões de transportes terrestres;

5.ª – Por contrato aprovado por decreto de 25 de julho de 1949, o Município de Lisboa outorgou a concessão da instalação e exploração, em regime de exclusividade, de um sistema de transporte coletivo fundado no aproveitamento do subsolo da cidade Lisboa à Metro SARL – empresa cujo capital era detido na quase totalidade pelo Município – pelo prazo de 75 anos;

6.ª – A Metro SARL foi nacionalizada pelo Decreto-Lei n.º 280-A/75, de 5 de junho, que determinou que a universalidade de bens, direitos e obrigações que integravam o seu ativo e passivo era transferida para o Estado, integrados no património autónomo da empresa resultante da nacionalização, a qual assumia também a posição detida pela Metro SARL em todos os atos e contratos por ela celebrados;

7.ª – Pelo Decreto-Lei n.º 439/78, de 30 de dezembro, a empresa nacionalizada passou a constituir uma empresa pública – Metropolitano de Lisboa EP – cujo objeto principal consistia em manter e desenvolver o funcionamento regular do serviço público de transporte coletivo fundado no aproveitamento do subsolo da cidade de Lisboa e zonas limítrofes, coincidindo, pois, com o serviço concedido nos termos referidos na conclusão 5.ª;

8.ª – As normas constantes do diploma que criou a empresa, bem como dos diplomas que aprovaram os respetivos estatutos – em particular o Decreto-Lei n.º 148-A/2009, de 26 de junho, pelo qual foi qualificada como entidade pública empresarial – revelam que o Estado assumiu como sua a atividade atribuída ao Metropolitano de Lisboa EPE e que cabem ao Estado as principais definições e opções relativas ao desenvolvimento do serviço, dependendo de autorização governamental a prática dos atos mais relevantes;

9.ª – Em contrapartida, a intervenção do Município de Lisboa passou a ser residual e de natureza meramente consultiva, indiciando que, em razão das importantes alterações de natureza política e legislativa verificadas, o contrato por ele celebrado se extinguiu por razões de interesse público;

10.ª – Continuando o serviço público de transporte coletivo fundado no aproveitamento do subsolo da cidade de Lisboa e zonas limítrofes a ser explorado, em condições similares, pela empresa pública que substituiu a primitiva concessionária, por atribuição direta da lei, e tendo o Estado assumido como sua essa atividade e constituído uma empresa cujo objeto principal consiste na exploração desse serviço público, deve considerar-se que se mantém, agora por força da lei, o regime de concessão da exploração de serviço público e que o Estado assumiu a posição de concedente, sem prejuízo dos desenvolvimentos referidos na conclusão 3.ª.



ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 5 DE DEZEMBRO DE 2013.

Maria Joana Raposo Marques Vidal – Maria de Fátima da Graça Carvalho (Relatora) – Manuel Pereira Augusto de Matos – Fernando Bento - Maria Manuela Flores Ferreira – Paulo Joaquim da Mota Osório Dá Mesquita – Alexandra Ludomila Ribeiro Fernandes Leitão.



[1] Ofício de 14 de maio de 2013, subscrito pelo respetivo Chefe de Gabinete.
[2] Cfr. ALFREDO FERRÃO, Serviços Públicos no Direito Português, 1963, Coimbra Editora, página 352 e seguintes.
[3] Alterado pelo Decreto-Lei n.º 300/75, de 20 de junho.
[4] Cfr. NUNO DE SÁ GOMES, “Nacionalizações e Privatizações”, Ciência e Técnica Fiscal, Boletim da Direção-Geral de Contribuições e Impostos, n.º 351, julho/setembro de 1988, e n.º 352, página 191.

[5] Cfr. NUNO DE SÁ GOMES, obra citada, página 68 e seguintes.
[6] Alterado pelo Decreto-Lei n.º 300/2007, de 23 de agosto (republicado por anexo a este diploma) e pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro.
[7] O Decreto-Lei n.º 133/2013, entrou em vigor em 3 de dezembro de 2013.
[8] Cfr. relatório de auditoria do Tribunal de Contas disponível no site deste Tribunal (http.www.tcontas.pt).
[9] Sobre o tema cfr., ANTÓNIO CARLOS DOS SANTOS, MARIA EDUARDA GONÇALVES e MARIA MANUEL LEITÃO MARQUES, Direito Económico, 6.ª edição, Coimbra, Almedina, 2013, página 163 e seguintes.
[10] Cfr. “Orientações estratégicas para a Carris, para o mandato 2009/2011”, documento anexo ao contrato de gestão celebrado entre os administradores da empresa e o Estado português, disponível no site da empresa (http/www.carris.pt).
[11] Cfr. MARIA ALEXANDRA LOUSADA E MARIA DE LURDES RODRIGUES, “A cidade subterrânea: Lisboa e o metropolitano (1959-1997)”, Inforgeo, n.º 14, Lisboa, Edições Colibri, página 103 e seguintes.
[12] Conforme preâmbulo.
[13] Conforme preâmbulo (embora aí se refira a titularidade da Câmara Municipal de Lisboa em vez do Município de Lisboa).
[14] Para além disso, previa-se a possibilidade de o sistema se desenvolver parcialmente à superfície («em trincheira, ao nível do solo ou em viaduto»), bem como a instalação e exploração de linhas integradas em rede urbana «mas com desenvolvimento que abranja regiões suburbanas» e ainda a exploração de novas modalidades de transportes públicos de passageiros «desde que as suas características próprias o justifiquem, quer pela sua identidade tecnológica, quer por contribuírem para a otimização e racionalização do sistema de transportes referidos nos números anteriores».




[15] Essa caracterização e enquadramento mantêm-se com a entrada em vigor do Decreto-‑Lei n.º 133/2013, que continua a considerar como empresas públicas as entidades públicas empresariais definidas, pelo artigo 56.º, como «pessoas coletivas de direito público, com natureza empresarial, criadas pelo Estado para prossecução dos seus fins».

[16] Fazem parte da infraestrutura ferroviária do ML, EPE: o subsolo onde se encontram construídas as galerias; as galerias, estações e demais construções acessórias ou complementares; obras de arte: pontes, viadutos e túneis; via-férrea, incluindo plataforma de via e respetiva infraestrutura; redes de baixa e alta tensão; equipamentos de ventilação, exaustão e bombagem; equipamentos e instalações de sinalização, segurança, telecomando, telecomunicações e de controlo; plataformas das gares, incluindo os respetivos acessos, acessos de tipo mecânico (Anexo II do Decreto-Lei n.º 148-A/2009, de 26 de junho).
[17] O artigo 19.º respeita às empresas públicas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral. Nos termos do n.º 2 «salvo quando a lei dispuser diversamente, os termos em que a gestão é atribuída e exercida constarão de contrato de concessão».

[18] No regime estabelecido por este diploma, incluem-se as «indemnizações compensatórias», destinadas a compensar custos de exploração resultantes de prestação de serviços de interesse geral, ou seja, aqueles que «são desenvolvidos por entidades públicas ou privadas, por determinação do Estado, com vista a assegurar a provisão de bens e serviços essenciais, tendentes à satisfação das necessidades fundamentais dos cidadãos, sempre que não haja garantia de que os mecanismos de mercado assegurem por si só a sua provisão de forma plena e satisfatória» (artigo 4.º, n.º 1).
Nos termos do artigo 5.º, a prestação de serviço de interesse geral deve ser confiada através de contrato celebrado pelo Estado para confiar a prestação do serviço de interesse geral e deve prever, designadamente a natureza do serviço e eventual direito exclusivo existente, a duração, as obrigações das partes, a fórmula de cálculo e a revisão indemnização compensatória, os mecanismos de controlo e de fiscalização técnico e financeiro da prestação do serviço, as penalizações e as circunstâncias de rescisão antecipada do contrato
Refira-se que também o artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 558/99 (regime jurídico do setor empresarial do Estado e empresas públicas) prevê que, «para a realização das missões que lhes são confiadas, segundo os princípios orientadores definidos no artigo anterior, o Estado poderá recorrer à celebração de contratos com as empresas públicas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral, contemplando, designadamente, a atribuição de indemnizações compensatórias na medida do estritamente necessário à prossecução do interesse público».
[19] Cfr., sobre as atribuições dos municípios, FERREIRA PINTO, “Município”, Dicionário Jurídico da Administração Pública, 1994, volume VI, página 84.
Cfr., ainda, MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, Almedina, Coimbra,10.ª edição, volume I, página 329.

[20] Alterada pela Lei n.º 3-B/2000, de 4 de abril, e pelos Decretos-Leis n.º 380/2007, de 13 de novembro, e n.º 43/2008, de 10 de março.
[21] O Decreto n.º 37272, de 31 de dezembro de 1948, aprovou o Regulamento dos Transportes em Automóveis e manteve-se em vigor mesmo após a revogação da lei que regulamentava (Lei n.º 2008, de 7 de setembro de 1945), até ser substituído por regulamentos de execução da nova lei.



[22] Proposta de lei n.º 214/X publicada no Diário da Assembleia da República, II Série, de 26 de junho de 2008.
[23] Nos termos estabelecidos no Decreto-Lei n.º 236/2012, de 31 de outubro, o Instituto de Mobilidade e dos Transportes IP é um organismo da administração indireta do Estado em cuja missão se compreende «regular, fiscalizar e exercer funções de coordenação e planeamento no setor dos transportes terrestres, bem como regular e fiscalizar o setor das infraestruturas rodoviárias e supervisionar e regulamentar a execução, conservação, gestão e exploração das mesmas». Entre as suas atribuições, compreendem-se «assessorar o Governo no exercício dos seus poderes de concedente dos serviços de transporte público, nomeadamente no acompanhamento de contratos de concessão de exploração, nos procedimentos conducentes à sua outorga ou renovação, bem como no acompanhamento de outros contratos de fornecimento de serviço público, neste âmbito» ou «assessorar o Governo e outras entidades públicas competentes na caracterização das situações em que se justifica a previsão ou imposição de obrigações de serviço público e a contratualização de serviços de transporte público de passageiros, no quadro da legislação nacional e comunitária aplicável».
[24] Em despachos de delegação de competências emitidos pelo Secretário de Estado dos Transportes, em 30 de maio de 2011 (publicados no Diário da República, 2.ª série, de 3 de junho de 2011), dava-se conta de que, até essa data, o IMTT, IP, vinha assegurando, nos termos do Decreto-Lei n.º 147/2007, de 27 de abril, grande parte das competências atribuídas pela Lei n.º 1/2009 às AMT nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. Referia-se que «no sentido de operacionalizar a efetiva transferência e partilha de competências entre aquelas entidades» e de «preparar a completa aplicação do Regulamento 1370/2007», e «sendo a competência para outorgar as concessões de exploração de transportes coletivos, nos termos do RTA, da competência do membro do Governo responsável pela área de transportes, habitualmente delegada no IMTT IP», importava proceder à sua delegação na AMT» (no caso, a AMT do Porto).
[25] No caso da AMT do Porto, o conselho geral tem treze membros, sendo sete designados pelo Governo e seis pela junta metropolitana do Porto.
[26] Prevê-se que as AMT celebrem contratos-programa com o Estado (contendo os objetivos a atingir, as obrigações de comparticipação do Estado para a contratualização dos serviços públicos de transporte e os investimentos a realizar pelas AMT, pelos municípios e pelos operadores com vista a melhoria do sistema ou ao aumento da procura), bem como com as áreas metropolitanas e com os municípios (neste caso, com duração e quatro anos, visando acordar os termos da execução das regras do Plano de Deslocações Urbanas/PDU e do Plano Operacional de Transportes/POT, que caibam ao município executar, bem como programar a comparticipação anual de cada município no financiamento do sistema).
[27] Alterado pelas Leis n.º 17/2012, de 26 de abril, e n.º 35/2013, de 11 de junho.
[28] Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2010, volume II, página 717.
[29] Cfr., sobre o tema, o parecer n.º 46/2002, de 16 de janeiro de 2003, deste Conselho, publicado no Diário da República, II Série, de 7 de março.
O Decreto-Lei n.º 77/84, de 8 de março, que delimitou e coordenou as atuações da administração central e local em matéria de investimentos públicos previa, no artigo 8.º, que era da competência dos municípios realizar investimentos em diversos domínios, entre os quais, no setor de transportes na rede viária urbana e rural, na rede de transportes coletivos urbanos e nos transportes coletivos não urbanos que se desenvolvessem exclusivamente na área do município.
A Lei n.º 159/99, de 14 de setembro, que estabeleceu o quadro de transferência de atribuições e competências para as autarquias locais, bem como a delimitação da intervenção da administração central e da administração local, previa, no artigo 13.º, relativo às atribuições dos municípios, que, além de outras, os municípios dispunham de atribuições no domínio de «Transportes e comunicações». E, nos termos do artigo 18.º (com a epígrafe “Transportes e comunicações”), era da competência dos órgãos municipais o planeamento, a gestão e a realização de investimentos na rede viária de âmbito municipal, na rede de transportes regulares urbanos, na rede de transportes regulares locais que se desenvolvam exclusivamente na área do município, e nas estruturas de apoio aos transportes rodoviários.
[30] Esta lei revogou, além de outras, o Decreto-Lei n.º 78/84, o Decreto-Lei n.º 159/99, e diversas disposições da Lei n.º 169/99.

[31] O artigo 63.º prevê a instituição de associações públicas de autarquias locais para a prossecução conjunta das respetivas atribuições; são associações de autarquias as áreas metropolitanas, as comunidades intermunicipais e as associações de municípios e de freguesias de fins específicos. São entidades intermunicipais as duas primeiras.
A área metropolitana pode participar em entidades públicas de âmbito metropolitano, designadamente no domínio dos transportes, águas, energia e tratamento de resíduos sólidos e (tal como as comunidades intercomunitárias) articula a atuação dos municípios e dos serviços da administração central em várias áreas, designadamente na mobilidade e transportes.
[32] “Os Contratos Interadministrativos”, Estudos da Contratação Pública, Estudos de Contratação Pública, Coimbra Editora, 2008, volume I, página 755.
[33] Publicado no Jornal Oficial da União Europeia L 315, de 3 de dezembro de 2007.
[34] O artigo 2.º do regulamento define obrigação de serviço público como «imposição definida ou determinada por uma autoridade competente com vista a assegurar serviços públicos de transporte de passageiros de interesse geral que um operador, caso considerasse o seu próprio interesse comercial, não assumiria, ou não assumiria na mesma medida ou nas mesmas condições sem contrapartidas».
E define contrato de serviço público como «um ou vários atos juridicamente vinculativos que estabeleçam o acordo entre uma autoridade competente e um operador de serviço público para confiar a este último a gestão e a exploração dos serviços públicos de transporte de passageiros sujeitos às obrigações de direito público».
[35] O Regulamento estabelece que estes contratos devem ter uma duração limitada no tempo (em geral não superior a 10 anos para o serviço de autocarros e de 15 para o de caminhos de ferro, não devendo a renovação ser superior a metade), permite a adjudicação a entidades públicas ou privadas, bem como o recurso ao ajuste direto (se permitido no direito interno e dentro de certos valores) embora subordinado a «maior transparência».
[36] Cfr. MARCELLO CAETANO, Manual..., cit, vol. I, pp. 583-84.
[37] Numa breve referência ao regime estabelecido no Código dos Contar-tos Públicos relativamente ao contrato de concessão, dir-se-á que as entidades adjudicantes podem conceder a gestão de serviços públicos, e, «mediante estipulação contratual», o concessionário dispõe de determinados poderes e prerrogativas de autoridade (artigo 408.º). O concessionário deve ter «por objeto social exclusivo, ao longo de todo o período de duração do contrato, as atividades que se encontram integradas na concessão», admitindo-se, contudo, a possibilidade de «com autorização do concedente» exercer outras atividades desde que sejam acessórias ou complementares daquelas (artigos 411.º e 412.º).
Prevê-se que «o contrato deve implicar uma significativa e efetiva partilha do risco para o concessionário» (artigo 413.º) e que «constitui direito do concedente a fixação das tarifas a cobrar aos utentes pela utilização do serviço público» (artigo 420.º). São estabelecidos limites ao direito a prestações económico-financeiras a atribuir ao concessionário: que não violem as regras de concorrência; que sejam essenciais à viabilidade económico-financeira da concessão; que não eliminem a efetiva e significativa transferência do risco para o concessionário (artigo 416.º, sobre “Viabilidade económico-financeira do projeto”).
Na exploração de uma atividade de serviço público, o concessionário está sujeito aos princípios da continuidade e regularidade, da igualdade e da adaptação às necessidades (artigo 429.º).
[38]A concessão de serviço público e o Código dos Contratos Públicos”, Estudos de Contratação Pública, Coimbra Editora, 2008, volume I, página 405.
[39] “Concessões de atividades públicas e direito de exclusivo”, Revista da Ordem dos Advogados, A 72, outubro/dezembro de 2012, página 1099.
[40] A Concessão de Serviços Públicos, Coimbra, Almedina, 1999, página 108 e seguintes.
[41] Idem, página 121.
[42] Cfr. PEDRO GONÇALVES, obra citada, página151 e seguintes.
[43] Cfr. NUNO DE SÁ GOMES, obra e local citados.
[44] Cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e J. PACHECO AMORIM, Código de Procedimento Administrativo, 2.ª edição, Coimbra, Almedina, 2001, página 826.
[45] Cfr., PEDRO GONÇALVES, obra citada, página 112; cfr., também, embora com diferentes pressupostos, NUNO SÀ GOMES, obra e local citados.
[46] Contratos Interadministrativos, Coimbra, Almedina, 2011, página 231/232.
[47] Cfr., por todos, JOSÉ DE MELO ALEXANDRINO, Estatuto Constitucional da Atividade de Televisão, Coimbra, 1998, págs. 208 e 209 (…).
[48] Como salienta FAUSTO QUADROS, O Concurso Público na Formação do Contrato Administrativo, in ROA, n.º 47, 1987, pág. 710.
[49] V. PEDRO GONÇALVES, A Concessão…, cit., págs. 128 e 129. Não obstante este Autor considerar que são cada vez mais raros os casos de concessões de serviços públicos a pessoas públicas (cfr. a pág. 136), sendo certo que esta afirmação tem como pressuposto o entendimento do Autor, que não acompanho, de que as sociedades anónimas de capitais maioritariamente públicos não são entidades públicas, mesmo que haja controlo da gestão (cfr., em especial, a pág. 128, nota 82).
[50] V. PEDRO GONÇALVES, A Concessão…, cit., pág. 112.
[51] Pelo Decreto-Lei n.º 394-A/98, de 15 de dezembro, foi atribuída a concessão e aprovadas as bases para exploração em regime de serviço público e de exclusivo de um sistema de metro ligeiro na área metropolitana do Porto à Sociedade Metro do Porto SA.
O Decreto-Lei n.º 337/99, de 24 de agosto, instituiu o regime geral da concessão de rede de metropolitano da margem sul do Tejo, a atribuir pelo Estado mediante concurso internacional a decorrer na dependência do Ministro das Finanças e do Equipamento, Planeamento e Administração do Território.
Pelo Decreto-Lei n.º 10/2002, de 24 janeiro, o Estado atribuiu à Metro, Mondego SA, em exclusivo, a concessão em regime de serviço público da exploração de um sistema de metro ligeiro de superfície nos municípios de Coimbra, Miranda do Corvo e Lousã.
[52] Cfr., entre outros, FERNANDA MAÇÃS, “A concessão de serviços públicos e o Código dos Contratos Públicos”, obra citada, página 378, referindo a Autora que por vezes os conceitos se confundem; PEDRO GONÇALVES, obra citada, página 123; MARCELLO CAETANO, obra citada, páginas 1071 e 1092.