Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00000749
Parecer: P000281995
Nº do Documento: PPA19961031002800
Descritores: ACESSO AOS TRIBUNAIS
FISCALIZAÇÃO
DIREITOS FUNDAMENTAIS
EVASÃO FISCAL
DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS
PETIÇÃO
PETIÇÃO INICIAL
RESTRIÇÃO DE DIREITOS
AUTORIDADE PÚBLICA
TRIBUNAL
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
NORMA ESPECIAL
PRINCÍPIO DA NECESSIDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PROCESSO CIVIL
DIREITO DE ACÇÃO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
PROVA
IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLECTIVAS
CUMPRIMENTO
IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS SINGULARES
OBRIGAÇÃO FISCAL
Livro: 00
Pedido: 03/29/1995
Data de Distribuição: 04/27/1995
Relator: SOUTO DE MOURA
Sessões: 01
Data da Votação: 10/31/1996
Tipo de Votação: MAIORIA COM 1 DEC VOT E 2 VOT VENC
Sigla do Departamento 1: PGR
Entidades do Departamento 1: PROCURADOR-GERAL DA REPUBLICA
Privacidade: [09]
Data do Jornal Oficial: 000000
Indicação 2: ASSESSOR: MEIRIM
Área Temática:DIR CONST * DIR FUND / DIR PROC CIV / DIR FISC * CONTENC FISC.
Ref. Pareceres:P000011989
Legislação:CONST76 ART16 ART18 ART20.; CPC67 ART2 ART276 N1 D ART280 N1 ART291.; CIRPS88 ART127.; CIRPC88 ART105.; DL 329-A/95 DE 1995/12/12 ART16 ART21.; L 6/96 DE 1996/02/29 ART1.; L 28/96 DE 1996/08/02 ART5.; DL 180/96 DE 1996/09/25.
Direito Comunitário:
Direito Internacional:DUDH ART29.
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1- O artigo 20, n 1 da Constituição da República consagra o direito de acesso de todos aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, participando este direito do regime dos "direitos, liberdades e garantias" que o artigo 18 da mesma Constituição estabelece;
2- De acordo com o n 2 deste artigo 18, as restrições dos direitos, liberdades e garantias consagrados constitucionalmente devem obedecer, para além do mais, aos princípios da adequação, da necessidade, e da proporcionalidade entre as limitações impostas e os fins visados;
3- O artigo 280 do Código de Processo Civil, na redacção que vigorará até 1 de Janeiro de 1997, consagra um mecanismo de fiscalização do cumprimento das obrigações fiscais que se traduz na obrigatoriedade de apresentação da última declaração de rendimento para efeitos de IRS a que se estiver obrigado, ou de que se não está sujeito a essa obrigação, ou das declarações a que se referem os artigos 96 e 97 do Código do IRC, conforme o caso;
4- A cooperação dada pelos tribunais à Administração fiscal, através daquela fiscalização, implica uma restrição ao direito de acesso aos tribunais consagrado constitucionalmente que se nos afigura adequada e necessária, exercendo-se em moldes que não prejudicam a proporcionalidade que deve existir entre a limitação imposta e o fim visado com ela;
5- O artigo 280 do Código de Processo Civil posiciona-se face ao artigo 127 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas como norma especial, que atende à cooperação dada especificamente pelos tribunais que apliquem o Código de Processo de Civil, para garantia dos preceitos fiscais, face à cooperação imposta em geral a todas as outras autoridades;
6- A disciplina do controlo do cumprimento dos preceitos fiscais relativamente ao IRS e IRC, feita em juízo, socorre-se da conjugação do artigo 280 do C.P.C. com o artigo 127 do Código do IRS, ou com o artigo 105 do Código do IRC, conforme os casos, não estando a norma daí resultante ferida de inconstitucionalidade material, por violação do artigo 20 n 1 da Constituição da República, tendo em conta o artigo 18, n 2 também do diploma fundamental.

Texto Integral: Senhor Procurador-Geral da República,
Excelência:
I
O advogado Sr. Dr.(...)remeteu a V.Exª a fotocópia de págs. 113 a 116 do nº 5 da revista" Sub Judice/Novos Estilos", que transcreve a sentença de 12/7/88 do Tribunal Constitucional de Espanha (T.C.E.), afirmando que a doutrina consagrada no aresto lhe parece correcta, justa, e aplicável aos artigos 127º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (Código do I.R.S.), 105º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (Código do I.R.C.), e 280º do Código de Processo Civil.
No pressuposto de que a doutrina de tal sentença se lhe afigura imposta pela Constituição da República Portuguesa (C. da R.), e designadamente pelo nº 1 do seu artigo 20º, o subscritor da missiva ousou sugerir e solicitar que fosse tomada a iniciativa de pedir a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, desses dispositivos legais.
Vossa Excelência ordenou que fosse prestada a pertinente informação pelo Gabinete, e, ulteriormente, decidiu submeter a questão ao Conselho Consultivo, dada a relevância e complexidade da matéria.
Cumpre, pois, emitir parecer.
II
Para um primeiro enquadramento da questão, entende- se útil fazer uma referência, ainda que resumida, à sentença de 12.7.88 do T.C.E., bem como dar conta do conteúdo da Informação elaborada pelo Gabinete do Procurador-Geral da República. Assim,
1 - O artigo 57.1 do texto refundido da "Ley del Impuesto de Transmissiones Patrimoniales y Actos Jurídicos Documentados" aprovado pelo "Real Decreto Legislativo 3.050/1980", de 30 de Dezembro, estabelece:
"nenhum documento que contenha actos ou contratos sujeitos a este imposto será admitido, e produzirá efeitos em tribunal, repartição ou registo público sem que se mostre feito o pagamento, execução ou não sujeição àquele, salvo o previsto na legislação hipotecária".
A limitação operada pelo preceito consiste, no tocante à junção de documentos a um processo em juízo, em subordinar a admissibilidade e eficácia dos mesmos à declaração de pagamento do imposto correspondente, e tende a assegurar a contribuição de todos os cidadãos para suporte dos gastos públicos, finalidade que aparece vinculada ao dever fundamental ínsito no artigo 31.1. da Constituição Espanhola (1).
O T.C.E. considerou o preceito transcrito inconstitucional na medida da inclusão do vocábulo "Tribunal". Por outras palavras, entendeu que a exigência do cumprimento de obrigações fiscais, estando em causa documento a integrar num processo judicial, conflituava com o artigo 24º, § 1, da Constituição Espanhola (2).
Em abono desta tese são apontados fundamentalmente três tipos de argumentos:
- A limitação derivada do preceito não mantém qualquer relação com o objecto e finalidade do processo judicial que estiver em causa, e introduz uma quebra evidente entre o mundo substantivo e o mundo processual, porque um documento de validade inquestionada no âmbito das relações substantivas, alheias ao processo, torna-o imprestável no âmbito deste. A acção que tutela o exercício de um direito substantivo não admite um documento que naquele domínio substantivo se aceita como fundamento do direito.
- As limitações impostas ao exercício da tutela judicial efectiva não só têm que prosseguir fins constitucionalmente legítimos, como têm que ser razoáveis e proporcionadas em relação com o objecto pretendido, e não podem afectar o conteúdo essencial do direito. O fim de garantir o cumprimento das obrigações fiscais socorre-se de um meio desproporcionado, porque interfere com o exercício de um direito fundamental, podendo ser substituído por outros meios alternativos. Aponta- se a título de exemplo a obrigação de o juiz comunicar à Administração fiscal a eventual inobservância de preceitos fiscais.
- No caso de o documento em questão não impedir o exercício da acção mas interessar como simples meio de prova, a limitação do preceito pode desvirtuar a justiça material do conflito, fornecendo à contra-parte um benefício injusto e, de todo em todo, a norma apresenta-se com uma rigidez que não salvaguarda situações como aquelas em que o interessado não é o responsável pelo pagamento do imposto, ou questiona fundadamente esse pagamento.
2. Depois de se precaver contra a transposição imediatista para o contexto do ordenamento português, de uma argumentação usada num concreto processo espanhol, a Informação elaborada pelo Gabinete centra-se na possível incompatibilidade entre o artigo 20º nº 1 da Constituição da República e os preceitos dos artigos
127º do Código do IRS, 105º do Código do I.R.C. e 280º do Código de Processo Civil (C.P.C.)
Quanto à suposta inconstitucionalidade das normas constantes da legislação fiscal face ao artigo 20º, nº
1, da Constituição da República, conclui-se pela negativa, já que, muito embora aquelas normas se refiram a "petições" sem distinguir, e tratem da sua apresentação "a qualquer autoridade", terão que ser interpretadas como não abarcando o direito de acção em tribunal. Fundamentalmente, com base na diferenciação formal entre o direito de acesso aos tribunais e o direito de petição, do texto constitucional, bem como com base na regulamentação do exercício do direito de petição por via da lei ordinária, onde expressamente se excluem os tribunais do seu âmbito de aplicação (3).
No que respeita ao artigo 280º, nº 1, do Código de Processo Civil a Informação em foco pronuncia-se pela respectiva inconstitucionalidade. Considera procederem em relação a este artigo os argumentos que no aresto espanhol se invocaram a propósito do preceito da legislação espanhola, que é o artigo 57.1. atrás transcrito. O artigo 20º, nº 1, da Constituição da República consagra o direito de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional, ao qual incumbe o dever de sobre tal pretensão se debruçar, produzindo decisão fundamentada.
A admissibilidade de restrições a este direito fundamental passará pela salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, e tais restrições deverão limitar-se ao estritamente necessário. Acresce que, mesmo que seja de admitir a lei restritiva, ela não poderá diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais. No caso concreto tê-lo-ia feito.
A constitucionalidade do artigo 280º, nº 1 do Código de Processo Civil estaria assim comprometida face
às disposições conjugadas do artigo 20º, nº 1 da Constituição da República e do artigo 18º, nºs 2 e 3 da mesma Constituição.
III
Na base do presente parecer está a incompatibilidade entre a disciplina constitucional, designadamente a imposta pelo artigo 20º, nº 1 da Constituição da República, e o teor do artigo 280º do Código de Processo Civil, artigo 127º do C.I.R.S. e artigo 105º da C.I.R.C. Procedamos então à transcrição de tais normativos.
- O artigo 20º da Constituição da República tem o seguinte texto:
"1 - A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
2 - Todos têm direito, nos termos da lei,
à informação e consulta jurídicas e ao patrocínio judiciário".
- O artigo 280º do Código de Processo Civil com a redacção ainda em vigor, cuja epígrafe é,
"suspensão para garantir a observância de preceitos fiscais" diz-nos que:
"1 - Não têm seguimento as acções em que se alegue propriedade ou posse de determinado prédio ou que tenham por fundamento actos relativos ao exercício de indústria ou de profissão sujeita a imposto sem que se exiba, lançando-se cota no processo, a caderneta predial donde conste a inscrição do prédio na matriz ou conhecimento da contribuição industrial, do imposto profissional ou de qualquer das suas prestações.
2 - Enquanto não houver caderneta predial, deve provar-se a inscrição do prédio na matriz ou que se fez a respectiva participação".
- Quanto ao artigo 127º do C.I.R.S. (4), é o seguinte o respectivo texto:
"Garantia de observância de obrigações fiscais.
1 - As petições relativas a actos susceptíveis de produzirem rendimentos sujeitos a este imposto não poderão ter seguimento ou ser atendidas perante qualquer autoridade, repartição pública ou pessoa colectiva de utilidade pública, sem que o respectivo sujeito passivo faça prova da apresentação da última declaração de rendimentos a que estiver obrigado, ou de que não está sujeito ao cumprimento dessa obrigação.
2 - A prova referida na parte final do número anterior será feita através de certidão, isenta de imposto do selo, passada pelo serviço fiscal competente.
3 - A apresentação dos documentos de prova referidos nos números anteriores será averbada no requerimento, processo ou registo da petição, devendo o averbamento ser datado e rubricado pelo funcionário competente, que restituirá os documentos ao apresentante".
- A seu turno, prescreve o artigo 105º do C.I.R.C.
(5):
"Garantia de observância de obrigações fiscais
1 - As petições relativas a rendimentos sujeitos a IRC ou relacionadas com o exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos desse imposto, não poderão ter seguimento ou ser atendidas perante qualquer autoridade, repartição pública ou pessoa colectiva de utilidade pública, sem que seja feita prova de apresentação das declarações a que se referem os artigos 96º e 97º, conforme o caso, cujo prazo de apresentação já tenha decorrido, ou de que não há lugar ao cumprimento dessa obrigação.
2 - A prova referida na parte final do número anterior será feita através de certidão, isenta de imposto do selo, passada pelo serviço fiscal competente.
3 - A apresentação dos documentos referidos no número anterior será averbada no requerimento, processo ou registo de petição, devendo o averbamento ser datado e rubricado pelo funcionário competente, que restituirá os documentos ao apresentante."

IV
1- A aproximação à questão da inconstitucionalidade do artigo 280º do C.P.C. exige, antes do mais, que se passem em revista as vicissitudes por que passou a disciplina contida no preceito.
Na verdade, das propostas adiantadas para revisão do Código resulta claramente a preocupação do legislador em afastar o expediente de controlo do cumprimento das obrigações fiscais, tal como aquele artigo impõe, substituindo-o pela mera comunicação às autoridades fiscais das irregularidades verificadas. Comunicação que ora se pretende que seja feita directamente pelo juiz, ora se socorre da intervenção do Ministério Público, ou acaba por ser incumbência da Secretaria do tribunal.
Assim, no Anteprojecto do Código de Processo Civil publicado em 1988 (6), a observância dos preceitos fiscais estava associada para efeitos de controlo à das regras do registo, e era o artigo 232º que a elas se referia, do seguinte modo:
"1. Não terão seguimento as acções em que se alegue propriedade ou posse de determinado prédio, sem que se exiba a caderneta predial donde conste a inscrição do prédio na matriz ou o documento que prove a inscrição ou o requerimento dela, devendo lançar-se cota no processo de qualquer dos factos.
2. Tratando-se de acções fundadas em actos provenientes do exercício de actividades sujeitas a imposto, o juiz mandará dar conhecimento da proposição da acção ao serviço competente para a cobrança do imposto, sem qualquer suspensão da instância." (7)
No Anteprojecto de Revisão publicado em 1993 (8), a questão foi tratada no artigo 233º, com unificação do regime proposto para fiscalização, tanto das regras de registo como das obrigações fiscais. Em nenhum caso havendo lugar a suspensão da instância, e fazendo-se intervir o Ministério Público para efeito das comunicações pertinentes.
O texto da norma em causa é o seguinte:
"1. Tratando-se de acções em que se alegue propriedade ou posse de determinado prédio, sem que se exiba caderneta predial donde conste a inscrição do prédio na matriz ou documento que prove a inscrição ou requerimento dela, faltando cota, no processo, de qualquer dos factos, o juiz mandará dar vista ao Ministério Público para que este leve a ocorrência ao conhecimento do serviço competente para a cobrança do imposto, sem qualquer suspensão da instância.
2. Do mesmo modo se procederá no caso de acções fundadas em actos provenientes do exercício de actividades sujeitas a imposto, sempre que a parte não junte o respectivo conhecimento ou documento equivalente.
Entretanto, a revisão do C.P.C. operada pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, incluiria a questão do incumprimento de obrigações tributárias, e apenas esta, no artigo 280º do Código, para se excluir frontalmente a possibilidade de se recusar a propositura de acções ou de se ordenar a suspensão da instância, fundadas na falta de pagamento de impostos. Exceptua-se apenas o caso de estar em causa a transmissão de direitos operada no próprio processo, e dependente do pagamento do imposto de transmissão.
De notar que cessou a intervenção do Ministério Público antes prevista, e se contemplou a incidência da falta de cumprimento das obrigações fiscais na utilização como prova de documentos a elas sujeitos.
Transcreve-se o artigo 280º do C.P.C. depois de revisto pelo Decreto-Lei nº 329-A/95:
"Artigo 280º
Incumprimento de obrigações tributárias
1- Não obsta ao recebimento ou prosseguimento das acções, incidentes ou procedimentos cautelares que pendam perante os tribunais judiciais a falta de demonstração pelo interessado do cumprimento de quaisquer obrigações de natureza tributária que lhe incumbam, salvo nos casos em que se trate de transmissão de direitos operada no próprio processo e dependente do pagamento do imposto de transmissão.
2 - A falta de cumprimento de quaisquer obrigações tributárias não obsta a que os documentos a elas sujeitos sejam valorados como meio de prova nas acções que pendam nos tribunais judiciais, sem prejuízo da participação das infracções que o tribunal constate.
3 - Quando se trate de acções fundadas em actos provenientes do exercício de actividades sujeitas a tributação e o interessado não haja demonstrado o cumprimento de quaisquer deveres fiscais que lhe incumbirem, o juiz comunica a pendência da causa e o seu objecto à administração fiscal, sem que o andamento regular da causa seja suspenso".
Concomitantemente com a nova redacção dada ao artigo 280º do C.P.C., eram revogados os artigos 281º e
282º do Código, pelo mesmo Decreto-Lei nº 329-A/95 (9).
Este diploma deveria ter entrado em vigor a 1 de
Março de 1996, de acordo com o disposto no seu artigo
16º. Por força do artigo 1º da Lei nº 6/96, de 29 de Fevereiro, a data de tal entrada em vigor passou a ser a de 15 de Setembro de 1996, mas de acordo com o artigo 5º da Lei nº 28/96, de 2 de Agosto, está prevista a sua entrada em vigor para o dia 1 de Janeiro de 1997.
O nº 3 do artigo 280º do C.P.P., com a redacção do Decreto-Lei nº 329-A/95, sofreria ainda a alteração operada pelo Decreto-Lei nº 180/96 de 25 de Setembro, passando a ter o seguinte texto:
"3 - Quando se trate de acções fundadas em actos provenientes do exercício de actividades sujeitas a tributação e o interessado não haja demonstrado o cumprimento de qualquer dever fiscal que lhe incumba, a Secretaria deve comunicar a pendência da causa e o seu objecto à administração fiscal, sem que o andamento regular do processo seja suspenso."
Se o artigo 16º do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, previa a respectiva entrada em vigor em 1 de Março de 1996, estipulava ao mesmo tempo que ele só se aplicava "aos processos iniciados após essa data", salvo o disposto no número que se seguia, e dizia respeito aos recursos interpostos de decisões proferidas depois daquela entrada em vigor.
Entretanto, o artigo 16º em referência veio a sofrer nova redacção, com o Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro, que é a seguinte:
"Sem prejuízo do disposto no artigo 17º, o Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, com as modificações decorrentes do presente diploma, entra em vigor em 1 de Janeiro de 1997, e só se aplica aos processos iniciados após esta data, salvo o estipulado no artigo 13º e nos artigos seguintes".
O disposto no artigo 17º do Decreto-Lei nº 329-
A/95 é matéria relativa a assentos, estipulando-se a regra de que "É imediatamente aplicável a revogação dos artigos 763º a 770º do Código de Processo Civil, sem prejuízos do disposto nos números seguintes".
O artigo 13º do mesmo Decreto-Lei reporta-se à revogação de disposições, referentes a custas, que imponham a contagem do processo, ou incidentes, durante a sua pendência, designadamente antes da subida de quaisquer recursos.
Vê-se assim que o artigo 16º transcrito, na sua derradeira redacção, se propõe por um lado estabelecer a data de entrada em vigor do diploma, e por outro esclarecer a que processos é que ele se aplicará. Para a primeira questão introduz-se uma excepção que é a do artigo 17º. Para a segunda, salvaguardam-se as excepções do artigo 13º que o precede, e dos artigos seguintes.
Estes "artigos seguintes" são o artigo 5º do próprio Decreto-Lei nº 180/96, que revoga o artigo 8º do Decreto-Lei nº 329-A/95, o artigo 6º que introduz aditamentos ao Decreto-Lei nº 329-A/95, e o artigo 7º que rectifica inexactidões do dito Decreto-Lei.
Entre os artigos aditados ao Decreto-Lei nº 329-
A/95, concretamente os artigos 18º a 29º, o artigo 21º tem o seguinte texto:
"Obstáculo ao exercício do direito de acção:
É imediatamente aplicável nas causas pendentes o disposto no artigo 280º do Código do Processo Civil, na redacção introduzida por este diploma, bem como a revogação dos artigos 281º, 282º e
551º, este na redacção anterior ao Decreto-Lei nº 329-A/95, incumbindo à parte interessada requerer o prosseguimento da instância suspensa ou a consideração da prova documental pelo incumprimento das leis fiscais."
Assim se vê que o artigo 280º do Código de Processo Civil, com a redacção que suscitou a questão da inconstitucionalidade material respectiva, face ao artigo 20º nº 1 da Constituição da República, vigorará só até 1 de Janeiro de 1997. A nova redacção do preceito, que resulta dos Decretos-Lei nº 329-A/95, e 180/96, impor-se-á a todos os processos já instaurados e a instaurar a partir dessa data. Tal condicionalismo temporal levanta legitimamente a questão, da oportunidade quanto ao pedido eventual, de declaração de inconstitu-cionalidade com força obrigatória geral.
Não deixaremos, porém, de a tal respeito tomar posição.
2- O artigo 280º do Código de Processo Civil em vigor enquadra-se numa secção intitulada "Suspensão da instância", e concretiza uma situação que se integra na alínea d) do nº 1 do artigo 276º. É um caso de suspensão determinada pela lei (10), e se for constatada a falta do documento que comprove o cumprimento das obrigações fiscais, logo na petição inicial, o juiz pode convidar o autor a juntá-lo, marcando prazo para o efeito, de acordo com o artigo 477º do mesmo C.P.C. (11).
Diz-nos José Alberto dos Reis, a este propósito:
"Para evitar que a Fazenda Nacional seja defraudada, isto é, que a pessoa sujeita a contribuição predial, a contribuição industrial, a imposto profissional ou a imposto sobre aplicação de capitais se subtraia à colecta, a lei prescreve o seguinte: quando essa pessoa se apresentar em juízo para fazer valer um direito emergente de facto sujeito a imposto, terá de provar que se acha devidamente colectada por esse facto; se não fizer essa prova, é dever do juiz suspender a instância, logo que se aperceba da falta. (...) Quer dizer, a lei comete ao juiz a fiscalização da observância de determinados preceitos fiscais, em ordem a impedir a fuga ao imposto" (12).
Ao contrário do que ocorre com o preceito da lei espanhola que suscitou a inconstitucionalidade antes referida, o artigo 280º do Código de Processo Civil não se propõe controlar a regularidade fiscal de quaisquer factos que se pretendam atestar no processo por documento (13). Limita a fiscalização aos factos fundamento do direito que o autor invoca (14). Prende-se pois com o exercício do direito de acção.

Nesse domínio, a não regularidade fiscal será responsável, logo no iniciar da lide, ou durante o seu desenvolvimento, pela paralisação da instância. E, se se quiser chegar até ao limite das consequências dessa suspensão da instância, terá que se ter em conta a respectiva interrupção ou deserção, o que tudo poderá conduzir à extinção da dita instância. Como refere o artigo 291º do Código de Processo Civil, a instância extinguir-se-á neste caso "independentemente de qualquer decisão judicial" (15). Mas, por outro lado, não estará em causa nunca, com tal consequência, a perda do direito.
Vê-se então que a regra básica do artigo 2º do Código de Processo Civil, segundo a qual a todo o direito corresponde uma acção destinada a fazê-lo reconhecer em juízo, ou a realizá-lo coercivamente, terá que levar em conta a disciplina do próprio Código, quando se encarrega o juiz de prosseguir tarefas de fiscalização dos interesses fiscais do Estado, mas que não se prendem directamente com a solução do conflito que lhe é presente.
Dir-se-ia então, à primeira vista com Calamandrei, que "parece estranho e perigoso que o Estado se negue a cumprir o seu ofício mais antigo e mais exclusivo, só porque uma das partes - ou as duas - são responsáveis de uma transgressão às disposições tributárias" (16).
3.1. Tecidas estas considerações, será então a altura de ver como é que tal disciplina processual convive com o artigo 20º da Constituição da República.
Recorde-se que este artigo 20º refere no seu nº 1 que "A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus interesses legítimos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos".
No seu nº 2, o artigo 20º da Constituição da República assegura que "todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas e ao patrocínio judiciário".
Verdadeira garantia enquanto meio de tutela de outros direitos, o acesso ao direito e aos tribunais surge como pilar do Estado de Direito, e encontra eco nos principais textos de direito internacional consagradores dos direitos do homem. Assim os artigos 8º e 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (D.U.D.H.), o artigo 14º do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (P.D.C.P.) e os artigos 6º e
13º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH)
(17).
Gomes Canotilho e Vital Moreira distinguem no artigo 20º da Constituição da República vários direitos, conexos, mas distintos: o direito de acesso ao direito que engloba o direito à informação jurídica, consulta jurídica e ao patrocínio juridiciário, e o direito de acesso aos tribunais (18). É este último que à economia do parecer mais interessa, e, para aqueles autores,
"inclui, desde logo, no seu âmbito normativo, o direito de acção, isto é, o direito subjectivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional, solicitando a abertura de um processo, com o consequente dever (direito ao processo) do mesmo órgão, de sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada (cfr. artigo 208º-1)" (19).
A irregularidade da situação fiscal do autor não é fundamento de indeferimento liminar da petição, face à nossa lei processual civil. Pelos efeitos que produz, porém, configura um obstáculo ao direito de acção consagrado constitucionalmente.
Logo que se aperceba da referida irregularidade, o juiz está obrigado, já se viu, a paralisar o processo, que poderá vir a ser arquivado se não forem preenchidas as condições impostas pelo artigo 280º do Código de Processo Civil.
Ora, assim sendo, do que se trata é de ajuizar da legitimidade deste condicionamento do direito constitucional à tutela judicial efectiva que o artigo
20º, nº 1, da Constituição da República consagra. (20)
3.2. Enquanto direito à protecção de direitos, o direito de acesso aos tribunais participa do regime dos direitos, liberdades e garantias, que o artigo 18º da Constituição da República consagra e do seguinte modo:
"1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais".
Assim sendo, a compressão da garantia da tutela judiciária efectiva há-de ser admitida pela Constituição, justificar-se por visar fins também protegidos constitucionalmente, limitar-se ao "quantum" necessário, e, de todo em todo, não diminuir a extensão e o alcance que o artigo 20º, nº 1, da Constituição da República queira dar a tal garantia no seu núcleo essencial (21).
3.2.1. Como questão prévia a esclarecer, cumprirá fazer a distinção entre as situações de restrição, limitação ou compreensão de direitos fundamentais, e, regulamentações, ou quando muito condicionamentos, do exercício desses direitos, que só têm que ver com o modo de certo direito se exteriorizar quando o seu titular o quer pôr em prática. Como refere Vieira de Andrade, serão de considerar deste tipo as intervenções do legislador ordinário destinadas a "concretizar" os preceitos constitucionais. Tal legislador "não lhes acrescenta ou tira então nada, limitando-se a "explicar" os conceitos interpretando-os e referindo claramente o seu conteúdo". Não serão também de restrição as intervenções destinadas a adaptar os direitos fundamentais à vida prática, através de normas que "disciplinem o uso e previnam o conflito ou proíbam o abuso e a violação dos direitos" (22).
Nestes casos, mesmo que se estabeleçam condicionamentos ao exercício dos direitos, será sempre em seu nome, é dizer, para que na prática melhor se realizem, que o legislador intervém.
A nosso ver, saltar-se-á de normas com cariz meramente regulador, para normas que implicam verdadeira restrição ao direito em causa, quando o propósito é atender, através do condicionamento imposto, a finalidades que não são impostas à partida pelo exercício de tal direito. A norma que implica restrição ao direito não tem que ser justificada directamente pela necessidade dessa restrição, antes bastando que afecte o conteúdo do direito. Afectá-lo-á tanto pela negativa, estabelecendo proibições, como pela positiva, condicionando o exercício do direito ao cumprimento de certas obrigações. Estará neste caso a norma em apreço do artigo 280º do C.P.C.
3.2.2. O artigo 20º da C. da R. assegura o acesso aos tribunais a todos, sem prever expressamente qualquer restrição, o que nos leva a abordar a exigência que o nº
2 do artigo 18º da C. da R. faz a tal respeito. É sabido que nuns casos é o próprio preceito constitucional que prevê a restrição, noutros remete para a lei ordinária a sua efectivação, ficando de qualquer modo "por autorizar" inúmeros casos, em que existindo conflito entre o direito fundamental e outros valores também consagrados na C. da R., se imporá a limitação daquele.
Como meio da legitimação das restrições, um importante sector da doutrina tem aceite, neste cenário, o recurso ao disposto no nº 2 do artigo 16º da C. da R., de acordo com o qual "Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem". Recorrendo-se, subsequentemente, ao artigo 29º de tal Declaração (23)
É o seguinte o respectivo texto:
"1 - O indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade.
2 - No exercício destes direitos e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito senão às limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática.
3 - Em caso algum estes direitos e liberdades poderão ser exercidos contrariamente aos fins e aos princípios da Nações Unidas".
No artigo 280º do C.P.C. opera-se uma restrição ao direito de acesso aos tribunais, com tudo o que tal direito implica, ditada pela necessidade de combater a fuga ao fisco. Por outro lado, todo o sistema tributário se justifica como meio de angariação dos rendimentos de que o Estado necessita para prover às despesas públicas. Despesas que obviamente se destinarão a satisfazer as "justas exigências", pelo menos, "da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática".
Acresce que, estando o sistema fiscal delineado, nas suas bases, no artigo 105º da C. da R., e prevendo inclusivamente o artigo 107º da mesma Constituição o lançamento do imposto sobre o rendimento pessoal, dúvidas não existem de que o cumprimento das obrigações fiscais por parte dos cidadãos a elas obrigadas é um valor constitucional. Mesmo que, ao contrário do que fez a Constituição espanhola, a nossa não contenha um preceito que explicitamente obrigue os cidadãos a contribuir para as despesas públicas (24)
3.2.3. Mas o artigo 18º, nos seus nºs. 2 e 3 estabelece ainda "uma proibição de excesso" nas restrições, quando refere que elas devem "limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos", não podendo, em última instância, ser diminuídos "a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais".
Esta última barreira intransponível do processo de restrições parece-nos estar claramente distante quando somos confrontados com a disciplina do artigo 280º do C.P.C.
Não se tratará então aqui de ver diminuído o direito de acesso aos tribunais, no seu núcleo essencial.
Na verdade, pesem embora as dificuldades que apresenta a delimitação daquele núcleo essencial, a doutrina tem entendido tratar-se de um último reduto intocável, próprio de cada direito e determinável objectivamente, o que, se por um lado não assegura a intangibilidade do conteúdo essencial de cada um dos direitos subjectivos individuais, impede a subversão ou desfigurar do valor e da garantia constitucional (25).

Gomes Canotilho e Vital Moreira apontam como critérios prestáveis, para a tarefa de determinação do conteúdo essencial do direito, o saber "se a restrição deixa algum sentido útil ao direito fundamental, isto é, se há possibilidade de este, depois de restringido, ainda poder desempenhar a sua finalidade; outras vezes, o núcleo essencial é identificado com a subsistência de um mínimo de autonomia da posição jurídica do cidadão face ao Estado, havendo intromissão no núcleo essencial quando o cidadão tivesse sido convertido em mero objecto da actividade estadual" (26).
Ora assim sendo, a exigência do cumprimento das obrigações fiscais como condição do direito de acção, não mexe, insofismavelmente, com o conteúdo essencial do direito de acesso aos tribunais.
3.2.4. A jusante do apontado "limite intransponível" fica então a ponderação sobre se houve ou não excesso, na restrição introduzida pelo legislador ordinário. E haverá esse excesso quando a possível restrição fique justificada pela promoção de um bem, direito, interesse, princípio ou valor constitucional, mas não se restrinja à proporção dessa necessidade.
Gomes Canotilho diz-nos a esse propósito que qualquer restrição de direitos liberdades e garantias operada por lei deve ser adequada (apropriada), necessária (exigível), e proporcional (com justa medida).
A exigência da adequação aponta para a necessidade de a medida restritiva ser apropriada para a prossecução dos fins invocados na lei (conformidade com os fins).
A exigência da necessidade pretende evitar a adopção de medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias que, embora adequadas, não são necessárias para se obterem os fins de protecção visados pela Constituição ou a lei.
Uma medida será então exigível ou necessária quando não for possível escolher outro meio igualmente eficaz, mas menos "coactivo", relativamente aos direitos restringidos.
O princípio da proporcionalidade em sentido restrito (princípio da "justa medida") significa que uma lei restritiva, mesmo adequada e necessária, pode ser inconstitucional quando adopte "cargas coactivas" de direitos, liberdades e garantias "desmedidas",
"desajustadas", "excessivas" ou "desproporcionadas" em relação aos resultados obtidos" (27).
A exigência veiculada pelo artigo 280º foi pensada como contributo na luta contra a evasão fiscal. Não constituirá surpresa para ninguém que a fuga ao fisco seja dificuldade muito séria com que o Estado se debate, e é de aceitar que o meio de controlo operado pelos tribunais produz resultados úteis na atenuação de tal dificuldade.
Importa então apurar se o preço pago na obtenção de tais resultados não será exagerado, e numa dupla perspectiva. Tanto na da comparação entre o que se pede ao interessado e o que ele vem a sofrer se não cumprir o
ónus estabelecido, como na perspectiva da ponderação de soluções alternativas para se atingirem os mesmos fins.
A fuga ao fisco é um mal suficientemente grave para se responder com um obstáculo à tutela de direitos?
Não poderiam os tribunais proceder ao controlo do cumprimento dos preceitos fiscais sem que se atingisse o acesso à tutela dos direitos?
Cremos que as respostas a essas questões resolverão também aqueloutra da proporcionalidade entendida em sentido amplo, com dificuldades que se não podem escamotear. Diz-nos ainda aqui Vieira de Andrade:
"Não levantará, em princípio, dificuldades particulares o controlo da existência dos pressupostos da restrição (aí incluída, além dos requisitos constitucionais específicos, a necessidade de restringir imposta pala existência de um valor constitucional).
Mas, o controlo da proporcionalidade propriamente dita já pode levantar muitas dúvidas, porque coloca questões de medida em que a diversidade de opiniões é inevitável.
Julgamos, na esteira de Hesse, que o juiz e demais entidades de controle só poderão considerar inconstitucionais as normas que constituam manifesta violação do princípio da proporcionalidade". (28)
Com uma carga de subjectividade indisfarçável, propendemos no caso em apreço para não considerar ultrapassados os parâmetros da proporcionalidade "lato sensu" em que as restrições aos direitos fundamentais se devem conter (29).
Tentemos então precisar o nosso ponto de vista.
3.2.5. Apontaria para a tese da inconstitucionalidade o argumento de se estar perante uma restrição ao direito de acesso aos tribunais, que poderia ser substituída por outro meio também de controlo. E as modificações legislativas por que passou o artigo 280º do C.P.C. isso mesmo revelariam.
Dir-se-ia ainda que, com a redacção em vigor do artigo 280º do C.P.C., o último baluarte da protecção de direitos, ele mesmo direito fundamental, poderia ser recusado em homenagem aos interesses fiscais do Estado.
E assim, o requisito da regularidade fiscal surgiria aqui como corpo estranho, face aos fins servidos com o funcionamento dos tribunais, já que não teria conexão necessária com a existência e prova do direito substantivo que se pretenda fazer valer, e seria alheio aos interesses processuais que servissem a efectividade e celeridade da justiça do caso.
Contraporemos no entanto a seguinte ordem de razões.
- Como já se apontou, a fuga ao fisco constitui hoje para o Estado um sério desregramento, que reclama um combate no maior número de frentes possível. O direito de acesso aos tribunais pressupõe o funcionamento do serviço da justiça que é o Estado que presta. É natural que quem pretenda usufruir de um serviço facultado pelo Estado se não apresente perante ele ignorando as obrigações que lhe incumbem ao nível da relação tributária.
Caso contrário, na relação Estado-cidadão, a este assistiriam direitos a fazer valer, esquecendo os deveres que deviam ter sido cumpridos e não foram.
Aquilo que se exige do cidadão que pretende fazer valer o seu direito, e pode funcionar como obstáculo ao direito de acção, não é um comportamento que ele pudesse deixar de levar a cabo se não recorresse aos tribunais.
É antes algo que tal cidadão teria sempre que cumprir.
- "O sinalagma" ínsito nesta relação não atinge o princípio de separação de poderes correctamente entendido, no caso de se invocar uma eventual confusão de interesses do executivo com finalidades do judicial.
A tal propósito, "com efeito, e como sublinha hoje a moderna doutrina juspublicística -, não se trata de "dividir" o poder soberano, cujo titular é apenas o povo
(cfr. artigo 3º-1), mas da "divisão" ou separação das funções do Estado e da sua ordenação e distribuição por vários órgãos de soberania" (30).
- Como adiante se verá (3.3.), com o desaparecimento da contribuição industrial, do imposto sobre a indústria agrícola, e do imposto profissional, o "conhecimento" daqueles impostos será substituído pela declaração relativa ao IRS e IRC. Ora, tal declaração não é ainda a prova do pagamento, antes o instrumento que desencadeia o processo de determinação do rendimento colectável. Daí que improceda qualquer tentativa de se relacionar este condicionamento do acesso aos tribunais com a insuficiência económica, que eventualmente estaria na base de uma falta de pagamento do imposto.
- O cotejo com a disposição da lei espanhola ferida de inconstitucionalidade suscita ainda duas considerações que devem ser sublinhadas.
Enquanto que naquela disposição se exige a prova do "pagamento, execução ou não sujeição" ao imposto, a previsão do artigo 280º ainda em vigor, como já se apontou, deverá ser conjugada com o disposto no artigo
127º do Código do IRS e 105º do Código do IRC, de tal modo que, ao invocar factos fundamento da acção sujeitos a tais impostos, será suficiente a apresentação das declarações respectivas. Tal significa que o condicionamento do direito de acção assume nesse condicionalismo uma "carga coactiva" a todos os títulos menor do que aconteceria se se exigisse a prova de pagamento.
Por outro lado, a norma espanhola impõe a inadmissibilidade e a não produção de quaisquer efeitos, de qualquer documento que contenha actos ou contratos sujeitos ao imposto sem prova do seu pagamento. O artigo
280º do C.P.C. limitou o controlo da observância dos preceitos fiscais, estando em causa a invocação de um direito pelo autor, que seja fundamento da acção, e nos termos já atrás referidos (IV, 2.). Não é assim, entre nós, um ónus que recai sobre toda e qualquer prova, incluindo a que interesse à organização da defesa. A exigência do cumprimento dos preceitos fiscais relaciona- se só com os factos fundamento da acção. Há pois, uma ligação mais estreita entre o direito que se faz valer em juízo e a área sujeita ao controlo da observância dos preceitos fiscais. Ambos respeitam aos mesmos factos.
Abordemos de seguida a questão da necessidade da restrição.
3.2.6. Já se viu que o legislador ordinário procurou dar nova redacção ao artigo 280º do C.P.C., na âmbito de uma reforma em que "Os princípios gerais estruturantes do processo civil, em qualquer das fases, deverão essencialmente representar um desenvolvimento, concretização e densificação do princípio constitucional de acesso à justiça.
"Na verdade, tal princípio não se reduz à mera consagração constitucional do direito de acção judicial, da faculdade de qualquer cidadão propor acções em tribunal, implicando desde logo, como aliás, a doutrina vem referindo, que a todos seja assegurado, através dos tribunais, o direito a uma protecção jurídica eficaz e temporalmente adequada.
"E, no que concretamente diz respeito à exigência da prova do cumprimento de obrigações tributárias, como condição do prosseguimento da acção proposta, é referido que "A obtenção de uma decisão judicial que aprecie o mérito da pretensão deduzida ou ordene as providências cautelares ou executivas, destinadas a assegurá-la ou realizá-la coercivamente, dependerá estritamente da verificação dos pressupostos processuais de que a lei faz depender a regularidade da instância.
"Como concretização desta ideia, importará fazer especial referência à revogação dos preceitos que, no regime vigente, condicionam o normal prosseguimento da instância e a obtenção de uma decisão de mérito, ou o uso em juízo de determinada prova documental, à demonstração do cumprimento de determinadas obrigações tributárias - salvo nos casos em que se trate de transmissão de direitos operada no próprio processo, dependente do pagamento de imposto de transmissão.

"Nos restantes casos, prescreve-se que o juiz se limite a comunicar à administração fiscal a infracção eventualmente detectada, sem que o andamento regular da causa ou a utilização dos meios probatórios resultem prejudicados" (31).
No regime que vai entrar em vigor a 1.1.97 o controlo das obrigações fiscais far-se-á através da comunicação por parte da Secretaria, da pendência da causa e do seu objecto à Administração fiscal.
Este modo de proceder representa o levantamento de uma limitação ao direito de acesso aos tribunais.
Aparentemente, surge como uma via alternativa à consagrada na redacção do preceito ainda em vigor que a faria considerar desnecessária. Crê-se, no entanto, que a descompressão do preceito constitucional não implica forçosamente a inconstitucionalidade da norma que incluía a restrição depois modificada.
A possibilidade de recurso a vias alternativas menos gravosas haverá sempre que ser cotejada aqui com a idêntica eficácia dos resultados obtidos. Ora não fica suficientemente claro que a eficácia dos dois procedimentos em confronto seja a mesma. Pelo contrário, o contributo que passará a ser dado ao nível da jurisdição na luta contra a evasão fiscal apresenta-se- nos como mais modesto.
De todo em todo, integrando-se uma determinada cooperação dos tribunais, num conjunto de actuações contra a fuga ao fisco que são levadas a cabo noutras frentes, a sua necessidade ou desnecessidade só poderá ser afirmada, levando em conta as modificações que se vão produzindo para aperfeiçoamento da própria Administração fiscal. Partindo do princípio de que o legislador pretende sempre obter os melhores resultados na luta contra a evasão fiscal, só o domínio dos progressos que se obtiveram a outros níveis, v.g. o combate à evasão e fraude fiscal por meios informáticos, permitiria afirmar a desnecessidade da disciplina do artigo 280º referida ao pretérito.
3.3. As considerações tecidas em nada serão afectadas, a nosso ver, pelo facto de o artigo 280º do C.P.C. falar de "conhecimento da contribuição industrial" ou "do imposto profissional". Muito pelo contrário, tendo em conta a inserção do preceito na realidade social e no sistema normativo global, não poderá dizer-se que desapareceram os pressupostos da sua aplicação. Continua a haver "actos relativos ao exercício de indústria ou de profissão", continua a haver tributação sobre tal exercício e persiste o interesse no controlo do cumprimento dos preceitos fiscais.
À contribuição industrial e ao imposto profissional sucederam, consoante as situações, o IRS ou o IRC.
O artigo 3º do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro que aprovou o Código do IRS aboliu o imposto profissional, a contribuição industrial e o imposto sobre a indústria agrícola. Por outro lado, a base do
IRS inclui, nos termos do artigo 1º do respectivo Código, os rendimentos do trabalho dependente (categoria
A), independente (Categoria B), rendimentos comerciais e industriais (Categoria C), e rendimentos agrícolas (Categoria D), para além de outros. Também o artigo 3º do Decreto-Lei nº 442-B/88, de 30 de Novembro, que aprovou o Código do I.R.C., aboliu a contribuição industrial e o imposto sobre a indústria agrícola, entre outros.
Acresce que é sempre possível estarem em causa acções "que tenham por fundamento actos relativos ao exercício de indústria ou de profissão" sujeitos ainda a imposto profissional ou contribuição industrial.
É que o artigo 2º, tanto do Decreto-Lei nº 442-
A/88 como do Decreto-Lei nº 442-B/88, estabeleceu a data de 1 de Janeiro de 1989 para entrada em vigor do Código do IRS e do IRC, respectivamente.
Mas o artigo 3º de ambos os diplomas salvaguardou a aplicação do regime dos impostos abolidos aos rendimentos auferidos até àquela data.
Então, a aplicabilidade do artigo 280º do C.P.C. derivará de no fundamento da acção estarem factos ainda sujeitos aos impostos que seriam eliminados, ou sujeitos aos impostos que os vieram substituir.
3.3.1. Os impostos que incidem hoje sobre a matéria colectável sobre que incidia antes o imposto profissional e a contribuição industrial são o IRS e o
IRC, pelo que a prova que tiver que ser feita da regularidade fiscal há-de ter em conta o regime deste tipo de impostos.
O artigo 280º do C.P.C. em vigor fala em "conhecimento" dos impostos ou de qualquer das suas prestações (32). De acordo com o artigo 22º do Código de Processo das Contribuições e Impostos os "conhecimentos" respeitam a títulos de cobrança através dos quais se operava o pagamento das contribuições e impostos pelos serviços da administração fiscal. Este Código foi revogado pelo artigo 11º, do Decreto-Lei nº 154/91, de
23 de Abril, que aprovou o Código de Processo Tributário.
Tanto o artigo 15º como o artigo 23º, respectivamente do diploma que aprovou o Código do IRS e do que aprovou o Código do IRC, previam a elaboração de legislação complementar para regulamentar a cobrança e as formas de reembolso dos impostos em causa. Esse desiderato foi preenchido com o Decreto-Lei nº 492/88 de
30 de Dezembro, em cujo artigo 18º se fala, como prova de pagamento, tanto do IRS como do IRC, em "documento comprovativo do pagamento".
Atendendo aos modos por que se pretende que o IRS e o IRC sejam pagos - retenção na forte e pagamento por conta - e, sobretudo, face à necessidade dos sujeitos passivos do imposto apresentarem declarações de rendimentos, como início do processo de determinação do rendimento colectável, então será adequado que o controle do cumprimento dos preceitos fiscais se satisfaça com a prova da apresentação da declaração de rendimentos, tal como resulta do artigo 127º do IRS e
105º do IRC.
A prova do cumprimento dos preceitos fiscais que o artigo 280º do CPC prevê, no que respeita ao conhecimento do imposto profissional ou da contribuição industrial, deixou de interessar com o desaparecimento destes impostos. Tal conhecimento foi substituído, para efeitos de implementação da disciplina que o artigo 280º veicula, pela declaração do IRS ou IRC consoante os casos.
V
1 - Debrucemo-nos agora sobre os artigos 127º e
105º, respectivamente do Código do IRS e do Código do
IRC, e que se propõem ambos, também, garantir a observância das obrigações fiscais.
A realidade de que aqueles normativos partem é a existência de actos susceptíveis de produzirem rendimentos sujeitos a IRS, ou rendimentos sujeitos a
IRC, ou do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas sujeitas a IRC.
Depois, estipulam a necessidade de prova da apresentação da última declaração de rendimentos a que estiver obrigado o sujeito passivo do IRS, ou das declarações referidas no artigo 96º e 97 do Código do
IRC.
Salvaguarda-se obviamente a hipótese de a prova a fazer incidir sobre a não sujeição ao cumprimento daquelas obrigações.
Mas, seja como for, a prova referida é condição de atendimento ou seguimento das "petições" que se reportem aos factos ou rendimentos aludidos.
Petições essas que se apresentem "perante qualquer autoridade, repartição pública ou pessoa colectiva de utilidade pública".
1.1. As expressões "petições" e "qualquer autoridade, repartição pública ou pessoa colectiva de autoridade pública" reclamam a nosso ver, uma precisão do respectivo conteúdo, para a delimitação do âmbito de aplicação dos dois preceitos da legislação fiscal face ao artigo 280º do CPC.
A questão não se porá face à exigência da exibição da caderneta predial de onde conste a inscrição do prédio na matriz, quando numa acção se alegue a propriedade ou posse de determinado prédio, por se tratar de exigência prevista só no artigo 280º do CPC.
Já não assim, porém, se estiverem em causa acções que tenham por fundamento actos relativos à actividade industrial ou profissional, porque tais actos cabem, à primeira vista, na previsão tanto das normas da legislação fiscal como processual civil a que nos vimos a referir.
A expressão "petição" engloba os pedidos formulados em processo judicial, e sobretudo as petições iniciais?
E a expressão "qualquer autoridade" inclui os tribunais?
Destaque-se do artigo 280º do C.P.C. a expressão "acções (...) que tenham por fundamento actos relativos ao exercício de indústria ou profissão sujeita a imposto". Comparando-a com a secção do artigo 127º do Código do IRS, "petições relativas a actos susceptíveis de produzirem rendimentos sujeitos a este imposto", ou com o trecho equivalente do artigo 105º do Código do
IRC, "petições relativas a rendimentos sujeitos a IRC ou relacionadas com o exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas", fácil é verificar que as pretensões sob a alçada daquele artigo 280º poderão ficar incluídas nas petições relevantes para efeitos destes artigos 127º e 105º.
Por outro lado, a expressão "qualquer autoridade", na sua literalidade, não é incompatível com a ideia de autoridade judicial e portanto de tribunal.
1.2. Já atrás se referiu que, do texto do artigo
280º do C.P.C. ainda em vigor, não interessava de momento reter a previsão das acções em que se alegue a propriedade ou posse de determinado prédio, com a obrigação decorrente de exibição da caderneta predial donde conste a inscrição do prédio na matriz. Porque na verdade, é esse um controlo dos interesses fiscais do Estado que não concorre com o que é proposto pelos preceitos dos Códigos do IRS e IRC mencionados.
Procuremos então seccionar a parte sobejante do artigo
280º, distinguindo uma previsão específica, a respectiva consequência jurídica, e a sanção processual, ou cominação, para o seu incumprimento.
Dir-se-á então que, para controlo do cumprimento dos preceitos fiscais, o legislador processual civil configurou "as acções que tenham por fundamento actos relativos ao exercício de indústria ou de profissão sujeita a imposto".
Impôs de seguida a obrigatoriedade de exibição do "conhecimento da contribuição industrial, do imposto profissional ou de qualquer das suas prestações". Por último, com a natureza de uma verdadeira medida compulsiva, determinou a suspensão da instância até que aquela exibição tivesse lugar, no caso do comando não ter sido devidamente observado.

Confrontado com a reforma fiscal de 1988 (33), o artigo 280º do C.P.C. viu prejudicado o teor da consequência jurídica que estabelecia. A nosso ver, o preceito viria a sofrer nessa parte uma derrogação, originada no facto da eliminação da contribuição industrial, do imposto sobre a indústria agrícola, e do imposto profissional, tal como, obviamente dos conhecimentos que lhe diriam respeito.
Ora, porque os rendimentos produzidos por actividades industriais e profissionais estão agora sujeitos a IRS e IRC, é nos respectivos artigos 127º e
105º, que também se propõem controlar o cumprimento das obrigações fiscais, que se deverá procurar a consequência jurídica adequada. Trata-se, como já se viu, da necessidade de provar a apresentação da última declaração de rendimentos a que estiver obrigado o interessado, ou de que tal obrigação não lhe assiste, ou ainda da declaração prevista nos artigos 96º e 97º do Código do IRC, se for este o imposto devido.
Dir-se-á então que, no cotejo destas normas com o artigo 280º do C.P.C., ainda fica reservada a este parte da disciplina da fiscalização do cumprimento dos preceitos fiscais, quando exercida com a cooperação dos tribunais. Concretamente, no que toca à sanção que se analisa na suspensão da instância.
De modo paralelo, aliás, se passarão as coisas ao nível da legislação laboral. Na verdade, o artigo 37º do Código de Processo de Trabalho refere que "A falta de exibição de documento comprovativo do cumprimento das leis fiscais por parte do autor só determina a suspensão da instância findos os articulados".
Os preceitos da legislação fiscal funcionarão como norma geral e o artigo 280º como norma especial que atende às implicações do controlo ser feito pelo tribunal.
No dizer de Oliveira Ascensão "Uma regra é especial em relação a outra quando, sem contrariar substancialmente o princípio nela contido, a adaptar a circunstâncias particulares", e para Baptista Machado
"As normas especiais (ou de direito especial) não consagram uma disciplina directamente oposta à de direito comum; consagram todavia uma disciplina nova ou diferente para círculos mais restritos de pessoas, coisas ou relações" (34).
No caso vertente admite-se a necessidade de eleger, ao nível dos tribunais, um certo tipo adaptado de consequências para o incumprimento dos preceitos fiscais. Já se viu que aqui são as acções, todas elas, que não "têm seguimento". Na disciplina dos artigos 127º e 105º referidos são as "petições" em si, quaisquer que sejam, que não têm seguimento, ou que não serão atendidas.
1.2. Significativamente, é na legislação criada antes da reforma fiscal de 1988, que preceitos que se reportavam à garantia do cumprimento das normas fiscais aludiam expressamente aos tribunais. Tal menção expressa desapareceu, como se viu, dos artigos 127º do Código do
IRS e 105º do Código do IRC.
Assim, este último artigo deriva do artigo 116º do anterior Código da Contribuição Industrial. Neste preceito se dizia que as "petições (...) não poderão ter seguimento ou ser atendidas em juízo, nem perante qualquer autoridade, corpo administrativo, repartição pública, pessoa colectiva de utilidade pública administrativa ou organismo de coordenação económica (...)" (35).
Também o artigo 127º do Código do IRS sucede àquele artigo 116º satisfazendo o desígnio de fiscalização que estava presente v.g., ainda, nos artigos 56º a 58º do Código do Imposto de Capitais. Tal artigo 56º falava de não recebimento de certos documentos "em juízo ou em qualquer repartição pública".
O artigo 57º reportava-se só à falta de seguimento em juízo, em certas circunstâncias, de acções em que se pedissem juros. O artigo 58º impunha que "nenhum tribunal ou repartição pública" autorizaria pagamentos ou adjudicação de bens, dentro de certo condicionalismo caracterizado por incumprimento de obrigações fiscais.
Na mesma linha, o artigo 146º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e doações ainda em vigor (36), refere o não atendimento em certas condições de determinados documentos ou títulos,
"em juízo, nem perante qualquer autoridade, corpo administrativo, repartição pública e pessoa colectiva de utilidade pública administrativa".
Pelo contrário, o artigo 126º do recente Código de Contribuição Autárquica, ao regular a fiscalização do cumprimento das obrigações nela previstas, encarrega de exigir a exibição de documento comprovativo da inscrição do prédio na matriz ou, sendo omisso, de que foi apresentada a declaração para inscrição, as "entidades públicas ou que desempenham funções públicas". Também aqui, portanto, se não distinguem os tribunais.
Já se apontou que ao elemento literal de interpretação, centrado nas expressões "petições" e "qualquer autoridade", não repugna a inclusão naquelas das petições em juízo, e nesta nos tribunais.
Os elementos sistemático e histórico de interpretação não nos parece apontarem concludentemente para a exclusão dos tribunais da previsão dos artigos
127º e 105º, dos Códigos do IRS e IRC, respectivamente.
Ora, é ao nível da teleologia destas normas e do artigo
280º do C.P.C., conjugados, que cremos dever defender- se, como defendemos, a relação de especialidade apontada, e, portanto, o sentido mais abrangente para aquelas expressões da legislação fiscal.
O artigo 127º do Código do IRS e o artigo 105º do Código do IRC propõem-se contribuir na luta contra a evasão fiscal. Um dos terrenos onde o Estado pode operar o controlo do cumprimento dos preceitos fiscais é nos tribunais. E que o legislador não abdicou, de aí se continuar a zelar pelos interesses da fiscalidade resulta do mecanismo proposto no artigo 280º do C.P.C., com a versão que entrará em vigor a 1 de Janeiro próximo.
Assim sendo, não haverá motivo plausível de exclusão dos tribunais, à partida, quando somos confrontados com as expressões "qualquer autoridade, repartição pública ou pessoa colectiva de utilidade pública". Outra questão é a de se saber se os artigos
127º e 105º referidos se substituíram, por revogação, a todo o artigo 280º do C.P.C. Já se viu que a previsão do artigo 280º mantém, ao nível da cominação, pelo menos, a sua utilidade própria. O que, aliás, vem de encontro ao princípio segundo o qual a lei geral posterior não revogará, em princípio, a lei especial anterior (37)
VI
Na origem do presente parecer esteve a interrogação sobre se a doutrina que informou a sentença de 12.7.88 do Tribunal Constitucional espanhol não seria de considerar justa e correcta, de tal modo que, quando aplicada na nossa ordem jurídica, não levaria à declaração de inconstitucionalidade material do artigo
280º do CPC, do artigo 127º do Código do IRS e 105º do Código do IRC.
Naquela sentença está em causa o artigo 24º da Constituição Espanhola, a que corresponde no nosso diploma fundamental o artigo 20º, ambos versando o acesso ao direito e aos tribunais.
Começámos por ver da compatibilidade entre o artigo 280º do C.P.C. e o artigo 20º da C. da R., propendendo para a solução da constitucionalidade deste preceito. Procurámos de seguida caracterizar o espaço próprio de vigência e aplicação do artigo 280º do C.P.C., artigo 127º do Código do IRS, e 105º do Código do IRC. Sobretudo porque a relação de especialidade que medeia entre aquele e estes preceitos leva a que, estando em causa o controlo de preceitos fiscais pelos tribunais, não se aplicarão só os artigos 127º ou 105º referidos, antes conjugados com o dito artigo 280º. A disciplina do controlo do cumprimento dos preceitos fiscais nos tribunais, feita à custa de tal conjugação é que interessa cotejar com o disposto no artigo 20º da C. da R., portanto.
Estando em causa a garantia constitucional de acesso aos tribunais, e assim, só a compatibilização com o artigo 20º da C. da R., não terá sentido apreciar a constitucionalidade material do artigo 127º do Código do
IRS e 105º do Código do IRC, como se se ficcionasse a sua aplicação isolada nos tribunais.
VII
Termos em que se conclui:
1ª O artigo 20º, nº 1 da Constituição da República consagra o direito de acesso de todos aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, participando este direito do regime dos "direitos, liberdades e garantias" que o artigo 18º da mesma Constituição estabelece;
2ª De acordo com o nº 2 deste artigo 18º, as restrições dos direitos, liberdades e garantias consagrados constitucio-nalmente devem obedecer, para além do mais, aos princípios da adequação, da necessidade, e da proporcionalidade entre as limitações impostas e os fins visados;
3ª O artigo 280º do Código de Processo Civil, na redacção que vigorará até 1 de Janeiro de 1997, consagra um mecanismo de fiscalização do cumprimento das obrigações fiscais que se traduz na obrigatoriedade de apresentação da última declaração de rendimento para efeitos de IRS a que se estiver obrigado, ou de que se não está sujeito a essa obrigação, ou das declarações a que se referem os artigos 96º e 97º do Código do IRC, conforme o caso;
4ª A cooperação dada pelos tribunais à Administração fiscal, através daquela fiscalização, implica uma restrição ao direito de acesso aos tribunais consagrado constitucionalmente que se nos afigura adequada e necessária, exercendo-se em moldes que não prejudicam a proporcionalidade que deve existir entre a limitação imposta e o fim visado com ela;
5ª O artigo 280º do Código de Processo Civil posiciona-se face ao artigo 127º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e ao artigo 105º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas como norma especial, que atende à cooperação dada especificamente pelos tribunais que apliquem o Código de Processo Civil, para garantia dos preceitos fiscais, face à cooperação imposta em geral a todas as outras autoridades;
6ª A disciplina do controlo do cumprimento dos preceitos fiscais relativamente ao IRS e IRC, feita em juízo, socorre-se da conjugação do artigo
280º do C.P.C. com o artigo 127º do Código do IRS, ou com o artigo 105º do Código do IRC, conforme os casos, não estando a norma daí resultante ferida de inconstitucionalidade material, por violação do artigo 20º, nº 1 da Constituição da República, tendo em conta o artigo 18º, nº 2, também do diploma fundamental.



VOTOS


(Luís Novais Lingnau da Silveira) - Votei vencido quanto às conclusões 3ª a 6ª.
Na verdade, não considero que os tribunais possam ter-se por incluídos na expressão “autoridade, repartição pública ou pessoa colectiva de utilidade pública” constante dos artigos 127º e 105º, respectivamente dos Códigos do IRS e IRC. Afigura-se-me decisivo, nesse sentido, o confronto com o teor das normas, a estas correspondentes, incluídas em vários dos Códigos integrados no sistema fiscal que antecedeu o actual. Nesses preceitos se falava, com efeito, de “petições ... não podendo ter seguimento ou ser atendidas em juízo, nem perante autoridade ... etc.”. Foi esse tipo de redacção o adoptado, nomeadamente, no artigo 116º do Código da Contr. Ind. e no artigo 56º do Cód. Imp. Capitais - tendo até “transitado”, ainda, para o artigo 146º do Cód. Imp. Mun. de Sisa e do Imp. sobre Suc. e Doações.
A eliminação, tanto no Código do IRS como no do IRC, da locução “em juízo” não foi, decerto, casual, e terá significado o propósito deliberado de não manter, a nível da legislação fiscal, qualquer limitação ao direito de acção e ao normal prosseguimento desta, assim deixando livre caminho à legislação processual para se adaptar a essa perspectiva, mais próxima dos valores que inspiram a actual Constituição.
Deste modo, o artigo 280º do CPC não pode ter-se por “norma especial” face às referidas regras dos Códigos do IRS e IRC.
Bem pelo contrário. O sentido do preceituado no ainda em vigor artigo 280º do CPC tem de captar-se, histórica e sistematicamente, em correlação com o regime fiscal que a par dele vigorou durante cerca de duas décadas.
Ora não parece discutível que o que as regras de fiscalização tributária então aplicáveis exigiam para que as petições em juízo pudessem ser admitidas e ter seguimento era a comprovação do pagamento da última dívida vencida relativa ao imposto em questão. Era nesse sentido patente, p. ex., o já citado artigo 116º do Cód. de Cont. Ind., resultando do artigo 117º que tal pagamento se comprovava, por norma, através da exibição do correspondente conhecimento. Esta a razão, de resto, por que o artigo 280º do CPC se referia (e ainda, anacronicamente, se refere) ao conhecimento. Aliás, os comentadores das mencionadas disposições e a jurisprudência que as aplicou (v., por todos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Fevereiro de 1977 e de 18 de Março de 1986 - publicados, respectivamente, no Bol. Min. Just. nºs. 264, págs. 124 e 355, pág. 335 - e o do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de Junho de 1982, in. Col. Jur., 1982, vol. III, pág. 123) reportavam-se, sem hesitação, à necessidade de prova do pagamento das dívidas fiscais como condição da apreciação e prosseguimento das petições em juízo.
O que se não pode, a meu ver, é forçar a atribuição, ao artigo 280º do CPC, dum sentido claramente distinto do propósito legislativo que o gerou.
Vale isto dizer que, continuando a encontrar tal significado - de comprovação do pagamento dos impostos - no dito artigo 280º, o considero incompatível com o artigo 20º da Constituição.
Questão diversa é a de saber se, conhecida a iminente morte anunciada desta disposição legal, se justificará, presentemente, pedir a declaração da sua inconstitucionalidade.

(Ireneu Cabral Barreto) – Vencido quanto à conclusão 6ª :
Afirma-se na página 21 do Parecer que uma medida será exigível ou necessária quando não for possível escolher outro meio meio igualmente eficaz, mas menos coactivo relativamente relativamente aos direitos restringidos.
No Parecer aponta-se uma outra solução «menos coactiva», a oferecida pelo artigo 280º do Código de Processo Civil, na versão a entrar em vigor no dia 1 de Janeiro de 1997.
Mesmo que esta solução se venha a revelar menos eficaz no combate à evasão fiscal, convirá não esquecer que se reclama também aqui um justo equilíbrio entre o interesse público e os direitos que os cidadãos se propõem defender perante os tribunais.
Justo equilíbrio que, salvo respeito, foi sacrificado na tese vencedora.


António Manuel dos Santos Soares) – Com a declaração de que entendo que a expressão “qualquer autoridade” referida no artigo 127º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) e no artigo 105º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) não engloba os tribunais.
Aliás, na legislação fiscal que vigorava antes da Reforma Fiscal de 1988, preceitos havia que se reportavam à garantia do cumprimento das obrigações fiscais ou aos meios de controlo do pagamento, e nos quais, a par da expressão “qualquer autoridade”, se aludia de modo expresso aos tribunais, contendo expressões como “admissão em juízo ou “atendimento em juízo”.
Esta referência a “juízo” desapareceu, porém, dos citados artigos 127º do CIRS e 105º do CIRC.
Aliás, este último preceito vem na esteira do artigo 116º do Código da Contribuição Industrial, dispositivo este que aludia ao não seguimento ou não atendimento das petições em juízo, ou perante qualquer autoridade.
Ora, se o controlo do pagamento se fazia em juízo ou por qualquer autoridade, e se a expressão “Juízo” não existe no artigo 105º do CIRC, isso parece demonstrar que o legislador excluiu os tribunais da aplicabilidade desse preceito fiscal de controlo.
A tal não deve ter sido alheio o facto de esse controlo, quando efectuado em juízo, estar previsto no artigo 280º do Código de Processo Civil.


1) É o seguinte o texto deste último preceito:
"Todos contribuirão para as despesas públicas, em função da sua capacidade económica, através de um sistema tributário justo inspirado nos princípios da igualdade e progressividade, que não terá em caso algum, alcance confiscatário".
2) Transcreve-se todo o artigo 24º da Constituição Espanhola:
"1 - Todas as pessoas têm direito a obter a tutela efectiva dos juízes e tribunais quanto ao exercício dos seus direitos e interesses legítimos, sem que, em nenhum caso, a pessoa fique privada desta protecção.
2 - Do mesmo modo, todos têm direito a um juiz normalmente pré-determinado por lei, a defender-se e a fazer-se defender por advogado, a ser informados da acusação formulada contra si, a um processo público sem atrasos injustificados, e com todas as garantias de uso em sua defesa dos meios de prova pertinentes, a não prestarem declarações contra si mesmo, a não se confessarem culpados e de serem presumidos inocentes.
A lei regulará os casos em que, por razões de parentesco ou segredo profissional não existe a obrigação de prestar declarações acerca de factos presumivelmente criminosos".
3) Trata-se da Lei nº 43/90, de 10 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei nº 6/93, de 1 de Março.
4) Aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro. A redacção do nº 1 é a que resulta da Lei nº 10-B/96 de 23 de Março.
5) Aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-B/88, de 30 de Novembro.
6) Cfr. "Código de Processo Civil (Anteprojecto)", Ministério da Justiça, Lisboa, 1988, pág. 96.
7) Sublinhado agora tal como todos os que se seguirão.
8) Cfr. "Código de Processo Civil (Anteprojecto)" Ministério da Justiça, Lisboa, 1993, pág. 85.
9) O texto do artigo 281º do C.P.C. é o seguinte:
"(Suspensão para garantir o cumprimento de outros preceitos fiscais)
Também não pode ter seguimento qualquer acção em que se peçam juros, quer desde a mora ou desde a citação do réu, quer anteriores, sem que no processo conste que se acha feito o manifesto".
E o do artigo 282º o seguinte:
"(Dever do juiz em ordem à suspensão)
Nos casos previstos nos dois artigos anteriores e em quaisquer outros em que a inobservância de determinados preceitos fiscais deva, por disposição expressa da lei, suspender o andamento do processo, o juiz ordenará a suspensão logo que se aperceba da falta de cumprimento".
10) É o seguinte o texto do artigo 276º do C.P.C.
"1. A instância suspende-se nos casos seguintes: a) Quando falecer ou se extinguir alguma das partes; b) Nos processos em que é obrigatória a constituição de advogado, quando este falecer ou ficar absolutamente impossibilitado de exercer o mandato.
Nos outros processos, quando falecer ou se impossibilitar o representante legal do incapaz, salvo se houver mandatário judicial constituído; c) Quando o tribunal ordenar a suspensão; d) Nos outros casos em que a lei o determinar especialmente.
2- No caso de transformação ou fusão de pessoa colectiva ou sociedade, parte na causa, a instância não se suspende, apenas se efectuando, se for necessário, a substituição dos representantes.
3- A morte ou extinção de algumas das partes não dá lugar à suspensão, mas à extinção da instância, quando torne impossível ou inútil a continuação da lide."
11) O preceito referido tem o seguinte conteúdo:
"1. Quando não ocorra nenhum dos casos previstos no nº 1 do artigo 474º, mas a petição não possa ser recebida por falta de requisitos legais ou por não vir acompanhada de determinados documentos, ou quando apresente irregularidade ou deficiências que sejam susceptíveis de comprometer o êxito da acção, pode ser convidado o autor a completá-la ou a corrigi-la, marcando-se prazo para a apresentação de nova petição.
"2. Sendo a nova petição apresentada dentro do prazo marcado, aplicar-se-á o disposto no nº 2 do artigo anterior; igual regime é aplicável ao caso de a petição ser recusada pelo juiz que presida à distribuição, desde que o autor apresente outra que seja admitida na primeira distribuição seguinte."
12) Cfr. "Código de Processo Civil Anotado" vol. I, Coimbra Editora, 1948, pág. 385 e seg.
O autor comentava o artigo 285º do Código anterior, o qual porém coincide com o artigo 280º em referência.
13) Recorde-se que o preceito referido da lei espanhola estipula que nenhum documento se admitirá ou produzirá efeito.
14) A disciplina de controlo em foco visa o autor da acção. Para além dos casos de reconvenção, só excepcionalmente é que se traduzirá numa obrigação do réu. Alberto dos Reis exemplifica tais situações no seu "Comentário ao Código de Processo Civil" vol. 3º, Coimbra, 1946, pág. 249.
15) Não assim se se estivesse perante uma excepção dilatória que pudesse levar à absolvição da instância.
Para Luso Soares, pelo facto de a irregularidade fiscal não ter a natureza de excepção dilatória, é que não se vêem os processualistas portugueses indicá-la como pressuposto processual. Cfr. "Processo Civil de Declaração" Coimbra, Almedina, 1985, pág. 462.
16) Citado na obra referida na nota anterior, pág. 464.
17) Segundo o artigo 8º da D.U.D..H.
"Toda a pessoa tem o direito a recurso efectivo para as jurisdições nacionais competentes contra os actos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição e pela lei".
E segundo o artigo 10º também da D.U.D.H.
"Toda a pessoa tem direito em plena igualdade a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida".
Nos termos do artigo 14º do P.D.C.P.
"Todos são iguais perante os tribunais de justiça.
Todas as pessoas têm direito a que a sua causa seja ouvida equitativa e publicamente por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido pela lei, que decidirá quer do bem fundado de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra elas, quer das contestações sobre os seus direitos e obrigações de carácter civil (...)".
E o artigo 6º da C.E.D.H., tinha já, nessa parte, um texto depois retomado pelo artigo 14º citado, do P.D.C.P., acrescentando-se ali o direito a que a causa seja examinada "num prazo razoável".
Por último, diz-nos o artigo 13º da C.E.D.H.:
"Qualquer pessoa, cujos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção tiverem sido violados, tem direito a recurso perante uma instância nacional, mesmo quando a violação tiver sido cometida por pessoas que actuaram no exercício das suas funções oficiais".
18) Cfr. "Constituição da República Portuguesa Anotada" 3º Edição, Coimbra Editora, 1993, pág. 161.
19) Idem, pág. 163.
20) De notar que o condicionamento do acesso aos tribunais, resultante da insuficiência de meios económicos, está ele mesmo directamente previsto no artigo 20º do nº 1 da Constituição da República.
21) Foram vários os pareceres deste corpo consultivo que se debruçaram sobre o artigo 18º da C.R. a propósito de restrição de outros direitos constitucionais que não o artigo 20º. As considerações que se seguem no presente parecer coadunam-se com as produzidas naqueles pareceres, com relevo para o parecer nº 1/89, homologado a 22.5.89 e publicado no Diário da República, II Série, a 16.6.89.
22) Cfr. "Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976" Coimbra, Almedina, 1983, págs. 226 e segs.
23) Assim, claramente, Vieira de Andrade (in obra citada na nota anterior, págs. 231 e 232). No mesmo sentido, Jorge Miranda, após discussão da questão.
(Cfr. "O Regime dos Direitos, Liberdades e Garantias, in "Estudos sobre a Constituição", 3º volume, Lisboa, Petrony, 1979, págs. 66 e segs.).
Em contrário poderá ver-se, de Alexandre Sousa Pinheiro, a entrada "Restrições aos Direitos, Liberdades e Garantias", no "Dicionário Jurídico da Administração Pública", Lisboa, 1996, pág. 281 do VII volume.
24) Cfr. nota (1).
25) Cfr. Vieira de Andrade, in obra citada na nota (22), págs. 233 e segs., e Gomes Canotilho, in "Direito Constitucional", Coimbra, Almedina, 1992, págs. 630 e segs. No mesmo sentido, na obra citada na nota (18), pág. 153. Quanto ao conceito de "contenido esencial de los derechos fundamentales", pode ver-se, na doutrina espanhola, em termos paralelos, v.g. Antonio Perez Luño, in "Los Derechos Fundamentales", Madrid, Tecnos, 1988, págs. 77 e segs.
26) Cfr. obra citada na nota (18), pág. 153.
27) Cfr. "Direito Constitucional" Coimbra, Almedina,
1993, págs. 628 e 629. No mesmo sentido, ob. citada na nota (18), pág. 152.
28) Cfr. Obra citada na nota (22), págs. 240 e 241.
29) Em sentido oposto cfr. "Sobre a Constitucionalidade dos artigos 280º, 281º e 282º do Código do Processo Civil e 46º do Código de Processo do Trabalho" de Gustavo Rodrigues, in Revista do Ministério Público, Ano I, vol. 3º, págs. 153 e segs.
Ainda, Lebre de Freitas in "Inconstitucionalidade do Código de Processo Civil", Revista da Ordem dos Advogados, Abril 1992, Ano 52, I tomo, pág. 30, sem porém fundamentar a sua opinião.
30) Cfr. Obra citada na nota (18), pág. 496.
31 ) Do preâmbulo do Decreto-Lei nº 329-A/90, de 12 de Dezembro.
32) "Registados em documentos diversos (verbetes, matrizes, livros, mapas, registos vários), os elementos tributários e o quantitativo da prestação tributária são também lançados, em termos mais discriminados ou menos discriminados, conforme os casos, pelas repartições de finanças, em conhecimentos de imposto ou em guias (v.d. Código de Processo das Contribuições e Impostos, 1963, artigo 22º). E aqueles títulos, remetidos às tesourarias da Fazenda Pública respectivas, servirão de recibos de pagamento (..)".
Cfr. Soares Martinez in "Direito Fiscal", Coimbra, Almedina, 1995, pág. 318.

33) Recorde-se que para a levar a cabo foi instituída uma Comissão da Reforma Fiscal pelo Decreto-Lei nº 232/84, de 17 de Julho, a qual viria a ser remodelada pelo Decreto-Lei nº 345/87, de 29 de Outubro.
Tal reforma teve como pontos altos a criação do IRS e do IRC, ou da contribuição autárquica, pelo respectivo Código, o qual foi aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/C/88, de 30 de Novembro. Implicou porém, para além disso, a completa reestruturação dos Serviços da Administração Fiscal. (Cfr. sobre este ponto, Nuno de
Sá Gomes, in "Manual de Direito Fiscal" Vol. I,
Lisboa, Rei dos Livros, 1995, págs.146 e segs).
34) Cfr. "O Direito, Introdução e Teoria Geral", Coimbra,
Almedina, 1995, pág. 548 e obra citada na nota anterior, pág. 95, respectivamente.
35) Cfr. F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes in "Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, IRC, Anotado e Comentado", Lisboa, Rei dos Livros, 1994, pág. 665.
36) De notar que este imposto tem uma incidência diferente daqueles que são mencionados no artigo 280º do CPC ou foram seus sucessores.
Se o artigo 146º referido não fizesse alusão aos tribunais, também não seria o artigo 280º do CPC que viabilizaria aí a fiscalização, por serem impostos omissos neste preceito.
A redacção do passo referido foi dada pelo Decreto-Lei nº 223/82 de 7 de Junho.
37) Oliveira Ascensão, (in, obra citada na nota (34), pág. 556), aponta como situações de excepção em que a lei geral revoga a lei especial:
"1) a premência da solução, igualmente sentida no sector em que regia lei especial;
2) o facto de a solução constante da lei "especial" não se justificar afinal por necessidades próprias desse sector, pelo que não merece subsisitr como lei especial".
Não é, manifestamente, o caso que nos ocupa.