Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00003186
Parecer: P000392011
Nº do Documento: PPA01032012003900
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
REFORMA AGRÁRIA
TERRENO AGRÍCOLA
DIREITO DE PROPRIEDADE
INDEMNIZAÇÃO
DIREITO DE REVERSÃO
ARRENDAMENTO RURAL
PRAZO
CADUCIDADE
LEI GERAL
LEI ESPECIAL
DIREITO SUBSIDIÁRIO
Livro: 00
Numero Oficio: 2134
Data Oficio: 11/23/2011
Pedido: 11/23/2011
Data de Distribuição: 11/16/2011
Relator: ALEXANDRA LEITÃO
Sessões: 01
Data da Votação: 03/01/2012
Tipo de Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Sigla do Departamento 1: MAMAOT
Entidades do Departamento 1: SECRETÁRIO DE ESTADO DAS FLORESTAS E DESENVOLVIMENTO RURAL
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 09/05/2012
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 25-09-2012
Nº do Jornal Oficial: 186
Nº da Página do Jornal Oficial: 32302
Indicação 2: ASSESSOR: SUSANA PIRES
Área Temática:DIR ADM/DIR CIVIL*DTOS REIAS/DIR CONST
Ref. Pareceres:P001061980Parecer: P001061980
P000271991Parecer: P000271991
P000982006Parecer: P000982006
Legislação:DL 111/78 DE 27/05; DL 63/89 DE 24/02; CCIV66 ART12 N2 ARTS 1022 A 1120;DL 158/91 DE 26/04 ART17 N2; DL 79/99 DE 16/03; DL 212/99 DE 14/06; DL 60/2001 DE 19/02; DL 199/88 DE 31/05 ART3 N2; DL 199/88 DE 31/05 ART3 N2; DL 199/91 DE 26/05 ART2 N1 ART3 N1 ART8; DL 38/95 DE 14/02; L 77/77 DE 29/09; L 109/88 DE 26/09 ART27 ART30 ART44; L46/90 DE 22/08 ART24;L 86/95 DE 01/09 ART44; CONST76 ART62 N2 ART83 ART93; DL 407-A/75 DE 30/07; L 168/99 DE 18/09 ART30; L 13/2002 DE 19/02; L 4-A/2003 DE 19/02; L 67-A/2007 DE 31/12; L 30/2008 DE 10/07; L 169/99 DE 18/09 ART36 ART38 E SS; L 80/77 DE 26/10 ART2; DL 343/80 DE 02/09; L 36/81 DE 31/08; L 5/84 DE 07/04; DL 332/91 DE 06/09; DL 845/76 DE 11/12; DL 438/91 DE 09/11; L 76/77 DE 29/09 ART5 ART22; L 76/79 DE 03/12; DL 385/88 DE 28/10 ART5 ART22 ART36 N1; DL 524/99 DE 10/02; DL 294/2009 DE 13/10 ART9 ART18 ART39 N2 A)
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:AC REL COIMBRA DE 17/11/2009 P27/07.1BOFR.C1
AC TCONST N148/05 DE 16/03/2005 P142/03
AC STA DE 07/12/99 P038820
AC STA DE 11/01/94 P31393
AC STA DE 17/04/97 P31007
AC STA DE 15/11/2001 P038820
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1. A apropriação pública de terrenos agrícolas no âmbito da reforma agrária reconduz-se ao instituto da expropriação, enquanto categoria geral, tanto para efeitos do disposto no artigo 62.º, n.º 2, da CRP, como da aplicação supletiva do regime do Código das Expropriações.

2. As expropriações realizadas no âmbito da reforma agrária têm autonomia relativamente às restantes expropriações, pelo que a aplicação supletiva do Código das Expropriações pressupõe a determinação prévia da existência de uma verdadeira lacuna. Pelo contrário se o legislador quis, de facto, adotar, por omissão, uma solução diferente da que resulta do regime geral, este não se aplica supletivamente.

3. A perda do direito de propriedade sobre o bem expropriado, após o pagamento da indemnização definitiva, não afasta a existência do direito de reversão, que é uma decorrência da garantia constitucional do direito de propriedade privada e uma consequência direta dos princípios gerais do Direito Administrativo.

4. Por isso, os ex-proprietários têm sempre um interesse direto, pessoal e legítimo em requerer a reversão, independentemente de conseguirem ou não demonstrar a verificação dos pressupostos de que depende a atribuição da mesma.

5. Aos contratos de arrendamento rural cujo objeto são os terrenos expropriados no âmbito da reforma agrária aplica-se, atualmente, o Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril, à luz das regras sobre aplicação da lei no tempo previstas no artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil.

6. O Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril, nada estabelece nem quanto ao prazo de duração dos contratos de arrendamento rural, nem quanto à respetiva caducidade, remetendo, supletivamente, para o regime geral do arrendamento rural, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de outubro, que se encontrava em vigor à data. Essa remissão deve ter-se como efetuada para o Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de outubro, que revogou o diploma de 1988 (remissão móvel).

7. Apesar de o artigo 42.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de outubro, remeter, por sua vez, para o Código Civil, o disposto no artigo 1025.º não se pode aplicar aos contratos de arrendamento rural previstos no Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril, porque essa solução – à qual se chega por dupla remissão – contraria as regras sobre caducidade constantes do Decreto-Lei n.º 294/2009 e do próprio Decreto-Lei n.º 158/91, que apenas determina a aplicação da regra de caducidade prevista no artigo 1025.º do Código Civil aos contratos de concessão de exploração e não aos arrendamentos.

8. O artigo 1025.º do Código Civil apenas estabelece o prazo máximo de duração que as partes podem convencionar quando celebram o contrato, não proibindo sucessivas renovações, mesmo que estas conduzam a uma duração superior a 30 anos.

9. A reversão dos terrenos expropriados no âmbito da reforma agrária depende apenas da verificação dos fundamentos do artigo 44.º da Lei n.º 86/95, de 1 de setembro, e não dos constantes do artigo 5.º do Código das Expropriações, desde que os expropriados devolvam ao Estado as quantias recebidas a título de indemnização, consubstanciando sempre uma decisão discricionária da Administração.

10. Mesmo que se verifique a eventual caducidade dos arrendamentos rurais, se os expropriados não estiverem na posse dos terrenos, não há lugar à reversão e os terrenos ficam na propriedade do Estado, que deve promover concursos com vista à celebração de novos arrendamentos rurais, nos termos da lei.

Texto Integral:


Senhor Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural
Excelência:


Sua Excelência o Senhor Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural solicitou ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República a emissão de parecer sobre a “matéria em questão na informação que antecede e no ofício da DRAP Alentejo de 15.02.2011 por suscitarem questões controvertidas e objeto de diversas interpretações”, através do seu despacho datado de 22 de novembro de 2011[1].

A matéria referida no despacho de Sua Excelência o Senhor Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural prende-se com a “caducidade dos contratos de arrendamento rural de prédios expropriados no âmbito da reforma agrária celebrados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 111/78, de 27 de maio” e foi objeto de duas informações, respetivamente, da Secretaria-Geral (adiante designada “SG”) do Ministério da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território (adiante designado “MAMAOT”), datada de 11 de novembro de 2011, e da Direção Regional de Agricultura e Pescas do Alentejo (adiante designada “DRAP”), de 15 de fevereiro de 2011.

Impõe-se, assim, emitir parecer ao abrigo das disposições conjugadas da alínea a) do artigo 37.º do Estatuto do Ministério Público e dos artigos 3.º e 14.º, n.º 1, do Regimento do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República.




I – Colocação do problema e enquadramento jurídico

1. A matéria sobre a qual este Conselho Consultivo é agora chamado a pronunciar-se prende-se com a questão de saber se os contratos de arrendamento rural de prédios expropriados no âmbito da reforma agrária, celebrados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 111/78, de 27 de maio, caducaram ou não pelo decurso do prazo de 30 anos previsto no artigo 1025.º do Código Civil (adiante designado “CC”), conjugado com o artigo 17.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril.

Este problema surge na sequência de um pedido de reversão formulado pelos ex-proprietários de alguns terrenos agora arrendados e que foram expropriados no âmbito da reforma agrária, invocando como fundamento para a reversão a caducidade dos contratos de arrendamento rural.

De facto, os anteriores proprietários vêm solicitar a reversão dos terrenos que foram objeto de expropriação com base no facto de, alegadamente, os contratos de arrendamento rural celebrados entre o Estado e os rendeiros ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 111/78, de 27 de maio, terem caducado pelo decurso do prazo máximo de 30 anos consagrado no artigo 1025.º do CC, aplicável, segundo eles, por remissão do artigo 17.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril.

Assim, cumpre a este Conselho analisar a questão da caducidade daqueles contratos, à luz do normativo aplicável.

2. Existe, contudo, uma outra questão que tem a ver com a possibilidade de os ex-proprietários requererem a reversão dos terrenos quando já receberam as indemnizações definitivas, nos termos do Decreto-Lei n.º 199/88, de 31 de maio[2], pelo que já não são proprietários dos terrenos em apreço.

Isto mesmo é assinalado na Informação da SG do MAMAOT, na qual se refere que o pagamento da indemnização implica a perda definitiva do direito de propriedade, passando os terrenos a integrar o património privado e indisponível do Estado.

Por esta razão, na Informação da DRAP é mesmo posta em causa a legitimidade dos anteriores proprietários para formular o pedido de caducidade dos contratos de arrendamento rural, uma vez que, sendo as parcelas arrendadas propriedade do Estado, aqueles não possuem um interesse direto, pessoal e legítimo para fazer aquele pedido.

Esta questão afigura-se prévia ao problema da caducidade dos contratos, pelo que será abordada em primeiro lugar.

3. Assim sendo, são duas as questões jurídicas a analisar no presente parecer, a saber:

(i) A legitimidade dos ex-proprietários para formular o pedido de caducidade dos contratos de arrendamento;
(ii) A caducidade dos contratos de arrendamento celebrados entre o Estado e os rendeiros ao abrigo do Decreto-Lei n.º 111/78, de 27 de maio.


III - Da legitimidade dos ex-proprietários para formular o pedido de caducidade dos contratos de arrendamento

§ 1. Colocação do problema

4. Cumpre, antes de mais, referir que a questão tal como está colocada na Informação da DRAP não se afigura inteiramente correta, na medida em que não está em causa a legitimidade dos anteriores proprietários para “formular o pedido de caducidade dos arrendamentos”, mas sim a sua legitimidade para requerer a reversão dos terrenos expropriados.

De facto, a alegada caducidade dos contratos de arrendamento rural é apenas o fundamento do pedido de reversão e não o próprio objeto do pedido.

Por isso, o que está em causa é saber se, após o pagamento das indemnizações definitivas, se constitui – ou transmite – o direito de propriedade a favor do Estado e se, independentemente disso, os ex-proprietários mantêm ou não a legitimidade para requerer a reversão dos terrenos expropriados.

São essas as duas questões que seguidamente se analisarão.


§ 2. Da perda do direito da propriedade por parte dos ex-proprietários

5. As expropriações promovidas no âmbito da reforma agrária são reguladas por diplomas próprios, desde a Lei n.º 77/77, de 29 de setembro, que aprovou as bases da reforma agrária, à qual sucedeu a Lei n.º 109/88, de 26 de setembro[3], entretanto revogada também pela Lei n.º 86/95, de 1 de setembro, que aprovou a Lei de Bases do Desenvolvimento Agrário[4].

A primeira dificuldade que esta legislação coloca, do ponto de vista conceptual, é a questão de saber se se trata de verdadeiras expropriações ou, pelo contrário, de nacionalizações, atendendo, desde logo, ao facto de os terrenos agrícolas poderem ser, de certo modo, considerados “meios de produção”, designadamente, para efeitos do disposto no artigo 83.º da CRP.

Apesar de a doutrina salientar a enorme dificuldade em distinguir as figuras da expropriação e da nacionalização[5], e de haver mesmo Autores que entendem que a nacionalização é uma forma de expropriação[6], a verdade é que a apropriação pública de terrenos agrícolas na reforma agrária pode reconduzir-se à figura da expropriação, exceto a que ocorreu ao abrigo do Decreto-Lei n.º 407-A/75, de 30 de julho[7].

Em primeiro lugar, os artigos 23.º e seguintes da Lei n.º 77/77, de 29 de setembro, utilizam sempre e só o conceito de “expropriação”, tal como acontece, aliás, com os artigos 11.º e seguintes da Lei n.º 109/88, de 26 de setembro, que lhe sucedeu.

Mais: os artigos 43.º e 25.º destes diplomas, respetivamente, remetiam para o Código das Expropriações (adiante designado abreviadamente “CE”) em tudo o que não estivesse especificamente regulado naquela lei. À data, vigorava o CE aprovado pelo Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de dezembro, ao qual sucederem dois CE, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de novembro, e pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro[8]. Contudo, a remissão tem de ser entendida como uma “remissão móvel” e não uma “remissão fixa”, pelo que deve ser preenchida em cada momento à luz da legislação em vigor[9].

Em segundo lugar, apesar de haver várias especificidades, o procedimento a que está sujeita a apropriação pública dos terrenos agrícolas está mais próximo da expropriação, pressupondo uma declaração de utilidade pública (artigo 27.º da Lei n.º 109/88, de 26 de setembro) e existindo direito de reversão (artigo 30.º da Lei n.º 109/88, de 26 de setembro, e artigo 44.º da Lei n.º 86/95, de 1 de setembro).

Isto significa que não existe um princípio da irreversibilidade das expropriações realizadas no âmbito da reforma agrária[10].

Em terceiro lugar, a própria legislação distinguiu a expropriação que incidiu sobre prédios rústicos situados na zona de intervenção da reforma agrária – e relativamente aos quais Lei n.º 77/77, de 29 de setembro, veio esclarecer qual o regime aplicável – da nacionalização que ocorreu ao abrigo do Decreto-Lei n.º 407-A/75, de 30 de julho, apenas para os prédios que possuíssem as características específicas referidas naquele diploma legal

A diferença de regimes encontra-se, segundo AFONSO DE BARROS, na “circunstância de as terras nacionalizadas revestirem maior importância económica e beneficiarem de vultosos investimentos públicos em obras de aproveitamentos hidroagrícolas realizadas pelo Estado”[11].

5.1. Além do exposto, a apropriação pública dos terrenos no âmbito da reforma agrária reconduz-se ao instituto da expropriação, enquanto categoria geral, para efeitos tanto do disposto no artigo 62.º, n.º 2, da CRP, como da aplicação supletiva do regime do CE, pelas razões que se referem de seguida.

De facto, quer da Constituição, quer da legislação ordinária decorre que a expropriação é um instituto único[12], que se reconduz a um conjunto de aspetos constitutivos constantes[13]:

(i) Traduz-se na ablação da propriedade de imóveis ou direitos a eles inerentes mediante um ato público de autoridade;
(ii) Pressupõe a existência de norma habilitante prévia;
(iv) Por razões de utilidade pública;
(v) Mediante o pagamento de uma indemnização.

Independentemente do conceito de expropriação que se adote, este comporta sempre uma dimensão estrutural – poder funcional que impõe sacrifícios aos expropriados -, uma dimensão procedimental – mediante uma sequência de atos e formalidades tendentes à prática do ato final -, e uma dimensão teleológica – o fim de interesse público[14].

Todos estes elementos se verificam nas expropriações ocorridas por ocasião da reforma agrária, confirmando o entendimento segundo o qual estas são verdadeiras e próprias expropriações, ainda que sujeitas a um regime especial relativamente ao regime geral das expropriações[15].

Esta conclusão não afasta a autonomia que as expropriações ocorridas no âmbito da reforma agrária têm face às expropriações em geral, designadamente, no que se refere ao pagamento das indemnizações, à fixação dos respetivos montantes e ao direito de reversão

Assim, para que se aplique supletivamente o regime geral das expropriações é preciso determinar, previamente, se existe ou não uma verdadeira lacuna, visto que se pode estar, pelo contrário, perante uma omissão intencional do legislador, o que impede o intérprete de aplicar por remissão uma outra solução legal[16].

5.2. No que respeita aos efeitos jurídicos da expropriação, não há dúvida que o principal efeito consiste na constituição de um direito real sobre um imóvel em favor do expropriante, retirando-o do património do expropriado.

A doutrina não é unânime quanto à questão de saber se ocorre uma transmissão do direito de propriedade[17], ou, pelo contrário, a extinção desse direito na esfera jurídica dos anteriores proprietários e a sua constituição na esfera jurídica do expropriante[18].

No Parecer n.º 106/80, deste Conselho Consultivo adota-se a segunda posição, entendendo-se que[19]:

“Por força do ato de direito público de expropriação, extingue-se o direito de propriedade do titular da coisa expropriada – que o vê substituído por um direito de crédito, o de recebimento da correspondente indemnização – e nasce um novo direito de propriedade sobre a mesma coisa radicado no expropriante.”

E mais adiante:

“Por isso mesmo se tem entendido que a expropriação, do ponto de vista do expropriante, é uma forma de aquisição originária – e não derivada – do direito de propriedade.”

É um problema jurídico complexo, que se afigura, contudo, despiciendo no quadro de análise das questões que são objeto do presente parecer, na medida em que, seja qual for a posição adotada, a propriedade do bem fica, por efeito da expropriação, na esfera jurídica da entidade expropriante, quer tal ocorra de forma originária, quer de forma derivada.

No CE atualmente em vigor, aprovado pela Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, já citada, o direito de propriedade do bem constitui-se na esfera jurídica da entidade expropriante com a formalização do acordo, através de escritura ou auto (artigo 36.º), ou, na falta de acordo, com a adjudicação judicial do bem à entidade expropriante (artigos 38.º e seguintes)[20].

O processo de atribuição das indemnizações pelas expropriações realizadas no âmbito da reforma agrária está regulado em diploma especial, concretamente, na Lei n.º 80/77, de 26 de outubro[21], que estabelece, entre outros aspetos, que “[A] atribuição das indemnizações a que se refere a presente lei processar-se-á em duas fases, uma provisória, outra definitiva” (artigo 2.º) – distinção que não está prevista no CE.

Perante isto, cumpre analisar se o pagamento da indemnização definitiva opera a aquisição, também definitiva, da propriedade dos terrenos por parte do Estado.

O processo de regularização dos processos expropriatórios ocorridos no âmbito da reforma agrária, que a Lei n.º 80/77, de 26 de outubro, veio iniciar, terminou apenas com a aprovação do Decreto-Lei n.º 199/88, de 31 de maio, ao abrigo do artigo 37.º daquela lei, cujo objetivo é, de acordo com o respetivo preâmbulo, proceder à “resolução definitiva do problema das indemnizações devidas pelas nacionalizações e expropriações que se seguiram a 11 de março de 1975”.

O artigo 2.º, n.º 1[22], deste diploma determina que “serão objeto imediato de indemnização definitiva”, entre outros, “[O]s prédios rústicos objeto de expropriação ou nacionalização ao abrigo da legislação sobre reforma agrária…” (alínea a).

Por sua vez, o artigo 3.º, n.º 1, esclarece que as indemnizações definitivas calculadas nos termos do diploma visam compensar, entre outras, “[A] perda do direito de propriedade, perfeita ou imperfeita, sobre os bens indicados no artigo 2.º, n.º 1”.

O procedimento com vista à determinação do valor das indemnizações e respetivo pagamento está previsto no artigo 8.º, que se transcreve de seguida:
“Artigo 8.º
1 - A indemnização definitiva devida pelas nacionalizações ou expropriações ao abrigo da legislação sobre reforma agrária será determinada a pedido dos indemnizandos.
2 - Podem requerer a determinação da indemnização definitiva os titulares de bens ou direitos nacionalizados ou expropriados ao abrigo da legislação sobre reforma agrária ou os seus herdeiros ou legatários que declarem não ser titulares ao abrigo da legislação em vigor de direito à atribuição de reservas, ainda por exercer total ou parcialmente, devendo os respetivos pedidos dar entrada no Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, no prazo de 90 dias a partir da publicação deste diploma, ou até 30 dias após a entrega da reserva ou publicação da portaria de reversão, caso estes atos ocorram em momento posterior[23].
3 - O pedido de determinação de indemnização definitiva pode ser apresentado, mesmo que ainda não haja sido fixada a indemnização provisória correspondente, e envolve a renúncia ao pedido da indemnização provisória anteriormente formulado e que não haja sido satisfeito.
4 - A partir da data da entrada em vigor do presente diploma deixarão de ser aceites novos pedidos de fixação de indemnização provisória e deverão ser arquivados os processos pendentes, a menos que os requerentes solicitem expressamente a fixação da indemnização provisória no prazo de três meses.
5 - A determinação das indemnizações definitivas a que se refere o presente diploma será efetuada por comissões tripartidas constituídas por um representante do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, um representante do Ministério das Finanças e um representante do indemnizando, as quais proporão ao Governo a fixação, por despacho conjunto do Ministro das Finanças e do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação, da indemnização definitiva em cada caso.
6 - O pedido de determinação da indemnização definitiva será dirigido ao Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação, e nele o requerente solicitará desde logo a constituição da comissão a que se refere o número anterior, indicando o seu representante.
7 - O Ministro das Finanças e o Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação regulamentarão, por despacho conjunto, os prazos, condições e normas de funcionamento das comissões tripartidas referidas nos números anteriores, as quais serão constituídas tendo em atenção a necessidade de uniformizar os critérios seguidos para cada distrito.
8 - Às comissões e respetivos membros será assegurado o necessário apoio técnico e a adequada uniformização de critérios em termos a regulamentar no despacho referido no número anterior.”

Desta disposição resulta que a perda do direito de propriedade por parte dos expropriados, com consequente constituição do (outro) direito de propriedade na esfera jurídica do Estado se opera com a notificação ao expropriado do despacho a que se refere a parte final do n.º 5 do preceito acima citado, passando o terreno para o domínio privado do Estado[24].


§ 3. Da legitimidade dos ex-proprietários para requerer a reversão dos terrenos

6. A legitimidade dos ex-proprietários para requerer a reversão dos terrenos é, contudo, uma questão diferente, cuja solução não é, aliás, prejudicada pela conclusão a que se chegou supra.

Efetivamente, o facto de os expropriados já não serem proprietários dos terrenos – por isso mesmo, temos vindo a identificá-los como “ex-proprietários” ou “anteriores proprietários” - não significa que os mesmos não tenham legitimidade e interesse em solicitar à Administração a reversão desses terrenos.

É que, salvo o devido respeito, a perda do direito de propriedade sobre o bem expropriado não pode pôr em causa a existência do direito de reversão, que é uma decorrência da garantia constitucional do direito de propriedade privada constante do artigo 62.º da CRP[25] e uma consequência direta dos princípios gerais do Direito Administrativo[26].

Tão pouco se pode considerar que “a reversão no âmbito da reforma agrária tem como limite temporal o pagamento da indemnização definitiva pela perda do património expropriado ou nacionalizado”[27]. Isto equivaleria ao estabelecimento de um princípio da irreversibilidade daquelas expropriações, o que não é compatível nem com o direito fundamental de propriedade, nem com a circunstância de se tratarem de verdadeiras expropriações e não de nacionalizações[28].

Aliás, o Tribunal Constitucional já foi chamado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade da previsão do direito de reversão no artigo 30.º da Lei n.º 109/88, de 26 de setembro (relativo, exatamente, às expropriações no âmbito da reforma agrária) e concluiu pela sua não inconstitucionalidade, embora sem tomar posição quanto à questão de saber se a reversão opera uma modificação do direito de propriedade ou apenas uma “alteração da entidade que passa a deter direitos de exploração sobre o fundo”[29].

Em qualquer caso, a apreciação do Tribunal Constitucional pressupõe que, nas expropriações realizadas no âmbito da reforma agrária (tal como nas outras) a transmissão da propriedade – com o pagamento da indemnização definitiva – não torna inviável o exercício do direito de reversão.

Aliás, o próprio conceito de reversão pressupõe que esteja em causa o “retorno” à esfera jurídica de um sujeito de um direito sobre um bem que esse sujeito antes possuía e perdeu[30]. Nestes termos, a perda do direito é mesmo um prossuposto da reversão.

Por isso, do ponto de vista conceptual, o direito de reversão tem sido configurado ou como um “direito legal de compra”, enquanto direito potestativo do expropriado, ou como uma condição resolutiva[31]. Em qualquer dos casos, pressupõe claramente a perda da propriedade por parte do expropriado.

É verdade que o artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 199/88, de 31 de maio, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 38/95, de 14 de fevereiro, determina que a indemnização global devida à pessoa cujos bens ou direitos foram objeto de expropriação ou de nacionalização resultará da adição das indemnizações definitivas parcelares que lhe sejam devidas, devendo ser deduzidos a esse valor, entre outros “[O] valor dos bens e direitos atribuídos como reserva ou reversão e do capital de exploração devolvido ou pago em numerário”, o que significa, aparentemente, que a reversão é prévia ao pagamento da indemnização definitiva.

Este argumento não se afigura, contudo, determinante, por duas razões.

Em primeiro lugar, pela circunstância de o direito de reversão ser uma imposição constitucional, como decorrência do direito de propriedade, razão pela qual não se encontra na disponibilidade do legislador ordinário, nem o seu exercício é renunciável “a priori”.

Em segundo lugar, porque a Lei n.º 86/95, de 1 de setembro, é posterior ao Decreto-Lei n.º 38/95, de 14 de fevereiro, que procedeu à última alteração à Lei n.º 199/88, de 31 de maio, e mantém o direito de reversão dos terrenos expropriados no âmbito da reforma agrária, ainda que em moldes diferentes dos que resultavam da Lei n.º 109/88, de 26 de setembro.

Assim, a conjugação das normas sobre reversão e sobre a indemnização definitiva deve ser efetuada do seguinte modo: se os ex-proprietários requererem e obtiverem a reversão do terreno já depois de terem recebido a indemnização definitiva respeitante a esse terreno, têm que devolver essa quantia ao Estado.

Essa obrigação de restituição da indemnização paga pela entidade expropriante é, aliás, parte integrante do próprio conceito de reversão, definido por OSVALDO GOMES como “o poder legalmente conferido ao expropriado de readquirir o bem objeto de expropriação, em regra mediante a restituição ao beneficiário da expropriação ou à entidade expropriante da indemnização que lhe foi atribuída ou outro valor, quando o bem não tenha sido aplicado aos fins indicados no ato de declaração de utilidade pública ou essa aplicação tenha cessado”[32].

Isso mesmo resulta, atualmente, dos artigos 74.º e seguintes do CE, em especial do artigo 79.º, que determina que, em caso de reversão, a adjudicação do bem ao expropriado só ocorre depois de depositado o montante a que haja lugar por restituição da indemnização recebida[33].

6.1. A existência do direito de reversão nas expropriações em análise no presente parecer é corroborada pela legislação aplicável.

De facto, o artigo 30.º da Lei n.º 109/88, de 26 de setembro, previa o direito de reversão[34] e a Lei n.º 86/95, de 1 de setembro, atualmente em vigor, contém também uma norma a prever esse direito, embora com pressupostos parcialmente diferentes dos consagrados na Lei n.º 109/88.

Trata-se da norma constante do artigo 44.º, que a seguir se transcreve:
“Artigo 44.º
Áreas expropriadas e nacionalizadas
1 - As áreas expropriadas e nacionalizadas ao abrigo das leis que regularam o redimensionamento das unidades de exploração, efetuadas na zona de intervenção da reforma agrária, poderão ser revertidas, através de portaria conjunta do Primeiro-Ministro e do Ministro da Agricultura, desde que se comprove que regressaram à posse dos anteriores titulares ou à dos respetivos herdeiros.
2 - A reversão poderá ainda ter lugar nos casos em que as áreas referidas no número anterior se encontrem a ser exploradas por rendeiros e estes declarem não querer exercer o direito que lhes é conferido pelo Decreto-Lei n.° 341/91, de 19 de setembro, devendo contudo os seus direitos como arrendatários ficar expressamente salvaguardados.”

Apesar de esta norma ser posterior às expropriações cuja análise é objeto do presente parecer, o preceito aplica-se às mesmas, atendendo à regra de aplicação da lei no tempo consagrada no artigo 12.º, n.º 2, do CC, segundo a qual a lei nova que incida diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas duradouras, aplica-se-lhes, mesmo que os factos que as tenham originado sejam anteriores. A teoria da aplicação da lei no tempo pressupõe a distinção entre a constituição e o conteúdo das situações jurídicas, sendo que à primeira se aplica a lei vigente no momento, enquanto que ao conteúdo e efeitos se aplica a lei nova[35].

Ora, como é unanimemente entendido pela doutrina, a solução do artigo 12.º, n.º 2, do CC tem plena aplicação às leis sobre a reforma agrária[36].

A norma do artigo 44.º da Lei n.º 86/95, de 1 de setembro, afasta a aplicação do artigo 5.º do CE, pelo que os únicos pressupostos que permitem aos ex-proprietários solicitar a reversão dos terrenos que foram objeto de expropriação no âmbito da reforma agrária são os que constam do preceito da Lei n.º 86/95 e não do CE.

Na comparação entre as duas normas não pode deixar se se concluir que o artigo 44.º da Lei n.º 86/95 é mais exigente do que o artigo 5.º do CE, designadamente quando exige que os antigos proprietários estejam na posse – e não na titularidade do direito de propriedade – do terreno ou se, estando os terrenos na posse de rendeiros, “estes não queiram exercer o direito de adquirir a terra que lhes é conferido pelo Decreto-Lei n.° 341/91, de 19 de Setembro”[37].

Isto significa, designadamente, que o facto de o terreno ser utilizado para fim diverso do que justificou a expropriação não é causa de reversão do mesmo, ao contrário do que resulta do artigo 5.º, n.º 1, do CE.

Trata-se de uma diferença constitucionalmente admissível, à luz da natureza especial das expropriações ocorridas na reforma agrária, como referimos supra.

Saliente-se, aliás, que o Tribunal Constitucional já se debruçou sobre esta questão, no Acórdão n.º 332/02[38], para apurar “se é contrário à Lei Fundamental o estabelecimento da condição sem a qual se não pode operar o denominado «direito de reversão», cuja é, como se viu, a da necessidade de os prédios rústicos expropriados (ou de parte deles) terem (antes de 1 de janeiro de 1990) regressado à posse material e exploração de facto dos anteriores titulares ou às dos respetivos herdeiros”, tendo considerado que esta exigência não era inconstitucional, em virtude dos objetivos de política agrícola impostos pela Constituição nos seus artigos 93.º, n.º 1, alínea b) e 94.º, n.º 2.

O Tribunal considerou que “estabelece a Lei Fundamental que são objetivos da política agrícola, entre outros, o acesso à propriedade ou à posse da terra e demais meios de produção diretamente utilizados na sua exploração por parte daqueles que a trabalham, e que as terras expropriadas serão entregues a título de propriedade ou de posse, nos termos da lei, a pequenos agricultores [cfr., na atual versão da Constituição, os seus artigos 93º, nº 1, alínea b), e 94º, nº 2]” (itálico no original).

E, mais adiante: “perante estes parâmetros, é de aceitar que os reforço e aperfeiçoamento da ligação do homem com a terra, consignados como objetivo da política agrícola, cabiam e cabem na previsão dos objetivos constitucionais de transformação das estruturas e da transferência progressiva da posse útil, e daí que a norma em crise, analisada à luz destes objetivos de política agrícola, não se mostre como desconforme com o Diploma Básico ao estabelecer que a reversão só possa operar favoravelmente para o anterior proprietário (ou para os seus herdeiros) desde que a terra tenha regressado à sua posse material e exploração de facto.”

6.2. Cumpre, no entanto, distinguir a verificação ou não dos pressupostos que estão na base da atribuição do direito de reversão, e que cumpre à entidade administrativa competente apreciar, com a legitimidade para requerer a reversão.

De facto, tendo concluído que a perda do direito de propriedade não afasta a possibilidade de reversão dos terrenos, os ex-proprietários têm sempre um interesse direto, pessoal e legítimo em requerer essa mesma reversão, independentemente de conseguirem ou não demonstrar a verificação dos pressupostos de que depende a atribuição da mesma.

Por outras palavras: não se pode confundir um pressuposto procedimental – a legitimidade para iniciar um procedimento administrativo prevista no artigo 53.º, n.º 1, do CPA[39] – com os pressupostos materiais de que depende o deferimento do pedido formulado no âmbito desse procedimento.

Por isso, mesmo que os ex-proprietários não estejam na posse dos terrenos, isso não afasta a legitimidade para requerer a reversão, embora ponha em causa, obviamente, o sucesso do pedido formulado.


IV. Da caducidade dos contratos de arrendamento rural celebrados entre o Estado e os rendeiros ao abrigo do Decreto-Lei n.º 111/78, de 27 de maio

§ 1. Colocação do problema

7. A caducidade dos contratos de arrendamento rural que foram celebrados entre o Estado e os rendeiros e cujo objeto são os terrenos expropriados no âmbito da reforma agrária é o fundamento do pedido de reversão formulado pelos ex-proprietários desses terrenos.

Para tanto, invocam as disposições conjugadas do artigo 1025.º do CC e do artigo 17.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril.

Cumpre, assim, analisar o regime jurídico aplicável a esses contratos de arrendamento, tendo em conta, designadamente, a sucessão de diplomas no tempo, sempre à luz da já mencionada norma do artigo 12.º, n.º 2, do CC.


§ 2. Enquadramento jurídico dos contratos de arrendamento rural e sua alegada caducidade

8. Estes contratos de arrendamento rural foram celebrados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 111/78, de 27 de maio[40], que aprovou a “regulamentação da entrega de terras expropriadas ou nacionalizadas”.

De acordo com este diploma a entrega dos terrenos expropriados (ou nacionalizados) no âmbito da reforma agrária podia ocorrer através de um de cinco tipos de títulos jurídicos: concessão de exploração; licença de uso privativo; arrendamento rural; exploração de campanha; contrato associativo e comodato (artigo 1.º).

A Secção IV do diploma, relativa ao arrendamento rural, determinava o seguinte:
“Art. 33.º Os contratos de arrendamento rural relativos a prédios expropriados ou nacionalizados regular-se-ão pela lei do arrendamento rural e pelo estabelecido nos artigos seguintes.
Art. 34.º Para o efeito do disposto no presente diploma, todas as funções atribuídas pela lei do arrendamento rural às comissões concelhias serão desempenhadas pelas direções regionais de agricultura e pelo Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária.
Art. 35.º Os contratos de arrendamento rural serão celebrados pelo prazo de seis anos, entendendo-se o contrato renovado por períodos sucessivos de três anos, enquanto o mesmo não for denunciado.
Art. 36.º A renda será estipulada em dinheiro e automaticamente atualizada no fim de cada período contratual, de acordo com os valores fixados na portaria a que se refere o artigo 17.º que então estiverem em vigor.”

Nada dizia, portanto, quanto à caducidade dos contratos, apenas se estipulando que o prazo inicial era de seis anos, renováveis – aparentemente sem limite temporal – por períodos sucessivos de três anos.


8.1. O Decreto-Lei n.º 111/78, de 27 de maio, foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 63/89, de 24 de fevereiro.

Apesar de essa revogação não ser expressa, o Decreto-Lei n.º 63/89, de 24 de fevereiro, veio aprovar um “novo regime jurídico de entrega para exploração de prédios expropriados ou nacionalizados”, regulamentando o artigo 47.º da Lei n.º 109/88, de 26 de setembro, entretanto publicada.

Não pode deixar de se entender que se trata de uma revogação tácita de um regime jurídico, por substituição global, nos termos previstos na parte final do n.º 3 do artigo 7.º do CC, na medida em que uma nova lei regula toda a matéria de uma lei anterior[41].

Nos termos do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 63/89, de 24 de fevereiro, desaparece a referência à exploração de campanha; ao contrato associativo e ao comodato como títulos jurídicos através dos quais se entregam as terras para exploração, mas o arrendamento rural mantém-se, sendo aplicável a lei do arrendamento rural, incluindo quanto aos respetivos prazos (artigo 30.º).

8.2. Contudo, a Lei n.º 63/89, de 24 de fevereiro, foi, ela própria, revogada pelo Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril[42], que foi expressamente mantido em vigor pela Lei n.º 86/95, de 1 de setembro.

De acordo com as regras sobre sucessão de leis no tempo, designadamente, o artigo 12.º, n.º 2, do CC é com base na lei atualmente em vigor – o Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril, - que o regime da caducidade dos contratos de arrendamento rural deve ser apreciado.

Este diploma designa o arrendamento rural como o tipo de contrato que deve ser utilizado, preferencialmente, para a entrega para exploração dos prédios expropriados, nos termos do artigo 8.º, n.ºs 1 e 2, determinando que a esses contratos se aplica o Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de outubro, que aprovou a lei do arrendamento rural vigente à data, em tudo o que não seja contrário ao próprio Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril (artigo 13.º).

Por outro lado, o Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril, nada estabelece nem quanto ao prazo de duração dos contratos de arrendamento rural, nem quanto à respetiva caducidade.

Efetivamente, é de salientar que o artigo 17.º daquela lei, invocado pelos ex-proprietários como fundamento da caducidade dos contratos de arrendamento rural, só se aplica às concessões de exploração e não aos arrendamentos (o n.º 3 daquele preceito determina que “[A] concessão de exploração de prédios expropriados ou nacionalizados não poderá vigorar por prazo superior ao disposto no artigo 1025.º do Código Civil”.

Sendo assim, como o Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril, é omisso quanto ao prazo e caducidade dos contratos de arrendamento rural, remetendo para o regime geral do arrendamento rural, cumpre fazer um breve excurso sobre o mesmo.

8.3. A primeira lei do arrendamento rural posterior à Constituição de 1976 foi a Lei n.º 76/77, de 29 de setembro (alterada pela Lei n.º 76/79, de 3 de dezembro), que quanto ao prazo de duração dos contratos dispunha:
“Artigo 5.º
1. Salvo nos casos especiais previstos neste diploma, os arrendamentos rurais não podem ser celebrados por prazo inferior a seis anos, valendo este se houver sido estipulado prazo mais curto.
2. Findo o prazo estabelecido no número anterior, ou o convencionado, se for superior, entende-se renovado o contrato por períodos sucessivos de três anos, enquanto o mesmo não for denunciado nos termos da presente lei.
3. O senhorio não pode opor-se à primeira renovação.”

E, a propósito da caducidade, estipulava o seguinte:
“Artigo 22.º
1. O arrendamento rural não caduca por morte do senhorio, pela transmissão do prédio ou quando cesse o direito ou findem os poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado.
2. O arrendamento rural também não caduca por morte do arrendatário e transmite-se ao cônjuge sobrevivo, desde que não divorciado ou separado de pessoas e bens ou de facto, e parentes ou afins até ao 4.º grau e que com o mesmo vivam habitualmente em comunhão de mesa e habitação ou em economia comum.
3. A transmissão a que se refere o número anterior defere-se pela ordem seguinte:
a) Ao cônjuge sobrevivo;
b) Aos parentes ou afins de linha reta, preferindo os primeiros aos segundos, os descendentes aos ascendentes e os de grau mais próximo aos de grau mais afastado;
c) Aos parentes ou afins do 2.º grau da linha colateral, preferindo os primeiros aos segundos;
d) Aos restantes parentes e afins, preferindo os primeiros aos segundos e os de grau mais próximo aos de grau mais afastado.
4. A transmissão a favor dos parentes ou afins, dentro dos limites e segundo a ordem constante dos números anteriores, também se verifica por morte do cônjuge sobrevivo quando, nos termos deste artigo, lhe tenha sido transmitido o direito ao arrendamento.
5. O arrendamento, todavia, caducará quando o direito à transmissão conferido neste artigo não for exercido nos três meses seguintes à morte do arrendatário ou do cônjuge, mediante comunicação escrita ao senhorio, mas a restituição do prédio a este não terá lugar antes do fim do respetivo ano agrícola.”


Por sua vez, a Lei n.º 76/77, de 29 de setembro, foi revogada pelo Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de outubro (alterado pelo Decreto-Lei n.º 524/99, de 10 de fevereiro) – exatamente aquele que aprovou a lei do arrendamento rural em vigor à data da aprovação do Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril, e para o qual esta expressamente remete.

O Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de outubro, aplica-se aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor, nos termos do seu artigo 36.º, n.º 1, e determina, quanto ao prazo de duração dos arrendamentos:
“Artigo 5.º
Prazos de arrendamento
1 - Os arrendamentos rurais não podem ser celebrados por prazo inferior a dez anos, a contar da data em que tiverem início, valendo aquele se houver sido estipulado prazo mais curto.
2 - Nos arrendamentos ao agricultor autónomo o prazo referido no número anterior é de sete anos.
3 - Findos os prazos estabelecidos nos números anteriores, ou o convencionado, se for superior, entende-se renovado o contrato por períodos sucessivos de três anos ou de um ano, no caso de agricultor autónomo, enquanto o mesmo não for denunciado nos termos da presente lei.”




E quanto à caducidade do contrato:
“Artigo 22.º
Caducidade do contrato
1 - O arrendamento não caduca por morte do senhorio nem pela transmissão do prédio.
2 - Quando cesse o direito ou findem os poderes de administração com base nos quais o contrato for celebrado, observar-se-á o disposto no n.º 2 do artigo 1051.º do Código Civil.”

Nos termos das disposições acima referidas, o contrato de arrendamento rural não caduca nos termos do artigo 1025.º do CC, ao contrário do que pretendem os anteriores proprietários dos terrenos expropriados, por três razões que resultam diretamente da lei:

(i) O Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril, só prevê a caducidade nos termos do artigo 1025.º do CC para os contratos de concessão de exploração e não para os contratos de arrendamento (artigo 17.º, n.º 2);
(ii) O mesmo diploma legal nada dispõe quanto à caducidade dos contratos de arrendamento rural, nem quanto ao respetivo prazo de duração, limitando-se a remeter para o Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de outubro;
(iii) Por sua vez, este último diploma não estabelece nenhum prazo máximo de duração dos contratos, nem remete, ele próprio, para o artigo 1025.º do CC (artigos 5.º e 22.º).

8.4. Cumpre, ainda assim, analisar se a remissão operada pelo Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril, para o Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de outubro, deve ter-se como efetuada para a lei do arrendamento rural atualmente em vigor, uma vez que foi, entretanto, aprovado o Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de outubro, que revogou o diploma de 1988.

Apesar de o artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril, remeter expressamente para o Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de outubro, essa remissão deve considerar-se feita para a “lei geral do arrendamento rural” que esteja em vigor à data, na linha do que se defendeu supra quanto à remissão operada pelas leis da reforma agrária para o CE (remissão móvel e não fixa).

No entanto, a remissão é de afastar quando da aplicação da lei geral resultar uma solução contrária ao disposto na legislação especial, como, aliás, resulta expressamente do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril.

Por sua vez, o artigo 39.º, n.º 2, alínea a) do Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de outubro, estabelece que “[O] novo regime apenas se aplica aos contratos existentes a partir do fim do prazo do contrato, ou da sua renovação, em curso”, pelo que, aparentemente, a resposta à questão colocada supra não pode deixar de ser positiva.

Assim, deve concluir-se que o Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de outubro, se aplica aos contratos de arrendamento rural celebrados no âmbito da reforma agrária, desde que se verifiquem as condições referidas no artigo 39.º, n.º 2, alínea a) daquele diploma, e apenas se não contrariar o disposto no Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril.

Ora, em matéria de caducidade dos contratos, o Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de outubro, estipula o seguinte:
“Artigo 18.º
Cessação por caducidade
1 — O contrato de arrendamento caduca quando:
a) Findo o prazo estipulado, não haja lugar a renovação, de acordo com o estabelecido no presente decreto-lei;
b) Cesse o direito ou findem os poderes legais de administração com base nos quais o contrato tenha sido celebrado, sem prejuízo do disposto no artigo 1052.º do Código Civil;
c) Ocorra expropriação, exceto se a expropriação for compatível com a subsistência do contrato.
2 — A expropriação da totalidade do prédio arrendado importa a caducidade do contrato de arrendamento rural.
3 — Caso a expropriação seja total, o arrendamento é considerado como encargo autónomo para efeitos de indemnização do arrendatário pelo expropriante.
4 — No cálculo da indemnização referida no número anterior, além dos valores dos frutos pendentes ou das colheitas inutilizadas, atende-se ainda ao valor dos capitais investidos e demais prejuízos emergentes da cessação do arrendamento, calculados nos termos gerais de direito.
5 — Caso a expropriação seja parcial, o arrendatário, sem prejuízo do disposto no número anterior relativamente à parte expropriada, pode optar pela resolução do contrato ou pela redução proporcional da renda.”

Para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º, o prazo de duração dos contratos de arrendamento agrícola é o que resulta do artigo 9.º do mesmo diploma, cujos n.ºs 1, 2 e 3 se transcrevem:
“Artigo 9.º
Prazo do arrendamento
1 — Os contratos relativos a arrendamentos agrícolas são celebrados por um prazo mínimo de sete anos.
2 — Quando, nos contratos referidos no número anterior, não tenha sido fixado prazo ou o prazo fixado seja inferior a sete anos, considera-se que os mesmos são celebrados de acordo com o disposto no número anterior.
3 — Os arrendamentos agrícolas são renováveis automaticamente por sucessivos períodos de, pelo menos, sete anos, enquanto o mesmo não seja denunciado nos termos do presente decreto-lei.”

Do exposto retira-se que os contratos de arrendamento rural para fins agrícolas têm um prazo de duração mínimo de sete anos, podendo ser renovados automaticamente, por iguais períodos, sem limite máximo.

No entanto, resta ainda verificar se da aplicação do CC, para o qual o artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de outubro, remete enquanto Direito subsidiário, resulta uma solução diferente daquela.

O artigo 42.º, n.º 1, estabelece que “[N]os casos omissos, desde que não contrariem os princípios do presente decreto-lei, aplicam-se, sucessivamente, as regras respeitantes ao contrato de locação e as regras dos contratos em geral, previstas no Código Civil.”

O contrato de locação está regulado nos artigos 1022.º a 1120.º do CC, assumindo relevância para a questão sub judice os seguintes preceitos:

(i) O artigo 1025.º, que determina uma duração máxima de trinta anos[43];
(ii) O artigo 1051.º, que estabelece os casos de caducidade dos contratos de locação[44].

Mas nenhuma destas disposições se pode aplicar aos contratos de arrendamento rural previstos no Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril.

Em primeiro lugar, porque nem a matéria da duração do contrato, nem da sua caducidade estão omissas no Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de outubro – pelo contrário, constam, respetivamente, dos artigos 9.º e 18.º deste diploma -, pelo que não há fundamento, à luz do disposto no n.º 1 do artigo 42.º, para aplicar subsidiariamente o CC.

De facto, se o legislador quisesse impor um limite máximo de duração dos contratos de arrendamento rural tê-lo-ia referido no artigo 9.º, da mesma forma que previu um limite mínimo para esse prazo.

Além disso, a eventual aplicação do CC aos contratos previstos no Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril, resultaria de uma dupla remissão[45]: desde diploma para o Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de outubro, e, consequentemente, de acordo com as regras de aplicação da lei no tempo, para o Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de outubro, e, por sua vez, deste diploma para o CC.

No fim deste longo percurso interpretativo, não se pode perder de vista que o mesmo se inicia no artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril, que só permite a aplicação do regime geral do arrendamento rural aos contratos cujo objeto são os terrenos expropriados no âmbito da reforma agrária na medida em que tal não contrarie o disposto na própria lei especial.

Ora, o Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril, apenas determina a aplicação da regra de caducidade prevista no artigo 1025.º do CC aos contratos de concessão de exploração, nos termos do seu artigo 17.º, e não a qualquer outro tipo de contrato utilizado para a entrega para exploração dos prédios expropriados.

Assim, sempre teria de se concluir que a aplicação desse preceito, que resultava de uma dupla remissão, iria contra o espírito do legislador, tanto mais que, à data em que foi aprovado o Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril, nem sequer estava em vigor o Decreto-Lei n.º 294/99, de 13 de outubro, mas sim o Decreto-Lei n.º 358/88, de 25 de outubro, que não operava uma remissão para o regime geral da locação consagrado no CC.

Aliás, como salienta BAPTISTA MACHADO, as remissões – sobretudo as remissões muito amplas, que determinam a aplicação subsidiária de todo um outro diploma – têm de ser aplicadas “com as devidas adaptações”. Tal acontece porque os casos regulados pelas normas chamadas por remissão não são casos iguais, mas sim análogos, “o que significa que nas hipóteses em que o legislador recorre a normas remissivas é ele próprio que se dá conta da existência da analogia.”

Este entendimento tem plena aplicabilidade ao caso sub judice, justificando o afastamento da regra constante do artigo 1025.º do CC quando estejam em causa contratos de arrendamento rural, até porque os próprios fins de exploração agrícola que estão subjacentes à celebração desses contratos exigem maior estabilidade e permanência.

Pode mesmo dizer-se que a aplicação do artigo 1025.º do CC àqueles contratos conflituaria com algumas disposições constitucionais relativas à política agrícola, designadamente, o artigo 97.º, n.º 1, que determina que “[O]s regimes de arrendamento e de outras formas de exploração de terra alheia serão regulados por lei de modo a garantir a estabilidade e os legítimos interesses do cultivador.”

8.5. Mas, mesmo que o artigo 1025.º do CC se considerasse aplicável aos contratos de arrendamento rural celebrados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril[46], a verdade é que a interpretação a dar àquele preceito está longe de ser linear.

Efetivamente, aquela disposição legal tem sido interpretada, em diversas decisões judiciais, como referindo-se ao prazo máximo de duração que as partes podem convencionar “ab initio” quando celebram o contrato, não proibindo, contudo, sucessivas renovações, mesmo que estas conduzam a uma duração superior a 30 anos[47].

No seu Acórdão de 9 de julho de 2003, o Supremo Tribunal de Justiça considerou que “deve entender-se que o mencionado preceito [o artigo 1025.º do CC] se refere aos prazos por que os contratos de arrendamento são celebrados e não aos prazos da sua duração, por motivo de sucessivas renovações, pois o citado artigo 1025.º, tal como resulta da sua epígrafe, estabelece apenas o prazo de duração máxima que as partes podem convencionar, o que não abrange as renovações impostas por lei, funcionando a favor do inquilino” – entendimento que foi confirmado, em sede de recurso de revista, pelo mesmo Tribunal, por Acórdão de 2 de março de 2004.

Esta interpretação foi também confirmada pelo Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 147/05[48], não considerando que aquele entendimento do STJ viole a tutela constitucional do direito de propriedade: “não tem fundamento a acusação de inconstitucionalidade. Para que pudesse proceder, seria necessário que a Constituição limitasse os poderes dos proprietários de bens imóveis de forma a impedi-los de os onerarem por tempo superior a 30 anos, pois só assim se chegaria à imposição constitucional da extinção automática, forçada, do arrendamento, vista pela recorrente no artigo 1025º do Código Civil.”

Da mesma forma, num Acórdão de 5 de dezembro de 2002[49], o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que “[O] artigo 1025.º do Código Civil proíbe que se celebrem contratos por período superior a 30 anos; uma tal norma respeita às condições em que o contrato se inicia, não ao regime da sua prorrogabilidade” e este entendimento foi, igualmente, confirmado pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão 148/05[50].

Apesar de a anotação não ser muito clara, este parece ser também o sentido que PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA atribuem à norma, ao salientarem que o inconveniente que o preceito visa evitar é que “se celebram arrendamentos por 500 e 100 anos”, dando a entender que o limite apenas se aplica ao prazo fixado para a duração do contrato aquando da sua celebração. E, a propósito da redução automática que o artigo 1025.º opera, os Autores aplicam-na aos “contratos celebrados por mais de 30 anos”[51].

Neste mesmo sentido se pronunciaram ARAGÃO SEIA, MANUEL DA COSTA CALVÃO e CRISTINA ARAGÃO SEIA: “…o artigo 1025.º do CC, tal como resulta da sua epígrafe, estabelece apenas o prazo de duração máxima que as partes podem convencionar, o que não abrange as renovações impostas por lei, funcionando a favor do inquilino”[52].

Do exposto conclui-se que o artigo 1025.º do CC apenas proíbe que, aquando da celebração de um contrato de locação, este tenha uma duração superior a 30 anos, sendo automaticamente reduzida para este prazo quando as partes fixarem uma duração superior.

No entanto, aquele preceito não impede que um contrato venha a ter uma duração superior em virtude de sucessivas renovações, se assim for a vontade das partes, e desde que não sobrevenham outras causas de caducidade do contrato.


§ 3. Da não verificação dos pressupostos do direito de reversão em favor dos ex-proprietários dos terrenos arrendados

9. Cumpre analisar, finalmente, se assiste aos ex-proprietários o direito à reversão dos terrenos expropriados no âmbito da reforma agrária que estão, neste momento, a ser explorados através dos contratos de arrendamento rural celebrados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril.

Esta apreciação parte de dois pressupostos, que se consideram suficientemente fundamentados na argumentação expendida supra no ponto III§3:

1.º) A norma do artigo 44.º da Lei n.º 86/95, de 1 de setembro, consubstancia um regime autónomo, diverso daquele que está consagrado no artigo 5.º do CE, pelo que os únicos pressupostos que permitem aos ex-proprietários solicitar a reversão dos terrenos que foram objeto de expropriação no âmbito da reforma agrária são os que constam do preceito da Lei n.º 86/95 e não do CE;
2.º) Os contratos de arrendamento rural celebrados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril, não caducam ao fim de 30 anos por aplicação do artigo 1025.º do CC.

Aliás, mesmo que se tivesse verificado a caducidade daqueles contratos, a reversão não seria automática, sendo sempre necessário o preenchimento dos requisitos do 44.º Lei n.º 86/95, de 1 de setembro, já transcrito no presente parecer, além de haver uma decisão discricionária da Administração, em termos que serão objeto de análise, ainda que sucinta.

Por outro lado, o Tribunal Constitucional entendeu que aqueles requisitos, apesar de diferentes dos que resultam do artigo 5.º do CE, não são inconstitucionais, à luz da natureza especial das expropriações ocorridas na reforma agrária: “perante estes parâmetros [dos artigos 93.º e 94.º da CRP], é de aceitar que os reforço e aperfeiçoamento da ligação do homem com a terra, consignados como objetivo da política agrícola, cabiam e cabem na previsão dos objetivos constitucionais de transformação das estruturas e da transferência progressiva da posse útil, e daí que a norma em crise, analisada à luz destes objetivos de política agrícola, não se mostre como desconforme com o Diploma Básico ao estabelecer que a reversão só possa operar favoravelmente para o anterior proprietário (ou para os seus herdeiros) desde que a terra tenha regressado à sua posse material e exploração de facto”[53].

9.1. Do artigo 44.º da Lei n.º 86/95, de 1 de setembro, resulta que os terrenos expropriados no âmbito da reforma agrária são revertidos por portaria conjunta do Primeiro-Ministro e do Ministro da Agricultura, desde que verificados os seguintes fundamentos:

(i) Os anteriores proprietários ou respetivos herdeiros tenham regressado, comprovadamente, à posse dos terrenos (n.º 1);
(ii) Independentemente disso, mesmo que os terrenos estejam a ser explorados por rendeiros, se estes declararem não querer exercer o direito que lhes é conferido pelo Decreto-Lei n.° 349/91, de 19 de setembro[54], devendo contudo os seus direitos como arrendatários ficar expressamente salvaguardados (n.º 2).

Quanto ao primeiro aspeto, pode entender-se que “[O] conteúdo substancial do conceito de “posse material” é grosso modo constituído pelo elemento “corpus possessório”, seja o exercício estável do complexo de poderes materiais de facto de detenção, guarda, conservação, uso e fruição do prédio rústico expropriado” (sublinhado no original), tal como resulta do Parecer do Conselho Consultivo n.º 27/91, já citado[55].

Por sua vez, o Supremo Tribunal Administrativo considerou, no seu Acórdão de 7 de dezembro de 1999[56], que não basta a posse jurídica, “exercida por intermediação de outrem”, mas é necessário a exploração de facto, “traduzindo que a detenção do prédio não deve ser inerte ou passiva, mas deve envolver uma atuação destinada a extrair as utilidades que ele, enquanto prédio rústico, possa proporcionar”.

No que respeita ao segundo fundamento, o Decreto-Lei n.° 349/91, de 19 de setembro, regula a outorga em propriedade a pequenos agricultores e cooperativistas de terras expropriadas no domínio da reforma agrária, e foi expressamente mantido em vigor pelo artigo 45.º da Lei n.º 86/95, de 1 de setembro.

Este diploma prevê a possibilidade de os agricultores que exploram as terras como rendeiros, ao abrigo dos títulos de entrega para exploração consagrados no Decreto-Lei n.º 111/78, de 27 de maio, adquirirem essas terras, mediante o pagamento de um preço fixado de acordo com o disposto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.° 349/91, de 19 de setembro.

Isto significa que poderá ainda haver direito de reversão se os rendeiros não pretenderem adquirir os terrenos, mas, nesse caso, os direitos daqueles têm de ser integralmente garantidos, pelo que a reaquisição do direito de propriedade por parte dos ex-proprietários fica, necessariamente, onerada com o arrendamento.

Se houver lugar à reversão, os expropriados têm de devolver ao Estado as indemnizações que receberam, nos termos e com os fundamentos analisados supra.

De facto, apesar de o regime da reversão constante do artigo 44.º da Lei n.º 86/95, de 1 de setembro, ser autónomo relativamente ao regime geral previsto no CE, a obrigação de o expropriado restituir a indemnização que já tiver recebido tem de se aplicar.

Em primeiro lugar, porque não o fazer traduzir-se-ia claramente numa violação do princípio da proibição de enriquecimentos injustos e subsumir-se-ia no instituto do enriquecimento sem causa[57].

Em segundo lugar, nesta matéria o regime da Lei n.º 86/95, de 1 de setembro, contém uma verdadeira omissão, que tem de ser colmatada com recurso ao CE[58], em especial, aos artigos 74.º e seguintes, relativos ao procedimento a adotar em caso de reversão, nele se incluindo o depósito dos montantes recebidos pelo expropriado a título de indemnização (artigo 79.º).

9.2. Além do mais, a reversão prevista no artigo 44.º da Lei n.º 86/95, de 1 de setembro, confere à Administração uma ampla margem de liberdade na decisão do pedido de reversão.

Esta margem de liberdade assume a forma de discricionariedade de decisão, entendida como o “poder de decisão sobre se determinados efeitos preditos mas não impostos pela norma serão ou não produzidos no caso concreto”[59], e resulta claramente da utilização da expressão “poderão ser revertidas” (n.º 1) e “poderá ainda ter lugar” (n.º 2).

Nesta linha, no Parecer n.º 98/2006, este Conselho salientou que[60]:

“A reversão não decorre, deste modo, de forma direta e automática da verificação dos pressupostos assumidos na lei, situação em que deixaria de se poder falar em poder discricionário, mas da ponderação de outros elementos que a Administração entenda como relevantes na fundamentação da sua decisão, ou seja fica reservada à Administração uma margem de liberdade de apreciação acerca da conveniência e oportunidade da mesma.

Os critérios de oportunidade decorrentes das políticas agrícolas definidas pelo Governo e do papel que no contexto das mesmas seja atribuído às terras expropriadas têm um papel de relevo na fundamentação desta decisão.

É em função desses critérios e da adequação da reversão na situação concreta à realização do fim definido que a Administração se orientará na formulação da sua decisão.”

Isto significa que, sem prejuízo de haver elementos vinculados no ato que defere ou indefere o pedido de reversão[61] - desde logo a não comprovação dos requisitos legais por parte dos requerentes comporta uma margem de certeza negativa, que impede o deferimento da sua pretensão -, a Administração beneficia de uma margem de liberdade não só na apreciação dos pressupostos constantes dos dois números do artigo 44.º da Lei n.º 86/95, de 1 de setembro, mas sobretudo na decisão de reverter ou não os terrenos.

A discricionariedade conferida pela lei nesta matéria retira aos tribunais a possibilidade de controlar judicialmente a legalidade da decisão proferida pelos órgãos administrativos competentes, exceto no que se refere aos aspetos vinculados – fim, competência e forma – e aos limites imanentes à margem de livre decisão[62], que decorrem dos princípios gerais do Direito Administrativo.

9.3. O último ponto que cumpre analisar no presente parecer prende-se com a relação que se estabelece entre a eventual caducidade dos arrendamentos rurais celebrados no âmbito da reforma agrária e o direito de reversão.

Essa relação também não se afigura linear, visto que a caducidade desses contratos não consta do artigo 44.º da Lei n.º 86/95, de 1 de setembro, como um dos fundamentos da reversão.

Sendo assim, e tendo em conta a argumentação expendida, se os terrenos expropriados forem objeto de um contrato de arrendamento em vigor – o que pressupõe, obviamente, que os anteriores proprietários ou os seus herdeiros não estão na posse dos mesmos -, poderá haver reversão se se verificar o requisito do n.º 2 do artigo 44.º e se for devolvida a indemnização paga ao expropriado pelo Estado.

No entanto, se o contrato de arrendamento já não vigorar – por exemplo, por caducidade em virtude de razões diversas da que resulta do artigo 1025.º do CC, cuja aplicação a estes contratos já se afastou -, coloca-se a questão de saber se deve haver ou não reversão do terreno, na eventualidade de o ex-proprietário a requerer.

Refira-se, antes de mais, que a dúvida só se coloca se os anteriores proprietários não estiverem na posse do terreno, uma vez que, nesse caso, a reversão resulta, desde logo, da verificação do fundamento previsto no n.º 1 do artigo 44.º.

Na hipótese contrária, pode argumentar-se, em favor da reversão, que, estando o terreno desocupado e por explorar, a reversão deve ser concedida ao seu anterior proprietário.

No entanto, pode também entender-se que, estando o terreno completamente desocupado e tendo sido objeto de uma expropriação em favor do Estado, é este o seu atual proprietário, podendo, designadamente, promover concursos para novos arrendamentos rurais, nos termos da lei.

Parece ser esta, de facto, a solução mais correta.

Em primeiro lugar, por imposição constitucional.

O artigo 93.º da CRP consagra uma preferência pela proteção dos trabalhadores rurais e dos agricultores que, nas palavras de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “traduz a prevalência dos interesses dos que trabalham a terra e dos cultivadores sobre os interesses dos proprietários fundiários (…) [A]o excluir os proprietários rentistas, este preceito está em sintonia com os princípios gerais da constituição agrária, que fazem prevalecer o direito do cultivador sobre o direito de propriedade fundiária”[63].

Mesmo salientando que as sucessivas revisões constitucionais em matéria de política agrícola, alteraram significativamente o enquadramento que a Lei Fundamental inicialmente dava a essa matéria, tendo-se, por exemplo, abandonado a expressão “transferência progressiva da posse útil da terra”, JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS referem que do artigo 93.º da CRP continua a retirar-se o objetivo constitucional de “promoção do acesso à propriedade ou à posse da terra e demais meios de produção diretamente utilizados na sua exploração por parte daqueles que a trabalham”[64].

E, por sua vez, o artigo 94.º estabelece a eliminação dos latifúndios como uma verdadeira e própria imposição constitucional [artigo 81.º, alínea h) da CRP].

Estes preceitos apontam para uma preferência constitucional pela entrega da exploração da terra a pequenos agricultores, pelo que, estando o terreno devoluto, será de privilegiar a solução que permite ao Estado celebrar novos contratos de arrendamento rural com quem irá cultivar, efetivamente, a terra.

Foi, aliás, uma argumentação semelhante que o Tribunal Constitucional utilizou, no Acórdão n.º 303/02, já citado, para se pronunciar pela não inconstitucionaliade da exigência de que os ex-proprietários estivessem, de facto, na posse material da terra para que pudesse haver reversão.

Em segundo lugar, este entendimento é o que resulta diretamente da letra da lei, na medida em que o artigo 44.º da Lei n.º 86/95, de 1 de setembro, apenas admite a reversão nas duas situações já sobejamente referidas, não sendo a caducidade do arrendamento, por si só, um fundamento de reversão.

Ora, não havendo nenhuma razão que justifique a interpretação extensiva daquele preceito – nem o argumento de identidade de razão, nem de maioria de razão[65] -, a caducidade do contrato apenas significa que a terra continua, livre e desonerada, na propriedade do Estado, enquanto entidade expropriante.


V – Conclusões

Termos em que se retiram as seguintes conclusões:

1. A apropriação pública de terrenos agrícolas no âmbito da reforma agrária reconduz-se ao instituto da expropriação, enquanto categoria geral, tanto para efeitos do disposto no artigo 62.º, n.º 2, da CRP, como da aplicação supletiva do regime do Código das Expropriações.

2. As expropriações realizadas no âmbito da reforma agrária têm autonomia relativamente às restantes expropriações, pelo que a aplicação supletiva do Código das Expropriações pressupõe a determinação prévia da existência de uma verdadeira lacuna. Pelo contrário se o legislador quis, de facto, adotar, por omissão, uma solução diferente da que resulta do regime geral, este não se aplica supletivamente.

3. A perda do direito de propriedade sobre o bem expropriado, após o pagamento da indemnização definitiva, não afasta a existência do direito de reversão, que é uma decorrência da garantia constitucional do direito de propriedade privada e uma consequência direta dos princípios gerais do Direito Administrativo.

4. Por isso, os ex-proprietários têm sempre um interesse direto, pessoal e legítimo em requerer a reversão, independentemente de conseguirem ou não demonstrar a verificação dos pressupostos de que depende a atribuição da mesma.

5. Aos contratos de arrendamento rural cujo objeto são os terrenos expropriados no âmbito da reforma agrária aplica-se, atualmente, o Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril, à luz das regras sobre aplicação da lei no tempo previstas no artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil.

6. O Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril, nada estabelece nem quanto ao prazo de duração dos contratos de arrendamento rural, nem quanto à respetiva caducidade, remetendo, supletivamente, para o regime geral do arrendamento rural, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de outubro, que se encontrava em vigor à data. Essa remissão deve ter-se como efetuada para o Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de outubro, que revogou o diploma de 1988 (remissão móvel).

7. Apesar de o artigo 42.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de outubro, remeter, por sua vez, para o Código Civil, o disposto no artigo 1025.º não se pode aplicar aos contratos de arrendamento rural previstos no Decreto-Lei n.º 158/91, de 26 de abril, porque essa solução – à qual se chega por dupla remissão – contraria as regras sobre caducidade constantes do Decreto-Lei n.º 294/2009 e do próprio Decreto-Lei n.º 158/91, que apenas determina a aplicação da regra de caducidade prevista no artigo 1025.º do Código Civil aos contratos de concessão de exploração e não aos arrendamentos.

8. O artigo 1025.º do Código Civil apenas estabelece o prazo máximo de duração que as partes podem convencionar quando celebram o contrato, não proibindo sucessivas renovações, mesmo que estas conduzam a uma duração superior a 30 anos.

9. A reversão dos terrenos expropriados no âmbito da reforma agrária depende apenas da verificação dos fundamentos do artigo 44.º da Lei n.º 86/95, de 1 de setembro, e não dos constantes do artigo 5.º do Código das Expropriações, desde que os expropriados devolvam ao Estado as quantias recebidas a título de indemnização, consubstanciando sempre uma decisão discricionária da Administração.

10. Mesmo que se verifique a eventual caducidade dos arrendamentos rurais, se os expropriados não estiverem na posse dos terrenos, não há lugar à reversão e os terrenos ficam na propriedade do Estado, que deve promover concursos com vista à celebração de novos arrendamentos rurais, nos termos da lei.

ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 1 DE MARÇO DE 2012.

Isabel Francisca Repsina Aleluia São Marcos – Alexandra Ludomila Ribeiro Fernandes Leitão (Relatora) – Maria de Fátima da Graça Carvalho (com declaração de voto em anexo) – Manuel Pereira Augusto de Matos – Fernando Bento – Maria Manuela Flores Ferreira – Paulo Joaquim da Mota Osório Dá Mesquita – Lourenço Gonçalves Nogueiro.


(Maria de Fátima da Graça Carvalho) – Declaração de voto em anexo.

Acompanho todo o parecer, ressalvando porém, no que respeita ao momento da constituição do direito de propriedade na esfera jurídica do Estado (matéria tratada no ponto 5.2.), as situações verificadas na vigência da legislação anterior à primeira lei de bases da reforma agrária (Lei n.º 77/77, de 29 de Setembro), nos termos da qual, a portaria de expropriação consubstanciava o acto constitutivo do ingresso do bem no domínio do Estado, com extinção dos direitos, ónus e encargos que sobre ele incidissem, e que justificava a consagração, concomitante, mediante determinado condicionalismo, e como limite a essa apropriação, do direito de «reserva da propriedade de uma área da terra» (cfr. artigos 2.º, 4.º, 5.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 406-A/75, de 29 de Julho, revogado com a entrada em vigor da mencionada lei de bases; cfr., também, entre outros, o parecer n.º 125/87, de 13 de Outubro de 1988, deste Conselho).





[1] Remetido para a Procuradoria-Geral da República pelo Ofício n.º SEFDR/1174/2011/2134, de 23 de novembro de 2011, e objeto de despacho de distribuição à Relatora em 16 de dezembro de 2011.
[2] Com as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.º 199/91, de 26 de maio, e n.º 38/95, de 14 de fevereiro.
[3] Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 46/90, de 22 de agosto, e cujo artigo 50.º foi declarado inconstitucional com força obrigatória geral pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 225/95, de 3 de maio, proferido no Processo n.º 406/88, in www.tribunalconstitucional.pt.
[4] Para uma análise desenvolvida da evolução legislativa em matéria de reforma agrária, v. os Pareceres do Conselho Consultivo n.º 27/91 e n.º 98/2006, aprovados, respetivamente, nas sessões de 16 de janeiro de 1992 e de 18 de janeiro de 2007. O primeiro Parecer foi homologado e publicado no Diário da República, II série, n.º 172, de 28 de julho de 1992.
[5] GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pág. 994, referem que a distinção passa pelo objeto, fim, procedimento e existência ou não do direito de reversão, parecendo restringir a figura da nacionalização às empresas. Por sua vez, JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 60, defendem que a diferença passa pela natureza jurídica do ato de apropriação pública dos meios de produção: se for ato legislativo é uma nacionalização e se for ato administrativo (ainda que de conteúdo normativo) é uma expropriação.
[6] V. FREITAS DO AMARAL e PAULO OTERO, “Nacionalização, Reprivatização e Direito de Reversão”, in O Direito, Ano 124.º, n.ºs I-II, 1992, pág. 297. Em sentido próximo, concluindo que “a “socialização” e a “nacionalização” não são mais do que especiais modos de ser do instituto da expropriação”, v. ALVES CORREIA, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, Coimbra, 1982, pág. 58.
[7] V. AFONSO DE BARROS, A Reforma Agrária. Das Ocupações de Terras à Formação das Novas Unidades de Produção, Instituto Gulbenkian de Ciência, Centro de Estudos de Economia Agrária, Oeiras, 1979, pág. 92.
[8] Com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 13/2002, de 19 de fevereiro, n.º 4-A/2003, de 19 de fevereiro, n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, n.º 30/2008, de 10 de julho, e n.º 56/2008, de 4 de setembro.
[9] V. OLIVEIRA ASCENSÃO, “Reforma Agrária e Expropriação por Utilidade Pública”, separata da Coletânea de Jurisprudência, Ano XVII, Tomo II, 1992, pág. 35.
[10] Neste sentido, JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, op. cit., pág. 168.
[11] V. AFONSO DE BARROS, op. cit., pág. 92.
[12] V. OLIVEIRA ASCENSÃO, “A Caducidade da Expropriação no Âmbito da Reforma Agrária”, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, volume XXVIII, 1987, págs. 37 a 39.
[13] V. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., págs. 806 a 808.
[14] V. JOSÉ OSVALDO GOMES, Expropriações por Utilidade Pública, Texto Editora, Lisboa, 1997, págs. 12 e seguintes.
[15] Neste sentido, v. OLIVEIRA ASCENSÃO, “Reforma…, cit., págs. 33 e 34.
[16] O problema da relação que se estabelece entre o regime geral das expropriações e o regime aplicável às expropriações no âmbito da reforma agrária foi objeto do Parecer n.º 98/2006, já citado, a propósito da aplicação da figura da caducidade, prevista no artigo 5.º, n.º 4, alínea a), do CE às reversões dos terrenos expropriados na reforma agrária, tendo-se considerado que estava em causa, exatamente, a questão de saber se a ausência de uma menção à caducidade no artigo 44.º da Lei n.º 86/95, de 1 de setembro, consubstanciava ou não uma lacuna.
[17] MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume II, 10.ª Edição, 5.ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 1994, págs. 1020 e 1021, definia expropriação como “a relação jurídica pela qual o Estado, considerando a conveniência de utilizar determinados bens imóveis em um fim específico de utilidade pública, extingue os direitos subjetivos constituídos sobre eles e determina a sua transferência definitiva para o património da pessoa a cujo cargo esteja a prossecução desse fim, cabendo a esta pagar ao titular dos direitos extintos uma indemnização compensatória”. Também ALVES CORREIA, As Garantias…, cit., pág. 77, adota um conceito próximo de expropriação, enquanto “ato de autoridade que tem como efeito típico a privação e a transferência da propriedade em proveito de um terceiro beneficiário…”.
[18] Neste sentido pronunciam-se OLIVEIRA ASCENSÃO, A Caducidade…, cit., pág. 31, considerando que a expropriação implica a “aquisição de bens imóveis pelo Estado por via autoritária, com a extinção correspondente dos direitos particulares preexistentes” e JOSÉ OSVALDO GOMES, op. cit., pág. 18.
[19] Aprovado na sessão de 24 de julho de 1980, homologado e publicado no Diário da República, II série, n.º 26, de 31 de janeiro de 1981. No mesmo sentido, v. o Parecer n.º 185/80, aprovado na sessão de 18 de dezembro de 1980, homologado e publicado no Diário da República, II série, n.º 92, de 21 de abril de 1982.
[20] Neste sentido, v., por todos, JOSÉ OSVALDO GOMES, op. cit., pág. 11.
[21] Com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de setembro, pelas Leis n.º 36/81, de 31 de agosto, e n.º 5/84, de 7 de abril, e pelo Decreto-Lei n.º 332/91, de 6 de setembro. As alíneas a) e b) do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 3.º foram declarados inconstitucionais com força obrigatória geral pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 39/88, de 9 de fevereiro, proferido no Processo n.º 136/85, in www.tribunalconstitucional.pt.
[22] Na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 199/91, de 26 de maio.
[23] A redação deste preceito resulta do Decreto-Lei n.º 199/91, de 26 de maio.
[24] Isto mesmo era referido no artigo 24.º da Lei n.º 46/90, de 22 de agosto, entretanto revogada pela Lei n.º 86/95, de 1 de setembro.
[25] Como salientam GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., pág. 809 e também JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, págs. 1265 e 1266. No mesmo sentido, v. ALVES CORREIA, As Garantias…, cit., pág. 162.
[26] Neste sentido, v. JOSÉ OSVALDO GOMES, op. cit., págs. 398 e 399.
[27] Como consta da sentença de 4 de março de 2011, proferida pelo Tribunal Administrativo de Beja no Processo n.º 428.05.0BEBJA, citado na Informação da SG do MAMAOT, ao qual tivemos acesso.
[28] Pronunciando-se de forma lapidar pela não aplicação do princípio da irreversibilidade às expropriações efetuadas na reforma agrária, v. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, op. cit., Tomo II, pág. 168.
[29] V. o Acórdão n.º 225/95, de 3 de maio de 1995, proferido no Processo n.º 406/88, in www.tribunalconstitucional.pt.
[30] V. JOSÉ OSVALDO GOMES, op. cit., pág. 397, que define o direito de reversão como “o poder legalmente conferido ao expropriado de readquirir o bem objeto de expropriação…”
[31] V. ALVES CORREIA, As Garantias…, cit., págs. 165 e seguintes.
[32] Cfr. JOSÉ OSVALDO GOMES, op. cit., pág. 397. A parte final desta definição não se aplica, contudo, à reversão de bens expropriados no âmbito da reforma agrária, em virtude dos fundamentos para a reversão previstos em lei especial não se prenderem com o destino dos bens.
[33] Os depósitos e as restituições a que esta norma se refere são feitos em favor da entidade expropriante ou da pessoa que a substituiu no domínio sobre o bem, na sequência do acordo ou da decisão judicial que opere a reversão, e incluem o montante indemnizatório pago pela entidade expropriante, acrescido das benfeitorias necessárias ou úteis entretanto realizadas, e deduzidos os valores correspondentes a eventuais deteriorações ocorridas, como salienta SALVADOR DA COSTA, Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores Anotados e Comentados, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 458.
[34] Mantendo-se, com alterações, na redação dada pela Lei n.º 46/90, de 22 de agosto.
[35] V., por todos, BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, págs. 233 e 234.
[36] V. OLIVEIRA ASCENSÃO, A Caducidade..., cit., págs. 68 e 69, e MENEZES CORDEIRO, “Da Reforma Agrária e da Natureza das Reservas”, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Manuel Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, págs. 444 e 445.
[37] Esta remissão está errada, uma vez que o diploma que trata desta matéria é o Decreto-Lei n.º 349/99, de 19 de setembro, e não o que está referido no preceito.
[38] De 10 de julho de 2002, proferido no Processo n.º 85/2002, in www.tribunalconstitucional.pt.
[39] Nos termos deste artigo “[T]êm legitimidade para iniciar o procedimento administrativo e para intervir nele os titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos, no âmbito das decisões que nele forem ou possam ser tomadas”.
[40] Com as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.º 80/79, de 9 de abril, e n.º 208/84, de 25 de junho.
[41] V. BAPTISTA MACHADO, op. cit., págs. 165 e 166.
[42] Com as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.º 79/99, de 16 de março, n.º 212/99, de 14 de junho, e n.º 60/2001, de 19 de fevereiro.
[43] Este preceito determina que “[A] locação não pode celebrar-se por mais de trinta anos; quando estipulada por tempo superior, ou como contrato perpétuo, considera-se reduzida àquele limite.”
[44] Nos termos do qual: “1. O contrato de locação caduca: a) Findo o prazo estipulado ou estabelecido por lei; b) Verificando-se a condição a que as partes o subordinaram, ou tornando-se certo que não pode verificar-se, conforme a condição seja resolutiva ou suspensiva; c) Quando cesse o direito ou findem os poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado; d) Por morte do locatário ou, tratando-se de pessoa coletiva, pela extinção desta, salvo convenção escrita em contrário; e) Pela perda da coisa locada; f) No caso de expropriação por utilidade pública, a não ser que a expropriação se compadeça com a subsistência do contrato.”
[45] Ou “remissão à segunda potência”, na designação de BAPTISTA MACHADO, op. cit., pág. 106.
[46] Referimo-nos sempre e apenas aos contratos de arrendamento rural celebrados na sequência das expropriações ocorridas no âmbito da reforma agrária e não aos contratos de arrendamento rural do “regime geral”.
[47] V. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de janeiro de 2003, proferido no Processo n.º 02A1008, de 9 de julho de 2002, proferido no Processo n.º 03A453, e de 9 de julho de 2003, proferido no Processo n.º 04A023 (este último confirmado pelo STJ, em recuso de revista, através do Acórdão de 2 de março de 2004), todos in www.dgsi.pt. Apesar de no primeiro aresto o Tribunal ter concluído pela caducidade do contrato de arrendamento rural, fê-lo por considerar aplicável o CC de 1966, embora o contrato tenha sido celebrado na vigência do Código de Seabra, e na medida em que o mesmo foi celebrado pelo prazo de 99 anos. Ou seja: a duração fixada no próprio contrato era superior aos 30 anos estabelecidos no artigo 1025.º do CC, pelo que a contar da data de entrada em vigor deste diploma, o contrato teria que ver a sua duração inicial reduzida para 30 anos. Mas está sempre – e só – em causa a duração inicialmente fixada e não eventuais sucessivas renovações.
[48] De 16 de março de 2005, proferido no Processo n.º 503/2004, in www.tribunalconstitucional.pt.
[49] Proferido no Processo n.º 0088578, in www.dgsi.pt. No mesmo sentido, v. os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de julho de 2004, proferido no Processo n.º 3822/2004-7, e do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17 de novembro de 2009, proferido no Processo n.º 27/07.1TBOFR.C1, todos in www.dgsi.pt.
[50] De 16 de março de 2005, proferido no Processo n.º 143/03, in www.tribunalconstitucional.pt.
[51] V. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 2.º volume, Coimbra Editora, Coimbra, 1975, pág. 369.
[52] V. ARAGÃO SEIA, MANUEL DA COSTA CALVÃO e CRISTINA ARAGÃO SEIA, Arrendamento Rural, 4.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2003, pág. 45.
[53] Cfr. o Acórdão n.º 332/02, citado supra.
[54] No n.º 2 do artigo 44.º da Lei n.º 86/95, de 1 de setembro, é referido o Decreto-Lei n.º 341/91, de 19 de setembro, mas trata-se de um evidente equívoco, uma vez que este diploma é de 10 de setembro e versa sobre “utilização de agências de viagens para transporte escolar”.
[55] O Conselho pronunciava-se sobre o conceito de “posse material” constante do artigo 30.º da Lei n.º 109/88, de 26 de setembro, que continha uma norma semelhante à que se encontra agora em apreço.
[56] Proferido no Processo n.º 038820, in www.dgsi.pt.
[57] V. MANUEL REBOLLO PUIG, El Enriquecimiento Injusto de la Administración Pública, Marcial Pons, Madrid, 1995, págs. 14 e seguintes.
[58] Isto mesmo já entendeu este Conselho, no Parecer n.º 98/2006, citado supra.
[59] V. SÉRVULO CORREIA, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Almedina, Coimbra, 1987, pág. 479.
[60] Citando diversa jurisprudência do STA no mesmo sentido: Acórdãos de 11 de janeiro de 1994 e de 17 de abril de 1997, proferidos, respetivamente, nos Processos n.º 31 393, no Processo n.º 31 0007, entre outros.
[61] Como entendeu já o STA no seu Acórdão de 15 de novembro de 2001, proferido no Processo n.º 038820, in www.dgsi.pt.
[62] A expressão é de MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 2.ª Edição, Dom Quixote, Lisboa, 2004, págs. 201 e seguintes.
[63] V. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., pág. 1049.
[64] V. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, op. cit., Tomo II, pág. 156.
[65] V. BAPTISTA MACHADO, op. cit., pág. 186.