Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002127
Parecer: P000742002
Nº do Documento: PPA26092002007400
Descritores: MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E DO ENSINO SUPERIOR
UNIVERSIDADE
INSTITUTO POLITÉCNICO
PESSOA COLECTIVA DE DIREITO PÚBLICO
AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA
AUTONOMIA ADMINISTRATIVA
AUTONOMIA DISCIPLINAR
ADMINISTRAÇÃO INDIRECTA DO ESTADO
TUTELA ADMINISTRATIVA
RECURSO TUTELAR
RECURSO HIERÁRQUICO
Livro: 00
Numero Oficio: 3068
Data Oficio: 07/17/2002
Pedido: 07/17/2002
Data de Distribuição: 07/18/2002
Relator: ERNESTO MACIEL
Sessões: 01
Data da Votação: 09/26/2002
Tipo de Votação: MAIORIA COM 5 VOT VENC
Sigla do Departamento 1: MCES
Entidades do Departamento 1: MIN DA CIÊNCIA E DO ENSINO SUPERIOR
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 04/16/2003
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 22-05-2003
Nº do Jornal Oficial: 118
Nº da Página do Jornal Oficial: 7803
Indicação 1: HOMOLOGADO APENAS QUANTO ÀS CONCLUSÕES 1ª A 9ª, EXCEPTUANDO ASSIM A 10ª
Indicação 2: ASSESSOR:MARIA JOÃO CARVALHO
Área Temática:DIR CONST* DIR FUND* ORG PODER POL/ DIR ADM* ADM PUBL/ FUNÇÃO PUBL* DISC FUNC* CONTENC ADM
Ref. Pareceres:P001832001Parecer: P001832001
P001812001Parecer: P001812001
P003242000Parecer: P003242000
P000411999Parecer: P000411999
P000571996Parecer: P000571996
P000021996Parecer: P000021996
P000121991Parecer: P000121991
P000071990Parecer: P000071990
P000171989Parecer: P000171989
P001011988Parecer: P001011988
P000521987Parecer: P000521987
P000631986Parecer: P000631986
P000901985Parecer: P000901985
Legislação:CONST76 ART76 N2 ART199 D) ART235 ART268 N4 ; DL 120 DE 03/05/2002 ART19 ART20 ; RECT 20 DE 28/05/2002 ; DL 205 DE 07/10/2002 ART1 ART2 ART39 N2 ; L 108 DE 24/09/1988 ART3 N1 N2 ART5 N1 ART6 N1 N2 N3 ART7 N1 N2 N3 ART8 N1 ART9 N1 N2 N3 ART15 N1 N2 N5 N6 ART16 N1 A) B) C) D) ART18 A) B) C) ART20 N1 A) A H) N2 N3 ART24 N5 ART25 A) A L) ART26 N2 ART28 N1 N2 ; L 46 DE 14/10/1986 ART4 N1 N3 ART11 N1 N3 N4 ART14 N1 N3 N4 ART45 N7 N8 ; L 115 DE 19/09/1997 ; L 26 DE 23/08/2000 ART1 ART3 A) B) ART4 A) B) ART5 ART6 N1 N2 ART7 N1 N2 ART11 N1 N2 ART17 N1 N2 ; PPL 12/IX DE 05/07/2002 ; DL 170 DE 19/09/1996 ; DL 252 DE 26/09/1997 ; DL 259 DE 18/08/1998 ART33 N5 ; DL 204 DE 11/07/1998 ART5 N2 D) ART21 N3 ART27 N3 D) ART39 N1 ART43 ; DL 106 DE 24/04/1998 ART24 ; DL 393-B DE 02/10/1999 ART5 N3 ; L 54 DE 05/09/1990 ART1 N1 N2 N3 N4 ART2 ART5 N1 N2 A) ART7 N1 N2 J) H) ART8 N1 ART9 ART10 A) A F) ART15 ART17 ART18 ART23 ART25 ART27 ART41 N1 ART43 ART47 ART51 N1 ; L 20 DE 14/08/1992 ART17 ; L 71 DE 26/11/1993 ART2 N2 ; DRGU 44-B DE 01/06/1983 ART39 N1 ; DRGU 40 DE 01/07/1985 ; L 49 DE 22/06/1999 ART15 N1 ; DL 272 DE 03/08/1988 ; DL 289 DE 23/08/1989 ; DL 24 DE 27/01/1994 ART2 N3 ; RECT 38 DE 31/03/1994 ; CPADM96 ART35 A ART41 ART166 ART167 ART174 N1 N2 ART176 N1 N3 ART177 N1 N2 N3 N4 N5; LC 1 DE 08/07/1989 ; DL 24 DE 16/01/1984 ART1 N1 N2 ART2 N1 N2 ART11 N1 N2 ART17 N4 ART18 N3 ART74 ART75 N1 A N8 ; RECT DE 30/04/84 ; DL 267 DE 17/07/1985 ART25 ; PJL 230/V ART12 N1 N2 ART26 ; PJL 243/V ART31 N2 ; PJL 252/V ART10 ART29 N1 P) Q) ; PJL 256/V ; PPL 62/V ART7 ART15 H) ART19 I) ; L 169 DE 18/09/1999 ART81 ; L 5-A DE 11/01/2002 ; RECT 4 DE 06/02/2002 ; DL 498 DE 30/12/1988 ART24 N3 ART34 N1
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:AC STA DE 26/06/2002
AC STA DE 06/06/2002
AC STA DE 23/04/2002
AC STA DE 22/11/2001
AC STA DE 12/04/2000
AC STA DE 12/02/1998
AC STA DE 25/11/1997
AC STA DE 27/02/1997
AC STA DE 06/12/1994
AC STA DE 18/02/1993
AC STA DE 29/06/1978
AC STA DE 18/11/1976
AC TC 9 DE 11/01/1995 IN DR 69 DE 22/03/1995
AC TC 499 DE 20/03/1996 IN DR 152 DE 03/07/1996
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1.ª As universidades são pessoas colectivas de direito público e gozam de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa, financeira e disciplinar - artigos 76.º, n.º 2, da Constituição, e 3.º, n.º 1, da Lei n.º 108/88, de 24 de Setembro;
2.ª Os institutos politécnicos são pessoas colectivas de direito público, dotadas de autonomia estatutária, administrativa, financeira e patrimonial - artigo 1.º da Lei n.º 54/90, de 5 de Setembro;
3.ª No âmbito da sua autonomia administrativa, os órgãos dirigentes das universidades e dos institutos politécnicos detêm, em regra, o poder de praticar actos administrativos, passíveis de impugnação contenciosa directa, se lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos dos seus destinatários (artigo 268.º, n.º 4, da Constituição);
4.ª No âmbito da sua autonomia disciplinar, os órgãos de governo das universidades têm competência para a aplicação aos docentes, investigadores e demais funcionários e agentes de todas as penas disciplinares previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 11.º do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, delas cabendo recurso contencioso directo (artigos 3.º, n.º 1, e 9.º, n.ºs 1 e 3, da Lei n.º 108/88, e 268.º, n.º 4, da Constituição);
5.ª Enquanto institutos públicos, as universidades e os institutos politécnicos estão sujeitos à tutela mas não à direcção governamental, o que exclui a admissibilidade de recurso hierárquico proprio sensu dos actos praticados pelos órgãos dirigentes desses estabelecimentos de ensino superior, no exercício das respectivas competências;
6.ª A intervenção da entidade tutelar deve resultar do exercício de competência expressamente estabelecida na lei e só pode ser exercida nos termos, modos e formas nela, directa e especificamente, previstos;
7.ª O poder de tutela sobre as universidades e os institutos politécnicos é exercido pelo Ministério da Ciência e do Ensino Superior, tendo em vista, fundamentalmente, a garantia da integração de cada um desses estabelecimentos no sistema educativo e a articulação com as políticas nacionais de educação, ciência e cultura - artigos 28.º, n.º 1, da Lei n.º 108/88, 7.º, n.º 1, da Lei n.º 54/90, e 19.º e 20.º do Decreto-Lei
n.º 120/2002, de 3 de Maio (Lei Orgânica do XV Governo Constitucional);

8.ª Sem prejuízo da concretização normativa de outros modos e formas de tutela, as Leis n.ºs 108/88 e 54/90 apenas prevêem, em termos directos, expressos e precisos, as formas e modos de intervenção tutelar enumerados no n.º 2 dos artigos 28.º e 7.º, respectivamente;
9.ª Nos termos das alíneas i) do n.º 2 do artigo 28.º da Lei
n.º 108/88, e
h) do artigo 7.º da Lei n.º 54/90, é admissível recurso tutelar cuja interposição esteja prevista em disposição legal expressa;
10.ª Assim, compete ao Ministro da Ciência e do Ensino Superior conhecer e decidir, sob a forma e características de recursos tutelares, dos recursos hierárquicos expressamente previstos na lei geral, cuja aplicação as Leis n.ºs 108/88 e 54/90 aceitem, ainda que por remissão para aquela - como sucede em matéria de recrutamento e selecção de pessoal, quanto às universidades e aos institutos politécnicos (artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho) e de procedimento disciplinar, quanto aos institutos politécnicos (artigo 75.º, n.ºs 2 e 8, do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro).

Texto Integral:
Senhor Ministro da Ciência e do Ensino Superior ,

Excelência:



I

1. Em Parecer [1] dirigido a Vossa Excelência, o Senhor Secretário-
-Geral do Ministério ponderou, introdutoriamente, o seguinte:


«O novo Ministério da Ciência e do Ensino Superior criado pela lei orgânica do XV Governo Constitucional (cfr. art. 20.º do Decreto-lei
n.º 120/2002, de 3 de Maio
[2]), agregou sob a responsabilidade do mesmo membro do Governo as áreas da ciência e do ensino superior, que, antes, constituíam, respectivamente, esferas de actuação do ora extinto Ministério da Ciência e da Tecnologia e do Ministério da Educação [3].

«Com a entrada em funções do novo Governo, assistimos, como é do conhecimento de Vossa Excelência, à transferência de todos os assuntos relacionados com o ensino superior e com a ciência para o novo Ministério da Ciência e do Ensino Superior (MCES), com destaque para processos administrativos e contenciosos de impugnação de actos administrativos praticados pelos órgãos de governo das universidades e dos institutos politécnicos inseridos no sistema público de ensino, cuja tutela era, antes, exercida pelo Ministro da Educação.
«Atenta a natureza dos mencionados processos, na sua maioria, provenientes do Gabinete do anterior Secretário de Estado do Ensino Superior, entendemos ser pertinente dilucidar alguns aspectos em torno da questão da autonomia universitária, que mereceram a nossa reflexão e que ora se submetem à superior consideração de Vossa Excelência.

«Assim, e fazendo apelo ao enunciado da questão em epígrafe, ao admitirmos recurso hierárquico ou tutelar dos actos administrativos praticados pelos órgãos das universidades e dos institutos politécnicos, não estaremos a pôr em causa o núcleo essencial da autonomia universitária, consagrada como garantia constitucional no n.º 2 do art. 76.º da C.R.P. e desenvolvida no âmbito da lei de autonomia universitária, aprovada pela Lei n.º 108/88, de 22 de Setembro, e da Lei n.º 54/90, de 5 de Setembro, que aprovou o estatuto e autonomia dos estabelecimentos de ensino superior politécnico?

«Ademais, o interesse prático da referida questão reside em conjugar a garantia constitucional da autonomia universitária com os poderes de tutela que a lei confere ao membro do Governo com responsabilidade pelo sector da educação – entenda-se, agora, pelo ensino superior -, sem pôr em causa as garantias impugnatórias dos particulares face a actos administrativos lesivos dos seus direitos ou que, genericamente, Ihes digam respeito, admitindo-se, em consequência, a recorribilidade contenciosa directa dos actos administrativos praticados pelos órgãos de governo das universidades e dos institutos politécnicos, como corolário da tutela jurisdicional efectiva de direitos ou interesses legalmente protegidos.»


2. Repousando nestas considerações preliminares, o parecer do Senhor Secretário-Geral veio a concluir:

«1. As universidades e os institutos politécnicos são pessoas colectivas de direito público e gozam de autonomia administrativa, financeira e estatutária (cfr. art. 76.º da CRP);

«2. Pela sua natureza jurídica, tanto as universidades públicas como os institutos politécnicos gozam de amplos poderes de auto-administração;


«3. A relação estabelecida na lei entre esses entes públicos e o membro do Governo responsável pelo sector da educação - entenda-se, agora, pelo ensino superior - é uma relação de tutela (cfr. arts. 28.º da Lei 108/88, de 24/9, aplicável às universidades, e 7.° da Lei 54/90, de 5/9, aplicável aos Institutos Politécnicos);

«4. À semelhança do que a lei estabelece para a tutela, no tocante aos respectivos conteúdo e formas de exercício, a possibilidade de recurso tutelar carece de previsão legal expressa (cfr. art. 177.º, n.º 2, CPA);

«5. Sucede, porém, que não existe disposição legal que consagre a existência de recurso tutelar dos actos praticados pelos órgãos das universidades e dos institutos politécnicos para o membro do Governo responsável pelo ensino superior;

«6. Nessa medida, a consagração do regime de autonomia de que gozam as universidades e os institutos politécnicos conduz a que não caiba à instância tutelar a última palavra da administração, como instância de recurso sobre actos praticados por aquelas entidades autónomas;

«7. Em matérias abrangidas pelo âmbito da autonomia, quer das universidades, quer dos institutos politécnicos, donde resulte a definição de uma dada situação jurídica consubstanciada na prática de um acto administrativo, não é admissível recurso hierárquico - em qualquer das suas espécies - para o Ministro da Ciência e do Ensino Superior, só o sendo relativamente a questões fora do âmbito dessa autonomia. Tal é o caso dos institutos politécnicos relativamente à matéria disciplinar;

«8. Como tal, no que respeita a actos inseridos no âmbito da autonomia universitária e da autonomia dos estabelecimentos de ensino superior politécnico, há lugar a recurso contencioso directo de um acto praticado pelo órgão máximo da respectiva pessoa colectiva pública.»


3. Considerando, porém, que «o acolhimento do sobredito entendimento por parte de Vossa Excelência carecerá, porventura, da desejada eficácia junto das referidas instituições de ensino superior, tendo em conta a abrangência e complexidade da questão sub judice, bem como as implicações legais que a mesma oferece», o Senhor Secretário-Geral propôs que o assunto fosse submetido a parecer deste órgão consultivo, «pelo valor e eficácia dos seus pareceres em matéria de legalidade».

Dignando-se concordar com a sugestão, Vossa Excelência, face à relevância da matéria em apreço, solicitou a máxima urgência no parecer, que, pois, cumpre emitir.

II

O objecto da consulta, assim delimitado no parecer do Senhor Secretário-Geral, consiste, pois, em averiguar da admissibilidade ou não de recurso hierárquico (próprio ou impróprio) ou tutelar para o Ministro da Ciência e do Ensino Superior de actos administrativos praticados pelos órgãos de governo das universidades e dos institutos politécnicos, no âmbito das respectivas autonomias.

A amplitude da pergunta, desligada de qualquer situação concreta, reclama uma abordagem igualmente genérica, que se ensaiará mediante apelo privilegiado à doutrina já elaborada por este corpo consultivo sobre a temática em causa.


1. Segundo a Lei de Bases do Sistema Educativo - Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro [4] -, o sistema educativo compreende a educação pré-
-escolar, escolar e extra-escolar. A educação escolar abrange os ensinos básico, secundário e superior (artigo 4.º, n.ºs 1 e 3).


O ensino superior engloba os ensinos universitário e politécnico (artigo 11.º, n.º 1).

O ensino universitário «visa assegurar uma sólida preparação científica e cultural e proporcionar uma formação técnica que habilite para o exercício de actividades profissionais e culturais e fomente o desenvolvimento das capacidades de concepção, de inovação e de análise crítica» (n.º 3).

O ensino politécnico «visa proporcionar uma sólida formação cultural e técnica de nível superior, desenvolver a capacidade de inovação e de análise crítica e ministrar conhecimentos científicos de índole teórica e prática e as suas aplicações com vista ao exercício de actividades profissionais» (n.º 4).

O ensino universitário «realiza-se em universidades e em escolas universitárias não integradas». «As universidades podem ser constituídas por escolas, institutos ou faculdades diferenciados e ou por departamentos ou outras unidades», podendo ainda integrar escolas superiores do ensino politécnico (artigo 14.º, n.ºs 1 e 3).

O ensino politécnico «realiza-se em escolas superiores especializadas nos domínios da tecnologia, das artes e da educação, entre outros» (n.º 2). As escolas superiores do ensino politécnico podem integrar-
-se nas universidades (n.º 3) ou «ser associadas em unidades mais amplas, com designações várias, segundo critérios de interesse regional e ou de natureza das escolas» (n.º 4).


«Os estabelecimentos de ensino superior gozam de autonomia científica, pedagógica e administrativa». «As universidades gozam ainda de autonomia financeira, sem prejuízo da acção fiscalizadora do Estado» (artigo 45.º, n.ºs 7 e 8).


2. A Lei n.º 26/2000, de 23 de Agosto [5], «estabelece o regime da organização e ordenamento do ensino superior, no quadro das normas aplicáveis do direito internacional e comunitário e das bases gerais do sistema educativo constantes da Lei de Bases do Sistema Educativo (...) e ainda do objectivo constitucional de promoção pelo Estado do ensino de qualidade, universal e progressivamente gratuito, como factor de desenvolvimento do País» (artigo 1.º).


Sob a epígrafe «Pressupostos da organização do ensino superior», o artigo 3.º dispõe, designadamente, que «A organização institucional do ensino superior deve assegurar que cada estabelecimento: a) É uma comunidade autónoma de saberes e competências dedicada à educação e ao conhecimento; b) Tem um projecto educativo próprio e autónomo».

Acerca do «Sistema de ensino superior», o artigo 4.º estatui que
«O sistema de ensino superior compreende os seguintes subsistemas:

a)
Quanto à natureza da formação ministrada: o ensino universitário e o ensino politécnico; b) Quanto à natureza da entidade instituidora: o ensino superior público e o ensino superior particular e cooperativo».

Para os efeitos desta lei, são estabelecimentos de ensino superior: as universidades, as escolas universitárias não integradas, os institutos politécnicos e as escolas superiores politécnicas não integradas (artigo 5.º).

«O ensino universitário é ministrado em universidades e, em casos justificados, em escolas universitárias não integradas, que podem adoptar a designação de institutos universitários» (artigo 6.º, n.º 1); «As universidades organizam-se em unidades orgânicas, designadas faculdades, institutos, escolas, departamentos, ou outra denominação apropriada, nos termos dos respectivos estatutos» (n.º 2).

«O ensino politécnico é ministrado em institutos politécnicos e, nas áreas definidas por lei, em escolas politécnicas não integradas, de natureza especializada» (artigo 7.º, n.º 1); «Os institutos politécnicos organizam-se em unidades orgânicas designadas escolas politécnicas, ou outra designação apropriada, nos termos dos respectivos estatutos, definindo um perfil de formação próprio e os conteúdos e metodologia do ensino adequados à sua estratégia de desenvolvimento institucional» (n.º 2).

«O sistema de estabelecimentos de ensino superior é constituído pela rede pública e pelo conjunto de estabelecimentos de ensino superior particular e cooperativo que promovem os objectivos consagrados no Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo» (artigo 11.º, n.º 1);
«A rede pública é constituída pelo conjunto coerente e complementar de estabelecimentos de ensino superior público, universitário e politécnico, funcional e espacialmente organizados, visando a prossecução das incumbências constitucionais e legais do Estado no respeitante ao ensino superior» (n.º 2).


«A autonomia dos estabelecimentos nos seus diversos aspectos é regulada por lei, no respeito da Constituição e atendendo à especificidade institucional de cada um dos tipos de estabelecimentos de ensino superior» (artigo 17.º, n.º 1); «A autonomia dos estabelecimentos de ensino superior público não prejudica a sua articulação com os objectivos subjacentes à rede pública do ensino superior, nos termos do artigo 11.º, nem os poderes de tutela necessários para manter ou restaurar a normalidade institucional dos estabelecimentos» (n.º 2).

III

1. Sob a epígrafe «Universidade e acesso ao ensino superior», o artigo 76.º, n.º 2, da Constituição assegura que «As universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira, sem prejuízo de adequada avaliação da qualidade do ensino.»

«A garantia constitucional da autonomia universitária comporta duas dimensões: uma componente pessoal, que garante à comunidade académica e aos seus membros a liberdade de ensinar e de criação (autonomia como garantia de direitos, liberdades e garantias individuais), e uma componente institucional, que consiste num direito fundamental da própria universidade à autonomia[6]

«A garantia constitucional consagra directamente os vários níveis e componentes da autonomia das universidades, que hão-de ter, na mediação da lei, um conteúdo essencial: a autonomia estatutária, como capacidade para definir a sua organização interna; autonomia científica, que se traduz no direito de autodeterminação em matéria científica; autonomia pedagógica, que consiste na autodefinição das formas de ensino e de avaliação, de organização dos planos de estudos, de distribuição do serviço docente; autonomia administrativa, como auto-administração propriamente dita, através de órgãos próprios, e autonomia financeira, que compreende orçamento próprio e capacidade para arrecadar receitas (-). [7]

«A Constituição remete para a lei (reserva de lei) [8] os termos de concretização da autonomia das universidades. A esta exigência respondeu a Lei n.º 108/88, de 28 de Setembro [9], que define e desenvolve os vários níveis ou componentes da autonomia (-).»

Segundo o seu artigo 3.º, n.º 1, «As universidades são pessoas colectivas de direito público e gozam de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa, financeira e disciplinar.»

«A autonomia estatutária consiste no direito de cada universidade à elaboração dos seus próprios estatutos, com observância do disposto na lei de autonomia e na demais legislação aplicável, devendo os estatutos conter as normas fundamentais de organização interna, nos planos científico, pedagógico, financeiro e administrativo, bem como o regime das autonomias das respectivas unidades orgânicas - artigos 3.º, n.º 2, e 5.º, n.º 1.

«A autonomia científica confere às universidades a capacidade de livremente definirem, programarem e executarem a investigação e demais actividades científicas e culturais, podendo, neste âmbito, as universidades realizar acções comuns com outras entidades públicas ou privadas nacionais ou estrangeiras; porém, tais acções devem ser compatíveis com a natureza e os fins da universidade e ter em conta as grandes linhas da política nacional em matérias de educação, ciência e cultura e relações internacionais - artigo 6.º, n.ºs 1, 2 e 3.

«A autonomia pedagógica consiste na faculdade de criação, suspensão e extinção de cursos, na elaboração dos planos de estudo e programas das disciplinas, definição dos métodos de ensino, escolha dos processos de avaliação de conhecimentos e ensaio de novas experiências pedagógicas. A autonomia pedagógica deve ser exercida de harmonia com o planeamento das políticas nacionais de educação, ciência e cultura, devendo ser assegurada a pluralidade de doutrinas e métodos que garanta a liberdade de aprender e ensinar - artigo 7.º, n.ºs 1, 2 e 3.

«O princípio da autonomia administrativa [10] vem genericamente enunciado no artigo 8.º, n.º 1. “As universidades exercem a autonomia administrativa no quadro da legislação geral aplicável e estão dispensadas do visto prévio do Tribunal de Contas, excepto nos casos de recrutamento de pessoal com vínculo à função pública”. Trata-se de um princípio de autonomia administrativa e financeira reforçada em relação aos demais fundos e serviços autónomos que exige um conjunto de regras especiais, aprofundado pelo Decreto-Lei n.º 252/97, de 26 de Setembro [11], no plano da gestão do pessoal, da gestão orçamental e da gestão patrimonial.»

À autonomia disciplinar refere-se o artigo 9.º: “As universidades dispõem do poder de punir, nos termos da lei, as infracções disciplinares praticadas por docentes, investigadores e demais funcionários e agentes” (n.º 1); “O regime disciplinar aplicável aos estudantes deve ser definido por lei, sob proposta do Conselho de Reitores (...)” (n.º 2), e “Das penas aplicadas ao abrigo da autonomia disciplinar há sempre direito de recurso, nos termos da lei” (n.º 3).

E o artigo 15.º acrescenta que “cada universidade deve dispor dos meios humanos e técnicos necessários ao exercício da autonomia” (n.º 1)
e que “cabe às universidades o recrutamento e promoção dos seus docentes e investigadores, bem como do restante pessoal, nos termos da lei” (n.º 2), podendo as universidades “alterar os respectivos quadros de pessoal, desde que tal alteração não se traduza em aumento dos valores totais globais”
(n.º 5), caso em que “carecem de aprovação governamental” (n.º 6).



2. A Lei n.º 108/88 estabelece os órgãos de governo das universidades e as respectivas competências.

«O governo das universidades é exercido pelos seguintes órgãos:
a
) A assembleia da universidade; b) O reitor; c) O senado universitário;
d
) O conselho administrativo» (artigo 16.º, n.º 1).

As competências de cada um destes órgãos são definidas nos artigos 18.º, 20.º, 25.º e 26.º:
“Artigo 18.º
Competência da assembleia da universidade

Compete, designadamente, à assembleia da universidade:
a) Discutir e aprovar, por maioria absoluta dos votos expressos, os estatutos da universidade;
b) Aprovar, por maioria de dois terços dos votos expressos, as alterações aos estatutos;
c) Eleger o reitor, dar-lhe posse e decidir sobre a sua destituição.”
“Artigo 20.º
Competência do reitor

1 - O reitor representa e dirige a universidade, incumbindo-lhe, designadamente:
a) Propor ao senado as linhas gerais de orientação da vida universitária;
b) Homologar a constituição e empossar os membros dos órgãos de gestão das faculdades ou unidades orgânicas que constituem a universidade, só o podendo recusar com base em vício de forma do processo eleitoral;
c) Presidir, com voto de qualidade, ao senado e demais órgãos colegiais da universidade e assegurar o cumprimento das deliberações por eles tomadas;
d) Velar pela observância das leis e dos regulamentos;
e) Superintender na gestão académica, administrativa e financeira, mormente no que respeita a contratação e provimento do pessoal, a júris de provas académicas, a atribuição de regências, remunerações, abonos, licenças e dispensas de serviço, sem prejuízo da capacidade de delegação, nos termos dos estatutos;
f) Comunicar ao membro do Governo com responsabilidade pelo sector da educação todos os dados indispensáveis ao exercício da tutela, designadamente os planos de desenvolvimento e relatórios de actividade;
g) Definir e orientar o apoio a conceder aos estudantes no quadro dos serviços sociais e das actividades circum-escolares;
h) Reconhecer, em todas as circunstâncias previstas na lei, a urgente conveniência de serviço no provimento de pessoal.
2 - Cabem-lhe ainda todas as competências que por lei ou pelos estatutos não sejam atribuídas a outras entidades da universidade.
3 - De acordo com os estatutos e ouvido o senado, o reitor pode delegar nos órgãos de gestão das unidades orgânicas as competências que se tornem necessárias a uma gestão mais eficiente.” [12]
“Artigo 25.º
Competência do senado
Compete ao senado universitário:
a) Aprovar as linhas gerais de orientação da universidade;
b) Aprovar os planos de desenvolvimento e apreciar e aprovar o relatório anual das actividades da universidade;
c) Aprovar os projectos orçamentais e apreciar as contas;
d) Aprovar a criação, suspensão e extinção dos cursos;
e) Aprovar as propostas de criação, integração, modificação ou extinção de estabelecimentos ou estruturas da universidade;
f) Definir as medidas adequadas ao funcionamento das unidades orgânicas e serviços da universidade;
g) Pronunciar-se sobre a concessão de graus académicos honoríficos;
h) Instituir prémios escolares;
i) Exercer o poder disciplinar, em conformidade com o disposto no artigo 9.º da presente lei;
j) Fixar, nos termos da lei, as propinas devidas pelos alunos dos vários cursos ministrados na universidade, assim como as propinas suplementares relativas a inscrições, realização ou repetição de exames e outros actos de prestação de serviços aos alunos;
l) Ocupar-se dos restantes assuntos que lhe forem cometidos por lei, pelos estatutos ou apresentados pelo reitor.”

“Artigo 26.º
Conselho administrativo
1 - (...).
2 - Compete ao conselho administrativo a gestão administrativa, patrimonial e financeira da universidade, sendo-lhe aplicável a legislação em vigor para os organismos dotados de autonomia administrativa e financeira e, bem assim, o disposto na presente lei.
3 – (...).”

No exercício destas competências manifestam-se e concretizam-se momentos relevantes da autonomia universitária.

Enquanto pessoas colectivas de direito público, dotadas de autonomia administrativa e financeira, os órgãos de governo das universidades detêm o poder de, nesse âmbito, praticar actos administrativos insusceptíveis de censura por parte de outros órgãos da Administração e só sindicáveis contenciosamente [13], se lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos dos seus destinatários (artigo 268.º,
n.º 4, da Constituição).


Adiante se verá se este princípio se afirma em toda a extensão ou se comporta excepções, isto é, se e em que termos a recorribilidade contenciosa será compatível com a recorribilidade administrativa.

IV

O Estatuto e autonomia dos estabelecimentos de ensino superior politécnico contém-se na Lei n.º 54/90, de 5 de Setembro[14], aplicável exclusivamente aos estabelecimentos públicos desse tipo dependentes do Ministério da Educação [15] (artigo 51.º, n.º 1).

«Os institutos politécnicos são instituições de ensino superior que integram duas ou mais escolas superiores globalmente orientadas para a prossecução dos objectivos do ensino superior politécnico numa mesma região, as quais são associadas para efeitos de concertação das respectivas políticas educacionais e de optimização de recursos» (artigo 1.º, n.º 1), podendo ainda «integrar outras unidades orgânicas orientadas para a prossecução dos seus objectivos» (n.º 2).

«Os institutos politécnicos são pessoas colectivas de direito público, dotadas de autonomia estatutária, administrativa, financeira e patrimonial», de harmonia com o disposto nesta lei (n.º 3).

«Os institutos politécnicos devem elaborar os seus estatutos, no quadro da presente lei, e submetê-los à homologação do Governo, a fazer por despacho do Ministro da Educação» (artigo 5.º, n.º 1), deles devendo, obrigatoriamente, constar, entre o mais, «a definição dos modelos institucionais de organização, gestão e funcionamento do instituto e das escolas superiores e demais unidades orgânicas que o integram»
[n.º 2, alínea a)]
[16].

Em matéria de coordenação institucional, «Aos institutos politécnicos cabe assegurar, nos domínios da gestão do pessoal, da gestão administrativa e financeira, do planeamento global e do apoio técnico em geral as funções inerentes à coordenação das actividades das diferentes instituições que os integram, numa perspectiva de racionalização e optimização de recursos» (artigo 8.º, n.º 1).

Os artigos 10.º e 15.º regem sobre gestão administrativa e financeira e autonomia financeira.
“Artigo 10.º
Gestão administrativa e financeira
No domínio da gestão administrativa e financeira, compete aos institutos politécnicos:
a) Elaborar o projecto de orçamento;
b) Organizar a conta de gerência e submetê-Ia à apreciação do Tribunal de Contas;
c) Aprovar os orçamentos de receitas próprias;
d) Elaborar as guias e as relações para a entrega ao Estado ou a outras entidades das importâncias, descontos ou reposições que Ihes pertençam ou Ihes sejam devidas;
e) Autorizar, nos termos da lei, os actos de administração relativos ao património do instituto;
f) Coordenar a elaboração dos orçamentos das escolas superiores integradas.”
“Artigo 15.º
Autonomia financeira
1 - No âmbito da autonomia financeira, os institutos dispõem do seu património, sem outras limitações para além das estabelecidas por lei, e gerem livremente as verbas anuais que Ihes são atribuídas no Orçamento do Estado.
2 - De acordo com o número anterior, os institutos podem, designadamente:
a) Transferir verbas entre as diferentes rubricas e capítulos orçamentais;
b) Elaborar os seus programas plurianuais;
c) Obter receitas próprias, a gerir anualmente através de orçamentos privativos, conforme critérios por si estabelecidos;
d) Arrendar directamente edifícios indispensáveis ao seu funcionamento.”

Dos órgãos dos institutos politécnicos e respectivas competências curam os artigos 17.º, 18.º, 23.º e 25.º:
“Artigo 17.º
Órgãos
1 - A direcção dos institutos politécnicos é exercida pelos seguintes órgãos:
a) Presidente;
b) Conselho geral;
c) Conselho administrativo.
2 - Os estatutos de cada instituto podem criar outros órgãos, designadamente com competência disciplinar e para promoção de uma mais estreita ligação com a comunidade regional.”
“Artigo 18.º
Competências do presidente
1 - O presidente dirige, orienta e coordena as actividades e serviços do instituto, de modo a imprimir-lhes unidade, continuidade e eficiência, competindo-
-lhe, designadamente:

a) Representar o instituto em juízo e fora dele;
b) Zelar peIa observância das normas legais e regulamentares aplicáveis;
c) Presidir a todos os órgãos colegiais do instituto e velar peIa execução das suas deliberações;
d) Submeter ao Ministro da Educação todas as questões que careçam de resolução pela tutela;
e) Exercer todas as competências que, cabendo no âmbito das atribuições do instituto, não sejam, por esta lei ou pelos estatutos, cometidas a outros órgãos.
2 - O presidente pode ser coadjuvado por um ou por dois vice-presidentes, um dos quais o substitui nas suas ausências e impedimentos, e pode neles delegar parte das suas competências.” [17]
“Artigo 23.º
Conselho geral
1 – (...).
2 - Cabe ao conselho geral:
a) Estabelecer normas de funcionamento do instituto, orientadas por preocupações de coordenação das unidades orgânicas que o integram;
b) Aprovar os planos de actividades do instituto;
c) Apreciar os relatórios anuais de execução;
d) Propor a criação, alteração ou extinção das unidades orgânicas do instituto;
e) Pronunciar-se sobre outros assuntos relacionados com o funcionamento do instituto que lhe sejam presentes pelo presidente.”
“Artigo 25.º
Conselho administrativo
1 - (...).
2 - Compete ao conselho administrativo:
a) Promover a elaboração dos planos financeiros anuais e plurianuais, de acordo com os planos de actividade a que se refere a alínea a) do n.º 2 do artigo 24.º;
b) Promover a elaboração dos projectos de orçamento, bem como a sua afectação, logo que aprovada, às unidades orgânicas e aos serviços do instituto;
c) Requisitar à competente delegação da Direcção-Geral da Contabilidade Pública as importâncias das dotações inscritas no Orçamento do Estado a favor do instituto;
d) Promover a arrecadação de receitas;
e) Deliberar sobre as aquisições de bens e serviços indispensáveis ao funcionamento do instituto e promover essas aquisições;
f) Verificar a legalidade das despesas e autorizar a sua realização e pagamento;
g) Superintender na organização anual da conta de gerência e submetê-la a julgamento do Tribunal de Contas no prazo legalmente estabelecido;
h) Autorizar os actos de administração relativos ao património do instituto;
i) Promover a organização e a permanente actualização do inventário e do cadastro dos bens móveis e imóveis do instituto;
j) Pronunciar-se sobre qualquer assunto, no âmbito da sua competência, lhe seja apresentado pelo presidente;
k) Proceder à verificação regular dos fundos em cofre e em depósito.”

Perante este quadro legal, colhe quanto se disse sobre os actos dos órgãos de governo das universidades.

Sendo os institutos politécnicos, à imagem daquelas, pessoas colectivas de direito público, dotadas, além do mais, de autonomia administrativa e financeira, os seus órgãos dirigentes detêm o poder de, nesse âmbito e no exercício das respectivas competências, praticar actos administrativos, imediatamente recorríveis perante os tribunais administrativos, se lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos dos seus destinatários (artigo 268.º, n.º 4, da Constituição).

No entanto, também aqui resta apurar se este princípio se afirma de modo absoluto ou se consente restrições, do que mais adiante se cuidará.

V
No exercício de funções administrativas, compete, designadamente, ao Governo «Dirigir os serviços e a actividade da administração directa do Estado, civil e militar, superintender na administração indirecta e exercer a tutela sobre esta e sobre a administração autónoma» [alínea d) do artigo 199.º da Constituição].


São conhecidos os termos da distinção entre administração estadual directa e indirecta, consagrada mas não explicitada no texto constitucional: «a administração directa do Estado é a actividade exercida por serviços integrados na pessoa colectiva Estado, ao passo que a administração indirecta do Estado, embora desenvolvida para realização dos fins do Estado, é exercida por pessoas colectivas públicas distintas do Estado» [18].

Precisando o conceito de administração indirecta, FREITAS DO AMARAL [19] define-o de uma dupla perspectiva:

«De um ponto de vista objectivo ou material, a “administração estadual indirecta” é uma actividade administrativa do Estado, realizada para a prossecução dos fins deste, por entidades públicas dotadas de personalidade jurídica própria e de autonomia administrativa e financeira.

«De um ponto de vista subjectivo ou orgânico, a “administração estadual indirecta” define-se como o conjunto das entidades públicas que desenvolvem, com personalidade jurídica própria e autonomia administrativa e financeira, uma actividade administrativa destinada à realização de fins do Estado.»

À administração estadual indirecta pertencem, entre outros organismos, os institutos públicos, na sua tripartição clássica - serviços públicos personalizados, estabelecimentos públicos e fundações públicas -, que este Conselho Consultivo vem acolhendo [20].

FREITAS DO AMARAL define instituto público como «uma pessoa colectiva pública, de tipo institucional, criada para assegurar o desempenho de determinadas funções administrativas de carácter não empresarial, pertencentes ao Estado ou a outra pessoa colectiva pública»; e considera estabelecimentos públicos «os institutos públicos de carácter cultural ou social, organizados como serviços abertos ao público, e destinados a efectuar prestações individuais à generalidade dos cidadãos que deles careçam» [21].

Entre os estabelecimentos públicos este Autor inclui, nomeadamente, as universidades públicas [22], a propósito das quais diz [23]:

«(...) estas podem ter sido, em épocas anteriores, corporações de mestres e alunos – universitas magistrorum et scholarium (-) -, mas posteriormente foram estatizadas e burocratizadas, transformando-se em institutos públicos (-). A evolução recente - marcada pela eleição do Reitor[24], pela participação dos estudantes e de outros elementos da escola nos órgãos de gestão, e pela concessão de graus de crescente autonomia - confere às universidades públicas uma estrutura interna de índole corporativa. Mas a verdade é que existe superintendência [25] do Governo e financiamento estadual predominante, pelo que as universidades continuam a ser, essencialmente, institutos públicos estaduais (-);

«As Universidades públicas são, assim, “institutos públicos de estrutura corporativa”, correspondendo portanto à ideia de “entes públicos mistos” [26] (...).»

Nesta linha se pronuncia também VITAL MOREIRA [27]:

«Hoje em dia, o caso mais notório de instituto corporacional é o das universidades. Em muitos países gozam de autonomia, sendo os seus órgãos eleitos tanto pelos professores e funcionários (autogestão) como pelos estudantes (auto-administração ou co-administração). Nascidas na idade média como corporações de escolares, foram depois convertidas em estabelecimentos do Estado (como simples serviços ou como instituições públicas), vindo por último a recuperar dimensões de autonomia e de autogoverno (-). Por isso elas são hoje consideradas como expressão de administração autónoma (-).»

Como quer que seja, inseridas na administração indirecta ou, antes, na administração autónoma - aspecto irrelevante para a economia da presente consulta -, as universidades são institutos públicos, não integrando, pois, a administração directa do Estado e não estando, assim, sujeitas à direcção do Governo.

VI

1. «Constituindo as universidades pessoas colectivas de direito público gozando de autonomia administrativa (-), a intervenção de um órgão da administração central (administração directa do Estado) na gestão das universidades apenas se pode situar no quadro em que uma pessoa colectiva pública pode intervir na gestão de uma outra pessoa colectiva autónoma [28].

«Com efeito, a consagração dos graus de autonomia das pessoas colectivas de direito público que desenvolvem fins de interesse geral impõe a necessidade de estabelecer limites, visando harmonizar a actividade dos entes autónomos com os interesses globais do Estado e da colectividade nacional (-), isto é, procurando alcançar o "equilíbrio do corpo social", o "ajustamento à ecologia da comunidade nacional" (-).

«Importa, neste âmbito, aludir à tutela administrativa.
«Entende-se por tutela administrativa (a) "o poder conferido ao órgão de uma pessoa colectiva de intervir na gestão de outra pessoa colectiva autónoma - autorizando ou aprovando os seus actos ou, excepcionalmente, modificando-os, revogando-os ou suspendendo-os, fiscalizando os seus serviços ou suprindo a omissão dos seus deveres legais -, no intuito de coordenar os interesses próprios da tutelada com os interesses mais amplos representados pelo órgão tutelar" (-); ou, "o conjunto dos poderes de intervenção de uma pessoa colectiva pública na gestão de outra pessoa colectiva, a fim de assegurar a legalidade ou o mérito da sua actuação" (-).

«Segundo o critério do fim (b), "concebe-se, pois, uma tutela que visa aferir da legalidade da decisão da entidade tutelada, da sua conformidade à lei (tutela de legalidade); ao lado de uma tutela que procura indagar do seu mérito, isto é, se a decisão, abstraindo da sua legalidade, é ou não conveniente e oportuna, correcta ou incorrecta, dos pontos de vista administrativo, técnico, financeiro, etc. (-).

«"Segundo o conteúdo, distinguem-se três espécies fundamentais de tutela administrativa: a tutela "correctiva", tendente a corrigir os eventuais inconvenientes resultantes do conteúdo dos actos projectados ou decididos pelos órgãos tutelados; a tutela "inspectiva", traduzindo o poder de fiscalizar órgãos e serviços da pessoa colectiva tutelada, para o efeito de promover a aplicação de sanções por ilegalidade ou má gestão; a tutela "substitutiva" ou "supletiva", que consiste no poder conferido à autoridade tutelar de suprir as omissões do órgão tutelado, praticando em seu lugar os actos devidos (-).”

«"Os autores sentiram, aliás, a necessidade de autonomizar, adentro destas categorias, certas conformações que a tutela pode apresentar, a demandarem tratamento próprio."

«"Num dos mais significativos reflexos dessa atitude dogmática distinguem-se, no conteúdo da tutela correctiva, por um lado, os poderes de autorização ou aprovação dos actos da entidade tutelada, havendo no primeiro caso uma tutela a priori e no segundo uma tutela a posteriori (-).”
«"Por outro lado, os poderes de revogação, modificação ou suspensão dos actos da entidade sujeita a tutela."

«A doutrina administrativa portuguesa não incluía tradicionalmente estes últimos poderes no âmbito da tutela, muito por se considerarem dificilmente harmonizáveis a sindicabilidade contenciosa directa e a simultânea alterabilidade por via administrativa, ainda que ao abrigo de poderes tutelares, dos actos de pessoas colectivas públicas (-).

«"Mas se o rigor do princípio da autonomia e a geometria da figura jurídica do acto definitivo exigia, à partida, que dos actos executórios dos órgãos das pessoas colectivas públicas dotadas de autonomia administrativa coubesse tão-só recurso para os tribunais administrativos, a complexidade das relações sociais nas modernas sociedades industrializadas viria a impor desvios à pureza do sistema, justificando a consagração legal de recursos administrativos de actos de órgãos sujeitos, em princípio, a fiscalização jurisdicional de legalidade".

«Como rector da intervenção tutelar, considera-se, porém, o princípio expresso na fórmula "os poderes de tutela não se presumem", que significa, além do mais, que os poderes compreendidos na esfera do ente tutelar são estritamente os que a lei prevê (-).

«No que respeita à tutela, a liberdade da entidade sujeita à tutela é a regra e o controlo a excepção. A tutela há-de ser prevista na lei que designe a autoridade tutelar, e defina o conteúdo, o modo e as formas de intervenção tutelar (-).

«É o princípio contido na regra clássica "pas de tutelle sans texte, pas de tutelle au delà des textes" (-).

«A intervenção tutelar, como limite (ou excepção) à autonomia dos entes descentralizados, supõe a concorrência de uma habilitação legal para agir. A tutela apenas pode ser exercida nos casos, nos limites e segundo as condições previstas na lei; o controlo de tutela há-de ser expressamente atribuído pelo direito positivo (-).

«O princípio permite destacar duas características essenciais.
De um lado, que não existem poderes gerais de tutela; a atribuição de competência em matéria tutelar não se pode exprimir pela enunciação de uma missão de controle relativamente a uma generalidade de actos, mas apenas pelo desenvolvimento de poderes em hipóteses particularizadas, claramente determinadas na lei. O mesmo é dizer que a tutela apenas se exerce de maneira pontual nas hipóteses limitativamente especificadas.


«Por outro lado, que a autoridade tutelar, tendo o exercício das respectivas competências limitado às formas, modos e condições expressamente previstas nos textos, apenas poderá actuar, em cada caso, segundo um processo de intervenção previsto, preciso e organizado (-).

«O carácter de excepção da intervenção tutelar determina, ainda, por fim, a necessidade de interpretar prudentemente os textos legais definidores de competência. O poder tutelar constitui, por isso, um poder essencialmente 'condicionado' (-).

«A tutela de legalidade visa aferir da legalidade da decisão da entidade tutelada; se o acto praticado pela entidade sujeita a tutela estiver viciado de ilegalidade, a intervenção da entidade tutelar poderá, conforme os modos de previsão, consistir na não aprovação do acto ou na faculdade de correcção através de revogação, modificação ou suspensão do acto - tutela 'revogatória'.

«O modo privilegiado de exercício de tutela revogatória é o denominado recurso tutelar (...)», a que adiante se aludirá.


2. «A intervenção tutelar da Administração Central nas Universidades está expressamente prevista na lei, estabelecendo os necessários limites de autonomia, na coordenação com interesses nacionais mais amplos que ao órgão tutelar - Governo - cumpre prosseguir [29].

«Dispõe, com efeito, o artigo 28.º da Lei n.º 108/88, sob a epígrafe "Tutela":
“1 - O poder de tutela sobre as universidades é exercido pelo departamento governamental com responsabilidade pelo sector da educação, tendo em vista, fundamentalmente, a garantia da integração de cada universidade no sistema educativo e a articulação com as políticas nacionais de educação, ciência e cultura.
2 - Compete, designadamente, à instância tutelar:
a) Homologar os estatutos de cada universidade e as suas alterações, nos termos do disposto na presente lei;
b) Aprovar, tendo em vista a respectiva adequação à política educativa, quando tal se justifique, o número máximo de matrículas anuais, sob proposta das universidades;
c) Autorizar a criação, integração, modificação ou extinção de estabelecimentos ou unidades orgânicas das universidades;
d) Aprovar as propostas de orçamento dependentes do Orçamento do Estado;
e) Apreciar os projectos de orçamentos plurianuais e de planos de desenvolvimento a médio prazo, bem como o balanço e o relatório de actividades dos anos económicos findos, na perspectiva da atribuição dos meios de financiamento público;
f) Autorizar a alienação de bens imóveis;
g) Autorizar o arrendamento, a transferência ou a aplicação a fim diverso dos imóveis do Estado que estejam na posse ou usufruto das universidades ou dos seus estabelecimentos;
h) Autorizar a aceitação de liberalidades sujeitas a modos ou condições que envolvam acções estranhas às atribuições e objectivos dos estabelecimentos universitários;
i) Conhecer e decidir dos recursos cuja interposição esteja prevista em disposição legal expressa.” (itálico nosso)

«Afirma-se, aqui, o poder tutelar sobre as universidades e definem-
-se os limites da tutela através
de referências de finalidade do respectivo exercício.

«A formulação constante do n.º 1 apresenta-se como ampla cláusula de referência enformadora do círculo de intervenção tutelar exercida pelo departamento governamental com responsabilidade pelo sector da educação (-).

«No n.º 2, estabelecem-se, exemplificativamente, concretizações de competência tutelar que percorrem todas as modalidades de tutela (de mérito e de legalidade, preventiva e correctiva).

«Esta enumeração exemplificativa (o advérbio designadamente não pode ter outro sentido) significa que a competência tutelar sobre as universidades pode ir além da previsão concretizadora enunciada.
«Significa, pois, que houve a preocupação de ressalvar de qualquer tipificação fechada de competências da lei de autonomia, competências avulsas constantes de diplomas anteriores, e/ou eventualmente a estabelecer em intervenções legislativas posteriores (-).

«Mas, por aplicação dos princípios rectores da intervenção tutelar, significa exclusão de qualquer intervenção da instância tutelar (...), desde que não prevista expressa e directamente na lei.»

E, mais à frente, prossegue o mesmo parecer:

«A intervenção ministerial (ou do membro do Governo que por delegação ministerial tutele o ensino superior universitário) terá como quadro de competências o âmbito dos poderes de tutela e a conformação prevista na lei para o respectivo exercício.

«Na lei de Autonomia das Universidades (...), a concretização das competências da instância tutelar está enunciada apenas no artigo 28.º,
n.º 2: modalidades em que a intervenção tutelar se conforma como homologação, aprovação, apreciação 'a posteriori' de mérito, autorização e a instituição de recursos administrativos tutelares.


«Porém, ademais dos casos previstos, não se instituem, concretizados e específicos, modos ou formas processuais determinados ao exercício dos poderes de tutela relativamente às universidades.

«Mesmo a previsão geral sobre o conhecimento de recursos
[alínea i)], supõe que a respectiva interposição esteja prevista em disposição legal expressa.


«Com efeito, a cláusula da referência constante do n.º 1 do artigo 28.º, fixando de modo marcado atribuições tutelares ao departamento governamental respectivo, não constitui mais do que matriz ou padrão de exercício das respectivas competências (concretizadas ou a definir normativamente), insusceptível, pois, de se constituir autonomamente em texto definitório de alguma forma ou modo, ou processo próprio de intervenção.


«A definição (indicação) das finalidades com que devem ser exercidos os poderes de tutela, em si mesma, não assume a especificidade concretizadora de competência tutelar: cumprindo as finalidades enunciadas, seriam pensáveis intervenções de tutela de variada ordem e dimensão, sem que a priori pudesse estabelecer-se algum limite de acção.

«O carácter excepcional da tutela - o poder 'condicionado' - exclui, porém, uma interpretação que permita considerar como quadro legal de exercício de competências tutelares uma cláusula de referência, ou cláusula-
-padrão, genericamente formulada, sem concretização de modos, formas,
ou estatuições processuais suficientemente definidas.»


E o Parecer n.º 7/90 extraiu conclusões em conformidade:

«11.ª - Nos termos do artigo 28.º, n.º 1, da Lei n.º 108/88, o poder de tutela sobre as universidades é exercido pelo departamento governamental com responsabilidade no sector de educação, tendo em vista, fundamentalmente, a integração de cada universidade no sistema educativo e a articulação com as políticas nacionais de educação, ciência e cultura;

«12.ª - A intervenção da entidade tutelar deve, porém, resultar do exercício de competência expressamente estabelecida na lei, e não pode ser exercida senão nos termos, modos e formas directa e especificamente previstos;

«13.ª - A Lei n.º 108/88, sem embargo da possibilidade de posterior estabelecimento de outros modos e formas, apenas prevê, em termos directos, expressos e precisos, as formas e modos de intervenção tutelar enumerados no artigo 28.º, n.º 2; (...)»

Acolhendo esta doutrina, ponderou o Parecer n.º 12/91 [30]:

«Poderá, porventura, assacar-se à interpretação defendida por este Conselho - e que não se vê motivo para alterar - um excessivo rigor na delimitação dos poderes de tutela, apegando-se à concretização dos mesmos através de um texto legal específico (-).

«No entanto, valerá sublinhar hic et nunc a ênfase posta, por todos os intervenientes na discussão parlamentar, na defesa da autonomia universitária - qual fénix sempre renascida das cinzas -, parâmetro a que a interpretação seguida sobremaneira se acolhe. E - repare-se - na linha da postura assumida na AR pelo próprio Governo, a entidade vocacionada institucionalmente para fazer o contraponto dos interesses públicos em jogo, a qual admite a possibilidade de futura regulamentação (explicitação de outros casos).

«Aliás, o elemento gramatical do n.º 1 do artigo 28.º - o poder de tutela "é exercido" tendo em vista a garantia da integração de cada universidade no sistema educativo e a articulação com as políticas nacionais de educação, ciência e cultura - oferece suporte à visão finalística ou de referência, iluminadora da concretização desenvolvida no n.º 2, tal como se defendeu no plano interpretativo.»

Consonantemente, o Parecer n.º 12/91 concluiu, nesta parte:

«3.ª No exercício do poder de tutela só é lícito comprimir o sentido autonómico da instituição universitária quando tal promane dos termos da lei;

«4.ª O termo "designadamente" usado no n.º 2 do artigo 28.º da LAU, indicador de uma enumeração exemplificativa, permite a concretização normativa de outros modos e formas de tutela;

«5.ª No entanto, ainda que conjugado com o n.º 2, o n.º 1 daquele artigo 28.º não constitui texto autónomo que fundamente alguma forma, modo ou processo de intervenção tutelar;»

Continuando a não se ver fundamento para a modificar, reitera-se a orientação firmada nos referidos pareceres, bem como as conclusões neles alcançadas.


3. Quanto à tutela governamental sobre os institutos politécnicos, o artigo 7.º da Lei n.º 54/90 preceitua em termos muito semelhantes aos previstos para as universidades:
“Artigo 7.º
(Tutela)
1 - O poder de tutela sobre os institutos é exercido pelo departamento governamental com responsabilidade pelo sector da educação, tendo em vista, fundamentalmente, a garantia de integração de cada instituto no sistema educativo e a articulação com as políticas nacionais de educação, ciência e cultura, sem prejuízo da competência própria, nas regiões autónomas, do correspondente órgão do governo regional.
2 - No âmbito do poder de tutela que lhe é conferido, compete, designadamente, ao respectivo membro do Governo:
a Homologar os estatutos de cada instituto e as suas alterações, nos termos do disposto na presente lei;
b Autorizar a criação, integração, modificação ou extinção de estabelecimentos ou de unidades orgânicas nos institutos;
c) Aprovar as propostas de orçamento dependen­tes do Orçamento do Estado;
d) Aprovar os projectos de orçamentos plurianuais e de desenvolvimento a médio prazo, bem como o balanço e o relatório de actividades dos anos económicos findos;
e) Autorizar a alienação de bens imóveis;
f) Autorizar o arrendamento, a transferência, ou a aplicação a fim diverso, dos imóveis do Estado que estejam na posse ou no usufruto dos estabelecimentos de ensino superior politécnico;
g) Autorizar a aceitação de liberalidades sujeitas a modos, ou a condições, que envolvam acções estranhas às atribuições e objectivos dos estabelecimentos de ensino superior politécnico;
h) Conhecer e decidir dos recursos cuja interposição esteja prevista em disposição legal expressa; (itálico nosso)
i) Aprovar, em termos genéricos, a criação, suspensão e extinção de cursos;
j) (...); [31]
/) Definir o apoio a conceder aos estudantes no quadro dos serviços sociais.
3 - Quando se trate de instituições de ensino superior politécnico que dependam administrativamente de outros departamentos governamentais, a tutela das respectivas actividades de ensino é exercida conjuntamente pelo Ministro da Educação e pelo ministro competente.”

Cotejando este normativo com o equivalente artigo 28.º da Lei
n.º 108/88, constatam-se flagrantes similitudes, tanto nos objectivos essenciais da tutela, como na enumeração exemplificativa dos poderes em que a mesma se analisa.


Deste modo, a doutrina dos pareceres atrás mencionados, relativa ao poder de tutela governamental sobre as universidades, vale igualmente para a tutela sobre os institutos politécnicos.

VII

1. Cumpre agora efectuar uma aproximação às figuras do recurso hierárquico e do recurso tutelar.

Na sua caracterização se deteve já esta instância consultiva. Fê-lo, entre outros, no Parecer n.º 57/96 [32], onde, nomeadamente, se escreveu:

«Estando no cerne da tutela administrativa (...) poderes de intervenção de uma pessoa colectiva pública na gestão de outra pessoa colectiva diferente, em regra também pública, bem se compreende que tutela e hierarquia sejam realidades inconfundíveis.

«Enquanto a tutela assenta numa relação jurídica entre duas pessoas colectivas diversas, a hierarquia pode na verdade conceber-se como modelo de organização dentro de cada pessoa colectiva pública (-), importando a estruturação desta em unidades e subunidades, por ordem decrescente de dimensão e competência em razão da matéria e do lugar.

«Típico da superioridade hierárquica é o poder de direcção, traduzindo a competência do superior para dar ordens e instruções tendentes a impor aos subordinados a prática dos actos necessários ao bom funcionamento do serviço ou à mais conveniente interpretação da lei (-).

«Andam-lhe em regra associados outros poderes, de inspecção, de superintendência e disciplinar, que são então poderes hierárquicos, mas não exclusivos da hierarquia - a lei atribui muitas vezes a certa autoridade alguns deles, independentemente de qualquer relação hierárquica (-).
«As notas caracterizadoras da hierarquia que acabam de se esboçar, não vão de modo algum pressupostas à tutela administrativa.

«Mesmo que ambos os institutos envolvam «relações de controlo», não subjazem a estas, no âmbito da tutela, aqueles vínculos de supra-
-ordenação e subordinação que implicam, na cadeia hierárquica, os poderes de dar ordens, impor iniciativas, modificar ou revogar os actos praticados (-).


«As aprovações ou autorizações em que na maioria dos casos se cifra a tutela podem na realidade embargar os actos da entidade tutelada, mas não oferecem à entidade tutelar ensejo para ordenar a sua prática ou determinar o seu conteúdo.

«Semelhante possibilidade estaria nitidamente fora de questão no domínio da tutela inspectiva.

«E os casos limite de tutela supletiva transcendem o círculo próprio do ente tutelado, agindo a autoridade tutelar no uso de competência própria, embora sob a condicionante da omissão do acto (ab initio) devido.

«Excepcionalmente surgem, já se viu, faculdades de revogação ou modificação.

«Contudo, mesmo nestas situações se distanciam a tutela e a relação hierárquica: a autonomia administrativa da entidade tutelada queda intocada; continua a afirmar-se o carácter definitivo dos seus actos timbrado na recorribilidade contenciosa directa; trata-se, quando muito, de superintendência na acepção tradicional há pouco referida, não de direcção.

«Os próprios actos tutelares são directamente impugnáveis pelo ente tutelado perante os tribunais administrativos, em flagrante contraste com os actos do poder hierárquico, que não abrem aos subalternos a mesma via contenciosa.

«Ademais, o controlo hierárquico exerce-se, em princípio (...), independentemente de específica previsão legal, e de forma ampla, tanto podendo traduzir a imposição de actos como a sua revogação.


«Ao passo que, em quanto à tutela concerne, a regra é a liberdade e o controlo a excepção: a tutela há-de estar prevista em lei que, designando a autoridade tutelar, lhe defina o conteúdo e a forma do seu exercício (-);
«só existe quando a lei expressamente a prevê e nos precisos termos em que a lei a estabelecer»; pelo simples «facto de a lei prever uma tutela inspectiva, não se segue que exista tutela disciplinar, revogatória ou substitutiva»; a tutela «só existe nas modalidades que a lei consagrar, e nos termos e dentro dos limites que a lei impuser» (-).


«E daí que também a tutela revogatória seja, como dissemos, excepcional e limitada às formas e casos previstos na lei.

«Seu privilegiado instrumento é, como sabemos, o recurso tutelar, enquanto o terreno da hierarquia é, ao invés, propício ao florescimento do recurso hierárquico (...).


2. «O recurso hierárquico é um «meio de impugnação de um acto administrativo praticado por um órgão subalterno, perante o respectivo superior hierárquico, a fim de obter a revogação ou a substituição do acto recorrido» (-).

«Trata-se de uma garantia graciosa dos particulares que assenta, portanto, na própria ideia de hierarquia: só há recurso hierárquico quando há hierarquia, não há recurso hierárquico fora da relação de hierarquia, sendo esta condição, critério, fundamento e limite do recurso.

«Dispõe nesta tónica o artigo 166.º do Código do Procedimento Administrativo:
“Artigo 166.º
Objecto
Podem ser objecto de recurso hierárquico todos os actos administrativos praticados por órgãos sujeitos aos poderes hierárquicos de outros órgãos, desde que a lei não exclua tal possibilidade.”

«Fora deste condicionalismo não há, pois, lugar a recurso hierárquico.

«O que pode é haver recurso hierárquico impróprio, mas a hipótese não concerne pertinentemente à questão que nos cumpre examinar, como bem resulta do disposto no artigo 176.º, n.º 1, do mesmo Código:
“Artigo 176.º
Recurso hierárquico impróprio
1. Considera-se impróprio o recurso hierárquico interposto para um órgão que exerça poder de supervisão sobre outro órgão da mesma pessoa colectiva, fora do âmbito da hierarquia administrativa.
2. (...)
3. (...).”

«O artigo 167.º, n.º 1, do Código distingue duas modalidades de recurso hierárquico, consoante o acto recorrido seja ou não susceptível de recurso contencioso.

«No primeiro caso, o recurso é facultativo; no segundo é necessário:
“Artigo 167.º
Espécie e âmbito
1. O recurso hierárquico é necessário ou facultativo, consoante o acto a impugnar seja ou não insusceptível de recurso contencioso.
2. Ainda que o acto de que se interpõe recurso hierárquico seja susceptível de recurso contencioso, tanto a ilegalidade como a inconveniência do acto podem ser apreciadas naquele.”

«Como é sabido, a classificação assenta na noção de definitividade vertical.

«Determinados actos são verticalmente definitivos porque praticados por autoridades de cujos actos se pode recorrer directamente para os tribunais administrativos, verificando-se o inverso relativamente aos actos verticalmente não definitivos.

«Em conexão com esta classificação há que considerar, num outro plano, dois outros tipos de recursos estruturalmente bem diferenciados: o «reexame» e a «revisão».


«Os do primeiro tipo têm por finalidade a reapreciação da questão decidida pelo órgão a quo, facultando à entidade ad quem novo julgamento da causa e a adopção da melhor solução para o caso decidendo, com a inerente substituição do acto recorrido na hipótese de provimento (-).

«Os recursos do tipo revisão têm por simples escopo a apreciação do acto recorrido, a averiguação sobre a correcção ou incorrecção da decisão impugnada - sem implicarem o fundo e novo julgamento da questão subjacente -, com a consequente mera eliminação ou manutenção do acto.

«(...) os recursos hierárquicos necessários são, em princípio, de reexame, e os facultativos, por via de regra, de revisão.

«O artigo 174.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo aponta, em geral, para a «revisão», admitindo o «reexame» se a competência do autor do acto não for exclusiva.


3. «Bosquejado a traços largos o perfil do recurso hierárquico, é o momento de esboçar os rasgos caracterizadores do recurso tutelar (...) [33]

«Doutrinalmente definia-se a modalidade impugnatória em questão como «recurso administrativo mediante o qual se impugna um acto de uma pessoa colectiva autónoma, perante um órgão de outra pessoa colectiva pública que sobre ela exerça poderes tutelares ou de superintendência» (-).

«O n.º 1 do artigo 177.º do Código do Procedimento Administrativo configura-o hoje em formulação muito semelhante - «O recurso tutelar tem por objecto actos administrativos praticados por órgãos de pessoas colectivas públicas sujeitas a tutela ou superintendência» -, acrescentando o n.º 2 que uma similar espécie de recurso «só existe nos casos expressamente previstos por lei e tem, salvo disposição em contrário, carácter facultativo».

«O seu carácter excepcional advém de que a competência correctiva do órgão tutelar - e o poder de superintendência, por natureza - não compreende normalmente poderes revogatórios, os quais só podem, portanto, ser exercidos, como se evidenciou, nos termos em que a lei directamente os confere, ou institui um recurso administrativo para a autoridade tutelar (-). (sublinhado agora)

«Não basta, pois, que a lei preveja a existência de uma relação de tutela: é preciso que essa tutela abranja especificadamente poderes de supervisão (revogação ou recurso) do órgão tutelar em relação aos actos do tutelado (ou outros poderes que o pressuponham)» (-).

«Incluído durante tempo na categoria dos recursos hierárquicos em sentido amplo, ou catalogado por alguns sectores como recurso hierárquico impróprio, o recurso tutelar viu progressivamente reconhecida a sua autonomia dogmática (-), obteve acolhimento nos artigos 269.º e 270.º do Projecto do Código de Processo Administrativo Gracioso (-), até receber consagração legal no novel Código do Procedimento Administrativo.

«Mesmo antes do Código já não era efectivamente possível reconduzi-lo ao conceito de recurso hierárquico, posto que o traço característico deste, a subordinação hierárquica do órgão a quo ao órgão
ad quem
, cede o passo, na relação tutelar, à autonomia do primeiro em face do segundo.

«Mercê, por conseguinte, da radical antinomia, já salientada, entre a hierarquia, vera essência do recurso hierárquico, e a tutela administrativa, não seria de todo possível enxertar no âmbito das relações tutelares uma tal espécie de recurso.

«Inadequada, do mesmo modo, a classificação do recurso tutelar, por inspiração da doutrina italiana, na classe dos recursos hierárquicos impróprios, que assentam ainda numa relação análoga ou afim da hierarquia, numa relação de hierarquia imperfeita, enquanto aquele «se situa para lá das fronteiras da hierarquia - num terreno vizinho, é certo, pertencente à mesma região, sem dúvida, mas apesar de tudo estrangeiro».

«É claro que a questão conceitual do nomen iuris era o menos, se a disciplina jurídica do recurso hierárquico impróprio valesse para o recurso tutelar.

«Parece, contudo, que nem isso acontecia.
«Em todo o caso, o rasgo de regime peculiar dos recursos tutelares por contraposição aos recursos hierárquicos residia verdadeiramente na amplitude dos poderes de cognição e decisão reservados à entidade
ad quem
num e noutro caso.

«Sobrelevando, de facto, a existência ou inexistência de hierarquia, e o carácter geral ou excepcional dos recursos - aspectos já sublinhados como diferenciadores dos tipos em confronto -, perfilava-se o princípio expresso no adágio “os poderes de tutela não se presumem”, significando além do mais que os poderes compreendidos na esfera do órgão tutelar são estritamente os que a lei prevê (-).

«Mas, nesta óptica, compreendia-se então que, instituindo a lei o recurso tutelar sem especificação de poderes de decisão da instância de tutela, devessem estes confinar-se à faculdade de revogação.

«Ou seja, na falta de específica disposição legal em sentido diverso, o recurso tutelar permitia à entidade ad quem tão-só a mera “revisão” do acto recorrido, a eliminação ou manutenção deste, em lugar do seu “reexame”, em lugar, vale dizer, de uma nova apreciação e decisão da questão subjacente, que já podia ter lugar no recurso hierárquico (-).

«Tal como, se a lei atribuísse explicitamente a competência revogatória, deveria apenas considerar-se incluído o puro e simples poder de revogação, mas não o de emanar uma nova regulação material substitutiva.

«Ora, vão precisamente no sentido exposto as disposições pertinentes do Código do Procedimento Administrativo.

«O artigo 174.º, n.º 1, há momentos aludido, dispõe, estatuindo no tocante aos recursos hierárquicos:
“Artigo 174.º
Decisão

1. O órgão competente para conhecer o recurso pode, sem sujeição ao pedido do recorrente, salvas as excepções previstas na lei, confirmar ou revogar o acto recorrido; se a competência do autor do acto recorrido não for exclusiva, pode também modificá-lo ou substituí-lo.
2. O órgão competente para decidir o recurso pode, se for caso disso, anular, no todo ou em parte, o procedimento administrativo e determinar a realização de nova instrução ou diligências complementares.”

«E o artigo 176.º, n.º 3 preceitua serem aplicáveis ao recurso hierárquico impróprio, com as necessárias adaptações, as disposições reguladoras do recurso hierárquico.

«Quanto ao recurso tutelar providencia, como já sabemos, o artigo 177.º, cujo n.º 5 manda aplicar-lhe outrossim as disposições reguladoras do recurso hierárquico, mas agora unicamente na parte em que não contrariem a natureza própria do recurso tutelar, e o respeito devido à autonomia da entidade tutelada.

«Ora, elemento não despiciendo na definição da natureza própria do recurso tutelar para além daqueles a que se referem os n.ºs 1 e 2, já recenseados, e também o n.º 3, é, sem dúvida, a impossibilidade, estatuída no n.º 4, de modificação ou substituição do acto recorrido, a menos que a lei confira poderes de tutela substitutiva e no âmbito destes:
“Artigo 177.º
Recurso tutelar

1. O recurso tutelar tem por objecto actos administrativos praticados por órgãos de pessoas colectivas públicas sujeitos a tutela ou superintendência.
2. O recurso tutelar só existe nos casos expressamente previstos por lei [34] e tem, salvo disposição em contrário, carácter facultativo.
3. O recurso tutelar só pode ter por fundamento a inconveniência do acto recorrido nos casos em que a lei estabeleça uma tutela de mérito.
4. A modificação ou substituição do acto recorrido só é possível se a lei conferir poderes de tutela substitutiva e no âmbito destes.
5. Ao recurso tutelar são aplicáveis as disposições reguladoras do recurso hierárquico, na parte em que não contrariem a natureza própria daquele e o respeito devido à autonomia da entidade tutelada.”»

Em resumo: de natureza excepcional e carácter facultativo (salvo disposição em contrário), «o recurso tutelar, quando existir, é «de mera reapreciação ou revisão (da legalidade) de actos administrativos respeitantes a actos da competência dispositiva exclusiva do tutelado, que o órgão tutelar apenas pode anular (ou confirmar)», excepto quando «a lei configurar os recursos tutelares como sendo de âmbito e alcance diversos desses, que lhe cabem em princípio.»

«Para que o recurso tutelar seja admissível, é preciso que o órgão de uma pessoa colectiva tenha, por força de lei expressa, competência revogatória em relação aos actos de órgãos de outra pessoa colectiva -
-
ou, por outra via, que os actos desta estejam sujeitos a recurso para o órgão de outra pessoa colectiva[35] (itálico nosso)

VIII

1. Como vimos, enquanto institutos públicos, as universidades e os institutos politécnicos estão sujeitos à tutela mas não à direcção governamental e gozam de autonomia administrativa.

Detêm, assim, o «poder de praticar actos administrativos verticalmente definitivos, actos finais, no sentido de que constituem a última palavra da Administração, nessa qualidade insusceptíveis de censura por outros órgãos administrativos e só sindicáveis pelos tribunais administrativos» [36].

Resta, porém, indagar se tal poder se afirma em toda a dimensão autonómica desses estabelecimentos ou se comporta algumas limitações.

No aludido parecer do Senhor Secretário-Geral pondera-se e interroga-se, a dado passo:

«Efectivamente, as normas constantes dos n.ºs 2 dos arts. 28.° e 7.° das citadas Leis n.ºs 108/88 e 54/90, respectivamente, vêm concretizar a forma e o conteúdo dos poderes que competem à instância tutelar.

«Compulsados aqueles preceitos legais, e não obstante a autonomia das universidades ser mais ampla do que a de outros estabelecimentos de ensino superior, verifica-se que (...), prevendo-se, ademais, e em ambos os casos, a competência de “conhecer e decidir dos recursos cuja interposição esteja prevista em disposição legal expressa” (cfr. alíneas i) e h) dos n.ºs 2 dos arts. 28.º e 7.º, respectivamente, das Leis n.ºs 108/88, de 24/9 e 54/90, de 5/9).

«A competência da entidade tutelar para conhecer e decidir dos recursos de actos administrativos praticados pelos órgãos das universidades e dos institutos politécnicos surge enquadrada na relação tutelar estabelecida entre a universidade ou o instituto politécnico e o membro do Governo responsável pelo respectivo sector (...).

«É então legítimo perguntar se ao recurso referido naquelas alíneas são aplicáveis as disposições do Código do Procedimento Administrativo relativas aos recursos hierárquico, hierárquico impróprio ou tutelar (vide arts. 166.º e seguintes do CPA)? Por outro lado, sabendo que o recurso se alicerça em disposição legal expressa, poderemos considerar como tal o disposto no art.º 43.º do Dec.-Lei n.º 204/98, de 11/7 (-), ou no art. 75.º,
n.º 8, do Estatuto Disciplinar (-) (só para citar alguns exemplos mais comuns)? E em que casos?»


Para responder a estas perguntas e, assim, ajuizar da viabilidade ou não de recurso hierárquico ou tutelar, encarar-se-ão os exemplos apontados - recrutamento e selecção de pessoal e procedimento disciplinar -, começando por este último.


2. A exposição precedente induz a conclusão da inadmissibilidade de recurso hierárquico proprio sensu dos actos praticados pelos órgãos dirigentes das universidades e dos institutos politécnicos, no exercício
das competências abrangidas no âmbito da respectiva autonomia administrativa
[37].
O recurso hierárquico assenta na ideia de hierarquia e não pode conceber-se fora de uma relação hierárquica [38].

Não existe, porém, semelhante relação entre as universidades e os institutos politécnicos e o Governo.

As relações intercedentes entre uns e outro são, antes, de natureza tutelar, vínculo inconfundível e antinómico com a relação de hierarquia.

No domínio desse tipo de relações prefiguram-se, é certo, os denominados recursos tutelares.

Não basta, porém, que a lei se limite a estabelecer uma relação de tutela. É mister que nesta se compreendam poderes de revogação, ou que o recurso tutelar seja, pelo menos, admitido.

Sucede, no entanto, que semelhante recurso não se encontra previsto nas leis de autonomia das universidades e dos institutos politécnicos.

Os recursos hierárquicos não poderiam, por conseguinte, admitir-se como tutelares, com fundamento nas leis de autonomia desses estabelecimentos - sendo por igual insusceptíveis de acomodação na classe dos recursos hierárquicos impróprios, tais como o artigo 176.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo os caracteriza -, visto que os poderes revogatórios têm que resultar especialmente da lei.

Só que este suporte legal não tem de confinar-se nos estreitos limites das leis de autonomia das universidades e dos institutos politécnicos.


«E se é verdade que os actos de órgãos dirigentes dos institutos públicos são, em princípio, actos definitivos e executórios, dos quais cabe recurso contencioso directo, como a seu tempo se notou, o certo é que a recorribilidade contenciosa não é incompatível com a recorribilidade administrativa (i)

Neste sentido se pronunciou o Tribunal Constitucional [39], face à nova redacção do n.º 4.º do artigo 268.º da Constituição [40], introduzida pela Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de Julho:

«I - A evolução constitucional do direito de acesso aos tribunais administrativos aponta para o aprofundamento das garantias dos administrados. Na perspectiva do legislador constitucional, a alteração ao
n.º 4 do artigo 268.º significou o propósito de desvincular a garantia de recurso tradicional de acto definitivo e executório, pondo a sua tónica nos actos que são susceptíveis de impugnação contenciosa, ao abrigo do disposto na citada norma constitucional.

II - Não se pode concluir, porém, que seja hoje inconstitucional qualquer exigência de recurso hierárquico necessário. Quando a interposição deste recurso não obsta a que o particular interponha no futuro, utilmente, em caso de indeferimento, recurso contencioso, não terá sido violado o direito de acesso aos tribunais administrativos, tal como é conformado pelo artigo 268.º, n.º 4, da Constituição. Nesta situação, a precedência de recurso hierárquico tem como efeito determinar o início do prazo para a interposição de recurso contencioso, sem o restringir nem acarretar a sua inutilidade.
III - No caso vertente, a exigência de prévia interposição de recurso hierárquico (necessário) (...) não obsta à posterior interposição de recurso contencioso nem afecta a sua utilidade. Tal exigência não contraria, por conseguinte, a norma do n.º 4 do artigo 268.º da Constituição.»
E assim tem decidido também o Supremo Tribunal Administrativo:

«V - O afastamento, pela revisão constitucional de 1989, dos requisitos da definitividade e da executoriedade como determinantes da admissibilidade da impugnação contenciosa do acto, focalizando-se agora o critério de selecção no carácter lesivo ou não lesivo do acto, face a direitos ou interesses legalmente protegidos, não implica a abertura de um recurso contencioso imediato, sendo admissível que se imponha ao administrado o prévio esgotamento das vias graciosas, a não ser naqueles casos em que o percurso imposto por lei para se alcançar a reacção contenciosa esteja de tal modo eriçado de escolhos que, na prática, suprima ou restrinja em medida intolerável o direito dos cidadãos ao recurso contencioso.
VI - Com efeito, ressalvadas estas situações excepcionais, a exigência legal do pressuposto da impugnação administrativa necessária não contraria o n.º 4 do art.º 268.º da CRP, pois se trata de um condicionamento legítimo do direito de recurso contencioso, e não de uma sua restrição, dado que o acto é recorrível mediatamente, incorporado no acto, expresso ou silente, que decide o recurso hierárquico.» [41] [42]

Ora, dispõe o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei
n.º 24/84, de 16 de Janeiro
[43]:
“Artigo 75.º
(Recurso hierárquico)
1. O arguido e o participante podem recorrer hierarquicamente dos despachos que não sejam de mero expediente, proferidos por qualquer dos funcionários e agentes mencionados no artigo 16.º.
2. O disposto no número anterior é aplicável ao recurso das decisões proferidas em processo disciplinar em que o arguido seja funcionário ou agente dos institutos públicos.
3. O recurso hierárquico interpõe-se directamente para o membro do Governo competente, no prazo (...).
(...)
6. A interposição do recurso hierárquico suspende a execução da decisão condenatória e devolve ao membro do Governo a competência para decidir definitivamente, podendo este mandar proceder a novas diligências, manter, diminuir ou anular a pena.
7. A pena só pode ser agravada ou substituída por pena mais grave em resultado de recurso do participante.
8. Da aplicação de quaisquer penas que não sejam da exclusiva competência de um membro do Governo cabe recurso hierárquico necessário.” (itálicos nossos)

«Nos termos do artigo 75.º, o recurso é hierárquico, mas a qualificação há-de naturalmente ser entendida em termos hábeis quando perspectivada na tónica das relações tutelares, mormente à luz da credencial plasmada no n.º 2. [44]

«Neste domínio, o recurso reclama, porventura, com propriedade, a acreditação como recurso tutelar.

«Mais, no entanto, do que um compromisso formal de conceptualização teorética importará a delimitação dos rasgos determinantes do seu regime jurídico.

«Em primeiro lugar, o recurso tem efeito suspensivo (n.º 6) e a decisão condenatória não será, portanto, executada antes da decisão do recurso.

«Em segundo lugar, o membro do Governo ad quem pode mandar proceder a novas diligências, manter, diminuir ou anular a pena (n.º 6).

«Aliás, a pena só pode ser agravada ou substituída por pena mais grave em recurso do participante da infracção disciplinar (n.º 7), ficando a reformatio in peius consequentemente arredada na hipótese de recurso do arguido (...), em sintonia, nesta medida, com o regime regra do n.º 4 do artigo 177.º do Código do Procedimento Administrativo.

«Por último, o recurso sub iudicio tem carácter necessário (n.º 8), devolvendo ao membro do Governo competente o poder de decidir definitivamente (n.º 6, in fine), no que não deixa de harmonizar-se com o regime do n.º 2 do mesmo artigo 177.º, enquanto atribui ao recurso tutelar natureza facultativa, salvo disposição em contrário

«Em densificação do último aspecto focado, ponderadas alterações adrede introduzidas no Estatuto Disciplinar em 1984, escreveu-se no
parecer deste corpo consultivo n.º 52/87
[45], citando o Supremo Tribunal Administrativo:

«Na verdade, o artigo 75.º, n.º 2, do E.D., exprimindo um intuito claramente centralizador, em matéria disciplinar, faculta aos arguidos que sejam funcionários ou agentes dos institutos públicos a interposição de recuso hierárquico (ou tutelar) dos despachos proferidos pelos seus superiores hierárquicos [...], directamente para o membro do Governo competente (n.º 3), ou seja, o que exerce o poder tutelar sobre o organismo. Este recurso administrativo, que devolve ao membro do Governo a competência para decidir definitivamente (n.º 6), é necessário, como, sem ambiguidade, dispõe expressamente o n.º 8; quer dizer, se o arguido pretender seguir a via contenciosa, tem de previamente interpor recurso administrativo, a fim de obter o acto definitivo susceptível de ser impugnado perante o tribunal administrativo.
«Falta, em suma, ao acto recorrido, um atributo - a definitividade - o que o torna insusceptível de recurso (artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 267/85 -
- L.P.T.A.).»



3. Recorde-se o disposto na Lei n.º 108/88 (itálicos nossos):
“Artigo 3.º
Natureza jurídica da universidade
1 - As universidades são pessoas colectivas de direito público e gozam de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa, financeira e disciplinar.
(...).”
“Artigo 9.º
Autonomia disciplinar
1 - As universidades dispõem do poder de punir, nos termos da lei, as infracções disciplinares praticadas por docentes, investigadores e demais funcionários e agentes.
2 - O regime disciplinar aplicável aos estudantes deve ser definido por lei, sob proposta do Conselho de Reitores, após audição das estruturas representativas dos estudantes.
3 - Das penas aplicadas ao abrigo da autonomia disciplinar há sempre direito de recurso, nos termos da lei.”

Neste âmbito e a propósito da questão de saber «a quem compete aplicar, quando seja caso disso, as penas de demissão ou de aposentação compulsiva?», discorreu-se no Parecer n.º 12/91:

«Vimos supra (...) o teor daquelas normas [artigos 3.º, n.º 1, e 9.º,
n.º 1]. Haverá agora a acrescentar que o artigo 25.º da LAU inclui na competência do senado universitário o exercício do "poder disciplinar em conformidade com o disposto no artigo 9.º” [alínea
i)], sendo constituída, para esse efeito, uma secção permanente, integrada por representantes de todos os corpos, nos termos definidos pelos estatutos da universidade
(n.º 5 do artigo 24.º).


«O reitor preside ao senado, detendo voto de qualidade - alínea c) do n.º 1 do artigo 20º.

«Curiosamente, o citado artigo 9.º da LAU remete, nos seus três números, para outra(s) lei(s).

«Todavia, enquanto manifestamente o n.º 2 se refere a uma lei vindoura, a publicar observado certo ritualismo - sobre o regime disciplinar aplicável aos estudantes -, nos n.ºs 1 e 3 envia-se para os termos da lei já existente.

«Esclarecido em que consiste essa remissão do n.º 1 - "as universidades dispõem de poder de punir, nos termos da lei...(os) funcionários e agentes" -, encontrada estará a resposta àquela pergunta.»


Detendo-se na análise dos antecedentes da LAU, o Parecer passa em revista os respectivos projectos e proposta de lei.

«No Projecto de Lei n.º 230/V (Partido Socialista) (-) afirmava-se expressamente no seu artigo 12.º, n.º 1, que a autonomia disciplinar das universidades significava o poder de punir, "nos termos da lei, todas as infracções disciplinares imputáveis aos membros do seu pessoal docente e de investigação, aos demais funcionários e aos estudantes", sendo os regimes disciplinares definidos pelo Estado, ouvido o Conselho de Reitores, idênticos para todas as universidades (n.º 2 do artigo 12.º).

«A composição do conselho disciplinar e a sua competência específica seriam definidas nos estatutos da universidade (artigo 26.º).

«Já no Projecto de Lei n.º 243/V (Partido Comunista Português) (-), esta matéria aparece mais explícita, dizendo-se claramente da competência do senado universitário as "formas (sic) de demissão ou aposentação compulsiva de funcionários" - artigo 31.º, n.º 2.

«O Projecto de Lei n.º 252/V (Partido Renovador Democrático) (-), que se diz inspirado no modelo de projecto apresentado, em 1980, ao Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas pela Reitoria da Universidade de Coimbra, com sucessivos contributos de universitários, continha também normas sobre a matéria que ora nos interessa.

«Considerando compreendido na autonomia disciplinar "o poder de definir o regime da disciplina no seio da universidade" (artigo 10.º), competiria ao senado universitário eleger o conselho disciplinar e "aplicar as penas disciplinares de aposentação compulsiva e de demissão", designadamente aos funcionários [artigo 29.º, n.º 1, alíneas p) e q)].

«No Projecto de Lei n.º 256/V (Centro Democrático Social), que igualmente se reclama da reflexão da universidade portuguesa, nada se discriminava em termos que esclareçam o ponto em foco (-).

«Por seu lado, a Proposta de Lei n.º 62/V, apresentada pelo Governo (-) - que deliberadamente aproveita muito do Projecto elaborado ao longo de vários anos no Conselho de Reitores, como se diz na exposição de motivos -, incluía referências à autonomia disciplinar nos artigos 7.º, 15.º, alínea h) (reitor), e 19.º, alínea l) (senado). Algo significativo se mostra o artigo 7.º:

«"Sem prejuízo do disposto no Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, as universidades dispõem, no âmbito da autonomia disciplinar, do poder de definir o regime complementar da disciplina no seio da universidade e de punir, nos termos da lei, as infracções imputáveis aos docentes, investigadores e demais funcionários, bem como estabelecer o regime disciplinar aplicável aos estudantes."

«Da discussão dos vários projectos e proposta de lei não se colhem indicações decisivas, posto que de algum interesse se revele conhecer os pontos de vista mais próximos da proposta que acabou por se repercutir, de forma mais nítida, no texto da LAU, sendo certo que todos baixaram à Comissão, aprovados na generalidade.

«Com efeito, nos n.ºs 1 e 2 do artigo 9.º da LAU recolhe-se, de algum modo, o essencial do que se dizia no artigo 7.º da Proposta de Lei
n.º 62/V, pelo menos no tocante ao regime disciplinar dos funcionários e agentes.


«O Governo afirmou quanto à autonomia disciplinar:

«"...optou-se neste projecto por remeter o respectivo regime, no essencial, para os estatutos a elaborar em cada universidade, ressalvando, quanto aos docentes e aos funcionários, os princípios fundamentais que constam da lei geral " (sublinhado agora) (-).

«De uma coisa não parece legitimo duvidar-se: o poder de punir docentes, investigadores e demais funcionários e agentes, exercido nos termos da lei, significa uma remissão para a lei que é o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local -
- hoje, o aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro
(*)


«Ora, segundo o disposto no artigo 17.º do Estatuto Disciplinar sobre competências:

"1. (...).
2. A aplicação das penas previstas nas alíneas b) a d) do n.º 1 do artigo 11º é da competência dos secretários gerais e dos directores-gerais e equiparados, nomeadamente dos dirigentes dos institutos públicos.
3. (...).
4. A aplicação das penas expulsivas referidas nas alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 11.º e da pena de cessação da comissão de serviço referida no n.º 2 do mesmo artigo é da competência exclusiva do Governo...".

«Não se vê qualquer outra norma ou princípio que sirvam de esteio ao afastamento do disposto neste n.º 4 do artigo 17.º no que respeita ao regime disciplinar dos docentes, investigadores e demais funcionários e agentes. A autonomia disciplinar, tal como ficou transposta na lei, não permite, por si, dar suporte a outra conclusão.

«Poderia argumentar-se com o facto de as universidades praticarem, em regra, actos definitivos e executórios, princípio que, embora não consagrado expressamente, não resta qualquer dúvida na sua admissão.

«Da discussão parlamentar resulta seguro que as universidades podem praticar actos com essas características, sendo até pleonástica a sua menção expressa. Porém, já não é seguro que tal faculdade se estenda para além da matéria administrativa e financeira, nomeadamente à matéria disciplinar. (sublinhado agora)

«A não existência de um regime especial para os docentes universitários, funcionários e agentes e a remissão para o Estatuto Disciplinar, aliadas à classificação [das universidades] como instituto público a que aludimos, arrasta (...) como consequência a possibilidade do recurso ("hierárquico") a que se refere o artigo 75.º, n.ºs 2 e 8, do mesmo (-) [46].
«No domínio do Estatuto disciplinar de 1979, os órgãos dirigentes dos institutos públicos estavam equiparados aos ministros para efeito de aplicação de sanções disciplinares, situação que se alterou no sentido indicado com o vigente Estatuto Disciplinar (x1).


«Algo chocante se pode considerar a conclusão alcançada face a um desejo, quase subliminar, de reforço de autonomia global das universidades.

«No entanto, o conjunto das normas e a sua articulação coerente não permitem, a nosso ver, encarar outra solução.

«A remissão expressa para a lei (geral) disciplinar e a existência dessa previsão de recurso constituirão os pressupostos claros para a intervenção do recurso tutelar a que alude a alínea i), n.º 2, do artigo 28.º da LAU (-).»

E, nesta parte, o citado Parecer extrai conclusão em conformidade:

«9.ª A aplicação, em processo disciplinar, das penas expulsivas de aposentação compulsiva e demissão não compete aos órgãos executivos das universidades mas ao membro do Governo com poderes de tutela sobre as mesmas - artigos 9.º, n.º 1, da LAU e 17.º, n.º 4, do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro;».

Embora circunscrita à resposta a uma questão muito precisa, esta conclusão funda-se, como vimos, na interpretação das normas consagradoras da autonomia disciplinar das universidades.

Segundo essa interpretação, o poder de punir, nos termos da lei, docentes, investigadores e demais funcionários e agentes significa uma remissão para o Estatuto Disciplinar vigente, pois a autonomia disciplinar das universidades, tal como contemplada na Lei n.º 108/88, não permite, por si, dar suporte a outra conclusão. Sendo, embora, certo que as universidades podem praticar actos definitivos e executórios, não é seguro que tal faculdade se estenda para além da matéria administrativa e financeira, nomeadamente à matéria disciplinar.

Com efeito, a não existência de um regime especial para os docentes, investigadores e demais funcionários e agentes e a remissão para o Estatuto Disciplinar, aliadas à classificação das universidades como instituto público, arrastam como consequência a possibilidade do recurso (hierárquico) a que se refere o artigo 75.º, n.ºs 2 e 8, desse Estatuto.
Assim, o conjunto das normas em causa e a sua articulação coerente não permitem encarar outra solução, já que a remissão expressa para a lei (geral) disciplinar e a existência dessa previsão de recurso constituirão os pressupostos claros para a intervenção do recurso tutelar a que alude a alínea i), n.º 2, do artigo 28.º da Lei n.º 108/88.

O referido Parecer não deixa, porém, de admitir que pode considerar-se algo chocante a conclusão alcançada, face a uma ideia de reforço de autonomia global das universidades, assim como não exclui, de todo, uma “leitura” da norma do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 108/88 que permita encontrar fundamento para a emissão legal de um estatuto disciplinar especial para o referido pessoal.

Esta ressalva convida, desde logo, a reponderar a questão.

O resultado da referida interpretação conduz à neutralização da autonomia disciplinar das universidades, consagrada nos já transcritos artigos 3.º, n.º 1, e 9.º da Lei n.º 108/88.

Na verdade, na tese daquele Parecer, a norma do n.º 1 do artigo 9.º, ao aludir aos termos da lei, só consente um de dois entendimentos: a aplicação, por remissão, do Estatuto Disciplinar vigente, ou a edição de um estatuto disciplinar especial para os docentes, investigadores e demais funcionários e agentes.

Ora, inexistindo - como inexiste - esse estatuto disciplinar especial, regeria na matéria o Estatuto Disciplinar - também aplicável, por igual, ao pessoal dos institutos politécnicos, como adiante melhor se dirá.

Donde resulta que, neste âmbito, as universidades - às quais a lei reconhece autonomia disciplinar - ficariam igualadas aos institutos politécnicos - aos quais a lei não concede tal autonomia. Mais ainda: as universidades ficariam no mesmo plano de qualquer instituto público, sujeitas, por inteiro, ao Estatuto Disciplinar.

Mas, como o aludido Parecer concedeu, este “esvaziamento” da autonomia disciplinar das universidades não pode deixar de considerar-se chocante.

As universidades gozam de autonomia disciplinar (artigo 3.º, n.º 1); dispõem do poder de punir, nos termos da lei, as infracções disciplinares praticadas por docentes, investigadores e demais funcionários e agentes (artigo 9.º, n.º 1); das penas aplicadas ao abrigo da autonomia disciplinar há sempre direito de recurso, nos termos da lei (n.º 3), e compete ao senado universitário exercer o poder disciplinar, em conformidade com o disposto no artigo 9.º [artigo 25.º, alínea i)], para cujo efeito é constituída uma secção permanente (artigo 24.º, n.º 5).

Sendo, pois, inquestionável que o legislador atribuiu autonomia disciplinar às universidades, impõe-se apurar o sentido e o alcance dos termos em que o fez - à luz de uma interpretação que concilie a salvaguarda do “núcleo essencial” dessa autonomia com a observância das regras fundamentais do regime disciplinar constante da lei geral.

Nesta óptica, parece dever entender-se que o poder de punir, nos termos da lei, significa a competência para a aplicação de todas as penas previstas nos n.ºs 1 e 2 do Estatuto Disciplinar - incluindo, pois, as expulsivas (aposentação compulsiva e demissão) e a de cessação da comissão de serviço, cuja aplicação o artigo 17.º, n.º 4, do Estatuto Disciplinar reserva para os membros do Governo competentes -, penas essas das quais cabe recurso contencioso directo.

Ressalvada esta competência e respectivas implicações, regerá no mais o Estatuto Disciplinar, v. g., quanto a princípios fundamentais, penas disciplinares e seus efeitos, factos a que são aplicáveis as diferentes penas disciplinares, processo disciplinar, etc.

Esta interpretação preserva a essência da autonomia disciplinar universitária e compatibiliza-a com os ditames da lei disciplinar geral.

Na verdade, o n.º 1 do artigo 9.º refere-se, de modo específico, ao poder de punir - e não, genericamente, ao poder disciplinar, conceito mais amplo que abrange aquele e é extensivo a todos os institutos públicos.

Enquanto o «poder disciplinar consiste na faculdade e dever que o superior hierárquico possui de manter a ordem nos serviços, inclusive, para tanto, punindo os subalternos ou accionando os mecanismos necessários para tal (quando a pena a aplicar exceda a sua competência)», a aplicação das penas - o poder de punir - é a «faceta mais importante» do poder disciplinar, a qual, «dado o grande melindre que envolve», continua «a ser, em princípio, monopólio das cúpulas da hierarquia.» [47]

Não intercedendo, porém, entre as universidades e o Governo, qualquer relação de hierarquia, e gozando elas de autonomia disciplinar, o poder de punir que a lei lhes confere radica, por inteiro e em exclusivo, nos respectivos órgãos dirigentes.

E por isso, apenas nesta perspectiva se compreenderá a atribuição directamente pela lei, como necessária injunção estatutária, de competência disciplinar ao senado universitário [artigo 25.º, alínea i), da Lei n.º 108/88].

Por outro lado, ao estatuir que das penas aplicadas ao abrigo da autonomia disciplinar há sempre direito de recurso nos termos da lei, o n.º 3 do artigo 9.º, conjugado com o n.º 1, aponta claramente para a impugnação contenciosa directa dos actos aplicadores de penas disciplinares.

O que, nesta visão das coisas, se harmoniza, aliás, com o disposto no artigo 74.º do Estatuto Disciplinar, segundo o qual «Das decisões condenatórias dos ministros e demais entidades competentes cabe recurso contencioso directo nos termos gerais» (itálico nosso).

Em abono da solução preconizada pode invocar-se, de resto, o caso paralelo das autarquias locais, a cujos órgãos executivos o artigo 18.º, n.º 3, do Estatuto Disciplinar outorga competência «para aplicação aos funcionários e agentes dos respectivos quadros privativos de todas as penas disciplinares previstas n.º 1 do artigo 11.º» [alínea a)], bem como «para aplicação da pena de cessação da comissão de serviço» [alínea c)].

Assim, dado que, nos termos da Constituição (artigos 235.º e segs.) e da lei [artigo 81.º (“Princípio da independência”) da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro [48]], também não intercede qualquer relação de hierarquia entre as autarquias locais - pessoas colectivas territoriais pertencentes à administração autónoma - e o Governo, as deliberações sancionatórias daquelas só podem ser impugnadas contenciosamente [49].

«Elemento co-natural a toda a ideia de auto-administração é a capacidade de praticar actos jurídicos - nomeadamente actos administrativos definitivos e executórios -, que não estejam sujeitos a outro controlo que não o controlo judicial. De resto, esta capacidade, se é própria da administração autónoma, não é de modo nenhum uma característica exclusiva, pois é comum à administração indirecta e pode até ocorrer em certos fenómenos de desconcentração.
«(...)
«Um dos traços típicos da auto-administração corporacional é a autonomia disciplinar, isto é, a capacidade de definir e/ou julgar as infracções às leis e aos regulamentos e aplicar as competentes sanções aos membros da colectividade ou agrupamento auto-administrado (-).» [50]


4. Já assim não sucede relativamente aos institutos politécnicos.

Por um lado, a Lei n.º 54/90 não lhes reconhece - nem às escolas superiores, neles integradas ou não - autonomia disciplinar (artigos 1.º, n.º 3, 2.º, n.º 4, e 41.º, n.º 1).

Por outro, esse diploma só em termos limitados alude à vertente disciplinar nos artigos 17.º (Secção relativa a órgãos e serviços dos institutos), 27.º (Secção referente às atribuições das escolas superiores), e 47.º (Disposições finais e transitórias) (itálicos nossos):
“Artigo 17.º
Órgãos
1 - A direcção dos institutos politécnicos é exercida pelos seguintes órgãos:
(...)
2 - Os estatutos de cada instituto podem criar outros órgãos, designadamente com competência disciplinar e para promoção de uma mais estreita ligação com a comunidade regional.”
“Artigo 27.º
Autonomia administrativa e financeira
1 – A autonomia administrativa das escolas envolve a capacidade de:
a) (...);
b) Propor o recrutamento do pessoal não docente necessário à prossecução dos seus objectivos;
c) Atribuir responsabilidades e tarefas ao pessoal da unidade ou escola e proceder à sua distribuição pelos serviços, de acordo com as normas gerais aplicadas (sic);
d) Assegurar a gestão e disciplina daquele pessoal, sem prejuízo da competência própria dos órgãos do instituto nesta matéria;
(...).”
“Artigo 47.º
Regime disciplinar

1 - O regime disciplinar aplicável aos estudantes deve ser definido por lei, sob proposta do conselho coordenador, após audição às estruturas respectivas dos estudantes e nos mesmos termos do previsto no n.º 2 do artigo 9.º da Lei
n.º 108/88, de 24 de Setembro, com vista à elaboração de uma proposta de regime disciplinar único para o ensino superior.

2 - Os estatutos definirão as competências para o exercício da acção disciplinar e para a decisão sobre os respectivos processos.”

A análise destas normas evidencia que nelas se contêm meras disposições gerais, simples regras “programáticas”, que apelam a uma regulamentação mais ampla e concreta, cuja aplicação pressupõem.

Com efeito - ao contrário do previsto quanto ao regime disciplinar aplicável aos estudantes, cuja definição é expressamente diferida para outra lei -, nada se dispõe especificamente sobre o modelo disciplinar relativo ao pessoal, v. g., quanto a princípios fundamentais, penas disciplinares e seus efeitos, factos a que são aplicáveis as diferentes penas disciplinares, processo disciplinar, etc. – tudo matéria contemplada no Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84.

Por outro lado, este Estatuto é aplicável aos funcionários e agentes da administração central, regional e local (artigo 1.º, n.º 1), com exclusão dos que possuam estatuto especial (n.º 2) - o que não é o caso -, e aquele pessoal é disciplinarmente responsável perante os seus superiores hierárquicos pelas infracções que cometa (artigo 2.º, n.º 1), enquanto os titulares dos órgãos dirigentes dos institutos públicos respondem disciplinarmente perante o ministro da tutela (n.º 2).

Deste modo - sem prejuízo do regime disciplinar aplicável aos estudantes, a definir por lei, e da liberdade de conformação estatutária legalmente conferida quanto à criação de órgãos com competência disciplinar e à definição das competências para o exercício da acção disciplinar e decisão sobre os respectivos processos –, tais normas só podem interpretar-se no quadro daquele Estatuto Disciplinar, para cujo regime remetem, pois, implicitamente.

Donde se conclui que, em matéria disciplinar do seu pessoal (docentes, investigadores e demais funcionários e agentes), os institutos politécnicos (e respectivas escolas) se regem por tal Estatuto.

Assim, por força das disposições conjugadas dos artigos 75.º,
n.ºs 2 e 8, desse Estatuto Disciplinar, e
7.º, alínea h), da Lei n.º 54/90, das decisões proferidas em matéria disciplinar pelos órgãos dirigentes dos institutos politécnicos cabe recurso (hierárquico) necessário para o membro do Governo competente, a conhecer e decidir por este, sob a forma e características de recurso tutelar.

Neste sentido vai, aliás, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, firmada, entre outros, nos seguintes arestos:

«Em matéria disciplinar cabe sempre recurso hierárquico, a interpor pelos respectivos destinatários, dos actos praticados por órgãos de institutos públicos - no caso, o Instituto Superior Politécnico de Portalegre - para o membro do Governo competente (art.º 75.º, n.º 2, do Est. Disc. de 84)» (acórdão de 6 de Dezembro de 1994, P.º n.º 33656).

«O ISCAL (Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa) e o IPL (Instituto Politécnico de Lisboa) integram-se na pessoa colectiva mais vasta, Estado, cujos órgãos mantêm certos poderes que não foram devolvidos por lei àqueles institutos, como é o caso do poder exclusivo de aplicar sanções disciplinares ao pessoal, nos termos dos arts. 1.º, n.º 3, 2.º, n.º 4, e 7.º, al. h), da Lei n.º 54/90, e 75.º, n.º 8, do ED aprovado pelo
DL n.º 24/84, de 16.1.
(acórdão de 25 de Novembro de 1997, P.º n.º 34300).

«O estatuto de autonomia dos institutos politécnicos (Lei n.º 54/90, de 5/9), no que concerne ao [poder] disciplinar, não confere autonomia aos institutos e estabelecimentos nele integrados, aplicando-se às suas decisões sancionatórias a norma do art.º 75.º n.º 8, do E.D., na concepção legal de "recurso hierárquico necessário", sendo do membro do Governo competente a última palavra» (acórdão de 12 de Fevereiro de 1998, P.º n.º 34301).


5. Vejamos agora da admissibilidade de recurso de decisões proferidas pelos órgãos dirigentes das universidades, em matéria de recrutamento e selecção de pessoal, nos casos em que a lei geral prevê a existência de recurso hierárquico para o membro do Governo competente.

Sobre este aspecto deteve-se já também o Parecer n.º 12/91, onde, designadamente, se disse:

«Como se viu (...), a entidade tutelar conhece e decide os recursos "cuja interposição esteja prevista em disposição legal expressa".

«De acordo com o n.º 2 do artigo 15.º da LAU, "cabe às universidades o recrutamento e promoção dos seus docentes e investigadores, bem como do restante pessoal, nos termos da lei " (x2).

«Para o "restante pessoal" - técnico superior, técnico-profissional, administrativo, etc. - o regime de recrutamento e selecção consta actualmente do Decreto-Lei n.º 498/88, de 30 de Dezembro (-) [51].

«Ora, se percorrermos este diploma detectamos duas normas prevendo a via do recurso hierárquico para o membro do Governo competente: o n.º 3 do artigo 24.º, quanto a candidatos excluídos de admissão, e o artigo 34.º [52], no que toca ao recurso da homologação da classificação final do concurso.»
«Estaremos perante dois casos nítidos - e outros haverá - em que a lei geral prevê expressamente um recurso (hierárquico) para o membro do Governo competente.

«Não parece haver dúvida de que, em tais situações, o conhecimento e decisão dos eventuais recursos compete ao membro do Governo responsável pelo sector da Educação, nos termos do artigo 28.º da LAU.»

Após algumas precisões extractadas do Parecer n.º 90/85, nos moldes depois reiterados no Parecer n.º 57/96 e atrás já reproduzidos (supra, VII, 3.) - acerca do carácter excepcional do recurso tutelar, do regime característico dos recursos tutelares por contraposição aos recursos hierárquicos e da necessidade de a lei prever e fixar a amplitude dos poderes de tutela -, o Parecer n.º 12/91 remata:

«Resumindo: se, ainda que por remissão para uma lei geral da Função Pública, a LAU aceita a sua aplicação e nela se prevê um recurso hierárquico próprio, por essa via indirecta acabará por cair na competência da entidade tutelar apreciar esse recurso, ainda que sob a forma e características de um recurso tutelar (x3).» (destacado agora)

Presentemente, o regime de recrutamento e selecção de pessoal para os quadros da Administração Pública consta do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho [53], cujo artigo 43.º dispõe (itálicos nossos):

“Artigo 43.º
Recurso Hierárquico
1 - Da exclusão do concurso cabe recurso hierárquico, a interpor no prazo de oito dias úteis para o dirigente máximo ou, se este for membro do júri, para o membro do Governo competente.
2 - Da homologação da lista de classificação final feita pelo dirigente máximo do serviço cabe recurso hierárquico com efeito suspensivo, a interpor no prazo de 10 dias úteis para o membro do Governo competente.
3 - No procedimento do concurso não há lugar a reclamação.”

O confronto dos atinentes preceitos de ambos os diplomas logo revela que este normativo contempla previsões idênticas às dos correspondentes artigos 24.º, n.º 3, e 34.º, n.º 1, do revogado Decreto-Lei
n.º 498/88, quanto à admissibilidade de recurso hierárquico da exclusão do concurso e da homologação da lista de classificação final.


Deste modo, permanece inteiramente válida e actual a interpretação sustentada no Parecer n.º 12/91 e acima exposta.

Na verdade, agora como antes, trata-se de duas situações concretas em que a lei geral prevê expressamente a admissibilidade de dois recursos (hierárquicos) para o membro do Governo competente.

Assim, é de concluir como no citado Parecer: remetendo a Lei de Autonomia das Universidades, no seu artigo 15.º, n.º 2, para a lei geral, que prevê a interposição de recursos hierárquicos nessa matéria, por essa via recai na competência da entidade tutelar conhecer e decidir tais recursos, sob a forma e características de recursos tutelares, nos termos do artigo 28.º, alínea i), da Lei n.º 108/88 [54].


6. O mesmo se diga, mutatis mutandis, quanto aos institutos politécnicos.

Em matéria de pessoal, dispõe a Lei n.º 54/90 (itálicos nossos):
“Artigo 9.º
Gestão de pessoal
No domínio da gestão de pessoal, cabe aos institutos politécnicos:
a) Autorizar o recrutamento, selecção e provimento, bem como a promoção, recondução, prorrogação, mobilidade, exoneração, rescisão de contrato, demissão e aposentação do pessoal do instituto;
b) Definir os critérios de recrutamento, selecção e provimento, bem como a promoção, recondução, prorrogação, mobilidade, exoneração, rescisão de contrato, demissão e aposentação do pessoal das suas unidades orgânicas.”
“Artigo 27.º
Autonomia administrativa e financeira
1 – A autonomia administrativa das escolas envolve a capacidade de:
a) (...);
b) Propor o recrutamento do pessoal não docente necessário à prossecução dos seus objectivos;
c) (...);
d) Assegurar a gestão e disciplina daquele pessoal, sem prejuízo da competência própria dos órgãos do instituto nesta matéria;
(...).”

Estas normas limitam-se a atribuir competência aos institutos politécnicos para autorizar o recrutamento e selecção do seu pessoal e definir os critérios de recrutamento e selecção do pessoal das suas unidades orgânicas, apenas cabendo às escolas superiores propor o recrutamento do pessoal não docente necessário à prossecução dos seus objectivos e assegurar a gestão e disciplina desse pessoal, sem prejuízo da competência própria dos órgãos dos institutos nesta matéria.

Para além destas previsões, nada se dispõe sobre qual o regime de recrutamento e selecção de pessoal aplicável, designadamente quanto aos respectivos princípios, condições gerais, métodos de selecção, procedimento e garantias.

Assim, não pode deixar de entender-se que tais normas contêm uma remissão implícita para o regime geral de recrutamento e selecção de pessoal traçado pelo Decreto-Lei n.º 204/98, cujas regras, maxime os princípios e garantias nele consignados [entre os quais, o direito de recurso - artigo 5.º, n.º 2, alínea d)] se impõem, assim, à observância pelos institutos politécnicos, em matéria de concursos para admissão de pessoal [55].
Donde, também aqui, se conclui que, remetendo os artigos 9.º e 27.º do Estatuto e Autonomia dos Estabelecimentos de Ensino Superior Politécnico para o regime de recrutamento e selecção de pessoal constante da lei geral, cuja aplicação pressupõe, e nesta se prevendo a interposição de recursos (hierárquicos) nessa matéria (artigo 43.º), por esta via recai na competência da entidade tutelar conhecer e decidir tais recursos,
sob a forma e características de recursos tutelares, nos termos do artigo 7.º, alínea
h), da Lei n.º 54/90.
IX

Face ao exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1.ª As universidades são pessoas colectivas de direito público e gozam de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa, financeira e disciplinar - artigos 76.º, n.º 2, da Constituição, e 3.º, n.º 1, da Lei n.º 108/88, de 24 de Setembro;

2.ª Os institutos politécnicos são pessoas colectivas de direito público, dotadas de autonomia estatutária, administrativa, financeira e patrimonial - artigo 1.º da Lei n.º 54/90, de 5 de Setembro;

3.ª No âmbito da sua autonomia administrativa, os órgãos dirigentes das universidades e dos institutos politécnicos detêm, em regra, o poder de praticar actos administrativos, passíveis de impugnação contenciosa directa, se lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos dos seus destinatários (artigo 268.º, n.º 4, da Constituição);

4.ª No âmbito da sua autonomia disciplinar, os órgãos de governo das universidades têm competência para a aplicação aos docentes, investigadores e demais funcionários e agentes de todas as penas disciplinares previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 11.º do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, delas cabendo recurso contencioso directo (artigos 3.º, n.º 1, e 9.º, n.ºs 1 e 3, da Lei n.º 108/88, e 268.º, n.º 4, da Constituição);
5.ª Enquanto institutos públicos, as universidades e os institutos politécnicos estão sujeitos à tutela mas não à direcção governamental, o que exclui a admissibilidade de recurso hierárquico proprio sensu dos actos praticados pelos órgãos dirigentes desses estabelecimentos de ensino superior, no exercício das respectivas competências;

6.ª A intervenção da entidade tutelar deve resultar do exercício de competência expressamente estabelecida na lei e só pode ser exercida nos termos, modos e formas nela, directa e especificamente, previstos;

7.ª O poder de tutela sobre as universidades e os institutos politécnicos é exercido pelo Ministério da Ciência e do Ensino Superior, tendo em vista, fundamentalmente, a garantia da integração de cada um desses estabelecimentos no sistema educativo e a articulação com as políticas nacionais de educação, ciência e cultura - artigos 28.º, n.º 1, da Lei n.º 108/88, 7.º, n.º 1, da Lei n.º 54/90, e 19.º e 20.º do Decreto-Lei
n.º 120/2002, de 3 de Maio (Lei Orgânica do XV Governo Constitucional);


8.ª Sem prejuízo da concretização normativa de outros modos e formas de tutela, as Leis n.ºs 108/88 e 54/90 apenas prevêem, em termos directos, expressos e precisos, as formas e modos de intervenção tutelar enumerados no n.º 2 dos artigos 28.º e 7.º, respectivamente;

9.ª Nos termos das alíneas i) do n.º 2 do artigo 28.º da Lei
n.º 108/88, e
h) do artigo 7.º da Lei n.º 54/90, é admissível recurso tutelar cuja interposição esteja prevista em disposição legal expressa;

10.ª Assim, compete ao Ministro da Ciência e do Ensino Superior conhecer e decidir, sob a forma e características de recursos tutelares, dos recursos hierárquicos expressamente previstos na lei geral, cuja aplicação as Leis n.ºs 108/88 e 54/90 aceitem, ainda que por remissão para aquela - como sucede em matéria de recrutamento e selecção de pessoal, quanto às universidades e aos institutos politécnicos (artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho) e de procedimento disciplinar, quanto aos institutos politécnicos (artigo 75.º, n.ºs 2 e 8, do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro).

VOTO
(Maria Fernanda dos Santos Maçãs) - Vencida, quanto à conclusão 10ª, quando se diz que “compete ao “Ministro da Ciência e do Ensino Superior conhecer e decidir, sob a forma e características de recursos tutelares, dos recursos hierárquicos expressamente previstos na lei geral, cuja aplicação as Leis nºs 108/88 e 54/90 aceitem, ainda que por remissão para aquela - como sucede em matéria de recrutamento e selecção de pessoal, quanto às universidades e aos institutos politécnicos (artigo 43º do Decreto-Lei nº 204/98, de 11 de Julho)”, pelos motivos que, em síntese, passo a expor:

1. As considerações teóricas tecidas ao longo do parecer a propósito da autonomia sobretudo universitária, o especial regime de tutela e o carácter excepcional do recurso tutelar são de molde a sustentar conclusão diversa da que fez vencimento.

Por outro lado, a mencionada conclusão está em desacordo com o defendido pela doutrina e jurisprudência, como teremos oportunidade de demonstrar.

1.1. A propósito da autonomia considera-se, a dado passo: “elemento conatural a toda a ideia de auto-administração é a capacidade de praticar actos jurídicos - nomeadamente actos administrativos definitivos e executórios -, que não estejam sujeitos a outro controlo que não o controlo judicial. De resto, esta capacidade, se é própria da administração autónoma, não é de modo nenhum uma característica exclusiva, pois é comum à administração indirecta e pode até ocorrer em certos fenómenos de desconcentração.”

“No que respeita à tutela - diz-se no parecer- a liberdade da entidade sujeita à tutela é a regra e o controlo a excepção. A tutela há-–de ser prevista na lei que designe a autoridade tutelar, e defina o conteúdo, o modo e as formas de intervenção tutelar.

“É o princípio contido na regra clássica, ‘pas de tutelle sans texte, pas de tutelle au delà des textes’.

“A intervenção tutelar, como limite (ou excepção) à autonomia dos entes descentralizados, supõe a concorrência de uma habilitação legal para agir. A tutela apenas pode ser exercida nos casos, nos limites e segundo as condições previstas na lei; o controlo de tutela há-de ser expressamente atribuído pelo direito positivo”.

1.2. Vemos, assim, que o parecer, depois de acompanhar a doutrina dominante e pacífica em matéria de tutela, reafirmando o seu carácter excepcional e precisando exaustivamente que a autoridade tutelar vê “o exercício das respectivas competências limitado às formas, modo e condições expressamente previstas nos textos, e que apenas poderá actuar, em cada caso, segundo um processo de intervenção previsto, preciso e organizado”[1], conclui, de forma inusitada, pela sujeição das decisões dos dirigentes máximos das universidades a recurso tutelar necessário, em consequência da transformação de recursos hierárquicos típicos, previstos nas leis gerais da função pública, aplicáveis por remissão da Lei nº 108/88 de 24 de Setembro.

Para sustentar a conclusão a que chegou, a doutrina do parecer apoia-se no artigo 28º, alínea i), da Lei nº 108/88.

Ora, o problema é que não se percebe como é que a remissão inserta neste preceito para “recursos cuja interposição esteja prevista em disposição legal expressa” pode confortar uma interpretação que tem a virtualidade de transformar verdadeiros recursos hierárquicos em recursos tutelares.

A seguir-se esta doutrina chega-se inevitavelmente a um resultado que não foi querido pelo legislador, pois o intérprete transforma o regime excepcional característico do recurso tutelar num regime regra, com flagrante violação dos princípios da autonomia universitária, da tipicidade dos poderes de intervenção tutelar e do carácter excepcional do recurso tutelar.

Admitindo o parecer que as universidades integram a administração indirecta, o certo é que não pode deixar de relevar a amplitude da autonomia que lhes é conferida.

Ora, a interpretação que fez vencimento acaba, ao arrepio da Constituição e da lei, por diluir essa autonomia[2], sem ter em conta a sua especificidade no confronto com outras pessoas colectivas que fazem parte da administração indirecta e, bem assim, a razão de ser da mesma.

2. Não obstante a eventual controvérsia doutrinal que envolve as universidades públicas quanto à sua qualificação (se são pessoas colectivas públicas de natureza institucional, corporativa[3] ou associativa)[4] e inserção na organização administrativa (se pertencem à administração indirecta[5] ou à administração autónoma)[6], a verdade é que a autonomia universitária assume desde a Lei Constitucional nº 1/82, dignidade de garantia constitucional[7].

Ao referir-se à autonomia universitária, VITAL MOREIRA classifica-a “de quase total autogoverno e auto-administração”[8].

No mesmo sentido, para o mesmo autor e GOMES CANOTILHO as universidades gozam de autonomia administrativa que consiste na “autoadministração ou autogoverno, através de órgãos próprios emergentes da própria comunidade universitária (gestão dos seus próprios assuntos, prática de actos administrativos próprios, celebração de contratos, recrutamento de pessoal, inclusive de docentes, etc.)”[9] .

A Constituição remete para a lei a concretização da autonomia universitária mas, como refere GOMES CANOTILHO, “a lei não pode deixar de garantir um espaço mínimo constitucionalmente relevante, de forma a salvaguardar-se o «núcleo essencial» da autonomia universitária.”[10]

A Lei nº 108/88, de 28 de Setembro, ao concretizar o preceito constitucional, veio conferir às universidades ampla autonomia, “estatutária, científica, pedagógica, administrativa, financeira e disciplinar” (cfr. nº 1 do artigo 3º).

A amplitude e intensidade da autonomia que o legislador quis conferir é bem patente na enumeração dos poderes de tutela que o artigo 28º confere ao membro do Governo com responsabilidade pelo sector da educação.

Trata-se de uma enumeração exemplificativa, o que significa poder eventualmente haver outras matérias sujeitas a controlo tutelar[11] mas que não dispensa a existência de lei expressa a prever esses poderes.

Por seu turno, na alínea i) dispõe-se que o controlo tutelar compreende o de decidir recursos previstos em disposição legal expressa.

Afigura-se, porém, claro que os recursos que o legislador refere não podem deixar de ser recursos tutelares, pois é de poderes de tutela que o preceito trata. Assim sendo, tais recursos têm de estar expressamente previstos e configurados na lei como recursos tutelares.

A autonomia administrativa supõe a capacidade, por parte da pessoa colectiva em causa, de praticar actos administrativos imediatamente recorríveis contenciosamente.

Só não será assim nos casos excepcionais expressamente previstos na lei, em conformidade com o princípio da tipicidade dos poderes de tutela e do carácter excepcional do recurso tutelar[12].

Não se vê, pois, como pode tal preceito sustentar uma interpretação no sentido da permissão da conversão sistemática de recursos configurados como autênticos recursos hierárquicos necessários, em recursos tutelares necessários.

3. Reportando-nos, agora, mais propriamente, à matéria de recrutamento e selecção de pessoal, verifica-se que, pelo enunciado das matérias atribuídas à tutela do membro do Governo, não consta qualquer referência a gestão ou recrutamento de pessoal.

Muito pelo contrário, entre as competências do reitor, elencadas no artigo 20º, está, precisamente, “Superintender na gestão académica, administrativa e financeira, mormente no que respeita a contratação e provimento do pessoal, a júris de provas académicas, a atribuição de regências, remunerações, abonos, licenças e dispensas de serviço, sem prejuízo da capacidade de delegação, nos termos dos estatutos”[13].

Assim sendo, afigura-se inequívoca a vontade do legislador em eleger o reitor e não o membro do Governo, como o responsável máximo e detentor da última palavra em matéria de selecção e recrutamento de pessoal.

Não faz, pois, qualquer sentido admitir um recurso tutelar, ainda mais, de carácter necessário, dos actos do Reitor para o membro do Governo. Tal só aconteceria se estivesse expressamente previsto, o que não acontece no caso em apreço.

Esta solução, decorrente naturalmente da autonomia administrativa que é reconhecida às universidades, é reforçada pelos princípios que regem a tutela administrativa.

Neste sentido, admitindo que o Decreto-Lei nº 204/98 é o diploma para o qual remete a Lei nº 108/88, por não haver regime específico na matéria, quando refere que “cabe às universidades o recrutamento e promoção dos seus docentes e investigadores, bem como do restante pessoal, nos termos da lei” ( nº 2 do artigo 15º), a verdade é que a aplicação desse diploma teria de fazer-se dentro do respeito pela autonomia específica que a Constituição e a lei quiseram conferir às universidades.

Por outro lado, o parecer reconhece que o artigo 43º do Decreto-Lei nº 204/98 consagra verdadeiros recursos hierárquicos para o membro do Governo e que não existe relação hierárquica entre as universidades e o Governo. No entanto, de seguida ultrapassa essa dificuldade, transformando o recurso hierárquico em recurso tutelar com fundamento no artigo 28º, alínea i), da Lei nº 108/88.

Salvo o devido respeito, não podemos acompanhar esta interpretação, por duas ordens de razões.

Em primeiro lugar, a interpretação que se faz no parecer do referido preceito não tem o mínimo apoio no seu teor literal já que, tal como decorre da epígrafe “poderes de tutela”, se limita a delimitar o âmbito da intervenção tutelar.

Como já ficou dito, não se percebe como é que a partir de uma norma que tem por objecto definir poderes de tutela se pode fazer uma extrapolação no sentido de transformar recursos hierárquicos em tutelares.

Depois, tal interpretação, além de contrariar o princípio da tipicidade dos poderes de tutela, contraria frontalmente o princípio da autonomia administrativa, que tem inerente a capacidade da prática de actos administrativos imediatamente recorríveis contenciosamente.

Em segundo lugar, não podemos deixar de realçar que o âmbito subjectivo de aplicação do Decreto-Lei nº 204/98 se dirige apenas “aos serviços e organismos da administração central, bem como aos institutos públicos na modalidade de serviços personalizados do Estado e de fundos autónomos”.

Ora, não se encontrando as universidades abrangidas pelo universo dos destinatários do diploma[14], a remissão da Lei nº 108/88 para o mesmo diploma teria de fazer-se com mais cautela, de forma a deixar intocada a distribuição de poderes e competências que esta lei concedeu às universidades.

Realce-se que é esta a jurisprudência seguida na matéria pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Pode ler-se, no Acórdão de 23 de Abril de 2002[15], que “assume natureza lesiva do interessado, sendo imediatamente impugnável na via contenciosa, sem necessidade de qualquer impugnação de natureza administrativa, o despacho de reitor de uma universidade que homologa a lista de classificação final em concurso interno geral de acesso para preenchimento de lugares da carreira de pessoal técnico do quadro da mesma universidade”.

Acompanhamos, pois, a jurisprudência do STA, como seguidora da melhor doutrina nesta matéria.

4. Uma nota final quanto aos Institutos Politécnicos.

Apesar de não disporem de autonomia com a amplitude e intensidade da conferida pela Constituição e a Lei nº 108/88 às universidades, as considerações tecidas a propósito da autonomia administrativa, regime especial dos poderes de tutela[16] e carácter excepcional do recurso tutelar habilitam-nos a tirar as mesmas ilações quanto à inexistência de recurso tutelar necessário, a não ser por previsão expressa da lei.


[1]) Continuamos a citar passos do parecer.
[2]) A autonomia administrativa visa essencialmente garantir flexibilidade e eficiência de gestão. No sentido de que tanto a «autonomia» administrativa como a «autonomia financeira» são instrumentos imprescindíveis à efectivação da autonomia universitária, cfr. CASALTA NABAIS, “Considerações sobre a autonomia financeira das Universidades portuguesas,” Boletim da Faculdade de Direito, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor A Ferrer-Correia, Coimbra, 1981, p. 358.
[3]) Para VITAL MOREIRA, as universidades “não são corporações, porque não têm associados nem membros, mas sim funcionários e utentes”, preferindo classificá-las como expressão de instituto corporacional, cfr. Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Editora, Coimbra, 1997, pp. 367 ss.
[4]) Para uma resenha das várias posições doutrinais, cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA, A Natureza Jurídica da Universidade no Direito Português, pp. 35 ss.
[5]) Neste sentido, cfr., entre outros, FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, 2ª ed., Almedina Coimbra, Vol. I, 1994, pp. 352 ss. JOÃO CAUPERS, Introdução ao Direito Administrativo, 5ª ed., Âncora Editora, Lisboa, 2000, p. 94. CASALTA NABAIS, ob. cit., p. 370.
[6]) Para VITAL MOREIRA, as universidades públicas são expressão da administração autónoma, ob. cit., p. 367. Também MARCELO REBELO DE SOUSA considera que as universidades públicas se integram na Administração Pública Autónoma, cfr. Lições de Direito Administrativo, Lex. Lisboa, 1999, vol. I, pp. 157/59, e 307 e ss., e A Natureza Jurídica da Universidade no Direito Português, Publicações Europa-América, 1992, pp. 47/48. No mesmo sentido, cfr. PAULO OTERO, “Institutos Públicos,” Dicionário Jurídico da Administração Pública, Volume V, Lisboa, 1993, pp. 267 ss.
[7]) O nº 2 do artigo 76º, então introduzido, dispunha que “as universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia científica, pedagógica, administrativa e financeira”; com a 2ª revisão (Lei Constitucional nº 1/89), a disposição manteve o mesmo princípio, mas consagrou expressamente a dimensão estatutária da autonomia. Para maiores desenvolvimentos, cfr. Parecer nº 324/2000 de 25 de Janeiro de 2001 e Parecer nº 181/2001, de 17 de Janeiro de 2002.
[8]) Cfr. ob. cit. p. 368.
[9]) Cfr. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1993, pp. 373/74. Sobre autonomia universitária em geral, cfr. ADRIANO MOREIRA, “Comentários sobre a Autonomia Universitária”, Democracia e Liberdade, IDL - Instituto Amaro da Costa, Lisboa, nº 22, 1982, pp. 33 ss. e ADELINO AMARO DA COSTA, “Crise e Autonomia da Universidade,” Democracia e Liberdade, IDL - Instituto Amaro da Costa, nº 18, 1981, pp. 41 ss.
[10]) GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, ob cit., p. 374.
[11]) Veja-se, o disposto no nº 6 do artigo 15º. Segundo este preceito, os quadros de pessoal carecem de aprovação governamental, desde que impliquem aumento dos quantitativos globais.
[12]) Cfr. artigo 177º, nº 2, do Código do Procedimento Administrativo, que tem o seguinte conteúdo, “O recurso tutelar só existe nos casos expressamente previstos por lei e tem, salvo disposição legal em contrário, carácter facultativo”.
[13]) Esta superintendência há-de englobar poderes de controlo já próximos da tutela, uma vez que as unidades orgânicas das universidades dispõem também de autonomia (cfr. artigos 15º, nº 5, e 27º da Lei nº 108/88). Sobre o poder de superintendência na administração indirecta, cfr. BAPTISTA MACHADO, Participação e Descentralização Democratização e Neutralidade na Constituição de 76, Almedina, Coimbra, Coimbra, 1982, pp. 10 ss. e PAULO OTERO, O Poder de Substituição em Direito Administrativo, Lex, Lisboa, vol. II, 1995, pp. 819 ss.
[14]) Neste sentido, cfr. PAULO OTERO, “Institutos Públicos, pp. 257 ss. Segundo o autor, as universidades públicas, desde a revisão de 1982, autonomizaram-se conceitualmente dos serviços personalizados prestadores e constituem uma categoria autónoma de institutos públicos administrativos. Para FREITAS DO AMARAL as universidades públicas integram a categoria dos estabelecimentos públicos, cfr. ob. cit., pp. 347 ss.
[15]) No mesmo sentido, cfr. Acórdão do STA de 22 de Novembro de 2001, Recurso nº 47.718.
[16]) A Lei nº 54/90, de 5 de Setembro, tem no artigo 7º, nº 2, alínea h), uma disposição semelhante ao artigo 28º, alínea i), da Lei nº 108/88.


(Ernesto António da Silva Maciel) - Vencido, como Relator, quanto à 4.ª Conclusão, pelos fundamentos constantes do Parecer n.º 12/91, transcritos no texto.

Sem embargo de reconhecer que, de jure condendo, a tese que fez vencimento é a mais consentânea com a salvaguarda da autonomia disciplinar conferida pelo legislador às universidades, considero, porém, que, de jure condito, a autonomia disciplinar, tal como vertida na lei, não suporta a conclusão tirada.

Assim, como se sustentou naquele Parecer, entendo que o poder de punir, nos termos da lei, docentes, investigadores e demais funcionários e agentes, previsto no artigo 9.º, n.º 1, da Lei n.º 108/88, significa uma remissão para o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei
n.º 24/84, de 16 de Janeiro.


A não existência de um regime especial para o referido pessoal e a remissão para o Estatuto Disciplinar, aliadas à classificação das universidades como institutos públicos, arrastam como consequência a admissibilidade do recurso (hierárquico) a que se refere o artigo 75.º,
n.ºs 2 e 8, desse Estatuto, e constituem os pressupostos para a intervenção do recurso tutelar previsto na alínea
i) do n.º 2 do artigo 28.º da Lei
n.º 108/88, de 24 de Setembro.


Pelo que concluiríamos competir ao Ministro da Ciência e do Ensino Superior conhecer e decidir, sob a forma e características de recursos tutelares, dos recursos (hierárquicos) expressamente previstos na lei geral, cuja aplicação a LAU aceite, ainda que por remissão para aquela
- como sucede em matéria de procedimento disciplinar, por força das disposições conjugadas dos mencionados normativos.


Dir-se-á que este entendimento “esvazia” de sentido a autonomia disciplinar legalmente outorgada às universidades, igualando-as, neste âmbito, aos institutos politécnicos e aos institutos públicos, em geral, os quais não gozam dessa autonomia.

Releva, porém, notar, que, além dos termos em que a autonomia disciplinar está consagrada, a “reserva de estatuto”, prescrita no artigo 5.º da Lei n.º 108/88, abrange todos os planos em que a autonomia universitária se analisa, com excepção do plano disciplinar.

Enquanto regulamentos, os estatutos da universidade devem obediência aos comandos da Lei n.º 108/88 – entre os quais o contido na alínea i) do artigo 25.º (competência do senado universitário para exercer o poder disciplinar, em conformidade com o disposto no artigo 9.º).

Mas a atribuição dessa competência não encerra a virtualidade de o senado universitário definir, ele próprio, qual o regime disciplinar aplicável, que só ao legislador cabe estabelecer – e que, no caso, é o constante da lei geral, para a qual o artigo 9.º remete, nos termos sobreditos.

Por outro lado e sobretudo, subsiste em aberto a possibilidade facultada pelo n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 108/88 de o legislador emitir um regime disciplinar especial para o pessoal em causa - hipótese inexistente em relação aos institutos politécnicos, em particular, e aos institutos públicos, em geral.

Deste modo, entendo que o conjunto das normas em apreço e a sua articulação coerente não permitem encarar outra solução.)
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(Eduardo de Melo Lucas Coelho) Voto em conformidade com o Exmo Colega Dr. Ernesto Maciel.
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(Carlos Alberto Fernaqndes Cadilha) Voto em conformidade com Exma Colega Drª Fernanda Maçãs.
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(João Manuel da Silva Miguel) Voto em conformidade com Exmo Colega Dr. Ernesto Maciel.
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[1] Parecer n.º 2002/30/DSRHFP, de 9 de Julho de 2002, transmitido pelo ofício n.º 003068, de 17 do mesmo mês, do Gabinete de Vossa Excelência.
[2] A Lei Orgânica do XV Governo Constitucional, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 120/2002, de 3 de Maio, foi rectificada e republicada pela Declaração de Rectificação n.º 20/2002 (Diário da República, I-A Série, n.º 123, de 28 de Maio de 2002).
[3] Cfr. os artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 205/2002, de 7 de Outubro, que aprovou a Lei Orgânica do Ministério da Ciência e do Ensino Superior.
[4] Alterada pela Lei n.º 115/97, de 19 de Setembro.
[5] Recentemente, o Governo apresentou à Assembleia da República a Proposta de Lei
n.º 12/IX, visando aprovar o «regime jurídico do desenvolvimento e qualidade do ensino superior» e revogar expressamente a Lei n.º 26/2000 (
Diário da Assembleia da República), II Série-A, n.º 14, de 20 de Junho de 2002). Esta Proposta de Lei foi aprovada na generalidade e baixou à 7.ª Comissão (ibidem, I Série, n.º 28, de 5 de Julho de 2002).
[6] J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, anotação III. ao artigo 76.º.
[7] Nesta parte, acompanha-se, muito de perto, o Parecer n.º 324/00, de 25 de Janeiro de 2001, Diário da República, II Série, n.º 126, de 31 de Maio de 2001.
[8] «A autonomia universitária, nos seus vários aspectos, está expressamente sujeita a reserva de lei (concretizadora e restritiva). Na verdade, ela desenvolve-se no âmbito das leis básicas referentes ao sistema de ensino; a competência organizatória (nas suas várias dimensões: material, pessoal e económica) é, em grande medida, objecto de disciplina legal; os membros da Universidade estão vinculados ao direito de ordenação e ao direito disciplinar constante de diplomas legais; a carreira académica, a contratação e cooptação de pessoal científico estão legalmente regulamentados.»
«Todavia, cabendo à lei definir os limites da autonomia universitária, não pode ela deixar de garantir um espaço mínimo constitucionalmente relevante, de forma a salvaguardar-
-se o “núcleo essencial” da autonomia universitária (...). Constitucionalmente, as universidades não podem pertencer à administração directa do Estado, integrando antes a
administração pública autónoma (ou, quando muito, a administração indirecta do Estado), estando sujeitas, portanto, à tutela governamental (ou, porventura, à sua superintendência), mas não à sua direcção (...).» (J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., anotação IV. ao artigo 76.º).
[9] O Decreto-Lei n.º 170/96, de 19 de Setembro, «transfere para as universidades diversas competências de âmbito académico, revogando em simultâneo legislação vária cuja vigência na ordem jurídica se entende prejudicada pela entrada em vigor da Lei de Autonomia das Universidades» (do sumário oficial).
[10] «A autonomia administrativa consiste na auto-administração ou autogoverno, através de órgãos próprios emergentes da própria comunidade universitária (gestão dos seus próprios assuntos, prática de actos administrativos próprios, celebração de contratos, recrutamento de pessoal, inclusive de docentes, etc.).» (J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., anotação III. ao artigo 76.º).
[11] «Adopta medidas de desenvolvimento e aprofundamento da lei da autonomia das universidades no plano da gestão de pessoal, orçamental e patrimonial» (do sumário oficial).
[12] O Ministro da Ciência e do Ensino Superior delegou competências nos reitores das universidades, por despacho de 6 de Maio de 2002 (Diário da República, II Série,
n.º 139, de 19 de Junho de 2002), do seguinte teor (itálicos acrescentados):

«Despacho n.º 13861/2002 (2.ª série). - 1 - Nos termos da Lei Orgânica do XV Governo Constitucional, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 120/2002, de 3 de Maio, publicado no Diário da República, 1.ª série-A, n.º 102, de 3 de Maio de 2002, e nos artigos 35.º a 41.º do Código do Procedimento Administrativo, delego nos actuais reitores das universidades as seguintes competências:
a) Proferir, relativamente ao pessoal dirigente e de chefia, a autorização prevista no n.º 5 do artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 259/98, de 18 de Agosto;
b) Aprovar os programas das provas de conhecimentos específicos a que se refere o n.º 3 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho;
c) Proferir o despacho homologatório previsto no n.º 1 do artigo 39.º do Decreto-Lei
n.º 204/98, sempre que, por serem membros dos júris dos concursos em causa, os dirigentes máximos das unidades orgânicas integradas estiverem impedidos de fazê-Io;

d) Autorizar a deslocação por via aérea, nos termos do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de Abril;
e) Autorizar a deslocação ao estrangeiro de funcionários e agentes, docentes incluídos, desde que tenha cobertura orçamental;
f) Proferir, fundamentadamente, o despacho de autorização a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 393-B/99, de 2 de Outubro;
g) Autorizar, na condição de em caso nenhum o valor global dos mesmos poder ultrapassar os quantitativos máximos abaixo fixados, as despesas:
Relativas à execução de planos ou programas plurianuais legalmente aprovados, até ao limite de € 2 500 000;
Com empreitadas de obras públicas, locação e aquisição de bens e serviços, até ao limite de € 1 000 000;
2 - Autorizo os actuais reitores das universidades públicas:
a) A subdelegar as competências referidas no n.º 1 nos vice-reitores;
b) A subdelegar as competências referidas nas alíneas d), e) e g) do n.º 1:
b.1) Nos directores ou presidentes dos conselhos directivos dos estabelecimentos de ensino integrados, se as respectivas instituições estiverem estatutariamente organizadas em escolas, faculdades ou institutos;
b.2) Em dirigentes com funções similares às referidas na alínea b.1) de unidades estruturais equivalentes às mencionadas nessa alínea, caso as respectivas instituições não estejam estatutariamente organizadas em escolas, faculdades ou institutos.
3 - Até 30 dias após o fim de cada trimestre, as universidades procedem ao envio à Direcção-Geral do Ensino Superior de uma relação dos actos praticados ao abrigo da alínea g) do n.º 1.
4 - São ratificados os actos praticados desde 6 de Abril de 2002 pelos actuais reitores no âmbito definido pelo presente despacho.»
[13] Já assim entendia, anteriormente, o Supremo Tribunal Administrativo: «As Universidades constituem serviços públicos personalizados do Estado ou institutos públicos, podendo os respectivos órgãos dirigentes praticar actos definitivos e executórios nas matérias da sua competência.» (acórdão de 18 de Novembro de 1976, P.º n.º 10034). «Estabelecida (...) a autonomia administrativa dos estabelecimentos do ensino superior, são susceptíveis de recurso directo de anulação para o Supremo Tribunal Administrativo os actos definitivos e executórios dos seus órgãos internos.» (acórdão de 29 de Junho de 1978, P.º n.º 11237).
[14] Alterada pela Lei n.º 20/92, de 14 de Agosto (Estabelece normas relativas ao sistema de propinas), cujo artigo 17.º revogou a alínea j) do n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 54/90, e pela Lei n.º 71/93, de 26 de Novembro (Orçamento suplementar ao Orçamento do Estado para 1993), cujo artigo 2.º, n.º 2, revogou o artigo 43.º da Lei n.º 54/90.
[15] Nos termos do artigo 39.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 205/2002, de 7 de Outubro, que aprovou a Lei Orgânica do Ministério da Ciência e do Ensino Superior, «as referências feitas na legislação em vigor ao Ministro da Educação em matérias incluídas nas atribuições referentes ao ensino superior entendem-se como feitas ao Ministro da Ciência e do Ensino Superior».
[16] «(...) tal como no tocante às universidades, os institutos politécnicos detêm, com base na sua autonomia estatutária, um poder regulamentar próprio de auto-organização.» (Parecer n.º 2/96, de 14 de Junho de 1996, Diário da República, II Série, n.º 251, de 29 de Outubro de 1996.).
[17] O Ministro da Ciência e do Ensino Superior delegou competências nos presidentes dos institutos politécnicos, por despacho de 6 de Maio de 2002 (Diário da República, II Série, n.º 139, de 19 de Junho de 2002), do seguinte teor (itálicos acrescentados):
«Despacho n.º 13862/2002 (2.ª série). - 1 - Nos termos da Lei Orgânica do XV Governo Constitucional, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 120/2002, de 3 de Maio, publicado no Diário da República, 1.ª série-A, n.º 102, de 3 de Maio de 2002, e nos artigos 35.º a 41.º do Código do Procedimento Administrativo, delego nos actuais presidentes dos institutos politécnicos as seguintes competências:
a) Proferir, relativamente ao pessoal dirigente e de chefia, a autorização prevista no n.º 5 do artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 259/98, de 18 de Agosto;
b) Autorizar a prestação de trabalho extraordinário, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 259/98, de 18 de Agosto;
c) Aprovar os programas das provas de conhecimentos específicos a que se refere o n.º 3 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho;
d) Conhecer e decidir dos recursos interpostos ao abrigo do n.º 1 do artigo 39.º do Decreto Regulamentar n.º 44-B/83, de 1 de Junho, alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 40/85, de 1 de Julho, desde que não sejam os autores do acto recorrido;
e) Proferir o despacho homologatório previsto no n.º 1 do artigo 39.º do Decreto-Lei
n.º 204/98, sempre que os dirigentes máximos das unidades orgânicas do instituto estiverem impedidos de fazê-lo por serem membros dos júris dos concursos em causa
;
/) Proferir o despacho homologatório previsto no n.º 1 do artigo 15.º da Lei n.º 49/99, de 22 de Junho, desde que não sejam membros dos júris dos concursos em causa;
g) Autorizar a deslocação por via aérea, nos termos do artigo 24.º do Decreto-Lei
n.º 106/98, de 24 de Abril;

h) Autorizar a deslocação ao estrangeiro de funcionários e agentes, bem como de docentes, desde que haja cobertura orçamental;
i) Autorizar nos termos dos Decretos-Leis n.ºs 272/88, de 3 de Agosto, e 282/89, de 23 de Agosto, a equiparação a bolseiro no País e fora dele ao pessoal docente e não docente dos respectivos estabelecimentos de ensino:
i.1) Quando não implique a necessidade de substituição do equiparado a bolseiro;
i.2) Quando, implicando a necessidade de substituição do equiparado a bolseiro, esta seja financiada pelo PRODEP;
j) Efectuar nos termos legais, e desde que cobertos por receitas próprias, seguros de bens móveis e imóveis e também de doença e de risco dos seus funcionários e agentes que se desloquem, em serviço, ao estrangeiro ou de individualidades estrangeiras que, com carácter transitório, nelas prestem qualquer tipo de funções;
k) Autorizar, nos termos legais, os seguros de viaturas, de material e de pessoal não inscrito na Caixa Geral de Aposentações ou em qualquer outro regime de previdência social, bem como o seguro de pessoas que ao abrigo de acordos de cooperação internacional se desloquem a Portugal, enquanto estiverem em território nacional e os respectivos acordos obriguem a parte portuguesa a esta formalidade;
l) Proferir, fundamentadamente, o despacho de autorização a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 393-B/99, de 2 de Outubro;
m) Autorizar as despesas relativas a empreitadas de obras públicas, locação e aquisição de bens e serviços cujo valor global dos mesmos não ultrapasse o limite de
€ 1 000 000;

n) Autorizar as despesas relativas à execução de planos ou programas plurianuais legalmente aprovados cujo valor global dos mesmos não ultrapasse o limite de
€ 2 500 000.

2 - Delego ainda nos actuais presidentes dos institutos politécnicos em regime estatutário, em que existam escolas em regime de instalação e em relação a estas:
a) Os poderes previstos no n.º 3 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 24/94, de 27 de Janeiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 38/94, de 31 de Março, relativos às escolas em regime de instalação, que não se encontrem atribuídos a estas pelo Decreto-Lei n.º 24/94;
b) A competência para nomear e exonerar os directores e os subdirectores das escolas em regime de instalação.
3 - Autorizo os actuais presidentes dos institutos politécnicos:
a) A subdelegar as competências referidas nas alíneas a) a n) do n.º 1 nos vice-
-presidentes;

b) A subdelegar as competências referidas nas alíneas g), h), m) e n) do n.º 1 nos dirigentes máximos das unidades orgânicas do instituto.
4 - Até 30 dias após o fim de cada trimestre, os institutos politécnicos procedem ao envio à Direcção-Geral do Ensino Superior de uma relação dos actos praticados ao abrigo das alínea I) e m) do n.º 1.
5 - São ratificados os actos praticados desde 6 de Abril de 2002 pelos actuais presidentes dos institutos politécnicos, no âmbito definido pelo presente despacho.»
[18] FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, 2.ª edição
(5.ª reimpressão), Livraria Almedina, Coimbra, 2001, pág. 219. De igual modo, MARCELLO CAETANO,
Manual de Direito Administrativo, Vol. I, 10.ª edição
(6.ª reimpressão), Livraria Almedina, Coimbra, 1997, pág. 187.

[19] Ibidem, pág. 333.
[20] Cfr., v. g., o Parecer n.º 41/99, de 12 de Julho de 2001, bem como os n.ºs 17/89, de 22 de Março de 1990, Diário da República, II Série, n.º 205, de 5 de Setembro de 1990, 57/96, de 25 de Junho de 1998, ibidem, n.º 150, de 30 de Junho de 1999, naquele citados (nota 30), e 183/01, de 28 de Fevereiro de 2002. Esta classificação foi também adoptada no Relatório sobre os Institutos Públicos, elaborado pelo Grupo de Trabalho presidido pelo Prof. VITAL MOREIRA (Despacho n.º 15 324/2000, de 11 de Julho, do Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública, Diário da República, II Série, n.º 172, de 27 de Julho de 2000). O Relatório pode ser consultado na Internet (www.mreap.gov.pt).
[21] Curso... cit., págs. 345 e 352.
[22] «As Universidades privadas não pertencem à Administração, não são pessoas colectivas públicas.» (Curso... cit., pág. 352.) «As universidades privadas são pessoas colectivas privadas de regime administrativo.» (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18 de Fevereiro de 1993, P.º n.º 31575).
[23] Ibidem, pág. 401.
[24] Cfr. o Parecer n.º 181/01, de 17 de Janeiro de 2002.
[25] Este Autor (Curso... cit., Vol. I, págs. 718 e 719), observando que, tradicionalmente, o poder de superintendência era concebido como um dos poderes típicos da hierarquia
[«a faculdade que o superior tem de rever e confirmar, modificar ou revogar os actos administrativos praticados pelos subalternos» (MARCELLO CAETANO,
Manual, I,
p. 247)], salienta que esta noção não pode ser mantida, após a revisão constitucional de 1982: por um lado, a ideia de superintendência deixou de aparecer ligada à hierarquia, para surgir ligada à administração indirecta do Estado; por outro, tem agora um conteúdo jurídico diferente do que tinha no contexto da relação hierárquica. Daí que haja passado a chamar
poder de supervisão àquele poder do superior hierárquico, dando à superintendência o sentido de «poder de definir a orientação da actividade a desenvolver pelas pessoas colectivas públicas que exerçam formas de administração indirecta».
[26] Sobre esta categoria, cfr. o Parecer n.º 183/01, de 28 de Fevereiro de 2002.
[27] Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Editora, 1997, págs. 367/369.
[28] Do Parecer n.º 7/90, de 22 de Março de 1990, Diário da República, II Série, n.º 184, de 10 de Agosto de 1990, que, nesta parte, se acompanha.
(a) «Neste ponto segue-se muito de perto, por vezes textualmente, a elaboração do tema no Parecer deste Conselho n.º 90/85, votado na sessão de 12 de Janeiro de 1989 (Diário da República, II Série, n.º 69, de 23 de Março de 1990). Cfr., também, os Pareceres deste Conselho n.ºs 63/86, de 9 de Junho, e 101/88, de 9 de Fevereiro de 1989, publicado no Diário da República, II Série, n.º 131, de 8 de Junho de 1989.»
(b) «Cfr. Parecer deste Conselho n.º 90/85, cit., nota (32).»
[29] Continuamos a acompanhar o Parecer n.º 7/90.
[30] De 24 de Abril de 1991, não publicado.
[31] Alínea revogada pelo artigo 17.º da Lei n.º 20/92, de 14 de Agosto (supra, nota 14).
[32] De 25 de Junho de 1998, Diário da República, II Série, n.º 150, de 30 de Junho de 1999, que ora se acompanhará, de forma descontínua.
[33] Continuamos a seguir o Parecer n.º 57/96.
[34] O termo “lei” constante deste n.º 2 tem o sentido de acto legislativo formal (acórdão do STA, de 26 de Junho de 2002, P.º n.º 45687, no sentido de vários outros).
[35] MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e JOÃO PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, Livraria Almedina, Coimbra, 2001, comentários III. e V. ao artigo 177.º.
[36] Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, de 6 de Junho de 2002, P.º n.º 39533.
[37] Neste sentido, também, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo:
«A autonomia administrativa exclui a hierarquia administrativa e atribui ao dirigente máximo do serviço a que é conferida competência própria e exclusiva. A ausência de relação hierárquica, que caracteriza a autonomia administrativa, leva a que nessa situação se não possa falar de recurso hierárquico, seja ele necessário ou facultativo.» (acórdão do Pleno, citado na nota anterior);
«Entre as Universidades e o Governo, o órgão superior da administração pública, não existe qualquer relação de hierarquia, que pressupõe subordinação e organização interna em pirâmide, o que só é figurável no âmbito da mesma pessoa colectiva. Não sendo a relação entre as Universidades e o Ministério da Educação uma relação de hierarquia, à impugnação administrativa dos actos dos órgãos daquelas, a ter lugar, caberá o recurso tutelar e não o recurso hierárquico.» (acórdãos de 22 de Novembro de 2001, P.º n.º 47718, e 23 de Abril de 2002, P.º n.º 31309; destacado nosso).
[38] Voltamos a acompanhar, com adaptações, o Parecer n.º 57/96.
(i) «Parecer n.º 17/89 (ponto 4.2.)», de 22 de Março de 1990, Diário da República, II Série, n.º 205, de 5 de Setembro de 1990.
[39] Acórdão n.º 499/96, de 20 de Março de 1996, P.º n.º 383/93 - 1.ª Secção (Diário da República, II Série, n.º 152, de 3 de Julho de 1996).
[40] Esta norma apresenta, hoje, a seguinte redacção: «Artigo 268.º (Direitos e garantias dos administrados) – 4. É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas.»
[41] Acórdão de 12 de Abril de 2000, P.º n.º 41513, na linha de vários outros.
[42] A partir da Revisão Constitucional de 1989, o entendimento não é, todavia, pacífico. Parte da doutrina jusadministrativista sustenta a inconstitucionalidade superveniente das normas do Código do Procedimento Administrativo que prevêem o recurso hierárquico necessário, considerando que a abertura concedida pelo artigo 268.º, n.º 4, da Constituição à possibilidade de impugnação contenciosa de actos que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos afasta a exigência de uma prévia impugnação administrativa em ordem à obtenção de um acto verticalmente definitivo (cfr. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (Lições), 2.ª edição, Coimbra, pág. 226, e
JOÃO CAUPERS,
Introdução ao Direito Administrativo, 5.ª edição, Lisboa, págs.
245-246). Sobre este aspecto, pode ver-se, ainda, VIEIRA DE ANDRADE,
Em Defesa do Recurso Hierárquico, “Cadernos de Justiça Administrativa”, n.º 0, págs. 18-20, e PIRES MACHADO, Ainda a Tutela Judicial Efectiva, “Cadernos de Justiça Administrativa”,
n.º 24, págs. 47-51.

[43] Rectificado por Declaração inserta no Diário da República, I Série, n.º 100, de 30 de Abril de 1984.
[44] Continuamos a acompanhar o Parecer n.º 57/96.
[45] De 5 de Novembro de 1987, não publicado.
(*) «Não se excluirá de todo uma “leitura” que permita encontrar fundamento para a emissão legal de um estatuto disciplinar especial para estas categorias.»
[46] A este respeito, observou-se no Parecer n.º 57/96:
«Mas, tratando-se no artigo 75.º do Estatuto Disciplinar de um recurso necessário, não será que assim se viola a garantia constitucional do recurso contencioso plasmada no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição?
«Recorde-se, com efeito (...), que a revisão de 1989 eliminara o inciso «definitivos e executórios», permitindo entender que tais pressupostos deixavam de condicionar a impugnação contenciosa directa.
«Permita-se, em síntese, trazer simplesmente à colação o entendimento do Tribunal Constitucional formulado no acórdão n.º 9/95, de 11 de Janeiro de 1995, Proc.
n.º 728/92, 2.ª secção (
Diário da República, II Série, n.º 69, de 22 de Março de 1995).
«O aresto confere relevo, inter alia, à prospectiva constituenda da 1.ª revisão constitucional, segundo a qual a eliminação do citado segmento se justificava "não tanto (não só) em virtude das críticas que dogmaticamente lhe podem (com justiça) ser dirigidas, mas por levar a uma interpretação restritiva ou deformante da garantia contenciosa em causa".
«Neste ponto de vista, o princípio constitucional que importava consagrar era "o da sindicabilidade de toda a actividade administrativa que afecte os direitos ou interesses dos administrados, ficando proibida à lei a exclusão de certos actos ou categorias de actos do seu âmbito ou a limitação abusiva, injustificada ou desproporcionada deste".
«A partir de premissas teóricas assim congeminadas, concluiu o Tribunal Constitucional (itálicos nossos):
"O sentido da garantia constitucional de recurso contencioso contra actos administrativos ilegais é, portanto, este: ali onde haja um acto da Administração que defina a situação jurídica de terceiros, causando-lhes lesão efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, existe o direito de impugná-lo contenciosamente, com fundamento em ilegalidade. Tal direito de impugnação contenciosa já não existe, se o acto da Administração não produz efeitos externos ou produz uma lesão de direitos ou interesses apenas potencial.
“9 - Pois bem: in casu, o que, justamente, acontece é que o acto de que se interpôs recurso contencioso de anulação (...) não representa a última palavra da Administração na matéria: ela pode vir a ser revista, revogada ou reformada, maxime, na resolução final que vier a ser proferida (...).
“Sendo assim (isto é, não tendo a resolução recorrida definido a situação jurídica do interessado...com carácter definitivo), não causou ela lesão efectiva do respectivo direito. Essa lesão, a existir, é meramente potencial.
“Deste modo, mesmo não podendo recorrer-se contenciosamente dessa resolução, não se viola a garantia constitucional da accionabilidade dos actos administrativos ilegais.”
«Afigura-se que o critério exposto, porventura susceptível ainda de modulação e de afinações na dialéctica evolutiva do problema em causa, se apresenta imbuído de razoabilidade e de objectividade em grau que nos estimula a dar-lhe uma adesão de princípio.
«Entende-se, por isso, que de modo semelhante se poderia concluir (...) quando se pondere a natureza suspensiva do recurso previsto no artigo 75.º do Estatuto Disciplinar.
«Se bem se pensa, quedando suspensa a execução da decisão disciplinar primitiva, na realidade não haverá lesão efectiva, mas meramente potencial, dos direitos ou interesses legalmente protegidos do arguido.
«Nesta medida, mesmo excluído, por ora, o recurso contencioso, permanecerá provavelmente inviolada a garantia constitucional de sindicabilidade dos actos administrativos ilegais (-).»
(x1) «Cfr. o Parecer n.º 52/87, de 5.11.87, (...), onde se cita jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo nessa linha.»
[47] JOÃO ALFAIA, Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público, Vol. I, Livraria Almedina, Coimbra, 1985, págs. 504 e 505.
[48] «Estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos órgãos dos municípios e das freguesias». Alterada e republicada pela Lei
n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro, rectificada esta pela Declaração de Rectificação
n.º 4/2002,
Diário da República, I-A Série, n.º 31, de 6 de Fevereiro de 2002.
[49] Cfr. JOSÉ GOMES LUÍS, Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, Rei dos Livros, 1997, Nota 2. ao artigo 67.º.
[50] VITAL MOREIRA, ob. cit., pág. 194.
(x2) «Uma outra remissão paralela para a lei geral encontra-se no n.º 2 do artigo 26.º da LAU, quanto aos conselhos administrativos, os quais aplicarão, na gestão administrativa, patrimonial e financeira, "a legislação em vigor para os organismos públicos dotados de autonomia administrativa e financeira”.»
[51] Estabelecia o regime geral de recrutamento e selecção de pessoal para a Administração Pública. Revogado, expressamente, pelo Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho.
[52] Estas normas ostentavam a seguinte redacção: “Artigo 24.º (Elaboração e publicação da lista de candidatos): 3 – Os candidatos excluídos podem recorrer para o dirigente máximo do serviço ou para o membro do Governo competente, quando aquele seja membro do júri, no prazo de dez dias a contar da data da publicação ou afixação da lista (...).” “Artigo 34.º (Recurso): 1 – Da homologação cabe recurso, com efeito suspensivo, a interpor para o membro do Governo competente, nos termos estabelecidos no artigo 24.º, n.º 3.”
(x3) «Situação semelhante foi apreciada, também no domínio das regras de recrutamento e selecção de pessoal por um instituto público, no parecer n.º 17/89, de 22.03.90, Diário da República, II Série, n.º 205, de 5.09.90.»
[53] O regime de recrutamento e selecção de directores de serviços e chefes de divisão consta da Lei n.º 49/99, de 22 de Junho (Estatuto do pessoal dirigente).
[54] Em sentido oposto, o já citado acórdão do STA, de 23 de Abril de 2002, P.º n.º 31309 (supra, nota 37): «V - Assume natureza lesiva do interessado, sendo imediatamente impugnável na via contenciosa, sem necessidade de qualquer impugnação de natureza administrativa, o despacho de reitor de uma universidade que homologa a lista de classificação final em concurso interno geral de acesso para preenchimento de lugares da carreira de pessoal técnico do quadro da mesma universidade.». Este acórdão invoca, no mesmo sentido, o de 27 de Fevereiro de 1997, P.º n.º 401993.
[55] Como, aliás, é evidenciado pela invocação expressa do Decreto-Lei n.º 204/98 nos frequentes “Avisos” sobre abertura de concursos de admissão de pessoal, tanto para as universidades como para os institutos politécnicos, regularmente publicados na II Série do Diário da República.