Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002243
Parecer: P000232003
Nº do Documento: PPA23102003002300
Descritores: POLÍCIA JUDICIÁRIA
ASSOCIAÇÃO SINDICAL
CONCURSO DE ACESSO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DO ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO
PRINCÍPIO DA PROTECÇÃO DA CONFIANÇA
INSPECTOR CHEFE
QUOTA
FUNÇÃO PÚBLICA
CATEGORIA
CARREIRA DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
CARREIRA VERTICAL
CARREIRA HORIZONTAL
PROMOÇÃO
Livro: 00
Numero Oficio: 890-2267
Data Oficio: 05/21/2003
Pedido: 05/22/2003
Data de Distribuição: 05/29/2003
Relator: MANUEL MATOS
Sessões: 01
Data da Votação: 10/23/2003
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: MJ
Entidades do Departamento 1: MIN DA JUSTIÇA
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 11/05/2003
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 17-12-2003
Nº do Jornal Oficial: 290
Nº da Página do Jornal Oficial: 18457
Indicação 2: ASSESSOR:LUBÉLIA HENRIQUES
Área Temática:DIR CONST* DIR FUND/ DIR ADM* ADM PUBL
Ref. Pareceres:P000921981Parecer: P000921981
P000581985Parecer: P000581985
P000191989Parecer: P000191989
P000041990Parecer: P000041990
P000161992Parecer: P000161992
P000501992Parecer: P000501992
P000221993Parecer: P000221993
P000471993Parecer: P000471993
P000131994Parecer: P000131994
CA00131994Parecer: CA00131994
P000551995Parecer: P000551995
P000991998Parecer: P000991998
P000202001Parecer: P000202001
Legislação:CONST76 ART2 ART13 N1 N2 ART47 N2; DL 43 DE 13/03/2003; DN 38 DE 16/07/2003; DESP CONJ 901 DE 28/10/2002; DL 304 DE 13/12/2002; DESP CONJ 325 DE 26/03/2001; DL 323 DE 17/12/2001; L 103 DE 25/08/2001; DN 31 DE 06/07/2001; DL 275-A DE 09/11/2000 ART1 ART2 A) B) ART4 ART5 ART20 N1 A) B) C) ART22 N1 D) N2 ART60 N1 N2 A) ART61 N1 ART62 N1 N3 ART65 N1 C) N2 N3 ART66 N1 C) D) N2 N3 A) B) C) D) ART67 ART68 ART69 ART100 N1 N2 N3 N4 ART103 N1 N2 N3 ART118 ART119 N1 N2 N3 ART120 N1 N2 N3 ART121 N1 N2 ART122 N1 N2 ART123 N1 N2 ART124 N2 N3 ART125 ART126 N1 ART156 N1 ART158 N1 A) B) C) N2 ART159 A) B) ART160 N1 N2; RECT 16-D DE 30/11/2000; RECT 16-Z DE 30/12/2000; L 21 DE 10/08/2000 ART4 ART5 N2; DL 404-A DE 18/12/1998 ART36 B); DL 204 DE 11/07/1998 ART1 ART4 N1 N2 ART5 N1 N2 A) B) C) ART6 N1 N2 N3 N4 A) B) C); DL 295-A DE 21/09/1990 ART121 N4 ART122 N1 A) B) C) ART123 N4 ART124 N1 ART125 N6 ; DL 353-A DE 16/10/1989 ART19 N2 ART45 N7; DL 184 DE 02/06/1989 ART1 ART22 N2 C) ART26 N1 ART27 N1 N3 N4 N5 ART29 N1 ART37 ; DL 248 DE 15/07/1985 ART1 ART4 N1 N2 ART5 A) B) C) ART7 N1 ART15 N3 N4 N5 ; DL 171 DE 10/05/1982
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:AC TC N 4 DE 13/02/2003
AC TC N 232 DE 13/05/2003
AC TCA DE 20/03/2002
AC TC N 455 DE 30/10/2002
AC TC N 98 DE 13/01/2001
AC TC N 37 DE 31/01/2001
AC TC 683 DE 21/12/1999
AC TC 355 DE 15/06/1999
AC TC 180 DE 28/07/1999
AC TC 121 DE 02/03/1999
AC STA DE 21/05/1998
AC STA DE 12/03/1998
AC TC N 222 DE 04/03/1998
AC TC N 1007 DE 12/12/1996
AC STA DE 04/07/1995
AC TC DE 12/11/1992
AC TC DE 09/04/1991
AC TC N 303 DE 26/12/1990
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1ª - A situação jurídica dos funcionários públicos e agentes é objectiva e estatutária e, deste modo, livremente modificável pelo legislador que, no âmbito da sua liberdade conformadora e de acordo com exigências do interesse público, tem legitimidade para, nomeadamente, proceder a reajustamentos ou reformulações na estrutura das respectivas carreiras ou nas condições de ingresso ou de acesso nas mesmas;
2ª - As condições de promoção na carreira e eventuais expectativas a elas associadas não possuem garantia de modificabilidade futura através de providências legislativas, sendo que somente os direitos já definitivamente integrados na esfera jurídica dos funcionários encontram apoio no princípio da protecção da confiança, decorrente do princípio do Estado de direito democrático, emanado do artigo 2º da Constituição da República;
3ª - São compreensíveis e razoáveis as soluções contempladas nos artigos 119º, nº 3, 121º, nº 1, e 124º, nº 1, do Decreto-Lei nº 275-
-A/2000, de 9 de Novembro relativamente às quotas mínimas aí previstas para licenciados em Direito no provimento dos lugares de coordenador superior de investigação criminal, no preenchimento das vagas ao curso para coordenador de investigação criminal e no provimento dos lugares de inspector estagiário, respectivamente, face aos conteúdos funcionais destas categorias, definidos no mesmo diploma, não se evidenciando ofensa do princípio da confiança ou atingidas as expectativas daqueles que, no âmbito de tais preceitos, não detêm essa qualificação académica; 4ª - A previsão de quotas mínimas para licenciados em Direito contida nas normas legais referidas na conclusão anterior não representa uma medida legislativa arbitrária ou injustificada, não traduzindo violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º, nº 1, da Constituição;

5ª - A norma transitória prevista no artigo 158º do Decreto-Lei nº 275-A/2000 não colide com os princípios constitucionais da protecção da confiança e da igualdade, nem ofende qualquer outra norma ou princípio constitucional;
6ª - O princípio da igualdade consagrado no artigo 13º, nº 1, da Constituição, de que o artigo 47º, nº 2, da mesma lei fundamental constitui projecção específica em matéria de acesso à função pública, proíbe diferenciações de tratamento, a não ser que, sendo objectivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes, se revelem racional e razoavelmente fundadas;
7ª - A diferenciação dos inspectores, destinatários da norma de direito transitório contida no artigo 159º do Decreto-Lei nº 275-A/2000, em dois grupos ou contingentes para efeitos de acesso à categoria subsequente de inspector-chefe, em função de uma antiguidade na categoria, inferior ou superior a 14 anos, reservando-se dois terços das vagas para o primeiro grupo ou contingente e a terça parte restante para o segundo grupo ou contingente, além de representar para os inspectores incluídos neste último grupo uma objectiva diminuição de possibilidades de acesso à referida categoria, traduz uma distinção desprovida de justificação racional ou de fundamentação material suficiente;
8ª - A circunstância de a antiguidade na categoria ser inferior ou superior a 14 anos para a integração dos inspectores num ou noutro dos grupos indicados não se configura como factor que possa justificar, à luz do princípio da igualdade, inscrito no artigo 13º da Constituição e do princípio da igualdade de oportunidades, aí acolhido, a apontada diferenciação, sendo, consequentemente, a norma prevista no artigo 159º do citado Decreto-Lei nº 275-A/2000 materialmente inconstitucional.

Texto Integral:

Senhora Ministra da Justiça,
Excelência:



I

Na sequência da abertura de um concurso interno de acesso limitado para preenchimento de 50 vagas na categoria de inspector-chefe, escalão 1 ([1]), e após a definição das quotas previstas no artigo 159º do Decreto-Lei nº 275-A/2000, de 9 de Novembro ([2]), a Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária (ASFIC/PJ) representou ao Director Nacional da Polícia Judiciária algumas questões suscitadas com o lançamento de tal concurso e o seu entendimento quanto à legalidade do mesmo.

Assim, e de acordo com a exposição que dirigiu ao Director Nacional daquela Corporação, a ASFIC/PJ deu conta de uma carta que lhe dirigira, datada de 16 de Janeiro, e na qual solicitara «que fosse efectuada uma análise urgente da legalidade dos termos de abertura do Concurso, nomeadamente no que tange ao artº 159º, sugerindo que, no caso de se tal verificar, se procedesse à suspensão temporária do mesmo, até à rectificação ou expurgo da referida norma».
Na exposição em referência, a mesma Associação Sindical dá conta dos resultados da auscultação que efectuou aos seus associados informando que «a esmagadora maioria dos associados candidatos ao Concurso, manifestaram-se no sentido de que o mesmo deveria ser anulado, e propor-se que no mais breve espaço de tempo possível, se proceda à alteração da Lei Orgânica da Polícia Judiciária, expurgando da mesma as quotas constantes nos artigos 119º nº 3, 121º nº 1, 124º nº 3, eliminando na totalidade os artºs 158º e 159º».

A Associação Sindical solicita a «anulação do Concurso de acesso à categoria de Inspector-chefe, em decurso, com o objectivo de expurgar no mais breve espaço de tempo possível os artigos da Lei Orgânica que contêm quotas limitativas».

Vossa Excelência, acolhendo a sugestão apresentada pelo Senhor Director Nacional da Polícia Judiciária, solicitou a este Conselho Consultivo a emissão de parecer «acerca da questão enunciada no comunicado da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária» ([3]).

Posteriormente, por despacho de 13 de Maio de 2003, Vossa Excelência dignou-se informar que o parecer «foi solicitado com respeito à questão, suscitada pela Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária, da alegada desconformidade com a Constituição da República Portuguesa, particularmente com o seu artigo 13º, das quotas fixadas nos artigos 119º, nº 3, 121º, nº 1, 124º, nº 3, 158º e 159º da Lei Orgânica da Polícia Judiciária, aprovada pelo Decreto-Lei nº 275-A/2000, de 9 de Novembro». ([4]).


Delimitado o seu objecto, cumpre emitir o solicitado parecer.



II

Nos termos do artigo 1º, do Decreto-Lei nº 275-A/2000, de 9 de Novembro ([5]), que aprovou a sua nova orgânica, a Polícia Judiciária é um corpo superior de polícia criminal auxiliar da administração da justiça, organizado hierarquicamente na dependência do Ministro da Justiça e fiscalizado nos termos da lei, competindo-lhe, em geral, em conformidade com o disposto no artigo 2º, do mesmo diploma:

«a) Coadjuvar as autoridades judiciárias de investigação;
b) Desenvolver e promover as acções de prevenção e investigação da sua competência ou que lhe sejam cometidas pelas autoridades judiciárias competentes.»

Tendo em consideração o objecto da consulta, interessa captar a estrutura organizatória da Polícia Judiciária e a forma como se encontram estruturadas as carreiras que contempla.

O artigo 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº 275-A/2000, diploma a que pertencerão os preceitos que se referirem sem outra indicação, integrado no capítulo III, dedicado à sua «Organização», estabelece:

«1 - A Polícia Judiciária estrutura-se verticalmente e compreende:
a) A Directoria Nacional;
b) As directorias;
c) Os departamentos de investigação criminal.»

Os departamentos de investigação criminal ([6]) constituem serviços operacionais e dispõem de secções e de brigadas (artigo 22º, nºs 1, alínea d), e 2, competindo-lhes, nos termos do artigo 61º, nº 1, «(...) a prevenção, investigação criminal e coadjuvação das autoridades judiciárias na respectiva área territorial de intervenção ou excepcionalmente em resultado de despacho do director nacional».

O estatuto e competências do pessoal, a sua estruturação e carreiras da Polícia Judiciária constituem matérias reguladas nos artigos 62º a 99º do Capítulo IV, que se apresenta com a epígrafe «Corpo Especial da Polícia Judiciária».

O artigo 62º, com o título «Grupos de pessoal e carreiras», dispõe, no que especialmente releva para este parecer, o seguinte:

«1 - O pessoal da Polícia Judiciária constitui um corpo superior e especial, está integrado no quadro único, constante do anexo I ao presente diploma, do qual faz parte integrante, e é constituído pelos seguintes grupos de pessoal:
a) Dirigente;
b) De investigação criminal;
c) De chefia de apoio à investigação criminal;
d) De apoio à investigação criminal.
2 - (...)
3 - A carreira de investigação criminal compreende as seguintes categorias:
a) Coordenador superior de investigação criminal;
b) Coordenador de investigação criminal;
c) Inspector-Chefe;
d) Inspector;
e) Agente-motorista.»

O Capítulo V deste Decreto-Lei nº 275-A/2000 é dedicado à matéria dos provimentos. Integradas nas disposições gerais, assumem particular importância as disposições gerais contidas nos artigos 100º e 103º os quais, por isso, se transcrevem.

O primeiro preceito, com a epígrafe «Concursos», estabelece o seguinte:

«1 - O recrutamento para os lugares do quadro de pessoal da Polícia Judiciária efectua-se nos termos do presente diploma e da lei geral.
2 - Nos concursos de ingresso para lugares de inspector, além dos métodos de selecção previstos na lei geral, realizam-se ainda exame médico e provas físicas, de acordo com regulamento aprovado por despacho do Ministro da Justiça.
3 - Quando o provimento de lugares depender de aprovação em curso de formação, treino profissional ou estágio ministrados e organizados pelo Instituto Superior de Polícia Judiciária e Ciências Criminais, os candidatos são graduados de acordo com o aproveitamento que neles tenham obtido.
4 - No provimento dos lugares do quadro, e em igualdade de circunstâncias, é concedida preferência ao pessoal em serviço na Polícia Judiciária.»

O artigo 103º, com a epígrafe «Promoção e progressão», prescreve:

«1 - Constitui requisito indispensável para promoção e progressão a classificação de serviço mínima de Bom, salvo disposição em contrário.
2 - A mudança de escalão, em cada categoria, opera-se logo que verificado o requisito de três anos de bom e efectivo serviço no escalão em que o funcionário se encontra posicionado, vencendo-
-se o direito à remuneração no 1º dia do mês imediato.»


As disposições especiais respeitantes ao provimento do pessoal de investigação criminal constam dos artigos 118º a 127º.

A respectiva carreira compreende as categorias referidas no transcrito nº 3 do artigo 62º ([7]) as quais se desenvolvem por escalões.

Essas categorias têm a estrutura e forma de provimento previstas nos seguintes preceitos:

«Artigo 119º
Coordenador superior de investigação criminal

1 - A categoria de coordenador superior de investigação criminal compreende seis escalões.
2 - Os escalões 5 e 6 só podem ser ocupados por coordenadores superiores de investigação criminal que transitem das anteriores categorias de inspector-coordenador e inspector.
3 - Os lugares de coordenador superior de investigação criminal de escalão 1 são providos de entre coordenadores de investigação criminal com, pelo menos, quatro anos de antiguidade na categoria, pelo menos dois terços dos quais licenciados em Direito, classificados no mínimo de Bom com distinção, mediante concurso de provas públicas, que consiste na apreciação e discussão:
a) Do currículo profissional do candidato, sendo factor preferencial a anterior chefia de um departamento de investigação criminal durante pelo menos um ano e a frequência de uma acção de formação específica para chefias superiores;
b) De um trabalho versando um tema que estabeleça uma clara e nítida correlação com a função de polícia criminal.

Artigo 120º
Coordenador de investigação criminal

1 - A categoria de coordenador de investigação criminal compreende nove escalões.
2 - Os escalões 6 a 9 só podem ser ocupados por coordenadores de investigação criminal que transitem da anterior categoria de inspector.
3 - Os lugares de coordenador de investigação criminal de escalão 1 são providos de entre inspectores-chefes com, pelo menos, quatro anos de antiguidade na categoria, com classificação de serviço não inferior a Bom com distinção, mediante concurso e habilitados com curso de formação ministrado no Instituto Superior de Polícia Judiciária e Ciências Criminais.
Artigo 121º
Curso de formação para coordenador de investigação criminal

1 – O director nacional fixa o número de vagas, bem como o de candidatos a admitir ao curso, pelo menos 50% das quais destinadas a inspectores-chefes licenciados em Direito.
2 – Em caso de igualdade de classificação, são admitidos os candidatos com maior antiguidade na categoria.
Artigo 122º
Inspector-chefe

1 - A categoria de inspector-chefe compreende seis escalões.
2 - Os lugares de inspector-chefe de escalão 1 são providos de entre inspectores com, pelo menos, sete anos de antiguidade na categoria, classificados no mínimo de Bom com distinção, mediante concurso e habilitados com curso de formação ministrado no Instituto Superior de Polícia Judiciária e Ciências Criminais.
Artigo 123º
Curso de formação para inspector-chefe

1 – O director nacional fixa o número de vagas, bem como o de candidatos a admitir ao curso.
2 – Em caso de igualdade de classificação, são admitidos os candidatos com maior antiguidade na categoria.
Artigo 124º
Inspector

1 - A categoria de inspector compreende nove escalões.
2 - Os lugares de inspector de escalão 1 são providos por inspectores estagiários considerados aptos.
3 – Os inspectores estagiários são providos de entre indivíduos de idade inferior a 30 anos, habilitados com licenciatura adequada, pelo menos 35% dos quais em Direito, com carta de condução de veículos ligeiros, aprovados em concurso e habilitados com o curso de formação ministrado no Instituto Superior de Polícia Judiciária e Ciências Criminais.
Artigo 125º
Curso de formação para inspector
A abertura do concurso para frequência do curso de formação para inspector e o número de vagas é fixado pelo Ministro da Justiça, sob proposta do director nacional.
Artigo 126º
Ingresso

1 – O ingresso na carreira de investigação criminal faz-se na categoria de inspector estagiário.
(...)»

III

1 - A compreensão deste parecer aconselha que se dediquem breves considerações sobre alguns conceitos operatórios no domínio da organização e estruturação dos quadros de pessoal da Administração Pública que se encontram definidos no Decreto-Lei nº 248/85, de 15 de Julho ([8]).

De acordo com o disposto no artigo 3º, nº 1, deste diploma, «as funções públicas podem ser asseguradas em regime de carreira ou em regime de emprego» sendo que, nos termos do nº 2, deste mesmo preceito, «o desempenho de funções públicas que correspondam a necessidades permanentes e próprias dos serviços deve, em princípio, ser assegurado por pessoal em regime de carreira.»

A carreira «estrutura-se na base do princípio da adequação às funções e desenvolve-se de acordo com as regras gerais de ingresso e acesso definidas no presente decreto-lei, sem prejuízo da existência de requisitos especiais com relação a carreiras específicas» (artigo 3º, nº 4, do Decreto-Lei nº 248/85) ([9]).

As definições de carreira e de categoria são-nos dadas pelo artigo 4º deste diploma:

«1 – A carreira é o conjunto hierarquicamente organizado de categorias às quais correspondem funções da mesma natureza a que os funcionários terão acesso de acordo com a antiguidade e o mérito evidenciado no desempenho profissional.
2 – Categoria é a posição que os funcionários ocupam no âmbito de uma carreira, fixada de acordo com o conteúdo e qualificação da função ou funções, referida à escala salarial da função pública».

Quanto à estrutura, as carreiras são (artigo 5º deste diploma):

«a) Verticais, quando integram categorias com o mesmo conteúdo funcional, diferenciadas em exigências, complexidade e responsabilidades;
b) Horizontais, quando integram categorias com o mesmo conteúdo funcional cuja mudança de categoria corresponde à maior eficiência na execução das respectivas tarefas;
c) Mistas, quando combinem características das carreiras verticais e das horizontais.»

As carreiras podem integrar-se em grupos de pessoal, definidos com base na caracterização genérica do respectivo conteúdo funcional e nas exigências habilitacionais e profissionais (artigo 7º, nº 1, do Decreto-Lei nº 248/85) ([10]).

Aos dois apontados tipos essenciais de carreira (verticais e horizontais), correspondem dois modos distintos de acesso que o artigo 15º, nºs 2 e 3, do Decreto-Lei nº 248/85, contemplava. Assim, dispunha-se que o acesso nas carreiras verticais se operava por promoção, fazendo-se o acesso nas carreiras horizontais por progressão.

Com a expressa revogação do artigo 15º, do citado Decreto-Lei nº 248/85, pelo artigo 36º, alínea b), do Decreto-Lei nº 404-A/98, de 18 de Dezembro ([11]), as regras básicas relativas ao aspecto dinâmico da ascensão entre categorias e dentro de cada uma delas estão contempladas no Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho, diploma que, de acordo com o objecto definido no seu artigo 1º, estabelece princípios gerais em matéria de emprego público, remunerações e gestão de pessoal da função pública ([12]).

Em consequência da abolição das diuturnidades do regime geral e especial, operada pelo artigo 37º deste diploma e artigo 45º, nº 7, do Decreto-Lei nº 353-A/89, de 16 de Outubro, a remuneração base dos funcionários ou agentes passou a ser determinada em função do índice correspondente à categoria e escalão em que estejam posicionados. Por isso, «em cada categoria existe um conjunto de posições remuneratórias (designadas por escalões), às quais os funcionários ou agentes vão acedendo à medida que perfazem determinados módulos de tempo» ([13]).

A progressão opera-se, justamente, com a mudança de um escalão para outro na mesma categoria (artigo 29º, nº 1, do Decreto-Lei nº 184/89), «traduzindo-se num estímulo de natureza horizontal, uma vez que o funcionário ou agente vê melhorada a sua remuneração mantendo a mesma categoria e exercendo as mesmas funções» ([14]).

A promoção, por seu lado, «é a mudança para a categoria seguinte da respectiva carreira e opera-se para escalão a que corresponda remuneração base imediatamente superior», conforme dispõe o nº 3 do artigo 27º do Decreto-Lei nº 184/89.

Nos termos do nº 4 deste preceito:

«4 - A promoção depende da verificação das seguintes condições mínimas:
a) Mérito adequado;
b) Tempo de serviço efectivo na categoria imediatamente inferior, de acordo com o regime legalmente estipulado;
c) Existência de vaga.»


2 - Apresentados os conceitos-base que operam nas carreiras profissionais, vejamos como se apresentam na organização do pessoal da Polícia Judiciária e, concretamente, tendo em atenção o objecto deste parecer, na orgânica do pessoal integrado na carreira de investigação criminal.

De acordo com os já indicados preceitos, constatamos que a carreira de investigação criminal se desenvolve verticalmente numa hierarquia integrada pelas seguintes categorias: agente-motorista ([15]), inspector, inspector-chefe, coordenador de investigação criminal e coordenador superior de investigação criminal (artigo 62º, nº 3). Tendo em consideração as respectivas competências e conteúdos funcionais contidos nos artigos 65º a 69º, esta carreira surge-nos «estruturada como movimento ascensional para o desempenho de funções diferenciadas pelo grau de complexidade e responsabilidade» ([16]).

Aquelas categorias desenvolvem-se por escalões (artigo 118º) visando a diferenciação remuneratória. A progressão pelos escalões de cada categoria depende, salvo disposição em contrário, de uma classificação de serviço mínima de Bom e «opera-se logo que verificado o requisito de três anos de bom e efectivo serviço no escalão em que o funcionário se encontra posicionado» (artigo 103º, nº 3).

De acordo com o disposto no artigo 126º, nº 1, o ingresso na carreira de investigação criminal faz-se na categoria de inspector estagiário que, se considerado apto, será provido no lugar de inspector de escalão 1 (artigo 124º, nº 2).

O acesso às categorias superiores efectiva-se através de promoção constituindo também requisito indispensável para a sua verificação uma «classificação de serviço mínima de Bom, salvo disposição em contrário» (artigo 103º, nº 1).


IV

1 - De entre os mecanismos utilizados para o recrutamento dos funcionários ou agentes da Administração Pública, o concurso é o que se apresenta como o procedimento regra de recrutamento e selecção de pessoal como resulta do artigo 47º, nº 2, da Constituição da República:

«Todos os cidadãos têm direito de acesso à função Pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso».

«A regra constitucional do concurso como meio de recrutamento e selecção de pessoal da função pública (nº 2) é uma garantia do princípio da igualdade e do próprio direito de acesso, pois este não existe quando a Administração pode escolher e nomear livremente os funcionários» ([17]).

Com a institucionalização da regra do concurso, o legislador procurou «em primeiro lugar, assegurar uma efectiva e real igualdade de oportunidades entre todos aqueles que se candidatarem ao ingresso ou promoção numa determinada carreira da função pública. Em segundo lugar, escolher, de entre o leque de candidatos, aqueles que possuam ou revelem maior capacidade e mérito para o desempenho das funções correspondentes aos lugares a preencher» ([18]).

O concurso, que é obrigatório, quer para o ingresso na função pública, quer para o acesso nas carreiras (cfr. artigos 26º, nº 1, e 27º, nº 1, do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho), consiste justamente no «sistema que estabelece a competição entre os candidatos ao preenchimento dos lugares de certa categoria, no sentido de patentearem a sua melhor aptidão para o desempenho dos cargos respectivos» ([19]). Ou, conforme conclusão tirada no Parecer deste Conselho nº 4/90, de 22 de Março de 1990:
«Nos termos dos diplomas vigentes, o concurso constitui o processo normal de recrutamento e selecção do pessoal destinado à função pública ou já ao seu serviço, tendo em vista proporcionar igualdade de condições e de oportunidades para todos os candidatos» ([20]).

A primeira iniciativa legislativa visando a institucionalização da regra do concurso remonta a 1982 com o Decreto-Lei nº 171/82, de 10 de Maio, vigorando presentemente o Decreto-Lei nº 204/98, de 11 de Julho, editado, como se enuncia no seu artigo 1º, para regular o concurso como forma de recrutamento e selecção de pessoal para os quadros da Administração Pública, bem como os princípios e garantias gerais a que o mesmo deve obedecer.

O artigo 4º deste diploma fornece-nos os conceitos de recrutamento e selecção. Assim:

«1 – O recrutamento consiste no conjunto de operações tendentes à satisfação das necessidades de pessoal dos serviços e organismos da Administração Pública, bem como à satisfação das expectativas profissionais dos seus funcionários e agentes, criando condições para o acesso no próprio serviço ou organismo ou em serviço ou organismo diferente.
2 – A selecção de pessoal consiste no conjunto de operações que, enquadradas no processso de recrutamento e mediante a utilização de métodos e técnicas adequados, permitem avaliar e classificar os candidatos segundo as aptidões e capacidades indispensáveis para o exercício das tarefas e responsabilidades de determinada função.»

Sob a epígrafe «Princípios e garantias», dispõe o artigo 5º do citado Decreto-Lei nº 204/98:

«1 – O concurso obedece aos princípios de liberdade de candidatura, de igualdade de condições e de igualdade de oportunidades para todos os candidatos.
2 – Para respeito dos princípios referidos no número anterior, são garantidos:
a) A neutralidade da composição do júri;
b) A divulgação atempada dos métodos de selecção a utilizar, do programa das provas de conhecimentos e do sistema de classificação final;
c) A aplicação de métodos e critérios objectivos de avaliação.

Sobre os tipos de concursos, prescreve, por sua vez, o artigo 6º deste diploma:

«1 – O concurso pode classificar-se, quanto à origem dos candidatos, em concurso externo ou interno, consoante seja aberto a todos os indivíduos ou apenas aberto a funcionários ou agentes que, a qualquer título, exerçam funções correspondentes a necessidades permanentes há mais de um ano nos serviços e organismos referidos no nº 1 do artigo 2º.
2 – O concurso pode ainda classificar-se, quanto à natureza das vagas, em concurso de ingresso ou de acesso, consoante vise o preenchimento de lugares de categorias de base ou o preenchimento das categorias intermédias ou de topo das respectivas carreiras.
3 – Considera-se incluído no âmbito subjectivo dos concursos internos de ingresso o pessoal vinculado por contrato administrativo de provimento.
4 – O concurso interno de acesso pode revestir as seguintes modalidades:
a) Concurso interno de acesso geral – quando aberto a todos os funcionários, independentemente do serviço ou organismo a que pertençam;
b) Concurso interno de acesso limitado – quando se destine apenas a funcionários pertencentes ao serviço ou quadro único para o qual é aberto o concurso;
c) Concurso interno de acesso misto – quando se prevejam duas quotas destinadas, respectivamente, a funcionários pertencentes ao serviço ou quadro único para o qual o concurso é aberto e a funcionários que a ele não pertençam.»


2 - Retornando ao caso em análise, atentemos nos mecanismos que a lei orgânica da Polícia Judiciária estabelece para o provimento dos lugares do seu quadro de pessoal, concentrando a atenção nos lugares que integram a carreira de investigação criminal.

O ingresso nesta carreira é feito na categoria de inspector estagiário – categoria de base –, sendo os respectivos lugares providos de entre indivíduos aprovados em concurso para admissão a curso de formação de inspectores ministrado no Instituto Superior de Polícia Judiciária e Ciências Criminais ( artigos 126º, nº 1, 124º, nº 3, e 125º ). As condições de admissão ao concurso, necessariamente de ingresso, estão previstas no citado nº 3 do artigo 124º, havendo a sublinhar uma importante e significativa inovação relativamente ao anterior regime orgânico desta corporação policial, constante do Decreto-Lei nº 295-A/90, de 21 de Setembro. Referimo-nos à exigência de licenciatura adequada, a definir no momento da abertura do concurso, sendo que pelo menos 35% dos lugares estão reservados aos candidatos licenciados em Direito. ([21])

Ao escalão 1 da categoria de inspector-chefe acedem os inspectores com, pelo menos, sete anos de antiguidade na categoria, classificados no mínimo de Bom com distinção, mediante concurso (que será, necessariamente, interno de acesso limitado) e habilitados com curso de formação ministrado pelo Instituto Superior de Polícia Judiciária e Ciências Criminais (artigo 122º, nº 2).

Os lugares de coordenador de investigação criminal do escalão de base (escalão 1) são providos, de acordo com o que dispõe o artigo 120º, nº 3, «de entre inspectores-chefes com, pelo menos, quatro anos de antiguidade na categoria, com classificação de serviço não inferior a Bom com distinção, mediante concurso e habilitados com curso de formação ministrado pelo Instituto Superior de Polícia Judiciária e Ciências Criminais». Metade, pelo menos, das vagas a prover são destinadas a inspectores-
-chefes licenciados em Direito (artigo 121º, nº 1) (
[22]).

Finalmente, os lugares de coordenador superior de investigação criminal (categoria do topo), de escalão 1, são providos de entre coordenadores de investigação criminal com, pelo menos, quatro anos de antiguidade na categoria, pelo menos dois terços dos quais licenciados em Direito, classificados no mínimo de Bom com distinção, mediante concurso de provas públicas ( artigo 119º, nº 3).

A progressão, operada através da mudança de escalão em cada uma das categorias, processa-se de forma automática e oficiosamente assim que verificado o requisito, estipulado no artigo 103º, nº 2, de três anos de bom e efectivo serviço no escalão em que o funcionário está posicionado.


3 - Como se vê, nos artigos 119º, nº 3, 121º, nº 1, e 124º, nº 3, são previstas quotas mínimas destinadas a licenciados em Direito para provimento dos lugares de coordenador superior de investigação criminal, de coordenador de investigação criminal e de inspector estagiário, respectivamente.

Assim, a par dos demais requisitos exigidos e do resultado dos concursos previstos, dois terços, pelo menos, das vagas de coordenador superior de investigação criminal serão destinados a coordenadores de investigação criminal licenciados em Direito. Por seu lado, no número de vagas abertas para o curso de formação de coordenadores de investigação criminal, pelo menos metade serão destinadas a inspectores-chefes licenciados em Direito. Finalmente, os inspectores estagiários serão providos de entre indivíduos habilitados com «licenciatura adequada» sendo que, pelo menos 35% deles deverão ser licenciados em Direito.


4 - Esta opção do legislador em estabelecer, inovatoriamente, um regime de quotas em favor de funcionários ou candidatos licenciados em Direito traduzirá violação de algum princípio ou norma constitucional?

A ASFIC/PJ na exposição referida em I, insurgiu-se especialmente contra a norma contida no artigo 159º já em execução no âmbito do concurso interno de acesso lançado para preenchimento de 50 vagas na categoria de inspector-chefe, concurso cuja suspensão solicitou, «até à rectificação ou expurgo da referida norma», manifestando o seu entendimento de «estar ferido o direito de igualdade de oportunidade».

Na mesma exposição, aquela Associação Sindical alarga a sua discordância às «quotas limitativas» que afirma incluídas nos artigos 119º, nº 3, 121º, nº 1, 124º, nº 3, pretendendo a expurgação das mesmas bem como a eliminação «na totalidade» dos artigos 158º e 159º.

Alega-se que «a situação actual constitui da forma como se apresenta, um factor de injustiça pelos seguintes motivos:
- Porque o espírito que presidiu à existência destas normas era fundamentalmente o de proteger as aspirações dos funcionários mais antigos na carreira, face à alteração das habilitações académicas exigidas para ingresso na Carreira de Investigação Criminal;
- Porque a aplicação destas regras somente faria sentido se estivessem a concorrer funcionários já ingressados com habilitações académicas superiores, o que não se verifica;
- Porque as regras que se encontram plasmadas nos artigos em questão, inverteram totalmente o sentido pretendido, ou seja, resultaram em nítido prejuízo para os funcionários com mais anos de carreira, coarctando-lhes justas expectativas;
- Porque se encontram feridos os princípios de igualdade de condições e de oportunidade para todos os candidatos, previstos nos artºs 5º do Dec. Lei 204/98, de 11 de Julho e artº 13º da CRP.»


V

1 - A matéria aqui em análise reclama que se convoque o artigo 47º, nº 2, da Constituição e se averigue se o nosso ordenamento jurídico contempla um «direito à carreira». Em seguida, confrontar-se-á a alteração verificada quanto ao ingresso e ao acesso nas mencionadas categorias com o princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2º, da Constituição. Examinar-se-ão, por fim, os preceitos legais questionados tomando por referência o princípio da igualdade proclamado no artigo 13º da Constituição.


2 - «Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso», proclama o artigo 47º, nº 2, da Constituição.

A seu respeito, escrevem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA: «O direito de acesso à função pública em condições de igualdade e liberdade (nº 2) consiste principalmente em: (a) não ser proibido de aceder à função pública em geral, ou a uma determinada função pública em particular; (b) poder candidatar-se aos lugares postos a concurso, desde que preenchidos os requisitos necessários; (c) não ser preterido por outrem com condições inferiores; (d) não haver escolha discricionária por parte da administração» ([23]). E acrescentam: «Embora o preceito refira expressamente apenas o direito de acesso (jus ad officium), o âmbito normativo-constitucional abrange igualmente o direito de ser mantido nas funções (jus in officio), e bem assim o direito ainda às promoções dentro da carreira» ([24]).

Importa, no entanto, prevenir, como se faz no Parecer nº 99/98, de 25 de Fevereiro de 1999, «que qualquer eventual direito à carreira não pode significar a faculdade de o funcionário alcançar sempre, ou como regra, a respectiva categoria de topo».

Citando-se MARCELLO CAETANO ([25]):

«(…) Haverá um direito à carreira? Diuturnidades e promoções. – Suscita-se aqui um problema que importa examinar: desde que o funcionário ingressa num quadro constituído por várias categorias da mesma hierarquia, com acesso de uma para outra, poderá falar-se no direito a carreira? Essa expressão afigura-se-me mais apropriada que a de direito à promoção, embora a carreira se faça mediante a ascensão do funcionário das categorias que vai sucessivamente ocupando para as que lhe são superiores. E a promoção é o provimento do funcionário de uma categoria inferior em lugar de categoria superior da mesma hierarquia.
Mas quando se diz “direito a promoção” sugere-se a ideia de que o funcionário da categoria inferior deve ser necessariamente promovido à categoria superior, o que não é exacto.
Sem falar nos casos em que um lugar não dá acesso a outro, mesmo quando o quadro preveja uma sucessão de categorias da mesma hierarquia, o acesso de uma a outra pode ficar dependente do poder discricionário de certo órgão (escolha) ou da habilitação mediante a prestação de provas documentais ou práticas (concurso), o que exclui o automatismo da promoção, verificável apenas quando se faça por antiguidade.
Mas já é diferente o sentido do direito à carreira, que significa a faculdade garantida por lei ao funcionário que ingresse num quadro de progredir em vantagens profissionais, segundo a sua capacidade e o seu tempo de serviço.»

No mesmo Parecer, e a este propósito, considera-se justificada a distinção das hipóteses de carreiras horizontais e de carreiras verticais:

«Nas carreiras horizontais, não parece inexacto falar num direito à carreira que implique o necessário e automático acesso às categorias sucessivamente superiores, à medida em que se forem perfazendo os períodos de serviço, classificados de Bom, que dessa ascensão constituem pressuposto (artigos 15º, nºs 3 a 5, do Decreto-Lei nº 248/85, e 27º, nº 5, e 29º do Decreto-Lei nº 184/89).

«No que concerne às carreiras verticais, o direito à carreira não pode assumir um conteúdo tão firme e preciso como o respeitante às carreiras horizontais.

«Isso resulta, naturalmente, do facto de a promoção, no âmbito das carreiras verticais, depender, como consta do artigo 27º, nº 4, do Decreto-Lei nº 184/89 ( conjugado com o artigo 15º, nºs 5 e 6, do Decreto-Lei nº 248/85):
- da existência de vaga;
- da prestação de um período mínimo de serviço na categoria imediatamente inferior, classificado de Bom;
- de mérito adequado, necessariamente comprovado mediante concurso ( nos termos do nº 1 do mesmo preceito).

«Nas carreiras verticais, a prestação de um período de serviço, qualificado de Bom, é, pois, condição necessária, mas não suficiente, para o acesso, mediante promoção.

«Para que a promoção se efective é ainda indispensável que haja vaga e que o funcionário em questão, no concurso de promoção, seja aprovado, em termos absolutos, e, em termos relativos, obtenha graduação que permita o provimento numa das vagas disponíveis» ([26]).

VI


1 - A publicação do Decreto-Lei nº 275-A/2000 e, com ele, a alteração das regras quanto ao recrutamento e provimento do pessoal com a efectivação, afirma-se no preâmbulo, de uma «ambiciosa reestruturação das carreiras», suscita a questão da compatibilização dessas mudanças com os direitos e expectativas dos funcionários da Polícia Judiciária e, de entre estes, dos que pertencem à carreira de investigação criminal.

Na verdade, há que reconhecer que, comparativamente ao anterior regime orgânico, as condições de acesso a categorias superiores na carreira de investigação criminal pelos funcionários não licenciados em Direito sofreram uma evidente restrição quantitativa, na exacta medida da percentagem das vagas que os preceitos legais em causa permitem afectar aos candidatos detentores dessa específica habilitação académica.

2 - Pensamos constituir princípio do direito administrativo que «a situação jurídica dos funcionários públicos ou agentes é objectiva e estatutária e deste modo livremente modificável pelo legislador, salvo na medida em que existam direitos já subjectivados que não poderão ser reduzidos, sendo o estatuto do funcionário disciplinado em cada momento pelas normas que se sucedem nessa matéria. A Administração ou o legislador têm o poder de, salvaguardados os direitos anteriormente subjectivados, regular a situação jurídica dos funcionários, nomeadamente no aspecto de reformulação e progressão nas respectivas carreiras, nos termos que entenda mais conveniente para a realização do interesse público e dos fins próprios dos respectivos serviços» ([27]).

Como se refere no Parecer nº 20/01 deste Conselho, de 6 de Dezembro de 2001 ([28]), com apoio em abundante jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, «(…) os “funcionários encontram-se numa situação estatutária e objectiva, modificável a todo o tempo pela lei (-), pelo que os “direitos e deveres que integram a situação estatutária são em cada momento aqueles que a lei define” (-), quer dizer, os direitos invocáveis são os que decorrem da lei vigente, não havendo ofensa do princípio da confiança, por contra essa aplicação não serem invocáveis direitos ou expectativas fundadas em legislação anterior (-).

«Na verdade, “nem a carreira nem a categoria do estatuto profissional do trabalhador da função pública constituem um direito subjectivo dele” (x1).

«(…) Com certeza que as modificações têm de ressalvar “as subjectivações já verificadas“ (-), porque não se poderão postergar “direitos já entrados definitivamente no património jurídico dos interessados face aos princípios constitucionais da confiança e da segurança jurídica” (-).

«Naturalmente, também, as alterações têm de ser proporcionadas, e não podem atingir o núcleo essencial dos direitos constitutivos de um certo estatuto, sob pena de ofensa, ainda, do princípio da confiança.»

«Somente os direitos estatutários dos funcionários (…) já subjectivados, isto é, já definitivamente integrados no acervo ou esfera jurídico-individual dos interessados, podem encontrar abrigo no princípio constitucional da protecção da confiança».

«As chamadas “expectativas” de promoção ou de progressão na carreira – nomeadamente, quanto às condições, requisitos ou modalidades dessa progressão -, não possuem no nosso direito qualquer garantia de intangibilidade ou imodificabilidade futura através de providências de natureza legal ou regulamentar superveniente» ([29]).

De facto, como se lê no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 355/99, de 15 de Junho de 1999 ([30]): «a protecção constitucional da carreira como factor de valorização profissional não impede que o legislador proceda a reajustamentos maiores ou menores na estrutura das carreiras do funcionalismo público de acordo com as exigências do interesse público».


3 - O princípio do Estado de direito democrático, consagrado, após a revisão constitucional de 1982, no artigo 2º da Constituição, «postula uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas”, razão pela qual “a normação que, por sua natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático, terá de ser entendida como não consentida pela lei básica” (cfr. o Acórdão nº 303/90, publicado no Diário da República, I Série, de 26 de Dezembro de 1990)» ([31]).

O princípio há-de conduzir a que ”os cidadãos tenham, fundadamente, a expectativa na manutenção de situações de facto já alcançadas como consequência do direito em vigor”, conforme se afirma no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 222/98, de 4 de Março ([32]), onde se acrescenta:
«Todavia, isso não leva a que seja vedada por tal princípio a estatuição jurídica que tenha implicações quanto ao conteúdo de anteriores relações ou situações criadas pela lei antiga, ou a que tal estatuição não possa dispor com um verdadeiro sentido retroactivo. Seguir entendimento contrário representaria, ao fim e ao resto, coarctar a liberdade constitutiva e a auto-revisibilidade do legislador, características que são típicas, ainda que limitadas, da função legislativa (cf. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição da República Portuguesa, p. 309).
«Haverá, assim, que proceder a um justo balanceamento entre a protecção de expectativas dos cidadãos decorrentes do princípio do Estado de direito democrático e a liberdade constitutiva e conformadora do legislador, também ele democraticamente legitimado, legislador ao qual, inequivocamente, há que reconhecer a legitimidade (senão mesmo o dever) de tentar adequar as soluções jurídicas às realidades existentes, consagrando as soluções mais razoáveis, ainda que elas impliquem que sejam “tocadas” relações ou situações que, até então, eram regidas de outra sorte. Um tal equilíbrio, como o Tribunal tem assinalado, será postergado nos casos em que, ocorrendo mudança de regulação pela lei nova, esta vai implicar, nas relações e situações jurídicas já antecedentemente constituídas, uma alteração inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente, alteração com a qual os cidadãos e a comunidade não poderiam contar, expectantes que estavam, razoável e fundadamente, na manutenção do ordenamento jurídico que regia a constituição daquelas relações e situações. Nesses casos impor-se-á que actue o subprincípio da protecção da confiança e segurança jurídica que está implicado pelo princípio do Estado de direito democrático, por forma a que a nova lei não vá, de forma acentuadamente arbitrária ou intolerável, desrespeitar os mínimos de certeza e segurança, que todos têm de respeitar.»


4 - O princípio da confiança, na assinalada dimensão, será atingido pela normação contida nos artigos 119º, nº 3, e 121º, nº 1 ([33])?

Consideramos que não.

Relativamente ao sistema de quotas estabelecido nos citados artigos, entendemos que ele não afecta, infundada e arbitrariamente, eventuais expectativas que tivessem nascido ou se tivessem consolidado nas esferas jurídicas dos funcionários de investigação criminal não detentores de licenciatura em Direito abrangidos (coordenadores de investigação criminal e inspectores-chefes).

As normas relativas às condições de ingresso nas carreiras ou de acesso nas categorias que as compõem não se apresentam como imutáveis. O legislador não se encontra impedido de proceder às alterações ou aos reajustamentos que entenda justificados para realização do interesse público. Como se afirma no Acórdão do Tribunal Constitucional, de 9 de Abril de 1991 ([34]), «a protecção da confiança dos cidadãos (…) não constitui um dever que deva ser garantido de forma absoluta, antes deve ceder face às exigências de carácter social, com vista à realização de outros interesses genéricos que se sobreponham aos da protecção dos direitos e expectativas dos cidadãos».

Na verdade, como escreve ANA FERNANDA NEVES ([35]), «a estipulação legislativa de requisitos de “acesso à função pública” (-) inscreve-se no quadro da possibilidade de restrições legais à liberdade de escolha da profissão, de acomodação legislativa na vida jurídica (…) em matéria de direitos, liberdades e garantias, no caso, em nome do interesse colectivo ou capacidade dos indivíduos para um determinado desempenho funcional (-). Os requisitos, materialmente conexos ao “interesse colectivo” ou inerentes à própria capacidade (-) devem, assim, ser adequados, racionais, exigíveis ou postulados pelas características do lugar a prover».

O artigo 47º, nº 1, da Constituição, relativamente ao direito de escolha de profissão e ao qual está associado o direito de acesso à função pública admite, de resto, o estabelecimento de «restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade» ([36]).


5 - Afiguram-se-nos compreensíveis e razoáveis as opções legislativas acolhidas nos questionados artigos 119º, nº 3, 121º, nº 1, e 124º, nº 3.

A exigência de licenciatura adequada como requisito para o provimento na categoria de inspector estagiário, pela qual se ingressa na carreira de investigação criminal (artigo 126º, nº 1), traduz a concretização de um propósito do legislador no reforço da preparação técnica do pessoal, expressamente assumido no preâmbulo do Decreto-Lei nº 275-A/2000. Assim, após se referir que «as profundas alterações sociais e económicas verificadas nas últimas décadas determinaram mudanças significativas das características da criminalidade» e o «aparecimento e a generalização de novas formas de criminalidade, cada vez mais sofisticadas, opacas e imunes aos métodos tradicionais de investigação», ali se exprime ser «crescente a convicção de que, a sociedade portuguesa não pode prescindir de uma polícia criminal especialmente preparada, científica e tecnicamente apetrechada e dotada de uma estrutura orgânica que lhe permita, com elevado grau de eficácia, prosseguir a sua função decisiva no âmbito da prevenção da criminalidade, da investigação criminal e da coadjuvação das autoridades judiciárias».

A habilitação com um licenciatura ajustada às exigências das funções de investigação criminal da Polícia Judiciária faz, naturalmente, presumir que os funcionários que as vão desempenhar são detentores de uma qualificada preparação cultural e técnico-científica ou portadores de uma competência ([37]) que propiciará, em princípio, uma correcta e eficaz prestação funcional.

Sublinhando-se a especial vocação da Polícia Judiciária para a realização da investigação criminal, sobretudo dos crimes mais graves e de maior complexidade, em relação aos quais detém competência reservada, nos termos do artigo 5º, nº 2, e nos termos ainda do disposto no artigo 4º da Lei de Organização de Investigação Criminal, aprovada pela Lei nº 21/2000, de 10 de Agosto, os agentes que nela intervêm devem (têm de) ser detentores de uma cultura assente num conjunto de saberes especializados por forma a que estejam habilitados a enfrentar uma criminalidade cada vez mais diversificada, organizada e sofisticada onde se evidencia «a acção de redes trabalhando em mercados criminais» ([38]).

Por seu lado, afigura-se-nos compreensível e justificada a opção legislativa no estabelecimento, em provimentos na carreira de investigação criminal, de determinadas quotas mínimas a favor de funcionários licenciados em Direito. Essas quotas mínimas estão fixadas, recorde-se, em 35% no provimento de inspectores estagiários (artigo 124º, nº 3), em dois terços no provimento de lugares de coordenador superior de investigação criminal (artigo 119º, nº 3) e em metade no preenchimento das vagas no curso de formação para coordenadores de investigação criminal (artigo 121º, nº 1).

Se atentarmos na natureza da Polícia Judiciária enquanto «corpo superior de polícia criminal auxiliar da administração da justiça» (artigo 1º) e se considerarmos as atribuições em matéria de coadjuvação das autoridades judiciárias, em matéria de prevenção criminal e em matéria de investigação criminal que lhe estão cometidas nos artigos 3º, 4º e 5º, respectivamente, facilmente concluiremos que uma qualificada preparação jurídica dos referidos profissionais de investigação criminal, ao nível da correspondente licenciatura, assume aqui particular relevância. No exercício das respectivas funções, tais funcionários operam constantemente com múltiplas e variadas figuras e conceitos jurídicos e confrontam-se com múltiplas e variadas situações fácticas que carecem de ser interpretadas e qualificadas jurídico-penalmente.

À mesma conclusão se chegará se atendermos aos conteúdos funcionais que estes profissionais exercitam.

Assim, embora sob orientação superior, ao inspector compete, nos termos do artigo 68º, executar «os serviços de prevenção e investigação criminal de que seja incumbido, nomeadamente:

a) Realizar operações, acções, diligências e actos de investigação criminal e os correpondentes actos processuais;
(...)»

Os coordenadores superiores de investigação criminal dirigem departamentos de investigação criminal, conforme artigos 60º, nº 1, e 65º, nº 1, alínea c), aos quais compete «a prevenção, investigação criminal e coadjuvação das autoridades judiciárias na respectiva área de intervenção ou excepcionalmente em resultado de despacho do director nacional.»

A estes profissionais estão atribuídas as importantes funções de orientação e de coordenação, designadas no artigo 65º, nºs 1 e 2, competindo-lhes ainda, nos termos do nº 3 do mesmo preceito:

«a) Prestar assessoria técnica de investigação criminal de elevado grau de qualificação e responsabilidade, designadamente da área de análise e tendências de criminalidade, elaborando estudos, relatórios e pareceres, representando os respectivos departamentos em reuniões, comissões e grupos de trabalho que exijam conhecimentos altamente especializados ou uma visão global da organização;
b) Colaborar em acções de formação;
c) Colaborar nas inspecções aos serviços.»

Finalmente, os coordenadores de investigação criminal chefiam as secções ([39]) e podem dirigir departamentos de investigação criminal, nos termos do disposto no artigo 66º, nº 1, alíneas c) e d). Para além dessas e das demais funções de direcção e orientação, previstas nos nºs 1 e 2 desse preceito, compete-lhes ainda, nos termos do nº 3:

«a) Controlar a legalidade e adequação das operações, acções, diligências e actos de prevenção e investigação criminal;
b) Elaborar despachos, relatórios e pareceres;
c) Participar em reuniões, comissões e grupos de trabalho, tendo em vista preparar a tomada de decisão superior sobre medidas de prevenção e investigação criminal ou de gestão que interessem à organização e funcionamento da Polícia Judiciária;
d) Colaborar em acções de formação.»


6 - Do exposto, temos por racional, ajustado e esteado pelo interesse público que o legislador tenha estabelecido o regime de quotas, fixadas nos citados artigos 119º, nº 3, 121º, nº 1, e 124º, nº 3 destinadas a profissionais licenciados em Direito com o que julgamos não ter sido atingido o princípio da protecção da confiança ou das expectativas dos profissionais que, no âmbito de tais preceitos, não são detentores dessa específica qualificação.

VII

1 - Apreciemos agora o sistema introduzido à luz do princípio constitucional da igualdade.

Violará tal princípio a distinção que o legislador faz operar nos citados artigos 119º, nº 3, e 121º, nº 1, a favor, respectivamente, dos coordenadores de investigação criminal e dos inspectores-chefes detentores de licenciatura em Direito, relativamente aos profissionais com a mesma categoria, mas sem aquela específica habilitação, no provimento de lugares na categoria imediatamente superior (coordenadores superiores de investigação criminal e coordenadores de investigação criminal)?

Abalará tal princípio a diferenciação que se faz no artigo 124º, nº 3, entre indivíduos licenciados em Direito e indivíduos detentores de outra licenciatura no âmbito do provimento dos lugares de inspector estagiário?

Recorde-se, novamente, que, dos lugares de coordenador superior de investigação criminal a preencher, dois terços, pelo menos, serão providos por coordenadores de investigação criminal licenciados em Direito (artigo 119º, nº 3); que, das vagas abertas para o curso de formação de coordenadores de investigação criminal, metade delas, pelo menos, será destinada a inspectores-chefes licenciados em Direito (artigo 121º, nº 1) e que, dos lugares de inspector estagiário a prover, 35%, pelo menos, serão reservados a indivíduos licenciados em Direito ( artigo 124º, nº 3) ([40]).


2 - Reconhecendo o princípio geral da igualdade, o artigo 13º da Constituição proclama:

«1 – Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2 – Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.»

Este princípio «estruturante» de todo o sistema jurídico, «multifacetado» e «complexo» ([41]), tem sido frequentemente estudado na doutrina e na jurisprudência, em especial, a do Tribunal Constitucional.

Este Corpo Consultivo também, por diversas vezes, sobre ele se pronunciou.

Assim, no Parecer nº 22/93, de 20 de Maio de 1993, sublinhou-se o seu carácter mutável e evolutivo, citando-se CASTANHEIRA NEVES ([42]): «Só que é ele (o princípio da igualdade, entenda-se) um daqueles princípios que, pela densa carga ideológica e axiológica que lhe vai imanente, não permanecem inalterados no seu sentido autêntico ao longo do tempo, apesar da constância das fórmulas, e antes terão de ser compreendidos no contexto histórico e social em que se proclamam. É esta a sua dimensão histórica…»
«O mesmo autor anota as três dimensões da evolução histórica do princípio – igualdade perante a lei, igualdade para o direito e igualdade da lei (x1)».

Mas qual o conteúdo jurídico-constitucional do princípio da igualdade?

Referindo-se ao alargamento progressivo do conteúdo jurídico-
-constitucional do princípio da igualdade, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (
[43]) sublinham as seguintes dimensões em face da ordem constitucional portuguesa: «(a) proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis, quer diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objectivos, constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais; (b) proibição de discriminação, não sendo legítimas quaisquer diferenciações de tratamento entre os cidadãos baseadas em categorias meramente subjectivas ou em razão dessas categorias (cfr. nº 2, onde se faz expressa menção de categorias subjectivas que historicamente fundamentaram discriminações); (c) obrigação de diferenciação, como forma de compensar a desigualdade de oportunidades (…)».

O princípio da igualdade, obrigando que se trate como igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impede a diferenciação de tratamento, mas apenas a discriminação arbitrária, a irrazoabilidade. Ou seja, o que aquele princípio proíbe são as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante ([44]).

Como se afirma no Parecer nº 4/90, de 22 de Março de 1990, a propósito dos critérios materiais da igualdade – desigualdade, «a ideia mais difundida nos autores como fundamento de tratamento das semelhanças ou das diferenças traduz-se na proibição do arbítrio, ou seja, na ausência de justificação razoável» ([45]).

Para GOMES CANOTILHO, da fórmula tendencialmente tautológica - tratar por igual situações de facto iguais e desigualmente situações de facto desiguais -, «conseguiu extrair-se como resultado satisfatório a proibição do arbítrio (-), judicialmente controlável. A argumentação de Estado de Direito chega até aqui: quando não houver motivo racional evidente, resultante da “natureza das coisas” para desigual regulação de situações de facto iguais ou igual regulação de situações de facto desiguais, pode considerar-se uma lei, que estabelece essa regulação, como arbitrária» ([46]).

A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem-se movido, fundamentalmente, nos quadros de uma concepção do princípio da igualdade como proibição do arbítrio ([47]), à qual equipara a ausência de justificação razoável ou racional, a falta de motivo pertinente, de fundamento material bastante ou suficiente e outras fórmulas de idêntico significado ([48]).

A proibição do arbítrio surge-nos, assim, como limite externo e objectivo ([49]) da liberdade de conformação do legislador. Nesta perspectiva, segundo a lição de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, «o princípio da igualdade exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes. Porém, a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois a ele pertence, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações de vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente. Só quando os limites externos da “discricionaridade legislativa” são violados, isto é, quando a medida legislativa não tem adequado suporte material, é que existe uma “infracção” do princípio da igualdade enquanto proibição do arbítrio» ([50]).

JORGE MIRANDA ([51]), após considerar que a igualdade é, antes de tudo, igualdade na lei, tendo por destinatários, desde logo, os próprios órgãos de criação do Direito, lembra que a liberdade de conformação do legislador «não pode sobrepor-se, em caso algum, aos princípios constitucionais materiais». O arbítrio, a desrazoabilidade da solução legislativa, a sua inadequação ou desproporção revelam, de forma mais flagrante, a preterição. Não esgotam o objecto do juízo a cargo do órgão de controlo. Este terá ainda de, positivamente, verificar se a diferença de tratamento se conforma com as balizas e as metas constitucionais».

Na verdade, como já se referiu, a igualdade não se resume à proibição do arbítrio. O conteúdo jurídico-constitucional do princípio abrange também a proibição de discriminação e a obrigação de diferenciação.

A proibição de discriminação «não significa uma exigência de igualdade absoluta em todas as situações, nem proíbe diferenciações de tratamento. (…) O que se exige é que as medidas de diferenciação sejam materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade e não se baseiem em qualquer motivo constitucionalmente impróprio. As diferenciações de tratamento podem ser legítimas quando: (a) se baseiem numa distinção objectiva de situações; (b) não se fundamentem em qualquer dos motivos invocados no nº 2 [do artigo 13º da Constituição]; (c) tenham um fim legítimo segundo o ordenamento constitucional positivo; (d) se revelem necessárias, adequadas e proporcionadas à satisfação do seu objectivo» ([52]).

Com a obrigação de diferenciação visa-se corrigir a desigualdade de facto subjacente na sociedade ou compensar a desigualdade de oportunidades, assim se revelando a «função social» do princípio da igualdade ([53]). Para o prosseguimento da igualdade real, «é admissível e exigível o estabelecimento de diferenciações que visem promover o princípio da igualdade de oportunidades em sentido material, através do estabelecimento de compensações a grupos de cidadãos que se encontrem em situação desfavorecida, desde que tais diferenças sejam materialmenrte fundadas e assentem em propósitos de justiça distributiva» ([54]).


3 - Retomando o caso sob consulta, vejamos se as distinções que se observam nos artigos 124º, nº 3, 121º, nº 1, e 119º, nº 3, entre candidatos a inspectores estagiários, inspectores-chefes e coordenadores de investigação criminal licenciados em Direito e os não habilitados com essa licenciatura se apresentam como arbitrárias ou discriminatórias e, consequentemente, se tais normas são materialmente inconstitucionais por violação do artigo 13º da Constituição e do princípio da igualdade aí acolhido.

Esta operação de controlo deverá ser efectuada em função do fim que tais normas visam alcançar. Com efeito, é a partir da descoberta da ratio daquelas disposições que se poderá avaliar se as mesmas possuem uma fundamentação razoável ([55]).

Consideramos que as distinções que se observam nos citados artigos 124º, nº 3, 121º, nº 1, e 119º, nº 3, não conflituam com o princípio da igualdade nas suas assinaladas dimensões ou vertentes.

Já tivemos a oportunidade de salientar a necessidade de os funcionários de investigação criminal de uma estrutura como a Polícia Judiciária dominarem variados domínios do Direito e específicas áreas jurídicas quer, naturalmente, de índole processual, quer também de cariz substantivo. E não só, convirá sublinhar, no campo do direito criminal, como também em outros campos da ciência do direito: constitucional, económico e financeiro, tributário, do mercado de valores mobiliários, etc. Recordem-se as competências em matéria de prevenção criminal que lhe estão cometidas (artigo 4º), as suas competências específicas, constantes do artigo 5º, nº 1, e, em especial, a competência reservada em matéria de investigação criminal constante do nº 2 do mesmo preceito e do artigo 4º, da Lei nº 21/2000, de 10 de Agosto.

Consideramos, pois, que a previsão das quotas definidas nos citados preceitos legais para indivíduos titulares de licenciatura em Direito, contemplando candidatos ao ingresso ou ao acesso dos lugares aí previstos, está de acordo com a adequação que deve existir entre os conteúdos funcionais desses lugares e as aptidões e qualificações dos funcionários que os hão-de ocupar.

As quotas previstas para os detentores dessa específica licenciatura não representam uma opção arbitrária ou injustificada, antes têm fundamento material bastante.

Em suma, não se evidencia nesta medida legislativa violação do princípio da igualdade enquanto proibição do arbítrio, nem se observa discriminação arbitrária ou irrazoável no provimento dos lugares contemplados, entre licenciados e não licenciados em Direito sendo certo que a diferenciação efectuada relativamente aos candidatos com aquela concreta licenciatura não se baseia em motivo subjectivo ou em qualquer motivo constitucional impróprio.

VIII

1 - Resta analisar a disciplina normativa dos artigos 158º e 159º e apurar se ela viola alguma norma constitucional.

Tais preceitos integram-se no Capítulo VIII da Lei Orgânica da Polícia Judiciária, relativo às «Disposições finais e transitórias».

Na sucessão de leis no tempo, nem sempre a alternativa se coloca entre a lei nova e a lei antiga, prevendo o legislador, algumas vezes, um regime intermédio visando a conciliação concreta de certos interesses. ([56])

Como já se referiu, a situação jurídica dos funcionários públicos é objectiva e estatutária podendo, com salvaguarda dos direitos já subjectivados, ser modificada pelo legislador (cfr. supra, VI).

Na sucessão de regimes legais, importa prevenir e solucionar problemas específicos das situações duradouras que, iniciadas no domínio de um, se prolongam no domínio da nova lei. Trata-se de matéria de direito transitório o qual pode ser formal «quando o legislador se limita a escolher, dentre as leis potencialmente aplicáveis, as que devem regular no todo ou em parte essa situação» ([57]), ou material «quando as situações a que se reportam as sucessivas leis são reguladas de maneira própria». ([58])

No caso em apreço, estamos em presença de normas de direito transitório desta última espécie. Nele se inclui igualmente a norma contida no artigo 156º, cujo nº 1 estabelece a correspondência entre as categorias previstas na anterior Lei Orgânica da Polícia Judiciária (Decreto-Lei nº 295-
-A/90, de 21 de Setembro) e a actual, nos seguintes termos:


«1 – Os inspectores-coordenadores, os inspectores, os subinspectores e os agentes transitam, respectivamente, para coordenadores superiores de investigação criminal, coordenadores de investigação criminal, inspectores-chefes e inspectores.»

Os questionados artigos 158º e 159º têm a seguinte redacção:

«Artigo 158º
Acesso a coordenador de investigação criminal

1 – Até que os primeiros inspectores recrutados ao abrigo do presente diploma estejam em condições de aceder à categoria de coordenador de investigação criminal, o provimento nesta é feito de acordo com as seguintes regras:

a) 35% para funcionários de investigação criminal licenciados em Direito com, pelo menos, cinco anos de serviço, com classificação não inferior a Bom com distinção;
b) 50% para inspectores-chefes com, pelo menos, quatro anos de serviço na categoria e classificação não inferior a Bom com distinção;
c) 15% para funcionários de investigação criminal com qualquer licenciatura com, pelo menos, cinco anos de serviço e classificação não inferior a Bom com distinção;

2 – As percentagens referidas nas alíneas a) e c) do número anterior são preenchidas de entre os funcionários existentes à data da publicação do presente diploma, salvo se o número de candidatos apresentados a concurso for inferior ao dobro do número aberto de vagas ou se o número de candidatos aprovados for inferior ao número de vagas, caso em que há lugar a novo concurso que inclua os funcionários de investigação criminal licenciados em Direito, com classificação não inferior a Bom com distinção com, pelo menos, três anos de serviço.

«Artigo 159º
Acesso a inspector-chefe

Até que os primeiros inspectores recrutados ao abrigo do presente diploma estejam em condições de aceder à categoria de inspector-chefe, o provimento nesta é feito de acordo com as seguintes regras:
a) Dois terços para inspectores com, pelo menos, 7 e menos de 14 anos de serviço na categoria, com classificação não inferior a Bom com distinção;
b) Um terço para inspectores com, pelo menos, 14 anos de serviço na categoria, com classificação não inferior a Bom com distinção».


2 - Quanto à primeira norma, que prevê, transitoriamente, o acesso à categoria de coordenador de investigação criminal, ela mantém, no essencial, o anterior regime de acesso à categoria correspondente, de inspector, estabelecido no artigo 121º, nº 4, do Decreto-Lei nº 295-A/90, de 21 de Setembro.

No regime anterior, os lugares de inspector do escalão 1 eram providos por inspectores estagiários, por subinspectores e por funcionários de investigação criminal com licenciatura adequada. O número de candidatos à frequência do curso de formação de inspectores era fixado pelo director-geral de acordo com as seguintes percentagens: (a) 35% para licenciados em Direito ou noutra licenciatura considerada adequada, admitidos por concurso externo; (b) 50% para subinspectores de nível 2 e de nível 3; (c) 15% para funcionários de investigação criminal com licenciatura adequada e pelo menos cinco anos de carreira, nos termos do artigo 122º, nº 1 e verificados os demais requisitos aí previstos ([59]).

Como se vê, 35% das vagas na categoria de inspector eram preenchidas por concurso externo sendo as restantes através de concurso interno de acesso com natural favorecimento da categoria imediatamente inferior (de subinspectores).

Actualmente e durante todo o período transitório de aplicação do citado nº 1 do artigo 158º, ou seja, até que os primeiros inspectores recrutados ao abrigo do regime instituído pelo Decreto-Lei nº 275-A/2000 estejam em condições de aceder à categoria de coordenador de investigação criminal ([60]), os lugares nesta categoria são preenchidos exclusivamente através de concurso interno de acesso, mantendo-se a quota de 50% que no anterior regime orgânico estava reservada aos subinspectores (actuais inspectores-chefes). Mantêm-se igualmente, neste regime de transição, as quotas de 35% e de 15% que no anterior regime orgânico se destinavam a licenciados em Direito ou noutra licenciatura adequada.

Afigura-se-nos que o regime transitório estabelecido neste artigo 158º, nº 1, não conflitua com as expectativas de ascensão na carreira por parte dos ex-subinspectores (actuais inspectores-chefes) que estejam em condições de concorrer no contingente a eles especificamente destinado na alínea b), mantendo-se, insiste-se, o regime que, neste ponto, vigorara na anterior lei orgânica. A posição de tais profissionais relativamente à promoção à categoria de coordenador de investigação criminal não foi perturbada com o regime transitório fixado podendo, aliás, ter sido favorecida uma vez que o acesso àquela categoria passou a processar-se exclusivamente por via de concurso interno, portanto, sem concorrentes externos opositores às vagas postas a concurso.

Em conclusão, a solução legislativa em apreço não colide com os princípios constitucionais examinados – princípios da confiança e da igualdade -, nem com quaisquer outras normas constitucionais.


3 - O artigo 159º visa regular transitoriamente ([61]) o provimento na categoria de inspector-chefe.

No domínio da anterior lei orgânica, de acordo com o disposto no seu artigo 123º, nº 4, os lugares de subinspector (categoria que, presentemente, corresponde à de inspector-chefe) eram «providos de entre agentes do nível 2 com sete anos de serviço na categoria e de entre agentes de nível 3 com classificação mínima de serviço de Bom com distinção aprovados em concurso e habilitados com o curso adequado ministrado pelo Instituto Nacional de Polícia e Ciências Criminais.»

No regime actual, os lugares de inspector-chefe são providos de entre inspectores com, pelo menos, sete anos de antiguidade na categoria, classificados no mínimo de Bom com distinção, mediante concurso e habilitados com curso de formação ministrado no Instituto Superior de Polícia Judiciária e Ciências Criminais (artigo 122º, nº 2).

Em sede de regime transitório, o artigo 159º procede à integração dos inspectores que têm pelo menos sete anos de antiguidade na categoria em dois grupos, ou contingentes: um deles é constituído pelos inspectores com menos de 14 anos de serviço na categoria; o outro é constituído pelos inspectores com, pelo menos, 14 anos de serviço na categoria.

Para o primeiro grupo, o grupo dos inspectores com menos antiguidade na categoria, reservam-se dois terços das vagas a preencher nos concursos de acesso à categoria de inspector-chefe.

Para o segundo grupo ou contingente, o dos inspectores com maior antiguidade na categoria, fica reservado o terço restante dessas vagas.

Existirá justificação razoável para a distinção assim operada?


4 - Não se vislumbrando as razões que determinaram a adopção desta medida, o que ressalta é uma diferenciação, uma distinção, que é operada entre profissionais com a mesma categoria – inspectores – exercendo, consequentemente, uma actividade (de investigação criminal) com o mesmo conteúdo funcional.

Tal diferenciação surge através da inclusão de uns em um grupo – o grupo dos inspectores com menor antiguidade na carreira –, e de outros em outro grupo - o grupo dos inspectores com maior antiguidade.

A inclusão num ou noutro dos contingentes não é irrelevante ou indiferente para efeitos de acesso à categoria profissional subsequente durante o regime transitório legalmente considerado. Assim, os inspectores incluídos no primeiro grupo ou contingente concorrem a dois terços das vagas postas a concurso. Os inspectores incluídos no segundo grupo ou contingente concorrem somente a um terço das vagas postas a concurso, ou seja, correspondentes a metade do número de lugares a prover pelos inspectores incluídos no primeiro grupo.

A apontada situação revela uma nítida diminuição das possibilidades de acesso à categoria superior por parte dos inspectores com mais de 14 anos de antiguidade na categoria sem que se descortine o fim que se visa alcançar com a estatuição contida no questionado artigo 159º. Como já se sublinhou, é a partir da ratio das disposições que se poderá avaliar se elas possuem uma fundamentação razoável.


5 - No caso presente, poder-se-ia associar o sistema de quotas, estabelecido no artigo 159º, a um objectivo de rejuvenescimento de quadros com base na presunção de que os inspectores com menos de 14 anos na categoria serão mais jovens. Poder-se-ia entender também que a opção do legislador foi tomada numa óptica de gestão previsional dos quadros. A este propósito, constata-se a expressa referência que o preâmbulo do Decreto-
-Lei nº 275-A/2000 lhe faz. Em matéria de provimento, lê-se aí, «adopta-se um sistema próprio de recrutamento que procura compatibilizar as exigências de uma gestão previsional flexível com o princípio da igualdade de oportunidades».


Reconhecemos a importância destes objectivos no domínio da gestão dos efectivos da adminstração pública e das actividades por ela desenvolvidas os quais, aliás, são afirmados no artigo 22º, nº 2, corpo, e na sua alínea c), do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho, integrado, precisamente, no capítulo dedicado aos «Princípios gerais sobre gestão».

No entanto, entendemos que, neste caso, não assumem relevância para justificar o regime acolhido no artigo 159º.

Quanto ao critério do rejuvenescimento dos quadros, afigura-se-nos que o legislador o considerou ao fixar, desde logo, uma idade inferior a 30 anos para ingresso na carreira de investigação criminal na categoria de inspector estagiário (artigo 124º, nº 3), o que constituiu inovação relativamente à anterior Lei Orgânica da Polícia Judiciária (Decreto-Lei nº 295-A/90, de 21 de Setembro) cujo artigo 125º, nº 6, estabelecia tão somente uma idade mínima – não inferior a 21 anos – para o provimento dos agentes estagiários (que, na actual Lei Orgânica, correspondem aos inspectores estagiários), não se prevendo um limite máximo na idade para o ingresso na carreira de investigação criminal.

Cremos, no entanto, que o legislador, para além da profunda reestruturação das carreiras que encetou na actual Lei Orgânica da Polícia Judiciária, investiu fortemente na qualificação dos seus profissionais de investigação criminal, quer no momento do seu ingresso na carreira, quer no provimento nas categorias pelas quais se desenvolve. Mais do que uma preocupação em rejuvenescer os seus quadros, o que se imediatamente se retira daquele diploma é esse objectivo de dotar a Polícia Judiciária de profissionais qualificados.

A senioridade tem sido considerada como elemento de qualificação em organizações e em prestações profissionais nas quais a ponderação e a experiência devem assumir particular relevância. Uma entidade como a Polícia Judiciária e uma actividade com os conteúdos funcionais associados à categoria de inspector-chefe (cfr. artigo 67º) apelam compreensivelmente, a nosso ver, a tais qualidades. Assim se entende que em caso de igualdade de classificação, nos cursos de formação para coordenador de investigação criminal e para inspector-chefe, sejam admitidos os candidatos com maior antiguidade na respectiva categoria (artigos 121º, nº 2, e 123º, nº 2).

Por seu lado, afigura-se-nos que o sistema de quotas fixado no questionado artigo 159º não adquire justificação perante critérios de gestão previsional no recrutamento dos quadros, critérios que, aliás, não constituem novidade no âmbito da organização de efectivos da Polícia Judiciária. A anterior Lei Orgânica referia-os expressamente no seu artigo 124º ([62]).

De todo o modo, como se sublinha no preâmbulo do Decreto-Lei nº 275-A/2000, a gestão previsional de efectivos teria sempre de se compatibilizar com o princípio da igualdade de oportunidades, situação que não ocorre no caso em apreço.


6 - Como já se disse, «o concurso constitui o processo normal de recrutamento e selecção do pessoal destinado à função pública ou já ao seu serviço, tendo em vista proporcionar igualdade de condições e de oportunidades para todos os candidatos» ([63]). Pelas potencialidades de concorrência que encerra, o concurso reúne as condições para assegurar uma efectiva e real igualdade de oportunidades entre todos os que se candidatarem ao ingresso ou à promoção numa determinada carreira e, simultaneamente, de promover a competição entre os candidatos ao preenchimento dos lugares de certa categoria, no sentido de patentearem a sua melhor aptidão para o desempenho dos cargos respectivos ([64]).

De entre os princípios fundamentais aplicáveis aos concursos públicos de provimento na função pública, destacam-se justamente: a) o princípio da liberdade de candidatura, segundo o qual «ninguém poderá ser obrigado a concorrer a qualquer concurso (-) e, por outro, que ninguém pode ser impedido de se candidatar aos concursos para que possua os requisitos legalmente exigidos» ([65]); b) o princípio da concorrência, significando «que se deve garantir o mais amplo acesso dos interessados no provimento mediante a escolha de procedimentos que permitam a livre competição entre eles» ([66]); c) o princípio da igualdade de condições e de oportunidades, nos termos do qual se devem proporcionar condições idênticas de acesso e de participação aos interessados no provimento.

Afigura-se-nos que a solução legislativa acolhida no questionado artigo 159º não propicia o respeito por tais regras, nem favorece um procedimento justo visando a concretização do direito de acesso à categoria de inspector-chefe durante o período transitório considerado.

A norma em questão consagra uma solução que não propicia um procedimento conforme o princípio da igualdade de oportunidades entre todos os inspectores que sejam detentores dos requisitos de acesso à categoria superior (de inspector-chefe) e, designadamente, do requisito mínimo de antiguidade (sete anos).

7 - O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º, nº 1, da Constituição, impõe que situações da mesma categoria essencial sejam tratadas da mesma maneira e que situações pertencentes a categorias essencialmente diferentes tenham tratamento também diferente ([67]).

Este princípio não impede, como tem sido frequentemente sublinhado, a diferenciação de tratamento, mas apenas a discriminação arbitrária, a irrazoabilidade, ou seja, o que aquele princípio proíbe são as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante ([68]) ou, recorrendo a uma fórmula adoptada pela jurisprudência constitucional alemã, «o princípio da igualdade será violado se um grupo de destinatários da norma, em comparação com outros destinatários da norma, é tratado de modo diferente sem que existam entre os dois grupos diferenças de tal natureza (...) e de tal peso (...) que possam justificar o tratamento desigual ([69])».

Com efeito, sendo o princípio da igualdade, por definição, um princípio relacional, por significar «a possibilidade de comparação entre dois ou mais objectos para fazer sobressair elementos que lhes sejam comuns» ([70]), atentemos nas situações fácticas objecto de comparação ou, no dizer de GOMES CANOTILHO, «quais os “candidatos” (objectos, pessoas, situações) que se consideram iguais ou desiguais» ([71]).

No caso em apreço, deparamo-nos com a situação dos inspectores que, tendo todos pelo menos sete anos de serviço, se “diferenciam”, entre os que possuem menos de 14 anos e os que têm mais de 14 anos na categoria.

Perante um procedimento concursal de acesso ao provimento de vagas na categoria subsequente da sua carreira, todos os inspectores que reúnem os requisitos mínimos exigidos para esse acesso (pelo menos sete anos de serviço na categoria e classificação de serviço de Bom com distinção) encontram-se incluídos na mesma «classe de equivalência», estão em igual situação e, como tal, deveriam concorrer a todas as vagas postas em concurso. Só assim, no confronto leal e sã competição entre todos, obteriam igual tratamento.

Não foi esta, no entanto, a solução contemplada no artigo 159º. A diferenciação dos inspectores destinatários da norma em dois grupos ou contingentes em função de determinada antiguidade na categoria (inferior ou superior a 14 anos) traduz uma distinção que se reputa desprovida de justificação racional ou de fundamentação material suficiente ([72]) e representa, insiste-se, para os inspectores com 14 anos ou mais de antiguidade na categoria, uma objectiva diminuição das possibilidades de acederem à categoria subsequente. Além de propiciar situações eivadas de injustiça e de incongruência. Considere-se o caso do concurso interno de acesso limitado para provimento de 50 vagas na categoria de inspector-
-chefe que suscitou a presente consulta. Aplicando o questionado artigo 159º, 33 vagas (correspondente a dois terços daquele número) serão preenchidas por inspectores com menos de 14 anos de serviço na categoria e as restantes (17) serão providas por inspectores com 14 anos ou mais de antiguidade na categoria. Pode bem acontecer que um inspector com antiguidade inferior a 14 anos seja promovido apesar de obter no concurso classificação inferior à obtida por um inspector com mais de 14 anos de antiguidade na categoria.


Parece-nos que a circunstância de a antiguidade na categoria ser inferior ou superior a 14 anos não é susceptível de constituir factor para justificar, à luz do princípio constitucional da igualdade e do sub-princípio, nele acolhido, da igualdade de oportunidades, a apontada diferenciação.

IX

Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:


1ª - A situação jurídica dos funcionários públicos e agentes é objectiva e estatutária e, deste modo, livremente modificável pelo legislador que, no âmbito da sua liberdade conformadora e de acordo com exigências do interesse público, tem legitimidade para, nomeadamente, proceder a reajustamentos ou reformulações na estrutura das respectivas carreiras ou nas condições de ingresso ou de acesso nas mesmas;

2ª - As condições de promoção na carreira e eventuais expectativas a elas associadas não possuem garantia de imodificabilidade futura através de providências legislativas, sendo que somente os direitos já definitivamente integrados na esfera jurídica dos funcionários encontram apoio no princípio da protecção da confiança, decorrente do princípio do Estado de direito democrático, emanado do artigo 2º da Constituição da República;

3ª - São compreensíveis e razoáveis as soluções contempladas nos artigos 119º, nº 3, 121º, nº 1, e 124º, nº 1, do Decreto-Lei nº 275-
-A/2000, de 9 de Novembro relativamente às quotas mínimas aí previstas para licenciados em Direito no provimento dos lugares de coordenador superior de investigação criminal, no preenchimento das vagas ao curso para coordenador de investigação criminal e no provimento dos lugares de inspector estagiário, respectivamente, face aos conteúdos funcionais destas categorias, definidos no mesmo diploma, não se evidenciando ofensa do princípio da confiança ou atingidas as expectativas daqueles que, no âmbito de tais preceitos, não detêm essa qualificação académica;


4ª - A previsão de quotas mínimas para licenciados em Direito contida nas normas legais referidas na conclusão anterior não representa uma medida legislativa arbitrária ou injustificada, não traduzindo violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º, nº 1, da Constituição;

5ª - A norma transitória prevista no artigo 158º do Decreto-Lei nº 275-A/2000 não colide com os princípios constitucionais da protecção da confiança e da igualdade, nem ofende qualquer outra norma ou princípio constitucional;

6ª - O princípio da igualdade consagrado no artigo 13º, nº 1, da Constituição, de que o artigo 47º, nº 2, da mesma lei fundamental constitui projecção específica em matéria de acesso à função pública, proíbe diferenciações de tratamento, a não ser que, sendo objectivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes, se revelem racional e razoavelmente fundadas;

7ª - A diferenciação dos inspectores, destinatários da norma de direito transitório contida no artigo 159º do Decreto-Lei nº 275-
-A/2000, em dois grupos ou contingentes para efeitos de acesso à categoria subsequente de inspector-chefe, em função de uma antiguidade na categoria, inferior ou superior a 14 anos, reservando-se dois terços das vagas para o primeiro grupo ou contingente e a terça parte restante para o segundo grupo ou contingente, além de representar para os inspectores incluídos neste último grupo uma objectiva diminuição de possibilidades de acesso à referida categoria, traduz uma distinção desprovida de justificação racional ou de fundamentação material suficiente;


8ª - A circunstância de a antiguidade na categoria ser inferior ou superior a 14 anos para a integração dos inspectores num ou noutro dos grupos indicados não se configura como factor que possa justificar, à luz do princípio da igualdade, inscrito no artigo 13º da Constituição e do princípio da igualdade de oportunidades, aí acolhido, a apontada diferenciação, sendo, consequentemente, a norma prevista no artigo 159º do citado Decreto-Lei nº 275-A/2000 materialmente inconstitucional.



[1] A que se reporta a OS/DN nº 2/2003, de 9 de Janeiro.
[2] Efectuada através da OS/DL 03/2003, de 15 de Janeiro, em aditamento à OS referida na nota anterior.
[3] Conforme despacho de 17 de Fevereiro de 2003, transmitido através do ofício nº 890 da mesma data.
[4] Despacho cuja cópia foi remetida a coberto do ofício nº 2267, de 21 de Maio de 2003.
[5] Este Decreto-Lei foi rectificado pela Declaração nº 16-D/2000, publicada no Diário da República, I Série A, nº 277, de 30 de Novembro a qual, por sua vez, foi objecto de rectificação através da Declaração nº 16-Z/2000, publicada no Diário da República, I Série A, nº 300, de 30 de Dezembro. Foi alterado pela Lei nº 103/2001, de 25 de Agosto, pelo Decreto-Lei nº 323/2001, de 17 de Dezembro, pelo Decreto-Lei nº 304/2002, de 13 de Dezembro, e pelo Decreto-Lei nº 43/2003, de 13 de Março..
[6] Estrutura que, na economia deste parecer, nos interessa particularmente e daí a atenção que neste passo lhe é dada.
[7] Recordem-se:
- coordenador superior de investigação criminal;
- coordenador de investigação criminal;
- inspector-chefe;
- inspector;
- agente-motorista.

[8] Não obstante a publicação do Decreto-Lei nº 404-A/98, de 18 de Dezembro, que veio estabelecer novas regras sobre o regime geral de estruturação das carreiras na função pública, o artigo 36º, alínea b), manteve em vigor os preceitos (artigos 1º a 14º) deste Decreto-Lei nº 248/85, relativos às definições, conceitos e noções estruturantes.
[9] Sobre os sistemas de carreira e de emprego, vide ANA FERNANDA NEVES, Relação Jurídica de Emprego Público, Coimbra Editora, 1999, págs. 67 a 73.
[10] Sobre estes conceitos estruturantes, vide MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, Volume II, Livraria Almedina, Coimbra, 1980, págs. 649 a 653; JOÃO ALFAIA, Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público, I Volume, Livraria Almedina, Coimbra, 1985, pág. 51 e segs. e PAULO VEIGA E MOURA, Função Pública – Regime Jurídico, Direitos e Deveres dos Funcionários e Agentes, 1º Volume, Coimbra Editora, 2ª edição, 2001, págs. 68 e 69. Estes conceitos têm sido apreciados, com alguma frequência, pelo Conselho Consultivo, como sucedeu, nomeadamente, nos Pareceres nº 13/94, publicado no Diário da República, II Série, de 18.01.1996, nº 13/94 complementar, nº 55/95, publicado no Diário da República, II Série, de 29.08.1996, e nº 99/98, de 25 de Fevereiro de.1999.
[11] Cfr. nota 8.
[12] Citado Parecer nº 99/98, de 25 de Fevereiro de 1999.
[13] PAULO VEIGA E MOURA, ob. cit., pág. 423.
[14] Ibidem. Esta mudança, acrescenta este Autor, «ocorre no fim de três ou quatro anos de permanência no escalão imediatamente inferior (-) e desde que, durante esse período de tempo, o funcionário ou agente não tenha tido alguma classificação de serviço de não satisfatório (-)» (ob. e loc. cit.). O artigo 19º, nº 2, do Decreto-Lei nº 353-A/89, de 16 de Outubro, condiciona a mudança de escalão à permanência no escalão imediatamente anterior por quatro anos nas carreiras horizontais e por três anos nas carreiras verticais.
[15] Os agentes-motoristas transitaram para esta carreira em conformidade com o disposto no artigo 160º, nº 1, sendo que, nos termos do nº 2 do mesmo preceito, os lugares vão sendo extintos quando vagarem.
[16] Acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 20.03.2002, da 1ª Secção – 2ª Subsecção do Contencioso Administrativo (processo nº 10293/00), acessível nas Bases Jurídico-documentais do ITIJ, in http://www.dgsi.pt.
[17] GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa, Anotada, 3ª Edição Revista, Coimbra Editora, 1993, pág. 265.
[18] PAULO VEIGA E MOURA, ob. cit., pág. 87. Associando expressamente o recrutamento mediante concurso ao princípio do bom funcionamento da Administração Pública, de que a qualidade dos recursos humanos é um dos seus desdobramentos, vide ANA FERNANDA NEVES, ob. cit., pág. 156.
[19] JOÃO ALFAIA, ob. cit., pág. 339.
[20] Vide Parecer nº 19/89, de 9 de Março de 1989, publicado no Diário da República, II Série, de 9 de Junho de 1989, e Parecer nº 55/95, publicado no Diário da República, II Série, de 29 de Agosto de 1996, Acórdão do Tribunal Constitucional nº 683/99 (processo nº 42/98 – 2ª Secção), in www.tribunalconstitucional.pt/, e ANTÓNIO LORENA DE SÈVES, “Contencioso da Função Pública (Concursos)”, in Seminário Permanente de Direito Constitucional e Administrativo, Volume I, Edição da Associação Jurídica de Braga – Departamento Autónomo de Direito da Universidade do Minho, Novembro de 1999, págs. 46 a 67.
[21] Nos concursos de ingresso na categoria de inspector da Polícia Judiciária realizam-se, como determina o nº 2 do artigo 100º, exame médico e provas físicas, de acordo com o regulamento aprovado pelo Despacho Normativo nº 31/2001, de 6 de Julho, publicado no Diário da República, I Série B, de 31 de Julho de 2001, alterado, recentemente, pelo Despacho Normativo nº 38/2003, de 16 de Julho, publicado no . Diário da República, I Série B, de 19 de Setembro de 2003.
O programa de conhecimentos específicos a utilizar nesses concursos de ingresso foi aprovado pelo Despacho Conjunto do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça e do Subdirector-Geral da Administração Pública nº 325/2001, de 26 de Março, publicado no Diário da República, II Série, de 6 de Abril de 2001.
[22] O programa de provas de conhecimentos específicos a utilizar nos concursos de acesso para as categorias de coordenador de investigação criminal e de inspector-chefe da carreira de investigação criminal da Polícia Judiciária foi aprovado pelo Despacho Conjunto da Directora-Geral da Administração Pública e do Director Nacional da Polícia Judiciária nº 901/2002, de 28 de Outubro, publicado no Diário da República, II Série, de 18 de Dezembro de 2002.
[23] Ob. cit., pág. 265.
[24] Ibidem.
[25] Manual de Direito Administrativo, Volume II, Livraria Almedina, Coimbra, 1980, págs. 785-786.
[26] No mesmo sentido e referenciando os requisitos constantes do artigo 27º, nº 4, do Decreto-Lei nº 184/89, PAULO MOURA E VEIGA, ob. cit., pág. 427: «o legislador demonstra não reconhecer aos funcionários ou agentes um direito à promoção».
[27] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 4 de Julho de 1995, processo nº 27030 da 2ª Subsecção do Contencioso Administrativo.
[28] Publicado no Diário da República, II Série, de 20 de Março de 2003.
x1 Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, em Pleno da 1ª Secção, de 21 de Maio de 1998, processo nº 33305.
[29] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12 de Março de 1998, no recurso nº 32333.
[30] Acórdão proferido no processo nº 323/99 da 1ª Secção, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
[31] Acórdão do Tribunal Constitucional nº 4/2003, Publicado no Diário da República, II Série, de 13 de Fevereiro de 2003. Vide Acórdão do Tribunal Constitucional de 12 de Novembro de 1992, publicado no Diário da República, II Série, de 8 de Abril de 1993; GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6ª Edição, Livraria Almedina, 2002, pág. 257, e Pareceres nºs 16/92, de 29 de Abril de 1992 e 47/93, de 7 de Outubro de 1993, este último, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 429, págs. 74 e seguintes.
[32] Publicado no Diário da República, I Série, de 5 de Julho de 1998, invocado também no Acórdão nº 4/2003, referenciado na nota anterior.
[33] Relativamente ao artigo 124º, nº 3, não há que conferir a normação aí contida com o princípio da confiança. Com efeito, ela reporta-se ao provimento de lugares de inspectores estagiários, pelos quais se ingressa na carreira de investigação criminal. Os destinatários da norma não são ainda, perante a carreira, detentores de expectativas ou posições jurídicas que devam ser tuteladas ou salvaguardadas por tal princípio.
[34] Publicado no Diário da República, II Série, de 6 de Julho de 1991.
[35] Ob. cit., págs. 176 e 177.
[36] A este propósito, lembra JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Coimbra Editora, 1998, pág. 441: «(…) não é apenas por haver lei a estabelecer restrições que elas se tornam admissíveis: é mister, sob pena de desvio de poder legislativo, estear a decisão legislativa num fundamento razoável. E não basta a alegação do interesse colectivo: é mister fazê-lo patente, tem de ser um interesse compatível com os valores constitucionais e ele só pode projectar-se sobre a liberdade de profissão na medida do necessário».
[37] No domínio da gestão dos recursos humanos, a competência, ao nível individual, pode definir-se, segundo HELENA CHANTRE ESPÍRITO SANTO, «como a faculdade de mobilizar um conjunto de conhecimentos, de modos de fazer e de atitudes, estruturado em ordem a resolver uma questão da melhor maneira, num contexto determinado», “Novas abordagens na gestão de recursos humanos: aplicação prática de um modelo de competências na gestão da formação”, in A Reinvenção da Função Pública – Da Burocracia à Gestão – 3º Encontro INA, Edição do Instituto Nacional de Administração, Março 2002, pág. 234.
[38] ANABELA MIRANDA RODRIGUES, “Criminalidade Organizada – Que Política Criminal?”, in Globalização e Direito, Studia Iuridica 73, Colloquia – 12, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2003, pág. 197.
[39] Constituem unidades orgânicas integradas nos departamentos de investigação criminal. Vide artigo 60º, nº 2, alínea a).
[40] Em todos estes casos, verificados os demais requisitos para o respectivo provimento, enunciados nos artigos 119º, nº 3, 120º, nº 3, e 124º, nº 3.
[41] MARCELO REBELO DE SOUSA / JOSÉ DE MELO ALEXANDRINO, Constituição da República Portuguesa, Comentada, Edições Lex, Lisboa 2000, pág. 90.
[42] In, O Instituto dos Assentos e a Função Jurídica dos Supremos Tribunais, Separata da Revista de Legislação e Jurisprudência, Coimbra, 1983, pág. 118.
x1 MARIA DA GLÓRIA FERREIRA PINTO, “Princípio da Igualdade – Fórmula vazia ou “carregada” de sentido?”, in Boletim do Ministério da Justiça, nº 358, pág. 25, associa as fases evolutivas do princípio do seguinte modo: a primeira, à prevalência da lei, a segunda, ao entendimento do princípio como proibição do arbítrio ou proibição de discriminações, a terceira, que alia aos conteúdos anteriores uma intencionalidade no sentido da própria justiça.
[43] Ob. cit., pág. 127.
[44] Acórdão do Tribunal Constitucional nº 1007/96, in Diário da República, II Série, de 12 de Dezembro de 1996.
[45] Citando-se GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa, Anotada, 2ª edição, 1º volume, 1984, pág. 149. Cfr. o Parecer nº 58/85, de 16 de Janeiro de 1986, publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Abril de 1986, aí citado, e o Parecer nº 50/92, de 27 de Novembro de 1992.
[46] Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador – Contributo para a Compreensão das Normas Constitucionais Programáticas, Coimbra Editora, Reimpressão, 1994, pág. 382.
[47] Como dá conta JOSÉ CASALTA NABAIS, “Os Direitos Fundamentais na Jurisprudência do Tribunal Constitucional”, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. LXV, 1989, pág. 104.
[48] Vide MARTIM DE ALBUQUERQUE, com a colaboração de EDUARDO VERA CRUZ, Da Igualdade – Introdução à Jurisprudência, Livraria Almedina, Coimbra 1993, pág. 335. Os Autores identificam um vasto conjunto de Pareceres da Comissão Constitucional e Acórdãos do Tribunal Constitucional onde estas e outras fórmulas equivalentes foram consideradas como traduzindo arbítrio legislativo ou distinção arbitrária, concluindo: «a cláusula jurídico-constitucional geral da igualdade vale como proibição de regulamentações infundamentadas, desrazoáveis ou arbitrárias».
[49] A noção de arbítrio não se entende em sentido subjectivo mas em sentido objectivo, como sublinha JOÃO MARTINS CLARO, “O Princípio da Igualdade”, in Nos Dez Anos da Constituição, organização de JORGE MIRANDA, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, pág. 36. Não é, escreve aquele Autor, «o arbítrio subjectivo que conduz à constatação da inconstitucionalidade, mas a desproporção evidente e objectiva de uma disposição em relação à situação que pretende conformar».
[50] Constituição da República Portuguesa, Anotada, 3ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, pág. 127. Na jurisprudência do Tribunal Constitucional, vide, entre outros, os Acórdãos nº 121/99, de 2 de Março de 1999 (processo nº 370/96 – 1ª Secção), nº 683/99, de 21 de Dezembro de 1999 (processo nº 42/98 – 2ª Secção), nº 37/2001, de 31 de Janeiro de 2001 (processo nº 539/2000 – 2ª Secção), nº 98/2001, de 13 de Janeiro de 2001 (processo nº 744/2000 – 3ª Secção), nº 455/2002, de 30 de Outubro de 2002 (processo nº 152/2002 – 3ª Secção), todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.
[51] Ob. cit., págs. 219 e 220.
[52] GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa, Anotada, 3ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, págs. 127 e 128.
[53] Ibidem.
[54] GUILHERME MACHADO DRAY, O Princípio da Igualdade no Direito do Trabalho – sua aplicabilidade no domínio específico da formação de contratos individuais de trabalho, Livraria Almedina, Coimbra, 1999, pág. 117.
[55] Acórdão do Tribunal Constitucional nº 232/2003, de 13 de Maio de 2003, proferido no processo nº 306/2003 – Plenário, in www.tribunalconstitucional.pt. Esta ideia é reiterada por MARIA DA GLÓRIA FERREIRA PINTO, ob. cit., pág. 27: « Estando em causa (...) um determinado tratamento jurídico de situações, o critério que irá presidir à qualificação de tais situações como iguais ou desiguais é determinado directamente pela “ratio” do tratamento jurídico que se lhes pretende dar, isto é, é funcionalizado pelo fim a atingir com o referido tratamento jurídico».
[56] Do Parecer nº 22/93, de 20 de Maio de 1993, acompanhando o Parecer nº 92/81, de 8 de Outubro de 1981.
[57] OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito – Introdução e Teoria Geral, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1977, pág. 419.
[58] Ibidem.
[59] O artigo 121º, nº 4, do Decreto-Lei nº 295-A/90, tinha a seguinte redacção:

«4 – Os lugares de inspector de nível 1 são providos de acordo com as seguintes regras:
a) Inspectores estagiários com um ano de estágio e considerados aptos;
b) Subinspectores aprovados em concurso e habilitados com o curso adequado do Instituto Nacional de Polícia e Ciências Criminais;
c) Funcionários de investigação criminal com licenciatura adequada, aprovados em concurso e habilitados com o curso adequado do Instituto Nacional de Polícia e Ciências Criminais.»

O artigo 122º, nº 1, do mesmo diploma, tinha a seguinte redacção:

«1 – O número de candidatos à frequência do curso de formação de inspectores ministrado no Instituto Nacional de Polícia e Ciências Criminais é fixado pelo director-geral de acordo com as seguintes regras:
a) 35% para licenciados em Direito ou noutra licenciatura adequada, admitidos por concurso externo, com idade não superior a 30 anos;
b) 50% para subinspectores de nível 2, desde que tenham classificação de serviço não inferior a Bom com distinção e frequência, com aproveitamento, de três acções de formação na categoria e subinspectores de nível 3 que não se encontrem nas condições previstas no nº 3 do presente artigo;
c) 15% para funcionários de investigação criminal com licenciatura adequada e pelo menos cinco anos na carreira e classificação de serviço não inferior a Bom com distinção.»
[60] Período transitório que perdurará por onze anos a contar da data do recrutamento dos primeiros inspectores ao abrigo do actual regime, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 122º, nº 2, e 120º, nº 3.
[61] Até que os primeiros inspectores recrutados ao abrigo da actual Lei Orgânica da Polícia Judiciária estejam em condições de aceder à categoria de inspector-chefe.
[62] Dispunha o artigo 124º, nº 1, do Decreto-Lei nº 295-A/90, de 21 de Setembro:
«1 – O número de candidatos à frequência do curso de formação de subinspectores ministrado no Instituto Nacional de Polícia e Ciências Criminais é fixado pelo director-geral, de acordo com as regras estabelecidas e segundo critérios de gestão previsional de efectivos.»
[63] Conclusão 1ª do citado Parecer nº 4/90, de 22 de Março de 1990.
[64] JOÃO ALFAIA, ob. cit., pág. 339, e PAULO VEIGA E MOURA, ob. cit., pág. 87.
[65] PAULO VEIGA E MOURA, ob. cit., pág. 90.
[66] ANTÓNIO LORENA DE SÈVES, ob. cit., págs. 59 e 60.
[67] Acórdão do Tribunal Constitucional nº 180/99, publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Julho de 1999.
[68] Entre outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 1007/96, publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Dezembro de 1996 e nº 98/01, de 13 de Março de 2001, disponível in www.tribunalconstitucional.pt, proferido no processo nº 744/2000 – 3ª Secção.
[69] Citado Acórdão do Tribunal Constitucional nº 232/03.
[70] JOÃO MARTINS CLARO, ob. cit., duas ou mais pessoas, objectos ou situações são iguais, escreve este Autor, «desde que tenham características importantes que permitam a sua inclusão numa classe de equivalência».
[71] Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., pág. 1279.
[72] GOMES CANOTILHO propõe as seguintes «perguntas de controlo» como metodologia para a aferição da constitucionalidade a partir do princípio da igualdade em caso de desigualdade de tratamento:
«(1) Existe uma igualdade de situações de facto jurídico-constitucionalmente pertinente?
No caso afirmativo segue-se:
(2) estas situações de facto iguais foram tratadas de forma desigual em termos que se considerem jurídico-constitucionalmente pertinentes?
No caso afirmativo segue-se:
(3) existe para a desigualdade de tratamento de situações de facto iguais uma razão material suficiente?
No caso negativo, segue-se:
(4) existe uma regulação arbitrária, violadora do art. 13º/1 (injustificadamente discriminatória)», Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., págs. 1280 e 1281.