Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002727
Parecer: P001262005
Nº do Documento: PPA110520060012600
Descritores: SISTEMA ELÉCTRICO NACIONAL
SISTEMA ELÉCTRICO DE SERVIÇO PÚBLICO
SISTEMA ELÉCTRICO INDEPENDENTE
APROVEITAMENTO HIDROELÉCTRICO
REDE ELÉCTRICA NACIONAL
EDP
ENERGIA ELÉCTRICA
PRODUÇÃO
TRANSPORTE
DISTRIBUIÇÃO
SERVIÇO PÚBLICO
NACIONALIZAÇÃO
EMPRESA NACIONALIZADA
CONCESSÃO ADMINISTRATIVA
EXPLORAÇÃO DE BENS DO DOMÍNIO PÚBLICO
DOMÍNIO PÚBLICO DO ESTADO
UTILIZAÇÃO
DOMÍNIO HÍDRICO
DIREITO DE PROPRIEDADE
TRANSMISSÃO DE PROPRIEDADE
REVERSÃO
SÍTIO DE CENTRO ELECTROPRODUTOR
INSTITUTO NACIONAL DA ÁGUA
Área Temática:DIR ADM*ADM PUBL/DIR CIV*DIR OBG
Ref. Pareceres:P001342001Parecer: P001342001
P000272004Parecer: P000272004
P001442004Parecer: P001442004
P00662005
Legislação:CONST76 - ART82 N1 ART84 N1 A) B) C) D) E) F) N2 ART167 Q) ART168 N1 Z); DL 182/95 DE 1995/07/27 - ART17 ART18 ART43 ART53 ART65 ART66; DL 198/2003 DE 2003/09/02 - ART2 N1 A) B) C) D) F) N3 ART3 N1 N2 ART4 N1 N2 ART5 N1 N3 N4; DL 153/2004 DE 2004/07/30 - ART6; D5787-III DE 1919/05/10-ART40; D12559 DE 1926/10/20 - ART52 ART53 ART56; D14772 DE 1927/12/22; L2002 DE 1944/12/26; DL43335 DE 1960/11/19; DL205-G/75 DE 1975/04/16 - ART3 N1 N2 ART4 N1 N2 ART7 N N2 ART12 N1 N2 N3 N4; DL502/76 DE 1976/06/30 - ART2 N1 ART3 N1 N2 N3 ART4 A) B) ART5 N1 A) N2 N3 N4 ART6 ART8 ART15 N1; L46/77 DE 1977/07/08-ART7; DL7/91 DE 1991/01/08; DL131/94 DE 1994/05/19; DL78-A/97 DE 1997/04/07; DL449/88 DE 1988/12/10; DL99/91 DE 1991/03/02 - ART28; DL 183/95 DE 1995/07/27; DL 184/95 DE 1995/07/27; DL 185/95 DE 1995/07/27; DL 186/95 DE 1995/07/27; DL 187/95 DE 1995/07/27; DL 188/95 DE 1995/07/27; DL 189/95 DE 1995/07/27; DL 85/02 DE 2002/04/06; DL 46/94 DE 1994/02/22; PORT 295/02 DE 2002/03/19 - ART30 N1 N2 N3 N4 N5 ART31 N1 N2 N3 N4 N5 N6 ART34 ART35 ART36 ART37 N1 N2 N3; RAR N32-A/04 DE 2004/04/20; DL153/04 DE 200412/27 - ART 2 N1 N2 ART6 N1 N2; DL29/2006 DE 2006/02/15; RCM N169/05 DE 2005/10/24; DL 185/03 DE 2003/08/20; RCM 169/05 DE 2005/10/24; L58/05 DE 2005/12/29 - ART4 ART7 ART8 ART56 ART60 ART61 ART67 ART68 ART100 N1 N2 N3 N4; L54/05 DE 2005/11/15 - ART2 ART5 A) B) C) D) E) F) G) H) ART10 ART11 ART14 N1 ART17 ART18 N1 ; DL 468/71 DE 1971/11/05 - ART1 ART19 A) ART23; CCIV66-ART424; DL260/76 DE 1976-ART5 N1 H); DL7/91 DE 1991/01/08; DL 189/88 DE 1988/05/27- ART27; DL477/80 DE 1980/10/15 - ART4 A) B) C) D) F) L) ART5 ART6; DL 153/04 - ART6; DL 132/94 DE 1994/05/19; DL48/94 DE 1994/02/22 - ART48; DL 240/04 DE 2004/12/27; DL 198/03 - ART2 A) B) C) D) F)
Direito Comunitário:DIR CONS 96/92/CE DE 1996/12/19
DIR CONS 2003/54/CE DE 2003/06/26
DIR CONS 2000/60/CE 2000/10/23
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Texto Integral:
Senhor Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional,
Excelência:


I

Dignou-se Vossa Excelência solicitar a emissão de parecer deste Conselho Consultivo, com carácter de urgência, acerca de um conjunto de questões elencadas em ofício desse gabinete[1].

A situação que se encontra na génese do pedido de parecer vem sintetizada pela seguinte forma:

«1 – Por carta de 6 de Agosto de 2004, a EDP reivindicou para si a propriedade dos aproveitamentos hidroeléctricos de Póvoa, Bruceira e Velada não incluídos no Anexo ao Decreto-Lei n.º 198/2003, de 2 de Setembro. Trata-se de pequenos aproveitamentos (até 10 MW de potência instalada) explorados por empresas privadas com base em contratos de concessão (os quais se juntam como documento n.º 1). Actualmente, a EDP entende que os aproveitamentos em causa “integram o património privado da empresa e beneficiam do direito de utilização do domínio público hídrico por tempo indeterminado, ao abrigo da respectiva concessão legal”.
2 – Os problemas jurídicos suscitados na carta da EDP colocam-se a propósito de outros aproveitamentos hidroeléctricos que têm em comum o facto de terem pertencido a empresas privadas concessionárias que foram igualmente objecto de nacionalização.»

Expostas diversas dificuldades decorrentes da sucessão de regimes legais aplicáveis ao sector de energia eléctrica, colocam-se, concretamente, a este Conselho a ponderação e solução das seguintes questões:

«1. Considerando os efeitos jurídicos das nacionalizações no que se refere aos contratos de concessão celebrados pelas empresas nacionalizadas:
a) Qual o estatuto jurídico dos bens necessários ao funcionamento do serviço público atribuído pelo Estado à EDP, EP pelo Decreto-Lei nº 502/76?
b) Qual o regime de utilização dos bens do domínio público hídrico?
2. Considerando as alterações jurídicas verificadas no sector eléctrico no sentido da sua liberalização e consequente privatização da EDP, por um lado, e, por outro lado, as alterações introduzidas no sector pelos diplomas de 1995 e, posteriormente, pelos Decretos-Leis nº s 185/2003, 198/2003 e 153/2004:
a) Qual a situação dos aproveitamentos hidroeléctricos integrados por força do Decreto-Lei n.º 182/95 no SENV (Sistema Eléctrico Não Vinculado) e no SEP (Sistema Eléctrico de Serviço Público) quer quanto ao regime de utilização do domínio hídrico quer ao dos bens afectos às actividades de produção e distribuição de energia eléctrica?
b) Assiste razão à EDP quando defende que os aproveitamentos hidroeléctricos de Póvoa, Bruceira e Velada, não incluídos no anexo ao Decreto-Lei nº 198/2003, integram o património privado da empresa e que beneficiam do direito de utilização do domínio público hídrico por tempo indeterminado?
c) Quais as repercussões resultantes dos Decretos-Leis nº s 185/2003, 198/2003 e 153/2004, no que respeita à titularidade dos bens do domínio público afectos aos centros electroprodutores? E quanto ao regime de utilização do domínio hídrico?
d) São ou não procedentes as dúvidas de inconstitucionalidade e de ilegalidade suscitadas no ponto 4.1[2]?

II
1. A dilucidação das questões identificadas exige que, no plano jurídico, sejam apreciados os efeitos produzidos pela nacionalização de sociedades que vinham explorando determinadas actividades do sector eléctrico nos respectivos contratos de concessão, designadamente sobre se operaram ou não a sua extinção, e se proceda à análise do regime jurídico concessório de serviço público, de obras públicas, de exploração de domínio público e de uso privativo do domínio público. Impõe-se, ainda, que tendo presentes as delimitações conceptuais de domínio público e de domínio privado do Estado, quer disponível quer indisponível, sejam apreciadas as respectivas implicações no instituto da reversão e de transferência de bens.

Na análise de tais institutos jurídicos interferem, in casu, diversas situações especificamente suscitadas com as modificações verificadas na regulação do Sistema Eléctrico Nacional (SEN), bem como no estatuto jurídico das respectivas entidades operadoras, particularmente da EDP, ao longo das últimas décadas[3].
2. O ofício pelo qual foi solicitado o presente parecer informa que, não obstante as alterações legislativas e as modificações que o sector sofreu, «a EDP e as empresas que resultaram da sua desintegração ainda hoje não dispõem de outros títulos que não sejam os contratos de concessão de que eram titulares as empresas que foram nacionalizadas em 1975» e que se apurou que «grande parte dos chamados centros produtores hidroeléctricos continuam a reger-se pelos antigos contratos de concessão, cujos prazos, na maior parte dos casos, ainda não expirou». Assim, e ainda de acordo com a mesma fonte, quanto aos aproveitamentos integrados no SENV «tudo se conjuga no sentido de terem continuado a reger-se, no que respeita ao regime de utilização do domínio hídrico, pelos títulos de que eram titulares» e, no que respeita aos centros electroprodutores e distribuidores integrados no SEP, por força dos artigos 17º, 18º e 65º do Decreto-Lei nº 182/95, de 27 de Julho, «não cumpriram o prazo que lhes era dado pelo artigo 53º do mesmo diploma, para regularizarem a situação»[4].

O mesmo ofício evidencia que se suscitam dúvidas quanto à situação jurídica dos aproveitamentos numa dupla perspectiva: «a da titularidade dos bens que integram o estabelecimento de produção de energia hidroeléctrica e a do regime de utilização do domínio público hídrico». E acrescenta que «a EDP arroga-se ser proprietária dos bens que integram os centros electroprodutores, mas não dispõe de título jurídico que legitime tal propriedade».

Por outro lado, vem desde já exposto o entendimento de que os Decretos-Leis nº s 198/2003, de 2 de Setembro, e 153/2004, de 30 de Julho, «pretenderam aparentemente resolver esta dificuldade, mas sem resultados práticos até ao momento», suscitando outras dificuldades, a saber:

– «a constituição de “sítio” de um centro produtor hidroeléctrico, recebida no artigo 2º do Decreto-Lei nº 198/2003, contende com a definição de bens do domínio público hídrico, sem que para isso esteja devidamente autorizado pela Assembleia da República» porquanto, «por força das disposições combinadas constantes das alíneas f) do nº 1 do artigo 84º, e v) do artigo 165º, a matéria do domínio hídrico, incluindo a identificação dos bens que o compõem e o respectivo regime jurídico, constitui reserva legislativa da Assembleia da República»;
– «a entender-se que do contexto geral do diploma se retira que dos bens afectos aos centros produtores hidroeléctricos apenas pertencem ao Estado os bens do domínio hídrico, tal resultado está em contradição com o disposto nas bases de concessão da Rede Nacional de Transporte de Energia Eléctrica (RNT) constantes do Decreto-Lei nº 185/2003 e ressalvadas pelo nº 7 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 153/2004» e tal ideia não tem correspondência com a informação constante dos Prospectos de Oferta Pública que acompanhou, por exemplo, a 5ª fase do processo de privatização da EDP»[5].

Finalmente, vem referido que a norma – artigo 6º do Decreto-Lei nº 153/2004 – que permite que os terrenos afectos a centros electroprodutores possam ser destinados a fins diversos, mediante autorização do Ministro da Economia, «põe em causa a competência conferida ao Instituto Nacional da Água (INAG) para definir as prioridades de utilização da água, segundo o artigo 18º do Decreto-Lei nº 46/94».

3. Para melhor compreensão das questões subjacentes à solicitação do parecer, cabe referir que estas são sustentadas em pareceres jurídicos solicitados pelo INAG, que se mostram juntos ao expediente e cujas conclusões se transcrevem em anotação. Por outro lado, sendo feita menção a dois outros pareceres, que concluíram em sentido diverso ou nem sempre coincidente, transcrevem-se igualmente, em nota, os principais argumentos ou as respectivas conclusões[6].
Identificado o objecto do parecer, cumpre emiti-lo.


III
1. Segundo informação constante da documentação anexa é o seguinte, em síntese, o historial dos três aproveitamentos hidroeléctricos que, directamente, se encontram na génese do pedido de parecer:

1.1. PÓVOA
A concessão relativa ao aproveitamento das águas da Ribeira de Nisa, neste troço, foi outorgada a um particular por Decreto de 25 de Agosto de 1926, tendo por base legal a “Lei de águas”, de 10 de Maio de 1919, sendo que os respectivos direitos foram, mais tarde, transferidos para uma sociedade anónima; assim, por Decreto de 5 de Março de 1928, tal concessão foi outorgada a favor da Hidroeléctrica do Alto Alentejo SARL.
A concessão abrangia a construção, pelo concessionário, de determinadas obras destinadas às instalações de produção, transformação e transporte de energia eléctrica e tinha o termo previsto em 75 anos contados a partir da data do início da exploração (artigo 16º); previa-se que as obras fossem iniciadas dentro do prazo de um ano após a publicação daquele decreto e que estivessem findas decorridos três anos sobre a mesma data; a exploração iniciar-se-ia após a vistoria das obras e sua aprovação pelo Governo, dependendo desse facto, que não vem concretizado, a contagem do prazo da concessão.
O artigo 18º do respectivo caderno de encargos dispunha sobre reversão, nos seguintes termos:
«Findo o prazo referido na condição 16º o Governo tomará conta das obras, edifícios, terrenos, materiais e máquinas que pertencem à concessão, devendo tudo estar em perfeito estado de conservação, sem que o concessionário tenha o direito a qualquer indemnização».

1.2. BRUCEIRA
A concessão do aproveitamento das águas da Ribeira de Nisa, neste troço, resultou do desdobramento do anterior, e foi igualmente outorgada à Hidroeléctrica do Alto Alentejo SARL, pelo Decreto de 5 de Março de 1928, nos mesmos termos atrás referidos.
Daí resulta que, em ambos os casos, só o conhecimento das datas da vistoria das obras e sua aprovação pelo Governo permitirá conhecer a data estabelecida para o termo da concessão.

1.3. VELADA
A concessão foi outorgada à Hidroeléctrica do Alto Alentejo, SARL, pelo Decreto nº 28510, de 4 de Março de 1938, tendo por objecto «o estabelecimento e a exploração das obras hidráulicas e da central geradora no sítio da Velada, destinadas a obter o aproveitamento hidro-eléctrico da energia potencial da ribeira de Nisa no troço (...)»; o aproveitamento tinha como finalidade «a transformação da energia mecânica das águas em energia eléctrica destinada ao comércio em espécie». A concessão, que importou a declaração de utilidade pública, tinha o respectivo termo fixado em 67 anos, contados igualmente a partir da data da vistoria e aprovação das obras a realizar pela concessionária, estando previsto o prazo de um ano para a sua realização e o de dois meses para a vistoria.
Nos termos do artigo 2º eram consideradas “dependências imobiliárias da concessão” e, como tal, deviam “entrar na posse do Estado no fim da concessão”: «todas as obras utilizadas para o aproveitamento, produção e transformação da energia, entre outros, o dique, os terrenos submersos pela albufeira, as obras de tomada de água, as canalizações, as obras reguladoras e de descarga, o edifício da central, com todo o seu equipamento mecânico, eléctrico e respectivos acessórios, dependências, casa de guarda, escritórios, oficinas e os terrenos que lhes dão acesso».
Dispunha o artigo 20º:
«No fim da concessão o Estado entrará na posse de todos os imobiliários mencionados no artigo 2º do caderno de encargos bem como de todas as instalações que delas façam parte integrante e de todos os materiais e utensílios indispensáveis à sua exploração.»

2. Na data em que foram outorgadas as referidas concessões estava em vigor a “Lei de águas”, aprovada pelo Decreto nº 5787-IIII, de 10 de Maio de 1919, que permitia que o uso das águas públicas fosse, «no interesse dos serviços públicos, da agricultura ou da indústria», objecto de concessão, que poderia ser de utilidade pública ou de interesse privado. Seria de utilidade pública, entre outras hipóteses, quando estivessem em causa aproveitamentos da energia das águas para fins de comércio em espécie, ou quando a potência dos receptores hidráulicos a instalar não fosse inferior a 200 cavalos-vapor; as concessões de águas públicas importavam sempre, nos termos do artigo 40º, a permissão de «utilizar os terrenos do domínio público necessários à execução das obras e sua conveniente exploração»[7].
O Decreto nº 12559, de 20 de Outubro de 1926 – Lei dos Aproveitamentos Hidráulicos – que aprovou as bases aplicáveis à produção, transporte e distribuição da energia eléctrica, continha já a definição de Rede Eléctrica Nacional (“conjunto de linhas de transporte de energia no País que seja objecto de comércio em espécie”) e dispunha que as linhas que a integravam eram, para efeitos de construção e exploração, de utilidade pública e de interesse nacional, e que seriam objecto de concessão, sendo-lhes aplicável a “parte útil” dos artigos 52º, 53º, e 56º da Lei de águas[8].

Na mesma linha, o Decreto nº 14772, de 22 de Dezembro de 1927, determinou que seriam objecto de concessão as centrais hidroeléctricas de interesse público, obedecendo também à mencionada lei de águas e abrangendo a parte eléctrica da oficina geradora; seriam, ainda, objecto de concessão as linhas de transporte e as redes de grande distribuição que excedessem a área de jurisdição de um corpo administrativo, bem como as centrais termoeléctricas a partir de determinada potência e destinadas à produção de energia para iluminação dessas linhas ou redes; a concessão seria outorgada pelos corpos administrativos no caso de as instalações se encontrarem totalmente compreendidas na respectiva área e se destinarem a serviços públicos compreendidos nas suas atribuições próprias[9].
Mais tarde, a Lei nº 2002, de 26 de Dezembro de 1944, aprovou as Bases da Electrificação do País (que só foram desenvolvidas pelo Decreto-Lei nº 43335, de 19 de Novembro de 1960[10]). Aquela lei regulou, autonomamente, a “rede eléctrica nacional” (que passou a abranger o conjunto de instalações de serviço público destinadas à produção, transporte e distribuição de energia eléctrica) e o “transporte e grande distribuição”. Em qualquer das áreas ficou patente o importante papel que passou a caber ao Estado, que participaria ou apoiaria as produtoras, prestaria auxílios à instalação das centrais ou procederia mesmo à instalação das centrais de interesse público, auxiliaria no estabelecimento das linhas de transporte e de grande distribuição; a interligação das linhas deveria subordinar-se ao planeamento estatal.

Quanto às concessões de que seriam objecto as referidas instalações de serviço público, consideradas de utilidade pública, foram previstas quatro categorias (correspondendo a cada uma um caderno de encargos tipo): centrais produtoras eléctricas, centrais produtoras térmicas, linhas de transporte e linhas de grande distribuição. Das condições gerais das concessões (definidas na base XV) destaca-se o prazo de duração (não inferior a 75 anos, contados a partir da data de publicação do respectivo decreto), a gratuitidade nos primeiros dez anos de exploração e pagamento de rendas nos anos seguintes, a reversão gratuita dos bens para o Estado no fim da concessão, as condições de caducidade e de resgate.

A “pequena distribuição” foi confiada às federações de municípios ou aos municípios não federados, directamente ou através de outorga de concessões.

3. A estrutura organizativa do sector eléctrico nacional emergente do complexo normativo atrás descrito – que assentava, quanto ao regime de exercício das actividades de produção, distribuição e transporte de energia eléctrica na outorga de concessões a cidadãos nacionais ou a empresas com maioria de capital nacional e sediadas em Portugal – foi modificada com a nacionalização, com eficácia a partir de 15 de Abril de 1975, das principais empresas que exploravam aquelas actividades (entre as quais a Hidroeléctrica do Alto Alentejo, SARL, que explorava os aproveitamentos de Póvoa, Bruceira e Velada), operada pelo Decreto-Lei nº 205-G/75, de 16 de Abril, e pela concomitante previsão da criação de uma empresa pública, a EDP, à qual seria atribuído «em regime de exclusivo e por tempo indeterminado o exercício de serviço público de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica em todo o território nacional».

O monopólio do Estado no sector reforçou-se através da proibição de acesso da iniciativa privada às actividades de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica para consumo público assumida pela Lei de Delimitação de Sectores (Lei nº 46/77, de 8 de Julho).

Deste complexo normativo convém conhecer, no âmbito deste parecer, o texto dos seguintes dispositivos do Decreto-Lei nº 205-G/75[11]:
«Artigo 3º
1 – A universalidade dos bens, direitos e obrigações que integram o activo e o passivo das sociedades a que se refere o artigo 1º[12], ou que se encontrem afectos à sua exploração, são transferidos para o Estado, integrados no património autónomo das respectivas empresas ou a elas igualmente afectos.
2 – O disposto no número anterior constitui título comprovativo da transferência para todos os efeitos legais, incluindo os de registo, sendo, em caso de dúvida, título bastante a simples declaração feita pelas respectivas empresas e confirmada pela Direcção-Geral da Fazenda Pública de que os bens se incluem entre os referidos no nº 1.»
«Artigo 4º
1 – As empresas nacionalizadas assumirão em relação a todos os actos e contratos celebrados pelas sociedades referidas no artigo 1º a posição jurídica e contratual que estas detiverem à data do início da eficácia da nacionalização.
2 – As empresas nacionalizadas assumirão igualmente a posição social que as empresas referidas no artigo 1.º detiverem nas sociedades em que sejam sócias à data do início da eficácia da nacionalização.»
«Artigo 7º
1 – São dissolvidos os actuais órgãos sociais das sociedades nacionalizadas.
2 – Por despacho do Primeiro-Ministro, sob proposta do Ministro da Indústria e Tecnologia, será nomeada uma comissão administrativa para cada uma das sociedades nacionalizadas (...).
3 – (...).
4 – (...).»

«Artigo 12.º
«1 – As empresas nacionalizadas e a Empresa de Electricidade da Madeira (EEM) serão reestruturadas por diploma a publicar no prazo de noventa dias contados a partir da data da publicação deste decreto-lei.
2 – Serão transferidos para a entidade económico-jurídica que resultar da reestruturação das empresas nacionalizadas as instalações e serviços de produção e distribuição de energia eléctrica actualmente explorados por autarquias locais, directamente ou por intermédio de serviços municipalizados ou por federações de municípios.
3 – Serão igualmente transferidos para a referida entidade as instalações e serviços de produção e distribuição de energia eléctrica explorados por sociedade e outras entidades não indicadas no artigo 1º.
4 – Poderão ser excluídas das transferências previstas nos nº s 2 e 3 deste artigo as instalações de produção ou de distribuição destinadas predominantemente a uso próprio da entidade que as explore.»

3.1. A EDP (Electricidade de Portugal - Empresa Pública), foi criada pelo Decreto-Lei nº 502/76, de 30 de Junho, emergindo como “única entidade jurídica” resultante da reestruturação das empresas nacionalizadas.

Pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, a EDP tinha por objecto principal «o estabelecimento e a exploração do serviço público de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica no território do continente, para promover e satisfazer as exigências de desenvolvimento social e económico de toda a população» (artigo 2º, nº 1).

No que respeita ao processo de transferência para a nova entidade jurídica das posições, bens, direitos e obrigações titulados pelas empresas nacionalizadas, convém conhecer as seguintes disposições daquele diploma legal:

«Artigo 3º
1 – A regulamentação do serviço público a cargo da EDP será estabelecida, com audiência prévia da empresa, em decreto assinado pelo Ministro da Indústria e Tecnologia e pelos demais Ministros competentes em razão da matéria.
2 – Enquanto não for publicado o diploma previsto no n.º 1 do artigo 3.º, a EDP terá todos os direitos e ficará sujeita a todas as obrigações que, pelos cadernos de encargos das concessões ou por qualquer outro título regulador do serviço público de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica, sejam atribuídos ou impostos às sociedades nacionalizadas, com excepção da Empresa Insular de Electricidade (Ponta Delgada), ou às entidades cujos serviços ou instalações sejam transferidos para a EDP nos termos do artigo 7.º.
3 – Mantêm-se em benefício da EDP as regalias reconhecidas por lei às sociedades concessionárias do serviço público de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica, nomeadamente as atribuídas pelos Decretos-Leis nº s 43335, de 19 de Novembro de 1960, 46031, de 14 de Novembro de 1964, e 46917, de 23 de Março de 1966.»
«Artigo 5º
1 – O património inicial da EDP é formado:
a) Pelos patrimónios autónomos referidos no nº 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei nº 205-G/75 e pelos bens, direitos e obrigações a eles igualmente afectos nos termos da mesma disposição legal, com a excepção prevista no n.º 5 do presente artigo[13];
b) (...).
2 – A titularidade dos patrimónios mencionados na alínea a) do número anterior e dos bens, direitos e obrigações a eles igualmente afectos e referidos na mesma alínea, bem como a dos serviços e instalações a que alude a alínea b) do mesmo número, considera-se transferida para a EDP na data da entrada em vigor deste decreto-
-lei.

3 – As transmissões resultantes do preceituado no n.º 2 deste artigo operar-se-ão por virtude do presente decreto-lei, que será título bastante para todos os efeitos legais, incluindo os de registo.
4 – Em caso de dúvida, servirá de título bastante para as mesmas transmissões a simples declaração de conformidade, feita pela EDP e confirmada pela Direcção-Geral do Património, sobre se os bens a transmitir se encontravam integrados ou afectos aos patrimónios ou serviços e instalações referidos no nº 1.
5 – (...).»
«Artigo 6º
A EDP administrará os bens do domínio público necessários às actividades a seu cargo, nos termos que forem fixadas no diploma a que se refere o n.º 1 do artigo 3º.»
«Artigo 8º
A EDP assumirá todos os direitos e obrigações derivados de actos ou contratos, praticados ou celebrados não só pelas empresas nacionalizadas, como por autarquias locais, serviços, serviços municipalizados, federações de municípios ou outras entidades que explorassem os serviços e instalações transferidos ao abrigo dos artigos 7.º e 17.º, relativamente a arrendamentos, aquisição de equipamentos, execução de obras, aluguer de maquinismo, financiamentos, prestação de serviços ou quaisquer outros que interessem à continuidade das respectivas explorações.»
«Artigo 15º
1 – A partir da data de entrada em vigor deste decreto-lei, consideram-se juridicamente extintas as sociedades nacionalizadas pelo Decreto-Lei n.º 205-G/75, com excepção da Empresa Insular de Electricidade (Ponta Delgada).
2 – (...).
3 – (...).»

De acordo com o artigo 4º dos estatutos da empresa, publicados por anexo ao mesmo diploma[14], o serviço público que lhe estava cometido compreendia:

«a) A exploração do sistema produtor, da rede de transporte e interligação e das redes de distribuição de energia eléctrica que integram, em cada momento, a rede eléctrica nacional;
b) A exploração de aproveitamentos hidráulicos de fins múltiplos e de centrais térmicas clássicas ou nucleares destinadas também a fins diferentes dos da produção de energia eléctrica, nos casos aprovados pelo governo».

Numa breve síntese, refira-se que, pelo Decreto-Lei nº 7/91, de 8 de Janeiro, a EDP foi transformada em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos e foram aprovados os novos estatutos; o artigo 8º previu, desde logo, a possibilidade de cisão e constituição de novas sociedades anónimas cujo capital social seria por si integralmente subscrito ou realizado. Este processo de constituição de novas sociedades – cujo objecto correspondia a cada uma das actividades que integravam o serviço público atribuído à “empresa-mãe” – foi regulado pelo Decreto-Lei nº 131/94, de 19 de Maio[15], que estabeleceu que as relações ou posições jurídicas tituladas pela EDP, S.A. seriam transmitidas, «sem alteração das garantias, para cada uma das empresas resultantes da cisão, não conferindo essa cisão a possibilidade de alterar a respectiva relação jurídica». Com o Decreto-Lei nº 78-A/97, de 7 de Abril, iniciou-se o processo de reprivatização do capital social da empresa, inicialmente, segundo uma lógica de manutenção de uma participação maioritária de capitais públicos, evoluindo faseadamente no sentido da crescente abertura aos capitais privados[16].

4. O fim do monopólio do Estado no sector anunciou-se na década de 80, associado ao processo de adesão à Comunidade Económica Europeia, reflectindo-se, inicialmente, apenas no sector da pequena produção de energia eléctrica, na aceitação do auto-
-produtor
[17], na distribuição da energia eléctrica em baixa tensão[18]. O Decreto-Lei nº 449/88, de 10 de Dezembro – que alterou a Lei nº 46/77 (lei de delimitação de sectores) – veio, ainda, permitir o acesso das entidades privadas às actividades de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica para consumo público.

Consagrando já o princípio da “liberdade de acesso”, o Decreto-Lei nº 99/91, de 2 de Março, veio regular as actividades específicas do sector e instituir os princípios gerais do regime enquadrador do exercício das actividades de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica, salvaguardando, contudo, «um quadro misto em que se estimula a iniciativa privada e se mantém ainda uma zona nuclear em regime de concessão de serviço público, bastante para garantir a segurança do abastecimento do país».

O modelo então criado compreendia o SEP (Sistema Eléctrico de Abastecimento Público) e o SEI (Sistema Eléctrico Independente). O SEP era constituído pela Rede Nacional de Transporte de Energia Eléctrica (RNT), explorada em regime de concessão de serviço público, e por entidades contratualmente vinculadas ao sistema, que se comprometiam a abastecê-lo ou a ser por ele abastecidas, e que exerciam a actividade de produção e distribuição mediante atribuição de licenças vinculadas; o SEI compreendia o exercício de actividades fora do sistema, para uso próprio ou de terceiros, em regime de concorrência, e mediante licenças não vinculadas. Cabia à entidade concessionária da RNT a gestão global do SEP considerando-se tal concessão atribuída à EDP até à regulamentação da matéria por diploma próprio.

Previa ainda este diploma que, sempre que o exercício das actividades relativas à energia eléctrica envolvesse a utilização de bens do domínio público ou do domínio privado do Estado ou das autarquias locais, seria celebrado contrato administrativo de que constariam as licenças atribuídas.

Cabe ainda referir que, quer o regime de concessão, quer o de licenciamento careciam de regulamentação e que, embora o artigo 28º tivesse revogado a Lei nº 2002 bem como as disposições do Decreto-Lei nº 43335 que o contrariassem, mantiveram-se expressamente em vigor, até à publicação daquela regulamentação, «as normas relativas ao exercício das actividades de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica em vigor àquela data (da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 99/91), mantendo-
-se os direitos e obrigações delas derivados».


O movimento de liberalização do sector, desencadeado a partir da década de 80, seria consolidado num pacote legislativo constituído por diversos diplomas, com numeração sucessiva – Decretos-Leis nº s 182/95 a 189/95, todos de 27 de Julho[19]. Pretendia-se uma diversificação do mercado, através de entidades que operassem nos diferentes sectores de actividade, modelo que correspondia à desverticalização da organização da EDP, entretanto verificada.

Particular evidência merece o Decreto-Lei nº 182/95, que estabeleceu as bases da organização do Sistema Eléctrico Nacional (SEN), e os princípios que regiam as actividades de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica. Foi mantida a matriz delineada pelo Decreto-Lei nº 99/91, designadamente o desdobramento do SEN no SEP e no SEI: o primeiro, associado à prestação de um serviço público, integrava a concessionária da RNT (explorada em regime de serviço público através de contrato de concessão, considerando-se a mesma atribuída à REN - Rede Eléctrica Nacional, SA) e os titulares de licenças vinculadas de produção e distribuição; o SEI passou a compreender o Sistema Eléctrico Não Vinculado (SENV), a produção de energia eléctrica a partir de energias renováveis (com excepção da energia hidráulica), e a produção de energia eléctrica em instalações de cogeração, bem como, a partir das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 85/2002, de 6 de Abril, a produção de energia eléctrica em aproveitamentos hidroeléctricos de potência instalada até 10MW.

O princípio geral aplicável ao SENV, consagrado no artigo 43º, consistia em que, fora do âmbito de funcionamento do SEP, era livre o acesso às actividades de produção e de distribuição em MT (Média Tensão) e AT (Alta tensão)[20], através da intregração no SENV e mediante atribuição de licença; na vertente subjectiva, integravam este sistema os produtores, os distribuidores e os clientes não vinculados.

Embora o artigo 65º previsse a obtenção de licenças a emitir pela Direcção-Geral de Energia (DGE) a requerimento das entidades integradas quer no SEP quer no SENV, no prazo de dois anos contados a partir da data da publicação do diploma, tal disposição era feita «sem prejuízo da continuação da actividade por essas entidades». E o artigo seguinte (artigo 66º) salvaguardava, expressamente, os direitos das entidades que, à data da entrada em vigor do diploma, exercessem a actividade de produção de energia eléctrica mediante títulos válidos, os quais se manteriam até ao termo de prazo da sua duração.

Em anexo, constavam as relações de entidades produtoras de energia eléctrica integradas quer no SEP quer no SENV e respectivos centros electroprodutores afectos[21]. Entre as empresas integradas no SENV – todas do “Grupo EDP” – incluía-se a Hidrotejo, Hidroeléctrica do Tejo, S.A.[22], à qual estavam afectos os centros electroprodutores de Belver, Póvoa, Bruceira, Velada e Caldeirão.

O Decreto-Lei nº 85/2002, de 6 de Abril, que alterou o Decreto-Lei nº 182/95, integrou no SENV determinados aproveitamentos hidroeléctricos de potência instalada superior a 10MW (mencionados em anexo) e veio permitir que outros aproveitamentos, de potência instalada inferior ou igual a 10MW, pertencentes a empresas do SENV (igualmente mencionados em anexo), se integrassem num regime de legislação específica, devendo, para o efeito, a transição ser requerida ao Director-Geral da Energia, no prazo de 90 dias[23]. Constando entre as entidades e aproveitamentos incluídos neste segundo grupo a EDP, Energia S.A., e respectivos aproveitamentos hidroeléctricos de Póvoa, Bruceira, Velada e Caldeirão, constata-se, pelo Relatório e Contas da EDP, S.A., relativo ao ano de 2002, que foi requerida e autorizada a sua transição para o referido regime de legislação específica, com efeitos a partir de 1 de Outubro de 2002.

Por seu turno, o Decreto-Lei nº 183/95 respeitava, especificamente, à actividade de produção de energia eléctrica – no âmbito quer do SEP quer do SENV – sujeita à titularidade de licença a emitir para cada um dos centros electroprodutores.

No caso do SEP, tratava-se de licenças vinculadas, emitidas por um prazo variável, entre 15 e 75 anos, sendo o titular seleccionado através de um processo público, a que se seguia a celebração de contrato de vinculação com a entidade concessionária da Rede Nacional de Transporte de Energia Eléctrica (RNT). Com relevo no âmbito deste parecer, cabe referir que a utilização do domínio público hídrico para instalação de aproveitamentos hidroeléctricos vinculados se processava nos termos do Decreto-Lei nº 46/94, de 22 de Fevereiro – diploma que estabelecia o regime de licenciamento da utilização do domínio público sob jurisdição do Instituto da Água – com as particularidades de o respectivo contrato de concessão ser celebrado por ajuste directo com a entidade concessionária da RNT e de esta poder subconcessionar à entidade seleccionada para a exploração do novo centro electroprodutor. Para tal efeito, a concessionária da RNT devia proceder à aquisição do “sítio”, ou, no caso de se tratar de bens do domínio público ou privado do Estado, devia obter a sua posse, podendo transferi-la para a mesma entidade.

A obtenção de licença no âmbito do SENV baseava-se num procedimento iniciado a requerimento do interessado, instruído já, no caso de aproveitamentos hidroeléctricos, com o título de utilização do domínio hídrico. A lei não fixava o prazo de duração da licença mas previa hipóteses de extinção por caducidade ou revogação.

Sendo estas as normas aplicáveis à atribuição de novas licenças e à outorga de novas concessões, repete-se que o artigo 66º do Decreto-Lei nº 182/95, salvaguardava, quanto à actividade de produção de energia eléctrica, a validade dos títulos anteriores até ao termo do respectivo prazo de validade.

4.1. A obtenção de licenças no âmbito específico da produção de energia por pequenas centrais hidroeléctricas (PCH), ou seja, aproveitamentos hidroeléctricos com potência instalada até 10MW, foi regulada pela Portaria nº 295/2002, de 19 de Março. Respeitando o normativo às novas atribuições, merecem referência as disposições de carácter transitório, constantes do capítulo IV, na parte referente à reversão das PCH com títulos emitidos ao abrigo de legislação anterior ao Decreto-Lei nº 46/94.

Estando as centrais electroprodutoras de Póvoa, Bruceira e Velada integradas no conceito de “pequenas centrais hidroeléctricas” é-lhes aplicável este normativo no que concerne ao instituto de reversão. Importa, pois, conhecer desde já as mais pertinentes disposições. Assim:
«Artigo 30º
Reversão das concessões ou licenças
1 – Caso se tenham extinto as relações jurídicas tituladas por concessões ou licenças emitidas ao abrigo do disposto nos Decretos nºs 5787-IIII, de 10 de Maio de 1919, 6287, de 20 de Dezembro de 1919, e 16 767, de 20 de Abril de 1929, no Decreto-Lei nº 43 335, de 19 de Novembro de 1960, ou no Decreto-Lei nº 468/71, de 5 de Novembro, bem como as licenças emitidas ao abrigo do Decreto-Lei nº 189/88, de 27 de Maio, e antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 46/94, de 22 de Fevereiro, designadamente por caducidade, rescisão unilateral ou revogação, deve, nos termos da lei, operar-se a reversão para o Estado do estabelecimento da concessão ou dos bens afectos ao aproveitamento hidroeléctrico titulado pela licença, consoante o título autorizativo da utilização privativa do domínio hídrico seja um contrato de concessão ou uma licença.
2 – Nas concessões de interesse privado ou público celebradas ao abrigo dos Decretos nºs 5787-IIII, de 10 de Maio de 1919, 6287, de 20 de Dezembro de 1919, e 16 767, de 20 de Abril de 1929, e do Decreto-Lei nº 43 335, de 19 de Novembro de 1960, sem prejuízo do disposto no contrato de concessão, o estabelecimento da concessão integra, nos termos da lei, os bens do domínio público hídrico afectos à concessão, designadamente as águas e os terrenos do domínio público hídrico, bem como as obras e instalações afectas à concessão, designadamente as obras e instalações executadas em terrenos do domínio público hídrico.
3 – Nas concessões de interesse público celebradas ao abrigo do Decreto-Lei nº 43335, de 19 de Novembro de 1960, o estabelecimento da concessão integra, nos termos da lei, os edifícios das centrais, subestações de transformação e oficinas anexas, com todo o seu equipamento electromecânico, acessórios e ferramentas, instalações de telecomunicação e telemedida, edifícios de armazéns, casas de habitação e de guarda e escritórios anexos às centrais, obras hidráulicas, nomeadamente barragens, órgãos de regulação e de descarga, instalações e obras para navegação, tomadas de água, obras de derivação e de restituição e condutas, terrenos submersos pelas albufeiras, terrenos ocupados pelas instalações e terrenos, estradas e caminhos que lhes dão acesso, assim como quaisquer outros terrenos ou bens adquiridos para os fins da concessão.
4 – Nas concessões celebradas e nas licenças emitidas ao abrigo do Decreto-Lei nº 468/71, de 5 de Novembro, o estabelecimento da concessão ou os bens afectos ao aproveitamento hidroeléctrico integram os bens do domínio público hídrico, bem como todas as instalações fixas e desmontáveis que se encontrem afectas àquela utilização privativa.
5 – Nas licenças emitidas ao abrigo do Decreto-Lei nº 189/88, de 27 de Maio, e antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 46/94, de 22 de Fevereiro, aplica-se o previsto no nº 1, sem prejuízo do disposto nos alvarás das licenças atribuídas.»
«Artigo 31º
Características da reversão
1 – A reversão para o Estado, por caducidade do respectivo contrato ou licença, dos bens que integram o estabelecimento da concessão e dos afectos ao aproveitamento hidroeléctrico titulado pela licença é gratuita, sem prejuízo do disposto no nº 5.
2 – Salvo disposição legal em contrário, nas situações em que a extinção das relações constituídas por contrato de concessão ou por licença não teve por fonte a caducidade, a reversão é gratuita, sem prejuízo do disposto no nº 5.
3 – Os bens que sejam objecto de reversão integram o domínio público do Estado, quando a lei os definir como tal, e integram o domínio privado do Estado nas demais situações.
4 – Os bens objecto de reversão são geridos pelo INAG como uma universalidade de direito, no exercício da sua jurisdição sobre o domínio público hídrico.
5 – Quando, previamente ao termo do prazo da licença ou concessão, o titular da mesma tenha realizado investimentos na PCH, devidamente autorizados pelo INAG e DGE, e demonstre que estes investimentos não foram ainda recuperados, as entidades previamente referidas poderão optar por reembolsar ao titular o valor não recuperado ou, excepcionalmente e por uma única vez, prorrogar a licença até à data em que sejam recuperados os referidos investimentos, sendo que esta prorrogação excepcional não poderá, em nenhum caso, exceder 35 anos.
6 – O INAG e a DGE pedirão parecer à comissão consultiva prevista no artigo 29º na avaliação feita aos investimentos não recuperados.
7 – (...).»

O artigo 34º estabelece o procedimento administrativo a adoptar, dispondo que a verificação da caducidade deve assumir a forma de decreto quando esteja em causa uma concessão de interesse privado atribuída ao abrigo da legislação de 1919 e de 1929, e de despacho do Presidente do INAG nos demais casos. À verificação da caducidade ou de outras causas de extinção das concessões ou licenças segue-se a tomada de posse administrativa, com prévia notificação dos interessados e realização de vistoria ad perpetuam rei memoriae; o artigo 35º impõe a avaliação dos bens objecto de reversão e o artigo 36º prevê que os produtores que transitem para o novo regime jurídico de licenciamento do domínio hídrico e de produção de energia eléctrica pagarão uma renda pela utilização dos bens e instalações que revertam para o Estado.

Dispõe o artigo 37º, sobre substituição de títulos:
«Artigo 37º
Requerimento de substituição dos títulos
1 – Os titulares de concessões ou licenças relativas a PCH existentes atribuídas ao abrigo de legislação anterior ao Decreto-Lei nº 189/88, de 27 de Maio, podem requerer a substituição daqueles títulos pelas licenças emitidas ao abrigo da presente portaria, nos termos do referido decreto-lei, desde que o aproveitamento esteja em funcionamento e o prazo respectivo ainda não tenha decorrido.
2 – O novo título não pode ser emitido por prazo superior àquele que ainda não havia decorrido ao abrigo do título anterior.
3 – Para efeitos da aplicação da presente portaria, a identificação dos titulares das concessões de produção de energia eléctrica cabe à Direcção-Geral de Energia.»

4.2. Ainda no âmbito do pacote legislativo de 1995[24], cabe uma referência ao Decreto-Lei nº 184/95, que estabelecia o regime jurídico do exercício da actividade de distribuição de energia eléctrica no âmbito quer do SEP quer do SENV. Tal actividade era igualmente explorada mediante licença, vinculada ou não vinculada, impondo-se no primeiro caso a celebração de um contrato de vinculação com a concessionária da RNT com o prazo de 35 anos; eram considerados distribuidores vinculados, como tal integrados no SEP, as sociedades resultantes da cisão da EDP, que prosseguiam essa actividade mediante os títulos já atribuídos[25].
O regime jurídico da actividade de transporte de energia eléctrica era estabelecido pelo Decreto-Lei nº 185/95, que, por anexo, aprovava as bases de concessão da exploração da RTN. Esta exploração era atribuída mediante contrato administrativo de concessão em regime de serviço público, pelo prazo de 50 anos contados a partir da celebração do contrato; as actividades, consideradas de utilidade pública, eram exercidas em regime de exclusivo sendo concessionária a REN, S.A.[26].

As bases VI a IX da concessão consideravam afectos à mesma os bens que constituíam a RNT (designadamente, linhas, subestações, postos de seccionamento e instalações anexas, instalações afectas ao despacho centralizado incluindo os equipamentos indispensáveis ao seu funcionamento, as instalações de telecomunicações, telemedida e telecomando afectas ao transporte e coordenação do sistema electroprodutor) e ainda os imóveis pertencentes à concessionária em que aqueles bens estivessem implantados, bem como as servidões constituídas, os sítios para instalação de centros electroprodutores vinculados que lhe pertencessem, outros bens móveis ou imóveis necessários ao desempenho das actividades e ainda as relações jurídicas directamente relacionadas com a concessão. A concessionária ficava obrigada a manter um inventário actualizado do património afecto à concessão e, durante o prazo que a mesma durasse, devia assegurar a manutenção, conservação e segurança dos respectivos bens e meios. Nos termos da base IX, sobre propriedade e posse dos bens, a concessionária era, até à extinção da concessão, titular desses direitos; contudo, nos termos do nº 3, com a extinção da concessão os bens que lhe estavam afectos revertiam para o Estado.

5. Conforme se evidenciou no parecer deste Conselho nº 66/2005, de 30 de Junho de 2005[27], o enquadramento legislativo antes exposto inscreveu-se num «movimento mais vasto de que a Directiva nº 96/92/CE (do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Dezembro de 1996, que estabeleceu regras comuns para o mercado interno da electricidade) constitui corolário no plano comunitário, e que tem como objectivo essencial a criação de um mercado concorrencial de electricidade».

A esta Directiva viria, porém, a suceder a Directiva nº 2003/54/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2003, que visou concretizar plenamente o mercado interno no sector de electricidade.

Entretanto, a Resolução da Assembleia da República nº 32-A/2004, de 20 de Abril, aprovou o acordo para a criação de um mercado de electricidade comum a Portugal e Espanha (Mercado Ibérico da Energia Eléctrica – MIBEL), como «marco de um processo de integração dos sistemas eléctricos de ambos os países», os quais se comprometeram a desenvolver legislação interna que permitisse o funcionamento de um mercado único em que todos os participantes tivessem igualdade de direitos e de obrigações.

Nesse período foi editada nova legislação que, aprofundando a tendência liberalizadora e concorrencial, visou a redução do SEP e se repercutiu na extinção dos contratos de aquisição de energia (CAE) celebrados entre a concessionária da RNT e os produtores vinculados, os quais, pressupondo a existência de uma relação de exclusividade, se tornavam inaceitáveis no novo modelo concorrencial[28]. Previamente a essa medida, foram estabelecidas as condições de transferência e posse dos terrenos da concessionária da RNT afectos aos centros electroprodutores que abasteciam o SEP, segundo o modelo anteriormente definido, bem como as condições de reafectação dos respectivos bens do domínio hídrico.

Esse conjunto de diplomas – Decretos-Leis nºs 198/2003, de 2 de Setembro, nº 153/2004, de 30 de Junho, e nº 240/2004, de 27 de Dezembro – contêm disposições que suscitam algumas das dúvidas que, no que respeita aos aproveitamentos hidroeléctricos integrados no SEP, deram origem a este pedido de parecer. Convirá, por isso, conhecer com maior detalhe os normativos em causa.

No preâmbulo do Decreto-Lei nº 198/2003, após se dar conta das razões que ditavam a extinção dos CAE, afirma-se: «A entidade concessionária da RNT, na sua qualidade de titular dos sítios onde se encontram instalados os centros produtores hidroeléctricos, e, bem assim, dos direitos de concessão de utilização do domínio público hídrico que, por imperativo legal, estão concedidos aos produtores vinculados, fica autorizada, por este diploma, a vender ou a arrendar aos actuais produtores do SEP, os terrenos que integram o sítio e que se encontrem excluídos do domínio público hídrico».

O artigo 2º, descrevia o conteúdo de “sítio de um centro hidroeléctrico”, nos seguintes termos:
«Artigo 2º
Disposições gerais
1 Para efeitos da aplicação deste diploma, o sítio de um centro produtor hidroeléctrico é constituído pelos terrenos a ele afectos, designadamente:
a) Os terrenos da albufeira situados abaixo da cota de expropriação;
b) Os terrenos onde se encontram implantadas a barragem, a central, os descarregadores, o posto de corte e seccionamento, a subestação e o edifício de comando;
c) Os terrenos adquiridos para a realização de obras subterrâneas, designadamente galerias de acesso, túneis, poços, condutas, chaminés e cavernas;
d) Os terrenos onde se encontram implantados elementos de obra a céu aberto, nomeadamente canais, condutas forçadas, estruturas de tomada e restituição de água, chaminés de equilíbrio e seus acessos;
e) Os terrenos onde se encontram implantadas obras complementares, tais como açudes, túneis e canais de derivação;
f) Os terrenos que constituem a zona de protecção ao aproveitamento, de acordo com a legislação aplicável.
2(...)[29].
3 Os limites da área abrangida pelo sítio dos centros electroprodutores hidro e termoeléctricos referidos nos nº s 1 e 2 são os constantes das plantas anexas a este diploma, que dele ficam a fazer parte integrante.»

Assumem interesse no âmbito deste parecer, ainda, as seguintes disposições do mesmo diploma:
«Artigo 3º
Direitos de propriedade e posse dos terrenos dos centros electroprodutores
1 Os direitos de propriedade e posse dos terrenos referidos no artigo anterior mantêm-se na esfera jurídica das entidades que, à data da extinção dos CAE, deles sejam titulares.
2 O processo de extinção dos CAE não tem incidência nem opera qualquer alteração no direito de superfície constituído sobre os terrenos onde se encontram implantados centros electroprodutores.»
«Artigo 4º
Transmissão dos terrenos
1 A entidade concessionária da RNT fica autorizada a transmitir para os produtores os seus terrenos que constituem os sítios dos centros electroprodutores, conforme definido nos nº s 1 e 2 do artigo 2º, com excepção dos que integram o domínio público hídrico.
2 – À excepção dos direitos de superfície constituídos sobre os terrenos onde se encontram instalados os centros produtores termoeléctricos, a transmissão a que se refere o número anterior abrange todos os direitos e obrigações relacionados com a propriedade e posse dos referidos terrenos.»
«Artigo 5º
Modelo de transmissão
1 Os titulares de licenças vinculadas de produção associadas a centros produtores hidroeléctricos adquirem à entidade concessionária da RNT os terrenos desta, situados fora do domínio hídrico e que integram o sítio onde os referidos centros se encontram estabelecidos, ou arrendam-nos por um período coincidente com o da vigência da respectiva concessão, por decisão dos próprios titulares da respectiva licença de produção.
2 (...).
3 O método e os critérios de fixação do valor da aquisição ou do arrendamento dos terrenos referidos nos números anteriores serão determinados por portaria do Ministro da Economia.
4 A portaria referida no número anterior deve proceder à definição de eventuais compensações aos produtores vinculados que vierem a ser estabelecidas em resultado da extinção antecipada dos CAE.»

Face às dificuldades suscitadas com a execução daquelas orientações, designadamente por falta de documentação comprovativa da titularidade dos terrenos e da legítima utilização do domínio público hídrico, e com vista à correcta identificação dos terrenos que, de acordo com a planta anexa ao diploma anterior, constituíam os sítios dos centros electroprodutores, o Decreto-Lei nº 153/2004 veio determinar que constituía título bastante da transmissão dos terrenos a acta da assembleia geral da EDP, complementada por declaração conjunta da REN e da EDP.

Dispunham os artigos 2º e 6º deste último diploma legal:
«Artigo 2º
Direitos de utilização do domínio público hídrico
1 São reconhecidos à entidade concessionária da RNT os direitos de utilização, em regime de concessão, do domínio público hídrico, desde que verificadas as formalidades constantes do Decreto-Lei nº 46/94, de 22 de Fevereiro, e de acordo com o disposto no artigo 6º do Decreto-Lei nº 183/95, de 27 de Julho.
2 Os serviços competentes do Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente devem celebrar os respectivos contratos com a entidade concessionária da RNT no prazo de 120 dias a contar da publicação do presente diploma, devendo constar dos mesmos a possibilidade de subconcessão a favor dos respectivos produtores hidroeléctricos.»
«Artigo 6º
Garantia de afectação dos terrenos ao fim actual
1 Os terrenos afectos aos centros produtores termo e hidroeléctricos que vierem a ser transmitidos nos termos do Decreto-
-Lei nº 198/2003, de 2 de Setembro, não podem ser destinados a fim diferente daquele a que estão actualmente afectos, sem autorização do Ministro da Economia.
2 A autorização prevista no número anterior deve ser precedida de parecer da Direcção-Geral de Geologia e Energia e da entidade concessionária da RNT, ouvida a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE).»

Por fim, o Decreto-lei nº 240/2004, de 27 de Dezembro, veio estabelecer condições de compensação financeira aos produtores pela cessação antecipada dos CAE.

6. Reconhecendo o carácter transitório das disposições anteriores, foi recentemente aprovado um novo diploma legal (Decreto-Lei nº 29/2006, de 15 de Fevereiro), que consagra as novas bases gerais da organização e funcionamento do SEN, bem como das actividades de exercício da actividade de produção, transporte, distribuição e comercialização da electricidade e da organização dos respectivos mercados. Pretende-se instituir um novo e completo quadro legal, articulado com a legislação comunitária e concretizando, normativamente, as orientações estratégicas em matéria de energia definidas pelo Governo através da Resolução do Conselho de Ministros nº 169/2005, de 24 de Outubro, e que assenta na liberalização e na promoção da concorrência nos mercados energéticos.

O Sistema Eléctrico Nacional (SEN), entendido como «conjunto de princípios, organizações, agentes e instalações eléctricas relacionadas com as actividades abrangidas no território nacional», compreende o exercício das actividades de produção, de transporte, de distribuição e de comercialização, de operação de mercados e de operação logística de mudança de comercializador. O SEN está sujeito a regulação, que tem por finalidade «contribuir para assegurar a eficiência e as racionalidade das actividades em termos objectivos, transparentes, não discriminatórios e concorrenciais» e pressupõe supervisão e acompanhamento contínuos.
No essencial, o novo modelo institui um sistema eléctrico integrado, em que as actividades de produção e de comercialização são exercidas em regime de livre concorrência, mediante atribuição de licença, e as actividades de transporte e distribuição são exercidas mediante a atribuição de concessões de serviço público[30]. Mantêm-se, em qualquer dos casos, as obrigações de serviço público, designadamente em matéria de segurança, regularidade e qualidade do serviço, universalidade da sua prestação, protecção dos consumidores e do ambiente, etc.

A actividade de produção de electricidade pode desenvolver-se segundo um regime ordinário ou segundo um regime especial; o acesso à actividade é livre, cabendo a iniciativa aos interessados, o que traduz, segundo o preâmbulo do diploma, o abandono da lógica do planeamento centralizado dos centros electroprodutores; neste contexto, o Estado mantém um papel supletivo, cabendo-lhe suprir eventuais falhas de mercado, designadamente abrindo concurso público para assegurar a produção de electricidade em caso de insuficiência ou incapacidade da iniciativa privada.

A actividade de transporte de energia eléctrica é exercida através da exploração da rede nacional de transporte, mediante uma única concessão, atribuída na sequência de concurso público, em exclusivo e em regime de serviço público, jurídica e patrimonialmente separada das demais actividades; reconhecendo-se o papel crucial que a rede nacional de transporte assume no SEN, a sua exploração «integra a função de gestão técnica global do sistema, assegurando a coordenação sistémica das instalações de produção e de distribuição, tendo em vista a continuidade e a segurança do abastecimento e o funcionamento integrado e eficiente do sistema».

A actividade de distribuição é exercida através da exploração da rede nacional de distribuição, a que corresponde a rede em média e alta tensão, exploradas também através de concessão, em exclusivo e em regime de serviço público, por uma única entidade, ficando a anterior licença vinculada convertida em contrato de concessão; as redes de distribuição em baixa tensão são exploradas pelos municípios, directamente ou através de concessões outorgadas pelos respectivos órgãos municipais.

Assume, ainda, importância a matéria consagrada em sede de regime transitório. Sem prejuízo de adaptações ou modificações impostas pela nova legislação, foi mantida a concessão da exploração da Rede Nacional de Transporte na titularidade da REN – Rede Eléctrica Nacional, SA, foi convertida em concessão a licença de distribuição de electricidade em média e alta tensão atribuída à EDP - Distribuição Energia, SA, e mantiveram-se igualmente as concessões já atribuídas para distribuição de electricidade em baixa tensão.

A consagração deste quadro normativo ditou a revogação – expressa – do Decreto-Lei nº 182/95 (mantendo-se, contudo, em vigor diversos regulamentos emitidos ao abrigo deste diploma até à aprovação da nova legislação complementar).

7. Entende-se adequado, face à dimensão deste capítulo, deixar aqui uma síntese da evolução legislativa registada no âmbito do sector de energia eléctrica, com indicação dos períodos mais marcantes e dos aspectos mais relevantes. Temos assim:

1º – A legislação anterior a 1975, em que o sistema eléctrico era explorado, nas suas diversas vertentes – de produção, distribuição, transporte e comercialização – através de concessões outorgadas pelo Estado a cidadãos nacionais ou a entidades privadas com capitais maioritariamente nacionais, através de decreto de que fazia parte o respectivo caderno de encargos, que devia incluir determinadas cláusulas (designadamente sobre prazo e regime de reversão). Nesse figurino, foram outorgadas as concessões referentes às centrais hidroeléctricas de Póvoa, Bruceira e Velada que, concretamente, suscitaram a solicitação deste parecer.

2º – O período imediatamente posterior a 25 de Abril de 1974, caracterizado pela interdição das referidas actividades ao sector privado e pela nacionalização de diversas concessionárias (entre as quais a Hidroeléctrica do Alto Alentejo, SARL, que explorava aquelas centrais) e com a criação de uma empresa pública – Electricidade de Portugal, EDP – à qual foi atribuída, em exclusivo e por tempo indeterminado, a exploração dos serviços públicos de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica em todo o território continental, e para a qual foram transferidos os patrimónios autónomos resultantes da nacionalização daquelas empresas bem como os bens, direitos e obrigações que lhes estavam afectos.

3º – Um outro período, desencadeado na década de 80 e integrado num movimento de liberalização económica, com reflexos na alteração do estatuto da EDP (sucessivamente transformada em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, em sociedade de capitais maioritariamente públicos, e finalmente aberta aos capitais privados através de um processo faseado de reprivatização), em que foram publicados diversos diplomas avulsos e alterações legislativas, e que acabaria por se corporizar num pacote legislativo, datado de 27 de Julho de 1995, que representou uma reforma do Sistema Eléctrico Nacional (SEN), caracterizada, no essencial, pela constituição de dois sectores de actividade – o público (SEP) e o independente (SEI) – mantendo-se apenas em regime de serviço público e de exclusivo, através de concessão, a actividade de transporte de energia eléctrica, ficando as restantes actividades, designadamente a de produção e de distribuição, apenas sujeitas a licença (vinculada ou não vinculada).

4º – Uma fase transitória, decorrente da transposição da Directiva do Mercado Interno de Energia da União Europeia e da criação do Mercado Ibérico de Energia Eléctrica que, no essencial e segundo uma lógica de liberalização e de concorrência, se traduziu na redução do Sistema Eléctrico de Serviço Público (SEP) e na cessação dos contratos de aquisição de energia (CAE), em vigor no âmbito desse sistema, e na definição das condições de transferência de propriedade e posse de terrenos afectos às anteriores concessões e licenças. É nesse período que se inscreve a publicação dos Decretos-Leis nº 185/2003, nº 198/2003 e nº 153/2004, expressamente mencionados no pedido de parecer e de cujos normativos emergem algumas das questões colocadas.

5º – Um último e muito recente período legislativo – pelo menos, em parte, posterior à solicitação deste parecer – em que se procedeu à transposição para a ordem jurídica interna de uma nova directiva do Parlamento Europeu e do Conselho e se concretizou, no plano normativo, a estratégia para o sector energético definida por Resolução do Conselho de Ministros[31], que introduziu uma nova reforma no sector, alterando significativamente o sistema ainda emergente do pacote legislativo de 1995 (em cujas disposições se fundamentaram, em larga medida, as considerações constantes da exposição que acompanhou o pedido de parecer). Contudo, foi mantida a concessão de exploração da Rede Nacional de Transporte de Energia Eléctrica à REN, S.A., foi convertida em concessão a anterior licença de distribuição em média e alta tensão titulada pela EDP, Energia S.A., ficando em regime de livre concorrência e sujeitas apenas a licença as actividades de produção e de comercialização de energia eléctrica.

8. Por fim cabe assinalar que, paralelamente a esta evolução legislativa verificada no sector de energia eléctrica, também o regime jurídico dos bens do domínio hídrico implicado na análise das questões colocadas (que se encontrava consagrado no Decreto-lei nº 468/71 e, no que especificamente respeitava à utilização do domínio público hídrico sob jurisdição do Instituto da Água, no Decreto-Lei nº 46/94, de 22 de Fevereiro, diplomas estes que sustentaram também as principais considerações expendidas como fundamento do pedido de parecer) sofreu recente alteração com a aprovação da actual Lei da Água – Lei nº 58/2005, de 29 de Dezembro – e da Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro, que estabelece a titularidade dos recursos hídricos, com a consequente revogação daquela legislação anterior (deferida, no que concerne ao Decreto-Lei nº 46/94 e aos capítulos III e IV do Decreto-lei nº 468/71, à entrada em vigor da necessária legislação complementar[32]). Esta matéria será objecto de desenvolvimento mais adiante, neste parecer.


IV

1. A primeira questão que se coloca consiste em determinar qual o título que ainda legitimará a exploração de determinadas actividades, designadamente a produção de energia eléctrica, por empresas do Grupo EDP. De facto, se relativamente às actividades de distribuição e transporte terão sido formalizados os respectivos contratos de concessão ou, pelo menos, a posição de concessionária foi legalmente reconhecida a empresas desse grupo[33], já o exercício da primeira actividade, sujeito a mera licença e actualmente liberalizada, apenas decorrerá das disposições dos diplomas que procederam à nacionalização das primitivas concessionárias e do diploma que criou a EDP, EP, conjugadas com diversas normas de natureza transitória que, nos novos regimes aprovados, foram salvaguardando situações anteriores, emergentes ainda das concessões e respectivos cadernos de encargos outorgadas às sociedades nacionalizadas.

Cumpre, então, apurar qual o efeito produzido pelo acto de nacionalização nas concessões tituladas pelas sociedades que foram objecto dessa nacionalização, designadamente se dele resultou a sua extinção ou se, a técnica adoptada pelo legislador permitiu a sua transmissão às empresas que lhes sucederam.

Impõe-se, assim, uma abordagem, ainda que perfunctória, do tema das nacionalizações[34].
2. Fenómeno emergente de opções fundamentais de cariz político, social e económico, com afinidades com outros tipos de intervenção do Estado – tais como a colectivização, a socialização, a estatização ou mesmo a expropriação e o confisco – a nacionalização é definida pela doutrina como «medida de carácter coactivo que opera a transferência de propriedade da empresa, participações sociais, universalidade de bens, prédios rústicos, urbanos ou ainda outros bens, da titularidade das pessoas privadas para entes públicos, por razões de política económica e social»[35].

No âmbito das “incumbências prioritárias” então atribuídas ao Estado, a nacionalização mereceu consagração na Constituição de 1976, dispondo o artigo 82º, nº 1, na redacção originária, que «a lei determinará os meios e as formas de intervenção e de nacionalização e socialização dos meios de produção, bem como os critérios de fixação das indemnizações»[36].

Conforme anotaram GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA[37], a norma tinha um alcance duplo: «em primeiro lugar, trata-se de autorização constitucional de intervenção estadual na vida económica e de nacionalização e socialização dos meios de produção dentro dos limites, quer positivos, quer negativos, que a própria Constituição refere (...). Em segundo lugar trata-se de uma obrigação constitucional de definição legal dos meios e formas de intervenção, nacionalização e socialização, bem como das indemnizações».

Definida pela Constituição a extensão e amplitude da nacionalização, cabia, pois, à lei (competência exclusiva da Assembleia da República, nos termos do artigo 167º, alínea q), da Constituição, ainda na sua redacção originária) a adopção dos meios e formas concretas de intervenção neste domínio.

Quanto ao objecto das nacionalizações levadas a cabo em Portugal no período que se seguiu a 25 de Abril de 1974, no que especificamente respeita a empresas, constata-se que tanto incidiu sobre a universalidade de bens, abrangendo o activo e o passivo, como, noutros casos, consistiu apenas na apropriação colectiva de acções ou de participações sociais.

A primeira modalidade suscita dúvidas e divergências doutrinárias em aspectos que particularmente relevam no âmbito do presente parecer, designadamente sobre se a transferência de bens, direitos e obrigações para o Estado constituiu uma forma de aquisição originária ou derivada, bem como sobre a extinção da personalidade jurídica da sociedade nacionalizada e sobre o estatuto jurídico da empresa nacionalizada.

2.1. Exemplificativamente, e quanto à primeira questão, CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA[38] toma partido pela tese de que a aquisição dos bens, móveis e imóveis, pela empresa pública ou nacionalizada é uma aquisição derivada e não originária invocando, como fundamento desta tese, o facto de a transferência de todo o património se operar em conjunto, com subsistência de todos os ónus e obrigações, o que não seria próprio de uma aquisição originária. Segundo o mesmo Autor esta transferência terá a natureza de uma «autêntica sucessão a título universal» e refere ainda que, relativamente à cessão das posições contratuais, não há lugar à aplicação das regras do Código Civil (artigos 424º e segs.), designadamente o acordo da outra parte, dada a natureza imperativa dos diplomas de nacionalização.

Também NUNO SÁ GOMES[39] defende a tese da aquisição derivada dos bens, direitos e posições tituladas pela sociedade extinta (que os perdeu) referindo que daí resultam «consequências jurídicas quanto a garantias, prazos de prescrição e de caducidade, excepções, etc.».

Já CABRAL DE MONCADA[40], tendo como quadro de referência o diploma de 1975, considera que, no caso das empresas públicas criadas pelo Estado e, particularmente, no caso das empresas oriundas de nacionalização, o património é «a universalidade dos bens de que era titular a sociedade privada e que o Estado atribuiu à empresa pública (...), fazendo dela o seu novo titular». E acrescenta que se trata de uma forma de aquisição originária «não havendo solução de continuidade entre a situação do património da empresa privada que foi nacionalizada e a da nova empresa pública para quem foi transferido aquele património», sendo «este o património que responde pelas dívidas da empresa e que ela livremente administra, como se fosse uma pessoa privada».

2.2. Outra questão controvertida consiste em saber se a sociedade nacionalizada se extingue com o acto de nacionalização e, associada a esta, qual o estatuto da empresa nacionalizada durante o período transitório que decorre entre o acto de nacionalização e o acto de criação de uma nova empresa pública.

A técnica adoptada no processo de nacionalização de empresas pode passar pela manutenção da personalidade jurídica da entidade sobre que incide (como acontece quando a nacionalização consiste apenas na participação no capital social da empresa), ou pode determinar a imediata e expressa extinção da sociedade nacionalizada com a concomitante constituição da empresa pública para a qual é transferido o património da primeira.

No entanto, na técnica mais frequentemente adoptada – e foi esse o caso das sociedades que nos ocupam – verificou-se uma dilação temporal entre o acto de nacionalização e a constituição da empresa pública resultante do processo de reestruturação. Durante esse período de tempo o património da sociedade nacionalizada, transferido para o Estado como património autónomo[41], ficou afecto à empresa nacionalizada para a qual foram igualmente transmitidas as respectivas posições jurídicas e contratuais que aquela detinha; com o acto de nacionalização foram também dissolvidos os órgãos sociais da entidade nacionalizada e constituída uma comissão administrativa encarregada da sua gestão.

Nestes casos, havendo geralmente silêncio da lei quanto à questão da manutenção ou da extinção da personalidade, entende-se que, transferido o seu património e privada de órgãos sociais, a sociedade nacionalizada fica impedida de prosseguir o seu objecto, devendo considerar-se liquidada e dissolvida, logo, juridicamente extinta, colocando-se, então, a questão da personalização da empresa nacionalizada que lhe sucede.

Ora, também o estatuto das “empresas nacionalizadas” não é isento de dúvidas, havendo Autores que lhes reconhecem e outros que lhes negam personalidade jurídica.

SIMÕES PATRÍCIO[42] considera que as empresas nacionalizadas não têm personalidade jurídica e que é através da afectação de um património autónomo que se sustenta «a cessão das posições contratuais e, mais latamente, a sucessão nas posições e (relações) jurídicas que a lei estatui.» A empresa nacionalizada dotada de uma «autonomia patrimonial meramente conservadora» funciona, segundo o Autor, como «forma jurídica de transição (solução de continuidade)».

Já segundo CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA[43], «dissolvidas e liquidadas as empresas privadas, surgem “ex novo” empresas públicas ou nacionalizadas», esclarecendo que o sistema adoptado pelo legislador foi «a criação, em substituição da empresa privada (que foi nacionalizada) de uma empresa (do sector público) chamada nacionalizada».

Também NUNO SÁ GOMES[44] defende que as “empresas nacionalizadas” são empresas de “regime jurídico transitório e de estrutura institucional” que foram depois transformadas em empresas públicas com estatutos orgânicos próprios.

3. No caso que nos ocupa, as disposições conjugadas do artigo 15º do Decreto-Lei 502/76 – diploma que criou a EDP, EP – e dos artigos 3º e 4º do diploma de nacionalização permitem-nos reconhecer a intenção e a técnica adoptada pelo legislador e, munidos dos conceitos e teses expostos, identificar a solução que consideramos adequada.

Ao preceituar, pelo referido artigo 15º, que, com a entrada em vigor do diploma que criou a EDP, se extinguiu a personalidade jurídica das sociedades nacionalizadas, entendeu o legislador que, durante o referido período transitório, se havia mantido a personalidade jurídica daquelas entidades. Tal disposição conjuga-se com aquelas outras que haviam determinado a integração ou a afectação dos patrimónios autónomos às empresas nacionalizadas e a assumpção por estas das posições jurídicas e contratuais detidas à data do início da eficácia da nacionalização.

Estas disposições revelam que o legislador quis que se mantivessem estruturas empresariais, não só dotadas de autonomia patrimonial, mas também de personalidade jurídica própria, através das quais passaram a ser tituladas todas as posições jurídicas e contratuais existentes e que viriam a ser transmitidas para a EDP aquando da sua criação.

Esta intenção do legislador, suficientemente revelada, não encontrou contudo na letra do artigo 15º, nº 1, do Decreto-Lei nº 502/76, a expressão mais adequada. Ao referir que, a partir da entrada em vigor deste diploma, se consideravam jurídicamente extintas «as sociedades nacionalizadas» o legislador pretenderia, mais propriamente, referir-se às empresas nacionalizadas.

Com esta interpretação correctiva, afigura-se-nos clara a opção do legislador e a solução jurídica a que conduz. Assim, durante o período temporal que decorreu entre a nacionalização das anteriores concessionárias e a criação da empresa pública EDP, mantiveram-
-se as empresas nacionalizadas com personalidade jurídica própria, distintas da pessoa colectiva Estado, que titularam todas as anteriores posições jurídicas, incluindo a posição de concessionária, as quais se transmitiram para a EDP, aquando da sua criação.


A EDP adquiriu assim, de forma derivada, o património e as posições jurídicas e contratuais que haviam sido tituladas pelas sociedades nacionalizadas, com todas as consequências relativamente a garantias, prazos, regime de afectação, etc., daí resultando, como corolário lógico, a não extinção das concessões que lhes haviam sido outorgadas.

De facto, o principal argumento invocado a favor da tese da extinção dos contratos de concessão consiste na ocorrência da confusão na mesma pessoa – Estado – das posições de concedente e concessionário; ora, tal hipótese não ocorreu nos casos a que nos reportamos, porquanto a posição de concessionária permaneceu na titularidade de entidades jurídicas distintas do Estado, embora sujeitas a uma gestão pública.

Vejamos.

4. Segundo NUNO SÁ GOMES[45], o contrato de concessão, enquanto contrato administrativo de direito público, não é susceptível de nacionalização e extingue-se com a nacionalização, embora o estabelecimento da concessão, “universalidade de bens susceptíveis de apropriação privada”, seja transmissível. O Autor funda esse entendimento, essencialmente, na circunstância de só serem nacionalizáveis os bens susceptíveis de propriedade privada ou de outros direitos reais de gozo, não o sendo, entre outros, os direitos públicos dos concessionários.

E argumenta que, ainda que esta posição contratual se transmitisse para o Estado sempre ocorreria a sua extinção ipso facto «por confusão, no Estado, das posições de sujeito activo e de sujeito passivo das situações jurídicas públicas inerentes ao contrato de concessão, pelo que não pode ser integrada no património autónomo da empresa nacionalizada». Nestes casos, a exploração dos serviços públicos e dos bens do domínio público pelas empresas nacionalizadas ou pelas empresas públicas deverá constar, segundo o Autor citado, dos respectivos estatutos ou de novo contrato de concessão, já que também as empresas nacionalizadas podem ser concessionárias de serviços públicos e da exploração do domínio público.

Também RUI MACHETE[46], reconhecendo embora a complexidade da questão, aceita a tese da extinção dos contratos de concessão por confusão na mesma pessoa – Estado – das duas posições contratuais.

5. A permanência das empresas nacionalizadas, dotadas de personalidade jurídica, até à criação da EDP, obsta a que se tenha verificado a “confusão” no Estado das posições de concedente e de concessionário; através do diploma que criou esta empresa e lhe atribuiu a exploração do serviço público de produção, distribuição e transporte de energia eléctrica, transitoriamente nas mesmas condições definidas nos anteriores cadernos de encargos, e transferindo para essa empresa os bens que lhes estavam afectos, operou-se, pois, a transmissão das anteriores concessões.

Tendo reconhecido a EDP, EP, como a única entidade que poderia, doravante, explorar aqueles serviços públicos - actividade que constituía o escopo da sua criação - o legislador remeteu, quanto ao modo e termos em que essa exploração teria lugar, no imediato, para os direitos e obrigações estabelecidos relativamente às diversas concessões antes outorgadas. Assim, a EDP prosseguiu a exploração daquele serviço público absorvendo o regime atinente a essas concessões, e regendo-se pelo disposto nos respectivos cadernos de encargos.

6. Outros elementos permitem concluir também que, embora o legislador o não tenha dito expressamente, o regime de exploração do serviço público que passou a estar a cargo da EDP não poderá deixar de ser o da concessão.

O artigo 5º, nº 1, alínea h), do Decreto-lei nº 260/76, de 8 de Abril (que continha as bases gerais das empresas públicas), referindo-se aos elementos que deviam constar, obrigatoriamente, dos estatutos destas empresas, incluiu «o regime de exploração, caso se trate de empresa que explore um serviço público ou exerça a sua actividade em regime de exclusivo». Ora, no artigo 4º dos Estatutos da EDP, EP, constavam as explorações compreendidas no serviço público atribuído à empresa (exploração do sistema produtor, da rede de transporte e interligação e das redes de distribuição de energia eléctrica que integram, em cada momento, a rede eléctrica nacional; exploração de aproveitamentos hidráulicos de fins múltiplos e de centrais térmicas clássicas ou nucleares destinadas também a fins diferentes dos da produção de energia eléctrica, nos casos aprovados pelo governo).

Por outro lado, a Lei nº 46/77, de 8 de Julho (Lei de Delimitação de Sectores) estabelecia, no artigo 7º, que «A exploração dos recursos do subsolo e dos outros recursos naturais que, nos termos constitucionais, são pertencentes ao Estado será sempre sujeita ao regime de concessão ou outro que não envolva a transmissão dos recursos a explorar, mesmo quando a exploração seja realizada por empresas dos sector público ou de economia mista».

A concessão constituía, pois, o modelo jurídico mais apropriado à exploração do domínio público ainda que por uma empresa pública.

Acresce que o Decreto-Lei nº 7/91, de 8 de Janeiro, que transformou a EDP em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos e aprovou os novos estatutos, dispunha que a empresa tinha por objecto «a produção, a aquisição, o transporte, a distribuição e a venda de energia eléctrica em Portugal, em conformidade com as licenças, concessões ou autorizações de que for titular (...)». Ora, nessa época, a actividade de produção era necessariamente titulada por concessão, pelo que tudo indica que o legislador considerava a EDP titular das concessões daquele serviço.

7. Ao atribuir à empresa pública criada a exploração das diversas actividades integradas no sector de energia eléctrica, em exclusivo e por tempo indeterminado, a norma contida no nº 3 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 502/76 tem um alcance mais amplo, e deve ser entendida no contexto da interdição dessas actividades ao sector privado e de uma opção de natureza política e económica assumida no auge do período das nacionalizações; terá sido o modelo de serviço público, em exclusivo, e através de uma empresa pública que, então, se quis “por tempo indeterminado” e que perduraria enquanto se mantivesse essa opção jurídico-económica. Tal não implica que, relativamente às diversas concessões anteriores, cujos direitos e obrigações já estabelecidos nos respectivos cadernos de encargos o legislador quis manter, tivessem deixado de ser aplicáveis as cláusulas que fixavam um prazo certo ou que estabeleciam o regime de reversão.

No novo quadro jurídico-económico de liberalização e concorrência não subsistem já aquelas razões. Contudo, por aplicação das cláusulas dos anteriores cadernos de encargos e por força de sucessivas normas de direito transitório, as antigas concessões mantêm-se até ao termo do prazo estabelecido, extinguindo-se então por caducidade, salvo verificação de outras causas de extinção, designadamente rescisão ou resgate.

Efectivamente, não obstante os diferentes modelos de exploração por que foi optando, em resultado de novas concepções adoptadas, o legislador teve sempre o cuidado de não perturbar as situações constituídas e, em sede de direito transitório, foi salvaguardando a continuidade dos títulos e as formas de exploração em curso. Assim, tanto o Decreto-Lei nº 99/91, como o Decreto-Lei nº 182/95, que introduziram novos sistemas de exploração da produção de energia eléctrica e a sujeitaram a mera licença (vinculada ou não vinculada), salvaguardaram, pelos artigos 28º e 66º, respectivamente, o regime e a utilização dos títulos obtidos ao abrigo de legislação anterior. Também no âmbito do regime especial de produção independente de energia eléctrica a partir de energias renováveis e de resíduos industriais, agrícolas e urbanos (e, em se tratando de aproveitamentos hidroeléctricos, desde que a potência instalada estivesse limitada a 10 MW[47]), sujeita inicialmente a mera autorização, foi, pelo artigo 27º do Decreto-Lei nº 189/88, de 27 de Maio, salvaguardada a validade das autorizações anteriormente emitidas.

Ora, também esta perduração no tempo daqueles regimes e títulos se compatibiliza e compreende melhor se se entender que as anteriores concessões se transmitiram para a EDP, enquanto empresa pública, permanecendo na titularidade das sociedades resultantes do processo de transformação da empresa, de acordo com as fórmulas utilizadas pelo legislador nos diplomas que o regularam.

V

1. Se assim é quanto ao regime de exploração, o mesmo acontece com a utilização do domínio público que lhe era inerente. De facto, as concessões originárias englobavam as vertentes de exploração e de utilização do domínio público – embora se utilizasse então a expressão uso ou aproveitamento das águas – numa lógica de inerência e de conexão.

Ora, o diploma que criou a EDP, E.P. previa, no artigo 6º, que esta empresa “administrasse” os bens do domínio público nos termos que viessem a ser estabelecidos no decreto a aprovar e que nunca chegou a ser editado; deste modo, por aplicação analógica do artigo 3º, nº 2, também nesta parte se deverá observar o regime das anteriores concessões e respectivos cadernos de encargos, daí resultando que a EDP manteve o direito à utilização do domínio público nos mesmos termos que as anteriores concessionárias.

Os contratos de concessão outorgados pelo Estado às primitivas concessionárias dos aproveitamentos que estão particularmente em causa neste parecer, compreendiam uma vertente de realização de obras públicas, a exploração do domínio público, em regime de serviço público e para fins de utilidade pública, e implicava a utilização privativa do domínio público. Tratava-se assim de concessão com objecto misto em que a realização de obras públicas surgia como uma fase prévia e necessária à exploração[48], e que tinha inerente a utilização privativa do domínio público.

2. Sobre a distinção entre as concessões de exploração do domínio público e de utilização privativa do domínio público, escreveu-se no parecer nº 144/2004, de 5 de Maio de 2005, deste Conselho[49]:

«Na concessão de exploração do domínio público, a Administração transfere para o particular a gestão e exploração, por sua conta e risco, de determinada parcela do domínio público, como se fosse a ela própria. Já na concessão de uso privativo do domínio público a Administração limita-se a facultar ao particular o uso e fruição de parcelas dominiais, para fins de interesse público ou de interesse prevalecentemente privado.»

Do mesmo modo, ANA RAQUEL GONÇALVES MONIZ[50] refere que, na concessão de exploração do domínio público, o concessionário assume os poderes da Administração concedente, sendo “responsável pela gestão e exploração dos bens dominiais”, enquanto que na concessão de uso privativo estamos perante um “modo de fruição de bens públicos” que não envolve a atribuição ao concessionário de quaisquer poderes jurídico-
-públicos.


Noutra perspectiva, o parecer nº 134/2001, de 16 de Janeiro de 2003, deste Conselho, aprofundou os critérios de distinção entre a concessão de exploração do domínio público e a concessão de utilização privativa do domínio público e abordou o tema da acessoriedade entre figuras concessórias, citando diversos Autores – MARCELLO CAETANO, FREITAS DO AMARAL ou PEDRO GONÇALVES – que aceitavam a concorrência de concessões de tipo diverso, exemplificando, geralmente, com a combinação das concessões de obras públicas e de exploração do domínio público.

Por outro lado, MÁRIO TAVARELA LOBO[51] dá conta (embora sem a subscrever) de “certa corrente doutrinária” que defende que «o direito administrativo moderno construiu um conceito unitário de concessão que compreende tanto a transferência para o particular da gestão de um serviço público, como o direito de uso exclusivo de um bem do domínio público (...)».

2.1. Os elementos expostos permitem-nos extrair para o presente parecer a ideia da admissibilidade de concessões com objecto misto. Por outro lado, os traços distintivos de duas figuras mais próximas – a concessão de exploração do domínio público e a concessão da utilização privativa do domínio público – põem em evidência a supremacia de poderes conferidos, no primeiro caso, ao concessionário.

Conforme refere MARCELLO CAETANO[52], nas concessões de exploração ou gestão de bens dominiais (que designa por “concessões propriamente ditas”) o objecto consiste na «exploração ou gestão de bens dominiais por alguém que toma o lugar da pessoa colectiva de direito público titular do domínio». Já nas concessões de uso privativo, ou de aproveitamento, «há uma entidade administrativa que gere os bens e deles permite a outrem que extraia certo uso privativo». E assim, «enquanto o titular da concessão de uso privativo (ou aproveitamento) é um mero utente, o titular da concessão de exploração do domínio é «um gestor, que se encarrega de proporcionar ao público o uso das coisas que lhe estão confiadas, de acordo com a natureza delas».

Nesta perspectiva, o direito de utilização compreende-se nos poderes mais amplos de gestão; fazendo parte dos poderes do “gestor” permitir o uso dos bens por terceiros, mal se compreenderia que ele próprio os não pudesse usar na medida necessária à prossecução da exploração a seu cargo.

Recorde-se, a este propósito, que o Decreto-Lei nº 502/76 atribuiu à EDP poderes de administração sobre os bens do domínio público necessários à prossecução das actividades cuja exploração lhe foi cometida, o que não poderá deixar de compreender também o direito de utilização desses bens.

Assim, também por esta via se conclui pela legitimidade da utilização dos bens do domínio público.
3. Conforme constatámos, a EDP e, mais tarde, as empresas do mesmo grupo para as quais foram transferidas as suas posições e relações jurídicas, têm vindo a proceder à exploração de bens do domínio público e à inerente utilização, na medida em que tal uso seja necessário àquele fim, nos termos estabelecidos nos cadernos de encargos referentes às concessões outorgadas às sociedades que foram nacionalizadas em 1975.

É certo que o artigo 65º do Decreto-Lei nº 182/95 previa a emissão de novos títulos a requerimento das entidades detentoras de títulos emitidos ao abrigo de legislação anterior. Contudo, para além desse mesmo dispositivo ressalvar a «continuação da actividade», o artigo 66º salvaguardava ainda, expressamente, a prossecução da actividade de produção de energia eléctrica com base nos títulos anteriores. Por outro lado, na parte referente às pequenas centrais hidroeléctricas também o artigo 37º da Portaria nº 295/2002 aludia à possibilidade de solicitação de novos títulos em substituição dos anteriores em termos que também revelam tratar-se de uma faculdade e não de uma imposição.

Cabe no entanto referir, desde já, que a norma transitória sobre títulos de utilização dos recursos hídricos do domínio público, constante do artigo 100º da actual Lei da Água (Lei nº 58/2005, de 29 de Dezembro, a que adiante faremos maior referência) veio determinar que «os títulos de utilização emitidos ao abrigo da legislação anterior mantêm-se em vigor nos termos em que foram emitidos, desde que os mesmos sejam levados ao conhecimento da respectiva ARH[53] no prazo de um ano e sem prejuízo da sujeição dos seus titulares às obrigações decorrentes da presente lei e dos actos legislativos que os complementem».

4. Não se nos afigurando ilegítima quer a exploração quer a utilização do domínio público que vem sendo desenvolvida, cabe agora enfrentar as questões que se suscitam com a extinção das concessões, pelo decurso do respectivo prazo ou por força de decisões unilaterais do concedente face a novos modelos de exploração e às exigências da liberalização dos mercados e da concorrência.

Nesta parte, haverá que distinguir a situação dos pequenos aproveitamentos, inseridos no SENV ou no regime de legislação específica, dos aproveitamentos inseridos no SEP.

Quanto aos primeiros, a extinção e o regime de reversão deverão obedecer às estipulações dos respectivos cadernos de encargos, em conformidade, aliás, com o estabelecido na Portaria nº 295/2002, nos termos de cujo artigo 30º, nº s 1 e 2, o estabelecimento da concessão, segundo a noção aí adoptada, sempre deveria reverter para o Estado.

Já quanto aos aproveitamentos integrados no SEP haverá que enfrentar as diversas questões suscitadas com a aplicação dos Decretos-
-Leis nº s 198/2003 e 153/2004.


Em qualquer dos casos, mas em especial neste último, suscitam-se questões relacionadas com a definição dos direitos de propriedade e posse dos bens afectos às concessões, bem como com as delimitações e respectivos regimes dominiais.
VI

Coloca-se, sobremaneira, a questão da eventual aquisição do direito de propriedade de bens afectos às concessões pela EDP.

Vejamos.

1. No que respeita ao ingresso no património da empresa pública, aquando da sua criação, dos patrimónios autónomos respeitantes às entidades nacionalizadas, bem como dos bens, direitos e obrigações a eles igualmente afectos, afigura-se-nos que, tratando-se de uma aquisição a título derivado, estes ingressaram com os mesmos ónus, limitações e regime que sobre eles incidia. Estando em causa bens afectos à concessão e sujeitos a reversão ou transferência para o concedente, no seu termo final, continuaram sujeitos a essa destinação[54].

E se dúvidas não se colocam quanto aos bens pertencentes ao domínio público do Estado – por natureza inapropriável, e que, nos termos constitucionais (artigo 84º) apenas podem constituir pertença de pessoas colectivas públicas de população e território – o mesmo acontece com outros bens que, ainda que pertencentes à concessionária, estavam por força das cláusulas contratuais sujeitos a essa reversão ou transferência, salvo eventual renúncia do concedente nas condições em que o pode fazer.
Escreveu-se no parecer nº 27/2004, de 13 de Janeiro de 2005, deste Conselho (após se dar conta de que o instituto da reversão é geralmente tratado pela doutrina e pela jurisprudência a propósito das expropriações e reconduzido ao conceito de “propriedade resolúvel”):

«(...) Em contrapartida, na reversão de bens pertencentes ao domínio público do Estado ou ao seu domínio privado indisponível não suscita contestação a afirmação de que não há qualquer relação com a defesa do princípio constitucional do respeito pela propriedade privada: não existiu originariamente qualquer direito de propriedade privada nem a aquisição derivada dos terrenos desafectados tem um carácter definitivo.
E, neste caso, a reversão não se mostra como o reverso de um processo de desapropriação de um particular.
Faz, porém, todo o sentido relacioná-la, por um lado, com a defesa do interesse público a que os bens estavam originariamente afectos e dos interesses visados prosseguir com a desafectação.»

2. Tratamento diverso poderão merecer os bens adquiridos pela concessionária que não estejam sujeitos a cláusula de reversão ou transferência. Estes constituem propriedade plena dessa entidade, que pode deles dispor. Recorde-se que, a legislação de 1995 (Decreto-Lei nº 183/95) previa a celebração de contratos de vinculação entre as entidades seleccionadas para a produção de energia eléctrica no âmbito do SEP e a concessionária da RNT; estes contratos compreendiam também a utilização do domínio público hídrico para instalação de aproveitamentos hidroeléctricos, cuja concessão se processava nos termos do Decreto-Lei nº 46/94 e exigia que a referida concessionária da RNT procedesse à aquisição do “sítio”, ou, no caso de se tratar de bens do domínio público ou privado do Estado, obtivesse a sua posse, podendo transferi-la para a entidade seleccionada.

É a caracterização e limites dos direitos sobre os bens que integram os “sítios” adquiridos pela concessionária da RNT que agora se questiona, na medida em que a autorização concedida àquela entidade, pelo Decreto-
-Lei nº 198/2003, para proceder à sua venda ou arrendamento, excepcionando apenas a parte que integra o domínio público, poderá contender com a concepção unitária dos bens afectos à concessão e contrariar a cláusula do contrato de concessão referente a reversão.


3. A doutrina tradicional apontava para a tese da universalidade pública[55] relativamente aos bens afectos à concessão; o “estabelecimento da concessão”, constituído pelos meios materiais e bens que lhe estavam afectos, era encarado como uma unidade de destino.

Conforme já referimos, a lei de bases de electrificação do país, aprovada em 1944 e desenvolvida por decreto em 1960, alargou o conceito de “rede eléctrica nacional” que passou a abranger, para além das redes propriamente ditas (de transporte, de distribuição, colectoras de energia produzida pelas centrais, etc.), também as instalações de serviço público destinadas à produção, transporte e distribuição de energia eléctrica, incluindo assim as centrais produtoras. A conjugação deste preceito com o dispositivo do diploma que criou o inventário geral do património do Estado e que integrou no domínio público as redes de distribuição pública de energia eléctrica (artigo 4º, alínea l), do Decreto-Lei nº 477/80) reforçou o entendimento do conjunto destes bens como universalidade pública, e a assimilação do conceito de estabelecimento da concessão referente ao serviço de produção de energia eléctrica ao domínio público do Estado.

MARCELLO CAETANO[56], a propósito do direito de propriedade do estabelecimento da concessão, nos casos em que foi o concessionário que o montou e que, de acordo com o estabelecido, deverá reverter para a Administração no termo da concessão, distingue duas hipóteses:

«a) o estabelecimento do serviço constitui uma universalidade que a lei considera do domínio público;
b) os bens que constituem o estabelecimento do serviço são coisas meramente particulares.
Na hipótese a) o estabelecimento do serviço passa, desde o momento da sua criação, a ser propriedade pública[57], de que, portanto, será titular a pessoa colectiva de direito público que houver concedido o serviço.
(...)
Na hipótese b) os bens são propriedade do concessionário enquanto durar a concessão. O concessionário apenas se obrigou para com o concedente a entregar-lhos gratuitamente se a concessão atingir o termo previsto. Trata-se, pois, da obrigação para o concessionário de fazer uma prestação de coisas ao concedente, se a concessão for mantida e as suas cláusulas observadas por este se e quando o respectivo prazo de duração expirar (obrigação condicional e a termo).»

MÁRIO TAVARELA LOBO[58] alude, especificamente, à concessão hídrica como um “todo indivisível” e uma propriedade imobiliária, evidenciando, quanto à sua natureza jurídica, o disposto no artigo 52 e § 1º da Lei de águas, então em vigor, ao preceituar que a concessão, com todas as suas dependências e acessórios, forma «um todo indivisível que não pode ser alienado ou obrigado, no todo ou em qualquer das suas partes, sem autorização do Governo (...)». E esclarece:

«Esse todo indivisível é representado pela totalidade dos bens que formam a concessão – imóveis e maquinismos, dependências e acessórios, presas e aquedutos.
A exigência da autorização governamental para a alienação ou oneração da concessão explica-se pelo facto de a mesma, considerada em relação ao conjunto dos bens que a formam, fazer parte do domínio público (...).»

4. Esta tese encontra-se hoje confrontada com novas concepções reflectidas nas recentes soluções legislativas.

O Decreto-Lei nº 29/2006, que contém as actuais bases gerais da organização e funcionamento do Serviço Eléctrico Nacional acolhe um novo conceito de Rede Eléctrica de Serviço Público (RESP), definido como «conjunto das instalações de serviço público destinadas ao transporte e distribuição de electricidade (...)», de que já não fazem parte as instalações destinadas à produção.

Não se pondo já a questão da inclusão das instalações destinadas à produção de energia eléctrica no conceito de rede eléctrica, que faz parte do domínio público, vejamos, seguindo PEDRO GONÇALVES[59], como o conceito de “estabelecimento da concessão” pode compreender diferentes categorias de bens e com diferentes regimes.

4.1. Refere o Autor, a propósito das concessões de exploração de serviço público, que a doutrina distingue geralmente três categorias de bens afectos à concessão: «bens de regresso, bens a transferir e bens próprios do concessionário», unidos numa «comunhão de destino».

Nesta perspectiva, surge o conceito de “estabelecimento da concessão”, englobando todos os meios materiais de que o concessionário se serve para gerir o serviço público, e no qual a Administração estará em princípio interessada, em nome da “continuidade do serviço público”, em caso de extinção da concessão ou de cessação da actividade. Contudo, a unidade ínsita à noção de estabelecimento não obsta a que existam importantes diferenças de regime nas categorias de bens que o integram.

Assim, pertencem ao concedente os bens que ele “incorpora na concessão”. Quer se trate de bens do domínio público quer do domínio privado do Estado o concessionário limita-se a adquirir sobre eles um direito de exploração ou de utilização mas não existe qualquer transferência de propriedade (o concessionário é, segundo o Autor que seguimos nesta parte, titular de um mero ius in re aliena).

Quanto aos bens que o concessionário utiliza na gestão do serviço e que não pertencem à Administração haverá que distinguir aqueles que, embora tenham sido por ele adquiridos ou construídos, se destinam a ser transferidos para a concedente no termo da concessão, daqueles que não têm esse destino. Quanto aos primeiros, a Administração é titular de um direito real in faciendo estando o concessionário obrigado a realizar a respectiva prestação positiva e sendo titular de um direito de propriedade temporário ou resolúvel; embora pertençam ao concessionário, esses bens integram um “património de destino especial” e, para além de este não poder dispor deles plenamente, está sujeito a algumas obrigações quanto à sua manutenção, conservação, não oneração, etc. Contudo, a transferência só se opera se tiver sido expressamente prevista; não havendo cláusula de transferência os bens continuam a pertencer ao concessionário após o termo da concessão.

Por fim, os bens do concessionário que não estão sujeitos a essa cláusula pertencem-lhe em propriedade plena embora, enquanto bens que integram o estabelecimento da concessão, devam ser mantidos em bom estado de conservação e manutenção.

Quanto à habitual cláusula de reversão (considerada como mera «transferência de posse», que não exigiria sequer cláusula expressa), entende o mesmo Autor que pretende significar que todos os bens afectos à gestão do serviço, ainda que de proprietários diferentes, devem continuar afectos a tal gestão, ou seja, que todos devem ser “transferidos para o concedente”, aqui se incluindo os bens do concedente, objecto de reversão propriamente dita, e os bens do concessionário sujeitos a transferência. E refere: «Nesse tratamento homogéneo e global do “estabelecimento da concessão” está em causa o “princípio da unidade de reversão”, que estabelece que todos os meios afectos à gestão do serviço devem passar para o novo gestor».

5. Destes ensinamentos retiram-se importantes consequências para a resolução das questões que vêm colocadas no que respeita ao direito de propriedade sobre os bens afectos aos centros produtores hidroeléctricos explorados pelas empresas do grupo EDP e às consequências desse regime no que concerne à reversão ou transferência para o concedente ou, no caso dos aproveitamentos integrados no SEP, quanto à possibilidade de transmissão para os actuais produtores em consequência da extinção dos contratos de aquisição de energia.

Conforme já referimos, no caso dos aproveitamentos expressamente identificados no pedido de parecer (Póvoa, Bruceira e Velada), que não estão integrados no SEP, haverá que, no termo do prazo da concessão, dar aplicação às cláusulas de reversão que constam dos respectivos cadernos de encargos e que identificam os bens que devem reverter para o Estado, nos termos também previstos na Portaria nº 295/2002.

Quanto aos centros produtores hidroeléctricos integrados no SEP haverá que ter em conta as diversas categorias de bens afectos à exploração. Assim, estarão sujeitos a reversão os bens que integram o domínio público ou o domínio privado do Estado, bem como os bens do concessionário sujeitos a eventual cláusula de reversão ou transferência. Continuarão a pertencer ao concessionário, que deles pode dispor livremente, os bens que lhe pertençam em regime de propriedade plena e que não tenham ficado sujeitos àquele regime. Contudo, face ao disposto no artigo 4º do Decreto-Lei nº 198/2003, que permite à concessionária da RNT «transmitir para os produtores os seus terrenos que constituem os sítios dos centros electroprodutores, conforme definido nos nº s 1 e 2 do artigo 2º, com excepção dos que integram o domínio público hídrico», esses terrenos terão deixado de estar sujeitos a eventual obrigação de reversão ou transferência para o Estado.

Tudo isto nos remete para os conceitos de domínio público e domínio privado do Estado e para o regime especificamente aplicável ao domínio hídrico, numa aproximação às duas questões finais que vêm colocadas, referentes à definição de “sítio de centro produtor hidroeléctrico” constante do artigo 2º do Decreto-Lei nº 198/2003 e sua eventual inconstitucionalidade e, bem assim, à eventual exigência de intervenção do Instituto da Água no procedimento de autorização de afectação de bens que integravam aqueles “sítios” a fins diversos, pelo novo titular.

VIII

1. O âmbito do domínio público[60] é definido pela seguinte disposição da Constituição, introduzida pela revisão de 1989:
«Artigo 84º
(Domínio público)
1. Pertencem ao domínio público:
a) As águas territoriais com os seus leitos e os fundos marinhos contíguos, bem como os lagos, lagoas e cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respectivos leitos;
b) As camadas aéreas superiores ao território acima do limite reconhecido ao proprietário ou superficiário;
c) Os jazigos minerais, as nascentes de águas mineromedicinais, as cavidades naturais subterrâneas existentes no subsolo, com excepção das rochas, terras comuns e outros materiais habitualmente usados na construção;
d) As estradas;
e) As linhas férreas nacionais;
f) Outros bens como tal classificados por lei.
2 - A lei define quais os bens que integram o domínio público do Estado, o domínio público das regiões autónomas e o domínio público das autarquias locais, bem como o seu regime, condições de utilização e limites.»

Segundo GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA[61], o conceito de domínio público recebido na Constituição pressupõe «um regime material decantado no espaço jurídico-administrativo e constitucional». Assim, a “liberdade conformadora” do legislador (através de lei da Assembleia da República ou de decreto-lei autorizado) deve respeitar determinadas «dimensões essenciais à definição do conceito» avultando entre elas «a inalienabilidade, a imprescritibilidade, a insusceptibilidade de servidões reais, a exclusão da posse privatística e a impossibilidade de serem objecto de execução forçada ou de expropriação por utilidade pública».

Referem os mesmos Autores que deverá também a lei definir as condições de utilização dos bens do domínio público, estabelecendo se os mesmos podem ser sujeitos:

«a) a um uso geral , consentido a todos os cidadãos em virtude de uma autorização implícita no próprio destino do bem a um uso público (...); b) a um uso particular, que pressupõe um acto de admissão eventualmente sujeito ao pagamento de um preço; c) a um uso especial, que pressupõe um acto autorizativo valorativo, praticado pelas autoridades competentes, quanto aos requisitos subjectivos e objectivos exigidos por lei em relação a tal uso (...); d) um uso excepcional, que, em regra, pressupõe um acto de concessão através do qual o bem é subtraído ao uso geral para se atribuir a um gozo exclusivo de determinados sujeitos (...).»

Não sendo exaustiva a enumeração constante do nº 1 do preceito constitucional, importa ainda conhecer o que, a esse propósito, se dispõe na lei, designadamente no diploma que criou o inventário geral do património do Estado (Decreto-Lei nº 477/80, de 15 de Outubro) que compreende o domínio público, o domínio privado e o domínio financeiro, definidos respectivamente nos artigos 4º, 5º e 6º[62].

Nos termos do artigo 4º, integram o domínio público do Estado, na parte que aqui releva:

«a) As águas territoriais como seus leitos, as águas marítimas interiores com os seus leitos e margens e a plataforma continental;
b)
Os lagos, lagoas e cursos de água navegáveis ou flutuáveis com os respectivos leitos e margens e, bem assim, os que por lei forem reconhecidos como aproveitáveis para produção de energia eléctrica ou para irrigação;
c) Outros bens do domínio público hídrico referidos no Decreto nº 5787-4I, de 10 de Maio de 1919[63], e no Decreto-Lei nº 468/71, de 5 de Novembro[64]; e, nos termos da parte final da alínea l), as redes de distribuição pública de energia eléctrica;
d) As valas abertas pelo Estado e as barragens de utilidade pública;
e) (...);
f) As camadas aéreas superiores aos terrenos e às águas do domínio público (...);
g) a j) (...);
l) As linhas telegráficas e telefónicas, os cabos submarinos e as obras, canalizações e redes de distribuição pública de energia eléctrica.
m) a p) (...)»

Numa acepção objectiva, o “domínio público” é definido por JOSÉ PEDRO FERNANDES[65] como «conjunto das coisas que, pertencendo a uma pessoa colectiva de população e território, são submetidas por lei, dado o fim de utilidade pública a que se encontram afectadas, a um regime jurídico especial caracterizado fundamentalmente pela incomerciabilidade em ordem a preservar a produção dessa utilidade pública».

Quanto ao domínio privado do Estado – integrado, segundo o mesmo Autor, pelos «bens que, por não se encontrarem integrados no domínio público, estão, em princípio, sujeitos ao regime de propriedade civil e, consequentemente, submetidos ao comércio jurídico correspondente» – há a distinguir os bens do domínio privado disponível e os bens do domínio privado indisponível.

Conforme se referiu em anteriores pareceres deste Conselho[66]:

«Os bens do domínio privado indisponível encontram-se afectos à realização de fins de utilidade pública, abrangendo, em geral, os bens indispensáveis ao funcionamento dos serviços públicos, nomeadamente as dependências onde eles se encontram instalados (por ex., os prédios onde funcionam); são bens que, apesar de não terem sido definidos pela lei como bens do domínio público, assumem, no entanto, um carácter indispensável ao funcionamento da Administração e da prossecução dos interesses que ela visa prosseguir. Estão, por isso, sujeitos a um regime que os aproxima dos bens do domínio público.
Os bens do domínio privado disponível são os que não se encontram especialmente afectos à satisfação de qualquer necessidade pública específica ou, por outras palavras, «bens que estejam aplicados a fins meramente financeiros».
(...)
«Segundo esclarece MARCELLO CAETANO, com a indisponibilidade não se pretende conferir aos bens a condição jurídica de inalienáveis em virtude da sua própria utilidade pública, como no domínio público: pretende-se tão-somente evitar que sejam desviados da afectação ao fim de utilidade pública, exterior aos bens, que eles são chamados a servir.
Por sua vez, a disponibilidade “não significa necessariamente uma sujeição total ao Direito privado, sem quaisquer condicionamentos impostos pelas leis administrativas: significa, sim, que não havendo afectação a nenhum fim de utilidade pública os bens podem ser alienados ou onerados pela Administração, ainda que tão-somente pelas formas prescritas na lei administrativa” (...)».

2. No domínio público natural inserem-se diversas categorias de bens relevando, no âmbito deste parecer, os bens do domínio público hídrico[67].

Até data recente, o regime jurídico dos terrenos incluídos no domínio público hídrico estava consagrado no Decreto-Lei nº 468/71, de 5 de Novembro[68], abrangendo, nos termos do artigo 1º, «Os leitos das águas do mar, correntes de água, lagos e lagoas, bem como as respectivas margens e zonas adjacentes», segundo as definições que constavam dos artigos seguintes. Mas, conforme se refere no preâmbulo do diploma, este não continha o regime das águas públicas, cingindo-se apenas aos terrenos públicos conexos com aquelas águas.

No capítulo sobre “Usos privativos”, dispunha-se que «Com o consentimento das entidades competentes, podem «parcelas determinadas dos terrenos públicos ser destinadas a usos privativos»; tal uso privativo era atribuído mediante licença ou concessão, sendo objecto de contrato administrativo de concessão os usos privativos que exigissem a realização de investimentos em instalações fixas e indesmontáveis e que fossem considerados de utilidade pública; eram objecto de licença precária, salvo determinadas excepções, os demais usos privativos[69]. Entre os usos privativos de utilidade pública, e sem prejuízo de outros como tais declarados pelo Conselho de Ministros, incluíam-se, nos termos do artigo 19º, a) o «aproveitamento de águas públicas por pessoas colectivas de direito público ou de utilidade pública administrativa e por empresas de interesse público».

O conteúdo do direito de uso privativo compreendia o direito de utilização exclusiva de parcelas dominiais, para os fins e com os limites consignados no respectivo título constitutivo e, quando a utilização envolvesse a realização de obras ou alterações, abrangia também os poderes de construção, transformação ou extracção. As construções efectuadas e as instalações desmontáveis mantinham-se na propriedade do titular da licença ou da concessão até expirar o respectivo prazo; expirado este, as instalações desmontáveis deveriam ser removidas do local e, no caso de concessão, as obras executadas e as instalações fixas reverteriam gratuitamente para o Estado.

Cabe ainda referir que, nos termos do artigo 23º, nº 1, «os terrenos dominiais que tivessem sido objecto de licença ou concessão de uso privativo, e bem assim, as obras neles executadas, não podem, sem autorização da entidade competente, ser utilizados para fim diferente do que expressamente estiver fixado no título constitutivo».

Entretanto, o Decreto-Lei nº 46/94, de 22 de Fevereiro, estabeleceu o regime de licenciamento da utilização do domínio público, sob jurisdição do Instituto da Água (INAG), cujas disposições são invocadas na solicitação deste parecer.

No âmbito de aplicação do diploma incluíam-se «os terrenos das faixas da costa e demais águas sujeitas à influência das marés (...), as correntes de água, lagos e lagoas, com seus leitos, margens e zonas adjacentes, nos termos do Decreto-Lei nº 468/71, de 5 de Novembro, com o respectivo subsolo e espaço aéreo correspondente, bem como as águas subterrâneas». Entre as utilizações sujeitas a título de aquisição incluíam-se, entre outras, a captação de águas, as infra-estruturas hidráulicas ou as construções.

Quanto à forma de utilização, previa-se a licença – atribuída a título precário pelo prazo máximo de 10 ou 35 anos, consoante os usos – e a concessão, sendo o respectivo contrato outorgado pelo Ministro do Ambiente e Recursos Naturais, pelo prazo máximo de 75 anos, conferindo ao concessionário, além do mais, «a utilização exclusiva, para os fins e com os limites consignados no respectivo contrato, dos bens objecto da concessão».

3. Contudo, a legislação anteriormente referida – quer o Decreto-Lei nº 468/71, quer o Decreto-Lei nº 46/94 – encontram-se revogados pela edição, no ano de 2005, de nova legislação, subsistindo contudo a aplicabilidade dos capítulos III e IV do primeiro diploma (respeitantes a “Usos privativos” e “Disposições finais e transitórias”) e todo o normativo do segundo até à entrada em vigor da necessária regulamentação da actual Lei da Água.

O novo complexo normativo consta da Lei nº 58/2005, de 29 de Dezembro (Lei da Água) e da Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro (sobre titularidade dos recursos hídricos).

Através da primeira lei foi transposta para a ordem jurídica interna a Directiva nº 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro, e foram consagradas as bases e o quadro institucional para a gestão sustentável das águas.

O âmbito de aplicação material do diploma respeita à totalidade dos recursos hídricos – águas superficiais, designadamente interiores, costeiras e subterrâneas, qualquer que seja o regime jurídico, e além das águas, os respectivos leitos, margens, zonas adjacentes, zonas de infiltração máxima e zonas protegidas, segundo as respectivas noções constantes do artigo 4º.

O artigo 7º, dedicado aos órgãos da Administração Pública que exercem competências neste domínio, evidencia, ao nível nacional, o Instituto Nacional da Água (INAG), qualificado como autoridade nacional da água, ao qual cabe representar o Estado como garante da política nacional das águas; ao nível das regiões hidrográficas cabe às respectivas administrações prosseguir as atribuições de gestão das água, incluindo o planeamento, licenciamento e fiscalização.

O núcleo de competências atribuídas ao INAG é genericamente definidas pelo artigo 8º, nos seguintes termos: «Assegurar a nível nacional a gestão das águas e garantir a consecução dos objectivos da presente lei, além de garantir a representação internacional do Estado neste domínio».

No elenco, exemplificativo, das competências em que tal núcleo se desdobra, incluem-se entre outras: a elaboração do plano nacional da água e a aprovação dos planos específicos de gestão de águas e dos planos de gestão de bacia hidrográfica; a promoção do ordenamento adequado do uso das águas, através da elaboração dos planos de ordenamento de albufeiras e águas públicas, dos estuários e da orla costeira; funções de monitorização a nível nacional, com a coordenação técnica de procedimentos e metodologias; a promoção e a avaliação de projectos de infra-estruturas hidráulicas de âmbito nacional ou que abranjam mais do que uma região hidrográfica; a inventariação de infra-estruturas hidráulicas qualificáveis como empreendimentos de fins múltiplos e a proposta de modelo de financiamento e gestão; a instituição e a manutenção de um sistema nacional de informação dos títulos de utilização dos recursos hídricos; a inventariação e a manutenção do registo do domínio público hídrico[70].

O Capítulo V, referente à “Utilização dos recursos hídricos”, enuncia, no artigo 56º, o princípio da necessidade de título de utilização, segundo o qual as actividades que tenham um impacte significativo no estado das águas só podem ser desenvolvidas ao abrigo de título de utilização emitido nos termos desta lei e de decreto-lei complementar.

O direito de utilização privativa de domínio público só pode ser atribuído por licença ou por concessão. Nos termos do artigo 60º, estão sujeitas a licença prévia, entre outras utilizações privativas, a captação das águas, a ocupação temporária para construção ou alteração de infra-
-estruturas hidráulicas, e a implantação dessas infra-estruturas; nos termos do artigo 61º, estão sujeitas a concessão, entre outras, a captação de água para produção de energia e a implantação de infra-estruturas hidráulicas destinadas a esse fim.


Também a utilização de recursos hídricos particulares está sujeita a autorização prévia quando, incidindo sobre leitos, margens e águas particulares, respeite, designadamente, a captação de águas, a implantação de infra-estruturas hidráulicas ou a realização de construções.

O regime das licenças, estabelecido no artigo 67º, fixa em dez anos o prazo máximo de atribuição. Quanto ao regime das concessões, estabelecido no artigo 68º, confere ao seu titular, além do mais, «o direito de utilização exclusiva, para os fins e com os limites estabelecidos no respectivo contrato dos bens objecto de concessão»; o limite máximo do prazo de utilização do domínio público hídrico é de 75 anos, sendo devida uma taxa por tal utilização. Findo o prazo fixado, no caso de concessão, «as obras executadas e as instalações construídas no estrito âmbito da concessão de utilização de recursos hídricos revertem gratuitamente para o Estado» e, no caso de licença, «as instalações desmontáveis são removidas e as instalações fixas são demolidas, salvo se a administração optar pela reversão a título gratuito».

Dispõe o artigo 100º, com a epígrafe “Disposição transitória sobre títulos de utilização”:

«Artigo 100º
Disposição transitória sobre títulos de utilização
1 – Os títulos de utilização emitidos ao abrigo da legislação anterior mantêm-se em vigor nos termos em que foram emitidos desde que os mesmos sejam levados ao conhecimento da respectiva ARH no prazo de um ano e sem prejuízo da sujeição dos seus titulares às obrigações decorrentes da presente lei e dos actos legislativos que os complementem.
2 – (...).
3 – (...).
4 - O Governo promove, através das normas que vierem a regular o regime de utilização, nos termos do nº 2 do artigo 102º, as condições necessárias para a progressiva adaptação de títulos referidas nos números anteriores e para a regularização de todas as utilizações não tituladas de recursos hídricos existentes nesta data que se revelem compatíveis com a aplicação desta lei e das normas nela previstas, fixando, designadamente, o prazo e as condições dessa regularização e, bem assim, a possibilidade de isenção total ou parcial de coima pela utilização não titulada anterior à data da publicação desta lei, no caso de a regularização se dever a iniciativa do interessado.»

3.1. Uma última referência ao actual regime de utilização dos recursos hídricos, estabelecido pela Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro, em cujo âmbito material de aplicação se compreendem as águas, leitos e margens, zonas adjacentes, zonas de infiltração máxima e zonas protegidas. Em função da titularidade, os recursos hídricos compreendem os recursos dominiais ou pertencentes ao domínio público, e os recursos patrimoniais, pertencentes a entidades públicas ou particulares; por seu turno, o domínio público hídrico compreende, nos termos do artigo 2º, o domínio público marítimo, o domínio público lacustre e fluvial e o domínio público das restantes águas, e pode pertencer ao Estado, às Regiões Autónomas, aos municípios e às freguesias.

Dispõe o artigo 5º, relativamente ao “Domínio público lacustre e fluvial”:

«Artigo 5º
Domínio público lacustre e fluvial
O domínio público lacustre e fluvial compreende:
a) Cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respectivos leitos, e ainda as margens pertencentes a entes públicos;
b) Lagos e lagoas navegáveis ou flutuáveis, com os respectivos leitos, e ainda as margens pertencentes a entes públicos;
c) Cursos de água não navegáveis nem flutuáveis, com os respectivos leitos e margens, desde que localizados em terrenos públicos, ou os que por lei sejam reconhecidos como aproveitáveis para fins de utilidade pública, como a produção de energia eléctrica, irrigação, ou canalização de água para consumo público;
d) Canais e valas navegáveis ou flutuáveis, ou abertos por entes públicos, e as respectivas águas;
e) Albufeiras criadas para fins de utilidade pública, nomeadamente produção de energia eléctrica ou irrigação, com os respectivos leitos;
f) Lagos e lagoas não navegáveis ou flutuáveis, com os respectivos leitos e margens, formados pela natureza em terrenos públicos;
g) Lagos e lagoas circundados por diferentes prédios particulares ou existentes dentro de um prédio particular, quando tais lagos e lagoas sejam alimentados por corrente pública;
h) Cursos de água não navegáveis nem flutuáveis nascidos em prédios privados, logo que transponham abandonados os limites dos terrenos ou prédios onde nasceram ou para onde foram conduzidos pelo seu dono, se no final forem lançar-se no mar ou em outras águas públicas.»

O artigo 18º, nº 1, estabelece o princípio de que «Todos os recursos hídricos que não pertencerem ao domínio público podem ser objecto do comércio jurídico privado e são regulados pela lei civil, designando-se como águas ou recursos hídricos patrimoniais», podendo pertencer a entes públicos ou privados.

A delimitação dos leitos e margens dominiais confinantes com terrenos de outra natureza compete ao Estado, oficiosamente, ou a requerimento dos interessados. Por seu turno, compete ao Estado, através do INAG, a organização e manutenção do registo das águas do domínio público, bem como das margens dominiais e zonas adjacentes.

4. Confrontando as noções de bens do domínio público hídrico consagradas, quer na Constituição, quer nos diversos e sucessivos diplomas legislativos que foram sendo editados, e que se transcreveram, com a noção de “sítio de centro produtor hidroeléctrico” constante do artigo 2º do Decreto-Lei nº 198/2003, relativamente ao qual vêm colocadas dúvidas sobre a sua constitucionalidade – por se entender que se pretendeu consagrar uma nova definição de bens do domínio público, matéria inserida na esfera de competência relativa da Assembleia da República, nos termos do artigo 168º, nº 1, alínea z), da Constituição, através de um decreto-lei não autorizado – verifica-se que existe uma zona de intersecção coexistindo outros elementos não coincidentes.

Recorde-se que o citado preceito considera que o «sítio de um centro produtor hidroeléctrico é constituído pelos terrenos a ele afectos, designadamente»:

«a) Os terrenos da albufeira situados abaixo da cota de expropriação;
b) Os terrenos onde se encontram implantadas a barragem, a central, os descarregadores, o posto de corte e seccionamento, a subestação e o edifício de comando;
c) Os terrenos adquiridos para a realização de obras subterrâneas, designadamente galerias de acesso, túneis, poços, condutas, chaminés e cavernas;
d) Os terrenos onde se encontram implantados elementos de obra a céu aberto, nomeadamente canais, condutas forçadas, estruturas de tomada e restituição de água, chaminés de equilíbrio e seus acessos;
e) Os terrenos onde se encontram implantadas obras complementares, tais como açudes, túneis e canais de derivação;
f) Os terrenos que constituem a zona de protecção ao aproveitamento, de acordo com a legislação aplicável.»

Nesta definição, os elementos constantes da alínea a), e da primeira parte da alínea b) – segmento referente aos terrenos onde se encontra implantada a barragem – são elementos que integram directamente a noção de bens do domínio público, com referência ao artigo 4º do Decreto-Lei nº 477/80 e ao artigo 5º da Lei nº 54/2005, que actualmente dispõe sobre a matéria. Já os demais elementos poderão não integrar o elenco legal ou constitucional dos bens do domínio público, salvo na medida em que se insiram nos conceitos de leitos ou margens, definidos nos artigos 10º e 11º daquele último diploma legal, ou em situações expressamente previstas, tais como as áreas abrangidas pelo avanço das águas com corrosão dos terrenos (nos termos do artigo 14º, nº 1); nestas hipóteses impõe-se uma prévia delimitação nos termos estabelecidos no artigo 17º do mesmo diploma legal. Refira-se que conclusão similar se extraía na vigência dos capítulos I e II do Decreto-Lei nº 468/71.

A conexão funcional de determinada parcela com a exploração, constituindo sempre condição de integração no conceito de “sítio de centro electroprodutor” não permite já, só por si, reconduzir também essas parcelas à noção de domínio público hídrico.

Recorde-se que a utilização da expressão “sítio”, com referência ao local de implantação de um centro electroprodutor e abrangendo áreas não incluídas no domínio público, não surgiu pela primeira vez no diploma de 2003. De facto, já em 1995, o regime estabelecido para a obtenção de licença pelos produtores vinculados, no âmbito do SEP, passava pela prévia aquisição dos “sítios” pela concessionária da RNT à qual seria concessionada a utilização do domínio público e que, seguidamente, o subconcessionaria àqueles produtores. Já então se considerava, pois, que na noção de “sítio” se integravam parcelas susceptíveis de aquisição em regime de propriedade privada.

O legislador limitou-se a definir os limites físicos implicados nesse conceito, delimitando o local abrangido pela exploração ou aproveitamento de recursos naturais, sem que tenha pretendido estabelecer uma nova noção de bens do domínio público. Pretendeu-se, antes, elencar os terrenos que compõem essa unidade funcional para que, a partir daí, se possam distinguir aqueles que, pertencendo ao domínio público segundo as respectivas noções constitucional e legal, não poderão ser objecto de aquisição ou transmissão em sede de propriedade privada, daqueles outros que, não integrando o domínio público poderão ser transmitidos aos actuais produtores.

Não se verifica, pois, em nosso entender a aludida inconstitucionalidade.

5. Por outro lado, relativamente à norma do Decreto-Lei nº 153/2004 (artigo 6º) que condiciona a alteração da afectação dos bens objecto de transmissão a uma autorização a conferir pelo Ministro da Economia, precedida de parecer da Direcção-Geral de Geologia e Energia e da entidade concessionária da RNT, ouvida a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, omitindo qualquer referência ao Instituto da Água – o que, de acordo com a exposição que acompanhou o pedido de parecer «põe em causa a competência conferida àquele Instituto para definir as prioridades de utilização da água, segundo o artigo 18º do Decreto-Lei nº 46/94» – cabe referir que este preceito contém uma orientação sobre a ordem de prioridades para utilização da água a observar em caso de «se verificarem pedidos de utilização do domínio hídrico conflituosos». Para além de não fazer qualquer referência ao INAG como entidade com competências decisórias na matéria, sucede que este diploma foi, entretanto, objecto de revogação pela actual Lei da Água que, no elenco de competências atribuídas ao INAG não inclui a referida matéria.

Acresce que a questão vem colocada no pressuposto de que haverá uma desafectação no âmbito do domínio público hídrico, pressuposto que não acompanhamos já que é nosso entendimento, conforme atrás expusemos que, no campo de aplicação material da norma do artigo 6º do Decreto-Lei nº 153/2004 não está abrangido o domínio público.

Deste modo, reconhecendo-se o relevante papel que, em matéria de recursos hídricos cabe ao INAG, não se nos afigura que, através da referida omissão de intervenção desse Instituto, tenha sido cometida violação das respectivas normas de competência.

VIII

Termos em que se extraem as seguintes conclusões:

1ª – A nacionalização de sociedades concessionárias da exploração das diversas actividades inseridas no sector de energia eléctrica, pelo Decreto-Lei nº 205-G/75, de 16 de Abril, determinou a transferência para o Estado dos respectivos patrimónios e do complexo de direitos e obrigações de que eram titulares, tendo-lhes sucedido empresas nacionalizadas, dotadas de personalidade jurídica própria, que se mantiveram até à criação da empresa pública Electricidade de Portugal – EDP, à qual foi atribuída, em exclusivo e por tempo indeterminado, a exploração do serviço público de produção, distribuição e transporte de energia eléctrica;

2ª – Nos termos do artigo 5º do Decreto-Lei nº 502/76, de 30 de Junho, que criou a EDP, esta empresa recebeu os patrimónios e assumiu, nos mesmos termos e com o mesmo conteúdo, as posições jurídicas e contratuais tituladas pelas sociedades nacionalizadas – entre as quais a Hidro-Eléctrica do Alto Alentejo, SARL, que explorava os aproveitamentos de Póvoa, Bruceira e Velada – designadamente as concessões que lhes haviam sido outorgadas, tal como resulta do artigo 3º, nº 2, daquele diploma legal;

3ª – Deste modo, a EDP, EP, bem como as empresas que resultaram da reformulação do seu universo empresarial – para as quais foram transmitidas «sem alteração das garantias» todas as posições jurídicas tituladas pela primeira, nos termos do Decreto-Lei nº 132/94, de 19 de Maio – continuaram a exploração daqueles aproveitamentos segundo o regime que havia sido definido para as sociedades nacionalizadas;
4ª – A utilização do domínio público pelas entidades referidas na conclusão anterior baseou-se, igualmente, nas cláusulas referentes às mesmas concessões, cujo objecto compreendia a realização de obras públicas, a exploração do domínio público e a utilização privativa de bens do domínio público;

5ª – Os diplomas legais que, posteriormente, regularam o serviço público de produção, distribuição e transporte de energia eléctrica, designadamente o Decreto-Lei nº 99/91, de 2 de Março, e os Decretos-Leis nº s 182 a 189/95, todos de 27 de Julho, estabeleceram novos procedimentos de licenciamento e concessão das diversas actividades, mas salvaguardaram as situações anteriores e permitiram a continuação da actividade nas condições estabelecidas nos respectivos títulos;

6ª – No entanto, no que respeita aos títulos de utilização de recursos hídricos do domínio público, o artigo 100º da Lei nº 58/2005, de 29 de Dezembro (actual Lei da Água), impõe a regularização das situações não tituladas e, relativamente aos títulos obtidos ao abrigo de legislação anterior exige, como condição de manutenção da sua validade, que sejam levados ao conhecimento das administrações das regiões hidrográficas no prazo de um ano;

7ª – Mantêm-se as concessões de exploração dos aproveitamentos de Póvoa, Bruceira e Velada, nos termos definidos nos respectivos cadernos de encargos, designadamente quanto a prazos e condições de reversão para o Estado dos bens afectos à concessão;

8ª – Na sequência da reorganização do Sistema Eléctrico Nacional, pelos diplomas legais referidos na conclusão 5ª, foram criados dois sectores de actividade – o Sistema Eléctrico de Serviço Público (SEP) e o Sistema Eléctrico Independente (SEI), compreendendo este o Sistema Eléctrico Não Vinculado (SENV);

9ª – Aos aproveitamentos hidroeléctricos referidos na conclusão 2ª, integrados no SENV e qualificados como “pequenos aproveitamentos hidroeléctricos”, aplica-se, no que respeita à reversão, a norma transitória constante do artigo 30º da Portaria nº 295/2002, de 19 de Março, que determina igualmente a reversão do “estabelecimento da concessão” para o Estado, nos termos estipulados nos respectivos cadernos de encargos;

10ª – O Decreto-Lei nº 198/2003, de 2 de Setembro, que, na sequência da extinção dos contratos de aquisição de energia em vigor no âmbito do Sistema Eléctrico de Serviço Público, permite a transmissão do direito de propriedade para os actuais produtores relativamente a terrenos que integram os “sítios dos centros electroprodutores”, que não façam parte do domínio público, aplica-se apenas no âmbito daquele sector de actividade vinculada;

11ª – A definição de “sítio de centro electroprodutor”, constante do artigo 2º, do mesmo diploma legal, visa a delimitação física dos terrenos compreendidos naquela unidade económico-‑funcional, independentemente de pertencerem ou não ao domínio público hídrico, nos termos das disposições constitucionais e legais;

12ª – Não estabelecendo uma nova definição, delimitação ou regime do domínio público, aquela norma não enferma de inconstitucionalidade por violação da reserva de competência legislativa da Assembleia da República;

13ª – Não viola o disposto no artigo 48º do Decreto-Lei nº 48/94, de 22 de Fevereiro, nem as normas de competência do Instituto Nacional da Água, a não intervenção daquele Instituto no procedimento de autorização previsto no artigo 6º do Decreto-Lei nº 153/2004, de 30 de Junho, para afectação a novas finalidades dos terrenos transmitidos aos actuais produtores nos termos da conclusão 10ª.





[1] Ofício de 21 de Dezembro de 2005, com a referência MAOTDR/6966/2005/7627, procº 06.57.
[2] As dúvidas a que alude o ponto 4.1. referem-se à eventual invasão da esfera de competência legislativa da Assembleia da República em matéria de definição do domínio público, pelo Decreto-Lei nº 198/2003 (sem autorização daquele órgão legislativo), na parte que define “sítio de centro produtor hidroeléctrico”, bem como à eventual contradição que resulta entre essa definição e o regime jurídico dos bens do domínio público hídrico, estabelecido nos Decretos-Leis nº 468/71, de 5 de Novembro, e nº 46/94, de 22 de Fevereiro, então em vigor.
[3] Sobre o sistema eléctrico nacional cfr. os pareceres deste Conselho: nº 8/92, de 12 de Fevereiro de 1993; nº 32/99, de 13 de Julho de 2000, publicado no Diário da República, II Série, de 9 de Maio de 2002; nº 31/2005, de 30 de Junho de 2005, publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Novembro de 2005; nº 66/2005, de 30 de Junho de 2005, publicado no Diário da República, II Série, de 31 de Agosto de 2005. Na doutrina: PEDRO GONÇALVES e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, As Concessões Municipais de Distribuição de Electricidade, Coimbra Editora, 2001; RUI MACHETE, “O Domínio Público e a Rede Eléctrica Nacional”, in Estudos de Direito Público, Coimbra Editora, 2004, página 251 e seguintes; RUI MACHETE, “Procedimento de Autorização dos Pequenos Aproveitamentos Hidroeléctricos e Inconstitucionalidade da Reserva Ecológica Nacional (REN), in Estudos de Direito Público, Coimbra Editora, 2004, página 251 e seguintes; MIGUEL ÂNGELO CRESPO; “Formas de Extinção dos Contratos de Concessão de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa Tensão”, Estudos de Regulação Pública - I, Coimbra Editora, 2004, página 627 e seguintes.
[4] O artigo 65º determinava quanto às entidades integradas no SEP e no SENV que, «sem prejuízo de poderem continuar a exercer a sua actividade», a DGE devia proceder à emissão das respectivas licenças (que o artigo 53º classificava nas categorias de licença de produção de energia eléctrica e de distribuição em Média Tensão, Alta Tensão e em Baixa Tensão); para o efeito deviam aquelas entidades solicitar a sua emissão juntando os respectivos contratos de vinculação celebrados com a entidade concessionária da Rede Nacional de Transporte de Energia Eléctrica (RNT).
[5] Mencionava-se nesse prospecto que o activo imobilizado da empresa afecto a concessões e licenças reverteria, em caso de cessação, a favor do Estado ou dos municípios concedentes.
[6] São as seguintes as conclusões do primeiro parecer solicitado pelo INAG:
«I - É necessário que o INAG celebre com a REN, SA, contratos de concessão da utilização de bens do domínio público hídrico no que se refere aos aproveitamentos hidroeléctricos enunciados no Decreto-Lei n.º 198/2003, de 2 de Setembro;
II - Em relação aos aproveitamentos já titulados por contrato de concessão, importa apurar, previamente à celebração de novo contrato, se a execução do anterior ainda decorre e, em caso afirmativo, quais as cláusulas que se pretendem ver alteradas e em que sentido;
III - Em relação a todos os aproveitamentos é imprescindível delimitar o próprio domínio público hídrico, para, por um lado, estabelecer com rigor o objecto da concessão e, por outro lado, não permitir que se proceda a venda de património do domínio público do Estado, negócio jurídico inválido e ferido de nulidade;
IV - Não sendo possível identificar os bens do domínio público hídrico com os elementos factuais disponíveis, designadamente através da análise dos processos de expropriações que determinaram a aquisição dos terrenos ou dos trabalhos preparatórios dos planos de bacia hidrográfica, deve nomear-se uma comissão administrativa cuja função seja a delimitação de tal domínio.
V - O regime agora instituído, ao “destruir” o conceito de aproveitamento hidroeléctrico concebido como uma unidade, funcionalmente dirigida à produção de uma utilidade, na titularidade de um único sujeito de direito, pode colocar em causa, no limite, a operacionalidade do sistema.»

- São as seguintes as conclusões do segundo parecer solicitado pelo INAG, as quais são, de um modo geral, seguidas na exposição que acompanha o presente pedido de parecer:
«1. A EDP, quando invoca beneficiar do direito de utilização do domínio público hídrico por tempo indeterminado, está a confundir a actividade de serviço público com o direito à exploração de bens do domínio público;
2. Até 1975, o instrumento jurídico que regulava as relações jurídicas entre o Estado e as empresas concessionárias, objecto de nacionalização, era um contrato de concessão que envolvia, além da construção de uma obra, a prestação de um serviço através da exploração de bens do domínio público;
3. Pelo Decreto-lei n.º 502/76, de 30 de Junho, o Estado, encarando a actividade de produção, transporte e distribuição como um serviço público, entregou a sua exploração, por tempo indeterminado e em exclusivo à EDP, remetendo o respectivo regime jurídico para a emissão de um “decreto” depois de ouvida a empresa, em conformidade com o disposto no artigo 3º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 502/76;
4. Ao mesmo tempo, pressupondo a actividade a cargo da EDP o uso e a fruição de bens do domínio público hídrico, foi-lhe igualmente conferida a administração dos bens do domínio público, por força do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 502/76, cujo regime devia constar igualmente do mencionado “decreto”;
5. Como, entretanto, não foi emitido o tal “decreto”, onde devia ter sido explicitado também o regime jurídico relativo à administração dos bens do domínio público hídrico, considera-se que, em termos substantivos, e à luz da legislação analisada, a EDP continua a reger-se, em ambos os casos, pelas cláusulas do caderno de encargos dos anteriores contratos de concessão;
6. Por conseguinte, o que o Estado atribuiu à EDP, por tempo indeterminado, foi tão-só a actividade de serviço público, tal como resulta expressamente da lei (nº 3 do artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 502/76);
7. Nesta sequência, a EDP continuou a ter todos os direitos e a sujeitar-se às obrigações que, pelos cadernos de encargos das concessões ou por qualquer outro título regulador do serviço público de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica eram atribuídos ou impostos às sociedades nacionalizadas, em tudo o que não fosse incompatível com a nova forma de administração do serviço público (artigo 3º, nº 2, do Decreto-lei n.º 502/75);
8. Tendo o Estado optado por entregar através de Decreto-Lei a exploração do serviço público em causa, essa opção implicou inevitavelmente, a extinção do contrato de concessão existente, o que teria forçosamente de dar-se também em resultado da extinção jurídica do respectivo sujeito privado concessionário;
9. A extinção do contrato de concessão, em consequência da nacionalização das empresas concessionárias, verificou-se tão-só no que concerne à sua função jurídica tituladora da actividade de exploração do serviço público a cargo da EDP e da utilização dos bens do domínio público afectos ao serviço público. Em tudo o mais continuou a vigorar o regime jurídico dos anteriores contratos, com as devidas adaptações, tendo em conta a nova forma de exploração da actividade em causa;
10. À data da nacionalização, para além dos bens do domínio público hídrico, todos os bens afectos à exploração, pertenciam ao domínio público do Estado, quer pela via da classificação legal quer pelo critério dominante da doutrina da “universalidade pública”.
11. A situação jurídica dos bens manteve-se quando o Estado transferiu a sua administração para o uso privativo da EDP, EP;
12. Através do Decreto-Lei n.º 7/91, de 8 de Janeiro, a empresa pública Electricidade de Portugal (EDP) é transformada em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, passando a denominar-se EDP - Electricidade de Portugal SA (artigo 1º), que sucedeu automática e globalmente à Electricidade de Portugal (EDP), EP e continuou a personalidade daquela conservando a universalidade dos direitos e obrigações que constituíam o seu património no momento da transformação (artigo 2º);
13. De seguida, de acordo com o modelo de reestruturação da EDP - Electricidade de Portugal SA, operou-se a desintegração vertical da mesma, dando origem a empresas vocacionadas exclusivamente a uma das actividades de produção, transporte, ou distribuição de energia eléctrica;
14. O acervo de direitos respeitantes à administração dos bens do domínio hídrico de que a EDP, EP era titular passou incólume para as várias empresas, não obstante as mutações subjectivas que a mesma foi sofrendo;
15. E o mesmo se deve concluir no que concerne aos bens afectos à actividade desenvolvida pelas várias empresas que resultaram da cisão da EDP, SA;
16. Os aproveitamentos hidroeléctricos, integrados por força do Decreto-Lei nº 182/85 no SENV, continuaram a reger-se, no que respeita ao regime de utilização do domínio hídrico, pelos títulos de que eram titulares;
17. A liberalização do sector eléctrico e a natureza privada das empresas do Grupo EDP não se repercutiu no estatuto jurídico que caracterizava a situação jurídica dos bens por ela administrados, ainda que a actividade de produção, bem como a distribuição de energia eléctrica fora do SEP tenha deixado de ter utilidade pública;
18. (não existe).
19. Mesmo que se admitisse configurar-se no caso uma situação de desafectação tácita, porque os bens em causa deixaram de servir ao seu fim de utilidade pública, tal significaria tão-só que os mesmos passariam a estar nas condições comuns aos bens do domínio privado disponível da Administração;
20. No fim do prazo fixado nos respectivos títulos, os bens que não possam incluir-se no domínio público, nem no domínio privado indisponível do Estado revertem para o domínio privado disponível do Estado;
21. Em relação aos aproveitamentos hidroeléctricos com capacidade instalada até 10MVA, o regime da reversão, bem como o da atribuição de licenças de utilização do domínio hídrico, rege-se pela Portaria nº 295/2002, de 9 de Março.
20.1. No termo do prazo dos respectivos títulos, a entidade titular dos aproveitamentos está obrigada a reverter para o Estado os bens afectos ao aproveitamento hidroeléctrico, nos termos do disposto no artigo 30º, nºs 1 e 3, da Portaria nº 295/2002;
20.2. Para esse efeito, o estabelecimento da concessão integra, segundo o nº 3 do artigo 30º, os edifícios das centrais, subestações de transformação e oficinas anexas, com todo o seu equipamento electromecânico, acessórios e ferramentas, instalações de telecomunicações e telemedida, edifícios de armazéns, casas de habitação e de guarda e escritórios anexos às centrais, obras hidráulicas, nomeadamente barragens, órgãos de regulação e de descarga, instalações e obras de navegação, etc.;
22. Em relação ao regime de utilização do domínio hídrico, aos centros electroprodutores da titularidade das sociedades do Grupo EDP, integrados, pelo Decreto-Lei 182/95, no SEP, foi dado o prazo de um ano para regularizar o regime de utilização do domínio hídrico, em conjugação com a entidade concessionária da RNT;
23. Em princípio, com a aplicação deste mecanismo de regularização, devia ter cessado o regime de exploração de bens do domínio público que havia sido transmitido pela EDP, SA às empresas suas participadas;
24. Se essa regularização não foi efectuada, deve entender-se que se manteve o regime anterior, por força da cláusula de salvaguarda de direitos, já mencionada e constante do artigo 66º do mesmo diploma;
25.No que concerne à situação jurídica dos bens afectos à actividade de produção de energia, no âmbito do SEP, para além dos que pertencem ao domínio público por classificação legal, continuam a pertencer ao domínio privado indisponível os bens afectos à actividade de serviço público;
26. O regime jurídico dos Decretos-Leis nº 185/2003, 198/2003 e 153/2004, no que respeita à titularidade dos bens do domínio público afectos aos centros electroprodutores não tem em conta a evolução histórica do regime das relações jurídicas entre o Estado e as empresas do grupo EDP;
27. A constituição do “sítio” de um centro produtor hidroeléctrico, recebida no artigo 2º do Decreto-Lei nº 198/2003, contende com a definição de bens do domínio público hídrico, sem que para isso esteja devidamente autorizada pela Assembleia da República;
28. Sendo que, por força das disposições combinadas constantes da alínea f) do nº 1 do artigo 84º e da alínea v) do nº 1 do artigo 165º, a matéria do domínio hídrico, incluindo a identificação dos bens que o compõem e o respectivo regime jurídico, constitui reserva legislativa da Assembleia da República;
29. Por outro lado, a entender-se que do contexto global do diploma se retira que dos bens afectos aos centros produtores hidroeléctricos apenas pertencem ao Estado os bens do domínio hídrico, tal resultado está em contradição com o disposto nas bases de concessão da exploração da Rede Nacional de Transporte de Energia Eléctrica (RNT), constantes do Decreto-Lei nº 185/95 e ressalvadas pelo nº 7 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 153/2004;
30. Tal ideia também não tem correspondência com a informação constante dos Prospectos de Oferta pública que tem acompanhado o processo de privatização da EDP;
31. Finalmente, o artigo 6º do Decreto-Lei nº 153/2004, ao permitir que os terrenos afectos a centros electroprodutores possam ser destinados a fim diferente, com a autorização do Ministro da Economia, põe em causa a competência conferida ao INAG para definir as prioridades de utilização da água, segundo o artigo 18º do Decreto-Lei nº 46/94;
32. O Estado não pode dispor da liberdade de afectar, sobretudo, os bens do domínio hídrico a outras finalidades de interesse colectivo, tais como a rega ou o abastecimento público, sendo que se trata de competência reservada do INAG.»

- São os seguintes os principais argumentos invocados, em sentido diverso, num terceiro parecer (segundo menção constante daquele primeiro):
«1- A constituição da EDP como empresa pública determinou a extinção dos contratos de concessão enquanto tais»:
«a) as concessões pressupõem que a Administração detenha a titularidade do direito de exploração de aproveitamentos hidroeléctricos, mas ao criar a EDP, EP conferiu-lhe “o direito próprio exclusivo de exploração”. Logo, a EDP exerce esta actividade em nome próprio. Trata-se de um direito da EDP e não da Administração»;
«b) A extinção das concessões é consequência da nacionalização das sociedades concessionárias, prévia à criação da EDP».
2 - «A EDP foi constituída como pessoa colectiva pública, para o exercício, em exclusivo e por tempo indeterminado, da actividade de produção de energia eléctrica, de modo que para explorar os antigos aproveitamentos e os novos não carecia de contrato de concessão que para tal a habilitasse».
3 - «Os bens que compunham os estabelecimentos de produção hidroeléctrica integravam, directa ou indirectamente, o capital social da EDP, na ocasião da venda de acções de tal capital, por Operação Pública de Venda (OPV), na Bolsa de Valores de Lisboa».

- Finalmente, em parecer da autoria de RUI MACHETE (intitulado “O Domínio Público e a Rede Eléctrica Nacional”, publicado em Estudos de Direito Público, Coimbra Editora, 2004, página 207 e seguintes), concluiu-se pela seguinte forma:
«De tudo o que foi dito pode extrair-se como conclusão final que, de um modo geral, nos seus contratos de fornecimento internacional, como em todos os restantes actos e contratos praticados no âmbito de produção, transporte e distribuição em alta tensão de energia eléctrica, de que possam advir ónus ou encargos de natureza real, a EDP, melhor, as sociedades do grupo EDP, gozam das mesmas faculdades de que usufruem as outras sociedades comerciais, com as inevitáveis limitações a que se encontram sujeitas devido às licenças necessárias à produção e sua distribuição, e às bases de concessão no que concerne ao transporte. Poderá assim constituir garantias reais, “leasings”, e mesmo alienar ou trocar bens desde que tal não perturbe a funcionalidade das licenças e concessões e das obrigações assumidas daí advenientes.
Por fim, no que se reporta às licenças de produção que envolvam também a concessão ou subconcessão de domínio público hídrico, as faculdades de constituição de direitos reais menores ou de direitos reais de garantia sofrem a limitação de caducarem ou de os direitos reverterem para o Estado no final da concessão de uso privativo. As suas posições como concessionárias de pequena distribuição de energia eléctrica da competência dos municípios continuam, como já dissemos, sujeitas ao regime jurídico dos bens afectos à concessão tal como já foi traçado pelo Decreto-Lei n.º 43 335, pois a cessação da vigência deste não envolveu a revogação retroactiva dos limites e obrigações que se constituíram em resultado da sua aplicação no longo período da sua vigência.»
[7] O Regulamento da Lei de águas, aprovado pelo Decreto nº 6287, de 20 de Dezembro, do mesmo ano de 1919, continha os procedimentos para atribuição das concessões. Nos termos do Decreto nº 16767, de 23 de Abril de 1929, o decreto de concessão de aproveitamento de energia hidráulica devia prever, além do mais, o volume das águas a aproveitar, o regime das águas concedidas, as condições gerais quanto aos locais de captagem das águas, de descarga, barragem, etc., e ainda, os prazos para realização de obras e de início da exploração, as tarifas, o prazo da concessão, o prazo e as condições de resgate.
[8] Estes preceitos dispunham, no essencial:
- o artigo 52º, que a concessão, suas dependências e acessórios formavam um todo indivisível que não podia ser alienado ou obrigado, no todo ou em parte, sem autorização do Governo; que o conjunto dos direitos inerentes à concessão constituía propriedade imobiliária garantida e regulada pelas leis nacionais; que as sociedades concessionárias deviam organizar-se de acordo com a lei nacional e ter a sua sede em território nacional;
- o artigo 53º dispunha sobre o direito de expropriação em prédios e terrenos necessários à execução de obras e outros aproveitamentos;
- o artigo 56º dispunha sobre o direito de atravessamento de propriedades particulares.
[9] O Decreto nº 15548, de 5 de Junho de 1928, aprovou o contrato tipo de concessão o qual devia incluir, designadamente, o prazo de execução das obras, as tarifas, as regras a observar quanto à obrigação de fornecer energia, o prazo, a posse das instalações, o regime de cessação e de reversão. E o Decreto nº 16767, de 23 de Abril de 1929, estabelecia que os decretos de concessão deviam conter, além do mais, a obrigação de executar o projecto e respectivas alterações, o volume máximo de águas a aproveitar, o perímetro das obras hidráulicas da concessão, as condições sobre lugar de captagem das águas, barragens e canais de derivação, as obras a realizar e respectivos prazos, a tarifa máxima de venda de água ou de energia à saída da central, o prazo da concessão, as condições de resgate, etc.
[10] O diploma que regulamentou as referidas bases gerais procedeu à pormenorização das instalações objecto de concessão, atribuiu as respectivas classificações, estabeleceu as obrigações dos concessionários, fixou as regras do processo de concessão e o respectivo regime, designadamente quanto à declaração de utilidade pública, duração, resgate e rescisão, e condições de exploração. Em nome da eficiência, da segurança e da melhor realização dos objectivos previa a possibilidade de remodelação de instalações existentes, bem como de concentração ou de transferência de concessões. O artigo 86º dispunha: «Nenhum concessionário poderá, no todo ou em parte, e sem autorização do Governo, ouvida a Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos, vender, trespassar, ceder, dar de arrendamento ou onerar a concessão, nem transferir para outrém, por qualquer título, a exploração dela ou a utilização de instalações, dependências ou acessórios que lhe estejam afectos»; do mesmo modo, o artigo 51º, parágrafo 3º, proibia os concessionários de, sem prévia autorização do Governo, alienar os terrenos, edifícios ou direitos que tivessem expropriado por utilidade pública e urgente, por se mostrarem necessários ao estabelecimento das instalações.

[11] No preâmbulo deste diploma referia-se que a «actual situação do sector de electricidade» se caracterizava por «elevado número de entidades actuantes, em muitos casos de dimensão inaceitável, acarretando sobreposição de redes, excessiva diversidade tarifária e entraves ao prosseguimento de uma política de electrificação global “acelerada”».
[12] Um elenco de catorze sociedades entre as quais a Hidroeléctrica do Alto Alentejo, SARL.
[13] O nº 5 respeitava à Empresa Insular de Electricidade de Ponta Delgada.
[14] Alterados pelo Decreto-Lei nº 427/82, de 21 de Outubro.
[15] Mais tarde, o Decreto-Lei nº 4/2000, de 29 de Janeiro, determinou a fusão das quatro empresas de distribuição de energia eléctrica resultantes dessa cisão.
[16] As sucessivas fases do processo de reprivatização foram aprovadas pelos Decretos-Leis nºs 315/97, de 19 de Novembro (2ª fase), nº 94-C/98, de 17 de Abril (3ª fase), nº 141/2000, de 15 de Julho (4ª fase), nº 218-A/2004, de 25 de Outubro (5ª fase), nº 209-A/2005, de 2 de Dezembro (6ª fase).
[17] Decreto-Lei nº 20/81, de 28 de Janeiro, e Lei nº 21/82, de 28 de Julho.
[18] O Decreto-Lei nº 344-B/82, de 1 de Setembro, devolveu aos municípios o direito de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão.
[19] Os Decretos-Leis nºs 182/95, 183/95, 184/95, 185/95 e 186/95 foram alterados pelo Decreto-Lei nº 56/97, de 14 de Março, que também revogou o Decreto-Lei nº 188/95. O Decreto-Lei nº 182/95 foi ainda alterado pelos Decretos-Leis nº 24/99, de 28 de Janeiro, nº 198/2000, de 24 de Agosto, nº 69/2000, de 25 de Março, nº 85/2002, de 6 de Abril; recentemente, aquele diploma legal foi revogado pelo Decreto-lei nº 29/2006, de 15 de Fevereiro. O Decreto-Lei nº 187/95 foi alterado pelo Decreto-Lei nº 44/97, de 20 de Fevereiro. O Decreto-Lei nº 183/95 sofreu alterações sucessivas pelo Decreto-Lei nº 198/2000 e nº 153/2004, de 30 de Julho.
[20] Média tensão correspondia a tensão superior a 1 KV e igual ou inferior a 45KV; Alta Tensão correspondia a tensão superior a 45Kv e igual ou inferior a 110 KV; a partir de 110Kv tratava-se já de Muito Alta Tensão (MAT), e até 1KV de Baixa Tensão (BT).
[21] Integravam-se no SEP a CPPE – Companhia Portuguesa de Produção de Electricidade, S.A., a Tejo Energia – Produção e Distribuição de Energia Eléctrica S.A., e a Turbogás – Produtora Energética, S.A. A primeira, integrada na EDP Produção, detinha em 2002, 82% da capacidade de produção no âmbito do SEP; a EDP participava também nos capitais da segunda e da terceira sociedades (conforme informação constante do Relatório e Contas da EDP referente ao ano de 2002).
Estavam integradas no SENV, as seguintes empresas do grupo EDP: HDN- Energia do Norte, S.A., Hidrocenel – Energia do Centro, S.A., Hidrotejo, Hidroeléctrica do Tejo, S.A., estando afectos a esta última os centros electroprodutores de Belver, Póvoa, Bruceira, Velada e Caldeirão.
[22] Com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei nº 85/2002, passou a constar no lugar da Hidroeléctrica S.A., a EDP, Energia S.A., com afectação dos mesmos centros electroprodutores.
[23] O regime especial da actividade independente de produção eléctrica, a partir de recursos renováveis, ou de resíduos industriais, agrícolas ou urbanos, de co-geração, ou, no caso de aproveitamentos hidroeléctricos, desde que a potência instalada não seja superior, no seu conjunto, a 10 MW, foi consagrado no Decreto-Lei nº 189/88, de 27 de Maio (sucessivamente alterado pelos Decretos-Leis nº 313/95, de 24 de Novembro, nº 168/99, de 18 de Maio, nº 339-C/2001, de 29 de Dezembro, e nº 33-A/2005, de 16 de Fevereiro). Inicialmente, a actividade estava sujeita a autorização das instalações e, a partir de 2001, a licença de de exploração.
[24] Do referido pacote legislativo os restantes diplomas – Decretos-Leis nº 186/95, 187/95, e 189/95 – respeitavam, respectivamente, à actividade de produção e consumo combinados de energia eléctrica e de energia térmica, mediante o processo de cogeração; à criação, organização e funcionamento da Entidade Reguladora do Sector Eléctrico; à produção de energia eléctrica, no âmbito do SEI, através de utilização de determinados recursos.
[25] Com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei nº 198/2000, de 24 de Agosto, passou a integrar o SEP como entidade titular de licença de distribuição de energia eléctrica em média e alta tensão no território continental, a EDP – Distribuição Energia S.A., entidade que resultou da fusão das quatro anteriores que prosseguiam a mesma actividade.
[26] A REN, S.A. é também uma sociedade participada pela EDP.
[27] Publicado no Diário da República, II Série, de 31 de Agosto de 2005.
[28] Em 2002 cerca de 95% da electricidade produzida em Portugal estava garantida por estes contratos de longa duração (conforme informação constante do Relatório e Contas da EDP referente a esse ano).
[29] Identificação dos terrenos que integram o “sítio de centro produtor termoeléctrico”.
[30] É evidenciada (desde logo, na nota preambular) a necessidade de desenvolvimento, em sede de legislação complementar, dos regimes de exercício das actividades e dos procedimentos para atribuição de licenças e concessões.
[31] Resolução nº 169/2005, de 24 de Outubro.
[32] Foi entretanto publicado o Decreto-lei nº 77/2006, de 30 de Março, que desenvolve o regime fixado na Lei nº 58/2005, que contém especificações de ordem técnica sobre “Caracterização das águas superficiais e das águas subterrâneas; “Condições de referência específicas para os tipos de massas de águas superficiais”, “Avaliação de pressões sobre águas superficiais e águas subterrâneas e respectivo impacte”, “Análise económica das utilizações da água”.
[33] O Decreto-Lei nº 29/2006, manteve a concessão da RNT à REN, S.A., e converteu em concessão a licença de distribuição em alta e média tensão de que era titular a EDP, Energia S.A.
[34] Sobre o tema, cfr., entre outros, os pareceres deste Conselho: nº 36/92, de 2 de Dezembro de 1993, publicado no Diário da República, II Série, de 13 de Setembro de 1994; nº 8/98, de 7 de Outubro de 1998, publicado no Diário da República, II Série, de 17 de Março de 1999; nº 79/99, de 22 de Novembro de 2001, publicado no Diário da República, II Série, de 23 de Março de 2002.
Na doutrina, entre outros: NUNO SÁ GOMES, “Nacionalizações e Privatizações”, in Ciência e Técnica Fiscal, Centro de Estudos Fiscais, nº s 351, Julho-Setembro de 1988, página 23 e seguintes e nº 352, Outubro-Dezembro de 1988, página 7 e seguintes; OLIVEIRA ASCENSÃO, Expropriações e Nacionalizações, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1989; CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Económico, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa 1979, I volume, página 41 e seguintes; SIMÕES PATRÍCIO, “Nacionalização e Empresas Nacionalizadas”, Revista de Direito e Economia, Coimbra, ano VIII, nº 2, Julho-Dezembro de 1982, página 299 e seguintes; CABRAL DE MONCADA, Direito Económico, 2ª edição, Coimbra Editora, 1988, páginas 280 e seguintes; KATZAROV, Théorie de la Nationalisation, Editions de la Baconniére, Neuchatel, 1960.
Na jurisprudência, entre outros: acórdãos do Tribunal Constitucional nº 11/84, de 7 de Fevereiro de 1984, publicado no Diário da República, II Série, de 8 de Maio de 1984, nº 108/88, de 31 de Maio de 1988, publicado no Diário da República, I Série, de 25 de Junho de 1988; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno), de 1 de Outubro de 2003, processo nº 30059; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, nº 22174, de 2 de Março de 1994, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 435, página 483.
[35] NUNO SÁ GOMES, estudo citado, página 41.
[36] Este dispositivo foi alterado pela revisão constitucional de 1989, passando o artigo 83º a dispor sobre “Requisitos de apropriação colectiva”, nos seguintes termos. «A lei determinará os meios e as formas de intervenção e de apropriação colectiva dos meios de produção e solos, bem como os critérios de fixação da correspondente indemnização.»
[37] Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 1978, página 205.
[38] Obra citada, página 86.
Entre os defensores da tese da aquisição originária encontram-se SIMÕES PATRÍCIO, KATZAROV, CABRAL DE MONCADA, e entre os que sustentam a tese da aquisição derivada NUNO SÁ GOMES, CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA.
[39] Estudo e local citados, nº 352, página 22
[40] Obra citada, página 209 e seguintes.
[41] MANUEL DE ANDRADE (Teoria Geral da Relação Jurídica, Almedina, Coimbra, 1997, Reimpressão, I volume, página 217) dá a seguinte noção de “património autónomo”: «conjunto patrimonial a que a ordem jurídica dá um tratamento especial, distinto do restante património do titular, sob o ponto de vista de responsabilidade por dívidas». E acrescenta: «É claro, por outro lado, que para existir tal autonomia, atribuindo-se ao termo a plenitude da sua significação, deverá o respectivo património aparecer como completamente separado – sempre no aspecto aqui tomado como decisivo -, formando assim uma espécie de compartimento estanque, adentro do património total da pessoa». Segundo o Autor «os patrimónios autónomos são patrimónios de afectação especial, ao passo que o restante património da pessoa é de afectação geral».
FERRARA, citado pelo mesmo Autor, esclarece que «o património autónomo não é uma pessoa jurídica, porque se a autonomia é uma consequência da personalidade, a autonomia, pelo contrário, não pressupõe sempre um sujeito distinto (...)».
[42] Estudo e local citados, página 335.
[43] Direito Económico, página 85 e seguintes.
[44] Estudo e local citados, nº 352, página 93.
[45] Estudo e local citados, nº 352.
[46] “O Domínio Público e a Rede Eléctrica Nacional”, estudo citado.
[47] Cfr. nota 23.
[48] Cfr. PEDRO GONÇALVES (A concessão..., obra citada, página 155 e seguintes) com referência à falta de autonomia da figura da concessão de construção de obras públicas no âmbito de uma concessão de serviço público, em que a fase de construção poderá ser concebida como «uma obrigação contratual» aceite pelo comcessionário.
[49] O parecer citado contém importante desenvolvimento e informação doutrinária acerca das noções e “critérios de distinção entre a concessão de serviços públicos e outros contratos que implicam de igual modo o recurso à técnica concessória”.
[50] O Domínio Público, Almedina, Coimbra, 2005, página 485 e seguintes.
[51] Manual do Direito das Águas, 2ª edição, Coimbra Editora, 1999, página.449.
[52] Manual de Direito Administrativo, 10ª edição, Almedina, Coimbra, 1994, II volume, página 948 e seguintes.
[53] Administração da Região Hidrográfica.
[54] A este propósito cabe referir que, no caso da transferência também operada para a EDP, EP, da concessão de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão até aí do foro municipal, e respectivos bens afectos, veio mais tarde a Resolução nº 112, de 14 de Julho, do Conselho de Ministros, reconhecer “o direito originário” dos municípios à “distribuição de energia eléctrica em baixa tensão”. Segundo referem PEDRO GONÇALVES E RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA (“As concessões municipais...”, estudo citado, página 19):
«(...) a pretensão da legislação de 1982, aprovada na sequência da citada Resolução, foi essencialmente a de resolver um problema que em 1975/76 tinha ficado mal solucionado. Muitos municípios tinham equipamentos e redes próprias de distribuição de energia eléctrica que a legislação daquele período tinha transferido coactivamente para a EDP. Por isso, mais do que qualquer outra coisa (v.g., conferir aos municípios o poder de organizar os modos de gestão do serviço público de distribuição de energia eléctrica), do que se tratava em 1982 era sobretudo do reconhecimento ou, se se quiser, do esclarecimento feito pelo Estado, de que aqueles patrimónios e redes pertenciam aos municípios. Ou seja, naquela altura, o Estado quis deixar claro que os patrimónios municipais “transferidos” para a EDP em 1975/76 não integravam o património desta. Apesar de se manterem afectados à exploração do serviço, e, por isso, na “esfera de gestão” da EDP, eles continuavam sendo patrimónios municipais.»
[55] “Universalidade pública” é definida por MARCELLO CAETANO (Manual..., obra citada, volume II, página 890) como «complexo de coisas pertencentes ao mesmo sujeito de direito público e afectadas ao mesmo fim de utilidade pública que a ordem jurídica submete ao regime administrativo como se tratasse de coisas públicas simples».
[56] Manual..., obra citada, II volume, página 1120.
[57] Quanto à propriedade pública, e acompanhando o parecer nº 27/2004, são seus elementos caracterizadores:
a) o sujeito do direito é sempre uma pessoa colectiva pública de população e território – o artigo 84.º, n.º 2, da Constituição é elucidativo a este respeito, ao estabelecer que a “lei define quais os bens que integram o domínio público do Estado, o domínio público das regiões autónomas e o domínio público das autarquias locais”;
b) o direito de propriedade pública é exercido para produção do máximo de utilidade pública das coisas que formam o seu objecto, conforme a lei determinar;
c) o uso das coisas públicas traduz-se na utilização por todos ou em benefício de todos;
d) a fruição nuns casos confunde-se com o uso, noutros é independente dele e consiste na faculdade de cobrar taxas pela utilização dos bens, ou na colheita dos seus frutos naturais;
e) as coisas públicas são incomerciáveis como tais pelos processos de Direito privado, mas comerciáveis segundo os processos de Direito público;
f) relativamente a terceiros, o proprietário exerce o jus excludendi alios por meio de actos administrativos definitivos e executórios, isto é, usando a sua própria autoridade e independentemente de recurso aos tribunais».
[58] Obra citada, página 449.
[59] As Concessões ..., obra citada, página 307 e seguintes.
[60] Sobre a matéria cfr., entre outros, os seguintes pareceres deste Conselho: nº 16/91, de 11 de Fevereiro de 1993, publicado no Diário da República, II Série, de 20 de Setembro de 1996; nº 38/91, de 2 de Novembro de 1991, publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Setembro de 1995; nº 33/92, de 27 de Junho de 2002, publicado no Diário da República, II Série, de 17 de Novembro de 1993; nº 134/2001, de 13 de Janeiro de 2003; nº 4/2002, de 27 de Junho de 2002, publicado no Diário da República, II Série, de 26 de Setembro de 2002; nº 27/2004, de 13 de Janeiro de 2005.
Na doutrina, entre outros: MARCELLO CAETANO, Manual..., obra citada, volume II, página 896 e seguintes; FREITAS DO AMARAL e JOSÉ PEDRO FERNANDES, Comentário à Lei do Domínio Hídrico, Coimbra Editora, 1978; JOSÉ PEDRO FERNANDES, “Património do Estado” e “Domínio Público”, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, Coimbra Editora (volume VI, página 285 e seguintes, e volume IV, página 166 e seguintes, respectivamente).
[61] Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, páginas 413 e 414 (em anotação ao preceito).
[62] Nos termos do artigo 5º integram o domínio privado do Estado os imóveis (nomeadamente os prédios rústicos e urbanos do Estado, e os direitos a ele inerentes; os direitos de arrendamento de que o Estado é titular como arrendatário; os bens móveis corpóreos (com excepção das coisas consumíveis e daquelas que sem se destruírem imediatamente se depreciam muito rapidamente (...); quaisquer outros direitos reais sobre coisas (...).
[63] Revogado pelo Decreto-Lei nº 46/94, à excepção do artigo 1º. Este artigo foi posteriormente revogado pela Lei nº 54/2005.
[64] Revogado, nesta parte, pelo Decreto-Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro.
[65] Local citado.
[66] Entre outros, o parecer nº 27/2004.
[67] Na classificação adoptada por MARCELLO CAETANO incluem-se, ainda, no domínio público natural, o domínio público aéreo e o domínio público mineiro. No domínio público artificial inserem-se as seguintes categorias: domínio de circulação (onde estão incluídas as redes de distribuição pública de energia eléctrica, suas obras e canalizações), o domínio militar, o domínio monumental e artístico. Ainda segundo o Autor, o domínio público hídrico compreende os bens do domínio público marítimo, fluvial e lacustre, bem como nascentes e águas subterrâneas e águas das fontes públicas.
[68] Alterado pelos Decretos-Leis nº 53/74, de 15 de Fevereiro, nº 89/87 de 26 de Fevereiro e pela Lei nº 16/2003, de 4 de Junho. Revogado: os capítulos III e IV pela Lei nº 58/2005, de 29 de Dezembro, estando a revogação nesta parte deferida à edição de legislação complementar; os capítulos I e II pela Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro.
[69] O prazo máximo de outorga de licenças e concessões foi fixado em 5 e 30 anos, respectivamente, podendo a concessão ser outorgada por prazo superior ou por tempo indeterminado em casos especiais, mediante autorização do Conselho de Ministros.
[70] O diploma orgânico daquele Instituto, aprovado pelo Decreto-Lei nº 191/93, de 24 de Maio (alterado pelo Decreto-Lei nº 110/97, de 8 de Maio), designava-o como «responsável pela prossecução das políticas nacionais no domínio dos recursos hídricos e do saneamento básico»; do elenco de atribuições emergia, igualmente, uma função caracterizadamente de promoção, de acompanhamento, de estudo e de desenvolvimento.